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A Hipótese Causal Hidráulica e o Conceito de Modo de Produção Asiático

Ciro Flamarion S. Cardoso

Reabre-se a discussão
Wittfogel, ex-membro do Partido Comunista Alemão que, mudando-se para os Estados Unidos, ali
ensinara história da China e fora um delator quando das perseguições da era de McCarthy, publicou, em
1957, Oriental despotism1 4, livro no qual expôs sua teoria a respeito das "sociedades hidráulicas", cujas
máximas representantes no mundo contemporâneo seriam a União Soviética e a China socialista, as
grandes inimigas do Ocidente.
Wittfogel mescla uma concepção ecologista e tecnicista, semelhante à de Plekhanov, ao difusionismo
e a outras influências. Afirma que as condições em que surge a oportunidade -não a necessidade -para que
se desenvolvam padrões despóticos de governo e sociedade, por ele identificados com a "sociedade
hidráulica", dependem de certos requisitos: 1. A reação do grupo humano diante de uma paisagem
deficitária em água. 2. Tal grupo tem de estar acima do nível de uma estrita economia de subsistência. 3. O
grupo deve estar distante da influência de centros importantes da agricultura de chuva. 4. O nível do grupo
precisa ser inferior ao de uma cultura industrial baseada na propriedade privada.
Cumprindo-se todos esses requisitos, o surgimento de uma sociedade hidráulica torna-se possível,
embora não necessário; a escolha entre adotar ou não tal forma de organização permanece em aberto,
sempre havendo alternativas. O controle, armazenagem e uso de grandes massas de água através de
obras hidráulicas exigem um trabalho maciço, que tem de ser coordenado, disciplinado e dirigido, o que
impõe a subordinação à autoridade reguladora de um Estado forte e eficaz; este acaba por esmagar a
liberdade do grupo que lhe está submetido.
Para Wittfogel, a economia hidráulica primeiramente surgiu nas regiões áridas, difundindo-se depois
pelas semi-áridas e úmidas, sempre na dependência da sua aceitação por parte dos grupos humanos aos
quais se tenha colocado a opção. Ele acha que é possível a adoção da forma hidráulica de sociedade e de
Estado, mesmo em regiões onde não exista ou seja pouco importante a agricultura hidráulica: é a
"sociedade hidráulica marginal". No caso de serem adotadas só parcialmente as características do
"despotismo oriental", teríamos uma "sociedade hidráulica submarginal". Assim, a necessidade de obras
hidráulicas seria condição necessária para o surgimento da sociedade hidráulica em caráter pioneiro, sem
ser, no entanto, imprescindível para a difusão de tal forma de organização social.
Por fim, diz o autor que, uma vez esgotadas as possibilidades de desenvolvimento e de mudanças
criadoras contidas no modelo da "sociedade hidráulica", esta tenderia à repetição estereotipada -
epigonismo -ou mesmo à decadência. O seu ciclo completo seria: formação, crescimento, maturidade,
estagnação, epigonismo e retrocesso institucional.
As idéias de Wittfogel tiveram muitos seguidores. Outrossim, uma de suas posturas básicas, a
"hipótese causal hidráulica" - isto é, a idéia de que a necessidade de controle sobre os grandes trabalhos
exigidos pela manutenção de um sistema complexo de irrigação foi o fator central na geração do Estado
"despótico" -, era já bem antiga, tendo sido defendida por historiadores como J. Baillet, J. Pirenne, A. Moret,
J. Vercoutter e H. W. F. Saggs. Tal hipótese é falsa, o que foi evidenciado, sem dúvida, por inúmeras
pesquisas bem apoiadas na arqueologia e em fontes escritas. É irônico que uma dessas pesquisas tenha
sido realizada por um dos mais incondicionais seguidores de Wittfogel, A. Palerm, que começou sua
investigação arqueológica e etno-histórica pensando provar a "hipótese causal hidráulica" no caso do
México pré-colombiano, mas demonstrou, de fato, o contrário: que o controle dos sistemas de irrigação
competia às comunidades locais, e que só muito tardiamente o Estado desenvolveu uma política de
grandes obras públicas de tipo hidráulico.2
Entre os marxistas, o livro de Wittfogel - que provocou grande indignação - constituiu apenas um
entre muitos fatores que deram impulso à retomada do interesse pelo conceito de "modo de produção
asiático". Outros fatores foram: a "desestalinização", iniciada pelo XX Congresso do Partido Comunista da
União Soviética, que no campo do materialismo histórico desencadeou um ataque à noção do unilinearismo
evolutivo das sociedades humanas; o progresso dos movimentos de libertação nacional, sobretudo a partir
da década de 1950, com a admissão sucessiva, às Nações Unidas, de numerosas nações afro-asiáticas,
cujos problemas socioeconômicos específicos exigiam também respostas de tipo histórico; a ampla
circulação dos Grundrisse, texto de Marx praticamente desconhecido até a mesma década, bem como a
republicação de seus artigos sobre a Índia e de escritos de Plekhanov, Varga e outros autores acerca das
sociedades "asiáticas".
Nos países socialistas, na França, na Itália, no Japão e em outras partes do mundo, inclusive na
América Latina - se bem que modestamente, a não ser no caso do México -, os anos 60 e 70 viram
1
WITTFOGEL, Karl A. Despotismo oriental. Trad. F. Presedo. Madrid, Guadarrama, 1966.
2
Ve r, s o b r e t u d o , A D A M S , R o b e r t M . E a r l y c i v i l i z a t i o n s , s u b s i s t e n c e , a n d e n v i r o n m e n t . I n :
S T R U E V E R , S . , e d . P r e h i s t o r i c a g r i c u l t u r e . N e w Yo r k , T h e N a t u r a l H i s t o r y P r e s s , 1 9 7 1 . p . 5 9 1 -
6 1 4 ; P A L E R M , A n g e l & W O L F, E r i c . A g r i c u l t u r a y c i v i l i z a c i ó n e n M e s o a m é r i c a . M é x i c o ,
Secretaria de Educación Pública, 1972. p. 128-48.
proliferar uma bibliografia numerosa e variada sobre o "modo de produção asiático", em meio a ativa troca
de idéias - poder-se-ia mesmo dizer, no contexto de um vivo debate e de agudas divergências.
Entre os temas em torno dos quais se desencadeou a discussão acerca do "modo de produção
asiático" - que muitos passaram a chamar de "tributário", "despótico-tributário", "despótico-aldeão" etc., por
ser obviamente inadequado o adjetivo asiático aplicado a um tipo de sociedade que os pesquisadores
julgavam encontrar na história de regiões situadas em todos os continentes - estavam as seguintes
indagações: Qual a sua organização interna, sua origem, suas contradições, seu desenvolvimento? Tratar-
se-ia de uma forma de transição das sociedades comunitárias tribais às sociedades de classes plenamente
desenvolvidas, ou de um tipo específico e bem definido de sociedade de classes? Seria uma formação
marginal restrita somente a certas sociedades, ou universal?
As respostas dadas a estas e outras perguntas foram heterogêneas segundo autores e tendências,
em parte porque nos próprios textos a que todos recorriam, como diz Melotti,
A ênfase de Marx se desloca, nas diversas passagens, de um a outro dos (...) aspectos. Ora afirma
que o elemento fundamental do sistema oriental é a ausência da propriedade privada, ora atribui esta
mesma ausência aos fatores particulares de caráter geográfico e climático (...). Ora explica o papel
eminente do Estado por estes fatores ecológicos, que impunham a necessidade de grandes trabalhos
hidráulicos, ora, pelo contrário, pela dispersão e pelo isolamento das aldeias. Em certas passagens,
atribui este isolamento à economia auto-suficiente, garantida pela combinação de agricultura e
artesanato doméstico. Em outras, parece adotar contrariamente a idéia de que seja a estrutura
simples destas aldeias, e portanto a limitada divisão do trabalho, o que explica a estagnação do
sistema oriental. Alhures, sublinha fatores diversos, como a civilização demasiado rudimentar, o baixo
nível das forças produtivas ou a particular estrutura de classes, que aliás faz decorrer. por sua vez, da
insuficiência da divisão do trabalho.3
O que significa, como já foi mencionado, que Marx não chegou a elaborar uma teoria sistemática e
acabada do "modo de produção asiático".
Embora alguns autores (K. A. Antónova, P. Anderson, E. Hindess e P. Q. Hirst, O. Komoróczy)
concluíssem pela inexistência de tal modo de produção como forma específica de sociedade, outros (F.
Tökei, Godelier, Me- lotti, J. Suret-Canale, J. Chesneaux, R. Bartra etc. ) chegaram à conclusão contrária e
também salientaram a importância desse conceito para basear uma visão multilinear do desenvolvimento
das sociedades humanas, em oposição à perspectiva unilinear consagrada por Stalin. Ainda mais
interessante é a posição de Goblot, que se opõe tanto ao unilinearismo quanto ao multilinearismo, já que
defende a opinião de que a evolução das sociedades não é linear: o desenvolvimento social, caracterizado
por contatos e influências, deslocamentos, "novos começos", não é contínuo em cada unidade
"etnogeográfica" - que pode mesmo conhecer estagnações e involuções -, por mais que a continuidade
temporal e lógica daquela evolução possa ser recuperada quando integramos os diferentes processos
evolutivos numa unidade superior. Por isso, diz M. Rebérioux que o historiador deve abandonar a busca
(absurda) da continuidade geográfica do desenvolvimento histórico e aprender "a ver o contínuo no
descontínuo".4
Embora seja impossível seguirmos aqui toda a trajetória do conceito de "modo de produção asiático"
desde que sua discussão foi retomada, pouco antes de 1960, é mister, além de remeter o leitor aos textos
principais gerados em tal discussão,5 recordar que, se bem que até meados da década de 1960 ainda
fossem comuns os escritos puramente exegéticos e teóricos a respeito, desde então tem-se desenvolvido a
perspectiva de que, sem descurar da teoria, é essencial proceder ao seu confronto com o material empírico
disponível, infinitamente mais rico do que no século passado. Afinal, foram Marx e Engels que frisaram,
referindo-se à "síntese dos resultados mais gerais que é possível abstrair do estudo do desenvolvimento
histórico":
Tais abstrações, tomadas em si mesmas, separadas da história real, não têm qualquer valor. 6
"Modo de produção doméstico" e "modo de produção palatino"
As tentativas de aplicação do conceito de "modo de produção asiático" disseram respeito a grande
número de sociedades e a cortes cronológicos também variados: as civilizações do antigo Oriente Próximo;
algumas das civilizações da proto-história mediterrânea (cretense, micênica e, com menos verossimilhança,
a etrusca); Índia, Sudeste Asiático e China pré-coloniais; algumas das culturas da África negra pré-colonial;
as altas culturas da América pré-colombiana. Casos muito controversos, e com graus de probabilidade
muito mais baixos, são o Império Bizantino, o mundo muçulmano - insistiu-se mais no caso turco -, a Rússia
tzarista e o Japão.

3
MELOTTI, Umberto. Marx e il terzo mondo. Milano, Il Saggiatore, 1972. p. 92.
4
G O B L O T, J e a n - J a c q u e s . L ' h i s t o i r e d e s " c i v i l i s a t i o n s . . e t I a c o n c e p t i o n m a r x i s t e d e r é v o l u t i o n
sociale. In: PELLETIER, A. & - Matérialisme historique et histoire des civilisations. Paris, Ed.
Sociales, 1969. p. 57-197.
5
A respeito dos antecedentes do conceito de “modo de produção asiático”, ver Bailey, Anne & LLOBERA, Josep R., eds. The Asiatic
modo of prodution, p. 13-23.
6
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. La ideología a/emana. Montevideo, Pueblos Unidos, 1968. p. 25.
Aqui nos interessa o antigo Oriente Próximo, visto através de dois exemplos: o Egito faraônico e os
Estados da Baixa Mesopotâmia. Por tal razão, apoiar-nos-emos na interpretação da evolução social
próximo-oriental elaborada, sob inspiração das discussões acerca do "modo de produção asiático", por dois
autores italianos, especialistas na história dessa região: M. Liverani e C. Zaccagnini. Por volta de 7000 a.C.
já, existiam, na Ásia Ocidental, aldeias sedentárias, resultantes do processo que o arqueólogo australiano
Gordon Childe propôs fosse chamado "revolução neolítica"; esta forma de organização se generalizou aos
poucos no Oriente Próximo. Alguns séculos antes de 3000 a.C., na Baixa Mesopotâmia, e por volta dessa
data, no Egito, nova transformação - que Childe chamava "revolução urbana" - se traduziu no surgimento de
cidades, do Estado, e de uma diferenciação social profunda; ou, mais em geral, do que se convencionou
denominar "civilização".
Liverani, ao interpretar a situação posterior à "revolução urbana", propõe um duplo quadro de
referência: o "modo de produção doméstico", ou "aldeão", e o "modo de produção palatino". O primeiro seria
uma estruturação social cuja origem remonta à "revolução neolítica"; são características suas a economia
de subsistência, a ausência de divisão e especialização do trabalho - dando-se, em cada aldeia, a união da
agricultura e do artesanato -, a ausência de uma diferenciação em classes sociais, a propriedade
comunitária sobre a terra. O "modo de produção palatino", por sua vez, resultaria da "revolução urbana",
que desembocara no surgimento de complexos palaciais e templários como centros de nova organização
social. A economia passara a basear-se na concentração, transformação e redistribuição dos excedentes
extraídos por templos e palácios dos produtores diretos - em sua maioria ainda membros de comunidades
aldeãs -, mediante coação fiscal, configurando tributos in natura e "corvéias", ou trabalhos forçados por
tempo limitado, para atividades civis (trabalhos diversos) e militares; isto manifestava divisão e
especialização do trabalho, com o surgimento de especialistas de tempo integral (artesãos, sacerdotes e
burocratas dependentes dos templos e palácios), uma diferenciação fortemente hierárquica da sociedade,
um sistema já complexo de propriedade que incluía, entre outras formas, as propriedades dos palácios e
dos templos. As comunidades aldeãs e, em regiões marginais, também as comunidades tribais, tomadas em
si mesmas, eram o resíduo de um modo de produção cujas raízes mergulhavam no passado pré-histórico;
mas constituíam, ao mesmo tempo, a base sobre a qual se desenvolvera o novo modo de produção; este só
pôde surgir e se expandir explorando o modo de produção mais antigo, que foi subordinado, adaptado e
utilizado de acordo com os novos interesses, mas sem perda de todas as suas características próprias. 7
Para Zaccagnini, a articulação entre estruturas palatinas hegemônicas e estruturas aldeãs
subordinadas - mas ainda reconhecíveis e com certo nível de autonomia local - é que constitui o "modo de
produção asiático", ou "tributário", tal como existiu no antigo Oriente Próximo. Ele crê também que, nos
grandes vales fluviais irrigados e urbanizados (Egito, Baixa Mesopotâmia), a forte centralização palatina
levou, já no III milênio a.C., a um redimensionamento tão profundo das comunidades aldeãs, que elas
perderam a maior parte de sua autonomia e importância econômica - talvez tenhamos aí uma apreciação
exagerada, como veremos. Nas regiões menos nucleares do antigo Oriente Próximo (Palestina, Síria, Ásia
Menor, partes da Assíria), pelo contrário, o sistema de comunidades de aldeia teria sobrevivido com força,
mantendo reconhecível seu caráter comunitário tradicional até pelo menos 1200 a.C., aproximadamente.8
Como foi possível a transição de aldeias indiferenciadas à situação de desigualdade e domínio que se
configurava já claramente desde o III milênio a.C.? Obviamente, o ponto de partida tem de ser um início de
diferenciação funcional no seio das próprias comunidades aldeãs, tanto devido a fatores internos quanto por
impactos externos (comércio intercomunitário ou de longo curso, guerra, influências diversas). Tal
diferenciação, ao ocorrer, se cristaliza no plano do prestígio, do ganho e do poder decisório: certos
"notáveis" saídos das famílias mais importantes passam a manipular de fato, por sua influência e formas
materiais de pressão, as decisões do "conselho de anciãos" da aldeia. A origem primeira da diferenciação
pôde decorrer do fato de que certas famílias, mais numerosas que outras, concentraram o controle de mais
lotes de terra comunitária e mais cabeças de gado do que as demais; ou de que as famílias estabelecidas
há mais tempo na aldeia tivessem privilégios negados às mais recentes; ou ainda do resultado da
distribuição desigual de bens provenientes do comércio intercomunitário ou de longo curso. Seja como for,
quem alcançasse posições vantajosas tentaria garanti-Ias para seus filhos. Com o tempo, estabelecia-se
uma diferença entre os que trabalham e os que dirigem o trabalho alheio; entre os que decidem e os que
executam; entre os que realizam trabalhos "comuns" (agrícolas) e "especializados" (de transformação,
troca, administração).
Quando as mudanças desembocam plenamente na urbanização e na organização estatal, três
setores sociais básicos são perceptíveis: 1 - A imensa maioria da população dedica-se às atividades
agropecuárias, consumindo diretamente parte do que produz e entregando o resto ao poder central; tal
população não participa das decisões comuns. 2 - Um grupo muito minoritário se ocupa com atividades
artesanais, de troca, de administração, religiosas; é mantido peia redistribuição dos excedentes extraídos
das aldeias, e não participa das decisões comuns. 3 - Um grupo ínfimo organiza o trabalho das

7
LIVERANI, Mario. La struttura politica. In: MOSCATI, Sabatino, ed. L'alba deI Ia civiltà, v. 1, p. 277-414. Id. Il modo di produzione, ibid.,
v. 2, p. 3-126.
8
ZACCAGNINI, Carlo. Modo di produzione asiatico e Vicino Oriente antico. Dialoghi di Archeologia.
comunidades, pelas quais é sustentado, e decide por todos; este poder de decisão tende a personalizar-se,
a ter como expoente uma só pessoa.
A ampliação do corpo social, que passa a englobar numerosas comunidades aldeãs, mais os núcleos
urbanos, leva a uma coesão cada vez mais artificial e menos automática; se tal coesão na aldeia decorre de
relações de parentesco e vizinhança e de decisões tomadas por representantes das famílias nas
confederações tribais amplas e, mais ainda, num Estado, recorre-se à sanção divina do poder e da ordem
social. O governante supremo passa a situar-se num plano diferente do que caracteriza o resto da
sociedade: a sacralidade facilita a aceitação das decisões pela maioria não consultada. A contraparte dos
excedentes recebidos das comunidades é de tipo administrativo, mas sobretudo ideológico: o rei, ou
governante, é o garantidor da justiça - ordem cósmica aplicada a casos particulares - e da fertilidade da
terra e dos rebanhos, utilizando-se, para tal, de meios sobrenaturais.
O palácio e o templo são jmpensáveis sem a aldeia, mas esta, ao inserir-se no interior de um sistema
palatino, sofre transformações: já não é a aldeia autônoma do Neolítico; assim, os dois níveis básicos da
integração social são interdependentes. No entanto, as relações entre eles são de iniciativa exclusiva do
nível superior, manifestando-se na taxação, no recrutamento militar, na repressão. Existe uma tensão, um
hiato de interesses e mesmo de compreensão entre ambos os níveis, que a ideologia oficiai tenta ocultar,
difundindo a imagem de uma sociedade homogênea em que todos - do mais pobre camponês ao mais
exaltado funcionário - são "servos" do monarca, que, por direito divino, é o senhor de suas vidas e o
dispensador da abundância.
Texto extraído do livro: CARDOSO, Ciro Flamarion S. Sociedades do Antigo Oriente Próximo. São
Paulo: Ed. Ática, 1986, pp. 18-28. (Série Princípios, n. 47)
O Neolítico

