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Thelmo Cristovam

Portfolio
Pesquisador independente em psicoacústica, músico/improvisador/ruidista,
artista sonoro e radioasta, além do campo sonoro, atualmente também
pesquisa e trabalha com fotografia, vídeo e texto. Cursou o Bacharelado em
Física e Matemática, pela UFPE, pesquisou as áreas de Sistemas Dinâmicos
(Caos Determinístico e Teoria da Catástrofe) e Lógicas Não-Formais (Meta
matemática).
Atualmente desenvolvendo um projeto que envolve radioastronomia e
astrosismeografia/astrosismeologia (gravação e desenvolvimento de uma obra
com sons do cosmo, fora da terra, com um interesse particular pelas explosões
solares que estão em seu pico dos últimos séculos).
Em termos gerais, a pesquisa/poética, incluindo aí ações/oficinas, versa sobre
a inexistência do tempo e de como essa idéia abstrata seria, por hipótese, uma
estratégia da consciência para moldar o mundo “real”, e esse moldar seria
construído a partir do som, e em particular, a dimensão temporal seria uma
dimensão espacial altamente especializada e não simétrica e desse ponto
seriam herdadas e/ou transmitidas as características do som, segue daí o uso
da psicoacústica para tentar entender a escuta a partir dessas premissas.
....• Patrimônio Cultural do Parque Nacional da Serra do Catimbau..... pág.5 - 6
....• Arcanos ..... pág.7 - 8
....• Bias de Hiss ..... pág.9
....• Sem titulo ..... pág.10
....• Em Transito ..... pág.11
....• Pesquisa e Mapeamento Sonoro do Parque Nacional da Serra do Vale do Catimbau ..... pág.12
....• Pesquisa e Mapeamento Sonoro no arquipélago de Fernando de Noronha ..... pág.13
....• Al Azif / Aliors & Fonografia ..... pág.14
....• O Respirar ..... pág.15
....• Desvios / Contornos ..... pág.16
....• Sub(i)mersão ..... pág.17
....• Ambientes Sonoros Imersivos ..... pág.18
....• Sem título ..... pág.19 - 21
....• Ouvidoria ..... pág.22
....• Textos críticos .....
Sobre deslocar paisagens ..... pág.23 a 26
Fonografia de Thelmo Cristovam ..... pág. 27 a 29
>> A seguir, portfolio com Hiperlinks [Acesse às páginas online clicando nos textos sublinhados]

>> Em ÁUDIO / VÍDEO abrirão janelas com as respectivas mídias.


>> Devido às características dos trabalhos em áudio, recomendamos que a escuta se dê com fones de ouvido

circum-aurais, pois envolvem a orelha como uma concha.


>> A esmagadora maioria dos trabalhos não irão ser audíveis nos alto falantes dos computadores ou laptops.
Patrimônio Cultural do Parque
Nacional da Serra do Catimbau
O projeto Patrimônio Cultural do Parque Nacional da Serra do Catimbau:
Mapeamento da Paisagem Sonora do Entorno do Sitio Arqueológico
do Alcobaça trata-se de uma Pesquisa de Campo, utilizando as técnicas
da fonografia sobre a paisagem sonora local e suas características sonoras
singulares, com o intuito de compor trabalhos em audio para instalações
sonoras a partir do registro da pesquisa tomada, a criação de um site, edição
de um disco com a pesquisa e com o objetivo de ampliar o mapeamento da
paisagem sonora do parque e continuar a construção do mapa sonoro do
estado de Pernambuco.

Este projeto é a continuação de uma pesquisa realizada no Parque Nacional


do Vale do Catimbau, em 2011, que resultou no projeto Fonofotografia, onde
visitamos por volta de 5% do local e do projeto Mapeamento Sonoro do Parque
Nacional da Serra do Catimbau, realizado em 2013/2014, sendo o mesmo
contemplado pelo Conexões Artes Visuais 2013 Funarte/MinC/Petrobras.

..... 5
..... 6
Arcanos
Estudo/pesquisa sonora sobre locais fechados e/ou inacessíveis.
Pesquisa Sonora. Instalação Sonora (40h).

Microfone estéreo, pre-amplificador valvulado para microfone, mesa


de som, fones de ouvido, estrutura da construção & eventos sonoros
ao redor transmitidos em tempo real para os fones de ouvido.
Trabalho realizado durante o Programa de Residências Internacionais
no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia, Fundação Clóvis
Salgado. Seleção deslocamento ao centro - JA.CA na Praça 7.
Belo Horizonte, Minas Gerais. 2014.

