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Irène Némirovsky escreveu o romance O Baile em 1930, inspirado nas difíceis relações

entre a autora e a sua mãe, descrevendo a crueldade adolescente.


Uma judia de origem russa, Irène Némirovsky demonstra as suas habilidades literárias
desde muito cedo: em 1929, com apenas 26 anos de idade, publicou o primeiro romance numa
prestigiada editora parisiense. Mas a jovem Némirovsky e a sua família não vivem na cidade
das luzes, mas numa área rural da França. A experiência do exílio, da fuga, da obrigação de
criar raízes numa terra desconhecida - primeiro por causa da revolução bolchevique e mais
tarde por ser descendente de judeus na Europa da Segunda Guerra Mundial - assinala todos os
seus pensamentos registados, nos quais o elemento autobiográfico permeia cada página das
suas obras. No entanto, o público não conhece imediatamente o seu talento, até que depois
da sua morte, num campo de concentração, as suas filhas, numa estranha reviravolta do
destino, descobrem uma mala cheia de manuscritos que, em pouco tempo, se torna numa
revelação.

Resumo

No livro O Baile revela-se outro dos elementos autobiográficos que identificam a obra
de Némirovsky: o terrível relacionamento com a sua mãe. Durante o romance, a tenção entre
os membros da família é de uma magnitude importante, especialmente entre a mãe e a sua
filha. Não é um simples “não se dá bem”, ou um “não entende”, mas vai muito além: a mãe é
cruel com a filha, não a ama, trata-a como um ser que vive em casa por obrigação e que
quanto menos sair do quarto e menos se relacionar com as outras pessoas, tanto melhor. O
seu maior desejo é conviver com a alta sociedade francesa e em todos os momentos permite
vislumbrar que essa é a única coisa que ela quer na vida, nem a filha nem o marido, apenas
relações sociais e o reconhecimento da alta sociedade.
Sra. Rosine Kampf dirige-se à filha Antoinette: “- Antoinette, se te perguntarem alguma
coisa, dizes que vivíamos no Sul durante todo o ano… Não tens necessidade de precisar se era
em Cannes ou em Nice, dizes apenas no Sul… a menos que te perguntem; bom, é melhor
dizeres Cannes, é mais fino… Mas é evidente que o teu pai tem razão, sobretudo é essencial
que te cales. Uma menina deve falar o menos possível com os adultos.”
Os protagonistas são uma família que, por um golpe de sorte no mercado das ações
financeiras, tem a oportunidade de subir a socialmente, podendo ser reconhecidos pela alta
sociedade francesa. Com o propósito de obter o tão cobiçado prémio, a mãe decide fazer uma
entrada triunfal no mundo da alta sociedade, organizando uma festa de dimensões
impressionantes no seu luxuoso apartamento parisiense, para o qual o Sr. Alfred Kampf e a
Sra. Rosine Kampf supõem um avultado investimento e a desejada apoteose social. Mas na
casa Kampf nem todos partilham do mesmo entusiasmo. Ferida no seu orgulho pela proibição
materna de participar no evento, Antoinette, adolescente de 14 anos, observa com amargura
os preparativos agitados da festa e sente que chegou a oportunidade de confrontar a sua mãe,
afirmar-se, fazendo a sua própria entrada na vida adulta. O seu plano é mirabolante, por um
ato altamente impensado e vingativo. A irreflexão não surpreende em excesso, já que os 14
anos da filha são um bom álibi: a vingança, no entanto, faz pensar no que está oculto no
iceberg, para além do que é visível à superfície. Pode-se dizer que é uma mistura de
ressentimentos: a mãe sente que perdeu os seus melhores anos vivendo uma posição social
muito baixa e a filha sente que não pode crescer, entrar na idade adulta, a altura de todas as
suas aspirações (basicamente romântico), porque a sua mãe não o permite como ela deseja.
No libro O Baile, nenhuma das personagens parece levar os outros em conta, usando-os
como instrumentos para atingir os seus fins específicos. Cada um deles procura a felicidade,
por conta própria. Até mesmo a relação entre a mãe e o pai - uma personagem com pouca
presença na narrativa - parece ser uma união sem outro objetivo a não ser prosperar na vida,
por qualquer meio.