Antônio Roberto Guglielmo

O neolítico
Com o significado de "nova idade da pedra", o termo neolítico surgiu no século XIX, identificando a
idade da pedra polida, assim como o termo paleolítico identificava a idade da pedra lascada. Hoje, no
entanto, o termo neolítico não mais identifica métodos de trabalho em pedra e, sim, de produção de
alimentos. Durante o Neolítico o controle sobre a reprodução de plantas e animais e a estocagem de
proteína animal e vegetal tornou-se possível com a criação de rebanhos e o cultivo dos campos.
O processo de domestificação envolve uma relação de simbiose entre as populações humanas
(domesticadores) e certas espécies favorecidas de vegetais ou animais (domesticados). O domesticador
afasta dos respectivos habitats a flora e a fauna domesticáveis, suprimindo-os de espaço, água, luz solar,
nutrientes e interferindo na sua atividade reprodutora para garantir o máximo retorno dos recursos
empregados. A domesticação normalmente causa modificações genéticas nas espécies domesticadas.
Exemplos clássicos são os cereais, tais como milho, trigo e aveia, que, sucessivamente selecionados por
mãos humanas para obter maiores espigas e maior número de grãos, perderam completamente a
capacidade de se produzir sem a interferência humana.
Em inúmeros sítios arqueológicos do Oriente Médio foram encontradas formas domesticadas de
cevada, trigo, cabras e carneiros datadas de 11.000 a 9.000 anos, além de indícios do cultivo de
leguminosas -ervilhas, lentilhas e feijões -domesticadas ao mesmo tempo que os cereais. As áreas das
transformações no Oriente Médio - o chamado crescente fértil -correspondem aproximadamente às regiões
em que as espécies domesticadas ocorriam em estado silvestre.
No final do Pleistoceno, as populações dessas regiões incorporaram essas plantas e animais à sua
dieta pela caça e coleta, desenvolvendo um padrão cultural típico do Paleolítico. Da mesma forma que os
povos mesolíticos da Europa - onde o recuo das geleiras alterou drasticamente a paisagem, extinguindo a
caça de grande porte -, essas populações foram forçadas a consumir maior variedade de pequenos
animais, peixes, mariscos, bem como legumes, nozes, frutas e outras plantas. No entanto, havia uma
diferença fundamental entre as paisagens européia e do Oriente Médio: neste a existência de grandes
pastagens introduziu o hábito do consumo de sementes, inexistentes na Europa, incluindo-se os ancestrais
silvestres do trigo, aveia e cevada. E$sa diferença, que levou a um processo de sedentarização precoce,
talvez explique por que as primeiras grandes civilizações floresceram no Oriente Médio.
São numerosas as evidências de sociedades sedentárias pré-agrícolas no Oriente Médio, que
estocavam grãos para alimentação posterior. A descoberta de vilas pré-agrícolas como a de Jericó, em
Israel, revolucionou a idéia em vigor até 1960, de que a sedentarização ocorrera com a agricultura e não
antes. Hoje, no entanto, reconhece-se que caçadores e coletores aumentaram sua densidade demográfica
pela sedentarização. Nas vilas pré-agrícolas, adaptadas para estocar grãos, processá-los em farinha e
convertê-los em alimento, a construção de casas sólidas, muros, moinhos, silos etc. representava um
grande investimento de energia humana, que fazia as pessoas relutarem em abandonar tudo e se
mudarem.
No entanto, o que ocorreu em primeiro lugar: a domesticação de plantas ou a de animais? Ao que
tudo indica, ambos foram domesticados num processo único. Na medida em que o homem obtinha seu
alimento de novas maneiras, novas relações se deram entre plantas e animais. As pastagens naturais, com
os ancestrais do trigo e da cevada, eram a maior fonte de alimentos de carneiros e cabras. Com as vilas
pré.;:i:1grícolas, cada vez mais freqüentes nesses campos, bandos de carneiros e cabras selvagens se
aproximavam dos homens. Valendo-se dos cães, as pessoas controlavam os movimentos desses bandos,
mantendo-os fora dos limites dos campos de cereais. A caça foi, assim, simplificada: não era mais
necessário ir ao animal; atraído pelos irresistíveis pastos concentrados, o animal vinha ao caçador. Com o
início da agricultura, ovelhas e cabras se alimentavam do feno e sobras das colheitas. Podiam, pois, ser
aprisionadas, ordenhadas e sacrificadas de forma seletiva, preservando-se animais mais dóceis.
A agricultura contribuiu também para o crescimento populacional, facilitando o sustento e manutenção
das crianças. Normalmente, nas sociedades de caçadores e coletores, as mulheres mantinham só um filho
a cada quatro anos, aproximadamente, devido a dificuldade de transporte nos longos percursos. As crianças
eram alimentadas praticamente até a adolescência, só então tornavam-se caçadores hábeis. Nas
sociedades agrícolas, no entanto, quanto maior o número de crianças, maior o cuidado que se podia ter
com as plantas e os animais. Desde muito cedo, as crianças eram postas a trabalhar em tarefas simples e
literalmente pagavam com trabalho aquilo que comiam. A agricultura reduziu também o esforço das
mulheres, que, não precisando mais transportar permanentemente os filhos, podiam atender com mais
eficiência um número de filhos bem maior.
O período Neolítico apresentou, portanto, um rápido crescimento demográfico. Estima-se que a
população humana entre 10.000 e 6.000 anos atrás saltou de cerca de 100.000 para 3.2 milhões de
indivíduos na região do crescente fértil. Usualmente a vida no Neolítico tem sido descrita como pacífica,
segura, auto-suficiente, igualitária, com lentas mudanças. Embora corresponda quanto as primeiras vilas
pré-agrícolas, essa imagem não se aplica ao período todo.
Na medida em que novas espécies foram domesticadas, desenvolveram-se aceleradamente
ferramentas, técnicas produtivas e novas formas de vida social. Recentemente descobertas tornam evidente
que grandes cidades eram comuns há 10 mil anos, e a presença de muralhas, fossos e torres que as
cercavam desmentem a imagem romântica atribuída ao Neolítico. Sua prosperidade indica o
desenvolvimento do comércio com a exportação de gado e cereais em troca de vários artigos e matérias-
primas. O grau de especialização tanto dentro como entre as cidades neolíticas têm surpreendido os
arqueólogos: casas de construção de móveis, ferramentas, matadouros, curtumes, olarias, etc. indicam
diversificação e produção em larga escala, sugerindo que o comércio ocorria, por vezes, entre cidades
muito distantes.
O maior domínio sobre a natureza libertou o homem dos modelos de sobrevivência da caça e coleta,
dependente da flora e fauna silvestres, em pequenos grupos nômades, tipicamente paleolíticos. A produção
do próprio alimento permitiu rápido crescimento populacional e assentamentos permanentes.
A criação de rebanhos e a estocagem de grãos também implicaram profundas alterações econômicas
e políticas que resultaram do acesso diferenciado a terras férteis, água e outros recursos básicos.
Diferenciações de riqueza e poder surgiram a partir do controle desses recursos. Finalmente, graças ao
desenvolvimento agrícola, houve condições para o surgimento das grandes cidades, Estados e impérios.
A revolução urbana. O desenvolvimento do Estado e das civilizações
Com a domesticação dos bovinos, inovações tecnológicas foram surgindo num processo de reação
em cadeia. Arados (cerca de 7.500 anos) intensificaram a agricultura e viabilizaram sua prática em novas
áreas, incrementando o crescimento demográfico. Com o aumento das populações, surgiam novas vilas em
regiões férteis, porém mais secas. Na parte sul da região do Tigre-Eufrates, atual Iraque, por exemplo, em
densa concentração de vilas e cidades se confinava, no início, às margens dos cursos naturais dos rios, foi
adotada a irrigação artificial para as áreas mais afastadas. A arquitetura tomou impulso com a difusão de
templos monumentais de tijolos -os chamados zigurates -erguendo-se nos centros das maiores cidades. Na
cidade de Uruk, por exemplo, há 6.000 anos, havia vários quilômetros quadrados de ruas, casas, templos,
palácios e fortificações, cercados por milhares de hectares de campos irrigados.
A tecnologia alcançada, a fiação e a tecelagem, a cerâmica, as olarias, os navios, os veícu1os com
rodas, os calendários, os sistemas de pesca e medidas e os primórdios da matemática são apenas alguns
exemplos. Surgiu a escrita, marcando para muitos historiadores a passagem da pré-história para a história.
Ao meu ver, no entanto, ela foi apenas uma entre tantas outras transformações que ocorreram em
curtíssimo espaço de tempo, permitindo o registro de eventos sociais e características culturais desses
povos para as gerações futuras.
Nas comunidades, com a divisão entre ricos e pobres, governantes e governados, letrados e
analfabetos, camponeses produtores de alimentos e especialistas habitantes das cidades -artesãos,
artistas, soldados, sacerdotes e nobres -produziu-se a estratificação social e se desenvolveram instituições
hierarquizadas, entre as quais o Estado.
No processo de formação do Estado na Mesopotâmia -região compreendida entre os rios Tigre e
Eufrates - houve a interação de uma série de fatores, muitos dos quais também ocorreram em outras
regiões onde se desenvolveu essa instituição. Assim, o desenvolvimento dos primeiros Estados do Oriente
Médio explica satisfatoriamente as origens da civilização.
A região da Mesopotâmia, embora fértil, não tinha uma distribuição regular e abundante de chuvas,
tornando a irrigação artificial necessária para a expansão agrícola. Na medida em que a densidade
populacional aumentava, crescia também a competição real dentro e entre os estabelecimentos humanos
pelo acesso e controle da água necessária para a irrigação.
A deficiência da Mesopotâmia em matérias-primas -pedras, madeiras, minérios etc. -levou a um
comércio bastante desenvolvido com outras regiões. Provavelmente, graças à necessidade de regular as
atividades comerciais, aliada, à controle dos trabalhos de construção de canais e diques para a irrigação,
surgiu uma hierarquia política, religiosa e militar, que daria origem ao núcleo da primeira burocracia estatal
conhecida.
Essa elite assumiu a tarefa de organizar a produção, a distribuição, o comércio e a defesa, prestando
serviços na forma de elaborar cálculos sazonais, distribuindo rações de emergência, mantendo o trabalho
de artesãos especializados e realizando os cultos religiosos. Transformou-se em uma classe de déspotas,
assentada no monopólio do poder político e militar. Impondo impostos de diversos tipos, desviava grande
parte do excedente das colheitas de cereais para as transações
A irrigação intensiva consolidava e ampliava o poder da elite dominante sobre as populações e as
fontes de recurso naturais. A propriedade da terra e dos recursos naturais é um dos aspectos mais
importantes do controle político: o acesso desigual aos recursos do meio ambiente implica de alguma forma
de coerção dos dominadores sobre os dominados. Muitos estudiosos atribuem à existência de excedente de
produção - quantidade de alimentos maiores do que a necessária para o consumo imediato - a evolução de
divisão social do trabalho.
Excedentes de produção, contudo, não significam produção supérflua, pois os produtores poderiam
com ela aliviar os custos de manutenção dos filhos, diminuir sua carga de trabalho ou realizar trocas para
elevar seu padrão de vida. Se os produtores entregam parte de sua produção, é porque não tem o poder de
não entregá-la. Há, pois, estreita relação entre rendimento da terra e taxação, ambos dependendo da
existência de um poder coercitivo na forma de exército e armas.
(GUGLIELMO, Antonio Roberto. A Pré-História. Uma abordagem ecológica. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1991, pp. 38/45.)
A Baixa Mesopotâmia: da sua ocupação até a Babilônia Cassita*