Áudio [Excerto]

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Transmissão em tempo real a partir de duas salas localizadas no sub-solo do
antigo Instituto Moreira Sales, atual Centro de Arte Contemporânea e Fotografia
da Fundação Clóvis Salgado, no centro de Belo Horizonte.
As duas salas estavam lacradas há mais de dezessete anos e com dois cofres, um
em cada sala, onde um deles ainda permanece lacrado, há dezessete anos.
Houve uma continua negociação durante um mês e meio para a liberação do
acesso para a pesquisa e instalação dos equipamentos para a transmissão do
sons encapsulados nas salas do cofre.
As transmissões ocorreram durante uma semana aberta/mostra de
processos, de 07 a 14 de julho de 2014, oito horas diárias, do sub-solo
diretamente para o espaço expositivo, acessíveis via fones de ouvido.
A instalação foi gravada em sua totalidade, 40h.

[Obs. Esse trabalho soma-se a outros com premissas fechadas e/ou inacessíveis.
Ver abaixo os trabalhos: Sub(i)mersão & Desvios/Contornos]

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Bias de Hiss
Estudo/pesquisa sobre as possibilidades poéticas dos
campos eletromagnéticos.
Pesquisa Sonora. Instalação Sonora. Múltiplos.

Dois tape decks, duzias de fitas cassete novas e usadas (apagadas), com-
putador, placa de som, par de caixas de som, fones de ouvido, mesa de som,
amplificação.
Trabalho realizado durante o Programa de Residências Internacionais
no Centro de Arte Contemporânea e Fotografia, Fundação Clóvis
Salgado. Seleção deslocamento ao centro - JA.CA na Praça 7. Belo
Horizonte, Minas Gerais. 2014.
[Obs. Esse trabalho soma-se a outros com premissas sobre
Radioastronomia/Astrosismeografia & Ondas de Rádio/Rádio Arte]

Áudio [Excerto]

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Sem Título
Composição linear, oito horas seguidas, sem loop, a partir de
gravações coletadas no estado de Pernambuco ao longo dos
últimos dez anos (2004-2014)
Instalação Sonora (Oito horas / dia)
Sala escura/preta, par de caixas de som ativas, DVD-Audio player,
DVD-Audio.
Festival de Inverno de Garanhuns/PE. Julho 2014

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Em Trânsito
A exposição trata da recriação de meio-ambientes sonoros,
tomando como base gravações locativas; video-fotografia, gravida de
sons; apropriação de transmissão radiofônica baseada em códigos
ininterruptos há três décadas; performance como extensão da voz,
respiração, língua, dentes e mecânica fônica através de cana de bambu
e tubo de metal com chaves móveis.
Dança no Andar de Cima. Fortaleza, Ceará. 11 de outubro de 2013

UVB-76/MDZhB [Áudio]

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Mapeamento Sonoro do Vale do Catimbau
O Mapeamento Sonoro do Parque Nacional da Serra do
Catimbau, localizado no sertão de Pernambuco, é uma
pesquisa sobre as características sonoras singulares do
parque, que se mantêm as mesmas, ou muito semelhantes,
há séculos, quem sabe há milênios.
Por hipótese, escutamos em certos locais os mesmos sons de
eras anteriores.
Continuamos um trabalho iniciado em 2011, durante o qual
visitamos uma parcela ínfima do local. Agora, nos propomos
a mapear uma parcela mais significativa e expandir o Mapa
Sonoro de Pernambuco, projeto ao qual nos dedicamos nos
últimos anos e nos dedicaremos nos próximos.
Áudio >> Vídeo
Projeto contemplado pelo Conexões Artes Visuais 2013
Funarte/MinC/Petrobras

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Mapeamento Sonoro do Arquipélago de
Fernando de Noronha
Continuação da pesquisa que visa construir um mapa sonoro
do estado de Pernambuco, realizada anteriormente nas regiões
metropolitana de Recife, zona da mata norte e sul e sertão de
Pernambuco, desde o começo dos anos 2000. O presente recorte
se interessa pelas diferenças sonoras insulares em relação a urbe
e ao sertão e seu bioma característico.
Pesquisa / Gravações de Campo: 2011/2012
Construção: 2012/2013
Difundido em exposições nas cidades de Recife, Olinda,
Garanhuns e na ilha de Fernando de Noronha em 2013/2014.
Áudio
Projeto aprovado no edital Funcultura / Fundarpe, 2010/2011