Apresentação do livro O Baile de Irène Némirovsky 1


As personagens centrais que fazem parte desta família:
A Sra. Rosine Kampf, é uma personagem egoísta, narcisista e egocêntrica. Nem mesmo a
sua própria filha é boa aos seus olhos. O seu novo status social é almejado como algo que
simplesmente corresponde ao seu nível de importância. Somente importa ser reconhecido
socialmente e ninguém conhece o seu passado humilde. É uma personagem tão superficial e
materialista que até se torna absurda. No livro, ela despreza continuamente a sua filha, até
mesmo insultando-a em muitas ocasiões.
“- Vé se entendes, Antoinette, que as tuas maneiras são desesperantes, minha pobre
filha… Senta-te. Vou entrar novamente e tu vais dar-me o prazer de te levantares de imediato,
percebes?
Mme Kampf recuou alguns passos e voltou a abrir a porta. Antoinette pôs-se de pé com
lentidão e com uma tão evidente falta de graça que a mãe, cerrando os lábios com um ar
ameaçador, perguntou com vivacidade:
- Por acaso isto incomoda-a, menina?
- Não, mamã – respondeu Antoinette em voz baixa.
- Então porque pões esse ar?
Antoinette esboçou um sorriso indolente e penoso que lhe deformou dolorosamente as
feições. Por vezes, odiava tanto os adultos que lhe apetecia matá-los, desfigurá-los, ou pelo
menos gritar-lhes batendo o pé: «Basta, vocês aborrecem-me»; mas desde criança que tinha
medo dos pais. Outrora, quando Antoinette era mais pequena, a mãe sentara-a ao colo muitas
vezes, abraçara-a, fizera-lhe festas e beijara-a. Mas disso já Antoinette se esquecera. Em
contrapartida, guardara no mais profundo de si mesma o som, o bradar irritado a passar-lhe
por cima da cabeça de «esta criança está sempre em cima das minhas pernas…», «voltaste a
sujar-me o vestido com os teus sapatos porcos! Vais ficar de castigo, para aprenderes, minha
parva!» e um dia… pela primeira vez, nesse dia, ela desejara morrer… à esquina de uma rua,
durante uma cena, esta frase colérica, gritada tão alto que os transeuntes se tinham virado:
«Queres levar uma bofetada?» e a queimadura de um estalo… Em plena rua… Tinha ela onze
anos e era alta para a idade… Os transeuntes, os adultos esses, não significavam nada… Mas,
nesse momento alguns rapazes que saíam da escola tinham rido ao vê-la: «Pois é, minha
cara…» Oh! Aquela risota a segui-la enquanto caminhava de cabeça baixa pela sombria rua de
Outono… as luzes a dançarem através das lágrimas. «Ainda não acabaste de choramingar?...
Oh, que feitio!... Se te emendo é para teu bem, não? Ah! Ah! E agora não recomeces a
enervar-me, aviso-te…» Gente nojenta… E agora, era de propósito para a atormentar, torturar,
humilhar que, de manhã à noite, se encarniçavam: «Olha como pegas no garfo!» (diante do
criado, meu Deus) e «põe-te direita, pareces corcunda.» Ela tinha catorze anos, era uma
adolescente e, nos seus sonhos, uma mulher amada e bela…”

O Sr. Alfred Kampf é o marido de Rosine e pai de Antoinette e um pouco indiferente ao


ressentimento e alienação familiar. Ele simplesmente fornece o dinheiro para a casa e tenta de
alguma forma melhorar o seu status social. Na obra, ele aparece como um mero espectador do
que acontece na sua família. Mesmo no momento mais importante, que é o final, ele foge.
Antoinette Kampf é o ponto nevrálgico da trama da narrativa e a filha dos Kampf. É uma
menina adolescente de 14 anos que passa pela maturidade, expressa momentos e explosões
típicas da adolescência. Ela recebe uma educação requintada, mas ninguém a quer, ela sente-
se sozinha. Como qualquer jovem quer apaixonar-se e tem todas as esperanças depositadas na
dança que se vai realizar na festa que os seus pais vão dar. No entanto, os seus pais proíbem-
na de participar. Como se isso não bastasse, ela contribui na realização dos convites, porque,
como a mãe diz, ela tem uma boa caligrafia.
A mãe falando de Antoinette Kampf: “E mandou-a retirar fazendo um gesto com o seu
belo braço nu, um pouco roliço, no qual brilhava uma pulseira de diamantes que o seu marido