Texto organizado por Luís Manuel Domingues**

O meio físico da Mesopotâmia


Os rios que formam a planície aluvional mesopotâmica - o Eufrates e o Tigre - nascem nas
montanhas da Anatólia. O primeiro depende do desgelo das neves durante a primavera e de dois afluentes
da sua margem esquerda (Balikh e Khabur); o segundo, das chuvas da região dos montes Zagros e de
numerosos rios tributários (os dois Zab, o Diyala e o Karum). Nos períodos de cheias, os dois rios inundam
suas margens e as fertilizam. A cheia do Tigre atinge o máximo em abril, a do Eufrates, em maio, atingindo
ambos o nível mais baixo nos meses de setembro e outubro. O Tigre, mais impetuoso e de curso muito
irregular em relação à planície, é menos favorável a irrigação do que o Eufrates, que corre acima do nível do
seu vale. Apesar das enchentes dos rios mesopotâmicos renovarem anualmente a fertilidade do solo com
aluviões, elas ocorrem justamente no momento em se aproxima à colheita, sendo necessário, portanto,
proteger os cereais e plantas cultivadas das águas fluviais que transbordam com ímpeto.
Em termos geológicos, a Mesopotâmia é uma depressão formada pela junção, no Plioceno, da placa
tectônica da Arábia com a da Ásia Ocidental, que foi posteriormente recheada de sedimentos aluviais
depositados pelos dois grandes rios. Acreditou-se, durante muito tempo, que os rios Tigre e Eufrates
desembocavam separadamente no golfo Pérsico, sem se juntarem, como hoje, no Shatt al-Arab. Esta
compreensão adivinha das informações dos documentos sumérios mencionarem cidades como Ur e Eridu,
hoje distantes do golfo, como detentoras de portos marítimos. A nova pesquisa tem levado os especialistas
a afirmarem que a região de lagos semipermanentes e pântanos, ao sul das cidades sumérias, era vista,
pelos antigos habitantes, como parte integrante da paisagem oceânica, haja vista que os navios marítimos
podiam atravessar os pântanos e penetrar facilmente no Eufrates até chegar àquelas cidades e seus portos.
Tomando como limite o ponto do seu curso médio onde o Eufrates e o Tigre mais se aproximam um
do outro, é possível considerar duas sub-regiões: a Alta Mesopotâmia, a noroeste, e a Baixa Mesopotâmia,
a sudeste. A primeira é mais elevada, menos propícia à irrigação e, em parte, adequada à agricultura de
chuva (no planalto assírio, no lado leste) ou à criação (Assíria, mais a oeste), contendo, ainda, ricos recurso
florestais. A Baixa Mesopotâmia é pouco servida pelas chuvas, baixa, muito plana e potencialmente
fertilíssima - dependendo de um sistema de irrigação artificial para conter as destruições das cheias e da
drenagem que evite a salinização -, mas de todo carente de madeira, pedra e minérios. A terra fértil forma
um conjunto de bacias entremeadas e propícias para o gado, sendo que os vales fluviais são cercados, para
oeste e para leste, por outras faixas estépicas freqüentadas por pastores. As zonas pantanosas próximas ao
golfo continham pastos extensos e serviam à pesca e à coleta vegetal. A argila de alta qualidade e
abundante foi também explorada na Antigüidade. A navegação fluvial era realizada através dos rios e dos
canais maiores e foi o principal meio de comunicação. O transporte terrestre, até a difusão do dromedário,
dependia de caravanas de muares ou carros e trenós puxados por bovinos e asinos.
Quando de suas cheias anuais, o Eufrates e o Tigre depositam no leito normal os sedimentos mais
pesados, formando diques naturais ou levées. Era nestes diques naturais que se concentrava o habitat
humano na Baixa Mesopotâmia, nos quais desenvolviam preferencialmente a agricultura irrigada em virtude
de apresentarem menos problemas quanto à drenagem. Quanto aos problemas relacionados com as
atividades agrícolas estava o da salinização causada por drenagem insuficiente e o avanço do deserto
sobre as terras cultivadas - condição que deve ter motivado as disputas por terras cultiváveis.
A ocupação, colonização e revolução urbana na Baixa Mesopotâmia
Durante o terceiro milênio, do ponto de vista lingüistico, a Baixa Mesopotâmia podia ser dividida em
duas partes: ao sul, a Suméria, ou país de Sumer, onde predominava o sumério, língua aglutinante sem
vínculos conhecidos e que deixaria de ser falada no início do segundo milênio; ao norte, o país de Akkad,
onde se concentrava a maioria da população que falava o acádio, uma língua de flexão do grupo semita e
que predominou, juntamente com o babilônico dele derivado e o aramaico, na região baixo-mesopotâmica a
partir do segundo milênio.
Nos textos, escritos em sumério e acadiano, ainda no terceiro milênio, constatou-se a presença de
palavras não-sumérias e de vocábulos estranho à estrutura das duas línguas faladas na região baixo-
mesopotâmica, levando a supor a idéia de uma tradição tardia suméria na qual tanto o sumério como
acadiano teriam substituído uma língua falada num passado pré-histórico. Foi esta idéia que aventou a
possibilidade da chegado dos sumérios pelo golfo Pérsico, por volta de 3100 a.C., mas as pesquisas
arqueológicas os vincularam ao sudoeste do Irã (o Elam, ou Susiana). Recentemente, foi formulada a
opinião, à luz da lingüística e levando em conta as noções étnicas bem posteriores provenientes da
Babilônia, que os habitantes encontrados pelos antepassados dos sumérios fossem a gente de Subaru (Alta
Mesopotâmia), que arqueologicamente já estavam presentes na Baixa Mesopotâmia desde mais ou menos
3500 a.C.; o que implica ter havido na região um povoamento mais remoto de populações oriundas das
áreas plenamente neolíticas.
Enquanto na Anatólia, Siro-Palestina e Alta Mesopotâmia a ocupação permanente por aldeias
neolíticas plenamente sedentárias, comunidades que baseavam sua subsistência numa agropecuária
estável e não mais na caça, na pesca e na coleta de plantas selvagens, ocorreu no período de 9000 a 7000
a.C., a ocupação por cultivadores da Baixa Mesopotâmia - potencialmente fértil, mas pouco adequada à
agricultura de chuva - só tem início, de forma esporádica, entre 6000 a 4500 a.C., por cultivadores oriundos
dos maciços do Curdistão e dos Zagros, formando as culturas de Hasssunah, Samarra e Halaf. Só a partir
do 5º milênio, a planície aluvial do Tigre e do Eufraste será ocupada permanentemente por grupos de
cultivadores oriundos do leste, introduzindo mudanças importantes na atividade agropastoril e preparando o
longo caminho que conduziu ao modo de vida urbano e, consequentemente, ao surgimento das civilizações.
A mudança importante dessa fase foi o desenvolvimento de técnicas eficazes de irrigação, permitindo a
expansão do povoamento.
No 5º milênio, com o surgimento de comunidades nas encostas próximas aos rios que atravessavam
as planícies da Baixa Mesopotâmia, simples valas eram construídas para desviar os cursos de água que
corriam para os campos próximos. Esta irrigação em pequena escala era usada de início como prevenção
contra a seca em áreas já alimentadas pela chuva. Entretanto, no decorrer do 5º e 4º milênio, os sistemas
de irrigação conhecidos e desenvolvidos permitiram a colonização de regiões áridas, antes fora do alcance
das comunidades agrícolas. Como conseqüência desta empreitada, inúmeras pequenas aldeias surgiram às
margens da planície fluvial da Baixa Mesopotâmia, área de enorme potencial agrícola, mas deficiente em
madeira, pedra dura e minérios para a produção de utensílios e armas.
Por volta de 3100-2900 a.C., quase dois mil anos após o início da ocupação efetiva e construção dos
pequenos sistemas de irrigação, a Baixa Mesopotâmia estava já urbanizada, apresentando quatorze
cidades mais importantes que subordinavam outras menores e numerosas aldeias. Trata-se da mais antiga
região do mundo a urbaniza-se. Portanto, constitui-se na única região que efetuo por si só o processo de
urbanização sem dispor de modelos externos a que se pudesse referir. Ao longo de milênios, a região
precisou buscar soluções para os problemas novos que fossem surgindo, enquanto o modo de vida urbano
vai se delineando e se consolidando.
Entre o ano 5000 e 2900 a.C. a Baixa Mesopotâmia transitou de uma fase basicamente neolítica para
uma época caracterizada pelo que se convencionou chamar de revolução urbana. Entre 5000 e 3500 a.C., a
região conheceu a fase de Ubaid, em que o modo de vida era neolítico, com o aparecimento de cerâmica
pintada, o surgimento dos primeiros objetos fabricados de cobre - a partir de 4500 a.C.-, e a construção dos
primeiros santuários como o de Eridu. A fase seguinte, a de Uruk, de 3500 a 3100 a.C., caracteriza-se pelo
início da urbanização, invenção da escrita e dos processos de numeração e pelo aparecimento de uma
clerezia dedicada ao serviço de deus com residência nos lugares santos e exercendo um domínio sobre as
comunidades rurais. A transição da civilização urbana é completada no período de 3100 a 2900 a.C.,
durante a fase de Jemdet-Nasr, marcada pelo desenvolvimento da organização social e de instituições
político-administrativas nas cidades, que reconhecem como soberano uma grande divindade que personifica
uma das forças da natureza (Enlil, o vento; Anu, o céu; Enki, a água; Ianna, a fertilidade). Ao mesmo tempo,
esta fase conhece uma grande concentração de residências dos cultivadores nas planícies e o
aparecimento de um grande contingente de artesãos especializados e trabalhando em tempo integral nas
cidades. É a fase com a qual começou a Época Inicial do Bronze.
As razões da revolução urbana na Baixa Mesopotâmia
Desde o período basicamente neolítico até os inícios da urbanização e das cidades nascentes da
Baixa Mesopotâmia, as populações locais tiveram que enfrentar dificuldades consideráveis e buscar
soluções aos problemas em princípio intransponíveis. Contudo, foi no enfrentamento das dificuldades e na
busca de soluções que a região transitou para civilizações urbanizadas com instituições político-
institucionais e administrativas.
O povoamento da Baixa Mesopotâmia dependia dos rios que cortam as planícies fluviais. A
agricultura de chuva, típica das regiões do Levante e da Anatólia, não é praticável na região. Por outro lado,
os rios se acham em vazante na parte do ano em que é preciso semear. As enchentes possuem um efeito,
por um lado, fertilizador, mas, por outro lado, dá-se em épocas em que os cereais cultivados já estão
crescidos e, em sua violência, ameaça levá-los de roldão juntamente com rebanhos e casas. Tinha-se,
portanto, que dispor de reserva de água para os meses mais secos do ano, e de obras hidráulicas de
proteção contra os efeitos das enchentes fluviais. Estas necessidades obrigaram a construção de um
sistema complexo de barragens, diques, canais de irrigação e drenagem, cuja manutenção e extensão
exigiram um enorme e constante esforço.
Por outro lado, a Mesopotâmia tinha à sua volta estepes habitadas por nômades criadores a oeste e a
leste nas montanhas. A planície fértil do Eufraste e do Tigre tinha que ser disputada com armas nas mãos
aos pastores nômades que nelas tentavam se estabelecer ou, simplesmente, pilhar os assentamentos
sedentários. Além do mais, em virtude da salinização causada por drenagem insuficiente e ao avanço do
deserto sobre as terras cultivadas, estes últimos competiam entre si pelos recursos naturais: água, campos,
bosques.
Sendo a região da Baixa Mesopotâmia carente em madeira, pedra dura e metais era preciso suprir os
povoamentos em expansão de materiais básicos que só podiam ser encontrados em áreas elevadas e
distantes. As recentes escavações arqueológicas comprovam que, desde a fase basicamente neolítica, as
comunidades locais efetuavam trocas regulares, às vezes a distâncias muito consideráveis.
A questão pertinente para a história político-institucional e administrativa e de formação das cidades
com espaços urbanos institucionais é: quem tinha a responsabilidade de procurar soluções para os
problemas apresentados acima?
Ante as pressões descritas, os vilarejos da Baixa Mesopotâmia começaram a organizar órgãos
colegiados e a caminhar para instituições político-institucionais com a responsabilidade de buscar soluções.
Segundo Ciro Flamarion Cardoso, três instituições, sucessivas e recentes, encarregaram-se de enfrentar as
dificuldades que apareceram ao longo do processo de urbanização e, depois, no período inicial da vida já
totalmente urbana: órgãos colegiados com origem nas organizações tribais, que sobrevivem ao processo de
destribalização; os templos, compreendidos como complexos econômicos e administrativos, além das
funções religiosas; e o palácio real, também, um complexo com múltiplas funções.
Ao iniciar os tempos históricos, o sul da Mesopotâmia estava dividido, então, em uma dúzia de
cidades-Estados bem consolidadas e ciosas de sua independência. Já existiam em cada cidade baixo-
mesopotâmica privilégios fiscais, legais e de jurisdição reconhecidos aos homens livres proprietários,
integrantes do corpo de cidadãos dotados de direitos bem estabelecidos. Estes traços são compreensíveis
ao se admitir a origem tribal - e, portanto local e dispersa - dos primeiros órgãos colegiados de poder que
existiram nas cidades nascentes, anteriores ao surgimento das instituições centralizadoras e
subordinadoras dos complexos templários e palaciais.
Desde o começo do processo de urbanização, os órgãos encarregados de tomar as decisões mais
importantes eram dois: o conselho de anciãos (notáveis locais) e a assembléia dos homens livres. Só com
urbanização plena, por volta de 3100 a 2900 a.C., surgem os templos como complexos político-econômicos
com controle sobre a administração das cidades-Estados. Mas, só em meados do terceiros milênio, é que
vai aparecer o palácio real como entidade diferente dos templos, deles separada no espaço, e epicentro
político-administrativo no sul da Mesopotâmia.
Cada cidade-Estado do sul da Baixa Mesopotâmia compreendia três setores urbanos: a cidade
propriamente dita, cercada de muralhas; uma área periférica (chamada de “cidade externa” em sumério),
ocupada por residências, estábulos, campos, hortas e pomares, na qual residiam os habitantes da cidade; e
o porto (fluvial na maior parte dos casos), centro da atividade comercial de longa distância e lugar de
residência dos mercadores estrangeiros (não admitidos intramuros). A sede urbana controlava um território
composto de aldeias, campos, bosques, pastos, e, não muitos raros, outras cidades subordinadas. Cada
cidade-Estado tinha uma divindade principal que a “possuía”.
O período de domínio das cidades-Estados templárias na Baixa Mesopotâmia
Uma história da evolução político-administrativa da Baixa Mesopotâmia do momento em que aparece
plenamente urbanizada, período de Jemdet Nasr (3100 a 2900 a.C.), até 2500 a.C. apresenta dificuldades
acerca de conhecimento, no mínimo razoável, sobre as realidades políticas locais. Os textos são raros e os
que se tem em mão são parcialmente legíveis e pouco informativos a esse respeito. A arqueologia é a base
quase única de conhecimento direto da primeira época urbana, sendo, contudo difícil extrair dela
informações precisas sobre o poder e as instituições. Um dos poucos documentos que nos fornece
informações sobre os primeiros tempos da urbanização é a Lista real suméria, redigido em época bem
posteriormente. O texto fala que “a realeza que desceu do céu”, pela primeira vez, antes do dilúvio e de que
cinco cidades dominaram sucessivamente a cena política regional “antes do dilúvio”: Eridu, Badtibira,
Sippar, Larak e Shuruppak. O último rei de Shuruppak nesta longínqua fase é o herói mesopotâmico do
dilúvio, Ubartutut ou Ziusudra. A arqueologia confirma uma inundação fluvial localizada na localidade onde
foi achada a cidade de Shuruppak, mais ou menos em 2900 a.C., podendo esta relacionada ao dilúvio da
tradição mesopotâmica.
As informações são mais precisas sobre a história política da Baixa Mesopotâmia para o período
dinástico primitivo, ou período pré-sargônico (2900-2334 a.C.), ocasião em que “a realeza desceu do céu”
depois do dilúvio. Para este período, de norte a sul, quatorze aglomerações urbanas mais importantes
podem ser relacionadas: Sippar, Kish, Akshak, Larak, Nippur, Adab, Shuruppak, Umma, Lagash, Badtibira,
Uruk, Larsa, Ur e Eridu. Nem todas as cidades-Estados estavam organizadas segundo um mesmo modelo.
É o caso de Nippur, centro religioso de toda a região, e Sippar, aglomerado de acampamentos comerciais
de tribos nômades no extremo norte da zona urbanizada. Outras aglomerações urbanas menores
dependiam das principais. Outras aglomerações urbanas de tradição suméria estão situadas fora da Baixa
Mesopotâmia, são os casos de: Mari, situada na margem direita do Médio Eufrates, Assur na Alta
Mesopotâmia, Tell Khuera na Síria, Tell Asmar no vale do Diyala. Somadas as cidades-Estados mais
importantes da Baixa Mesopotâmia e mais algumas aglomerações menores, mas de alguma importância -
sedes de governadores de províncias - teremos algumas dezenas.
Segundo Ciro Flamarion Cardos, no livro Sete olhares sobre a Antigüidade, a evolução político-
administrativa da Baixa Mesopotâmia apresenta duas tendências persistentes ao longo do terceiro milênio
a.C.: 1. um aparente predomínio das instituições templárias e de órgãos colegiados que representavam os
cidadãos livres foi cedendo lugar a uma realeza cada vez mais laica e poderosa, com o palácio se
constituindo numa instituição independente que acabou por superar os templos no seu grau de controle
sobre recursos e pessoas; 2. ocorreu uma alternância entre fases de independência política das cidades-
Estados com outras em que se deram tentativas, cada vez mais consistentes, de formação de unidades
políticas mais amplas.
De início, a arqueologia e os documentos mais antigos mostram a inexistência de palácios reais como
estruturas separadas. O governante da cidade era chamado de en, ‘senhor’, atuando tanto como chefe
secular como sumo sacerdote do deus principal (o ‘dono’ da cidade), em cujo templo residia. Embora
persistisse por muito tempo a designação de en, documentos posteriores evidenciam duas outras formas de
referir-se aos governantes da cidade durante o dinástico primitivo: ensi, ‘governador’, e lugal, ‘grande
homem’, traduzido como ‘rei’. A relação entre os três títulos encontra dificuldades de explicação à luz dos
documentos e da arqueologia. Em alguns casos, porém, o ‘rei’ dominava várias cidades e tinha sob sua
autoridade os respectivos ‘governadores’.
É provável que, antes de se separar do cargo de sumo sacerdote e, fisicamente, do templo, o
governante da cidade era uma espécie de encarnação viva do deus principal da cidade-Estado. Era o
encarregado de cerimônias relacionadas com a liturgia do deus da localidade: o casamento sagrado anual,
no qual tomava o lugar do deus e se unia à sacerdotisa que representava a deusa, operacionalizando uma
liturgia que visava liberar as forças da natureza. No cemitério real de Ur, até pouco antes de 2500 a.C., há
comprovação da existência de uma realeza sagrada constituída de um rei e uma rainha (com o título de nin,
‘senhora’), que eram enterrados com suas riquezas e servidores ritualmente mortos.
A partir de 2400 a.C., há provas de que o governante supremo deixou de ser o sumo sacerdote e do
surgimento de complexos palaciais independentes do templo (Eridu, Kish e, fora da Baixa Mesopotâmia,
Mari), sem, contudo, perder de todo as funções sacerdotais e a justificação religiosa do seu poder. Outras
provas de que a realeza se laicizava é a manutenção pelos palácios de algumas cidades de milícias
permanentes, embora não pudéssemos falar de um exército profissional, o recrutamento de milícias era
feito entre os dependentes do templo. Os textos de Shuruppak mencionam que o palácio real passou a
manter entre 600 e 700 guardas permanentes em serviço, além de carros de guerra puxados por muares.
Os fatos apontados mostram uma crescente independência da instituição real em relação ao templo, bem
como em relação ao conselho de anciãos e à assembléia dos homens livres influentes das cidades-Estados.
Em meados do terceiro milênio a.C. as monarquias já eram permanentes e hereditárias, se levarmos em
conta que no passado elas eram eletivas.
O período dinástico ou sargônico da Baixa Mesopotâmia
Estas transformações reformularam em profundidade o domínio sobre as riquezas e as pessoas. O
palácio real, após a sua laicização, avançou sobre muitas terras, rebanhos e outros bens dos templos, como
também forçou particulares a vender-lhes terras, redistribuição de excedentes e distribuindo concessões de
terras como forma de pagamento aos serviços prestados por funcionários. Exemplo deste processo é o
sistema estatizante da III dinastia de Ur, no qual o palácio controlava a maioria das terras e rebanhos, o
comércio exterior e boa parte da mão-de-obra, sustentada com rações aparentemente ínfimas.
A partir de meados do terceiro milênio a.C., as funções dos reis mesopotâmicos aparecem com muita
clareza. São funções suas: a iniciativa da construção e reconstrução dos santuários; passou a ser sua
atribuição à construção e o conserto de canais, diques e reservatórios, apresentando-se como o distribuídos
da 'água em abundância’; manter abertas as rotas de comércio, tanto a fluvial como a feita através de
caravanas de muares, garantindo assim o fluxo de matérias-primas carentes na Baixa Mesopotâmia; manter
a integridade do território e a posse dos recursos naturais. Boa parte destas funções requeria uma ação
guerreira crescente ora contra as cidades-Estados vizinhas ora contra os povos estranhos a região, que ao
que parece se constituiu num dos fatores fundamentais na consolidação de uma realeza independente e
forte.
A segunda metade do terceiro milênio a.C. é caracterizada pela alternância de fases de
descentralizações com outras em se tentavam unir as cidades-Estados em unidade político-territoriais
maiores. As cidades-Estados ‘possuída’ pelo seu deus, com seus cidadãos livres mais notáveis detendo
prerrogativas e com um clero igualmente privilegiado, um fator político que tinha fundas raízes políticas e
históricas constituía uma tendência com bases sólidas e reais. Contudo, um conjunto de cidades-Estados
sob o comando único de um rei poderoso se apresentava, também, como uma tendência sólida e real, à
medida que um poder concentrado podia garantir melhores as rotas comerciais do comércio de longa