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Al Azif / Aliors & Fonografia
Construções sonoras desenvolvidas a partir da manipulação
de algoritmos matemáticos internos de programas de edição
de som, utilizando modificações extremas nas taxas de
amostragem (sample rate) dos arquivos sonoros originais.
Exposição Coletiva Vazão
B Cubico, Recife, 2012.
Instalação Sonora (sete horas)
Três fones de ouvido, tocador de CDs, CDs, três sofás.
Áudio [Excerto]

..... 14
O Respirar
Construção sonora desenvolvida a partir da manipulação de
algoritmos matemáticos internos de programas de edição
de som, utilizando modificações extremas nas taxas de
amostragem (sample rate) dos arquivos sonoros originais, onde
cinco segundos originalmente, transformaram-se em nove
horas, exclusivamente com as transformadas não-lineares.
Instalação Sonora (nove horas)
Seis caixas acústicas, computador, placa de áudio multicanal,
duas mesas de som, três amplificadores.
Vivo Arte Mov – Continuum
Paço Alfândega, Recife, 2012

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Desvios / Contornos
Instalação Sonora (oito horas), em caixas acústicas, constituída de
gravações em alto mar (16 milhas náuticas em linha reta a partir
da frente do local) e difusão em tempo real, nos fones de ouvido,
dos sons da estrutura local, captadas por um hidrofone instalado
no espelho d’água da casa.
Par de caixas acústicas, amplificador, mesa de som, seis fones
de ouvido, distribuidor de fones de ouvido, ipod, gravação sub
aquática, hidrofone, espelho d’água, estrutura da construção &
eventos sonoros ao redor transmitidos em tempo real para os
fones de ouvido.
Exposição coletiva ECO, Ocupação de Arte Sonora
Estação Cultural Senador José Ermírio de Moraes,
Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, 2011
Áudio [Excerto]

..... 16
Sub(i)mersão
Projeto/pesquisa sonora/gravações de campo sub-aquáticas,
para o desenvolvimento de um objeto sonoro, construído a partir
do processamento das gravações tomadas em locais ícones/
símbolos da cidade, as pontes sobre os rios que cortam o centro
do Recife e sub-sequente instalação/imersão sonora.
Pesquisa & Instalação Sonora (seis horas)
Seis tocadores de CDs, seis fones de ouvido, gravações
sub aquáticas.
Prêmio SPA 2011
Patio de São Pedro, Recife

Áudio >> Vídeo

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Ambientes
Sonoros
Imersivos
Oficinas
vídeo

>>Design de Som. Vila das Artes, Fortaleza, CE. Agosto/2014 (20h)


>>Paisagens Sonoras. AESO. Olinda, PE. 09/04/2014.
>>História, estética e tecnologia do som. Vila das Artes, Fortaleza, CE. Mar. 2014. (30h)
>>Introdução a física do som. Vila das Artes, Fortaleza, CE. Nov. de 2013. (20h)
>>Programa Aula, Capacete, Rio de Janeiro, RJ. 2012. (32h)
>>Museu Murilo la Greca. Recife, PE. Nov/Dez 2011. (16h)
>>Nação Xambá. Olinda, PE. Agosto, 2011. (90h)
>>Oi Kabum. Recife, PE. Julho, 2011. (16h)
>>Ambientes Sonoros Imersivos. CFAV. Recife, PE. Julho, 2011. (90h)
>>Escola Engenho. Recife, PE. 2011. (96h)
>>Ambientes Infra Sonoros. Nazaré da Mata, PE. Novembro, 2010. (40h)
>>II Festival Ibrasotope de Musica Experimental. São Paulo, SP. 31/julho, 2010
>>Ambientes Sonoros Imersivos. CFAV. Recife. Junho, 2010. (48h)
>>Ambientes Sonoros Imersivos. Oi Kabum. Recife, PE. 2009. (72h)
>>Professores com a palavra, TIM Musica nas Escolas. Recife, PE. 16/06/2007
>>Ambientes Sonoros Imersivos. SPA 2006. Recife, PE. Agosto, 2006 (20h) ..... 18
>>Oficina Elefante Brilhante. Olinda, PE. Janeiro de 2006 (20h)
Sem Título
Áudio

