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1. Introdução
O fator tempo
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feminina dos analistas de crianças, uma análise é fazer com que uma
Winnicott teve sucesso em tocar o criança inibida em sua expressão lú-
ponto nevrálgico do processo de dica possa brincar. E dela se afasta
constituição da subjetividade. Antes na medida em que concebe o trata-
do destacamento entre as experiên- mento como um processo no qual
cias do mundo interno e do mundo duas pessoas brincam juntas; para
externo, é preciso a vivência suficien- Winnicott (1975), o brincar compar-
temente boa da continuidade do ser. tilhado define não apenas a clínica
No entanto, sublinha Winnicott, “o com crianças, mas a psicanálise de
centro de gravidade do ser não sur- forma geral.
ge no indivíduo”, mas na dupla ama- De fato, essa idéia fora apresen-
mentante. Ou seja, ao raspar a criança, tada por Ferenczi nos momentos
Winnicott deparou-se não com qual- derradeiros da sua obra, quando a
quer núcleo irredutível que poderia “neocatarse” e o jogo se impõem, no
ser considerado a sede do desejo ou plano da clínica, para o sucesso dos
a verdade do sujeito, o qual a análise processos de elaboração (Ferenczi,
deveria atingir regressivamente, mas 1930/1992d, 1931/1992c). Mas é no
com uma unidade definida pelo Diário clínico (1932/1990, p.91) que
“contexto ambiente-indivíduo” nos deparamos com a sua formula-
(1952/2000, p.165). ção mais decisiva e, também, mais
Dessa unidade primordial, pro- embaraçosa: a de que em certos
porcionada pela figura da mãe sufi- momentos da análise a impressão que
cientemente boa, emerge a experiên- se tem é a de duas crianças que tro-
cia de ilusão e o sentimento de oni- cam suas experiências, amparam-se
potência que permitirão à criança mutuamente e, configurando uma
constituir uma região intermediária “comunidade de destino”, podem
entre o seu self e a realidade que gra- também brincar juntas.
dualmente a ela se apresenta. Nesse A concepção de que uma análi-
sentido, a subjetividade se engendra se – qualquer análise, de adultos bem
através de um espaço de experimen- como de crianças – pressupõe o en-
tação – nomeado por Winnicott contro de “duas crianças” – o anali-
(1975) espaço potencial –, no qual o sando e o analista – aparece também
self inventa o mundo na medida em em Winnicott, para quem a terapêu-
que o mundo convoca o self, em um tica efetua-se na “superposição de
processo criativo. Essas experiências duas áreas lúdicas, a do paciente e a
ilusórias criadoras de si e do mundo do terapeuta”. Entretanto, a conse-
compõem o campo dos fenômenos qüência dessas formulações é a exi-
transicionais, do qual derivam as fa- gência de uma implicação com o so-
culdades do fantasiar, do sonhar e do frimento do analisando e de uma es-
brincar. pecial sensibilidade afetiva por parte
A orientação winnicottiana para do psicanalista que, se não puder brin-
a clínica com crianças encontra-se, car, simplesmente “não se adéqua ao
assim, com a kleiniana, no sentido de trabalho” (Winnicott, 1975, p.80).
conceber que a principal tarefa de Afinal, ser afetado pelo impacto trau-
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4. Acompanhar adolescentes
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da sua presença sensível, que não haja Ocidente; isto é, talvez essas dificul-
retaliação da agressão sofrida; deixar- dades residam não tanto no caráter
se morrer, para renascer em outro supostamente intratável do sofrimen-
espaço e tempo. to adolescente, mas sobretudo na in-
Assim, resgatando a analogia compreensão dos próprios psicana-
freudiana com o jogo de xadrez, per- listas com respeito à questão impos-
cebe-se que a clínica com adolescen- ta socialmente pela adolescência.
tes impõe ao psicanalista o enfrenta- Contudo, mesmo entendendo-
mento de desafios radicais tanto em se que há uma efetiva demanda de
seu lance de abertura quanto no do tratamento por parte do adolescen-
fechamento. De início, trata-se de te, persiste o impasse delineado por
decidir se há sofrimento e dor legíti- Winnicott (1961/2005): analisar
mos para serem acompanhados, ou quem não quer ser “compreendido”.
se a demanda dos pais e da socieda- O psicanalista precisaria contar, nes-
de pelo tratamento do adolescente se caso, com o despojamento que lhe
revela a sua própria dificuldade em permite evitar colocar-se no lugar de
acolher positivamente os movimen- detentor do saber, para “jogar” com
tos agressivos e em conter com dig- seu analisando adolescente. Como
nidade a luta do adolescente. Quanto escreve Mannoni: “não é opondo o
ao final, este implica a disponibilida- imaginário ao simbólico que se vai
de sensível do psicanalista para se curar... o imaginário em nome da
oferecer como destinatário adequa- verdade... O analista não ganha nada
do para a agressividade criadora e, se permanecer do lado do saber”
também, para a transferência negati- (1996, p.34).
va, cujo manejo sempre provocou No entanto, o que significa jo-
dificuldades ao longo da história da gar/brincar3 com o adolescente? Vi-
psicanálise. mos de que maneira a brincadeira se
A noção de luta, através da qual impôs no setting psicanalítico a partir
Winnicott nomeia a crise de adoles- das contribuições de Ferenczi e de
cência, explicita, portanto, a dimen- Winnicott, caracterizando um novo
são de embate político embutido na estilo de psicanalisar, no qual impor-
problemática do adolescente – o que ta menos a interpretação desvelado-
faz da clínica do adolescente o locus ra do conteúdo inconsciente dos jo-
privilegiado onde se cruzam, de gos, do que a circulação dos afetos
modo mais decisivo, as três profis- promovida pelo brincar. Seguindo
sões nomeadas por Freud impossí- essa pista, uma sugestão para a clíni-
veis (psicanálise, educação e gover- ca com adolescentes seria dispor do
no). Além disso, permite relativizar humor – a “brincadeira do adulto”
as dificuldades encontradas no tra- (Freud, 1908/1980e) – compartilha-
tamento dos adolescentes, o que foi do entre analista e analisando. Ao rir
intuído – mas não suficientemente de si mesmo, o psicanalista facilita o
elaborado – por Anna Freud (1968/ trabalho de desidealização e de desi-
1974), justamente em 1968, ano em dentificação ao qual o adolescente
que as revoltas juvenis inflamaram o se dedica em seu longo e penoso tra-
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RESUMEN
En este ensayo, se pretende reflexionar sobre los problemas vinculados al final del análisis
con niños y adolescentes. A partir de trazar la trayectoria histórica de las principales
contribuciones para el psicoanálisis de la infancia y la adolescencia, con especial destaque para
las ideas de D.W.Winnicott, se sugiere que tanto el juego compartido con el niño, cuanto
acompañar, con humor, la lucha del adolescente, apuntan en la dirección de la “capacidad para
estar solo”.
Palabras clave: clínica psicoanalítica; final del análisis; niños; adolescentes; capacidad
para estar solo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTAS
danielk@openlink.com.br
Recebido em agosto/2007.
Aceito em novembro/2007.
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