distância, constituir uma barreira mais eficaz aos ataques externos e a possibilidade de garantir um fluxo
maior de riquezas como resultado de saques e tributos para a capital. Temos aqui, de certo modo, um
conflito entre o particularismo das cidades-Estados e uma consciência étnica unitária.
Entre meados do século XXV e final do século XXI a.C., é possível delinear quatro grandes fases da
história política da Baixa Mesopotâmia: 1. as primeiras tentativas conhecidas de centralização do poder; 2. o
império de Akkad; 3. o domínio gútion, seguido de uma volta à fragmentação política de cidades-Estados
independente; 4. o ‘renascimento sumério’ e a III terceira dinastia de Ur.
Na ‘estela dos abutres’, o ensi de Lagash, Eannatum (2454-2425 a.C.), relata sua vitória sobre a
cidade-Estado vizinha de Umma, em função de disputas de fronteiras. a seguir fala de vitórias sobre os
lemaitas estabelecidos em parte de Sumer e de expedições ao Elam. Ele chegou também a obter a realeza
de Kish e enviar expedições militares ao norte (Mari). Posteriormente, Lagash conheceu um novo período
de vitórias contra Umma sob o domínio do seu sobrinho Entemena (2404-22375 a.C.), que teria feito
alianças com o rei de Uruk e Ur, então reunidas sob um único governo. A seguir, a Baixa Mesopotâmia foi
controlado em termos político, sucessivamente, por Uruk, Adab e Mari. Já na cidade de Lagash, dois
sacerdotes de Ningirsu tomaram o poder e avançaram sobre as propriedades dos templos, com as suas
famílias submetendo a população local a vexames e extorsões. Esta situação só foi interrompida pela ação
e reformas do ensi Urukagina (2351-2341 a.C.), que teve a sua carreira interrompida pela expansão do ensi
de Umma, que depois de instalado em Uruk e Lugalzagesi (2340-2316 a.C.), fez-se rei de Sumer e Akkad e
tendo ainda, mesmo que passageiramente, dominado a Mesopotâmia e a Síria, avançando até o
Mediterrâneo.
Foi após este período que se formou o primeiro império na região, o de Sargão I de Akkad (2334-
2279 a.C.). A origem de Sargão é obscura, inicialmente ele teria prestado serviços ao rei Urzababa de Kish,
tendo aparentemente destronado-o. Após dezenas de guerra venceu Lugalzagesi e outros governadores da
Baixa Mesopotâmia. Dominou toda a Mesopotâmia e seus arredores imediatos e, de forma menos direta,
parte da Síria, Ásia Menor regiões costeiras do golfo Pérsico. Para capital do império fundou uma nova
cidade, Akkad - até hoje não localizada pelos arqueólogos.
Tanto no campo de batalha como no institucional, Sargão I e seus de sucessores imediatos
dispensaram enormes esforços para a estabilização do império. Entre os esforços de consagrar a unidade
política da região está o de Sargão ter inaugurado o costume de nomear as filhas do soberano supremo da
Mesopotâmia como chefe do clero do deus lunar de Ur na tentativa de aproximar-se do sul sumério. Por
outro lado, membros da família real e outros acadianos foram nomeados governadores de cidades e
províncias, embora em certos casos se mantivessem os governantes originais. Ainda com o propósito de
manter o controle da administração do império, o rei ampliou as dependências e capacidade de serviços do
palácio real e da burocracia a ele ligado, com o acádio, ao lado do sumério, assumindo o status de língua
administrativa. Ante o trabalho de grande organização, especialmente no Elam e na Assíria, o exército foi
muito ampliado e modificado, baseando-se, agora, não mais na falange, mas em arqueiros seguidos por
uma infantaria mais leve do que no passado.
Contudo, Sargão e os seus sucessores tiveram de lutar contra o separatismo das cidades-Estados e
contra a pressão crescente dos montanheses do Elam e dos Zagros (llullubi, gútions), bem como de grupos
tribais de pastores da síria.
No interlúdio seguinte, algum ponto da Baixa Mesopotâmia conheceu o domínio dos gútions e várias
cidades-Estados reassumirem a sua independência. No período 2141-2122 a.C., o ensi Gudea de Lagash
fomentou importantes construções sagradas em sua cidade, obras de arte e a expansão do comércio para o
exterior, compondo ainda, em sumério, um belo hino religioso.
Após a vitória sobre os gúntions pelo ensi de Uruk, Utuhegal (em 2120 a.C.), o governador de Ur,
Urnammu, assumiu os títulos de rei de Ur, de Sumer e Akkad, fundando a III dinastia de Ur, capital do
império que durou entre 2112-2004 a.C. É desta época a construção da torre de degraus ou ziggurat para
servir de base a um santuário, tornando-se por excelência o símbolo da arquitetura da Mesopotâmia. Seus
sucessores empreenderam esforços na construção de uma realeza divina, declarando-se deuses, para a
qual construíram templos em que estátuas do soberano reinante recebiam cultos.
O filho e sucessor de Urnammu, Shulgu (2094-2047 a.C.), na metade do seu reinado tentou controlar
a situação a leste, guerreando nos Zagros, e, depois, utilizando-se do expediente de casar sua filha com um
dos governantes elamitas, o que não impediu de novas guerras com o Elam. No seu apogeu, o império
chegou a compreender a Mesopotâmia, a maior parte do Elma e algumas cidades da Síria e Fenícia (Ebla,
Mari e Biblos).
A principal característica da III dinastia de Ur está em ter tentado um sistema administrativo coerente
e homogêneo na Baixa Mesopotâmia. Separou-se o poder civil do militar, entregando tais postos a
funcionários. Em algumas áreas periféricas foram mantidos os governantes de extração local, mas mesmo
nelas tendeu-se a processar o que se vinha operando nas outras partes do império: a substituição dos
governantes locais por funcionários do rei. Para tornar mais ágil a administração e a segurança do império
foram criadas um sistema de guarnições, correio (mensageiros reais) e aberto e/ou melhorados as vias de
comunicação da região. A economia era gerada, sobretudo pelo palácio, apesar do comércio externo tenha
sido feito em proveito dos altos funcionários e de comerciantes comissionados. Além de prata e rações, os
grandes funcionários recebiam terras estatais em usufruto e outras vantagens. Foi também instituído um
sistema judiciário que recebeu grande atenção, tendo o fundador da dinastia publicado uma série de
precedentes ou julgamentos típicos (as ‘leis de Urnammu’) com o objetivo de regular as relações dos
cidadãos com os Estado e demonstrar que o monarca cumpria a sua função de promover a justiça nos
territórios sob sua administração, com o império arcando com os custos e nomeação dos juizes.
Após o reinado de Shulgi, os reis de Ur investiram muitos recursos e esforços na conquista e na
organização do Elam, tentando bloquear as investidas que no passado haviam derrubado o império de
Akkad e, por conseguinte, devolvendo a Lagash a sua importância. Contudo, eram agora, sobretudo os
pastores tribais amorreus (ou amorritas) que ameaçavam a oeste o império. Ao mesmo tempo, os
particularismos locais debilitavam a unificação. Antes mesmos de desaparecer, o império foi divido em três
partes: a oeste, uma zona de rebelião, sob o comando de um ex-governador nomeado por Ur, Ishbierra de
Isin conseguiu se por à frente dos amorreus; a nordeste, um reino com a capital em Larsa, sob o comando
de Naplanum, provavelmente de origem semita; ao sul, reinava o último rei da III dinastia, Ibbisuem (2028-
2004 a.C.), sobre Ur e parte do Estado de Lagash. No ano de 2004 a.C., os elamitas, aliados aos su (ou
sua), povo dos Zagros, destruíram e saquearam Ur, levando cativo, para o Elam, o último rei da III dinastia
de Ur.
O período de domínio dos grandes Estados na Baixa Mesopotâmia
Logo após a queda de Ur, uma dinastia instalada em Isin recolheu com sucesso a herança do império
sumério. Sob a hegemonia de Isin, os elamitas foram expulso e a economia da Baixa Mesopotâmia
permaneceu estatizada, com os monarcas mantendo cuidadosamente os padrões tradicionais da realeza
suméria. O sumério foi mantido como língua oficial e floresceu literariamente, embora a maioria da
população falasse línguas semíticas e o sumério já tivesse desaparecido como língua viva. Um dos reis de
Isin retomou a tradição de publicar coleção de preceitos legais ou precedentes judiciários, o chamado
‘código de Lipitishtar’ (1934-1924 a.C.).
Desde meados do século XX a.C., os reis de Isin legislaram no sentido reformista de abolição das
injustiças sociais e econômicas devido às dificuldades profundas na região, ligadas às dívidas e ao avanço
dos interesses e atividades privadas. Contudo, por detrás da hegemonia de Isin, escondia-se uma
considerável dispersão do poder, principalmente com continuação da entrada maciça de amorreus.
Uma dinastia amorrita, estabelecida em Larsa, surgiu como nova força na região com o rei Gungunun
(1932-1906 a.C.), tomando Ur ao rei de Isin e abrindo uma longa disputa pela hegemonia da região. Esta
disputa parece estar ligada, por um lado, ao controle do comércio do golfo Pérsico, e, por outro lado, a
tentativa de uma das duas cidades de controlar o sistema de canais da Baixa Mesopotâmia.
A luta quase permanente entre Isin e Larsa teve como conseqüência a pulverização do poder na
região, criando a oportunidade do surgimento de diversas dinastias de chefes amorreus, os quais, apoiados
em suas tribos, tornaram-se reis de Kish, Uruk, Sippar e outras. Uma destas dinastias se estabeleceu por
volta de 1894 a.C. em uma localidade mencionada desde a época do império de Akkad, mas sem grande
importância no passado, de Babilônia.
Hammurapi foi o sexto rei amorita da Babilônia (1792-1750 a.C.). Cerca de uma década depois de ter
subido ao trono, na mesma época em que caía o Primeiro Império Assírio, Hammurapi encontrou um certo
equilíbrio de poder na Mesopotâmia, estabelecido entre si e Larsa e os demais governantes vitoriosos nos
anos anteriores (Rimsin, vencedor de Isin, Ibalpiel de Eshunna, Zimrilim de Mari). Entre o quinto e décimo
primeiro ano de seu reinado, Hammurapi tratou de aumentar o seu pequeno território inicial com a ocupação
de Isin, Malgium e outras cidades. Após estes sucessos militares, voltou-se, durante quase vinte anos, para
a fortificação de cidades, até que, a partir do vigésimo nono ano do seu reinado, começou a avançar
decisivamente, aliando diplomacia a operações militares limitadas, mas muito bem calculadas. Depois de
vencer cidades ou coalizões de cidades, passou a dominar toda a região da Baixa Mesopotâmia, do reino
de Mari ao vale do Diyala, estabelecendo ainda uma hegemonia sobre a Alta Mesopotâmia e
passageiramente sobre o Elam. Consolidado o seu domínio e hegemonia, Hammurapi se declarou ‘rei das
quatro regiões do Universo’, sem buscar se divinizar.
O Império Paleobabilônico assim criado foi efêmero. Já sob Samsuiluna (1749-1712 a.C.), filho e
sucessor de Hammurapi, o território já havia sido reduzido em boa parte e, sob outros soberanos, até o fim
da dinastia em 1595 a.C., não cessou de diminuir. Hammurapi na prática surge como um dos grandes
soberanos de sua época. Contudo, muitos historiadores tendem a situá-lo em uma categoria à parte pelo
seu ‘código’ - o mais extenso e importante documento em língua acádia -, cuja descoberta em 1901-1902
permitiu iluminar um período pouco conhecido da histórica mesopotâmica. Por outro lado, o seu reinado
começou a importância da cidade da Babilônia como metrópole política, econômica, religiosa e cultural da
Baixa Mesopotâmia.
Na estrutura administrativa do Império de Hammurapi encontramos remanescentes das cidades-
Estados primitivas como a assembléia dos homens livres gozando de plenos direitos (puthum) e o conselho
de anciãos (shibutum), existente em cada cidade. Prevalecia o princípio de que cidadão estava vinculado,
primeiramente, à sua cidade: ‘filhos da cidade’ (maru alim). No entanto o tais órgãos colegiados só tinham
certas funções judiciárias e funcionavam como corpos assessores do ‘prefeito’ (rabianum) da cidade.
Inspirado no sistema administrativo instalado por Shamshiaddu da Assíria, décadas antes,
Hammurapi instalou nas cidades maiores um governador ou um lugar-tenente (shakanakum), superior aos
prefeitos mencionados. Os coletores de impostos (makisu) garantiam o fluxo de tributos (cereais, gado,
metais preciosos). As corvéias eram requisitadas para diversas atividades civis e militares. O palácio real,
centro da administração do império, compreendia múltiplos escritórios povoados de escribas, permitindo a
Hammurapi manter uma correspondência muito copiosa e constante com os seus subordinados. Admitia-se
o apelo direto ao monarca em matéria judiciária ou administrativa. As funções públicas e as militares eram
remuneradas com a concessão do usufruto de terras públicas a indivíduos ou a grupos: tanto aos serviços
quanto à terra concedida aplicava-se o termo ilkum. Os grandes comerciantes - tamkarum - conduziam
negócios do Estado e os próprios, sendo vigiados por superintendentes da administração pública ( uaki
tamkari). Contudo, os serviços dos grandes comerciantes só podiam ser realizados com o recebimento de
um documento do rei que autorizava aos mesmos ou aos seus subordinados fazerem expedições mercantis
ao exterior.
O Código de Hammurapi parece ter sido uma proclamação da justiça real para servir como exemplo e
precedente, mas com limitado poder de força de lei. As medidas decididas pelo rei que ‘estabeleciam a
justiça’ (misharum) tinham mais poder de força de lei que o próprio código, principalmente quando
intervinham esporadicamente no sentido de anular as dívidas e a servidão (temporária) por dívidas em que
caíam pessoas nascidas livres.
Como codificação e reforma legal, uma tentativa de unificar o direito durante o seu reinado, O Código
de Hammurapi foi precedido por outros códigos e conjuntos de leis na Baixa Mesopotâmia, como o código
de Lipitishtar (1934-1924 a.C.), as leis reformistas de Urukagina de Lagash (2351-2341 a.C.) e as leis da III
dinastia de Ur (2112-2004 a.C.). Mesmo com conhecimento da limitação da força de lei do Código, ele se
revela como o mais extenso, importante e um dos mais completos documentos da Baixa Mesopotâmia para
o conhecimento de certos aspectos da economia, vida social, relações sociais, religião, estrutura social,
estrutura familiar e de certos costumes.
O Código de Hammurapi é dividido em prólogo, corpo legal e epílogo. Logo nos primeiros parágrafos
do prólogo é nítida a tentativa de legitimar o Código através da reverência e da consagração divina. A
seguir, no seu corpo legal, é possível vislumbrar os seguintes aspectos: a compensação pecuniária que
fosse julgada insuficiente podia ser recorrida para revisão junto ao soberano, chegando até a aplicação
rígida da pena de talião; intervenção no domínio econômico, com estabelecimento de preços correntes e
salários e a manipulação do padrão de valor; consagração da desigualdade social a nível jurídico-social a
partir da legitimação jurídica de três classes sociais (Awilum, Muskenum, Wardum); legitima e regula as
operações do tamkarum. Por outro lado, o Código atuava como moderador das tensões sociais ao
estabelecer empréstimos abaixo da taxa autorizada, ajudar os indivíduos submetidos à servidão por dívida a
adquirir a liberdade, instituir o perdão das penas. No entanto, muito destas decisões dependiam das
medidas deliberadas pelo rei, que ‘estabelecia a justiça’, e não eram de aplicação automática pelas
instâncias jurídicas existentes.
Como fonte de conhecimento histórico, o Código nos permitiu identificar a existência de três classes,
pelo menos ao nível jurídico-social: o awilum, homem livre que gozava de plenos direitos políticos
(funcionários, escribas, sacerdotes, profissionais independentes, comerciantes e soldados de patente), mas
com diferenças sociais entre os seus membros; o muskenum, homem livre de status inferior e intermediário
entre o awilum e o wardum, compreendendo grande parte da população (pequenos arrendatários, pastores,
camponeses, saldados de patentes mais simples, libertos) e os indivíduos que trabalhavam como
jornaleiros; o wardum, integrantes de uma camada ínfima da sociedade e com sorte dependente da vontade
de terceiros, compreendiam indivíduos submetidos à servidão, os servos por dívidas e os escravos, sendo
que o Código estabelecia diferença entre os escravos (a escrava que dava filhos no lugar da esposa era
privilegiada e os escravos de guerra eram os mais explorados), o limite máximo do tempo de trabalho por
dívida, o indivíduo submetido à servidão ou escravidão podia casar com o(a) filho(a) de um homem livre e
que os filhos do deste casamento eram livres. O Código ainda estabelece sanções do crime segundo a
classe da vítima.
Por fim, a partir do Código de Hammurapi é possível observar a existência de uma estrutura familiar
com bases no sistema patriarcal. Mesmo a poligamia sendo permitida, o casamento monogâmico era
reconhecido e só valia para a primeira mulher do homem que optasse pela poligamia, ficando esta com
plenos direitos. O pai escolhia a esposa para o filho e pagava uma espécie de dote, o terhatum, sendo que
nas famílias mais ricas, além do terhatum, pagavam o biblum. A esposa levava consigo para o casamento
um dote, o seriktum, que era sua propriedade durante o matrimonio, destinado-o aos filhos após a sua
morte ou levando consigo quando voltava para a casa dos pais caso o contrato matrimonial fosse rompido.
Havia ainda o costume de filiação adotiva entre as famílias.
No ano de 1595 a.C., uma expedição hitita derrubou a primeira dinastia da Babilônia e conseguiram
se estabelecer na cidade por um breve tempo, fundando a II dinastia da Babilônia, em cujo governo foi
sucedido por reis cassitas ( III dinastia da Babilônia) a partir de 1570 a.C. Mais tarde, no final do segundo
milênio a.C., a região foi controlada pelo Império Assírio, até que no século VII os caldeus restabeleceram a
domínio da Babilônia sobre a região, fundado o Império Neobabilônico. Neste tempo todo, a estela do
Código de Hammurapi circulou por diversos lugares até se perder, só sendo recuperado no início deste
século e só assim nos permitindo ter um conhecimento mais confiável tanto sobre o período de Hammurapi
como sobre as épocas anteriores das regiões de Sumer e Akkad.
Queda do Império da Babilônia e a época kassita***
O Império da Babilónia irá afundar-se durante os dois últimos reinados da primeira dinastia babilónica.
Quatro inimigos o assaltaram, um após outro: os Semitas, das regiões marítimas da Suméria; os Elamitas,
dos montes Zagros; os Hititas, vindos do norte; e, por fim, os criadores de cavalos kassitas que viviam ao
norte do Elam. A vitória coube às tribos marítimas que se apoderaram do Sul do império e aos kassitas que
se estabeleceram no Centro e no Norte da Babilónia.
O rei kassita Gandash aí fundou uma dinastia. Os seus sucessores submeteram a parte meridional do
país. A dominação dos kassitas durou até o ano 1165 antes da nossa era.
Descendo das montanhas e tornando-se senhores da Babilónia, os Kassitas instalaram-se aí em
comunidades de clã. Após se terem apoderado de vastas regiões despovoadas e dizimadas pelas invasões
e pelas guerras, eles passam rapidamente à agricultura sedentária, utilizando as técnicas dos Babilónios.
Os reis kassitas apoiam-se sobre as suas próprias milícias, mas encontram também aliados entre os
sacerdotes da Babilónia, sobretudo os da cidade santa de Nippur.
A época kassita divide-se em dois períodos. Durante o primeiro, até cerca do último quartel do século
XV antes da nossa era, o país restabelece-se das terríveis devastações e da ruína econômica. São
empreendidos grandes trabalhos para reparar a rede de irrigação das águas, reconstruir os diques e
construir novos reservatórios.
No fim do século XV antes da nossa era começa o segundo período, durante o qual a vida econômica
se desenvolve intensamente. Estabelece-se um comércio regular com o Egito e outros países, o que impele
os reis kassitas a melhorar as rotas das caravanas, empregando grandes esforços para as defenderem dos
ladrões assaltantes. Ao mesmo tempo continuam a construir-se templos. As comunidades kassitas
desagregam-se e por esse fato consolida-se a propriedade privada das terras Os reis gratificam
«perpetuamente» os seus senhores com terras obtidas daquelas comunidades (na maior parte kassitas). Os
decretos reais de alienação e de gratificação são geralmente inscritos em pedras chamadas kudurru,
colocadas nos limites dos terrenos em questão. As dimensões destes novos domínios são bastante maiores
do que no Antigo império da Babilónia (vão de 20 a 200 hectares); mas o seu número é sem dúvida muito
inferior ao do tempo de Hammurabi.
O desenvolvimento da economia real e privada é devido à espoliação das comunidades e dos seus
membros, a custo restabelecidos da guerra e da ruína. A restauração do comércio real pressupõe um
recrudescimento da opressão, do mesmo modo que a erecção de novos templos gera um agravamento da
obrigatoriedade do trabalho braçal em benefício do Palácio. A alienação dos bens comunitários é uma
autêntica pilhagem feita aos aldeões, que nada recebem em troca, pois o pagamento, se o há, é recebido
pelos anciãos. Este estado de coisas beneficia os usurários. As suas operações de rapina tornam-se tão
descaradas que alguns entre eles tomam à risca a cobrança dos impostos reais e roubam, sem piedade, a
população. Aumenta o descontentamento das comunidades e, em 1345 antes da nossa era, dá-se uma
sublevação. As «gentes kassitas» revoltam-se contra o rei Karahindash, matam-no e colocam no seu lugar
um homem obscuro. Os dignitários e os sacerdotes, incapazes de vencerem os insurrectos pelos seus
próprios meios, pedem o auxílio do rei da Assíria, que sufoca a rebelião pelo sangue e restabelece a
dinastia kassita. Estes antagonismos internos debilitam o poder monárquico. Em meados do século XIII
antes da nossa era, o império kassita é invadido e devastado pelos Assírios. O rei da Assíria Tukulti-Inurta I
penetra na Babi- lónia, dizima o exército kassita, saqueia Babilónia e coloca lá um governador. Mas a
Babilónia recupera em breve a sua independência, favorecida por revoltas internas que se produziam na
Assíria. No século XII antes da nossa era, o país sofre a invasão dos Elamitas. Em 1165, despovoado e
arruinado, o império cai nas mãos de um senhor da cidade de Isin, que destronou o último rei kassita e
fundou a IV dinastia babilónica. Desde então, e até à queda da Assíria, a Babilónia passa por um longo
período de decadência política.