Residencia Artística & Concepção, Desenvolvimento e


Construção de Obra

Oficina, Pesquisa & Instalação Sonora

Par de caixas acústicas, mesa de som, amplificador, placa


de som, computador, arquivos infra sonoros (sub graves)

Nazaré da Mata (Região da mata norte de Pernambuco)

..... 19
“Pesquiso psicoacústica, um ramo multidisciplinar, que envolve
áreas transversais como matemática, física, biologia e música. A
intenção seria entender como funcionam os processos cognitivos,
físicos e biológicos da escuta.
Sou um artista sonoro e uso a psicoacústica como umas das minhas
ferramentas/processos poéticos. Há alguns anos venho pensando
e compondo com freqüências sub-graves, algumas dessas obras
usam de tal modo esses sons, que eles não estão dentro do campo
perceptivo auditivo, porém podem ser percebidos pelo tato, devido
a energia envolvida no processo de propagação.
Nunca pensei especificamente esse trabalho sendo direcionados a
surdos, mas a partir do convite do projeto, venho pesquisando alguns
meios poéticos de compartilhamento de obras de arte sonora para
surdos, inclusive pela aparente contradição.

..... 20
Queria esclarecer que não será uma oficina construtiva e sim
uma ação de busca e gravação de sons sub-graves nas cidades
envolvidas no projeto (Nazaré da Mata, Tracunhaém, Lagoa do
Carro e Lagoa de Itaenga) com microfone especial. Esses sons
de tão graves, tem a possibilidade de serem apreendidos como
sons mesmo por pessoas surdas, já que será possível perceber
o movimento da energia acústica através da pele. Como objeto
dessa pesquisa em conjunto com os alunos (os alunos irão usar
fones de ouvidos durante as gravações de campo), será organizado
um objeto sonoro, mostrado aos alunos e discutido como poderá
ser divido com as outras pessoas da cidade, por exemplo, tocando
o cone das caixas de som, para perceber sons que não podem ser
ouvidos.
Em uma frase, minha intenção é mostrar que existem sons
que somente os surdos podem escutar e os ouvintes não.
Os quatro primeiros dias da semana, serão dedicados as gravações,
um dia em cada uma das cidades envolvidas no projeto. No
ultimo dia, iremos construir algo com esses sons, para serem
compartilhados com os ouvintes.”

..... 21
Ouvidoria
47º Salão de artes plásticas de pernambuco
O Lugar dissonante / Torre Malakoff, Recife, 2009
“Ouvidoria”, de Lourival Cuquinha em parceria com o Grupo Hrönir
(Thelmo Cristovam & Tulio Falcão), usa a tecnologia e a interatividade
para relativizar a autoria. Os artistas instalaram cinco orelhões em
frente à torre, com um aviso: “Você me cederia sua informação
pela possibilidade de não pagar para emiti-la?” A proposta é trocar
ligações gratuitas pelo direito de transmitir as conversas em caixas de
som espalhadas numa sala escura de exposição. “O público não faz
parte da obra, ele é a obra”, diz Thelmo Cristovam, do Grupo Hrönir.

Vídeo

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Sobre deslocar paisagens • diálogos com Thelmo Cristovam
Por Ana Luisa Lima

