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Resenha de Comunicação animal e linguagem humana, capítulo quinto do livro Problemas de

Linguística Geral de Émile Benveniste .

Por Felipe Pereira de Carvalho1

Um comportamento muito comum que temos enquanto seres complexos que somos é o de estender
nossa realidade aos demais animais. Talvez por conta disto que sejamos capazes de verdadeiros
diálogos com nossos animais de estimação, muitas vezes tratando-os como trataríamos uma criança
humana, presumindo haver neles a nossa própria complexidade. Mesmo que a psicologia animal
não seja nada simples, ainda não se pode dizer que os animais, mesmo de forma rudimentar, tenham
desenvolvido uma “linguagem” própriamente dita. É justamente sobre esta última colocação que
debruça-se o linguísta europeu Émile Benveniste, no quinto capítulo de seu livro Problemas de
Linguística Geral.

“As condições fundamentais de uma comunicação propriamente linguística parecem faltar no


mundo dos animais, mesmo superiores”, enfatiza Benveniste no início do capítulo, e então elege o
comportamento comunicativo das abelhas – animais de caráter social e exímia organização, capazes
de trocar verdadeiras mensagens – para elemento de comparação com a atividade comunicativa
humana. Baseando-se nos postulados do zoólogo e etologista alemão Karl von Frisch, o autor
discorre sobre os contrastes entre os comportamentos comparados e, mesmo reconhecendo nas
abelhas um traço indispensável para o comportamento linguístico, que é a capacidade de formular e
interpretar um signo, aponta para a fixidez do conteúdo e a invariabilidade da mensagem –
características cabais na comunicação entre estes insetos e totalmente inexistentes na comunicação
entre humanos, que é capaz de referir-se à uma infinidade de dados e conteúdos.

Assim, aprofundando a discussão, Benveniste indica contrastes ainda mais interessantes.


Fisicamente falando, a mensagem da comunicação humana não conhece muitas limitações, com
exceção a patologias ou obstáculos físicos que possam dificultar a recepção pelo interlocutor. Nisso
diferem muito as abelhas, cuja mensagem é transmitida únicamente pela via gestual e, portanto,
pode facílmente ser prejudicada caso haja obstrução do recurso visual.

Um outro contraste significativo é encontrado dentro da situação em que se dá a comunicação. A


comunicação das abelhas nasce de uma única situação objetiva que possibilita uma mensagem
quase sem nenhuma variação ou transposição possível e, assim sendo, tais mensagens não são
capazes de provocar respostas comunicativas. Em outras palavras, o autor afirma não haver diálogo
na comunicação entre as abelhas, justamente por suas mensagens não produzirem um fluxo

1 Acadêmico do curso de Letras da Universidade Federal do Paraná.


comunicativo em que enunciados significantes desencadeiem respostas diversas e são também
resposta para outros enunciados. Nos humanos, por sua vez, impera o total inverso, o diálogo é
condição para a linguagem e os falantes estão o tempo todo a comunicar-se com outros falantes,
respondendo e produzindo respostas linguísticas.

O último contraste que Benveniste elabora opõe totalmente a comunicação das abelhas à linguagem
humana. A linguagem humana se organiza como sistemas de unidades e de códigos que fornecem
um inventário sem fim de elementos de significação que são reunidos seleta e distintivamente pelo
falante num enunciado. As abelhas, entretanto, possúem um inventário limitado de códigos e apenas
transmitem mensagens de conteúdo global e pouco variável, sendo animais impossibilitados de
reorganizar os elementos constituintes em novas e distintas mensagens, configurando, então, um
sistema comunicativo incapaz de recursividade, uma das maiores e mais preponderantes
características da linguagem humana.

Por fim, observar o conjunto de contrastes explicitados por Benveniste no quinto capítulo de seu
livro culmina em duas grandes constatações finais. Primeiro, se pode constatar que não há formas
de linguagem tão complexas quanto a humana no reino animal. Cada espécie desenvolve uma
comunicação limitada e própria, como é o caso do código de sinais presente entre as abelhas.
Segundo, podemos inferir a existencia de uma relação entre o comportamento de vida em sociedade
e o desenvolvimento de um comportamento comunicativo mais complexo e elaborado, uma vez
que, dentro do mundo animal, as mais complexas formas de comunicação e linguagem foram
encontradas dentre os animais que apresentam caráter social.

BIBLIOGRAFIA:

“Comunicação animal e linguagem humana” In: BENVENISTE, Émile. Problemas de Linguística


Geral; tradução de Maria da Glória Novak e Luiza Neri; São Paulo, Ed. Nacional, Ed. da
Universidade de São Paulo, 1976.

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