(*) O presente texto é uma resenha realizada a partir de alguns textos pertinentes (vide bibliografia abaixo) à
história da Baixa Mesopotâmia. Portanto, trata-se de uma sistematização de questões, de teses, de trechos
de ensaios e de informações das obras consultadas, organizados em forma de texto para uso nas aulas de
História Antiguidade.
(**) Texto organizado pelo Prof. Luís Manuel Domingues, Professor de História Antiga do Departamento de
História da UNICAP.
(***) Este texto foi extraído de DIAKOV, V. e KOVALEVE, S. História da antiguidade. A sociedade primitiva.
O Oriente. Lisboa: Editorial Estampa, 1976, pp. 155-157. (v. I)

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BOUZON, Emanuel. As cartas de Hammurabi. Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
BOUZON, Emanuel. O código de Hammurabi. Petrópolis: Editora Vozes, 1981.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Sete Olhares sobre a Antigüidade. Brasília: Editora da UNB, 1994.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Antigüidade Oriental: política e religião. São Paulo: Editora Atual, 1990.
(Coleção Discutindo a História)
DIAKOV, V. E KOVALEV, S. História da Antigüidade. A sociedade primitiva. O Oriente. 3. ed. Lisboa:
Editorial Estampa, 1976. (v. I)
LAFFORGUE, Gilbert. A Alta Antigüidade: das origens a 550 a.C. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1979.
(Coleção História Universal, v.. I)
A Assíria e o primeiro ensaio de império no Antigo Oriente Próximo

Texto organizado por Luís Manuel Domingues

Os rios que formam a planície aluvional mesopotâmica - o Eufrates e o Tigre - nascem nas
montanhas da Anatólia. O primeiro depende das neves derretidas na primavera e de dois afluentes da
margem esquerda (Balikh e Khabur); o segundo, das chuvas da região dos montes Zagros e de numerosos
rios tributários (os dois Zab, o Diyala e o Karum). Em termos geológicos, a Mesopotâmia é uma depressão
formada pela junção, no Plioceno, da placa teutônica da Arábia com a da Ásia Ocidental, que
posteriormente foi recheada de sedimentos aluviais depositados pelos dois grandes rios.
Tomando como limite o ponto do seu curso médio onde o Eufrates e o Tigre mais se aproximam um
do outro, é possível considerar duas sub-regiões: a Alta Mesopotâmia, a noroeste, e a Baixa Mesopotâmia,
a sudeste. A primeira é mais elevada, menos propícia à irrigação e, em parte, adequada à agricultura de
chuva (no planalto assírio, a leste) ou à criação (Assíria, mais a oeste), contendo, ainda, ricos recursos
florestais. A Baixa Mesopotâmia é pouco servida pelas chuvas, baixa, muito plana e potencialmente
fertilíssima - dependendo de um sistema de irrigação artificial para conter as destruíções das cheias e da
drenagem que evite a salinização -, mas de todo carente de madeira, pedra e minérios. A terra fértil formam
bacias entremeadas que são propícias para o gado, sendo que os vales fluviais são cercados, para oeste e
para leste, por outras faixas estépicas freqüentadas por pastores.
Como na Anatólia e na região Sírio-Palestina, a ocupação permanente na Alta Mesopotâmia por
aldeias neolíticas plenamente sedentárias, comunidades que baseavam sua subsistência numa
agropecuária estável e não mais na caça, na pesca e na coleta de plantas selvagens, ocorreu no período de
9000 a 7000 a.C., enquanto que a ocupação por cultivadores da Baixa Mesopotâmia - potencialmente fértil,
mas pouco adequada a agricultura de chuva - só tem início, de forma esporádica, entre 6000 a 4500 a.C.,
por cultivadores oriundos dos maciços do Curdistão e dos Zagros. Só a partir do 5º milênio, a planície
aluvial do Tigre e do Eufrastes será ocupada permanentemente por grupos de cultivadores oriundos do
leste, introduzindo mudanças importantes na atividade agropastoril e preparando o longo caminho que
conduziu ao modo de vida urbano na região.
As primeiras menções aos governantes na Alta Mesopotâmia, mais especificamente na Assíria, estão
contida numa lista real assíria que menciona em primeiro lugar dezessete reis ‘que viviam em tendas’. A
julgar pelos nomes, parecem que eram chefes tribais hurritas e amoritas. No entanto, a história dos assírios
está diretamente relacionada a cidade de Assur, localizada as margens do Tigre, que tem o nome do seu
deus. A partir do século XX a.C., a cidade passou a ser independente e capital de um reino assírio mal
conhecido que foi se expandido durante a primeira parte deste século, até então tinha sido o centro de
poder dos acádios e depois de Ur na Alta Mesopotâmia. No reinado do monarca Ilushuma, meados do
século XX a.C., empreendeu uma campanha militar vitoriosa, mas sem maiores conseqüências, na Baixa
Mesopotâmia.
Do fim desse século, e sobretudo do século XIX a.C., até aproximadamente 1780 a.C., a cidade de
Assur passou a explorar por sua conta a grande rota comercial ao longo do seu rio e atingir uma riqueza
que a sua agricultura não podia lhe fornecer. Nas feitorias comerciais assírias, instaladas na Ásia Menor,
junto a cidades e fortalezas de principados locais, foram encontrados arquivos dos mercadores assírios (as
famosas Placas da Capadócia) onde estão informações sobre caravanas de muares carregadas de estanho
(proveniente do Elam) e de tecidos de Assur que se dirigiam à Anatólia, onde estavam as feitorias assírias, e
voltavam à Alta Mesopotâmia carregadas de ouro, prata e cobre. Tratados que protegiam cada feitoria e lhe
garantiam certa autonomia administrativa eram negociados entre o reino assírio e os numerosos principados
anatólicos. Através destas feitorias, o soberano da Assíria, modestamente se dizia sumo sacerdote de
Assur, transmitia as ordens do seu governo e oferecia proteção aos principados locais.
No final do século XIX a.C., e início do seguinte, deu-se uma breve expansão que é conhecida como
Antigo Império Assírio, sob Shamschiaddu (1813-1781 a.C.). Filho mais novo de uma dinastia amorita que
reinava na região do Alto Habur, no médio Eufrates, este monarca começou a carreira destronando o sumo
sacerdotes de Assur (1813 a.C.) e toma nesta cidade o título real até aí reservado ao deus. Tentou então
uma incursão militar, sem maiores conseqüências, até o Mediterrâneo. Mais tarde, aproveitando-se do
assassínio do rei de Mari, Iahdun-Lim, apodera-se da grande cidade e domina então toda a Alta
Mesopotâmia, do Tigre ao Eufrates, subordinando também os reinos de Akkad e diz ser rei do universo. Em
seguida, dividiu o poder com dois filhos seus, um instalado em Mari e o outro em Ekallatum, cidade do
médio Tigre. Os três governantes tiveram sérios problemas com os nômades, particularmente numerosos, à
volta de Mari.
Três grupos nômades são mencionados nas fontes: haneus, ben-iamina e suteus. Os heneus
formavam, junto com os acádios, a população mais numerosa do médio Eufrates e viviam em
acampamentos e aldeias com chefes próprios. Estavam integrados às estruturas estatais organizadas,
mantendo relações estáveis com o governo, sujeitando-se aos censos, pagando tributos e fornecendo
soldados para o exército. Os ben-iamina do Klabur e do Eufrates tanto resistiam tenazmente às tentativas
de dominá-los e explorá-lo, que tinha o objetivo de sedentarizá-los, como também se aliaram sempre que
possível aos inimigos dos assírios. Os suteus aparecem nas fontes como bandidos saqueadores de cidades
e caravanas, sendo constantemente reprimidos.
Os três monarcas assírios mantiveram boas relações com os reinos e principados da Síria - ajuda
militar, garantias de pastagens, concessões de mineração, trocas de presentes -, mas relações difíceis com
as tribos a oeste, ao norte e a leste da Assíria; mas tiveram como principal adversário o reino de Eshnunna,
que no passado chegou a dominar por algum tempo a Assíria.
Depois da morte de Shamshiaaddu, o Antigo Império Assírio se desagregou. Mari voltou aos
herdeiros da antiga dinastia amorrita; as colônias assírias na Capadócia desapareceram com a unificação
do país pelos príncipes hititas; a própria Assíria caiu sob a hegemonia da Babilônia em meados do século
XVIII a.C.; depois desta, a dinastia amorrita é expulsa de Assur, com o território sendo reduzido a pouca
coisa e disputado entre usurpadores efêmeros.
No fim do século XII a.C., a Assíria encontrava-se numa penosa defensiva face as incursões dos
arameus, que efetuavam pilhagens, reduziam a população a condição de cativos, levavam rebanhos e, não
raramente, destruíam e queimavam cidades e aldeias. Os habitantes refugiavam-se nas montanhas,
despovoando as cidades. A seguir veio um outro inimigo: eram as tribos que viviam na atual Armênia, à volta
do lago Van e ainda mais ao norte. Os assírios chamavam-lhe urartianos (Urartu).
No século X a.C., os arameus se estabeleceram entre o Tigre e o Eufrates e avanço sobre a Assíria
diminuiu. Já no fim deste século a Assíria havia reestruturado o seu reino e passou a ofensiva contra os
adversários de então. São empreendidas campanhas contra os arameus, alternadas com incursões no
Urartu e nos Zagros. Desde então, calcado num forte movimento nacional e na qualidade potência
emergente do Oriente Próximo, os exércitos assírios vão todos os anos cobrar tributos nas cidades
submetidas. Caso no ano seguinte as cidades deixassem de pagar os tributos, eram consideradas como
rebeldes ao deus Assur e ao rei da Assíria e tudo era permitido contra elas, dando lugar ao saque e a
operações militares com um caráter de atrocidades até então desconhecido. Com efeito, o temperamento
nacional, a inquietação de um povo sem fronteiras naturais, habitando uma região que foi palco de diversas
incursões de povos migrantes e governantes desejosos de expandir seus domínios, e o desejo de vingar
das crueldades cometidas pelos pastores arameus foram os fatores que criaram entres os assírios uma
cultura de atrocidades e ódio para com todos os outros não-assírios. Mas, por outro lado, raramente os reis
assírios do século IX a.C. se atentaram para a idéia de anexar as cidades vencidas.
Com Assurnatsirapli II (884-859 a.C.), são intensificadas as campanhas militares. Depois de 876 a.C,
ele força a passagem do Eufrates e avança sobre as cidades hititas, arameias e fenícias do norte da Síria,
chegando até Tiro. A todas as cidades submetidas exige tributos e aquelas que conseguiram manter uma
resistência prolongada foram saqueadas e destruídas, com a sua população sendo massacrada. Um
exemplo clássico desta ação é a cidade de Dirra, que segundo um relato do próprio Assurnatsirapli II, foi
submetida ao saque e destruída, com os seus habitantes sendo objeto das mais variadas atrocidades
(empalamentos, decepção de membros do corpo, cremação e extermínio em massa). O seu filho Shulman-
asharedu III (859-824 a.C.) anexa o Bit Adini (reino arameu na passagem do Eufrates), submete os hititas e
ataca os arameus; mas é feito prisioneiro na batalha de Qurquar, junto a Hamat (853 a.C.), por uma
coligação sob a direção de Damasco. Ainda em 841 a.C., os assírios voltam a Síria e impõe tributos à Israel.
Contudo, os hititas e arameus continuam a revoltar-se, e logo que os assírios a abandonam os seus países
recuperam a sua soberania.
Os lucros das pilhagens são utilizados basicamente no embelezamento de Calu, capital desde
Assurnatsirapli II. A cidade é composta de palácios com decorações e mobiliários que mostram os
caracteres permanentes da arte assíria, totalmente consagrada à glorificação do rei, o grande sacerdote do
deus Assur, escolhido durante um milênio numa família sagrada. O rei é representado conforme o tipo étnico
e na função de sumo sacerdote dos deuses, com os relevos mostrando ele recebendo tributos, caçando
animais, banqueteando-se em honra dos deuses e derramando a libação sobre os cadáveres. Há também
figuras com cenas de guerra. Por outro lado, são raras as representações do deus Assur, o deus do império,
em nome do qual se fazem todas as guerras. Só em alguns santuários rupestres aparece com um aspecto
humano, já nos palácios aparece apenas, na parte superior de algumas cenas, os símbolos tradicionais de
Assur: a espada ou disco alado, de onde emerge por vezes o busto do deus.
A arte assíria produz sobretudo baixos-relevos esculpidos no ortoestatos que disfarçam a base de
muros de tijolos. A um tratamento estereotipado dos membros do corpo humano, principalmente das pernas
e dos braços, só ocorrendo originalidade e exatidão na representação de animais. Um progresso na
composição será verificado durante o reinado de Tukultiapilesharra III (746-727 a.C.), mas será durante o
reinado de Assur-ban-apli (659-627 a. C.) que os relevos de um grande palácio de Nínive atingiram o
máximo da escultura assíria. Também, durante o reinado deste governante, será construída a Biblioteca de
Nínive, que chegou a reunir mais 5000 placas com uma antologia da literatura e da adivinhação de Sumer e
da Babilônia. A estatuária, praticada após o século IX a.C., é pesada e convencional. Os afrescos
manifestam um gosto artístico mais seguro. Por fim, os soberanos assírios colecionam marfins retirados aos
povos submetidos ou trabalhados na Assíria por deportados ou nativos formados localmente no trabalho
com o marfim.
No fim do reinado de Shulman-asharedu III, os seus filhos envolvem-se numa guerra civil pela
sucessão do trono. O vencedor Shamshi-Adad VI (824-810 a.C.) é obrigado a fazer concessões à grande
nobreza, com o seu representante se tornando inamovíveis nos seus cargos de altos funcionários e de
governadores e exercendo um controle mais estreito sobre a sucessão real, sobre o governo central e sobre
a redistribuição dos lucros das pilhagens. Na prática, são os altos funcionários, na primeira metade do
século VIII a.C., que passam a dirigir o império assírio, evidenciado pela fundação de cidades com nomes
de altos funcionários e a ausência de menção aos reis assírios nas suas inscrições. Irritadas com o poderio
das grandes famílias e pela política de distribuição dos lucros das pilhagens, as revoltas da população se
multiplicam no país, provocadas, basicamente, pela pequena nobreza sem poder e bens e pelos homens
livres despossuídos. Este quadro político levou a um enfraquecimento da Assíria, permitindo a Urartu
(séculos IX-VII a.C.) aparecer em primeiro plano na região como um novo e forte Estado.
É com Tukultiapilesharra III (746-727 a.C.) que tem início uma série de reformas que restituem todo o
vigor à Assíria. A multiplicação de cargos áulicos e dos governos provinciais enfraquece a alta nobreza,
aumentando os seus efetivos. No exército são criados corpos permanentes, recrutados entre escravos e os
vencidos de véspera, que tendem a substituir as milícias locais, ficando os assírios só aparecendo nas
tropas especiais (fortificações, carros, cavalaria). A cavalaria passa a substituir os carros de guerra como
tropa de choque, ficando os carros para o transporte das tropas. A sua política externa passa ser
conseqüente: intervenção sistemática nas disputas dinásticas e nas guerras locais; campanhas conduzidas
para o esmagamento do adversário; deportações locais com o objetivo de quebrar as unidades culturais e
políticas locais.
A nova fase de conquistas e expansionismo assírio é redefinido em seus objetivos. Se até então o
propósito maior era garantir um fluxo de riquezas, através de saques e da imposição de tributos,
redistribuído entre o poder central e os altos funcionários e a grande nobreza, a conquista de terras passa a
ter como propósito o de anexá-las ao Estado assírio. Com isto, foi possível fazer uma redistribuição de
terras de terceiros entre os assírios sem posse e criar espaços políticos e condições de obtenção de
riquezas e de status à pequena nobreza. Ao mesmo tempo, a distribuição do fluxo de riquezas para o centro
do império foi redefinido de forma a atender a subsistência de setores não beneficiados até então com os
saques e tributos. Em outras palavras, o imperialismo assírio vai se caracterizar pela conquista e domínio de
regiões que garantam recursos básicos para sua existência e proporcionar um suprimento de bens de todos
os tipos, objetivando ainda a obtenção de territórios que seriam administrados e distribuídos entre os
assírios.
A partir de 743 a.C., os assírios dão início a uma fases de conquistas, invadindo o norte da Síria e
expulsando os urartenses desta região. A população local, após algumas revoltas, é deportada e o país
passa a ser governado por assírios. Em seguida, o Egito (734 a.C.) e Damasco (733 a.C.) são ocupados.
Na outra extremidade do Oriente Próximo, os assírios ocupam o norte dos Zagros até o centro do Irã (737
a.C.), criando uma linha defensiva contra as invasões dos medos. Na Baixa Mesopotâmia, aproveitando-se
da anarquia política local, os assírios tomam a Babilônia (729 a.C.).
Com a chegada ao poder de Sargão II (722-705 a.C.), após algumas perturbações na sucessão, os
assírios voltam-se para defesa dos domínios ameaçados pelos faraós, esmagando o rei arameu de Hamat e
fazendo recuar o exército egípcio no delta do Nilo. Igualmente é a preocupação de Sargão II em proteger as
suas fronteiras setentrionais ameaçadas pelo reino de Urartu e Mita, tendo derrotado estes dois reinos,
respectivamente, em 719 e 714 a.C., o que permitiu se expandir e anexar a região da Capadócia.
Finalmente, em 710 a.C., é retomado o domínio da Babilônia , que havia sido tomada pelo chefe caldeu
Marduk-apla-iddin, e vencidos os arameus, deportados em seguida para garantir a paz na região.
No início do VII a.C., os assírios pareciam caminhar para a constituição de um domínio universal no
Antigo Oriente Próximo e adjacências. Contudo, já nas primeiras décadas deste século o ensaio de um
império universal mostrava a sua impossibilidade. Segundo Godofredo Goossens, o império era
demasiadamente vasto para o povo que o deve manter e administrar; a Assíria se esgotou ao querer manter
domínios como a Síria e Babilônia, pois por trás dos rebeldes destas regiões estavam o interesse e o apoio
estratégico de Estados poderosos, o Elão e o Egito; os reis assírios se fixaram neste dois objetivos,
relegando a um segundo plano a pressão dos povos migrantes e nômades. Poderíamos ainda acrescentar
outros fatores como: a capacidade de conquista e de repressão não foram acompanhadas por uma
estrutura administrativa e burocrática que pudessem gerir os territórios dominados; a política de
deportações e o uso sistemático de atrocidades como instrumento de dominação criou entre as mais
diversas etnias, culturas e formas políticas o consenso da necessidade de reagir e aniquilar o império
assírio.
Após Sargão II, Sin-ahe-eribe (705-681 a.C.) , que transferiu a capital para Nínive e a dotou de
numerosos edifícios e enormes aquedutos, teve problemas para manter os domínios sobre a Babilônia e
dificuldades para reprimir as rebeliões dos fenícios e dos palestinos. O mesmo foi assassinado por dois
filhos seus que disputavam a sucessão, seguindo-se uma guerra civil. Assur-ah-iddin (681-699 a.C.), outro
filho de Sin-ahe-eribe, finalmente chega ao trono e manifesta a ansiedade de seguir a política de conquista
de seus predecessores, decidindo conquistar o Egito, mas os preparativos da empreitada é inviabilizada
pelas revoltas de Sidon e Tiro. Ao mesmo tempo, os nômades da Grande Estepe invadem o Oriente
Próximo. Assur-ah-iddin, após muito esforço, consegue deter os nômades e retomar o controle sobre as
cidades fenícias e a região do delta do Nilo. Mesmo assim, em 669 a.C., os exércitos egípcios reaparecem
no delta.
A última fase de expansão assíria foi durante o reinado de Assur-ban-apli (659-627 a.C.). Conhecido
como administrador e homem letrado, o soberano assírio quase não abandona a capital (Nínive) e delega o
comando dos seus exércitos. Primeiramente, os seus exércitos restabelecem a dominação sobre o Egito,
depois volta-se para disputas contra o reino do Elão e os arameus pelo controle da Babilônia, retomando-a
em 648 a.C. Contudo, já a partir de 652 a.C., a Assíria tem de se defender de uma coligação de povos
(elamitas, árabes, cidades sírias, reis da Babilônia, e, posteriormente, medos, cimérios e citas, estes dois
últimos povos oriundos das Grandes Estepes).
Os sucessores de Assur-ban-apli têm que fazer frente a um duplo ataque ao seu império. De um lado,
a ofensiva da coligação comanda pelos medos, do outro lado, o do rei Nabuapla-utsur, que fundou na
Babilônia a dinastia caldeia (626-539 a.C.). Aos poucos o território do império assírio volta a se restringir ao
do reino da Assíria, mas a ofensiva avançam sobre o próprio território assírio, com as capitais do reino
sucumbindo uma a uma (Assur, 614 a.C., Calu e Nínive, em 612 a.C.) e os destroços do exército assírio
fogem para o Ururtu. Os métodos impiedosos dos conquistadores assírios voltam-se contra eles mesmos;
as sua cidades queimadas já são apenas um amontoados de tijolos.
A Assíria com a sua política de anexações e deportações realizou na prática uma unificação e fusão
cultural das populações do Antigo Oriente Próximo, que desde então passam a caminhar para a constituição
de uma cultura comum.
Enquanto os medos continuavam acampados na Alta Mesopotâmia e logo depois tiveram que
regressar para o Irã para fazer frente aos problemas políticos internos, a herdeira da Assíria passou a ser a
dinastia caldaica da Babilônia, fundada em 626 a.C. Os reis da Babilônia empreendem campanhas de
conquistas à Síria e a Palestina, dominando a região durante o reinado de Nabu-kudur-utsur II (605-562 a.
C.). Contudo, foram obrigados a fazer incursões contra Tiro (Fenícia) e o reino de Judá (Palestina),
submetendo a população local a deportação, para fazer frente as revoltas que aí explodem com o apoio do
Egito, que o exército babilônico tentou várias vezes invadir.
Os empreendimentos militares são, contudo, limitados e a Babilônia, após cinco séculos de
insegurança, volta a conhecer finalmente um período de paz, que vai possibilitar a região se torna a mais
evoluída e rica da Ásia Ocidental à época.
A população que emprega o aramaico, o acádio da Babilônia e o cuneiforme continuam a ser a língua
e a escrita dos escribas, que continuam a redigir os seus anais e a colecionar presságios. No século VI a.C.,
são aperfeiçoados os métodos de observação e de cálculos astronômicos. Mas a civilização neobabilônica é
celebre pelos trabalhos de Nabu-kudur-utsur II na grande cidade da Babilônia. Em primeiro lugar, o rei se
preocupou em proteger a capital contra um ataque dos medos, mandando construir um muro e barragem no
istmo entre o Tigre e o Eufrates; depois , a capital foi cercada por uma muralha com 8 e 18 km de perímetro;
as duas metades de Babilônia separadas pelo Eufrates estão apenas ligadas por uma ponte cujas traves
são retiradas todas as noites. Na cidade da Babilônia são construídos o palácio da cidadela com os seus
jardins suspensos, o palácio de Verão, o pavilhão da Festa de Ano Novo, o templo de Marduk revestido de
ouro, de mármore e de lápis-lazuli, a sua zigurat de sete pisos, monumento de 90 m de altura. Da Assíria, a
arte babilônica herdou o gosto pelo colossal, mas a nova concepção religiosa proíbe a representação de
cenas históricas ou culturais e limita as figuras aos animais simbólicos (dragão de Marduk, auroque de
Adad, leão de Ishtar) em relevos de tijolo esmaltado cujos frisos adornam os lugares santos (porta de Ishtar,
muralhas dos templos e muros da via das procissões).
Embora menos extenso, o império babilônico é mais frágil do que o dos assírios. Após a morte de
Nabu-kudur-utsur II, em 562 a. C., a sucessão é motivo de uma revolução no palácio. Só em 556 a.C., os
chamados ‘fazedores de reis’ escolhem Nabu-naíd como soberano. Este se volta para a restauração de
cultos e templos e termina por perder toda a autoridade sobre a Babilônia. Ante o avanço das tropas persas,
comandadas pelo rei Ciro, o reino neobabilônico escolhe a defensiva para conter o avanço destes. Contudo,
em 539 a.C., a Babilônia cai sob os golpes de Ciro e finda o reino neobabilônico.
Os anos seguintes serão marcados pela expansão e conquista persa de todo o Antigo Oriente
Próximo. A vitória persa foi sem dúvida facilitada pelas guerras e pelas deportações assírias que, desde o
século IX ao VI a.C., enfraqueceram a consciência dos povos e prepararam assim o terreno para um
império que será mais vasto e menos contestado que o da Assíria.
O Egito Antigo*

