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AZULEJOS HISTÓRICOS EUROPEUS PRODUZIDOS NO FINAL DO

SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX: CARACTERIZAÇÃO


MINERALÓGICA E QUÍMICA DE BISCOITOS

Cristiane Pereira da Silva, CG – UFPA, e-mail: crisgeologia@hotmail.com


Marcelo Farinha Silva, CG – UFPA, e-mail: marc_farinha@yahoo.com.br
Rômulo Simões Angélica, CG – UFPA, e-mail: angélica@ufpa.br
Marcondes Lima da Costa, CG – UFPA, e-mail: mlc@ufpa.br
Thais Alessandra Bastos Caminha Sanjad, CG- CT – UFPA, e-mail: thais@ufpa.br

RESUMO

A utilização de azulejos em fachadas de prédios em Belém teve um considerável aumento no


período econômico mais próspero da região, que ficou conhecido como Belle Epoque. Com a
motivação de adquirir conhecimentos a respeito da caracterização física e da composição
química e mineralógica de azulejos antigos, foram aplicadas técnicas instrumentais da área das
Geociências na busca de informações tecnológicas que possibilitem a fabricação de réplicas de
azulejos que possam ser utilizados em intervenções restaurativas ou mesmo no artesanato local.
Pertencentes à coleção do Departamento de Arquitetura da UFPA, dezenove amostras de
azulejos do final do século XIX e início do século XX fabricados na Alemanha, Portugal e
França foram coletadas. As análises da porosidade do biscoito foram realizadas através de
absorção total em água e picnômetro de Hubbardd. As espessuras foram medidas com o auxílio
do paquímetro. Para a caracterização mineralógica foi utilizado difratômetro de Raios-X do
Centro de Geociências, (método do pó). A composição química semi-quantitativa foi realizada
através da microscopia eletrônica de varredura (MEV/SED) que também deu suporte à
caracterização mineralógica. Foram realizadas também análises químicas totais em três amostras
por diferentes métodos de análises via-úmida e por espectroscopia de absorção atômica.
Os resultados revelaram uma clara diferenciação entre os azulejos provenientes dos grandes
centros produtores, tais como França e Alemanha que apresentou porosidades menores do que as
encontradas nas de Portugal. Uma outra diferença também pode ser vista na composição
mineralógica. Os azulejos da Alemanha e França alcançaram temperaturas de queima superiores
a 1200ºC, e que provavelmente a matéria prima utilizada foi composta de caulinita e quartzo. Já
nos portugueses há outras fases derivadas da presença de carbonatos na matéria prima (utilizado
como fundente), não ultrapassando os 1200ºC necessários para formar mullita, mas que foi
superior a 1000ºC.
ABSTRACT

The tiles used in facades of ancient buildings in Belém had a considerable increase in the more
prosperous economic period of the region that was known as Belle Époque. The main purpose of
this work was to characterize such tiles in terms of their physical, chemical and mineralogical
composition, by mean of instrumental techniques usually applied for geosciences or related
disciplines. Such technological information can be applied that in the manufacture of new tiles in
the refurbishing of ancient buildings, besides in local handcraft market. Samples analyzed in this
work came from the collection of the Architecture Department of UFPA. They are nineteen tile
samples of the end of XIX´s century and manufactured in the beginning of XX´s century in
Germany, Portugal and France. Porosity analyses of the biscuit had been carried out through total
absorption in water using the Hubbard picnometer. X-ray powder diffraction analysis were
carried out for all samples using a Philips PW 3710 x-ray diffractometer. Semi-quantitative
chemical analysis was carried out by means of X-ray energy-dispersive system (EDS) attached to
a scanning electronic microscope (SEM) that also supported mineralogical characterization.
Total chemical analyses have been done only in three samples (A1, F1 and P4ii) for different
methods, including wet-chemical assays and atomic absorption spectroscopy. The results
disclosed a clear differentiation between the studied tiles according to their sources and
manufacturing centers, such as France and Germany that presented lesser porosities, in
comparison with the Portuguese tiles. Another remarkable difference can also be seen in the
mineralogical composition. German and France tiles have reached temperatures above 1200ºC
whose probable raw material we based on kaolinite and quartz. In the Portuguese tiles other
mineral phases have been found, including carbonates that were used as flux. They did not
reached 1200ºC necessary to form mullite but the temperature was probably above 1000ºC.