Quando o reencontrei recentemente, estávamos numa residência artística promovida pelo JA.CA – Centro de Arte Jardim
Canadá e Fundação Clóvis Salgado em Belo Horizonte, dividimos por quase um mês os cômodos de um apartamento localizado
no hipercentro da cidade. Fui lá convidada para pesquisar e ser interlocutora dentro do programa de residência que, naquele
período, além dele, estava recebendo mais dois artistas brasileiros e um pesquisador polonês. Thelmo estava imerso numa
rotina metódica. Seguia fielmente um cronograma de captação dos sons no centro da cidade em horários precisos. Cá comigo
pensava: o controle sobre o método o permite criar variações de sua própria construção poética.
*
A obra faz(ia) parte de uma série de experiências desenvolvidas ao longo dos últimos dez anos, utilizando processos
matemáticos/simbólicos no desenvolvimento e processamento de sons originalmente captados em campo e retransformados
a partir de certas regras, desenvolvidas principalmente como um exercício em alguns aspectos da psicoacústica, como
espacialização, percepção táctil do som, preenchimento espacial, percepção de frequências inaudíveis, percepção sonora
fantasma, sendo preenchido mentalmente por sons que não se encontram realmente na fonte sonora.
*
Há muito tenho pensado no descuido conceitual o qual reiteramos na prática, criando às vezes a possibilidade de reinvenção
da própria linguagem. Por exemplo, já não deveria ter sido superado o uso da palavra “artes visuais” para designar a complexa
produção contemporânea no campo das artes? Nos dos anos 1950 e 1960 experimentações táteis, olfativas, sonoras já haviam
sido incorporadas no repertório das experiências estéticas. Trabalhos desenvolvidos por John Cage, Yoko Ono, Hélio Oiticica
..... 23
e Lygia Clark já não eram possíveis de serem apreendidos apenas pela percepção visual. Desde então, criou-se uma pressa
no desejo de “engavetar” as experimentações que foram surgindo. Uma pergunta inevitável que se deve fazer é: interessa a
quem a necessidade implacável de adjetivar as experiências estéticas?
Nesses quase oito anos de pesquisa junto às artes (ditas visuais), tive a chance de acompanhar de perto a trajetória de
muitos artistas, bem como as (re)formulações institucionais e mercadológicas ocorridas nesse período. Ao testemunhar esses
processos, tudo me leva a crer que quase sempre ao surgir algum adjetivo “conceitual” para a arte, é menos a construção
de um repertório teórico cuidadosamente proposto para o alargamento do conhecimento sobre, com e para a arte, e mais
uma criação açodada de delimitação do campo da experimentação em arte para caber nas demandas de consumo desta
enquanto produto.

Em sua essência, a arte é um campo da experimentação intrínseca. A expressão artística jamais quedou delimitada por
qualquer fronteira. Todos os conhecimentos humanos construídos, tanto quanto os mistérios da natureza, estão (sempre
estiveram) na iminência de se tornar parte constituinte de uma obra de arte.
*
Certas manhãs, me levantava da cama muito cedo e ia perambular pelo apartamento ainda naquele estado límbico de quem
ainda não está pronta para ceder à realidade, quando o encontrava desperto tomando café. O equipamento de captação do
som já estava acuradamente acoplado na janela e com o relógio ao lado ele marcava o tempo exato de duração daquela
captura. Sentava ali, para lhe acompanhar no café, e de repente, esses momentos se transformavam numa troca inimaginável
de conhecimento sobre arte, música, ciência, filosofia e todo o resto que diz respeito a isso que chamamos vida.
Uma das questões que sempre nos ocorria era a dificuldade que tinha de desenvolver sua pesquisa poética por ter que
..... 24
justificar demasiadamente seus processos dentro de uma linguagem delimitada por uma adjetivação. O que ele fazia era arte
sonora? Estava no campo da arte e tecnologia? Por que não poderia ser considerado uma pesquisa no campo da música?
*
A musicalidade de um povo não está circunscrita a manifestações previamente denominadas musicais, organizadas em
grupos, bandas, registros fonográficos históricos, mas também na sonoridade da língua, na fala e sotaque das ruas, nas
chamadas dos ambulantes, no ir e vir das pessoas, o som desse movimento, as caixas de som nos postes, o som das ondas do
mar, as carroças, o trânsito, nas feiras. Isso se chama paisagem sonora, ou ambiente acústico total, a totalidade dos eventos e
características sonoras particulares de um local, e de um tempo, que singulariza tão bem a urbe e sua população.
*
Não há dúvidas de que a profissionalização do campo da arte foi um catalisador de recursos (humanos, financeiros,
tecnológicos etc) que sem os quais certas pesquisas na arte jamais seriam possíveis. No entanto, contraditoriamente, essa
demanda profissionalizante, que em outras palavras, diz respeito a uma funcionalização do trabalho de arte, trouxe também
um atrofiamento nos seus modos de ser e fazer. Ora, quase não há mais relação humana possível sem que essa esteja
entranhada dos modos mercadológicos de troca. Na arte, isso se demonstra claramente na necessidade de transformação do
trabalho em produto. E dentro dos procedimentos do capital, todo produto é reflexo de uma demanda preexistente.

É nesse imbricado fenômeno que a arte se vê esmagada. Se de um lado é respondendo às demandas de sua adjetivação em
que se é possível ter acessibilidade aos recursos para a pesquisa, por outro lado o seu lado experimental cada vez mais fica
comprometido pela necessidade a priori de se deixar caber na adjetivação.