Texto organizado por Luís Manuel Domingues do Nascimento**

1. A paisagem geográfica do Egito


Atualmente, sabe-se que a disposição geral da paisagem geográfica do Egito não mudou nos
últimos 25.000 anos; já então como no período histórico, os pântanos de papiros e os lagos cobertos de
lótus e caniços, com sua fauna de hipopótamos, crocodilos e aves aquáticas, cobriam uma pequena parte
do país.
Em termos climáticos, porém, as mudanças foram maiores. No Holoceno, na fase subpluvial
neolítica (mais ou menos 5500-2350 a.C.), algumas partes dos atuais desertos ainda abrigavam uma fauna
numerosa e variada e a vegetação da estepe podia sustentar rebanhos, atraindo caçadores. A ocupação
humana compreendia uma faixa de cinco a seis quilômetros de distância, de cada lado do rio. A própria
planície inundável do rio Nilo atraia animais aquáticos dos bosques marginais e das estepes para beber, que
eram perseguidos pelos caçadores e pescadores.
Em linhas gerais, o regime do rio Nilo era caracterizado por cobrir anualmente a sua planície
aluvional. Sua hidrografia é uma das mais regulares e previsíveis do que a de outros rios sujeitos as cheias
anuais. Suas cheias dependem das monções climáticas e do derretimento das neves na atual Etiópia
durante o verão; e das chuvas equacionais e bianuais no que são hoje Uganda e Tanzânia. A cheia ocorre,
no Egito, entre julho e novembro, para em seguida as águas da inundação recuarem e o rio diminuir o seu
nível paulatinamente, sem nunca secar totalmente.
Com os transbordamentos, os sedimentos mais pesados são depositados junto às margens,
formando-se em ambas as margens diques naturais ou levées, que ficam acima do nível da planície
aluvional. Os sedimentos ou aluviões mais leves, altamente fertilizantes, são carregados e depositados nas
margens a medida que as águas se espraiam e diminuem a sua velocidade.
A planície nilótica do Egito é do tipo convexo, sendo naturalmente inundável e drenável. A água das
enchentes penetram, através de pequenos canais naturais ou por pontos mais baixos das levées, em bacias
naturais. Quando as águas voltam ao seu nível normal, as águas acumuladas nas bacias voltam ao leito
normal do rio através de uma série de correntezas naturais. No delta, o rio abre-se em leque, correndo por
numerosos braços. Como a inclinação do terreno e a força da correnteza são menores, os sedimentos mais
pesados não podem ser depositados em grande quantidade. Nesta área, as levées são mais baixas, e as
bacias podem tornar-se pântanos ou lagos perenes com maior freqüência.
Desde o Paleolítico, utilizando-se dos diques naturais ou levées para residência, a ocupação
humana mais densa se deu junto ao Nilo. Durante o Neolítico, após o escoamento das águas, as bacias
serviam para plantar cereais, dispensado o trabalho de regá-los. O gado pastava na pradarias verdejantes
que se formavam naturalmente ou nos pântanos. As levées eram cobertas de bosques de sicômoros,
acácias, tamarindos e salgueiros. Já nestes, as chuvas não eram suficientes para a agricultura.
De 3300 a.C. até mais ou menos 2200 a.C., houve uma queda radical da pluviosidade e, como
conseqüência direta, uma redução drástica da flora e da fauna na ex-estepes, transformada finalmente em
deserto. Ainda neste período, secaram-se os pequenos rios tributários do Nilo.
Recentemente, constatou-se que o rio Nilo mudou muitas vezes de leito, e que, além das flutuações
curtas, houve fases mais longas com tendências a cheias, seja de nível decrescente (durante todo o terceiro
milênio a.C. e no período entre 1200 e 900 a.C.), sejam muito altas ou as vezes catastróficas (entre 1840 e
1770 a.C. e entre os séculos IX e VII a.C.).
A pesca e a caça eram atividades essenciais. A coleta objetivava plantas como o papiro, os juncos e
os caniços. A caça era prática nos pântanos marginais do vale, nos tremedais do delta e no deserto,
posteriormente, nos tempos históricos, tornou-se menos essencial economicamente, mas provia um
complemento alimentar e animais para a domesticação.
A pedra para construção, as pedras semipreciosas, as pedras duras para ferramentas e os minérios
eram fornecidos pelas colinas que delimitam o vale a oeste e a leste, pela parte oriental do deserto da
Arábia e áreas da península do Sinai. O sílex era extraído em todo o vale. O ouro vinha do deserto da
Arábia. Já o cobre era extraído no mesmo deserto e no Sinai. Da região da Núbia vinha ouro, ametistas e
pedra dura para construção.
A importação de minério adicional aos trabalhos de metalurgia e outras atividades eram trazidos de
diversas fontes fornecedoras: o lápis-lazuli vinha do atual Afeganistão através do Oriente Próximo; o cobre
de Chipre; o estanho da Ásia; a osidiana da costa da Etiópia e da Somália; o arsênico vinha da Ásia; a
madeira era importada do Líbano, especialmente o cedro.
Não se sabe ao certo quando teve início as expedições marítimas realizadas pelos egípcios, mas
sabe-se que não muito tardiamente elas eram feitas no Mediterrâneo e no Mar Vermelho. A navegação no
rio Nilo dava-se em condições muito favoráveis: a correnteza fluvial no sentido sul-norte e as velas para
aproveitar o vento constante no sentido norte-sul proporcionavam um excelente meio de comunicação
durante o ano inteiro. Já para a comunicação terrestre, dentro e fora do país, os caminhos eram raros e o
transporte era feito de burro até a difusão do dromedário, já no primeiro milênio a.C.
2. Questões acerca do povoamento do Egito e a sua ocupação e colonização
Dentre os grandes problemas acerca da história do Egito, talvez o que mais tenha suscitado
polêmica a partir da década de 50 foi a questão do povoamento. Baseado no estudo de ossadas, muito
escassas e mal distribuídas - basicamente localizadas no Alto Egito -, três teorias quanto ao povoamento
egípcio partiram de noções raciais - ou similares - e se defrontaram a partir de meados deste século. A
primeira, sem levar em conta os estudos de F. Falkenburger, que a partir da análise de crânios afirmou
existirem, já no quarto milênio a.C., na população egípcia, em proporções parecidas, três grupos de
habitantes: negroides, mediterrâneos e mestiços ou pessoas similares ao homem de Cro-magnon, retomou
uma tese do século passado que afirmava que a população egípcia antiga era fundamentalmente
caucasóide ou branca: os ‘hamitas’ou ‘camitas’.
Diametralmente oposta é a teoria proposta por Chikh Anta Diop e Théophile Obenga. No calor do
pan-africanismo dos anos 50, estes autores afirmaram que: “O Egito faraônica, pela etnia de seus
habitantes, pela língua dos mesmos, pertence totalmente, dos balbuceios neolíticos ao fim das dinastias
arqueológicas, ao passado humano dos negros da África” (...)
As duas posições polares se apegam de forma inaceitável a noção de raça. Uma terceira teoria,
desenvolvida por Francois Duma, afirmou serem os egípcios antigos o resultado de uma mescla de pessoas
de pele escura oriundas do sul do vale do Nilo com outras de pele mais clara que vieram do Saara, da Ásia
Ocidental e talvez restos de populações pré-histórica da bacia do Mediterrâneo, sem que haja condições de
precisar que camadas étnicas representam esses tipos anatômicos. O problema desta teoria é o de ainda
insistir em correlacionar os supostos grupos étnicos da mescla as ‘raças humanas’. Pois hoje está cada vez
mais evidente o quanto é estéril e que não existem meios unívocos e comprováveis de correlacionar
determinados tipos anatômicos a idéia de ‘raças humanas’ ou a cor da pele.
Sabe-se hoje que o caráter fundamental africano do povoamento e da cultura do antigo Egito é
essencial, mas sem se recair na discussão inútil sobre peles mais claras ou mais escuras. Tem-se também
a convicção de que o Neolítico foi o período de mais fortes migrações povoadoras em direção ao vale do
Nilo, e que população egípcia absorveu, permanecendo estável em suas características e sem mudar muito,
as diversas migrações posteriores nos tempos históricos. Por fim, a descrença de serem os ‘hamitas’ou
‘camitas’ algo mais do que um grupo lingüístico, negando-lhes qualquer conotação racial.
Só no fim do quarto milênio a.C., a agropecuária superou as atividades extrativas no vale, e
posteriormente, na região do delta. A economia agrícola já existia desde o sexto milênio a.C. em
concorrência com o extrativismo. Contudo, a riqueza dos recursos naturais aproveitada em forma de caça,
pesca e coleta vegetal era tanta, na planície fluvial do Nilo e nas estepes depois substituídas pelo deserto,
que pode ter retardado o desenvolvimento da agricultura. Os primeiros sinais de agricultura aparecem em
sítios arqueológicos do extremo ocidental do Delta, do Fayum e do Médio Egito, e mostram o
desenvolvimento de grupos sedentários plantando cereais e linho, fabricando cestas, tecidos, cerâmica
grosseira, variados instrumentos de sílex e de outras pedras. Já usavam uma versão primitiva da foice de
madeira com incrustações de sílex. Esta fase é conhecida el-Badari, incluindo a de Deir Tasa,
compreendendo o período de 4500 até 4000 a.C. Nesta fase foram encontrados importantes sítios
arqueológicos que atestam a crescente importância da agricultura: no primeiro, na região de Deir Tasa, no
curso médio do Nilo, foram encontrados cemitérios especiais nos quais os mortos estão amortalhados e
acompanhados de vasos de comida, chamada de cultura ‘tasiana’; no segundo, nas regiões de Hétuan e de
Merindé, ao norte do Egito, por volta de 4200 a.C., as tribos locais enterravam os mortos sob a terra das
cabanas e os deitavam de lado, com a face virada para o Nilo e provisões de alimentos.
Na fase seguinte, conhecida como Nagada I, entre 4000-3600 a.C., o empobrecimento dos oásis e
a secura das torrentes de água forçou as populações sedentárias a manter um cultivo anual nas terras
regadas pelo Nilo. A partir desta fase já surgem os primeiros utensílios de cobre martelado e o corte do sílex
e a fabricação da cerâmica é aperfeiçoada.
Nos últimos séculos do quarto milênio a.C., fase gerzeense ou de Nagada II, entre 3600-3100 a.C.,
mudanças sociais maiores passam a ser perceptíveis pela arqueologia. Os indícios das mudanças
começam quando detectamos o aparecimento de peças de cobre preparadas seja em bigornas, seja em
moldes, depois da fusão, que requereu uma tecnologia de apoio - minas, transporte e armazenamento de
minérios, além das técnicas para a fusão, a forja, o refinamento e o molde. Isto significou a necessidade de
transformações políticas e sociais de peso para organizar a contento um complexo integrado por numerosas
atividades interligadas. Reforçando esta situação, os cemitérios de Nagada II indicam a existência de um
sociedade estratificada e não igualitária nos núcleos populosos de Hieracômpolis, Koptos, Nagada, Abydos.
Há também indícios de contatos comerciais e culturais com Ásia: importação de lápis-lazuli e influência da
Baixa Mesopotâmia.