INTRODUÇÃO

A maioria dos azulejos antigos de Belém data do final do século XIX e início do século XX.
Eestes estão em fachadas de edificações que se encontram no centro da cidade e no seu entorno.
Foi no período econômico mais prospero da região, denominado de Belle Epoque (século XIX),
que ocorreu um aumento da importação de azulejos vindos da Europa, e houve uma maior
diversidade dos exemplares existentes hoje na cidade.
Os azulejos históricos da capital paraense são carentes de estudos até os dias atuais e poucos são
os trabalhos que vem sendo desenvolvidos. O mais importante registro foi realizado por Dora
Alcântara na década de 70 do século XX, mas não foi publicado. Ao longo destes anos sua
importância não passou despercebida e continua sendo referência em importantes obras que
retratam a Belle Époque no âmbito da arquitetura eclética (Sanjad, 2002).
Com a motivação de adquirir conhecimentos a respeito da caracterização física e da composição
química e mineralógica de azulejos antigos, foram aplicadas técnicas instrumentais da área das
Geociências na busca de informações tecnológicas que possibilitem a fabricação de réplicas de
azulejos que possam ser utilizados em intervenções restaurativas ou mesmo no artesanato local.
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Pertencentes ao acervo do Departamento de Arquitetura da UFPA, dezenove amostras foram


coletadas. Todas são fragmentos de azulejos do final do século XIX e início do século XX,
fabricados em Portugal, França e Alemanha. Das amostras coletadas, foram fotografadas e
digitalizadas tanto a face principal, quanto o tardoz (costa) dos azulejos, visto que em alguns
casos apresentam a identificação das fábricas. A identificação foi realizada com base no país de
origem de cada amostra, por exemplo, Portugal (P); Alemanha (A) e França (F) e também foram
numeradas. Para auxiliar na caracterização física, química e mineralógica dos azulejos foram
preparadas seções polidas de cortes transversais, mostrando as espessuras de vidrado e biscoito.
A preparação foi realizada no Laboratório de Laminação do Centro de Geociências da UFPA.
As seções polidas abrangem todas as cores da decoração dos azulejos.
A caracterização física restringiu-se á verificação da porosidade dos azulejos através das análises
de absorção total em água e densidade pelo picnômetro de Hubbardd, este último realizado no
Núcleo de Tecnologia da Preservação e da Restauração (UFBA). Além disso, foram verificadas
as espessuras do biscoito dos azulejos utilizando uma lupa, além de microscópio ótico e
eletrônico na verificação das possíveis fragilidades como fraturas, craquelês e bolhas de ar. As
densidades das amostras foram verificadas para complementar os resultados da absorção total em
água. Devido tratar-se de um material cerâmico poroso, a água é facilmente absorvida e o
picnômetro de Hubbard foi o método mais adequado para ser utilizado nas amostras já que o
mesmo utiliza mercúrio no lugar da água.
As análises mineralógicas foram realizadas em um difratômetro da marca Philips, modelo PW
3710, equipado com tubo de cobre ( CuK 1 = 1,54060 ), com monocromador e gerador de
tensão e corrente ajustados para 45kV e 35 mA, respectivamente, pertencente ao Laboratório de
raios-x do Centro de Geociências da Universidade Federal do Pará.
A composição química foi realizada por Microscopia Eletrônica de Varredura com sistema de
análise por dispersão de energia (MEV-EDS), que fornece a composição química pontual ou
região da superfície, possibilitando a identificação de praticamente qualquer elemento presente
na amostra. Foram realizadas também análises químicas totais em três amostras (A1, F1 e P4ii)
por diferentes métodos de análises via-úmida e por espectroscopia de absorção atômica.