..... 25
*
Essa pesquisa fonográfica/gravações de campo/field recordings, realizada na região do entorno da residência, será utilizada
utilizada para construir um pequeno mapa sonoro da cidade, é uma extensão de outras pesquisas que venho desenvolvendo,
tais projetos em desenvolvimento (e com estimativa de conclusão nos próximos dez anos, em tese) para o World Listening
Project [projeto de escuta mundial], que dedica-se, entre outros pontos, ao mapeamento, registro fonográfico e construção
de bancos de dados sobre as características sonoras singulares dos locais, com dois objetivos primários, primeiro de tentar
entender a partir desse mapeamento como se dão as mudanças sonoras em volta do mundo e, talvez o mais importante,
preservar em bancos de dados sonoros, acessíveis gratuitamente na internet, sons de agora para as gerações futuras.
*
Dentro desse sistema de mercado, algumas iniciativas, tais como o JA.CA, conseguem fazer certas barricadas para que a
pesquisa em arte esteja preservada em sua característica mais potente que é sua pulsão experimental. Apesar de todo
processo de esmagamento, a arte ainda é o fôlego de uma construção de um novo mundo por vir.

***
_as passagens em itálicos são citações diretas do artista Thelmo Cristovam.
_Thelmo Cristovam é pesquisador independente em psicoacústica, músico/improvisador/ruidista, artista sonoro e radioasta,
além do campo sonoro, atualmente também pesquisa e trabalha com fotografia, vídeo e texto. Cursou o Bacharelado em
Física e Matemática, pela UFPE, pesquisou as áreas de Sistemas Dinâmicos (Caos Determinístico e Teoria da Catástrofe) e
Lógicas Não-Formais (Meta matemática).

_este texto foi publicado na Revista “Outros Críticos”, Recife, agosto de 2014. ..... 26
Fonografia de Thelmo Cristovam
Há alguns anos Thelmo Cristovam cria paisagens sonoras designadas com o nome genérico de Fonografia. Thelmo Cristovam
é, antes de tudo, um artista sonoro, que toca diferentes instrumentos de sopro privilegiando a improvisação, interessando-
se, ao mesmo tempo, pela gravação sonora em um espaço urbano ou na natureza. Em todos os casos, ele privilegia o som,
seja ele gravado ou tocado. O som é o objeto de seu trabalho. As fontes sonoras são múltiplas; assim, a paleta de trabalho
do artista é extensa e ao lado de sons “naturais” encontramos também tanto ruídos digitais quanto sons de instrumentos de
música.

A ideia de trabalhar a paisagem sonora remete ao visual e às suas modalidades de construir a paisagem, porém, diferentemente
do que acontece na visão, só podemos nos abstrair do ambiente sonoro parcialmente. Não podemos fechar os ouvidos, como
fechamos os olhos. Somos seres de sons, quer se trate de sons corporais ou dos que nos rodeiam, nos isolam, ou submergem...

Em suma, não se escapa do som. A ideia de produzir paisagens sonoras levará em conta essas camadas e estratos sonoros
que nos atravessam, seja isolando-os a fim de nos fazer descobrir aspectos até então imperceptíveis, seja acrescentando-os
àqueles de nosso cotidiano, ou ainda (re)criando experiências sonoras singulares.

Se a ideia do soundscape é a versão áudio do landscape, ainda assim essa noção está ligada à sua definição criada por
Raymond Murray Schafer nos anos 70: é «o ambiente sonoro. Tecnicamente, [o soundscape] é toda porção do ambiente
sonoro vista como um campo de estudo.[1]» (Schafer, 1997, p. 366)). Portanto, para quem a concebe, a paisagem sonora é
um ambiente que se estuda. É, pois, um campo delimitado, pode se referir a ambientes que já existem ou a construções.
Admite-se, portanto, a priori, que uma paisagem sonora possa ser construída e não apenas extraída, à maneira de uma
simples gravação. ..... 27
Com frequência, quando se fala de paisagem sonora, não se pode deixar de lado as relações complexas entre a paisagem
e o conceito de natureza. Nesse caso, opõe-se aos sons ditos naturais – o som dos elementos, dos animais, de paisagens
naturais – os sons urbanos. É preciso, de saída, distinguir a percepção desses sons: a escuta direta de um ambiente sonoro
no qual estamos imersos, daquela que foi gravada e que manifesta a distância patente entre a fonte (a emissão) e sua
restituição, reprodução (difusão). Com efeito, esses dois mundos sofrem quase de uma incompatibilidade de fato. Quando
estamos num ambiente sonoro qualquer, a experiência que fazemos do espaço sonoro é tributária de nossa posição no
espaço, nossos movimentos modificam a percepção e qualificam a profundidade, a opacidade do próprio espaço sonoro.