3. O Egito pré-dinástico
Ao contrário da fragmentação política das cidades-Estados baixo-mesopotâmica, o Egito, no início
do 3º milênio, já emergia como reino unificado. Após um período neolítico, entre 5000 e 3300 a.C., em que
permaneceu quase inalterado o modo de vida nas aldeias, é no período Pré-Dinástico (3300 a 3000 a.C.)
que no Egito as mudanças sociais maiores passam a ser perceptíveis pela arqueologia e que nos permitem
identificar o final deste período como a fase decisiva na passagem de formas dispersa de poder nas aldeias
para formas de poder concentrado mãos de grupos locais com numerosos dependentes.
No último século, anos antes da unificação do país e da constituição Estado faraônico, o sítio
arqueológico de Hieracômpolis, ao sul do Vale do Nilo, tinha uma população importante que se encontrava
concentrando em aglomerações fortificadas, contando ainda a região com um templo prestigioso e um
sistema de irrigação baseado em tanques ou bacias formadas e fertilizadas naturalmente pelo rio, atraindo a
população imigrante das estepes saarianas que atravessavam uma radical desertificação. Por outro lado, a
região mostra uma diversidade nos graus de riqueza das tumbas já a partir da segunda metade do quarto
milênio, evidenciando uma população socialmente estratificada e não mais igualitária. Existem, também,
sinais de conflito com a Núbia, que podem ter favorecido localmente na formação grupos militares bem
definidos.
A presença de um sistema local de poder não foi um privilégio só de Hieracômpolis. Existem provas
arqueológicas da existência de uma diversificação social mais intensa e da presença de sistema locais de
poder em outras partes do Nilo, centenas de anos antes da unificação do Egito. Em meados do quarto
milênio a.C., as tumbas maiores e mais ricas apareciam dispersas nas necrópoles, mas depois, com o
aumento das riquezas, tenderam a se aglomerar. Os cemitérios passaram a perpetuar a segregação dos
membros mais privilegiados em relação ao resto da população. Como provas indiretas do estabelecimento
de poderes locais, encontrou-se em diversas localidades indícios da existência de artesãos de alta
qualificação; presença de celeiros de grande capacidade; metalurgia do cobre; construções de grande porte
que exigiam um contingente numeroso de trabalhadores disponíveis e, portanto, um sistema de distribuição
de ração aos trabalhadores e algum sistema de concentração tributária que permitisse armazenar
excedentes de cereais.
A arqueologia tem comprovado que a irrigação foi em boa parte controlada regionalmente com a
formação de entidades territoriais regionais; spat ou nomos. Isto no vale, já que no delta a introdução do
sistema de nomos parece ter ocorrido tardiamente. No Alto Egito ou vale, o nomo tinha um deus local
próprio, um chefe e uma confederação tribal estabelecida em território fixo, configurando-se como unidade
em que se deram primeiro as relações urbano-rurais nascentes e o aparecimento de um poder separado
das relações de parentesco. Situação que foi fazendo desaparecer as organizações em linhagens de tribos,
terminado por não haver mais sinais das mesma no período do Egito histórico.
Neste contexto, não é de estranhar a existência de conflitos armados entre as entidades territoriais
regionais que terminaram por gerar blocos políticos crescente. Segundo Hoffman, ao tentar explicar as
razões destes conflitos, tais embates surgiram das tentativas de monopolizar bens armazenados, os
sistemas locais de clientelas e de centralização tributária, de controle do comércio de longa distância e de
deter símbolos de poder pelos quais eram definidos o próprio status dos chefes e de seus seguidores.
No total, podemos falar de cerca de quatro dezenas de entidades territoriais regionais (os spat ou
nomos) como sistema locais de poder, que mais tarde funcionariam como províncias do reino unificado. O
aparecimento, primeiro nos nomos, de relações urbano-rurais nascentes e o surgimento em caráter pioneiro
de núcleos políticos-territoriais definidos devem ter levado os conflito a desembocar em confederações
crescente e, por fim, no reino do Egito, duplo (Baixo Egito e Alto Egito), mas unido sob um único monarca
( o faraó).
A formação de um Estado centralizado no Egito nas condições descrita, leva-nos de imediato a
questionar uma velha hipótese de que colocava a construção de obras de irrigação como causa direta da
formação do mesmo. As pesquisas arqueológicas, principalmente a partir dos anos 60, tem comprovado o
quanto eram incipientes as construções de obras de irrigação no período anterior e posterior ao surgimento
do reino unificado no Egito. Mas ainda, as pesquisas tem demonstrado que a construção, manutenção e
controle dos sistemas de irrigação existentes eram da alçada local e regional.
Outro sistema interpretativo do surgimento do Estado centralizado no Egito se apoia decisivamente
na idéia de que os conflitos teriam proporcionado a unificação de dois Estados já pré-existente no período
Pré-dinástico. Segundo os adeptos deste sistema interpretativo, em virtude da cultura do norte ter se
estendido ao Egito inteiro falariam a favor de uma unificação, em favor do delta, mas que não perdurou.
Posteriormente, desta vez partindo do sul, um novo processo de unificação teria dado origem à monarquia
histórica. A questão colocada é se um processo de fusão cultural necessita mesmo de um processo político
para que ocorra. Por outro lado, a idéia se baseia em achar a oposição entre as duas partes da monarquia
dual (o faraó era ‘rei do Alto e Baixo Egito’ e sua coroa era dupla) como elemento da existência de dois
Estados e padrões culturais existente no Pré-dinástico que foram unificados a força e não em uma forma de
raciocínio que se baseia em pares de oposição complementares.
É a partir destas interpretações que se tentou elaborar um esquema de consenso sobre a evolução
política que resultou na unificação do Egito. Em breves linhas, o esquema nos explica que um certo rei
‘Éscorpião’ teria reunido todo o vale até Tura, mas como o seu tacape de pedra cerimonial só o mostra
usando a coroa branca do Alto Egito, e não a vermelha do Baixo Egito, ele não teria completado a
unificação. A tarefa teria sido completado pelo seu sucessor, o rei Narmer. Esta explicação é dada a partir
de uma paleta votiva que mostra Narmer como vitorioso sobre os habitantes do delta. O mesmo Narmer é
identificado como o Men ou Meni de listas dináticas posteriores (Papiro de Turim, Lista real de Abidos) ou
Menes de que fala o sacerdote da época helenística, Manethon. Outras listas reais compiladas sob a V
dinastia dão como primeiro monarca o rei Aha, arqueologicamente comprovado como monarca da I dinastia.
A partir deste fato, chegou-se a supor que Narmer, Meni e Aha eram a mesma pessoas. Outros viam
Narmer e Aha como reis sucessivos ou, ainda, que Meni ou Menes não passavam de figuras lendárias ou
evocadoras de chefes que lutaram pela unificação do Egito. Posteriormente, os arqueólogos descobriram
um vaso no cemitério protodinástico de Tura, no qual se acreditava ler o nome de ‘Escorpião’, mostrou-se
que a leitura estava incorreta e que o nome indicava mas um título do que um nome próprio. Em 1963, um
outro tacape cerimonial de pedra foi achado com uma representação de ‘Escorpião’ com a coroa do Baixo
Egito. A partir daí outras questões foram levantadas, como: teria havido mais de uma unificação? Namer
teria simplismente dirigido uma expedição punitiva, depois da unificação realizada contra os revoltosos do
delta.
Seja qual for a resposta, o importante é constatar que um processo partiu do sul, mais densamente
povoado, em direção ao norte, com o Egito se tornando o primeiro reino unificado da história, por volta de
3000 a.C.

4. O Reino Antigo e o primeiro período intermediário do Egito


Para a história posterior ao protodinástico ou da unificação do Egito, quase todo o terceiro milênio
a.C., Ciro Falmarion Cardoso propõe uma periodização, partindo do ponto de vista político-administrativo,
divididas em três etapas: 1ª) as três primeiras dinastias, fase de formação das instituições monárquicas; 2ª)
o apogeu do Reino Antigo - dinastias IV a VII, 2575-2150 a.C.; 3ª) o fim do Reino Antigo e o Primeiro
Período Intermediário - dinastias VIII a VII, 2150-2040 a.C., anos de desagregação política seguida da
reconstrução da unidade.
Tendo a unificação ocorrido num momento imaturo do processo de urbanização, é possível que
tenha eliminado o elemento de conflito - a luta entre comunidades vizinhas - que na, Baixa Mesopotâmia,
facilitou o desenvolvimento das cidades-Estados. A ausência de ameaças externas durante muitos séculos
eliminou outro desses elementos. Já nas dinastias iniciais, forjou-se a tradição cultural da corte, centrada na
figura do rei divino, que foi coerente e se impôs por milênios, não desaparecendo nem mesmo nas épocas
de fragmentação política.
A administração era centrada no palácio real. O rei designava parentes seus para as grandes
funções, inclusive os governos provinciais. Um censo era realizado a cada dois anos com o objetivo de fixar
tributos e corvéas. Havia um duplo tesouro – o da Casa Branca do Sul e da Casa Vermelha do Norte - para
armazenar tributos in natura, servindo para o pagamento de funcionários, membros da corte, artesãos
especializados e para uso nas trocas com o exterior. Alguns costumes do período Pré-dinástico sobrevivem:
a supervisão pelo monarca da cobrança de tributos; o festival de sed em que os poderes reais eram
magicamente renovados; e certos aspectos bizarros do ritual de entronização e da religião funerária
destinada à glorificação do rei morto.
Na III dinastia, durante o reinado de Djéser (2630-2611 a.C.), foi dado início ao costume de grandes
construções de pedra: a construção de um complexo funerário do rei que cobria uma superfície de
seiscentos por trezentos metros e com uma pirâmide escalonada de 63 metros de altura.
Os reis dessa fase inicial enviaram expedições à Núbia, ao Sinai e aos desertos que cercam o
Egito. Tanto para o comércio exterior como para a busca de minérios, pedras semipreciosas e pedras duras
para construções se organizavam expedições ordenadas pelo rei e implicavam em lutas com povos tribais.
A partir da IV dinastia, já durante o Reino Antigo (2575-2150 a.C.), nota-se uma consolidação das
instituições do governo. Os ofícios principais do Estado, abaixo do rei, eram o do tjaty ou ‘vizir’ e de
‘superintendente dos trabalhos’ reais, assessorados pelos superintendentes do tesouro. Estes cargos e
outros - monarcas ou governador províncial - eram ocupados por membros da família real: o ‘vizir’, chefe
maior da administração central, era ocupado por um dos filhos do faraó. Na V dinastia ocorreu uma
sistematização hierárquica da titularia dos funcionários e cortesãos e com a família real sendo afastada dos
cargos mais importantes, surgindo então um serviço público propriamente dito, com os funcionários
constituindo importantes famílias nas quais o poder passava de geração à geração.
Ainda durante a V dinastia, surgem os templos como complexos administrativos e econômicos
dotados de terras, rebanhos e trabalhadores próprios, obtendo condições de arcar com o seu sustento que
até então era proporcionado pelo palácio real. Contudo, permaneceram sob o poder do faraó e no interior do
aparelho de Estado. Não havia barreiras entre os cargos administrativos, religiosos e militares. Muitos
monarcas, por exemplo, eram também sacerdotes em cultos nos nomos que governavam. Os cargos mais
importantes eram o da administração dos templos funerários dos reis mortos e das pessoas cujo culto
funerário recebia o privilégio da participação do rei. Alguns templos funerários e santuários, com os
domínios rurais deles dependentes, foram isentos de certos impostos e corvéias. O caráter absoluto ficou
simbolizado pela construção de grandes pirâmides (Queóps, Quéfrem e Miquerinos) durante a V dinastia.
O rei, chamado de faraó (per-aa: a ‘grande casa’ ou ‘palácio’), o rei-deus, encarnação do deus
Hórus e, a partir da V dinastia, filho do deus solar Ra, era o mais absoluto dos monarcas. O rei-deus
representava na terra o reinado de Maat (filha de Ra, encarnação da ordem cósmica tanto quanto terrestre,
da Verdade-Justiça) e enfeixava a suprema autoridade em todos os domínios, no quais havia um grande
número de funcionários por ele dominados. O mais importante, o tjaty ou ‘vizir’, chefiava os seis tribunais da
justiça central, as finanças, a administração central, os celeiros reais e a burocracia em geral. O governo
provincial era baseado nos spat ou nomos, podendo um funcionário receber mais de um nomo para
governar. No Reino antigo havia 22 nomos no Alto Egito e 25 no Baixo Egito. Já no final da V dinastia.
ocorreu um crescimento da administração provincial como forma de contrabalançar o poder dos burocratas
da capital e, pela primeira vez, deu-se uma duplicação do cargo de ‘vizir’, com a criação de um ‘vizir’para o
Alto Egito. O escalão mais baixo da administração era ocupado por uma multidão de escribas e os das
administração local estavam entregues aos conselhos de anciãos das localidades, sob controle estatal
Os rumos da política externa ficou condicionado ao surgimento de um Estado cada vez mais
complexo que necessitava de um maior número de mão-de-obra. Snefru, primeiro rei da IV dinastia, realizou
campanhas militares, trazendo de uma vez 7.000 núbios e de outra 1.100 líbios. A VI dinastia empreendeu
tentativas consistente de controle egípcio sobre o norte da Núbia. além de incursões contra nômades dos
desertos do Sinais com o objetivo de garantir o acesso às minas e pedreiras e as rotas terrestre. Ocorreram,
também expedições comerciais marítimas no Mediterrâneo e, através do mar Vermelho, com o ‘país de
Punt’.
Ao fim da VIII dinastia, o Egito se dividiu, com os monarcas agindo como pequenos reis em seus
nomos, os nômades asiáticos ocupando em parte o delta e a possibilidade de que tenha ocorrido uma
grande rebelião social. Com toda certeza houve um colapso do poder faraônico. Para explicar este colapso,
diversos pesquisadores arrolam os seguintes fatores: excesso de independência dos sacerdotes, que
receberam isenções fiscais e doações que enfraqueceram o patrimônio estatal ( supondo que o templo
fosse algo diferente do Estado, quando na realidade era parte dele, participando o faraó de sua renda);
fraqueza pessoal dos reis; avanço do poder e da hereditariedade de funções de monarcas; e as já
mencionadas no parágrafo acima.
Os fatores relacionados acima são mais conseqüências de um colapso do poder central do que as
suas causas. Naguib Kanawait propõe uma outra explicação para o colapso do Reino Antigo, ao detectar
que ao longo da V e VI dinastia, a partir da análise das reformas do Estado, houve uma reforço progressivo
do aparelho de Estado, aumentando gradualmente o número de funcionários. Contudo, no final do terceiro
milênio a.C., a diminuição drástica do nível médio das cheias anuais do Nilo causou a multiplicação dos
anos de fome e a diminuição da população, refletindo diretamente numa queda na arrecadação dos tributos
e nos recursos disponíveis para a manutenção do aparelho burocrático do Estado. A multiplicação dos
burocratas não foi acompanhada de um aumento da produção, fazendo com que os rendimentos per capita
de cada funcionário graduado, tanto no governo central como no provincial, declinassem drasticamente,
levando a uma queda da qualidade da administração, à insatisfação dos responsáveis, a um regime de
desequilíbrio e, portanto, a uma incapacidade de fazer frente aos problemas internos e externos que se
multiplicaram e agiram em conjunto depois da VI dinastia. Até o final do Reino Antigo, o poder central
manteve o completo controle do regime vigente, não havendo aumento do poder pessoal e da
independência dos altos funcionários e monarcas, até que o Estado viesse a ruir.
O Primeiro Período Intermediário (2134-2040 a.C.) é marcado por grandes dificuldades econômicas.
Fatores como a diminuição drástica do nível das cheias concorreram para uma queda vertiginosa na
produção de alimentos e da área cultivada, provocando uma incidência crescente da fome sob a população.
Ao mesmo tempo, com o colapso do poder central e o aumento do poder pessoal dos governos provinciais,
os monarcas dos nomos passaram a disputar o controle dos recursos naturais disponíveis e o controle dos
sistemas de irrigação ainda não afetados pela insuficiência do nível das cheias. Os embates entre os
monarcas vizinhos afugentou boa parte dos habitantes das comunidades rurais para os pântanos, nos quais
buscavam segurança e, através da caça, pesca e coleta vegetal, alimentos. O abandono de boa parte dos
campos agrícolas resultou também num abandono dos trabalhos de manutenção e limpeza dos sistemas de
irrigação, fazendo diminuir ainda mais a capacidade de produção agrícola. São seguras as informações
desta época que fala de um aumento contínuo da fome, do crescimento dos índices de mortalidade e até de
atos de canibalismo como ação desesperada na luta contra a fome. A situação de incidência de fome parece
ter perdurado até o final da XI dinastia no Alto Egito, segundo os relatos contidos nas cartas de um
sacerdote funerário e proprietário rural da região, Hekanakte. Por outro lado, lutas sociais nas cidades
acompanhadas de violentas repressões pelos monarcas parecem ter sido uma constante no período,
configurando a possibilidade de que tenha ocorrido uma grande rebelião social à época. O crise e o colapso
do poder central era evidenciado com os monarcas agindo como pequenos reis em seus nomos e a perda
do controle de parte do delta, ocupada por nômades asiáticos.