RESULTADOS

Caracterização física

As amostras dos azulejos possuem espessuras variando entre 0,55cm a 1,25cm. Nestes valores
estão inclusas as superfícies com relevo, tanto no vidrado quanto no tardoz (parte posterior dos
azulejos).
Dentre as amostras observou-se uma diferenciação na homogeneidade caracterizada pela
presença ou não de grãos (minerais) em matriz vítrea.Tais grãos apresentam formas angulosas e
tamanhos variados (entre 10 µm a 40 µm).
Das amostras estudadas neste trabalho, os resultados da absorção total em água revelam uma
porosidade acessível bastante diversificada. Foi observado que os azulejos portugueses são os
que apresentam em geral uma maior absorção de água, quando comparados com os alemães e
franceses analisados.
Todos os resultados das analises realizadas, bem como as amostras e suas procedências estão
apresentados na tabela 1.

Tabela 1 – Identificação, procedência, absorção total em água, densidade (com e sem vidrado) e
espessura total dos azulejos do final do século XIX e início do século XX.

Amostras País de Absorção Densidade Densidade Espessura Espessura


origem em Água sem vidrado com vidrado Total do biscoito
(%) (kg/cm3) (kg/cm3) (cm) (mm)

P1 Portugal 18,08 1,93 2,00 0,91 8,6 a 8,56


P2 Portugal 17,82 1,50 1,97 0,90 5,8 a 4,6
P3 Portugal 18,57 1,56 1,73 0,99 a 0,80 ** 6,6 a 5,6
P4i Portugal 27,94 1,66 1,64 0,85 a 0,65 ** 6,42 a 6,36
P4ii Portugal 23,46 1,76 2,11 0,90 a 0,55 ** 5,38 a 5,26
P5 Portugal 15,22 1,58 1,75 1,00 9,9 a 9,5
P6 Portugal 27,58 1,61 1,65 1.25 a 0,80 * 7,92 a 7,26
P7 Portugal 17,83 1,61 1,66 0,85 8,16 a 8,06
P8 Portugal 16,11 1,64 1,72 0,90 8,6 a 8,56
P9 Portugal 19,17 1,54 1,66 0,85 8,04 a 7,98
P10 Portugal 29,79 1,42 1,78 0,90 a 0,82 ** 8,14 a 8,1
P11 Portugal 23,00 1,87 2,20 0,68 6,6 a 6,5
P12 Portugal 19,50 1,71 1,75 0,92 a 0,85** 8,2 a 8,16
P13 Portugal 17,40 1,38 1,40 0,65 6,22 a 6,2
P14 Portugal 20,88 1,63 1,83 0,91 a 0,81 ** 8,0 a 7,96
P15 Portugal 19,22 1,59 2,15 0,90 8,86 a 8,7
A1 Alemanha 6,77 1,77 1,90 1,00 a 9,8 ** 9,76 a 9,66
A2 Alemanha 9,70 1,64 1,70 1,12 a 1,08 * 10,72 a 10,66
F1 França 14,58 1,72 1,74 0,71 a 0,61 ** 6,02 a 6,0
*Azulejos com relevo na face principal
**Azulejo com relevo no tardoz (parte de traz do azulejo)

Caracterização Mineralógica

A presença de equivalentes minerais de anortita, gehlenita, diopsídio e wollastonita, cuja


formação acontece pós quebra da estrutura da calcita, do quartzo e do argilomineral,
provavelmente caulinita, indica que tais amostras tiveram temperatura de queima superior a
1000 ºC.
Os equivalentes minerais de mullita, cristobalita, tridimita indicam uma matéria-prima composta
basicamente de caulinita e quartzo. Santos (1989) explica que tais fases são originadas a partir
de um aumento crescente de temperatura, a partir de 1000ºC para caulinita e tridimita, e 1200ºC
para cristobalita.
A calcita pode ter existido na composição do azulejo, mas sendo a queima superior a 1000ºC,
sua estrutura foi quebrada. Isto indica que sua formação foi pós-queima, possivelmente
originada pelo óxido de cálcio sem combinação durante a cozedura do biscoito, ou pelo
hidróxido de cálcio da argamassa de assentamento destes azulejos que migrou pela porosidade
do material. A caracterização mineralógica das amostras por difração de Raios-X está
apresentada na Tabela 2.

Tabela 2 - Identificação, composição mineralógica da base cerâmica (biscoito) e procedência dos azulejos.