Apresentação do livro O Baile de Irène Némirovsky 2


acabara de lhe oferecer e que só tirava para tomar banho. Antoinette recordava tudo
enquanto a mãe perguntava à inglesa:
- A Antoinette tem uma letra bonita ao menos?
- Yes, Mrs. Kampf.
- Porquê? – perguntou Antoinette timidamente.
- Porque – explicou Mme Kampf – esta noite poderás ajudar-me a preencher os
envelopes… Vou fazer cerca de duzentos convites, percebes?! Sozinha nunca mais me
desenvencilharia… Miss Betty, hoje autorizo Antoinette a deitar-se uma hora mais tarde do
que é habitual… Espero que fiques contente… - disse dirigindo-se à filha.”

Este é um romance de fácil leitura e muito divertido, no entanto o seu tema é bastante
difícil. A autora tece uma série de críticas:
- O confronto de uma adolescente com os seus pais, nomeadamente a mãe com a qual
mantém um relacionamento nada agradável e saudável. Além disso, o seu pai não intervém
nas manifestações de ressentimento que a mãe engendra contra a sua filha.
- A hipocrisia e superficialidade dos “novos ricos”; a sua principal preocupação são as
aparências.
Estes dois temas são genialmente expostos no que sente Antoinette, a única filha do
casamento.

Quanto à estrutura, o livro pode ser dividido em três partes:


Na primeira parte, os três primeiros capítulos, a autora apresenta as personagens com
uma linguagem clara e simples, cheia de diálogos, o qual dá um caráter verídico, visto ser
muito fácil imaginá-los. Nesta primeira parte o casal está empolgado com a ideia da festa e da
dança e inicia os preparativos: quem vão convidar, o que vão servir, etc.
A segunda parte, capítulo 4, é a parte central do livro. Antoinette atira os convites para
o Sena. É neste momento que Antoinette deixa de ser a menina submissa e se torna uma
pessoa vingativa, sem remorsos. Agora todos sabem que a dança não terá lugar.
A terceira parte, capítulo 5 e 6. A festa onde se realiza a dança está pronta. Tudo o que é
de bom e melhor está preparado para os convidados que não chegam. Antoinette gosta de ser
o espectador da exceção. O relógio mostra as horas a passar e, dos duzentos convidados,
como era esperado estarem presentes, só aparece Isabelle. Ela é a professora de piano de
Antoinette. Ela foi a única sortuda a receber o convite. Isso também é engraçado, já que ela foi
convidada pela própria Rosine Kampf e, quis a ironia do destino, com o único propósito de
divulgar a fraude que foi a festa.
Chegados ao final, a última cena. Até agora, o caráter da Sra. Rosine Kampf era bastante
odioso, no entanto, no final, toda a situação provoca alguma comiseração nos leitores. Todos
saem: Isabelle, o marido, os criados e os músicos. A Sra. Rosine Kampf fica na sala,
profundamente desolada. Antoinette aproxima-se da sua mãe e abraça-a. Mas esta
demonstração de afeto, é manchada, quando Antoinette sorri com satisfação por ter
concretizado a sua vingança, sem nenhum pingo de arrependimento.
Nenhuma das personagens dá, nem recebe amor. A Sra. Rosine Kampf teve uma atitude
irrefletida, cruel e desajeitada durante toda a narrativa. Se ela não quisesse que a sua filha
participasse no baile, dever-lhe-ia explicar os motivos, dizendo, por exemplo, que ela era
muito jovem para tal e que no ano seguinte poderia estar presente. Não deveria tê-la
envolvido na preparação dos convites. Além disso, ela deveria ter procurado um plano
alternativo, não a mandar dormir na lavandaria. Um outro erro foi não colocar, ela própria, os
convites no correio.

Apresentação do livro O Baile de Irène Némirovsky 3

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