Quando escutamos com fones de ouvido uma paisagem sonora, estamos quase diante de uma tela, os deslocamentos
sonoros são recebidos e não gerados por nós. Somos separados das fontes e nos tornamos espectadores indiretos:
assistimos ao espetáculo da natureza gravada! É nesse ponto preciso da captação, da seleção, da montagem que se efetua,
entre outros, o gesto do músico. Para Thelmo Cristovam, não se trata de fazer um documentário.

Para além da especificidade de lugares, de tempos e de duração da gravação, a obra se funda na exploração das possibilidades
oferecidas pelo material. É a qualidade do material, definido tanto pelas escolhas dos instrumentos a partir dos quais ela
foi realizada, quanto pela natureza do espaço investido, que engendra a seleção, a transformação parcial ou radical do
documento de origem. O que está em jogo aqui não é tanto a reprodução, e sim a produção de uma paisagem sonora.

Assim, quando Thelmo vai para o sertão, ou para a floresta para fazer suas gravações, o que o motiva é a riqueza dos
elementos sonoros, a densidade das camadas de sons, suas texturas… na qual nem sempre prestamos atenção, mas
que uma escuta atenta poderá salientar ou nos fazer descobrir; é nesse sentido que se falará de uma escuta dirigida
pelo captador de som, mas também por aquele que trabalha, isola no material linhas de sons que seguem em direções
..... 28
distintas. Como o músico reconhece: « Estou me dedicando a mapear os sons naturais do estado de Pernambuco porque eles
são singulares.» A localização, a hora da captação são essenciais, pois prefiguram e modelam a peça sonora que será criada.

A decisão relativa à captação gera a montagem que, às vezes, consiste em um simples corte seco. « Algumas vezes a gravação
se aproxima tanto do que eu queria que basta uma escolha do trecho da publicação pra publicar, um corte seco no começo
e outro no final[2]. » O músico compartilha a atitude dos cineastas experimentais e documentaristas que, conscientes das
qualidades intrínsecas do documento filmado, limitam-se a decidir selecionar um início e um fim de uma sequência filmada.
O filme e a peça sonora não funcionam como um documentário através de um conjunto de validação quanto ao real, seu
mimetismo, sua fidelidade..., o que está em jogo é a veracidade da peça, que se constitui como uma realidade separada da
simples reprodução.

É a distância entre o gravado e a reprodução que induz essa mudança de status dinamizado pela escuta. Assim, em certas
fonografias, a montagem é intensa e, no entanto, não se deixa apreender no momento da escuta. A artificialidade da paisagem
sonora não se revela na escuta, somente no momento de sua feitura, mas a paisagem, esta sim, se constitui no momento
da escuta. Como Thelmo observa: « E tudo isto, após, caso seja necessário, muita edição, não deve ser notado, o resultado
final deve ser indistinguível de um ambiente «natural», ou seja, eu tento recriar paisagens sonoras.[3]» A paisagem sonora
criada vai responder a várias especificidades da escuta: um ambiente imersivo particular, ou seja, destacado de suas fontes.
Estamos na (re) produção, ou, mais exatamente, no trabalho da representação aplicada ao som, e isso acarreta um grande
número de questões relativas ao contexto no qual a e se dá, sua disposição no espaço ...
Yann Beauvais. Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro
[1] R.Murray Schafer :The Soundscape,our sonic environment and the turning of the world,1977,Knopf,reed Destiny Books,1994.SHAFER,R.Murray.Aafinação do Mundo.
São Paulo: Editora UNESP, 2001.
[2] E.mail de Thelmo Cristovam do dia 27 de maio de 2012.
[3] Idem. >>Disponível on line ..... 29
Publicado na revista: Nós Contemporâneos, VAZÃO n° 71 barrusMÀIMPRESSÃOeditora, Recife, Junho 2012
Thelmo Cristovam
+ 55 81 9 9649 7487
thelmocristovam.net
cristovam.thelmo@gmail.com

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