Amostras Procedência Resultados da Difração

P1- BIS Portugal quartzo, anortita, calcita, gehlenita, diopsídio


P2- BIS Portugal quartzo, calcita, diopsídio, gehlenita, wollastonita
P3- BIS Portugal quartzo, calcita, diopsídio, gehlenita, cristobalita
P4i- BIS Portugal quartzo, diopsídio, calcita, gehlhenita, anortita
P4ii- BIS Portugal quartzo, diopsídio, calcita, anortita, tridimita, gehlenita.
P5- BIS Portugal quartzo, calcita, gehlenita, diopsídio, cristobalita.
P6- BIS Portugal quartzo, wollastonita, gehlenita, diopsídio.
P7- BIS Portugal quartzo, calcita, diopsídio, gehlenita.
P8- BIS Portugal quartzo, calcita, mullita, diopsídio
P9- BIS Portugal quartzo, gehlenita, wollastonita, calcita, diopsídio.
P10- BIS Portugal quartzo, gehlenita, Wollastonita.
P11- BIS Portugal quartzo, calcita, gehlenita, wollastonita.
P12- BIS Portugal quartzo, anortita,diopsídio,gehlenita, wollastonita
P13- BIS Portugal quartzo,calcita,diopsídio, cristobalita, gehlenita.
P14- BIS Portugal quartzo, mullita, diopsídio.
P15- BIS Portugal quartzo, tridimita, gehlenita, wollastonita.
A1- BIS Alemanha quartzo, mullita, cristobalita.
A2- BIS Alemanha quartzo, mullita, cristobalita.
F1- BIS França quartzo, mullita, cristobalita.
Caracterização química

A amostra A1 representa os azulejos alemães na análise química e este obteve como


resultado um alto teor de SiO2 (74,08 %) e Al2O3 (19,12 %), indicando que a matéria prima
utilizada apresenta um caráter mais puro, composta principalmente por caulinita e quartzo. A
amostra P4ii, representa todos os azulejos portugueses e obteve como resultado, além do alto teor
de SiO2 (46,38 %) e Al2O3 (17,02 %), um alto teor de CaO (22,96 %), muito utilizado como
fundente, indicando a presença de outros compostos químicos como carbonatos e óxidos e/ou
hidróxidos de ferro. A amostra F1 obteve resultados similares aos dos azulejos alemães. Nesta, o
alto teor de SiO2 (71,54 %), juntamente com o de Al2O3 (22,37 %), indicando, assim como nas
amostras alemães, que a matéria prima utilizada apresenta um caráter mais puro, composta
principalmente por caulim e sílica.

Tabela 3 – Análise química total


% de Óxidos SiO2 Al2O3 Fe2O3t TiO2 P2O5 P.F Na2O K2O CaO MgO
Amostra A1 74,08 19,12 0,54 0,34 <0,01 0,87 2,40 1,34 0,48 0,15
Amostra F1 71,54 22,37 0,77 0,68 <0,01 0,74 0,26 2,12 0,21 0,34
Amostra P4ii 46,38 17,02 3,64 0,73 <0,11 2,75 0,74 2,43 22,96 3,24

CONCLUSÕES

As informações obtidas mostram claramente uma diferenciação entre os azulejos provenientes de


grandes centros produtores do século XIX, como Alemanha e França, que apresentam uma
composição mineralógica alcançada a temperaturas superiores a 1200 ºC, cuja matéria-prima
utilizada foi possivelmente composta de caulinita e quartzo. Já as demais amostras apresentam
diversas fases derivadas da presença de carbonatos na matéria-prima, muito utilizado como
fundente, caracterizando assim uma amostra que não ultrapassou os 1200ºC necessários para
formar mullita, mas que foi superior a 1000ºC.

PALAVRAS CHAVES:

Cerâmica, azulejo, caracterização mineralógica, patrimônio cultural, mineralogia aplicada


AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pela bolsa de Iniciação Científica a nós concedida; a SECTAM/FUNTEC; a DAU/UFPA


e ao NTPR/UFBA

REFERÊNCIAS

SANJAD, T. A. B. C. (2002). Patologias e conservação de azulejos: um estudo tecnológico de


conservação e restauração de azulejos dos séculos XVI, XVII e XIX, encontrados na cidade de
Belém e Salvador. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Arquitetura, 206p.
(Dissertação de Mestrado).

SANTOS, P. de S. Ciência e tecnologia de argilas. São Paulo: Ed. Edgard Blücher, 1989. v.3.

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