5. O Reino Médio e o domínio hicso


O processo de reunificação do Egito se dá a partir da restruturação do poder político em dois reinos.
Primeiro, os reis do reino setentrional de Heracleópolis (IX e X dinastias) realizaram a importante tarefa de
ajudar os monarcas do delta - na época independentes em boa medida - na expulsão dos asiáticos que se
haviam infiltrado na região. Posteriormente, foram vencidos pelos reis de Tebas (XI dinastia), que
terminaram por impor uma unificação do país.
Mentuhotep II (2061-2010 a.C.) não só reunificou o Egito, inaugurando assim o Reino Médio, como
retomou a política externa típica do Reino Antigo: proteção as minas, pedreiras e rotas comerciais através
de expedições militares contra o norte da Núbia, os líbios do deserto ocidental e as tribos do deserto do
Sinai, chegando a manter um domínio sobre a Núbia que resultou na cobrança de tributos e no
restabelecimento da mineração de ouro. Restabeleceu ainda o contato por mar com a Fenícia.
Com a reunificação, Tebas passou a ser a nova capital do Egito e o deus dinástico passou a ser
Mantu, divindade da região tebana. Esta importância adquirida pela primeira vez pela cidade foi
acompanhada pela construção, na região de Deir el-Bahari, a oeste de Tebas, de um imponente e original
complexo funerário. O poder central ficou também responsável pelos trabalhos de recuperação das obras
de irrigação.
Embora tenha sido reprimido as tendências separatistas e subjugados os monarcas dos nomos, a
hereditariedade dos governadores provinciais foi mantida, conservando a sua administração, justiça, fisco
(tinham o direito de cobrar tributos e recrutar corvéia para o faraó e para eles mesmos) e milíciais nos
nomos (colocadas a disposição do faraó nas expedições militares). Tal fato foi contrabalançado pela
nomeação sistemática de notáveis tebanos para todos os cargos do governo central de maior importância,
como o vizir, os líderes de expedições enviadas ao Sinai e a Núbia, os supervisores nomeados para os
nomos. Estes últimos supervisionavam a coleta dos tributos em espécies e o envio de trabalhadores para a
corvéia real. Os territórios dos nomos eram divididos em duas zonas de tributação: a do faraó e a dos
monarcas.
Sob o governo de Mentuhotep III, em 2002 a.C., foi restabelecido a navegação no mar Vermelho em
direção ao país de Punt, passando antes pelo deserto Wadi Hammamat, no qual foram explorados as
pedreiras. A exploração das pedreiras devem ter continuado por um longo tempo como atesta uma inscrição
à época de Mentuhotep IV (1998-1991 a.C.), na qual é descrito o envio de uma expedição de dez mil
homens que foram enviados a região para cortar pedras para o sarcófago do rei, o líder da mesma era o
‘vizir’ Amenemhat, que se apresentava como ‘supervisor de tudo em todo país’. Anos depois, o mesmo ‘vizir’
usurpou o poder como Amenemhat I (1991-1962), fundando a XII dinastia (1991-1783 a.C.).
Com a nova dinastia o deus dinástico passou a ser Amom de Tebas e a residência real foi
transferida para uma nova cidade, Itj-tauí, ao sul de Mênfis, no ponto de encontro do Alto e do Baixo Egito.
O conjunto funerário dos reis da XII dinastia foi reunido nos arredores da nova capital, na entrada da região
de Fayum ou perto de Mênfis. Os reis desta dinastia suscitaram uma literatura de propaganda na qual
apresentavam Amenemhat I como o rei que pós fim a ocupação do delta pelos asiáticos e unificou o país,
fazendo caso omisso da XI dinastia. Esta tradição foi a responsável pela criação do mito do rei ‘Sesóstori’,
figura compósita que parece ser uma síntese dos grandes faraós da XII dinastia - a que, no futuro, foram
acrescentados os feitos de Ramsés II.
A usurpação do trono por Amenemhat I só foi possível devido ao apoio dos monarcas dos nomos,
que tiveram alguns dos seus títulos e privilégios que haviam perdidos com a reunificação restaurados em
troca do apoio. Ao mesmo tempo, o rei se encarregou de fixar os limites contestados dos nomos e da
distribuição da água irrigada entre os mesmos. Além disso, os monarcas deviam recrutar os trabalhadores
para a corvéia real e para as tropas nos casos de guerra. Este fato evidência a inexistência de um exército
profissional, havendo, contudo, contingentes permanentes com funções policiais, integrados por núbios,
líbios e asiáticos. Posteriormente, durante o governo de Senuosret (1878-1841 a. C.), a importância e a
própria função dos monorcas foi suprimida, sendo os governos provinciais confiados a três departamentos
administrativos (uáret), sediados em Itj-tauí - um para o Baixo, um para o Médio e outro para o Alto Egito -,
paralelos aos outros departamentos do governo central, estando todos subordinados ao vizir. Por fim, a
partir da XII dinastia, a sucessão dinástica passou a associar ao trono o príncipe herdeiro como co-regente.
Numerosas construções de templos e obras diversas ficaram associadas aos nomes dos reis do
Reino Médio. Exemplo disto é um grande edifício construído no Fayum, que provavelmente era um palácio,
um centro administrativo e um templo funerário combinados, tendo sido atribuído a Amenemhat III (1844-
1797 a.C.). Ao mesmo faraó é creditado o auge dos grandes trabalhos de drenagem levados a cabo pela
dinastia no Fayum com o objetivo de obter novas terras cultiváveis. É importante notar que esta são as
primeiras grandes obras faraônicas no setor da agricultura - mais de mil anos depois da primeira monarquia
unificada no Egito.
Quanto a política externa da XII dinastia, ela seguiu linhas muito similares às do passado.
Entretanto, a penetração na Núbia foi maior do que sob o Reino Antigo, com a construção de oito fortes de
tijolos para garantir a ocupação e a tributação na região, bem como o controle da navegação do Nilo entre a
fronteira meridional do Egito e a segunda catarata do rio. Com a Palestina e a Síria foi estabelecido um
comércio que permitiu a importação de cativos e trocas de presentes com os numerosos príncipes locais.
Quanto a Biblos, é possível que tenha havido uma influência política mais direta, já que as dinastias locais
se denominavam (em língua egípcia) monarcas ou servidores do faraó. Por fim, nos limites orientais do
delta foi erguido um conjunto de fortins para vigiar e barrar as tribos nômades do Sinai e da Palestina.
Até quase o fim da XIII dinastia (1783-1633 a.C.) o controle monárquico sobre o território egípcio foi
mantido. Já durante a XV dinastia de Manethon, provavelmente uma família de monarcas que se tornaram
independentes no delta ocidental entre 1786 e 1603 a.C., ocorreu uma longa e lenta fase de infiltração de
asiáticos no delta. Depois de 1720 a.C., os asiáticos ou hicsos começaram a invadir a região do delta e, a
partir da segunda metade do século XVII a.C., passaram ter o controle de todo o Egito setentrional.
Os reis hicsos formaram as XV e XVI dinastias e seus reinados caracterizaram o Segundo Período
Intermediário (1640-1550 a.C.). ‘Hiscsos’ (de hekau-khasut: ‘governates de terras estrangeiras’) foi termo
que se aplicou, em princípio, a estas dinastias, mas que se estendeu, posteriormente, aos asiáticos que,
sob o comando das mesmas, se apossaram de uma parte do Egito e submeteram o restante do pais ao
pagamento de tributos. Sua capital foi a cidade fortificada de Hutuaret (Avaris), nos limites do delta oriental,
e seu governos pode ter-se estendido também a uma parte da Palestina. Os hicsos ou asiáticos eram
majoritariamente semitas, e é possível que a sua vinda para o Egito esteja relacionada às conseqüências
das migrações amorritas.
Não resta dúvidas de que os soberanos hicsos adotaram a titularia faraônica. Sua estatuária,
escaravelhos e construções de templos seguiam a risca o modelo egípcio. O deus dinástico era Seth, mas
também cultuaram o deus solar Ra. Estes fatos indicam que os hicsos se egipcianizaram. Por outro lado,
sob o seu domínio o Egito se abriu a um contato mais íntimo e constante com a Ásia Ocidental, à qual se
equiparou no plano tecnológico: adoção de carro de guerra puxados por cavalos, do arco composto, de uma
tecnologia de bronze mais aperfeiçoada, do tear vertical mais eficaz, do torno para fabricar cerâmica com
mais eficiência e rapidez.
Entre 1650 e 1640 a.C., uma nova dinastia formou-se em Tebas - a XVII dinastia (1640-1550 a.C.),
de início tributária dos governantes hicsos, liderou o Egito no processo de expulsão dos estrangeiros,
completado sob o primeiro rei da dinastia seguinte
A expulsão definitiva dos hicsos (1564 a.C.) foi o resultado de um movimento de libertação que teve
início no sul do Egito, região na qual o domínio dos hicsos era menos sólido. O movimento, sob a direção
dos reis de Tebas, adquiriu logo no início um caráter de libertação em virtude ao apoio recebido pela
população, que vieram a compor o grosso das milícias nos combates aos hicsos. Em contrapartida, o apoio
dos monarcas dos nomos do sul foi quase inexistente no início do movimento. A partir de 1567 a.C., os reis
de Tebas passam a utilizar o movimento tanto para submeter os chefes rebeldes do sul como para marchar
em direção ao norte e expulsar os hicsos.

6. O Reino Novo: militarismo, imperialismo, reforma religiosas e auge do Egito Antigo


É Amósis, fundador da XVIII dinastia e primeiro rei do Reino Novo (1570-1085 a.C.), quem vai
protagonizar o fato capital da expulsão dos hicsos do Egito. Mas vai ser no bojo desta empreitada que
Amósis começara a dar os primeiros contornos daquilo que será o Reino Novo. Utilizando-se do movimento
popular, o rei investiu sobre os monarcas separatistas do sul e reduziu os nomos a simples províncias do
Estado, retirando dos antigo governantes seus direitos hereditários de mandatários locais e nomeando para
os governos provinciais familiares. Por outro lado, aproveitando as milícias populares formadas para as
expedições contra os hicsos, Amósis organiza o primeiro exército profissional e permanente da história do
Egito e o distribui por todo país. Os soldados, recrutados entre a população urbana e rural, passam a
receber soldo do faraó e os oficiais, além do soldo, concessões de terra para usufruto e participação na
distribuição dos despojos das campanhas exército. As armas eram fornecidos pelos armazéns reais. No
exército havia ainda um grupo privilegiado: os condutores de carros.
As campanhas exército, após unificação, visaram à conquista de territórios estratégicos e à rapina.
Logo após a expulsão e em expedições de perseguição aos hicsos na Ásia, Amósis conseguiu estabelecer
o domínio egípcio na localidade de Sharuem, na Palestina, e, em seguida, restabeleceu o antigo domínio do
Egito sobre as possessões faraônicas na Núbia. Seus sucessores, principalmente Thutmés I, continuam as
expedições a Palestina e as expandem para Síria e Estados fenícios, chegando a levar suas tropas até o rio
Eufrates, com o objetivo de obter o pagamento de tributos. Mas foi com Thutmés III, 1504-1450 a. C., ao
longo de dezessete campanhas militares, que foi consolidado - ou, segundo outros autores, criado - o
império egípcio na Ásia. Na prática o que o Egito manteve sobre os pequenos reis da Síria e da Palestina foi
um protetorado. O sistema de domínio era bastante frágil, com guarnições egípcias guardando lugares
estratégicos, principalmente os que permitiam controlar as rotas comerciais para garantir o abastecimento
de produtos de luxo e de matérias-primas, além de proporcionar a cobrança de tributos. Situação oposta era
a da Núbia, que sofreu um profundo processo de egipcianização, o mundo asiático reteve seu particularismo
cultural e político. Só com repetidas campanhas militares, reprimindo sublevações, mantinham o pagamento
de tributos e a obediência pelo menos relativa a hegemonia faraônica. Mesmo assim, o Egito teve que
enfrentar os reis Hititas e da Mesopotâmia. O império teve que recuar até as fronteiras estabelecidas por
Thutmés III: o rio Orontes ao norte, o Eufrates a nordeste e o deserto sírio a leste.
Este fatos históricos ressaltam uma das principais características do Reino Novo: as peripécias de
constituição, apogeu e progressiva perda de um império egípcio, sobre o qual muitos aspectos da política
interna decorreram, em particular a importância crescente do militarismo e dos militares na história do país,
não só politicamente como também no plano da propriedade. A política externa agressiva tinha como
propósito bem claro o de garantir um fluxo de riquezas, prisioneiros e tributos. É justamente a partir da
repartição deste despojos que foi possível se formar uma nobreza da corte baseada em militares de origem
recente, formada de oficiais médios e superiores. Os oficiais superiores ocupavam tanto postos militares
como postos na administração e no palácio, agindo ainda na política interna. Os oficiais médios e
subalternos recebiam terras pela prestação de serviços.
Era talvez na repartição dos despojos das campanhas militares que residia o elemento que
descortinava o conflito entre a oficialidade e outros segmentos da classe dirigente no Egito. O faraó
destinava uma parte dos despojos ao exército, mas a maior parte era repartido conforme o critério por ele
adotado. Em geral, uma grande parte dos despojos (troféus, gado, escravos) era destinado em primeiro
lugar para os templos, principalmente, para o de Amom, em Tebas, a outra grande parte ia para o tesouro e
armazéns reais. Elemento por si só de promoção de atritos e desconfianças entre a oficialidade e os
sacerdotes, em especial, em relação aos sacerdotes de Amom.
A ascensão progressiva, igualmente política e econômica, do sacerdócio, e em especial do clero de
Tebas, cujo deus - Amon, identificado com o sol como Amom-Ra, que agora domina o panteão oficial e a
hierarquia sacerdotal de todo Egito, constitui uma outra constante do Reino Novo. A ascensão dos
sacerdotes de Amon está relacionada ao caráter divino dos reis ser transmitido pelas mulheres. Neste caso,
era preciso que o herdeiro fosse filho não só do rei, mas também de uma princesa de sangue real; daí os
freqüentes casamentos de faraós com suas irmãs e meia-irmãs, e ocasionalmente com suas próprias filhas.
Quando o novo rei era filho de uma esposa secundária, ou de fato um estranho à linhagem real, devia
casar-se com uma princesa de sangue. Ao falharem os expedientes normais, podia recorrer a legitimação
por ficção religiosa ao oráculo de Amom; ou então, a afirmação de que o deus teria pessoalmente gerado o
soberano em sua mãe terrestre (teogamia). Este artifício foi muitas vezes utilizados durante o Reino Novo.
O caso mais conhecido é o da rainha Hatshepsut para legitimar sua usurpação, apoiada pelo sumo-
sacerdote de Amom, Hapuseneb. Tais expediente fizeram do alto clero de Amom o árbitro da legitimidade
faraônica em casos extremos, e assim o poder e riqueza dos sacerdotes aumentavam, pois seu apoio era
comprado com doações e favores, reforçando e aumentando também a sua influência na política interna.
Com o reinado de Amenófis, inicia-se o processo de decadência do poderio egípcio. O aumento
constante da riqueza e da ingerência política dos sacerdotes de Amom terminou sendo visto como uma
ameaça pelos monarcas. Desde o reinado de Thutmés IV, uma nova modalidade de culto solar - cujas
raízes podem ser procuradas tanto na velha teologia de Heliópolis quanto em influência asiática - começou
a ser favorecida na corte, sem que cessassem por isto, aliás, os favores dos reis a Amom-Ra e seus
sacerdotes. Tratava-se do culto ao próprio disco visível do Sol: Aton. Esta tentativa ainda tímida de reforma
religiosa com conotações políticas se transformou em crise radical sob Amenófis IV. Este mudou o seu
nome, que recordava Amon, para Akhenaton, em homenagem ao novo culto; tendo já consagrado a Aton
um grande templo em Tebas, decidiu depois fundar uma nova capital no Médio Egito, Akhetaton, ou
‘horizonte do disco solar’, para a qual se mudou com toda a sua corte.
Sua esposa principal, Nerfertiti, deu-lhe diversas filhas, mas não um herdeiro; o rei casou-se
também com algumas de suas próprias filhas tentando em vão garantir a sucessão. O culto de Amon foi
proscrito, seus bens confiscados; mais moderadamente, também o resto da religião tradicional sofreu
perseguição, pois o rei tentava impor um quase monoteísmo. A nova religião tinha intenções políticas claras,
de exaltação e deificação do rei: o faraó foi inclusive representado adorando a si mesmo. Seja como for, a
reforma religiosa, carente de bases sociais sólidas, foi efêmera.
O sucessor de Akhenaton, Tutankhaton, depois mudou seu nome para Tutankhamon e voltou para
Tebas, restaurou Amom em sua totalidade de seu poder e riquezas anteriores. Seu reinado foi breve, como
também o do seguinte, Ay. Por fim, chegou ao trono o general Horemheb, eminência parda dos dois
reinados precedentes, que realizou uma reforma administrativa e ampliou o templo de Amon.
Após a morte de Horemheb, tem início a XIX dinastia (1307-1196 a.C.). Os reis desta dinastia vão
se destacar, em primeiro lugar, pela recuperação da preeminência egípcia na Síria-Palestina, reduzida a
zero pelo descaso de Akhenaton quando da sua reforma religiosa. As necessidades da política e do
comércio asiático levaram que se fixasse a residência real no delta (Pi-Ramsés), de onde aliás era originária
a nova família reinante. Tebas se manteve, porém, como capital religiosa e administrativa. Ramsés I,
escolhido sucessor de Horemheb, era como este um soldado. Chegou ao trono já idoso, associando ao
poder como co-regente o seu filho Sethi I, que logo reinou só. Durante o seu reinado se dedicou a recuperar
parcialmente o império egípcio na Ásia, retomando a Palestina e porção da Síria. O culto a Aton foi proscrito
totalmente, encerrando de vez o episódio da reforma religiosa . Sethi I associou, também, ao trono seu filho,
cujo longo reinado é um dos mais celebres da História egípcia: trata-se de Ramsés II. Logo no início do seu
reinado, Ramsés II teve que enfrentar os hititas na batalha de Kadesh para manter os sucessos militares de
seu pai na Ásia. O desfecho da batalha parece ter sido indeciso. Contudo, com a rápida ascensão do reino
assírio, hititas e egípcios se viram ameaçados. Assim, em 1278, o Egito e o Hati fizeram, através de seus
monarcas o primeiro tratado internacional, no qual estabeleciam mutuamente as fronteiras dos seus
impérios e a ajuda mútua em caso de ataque ou sublevação. A aliança entre os rei Ramsés II e Hatusil III,
de Hati, foi selada pelo casamento do primeiro com a filha do segundo. Ramsés II ainda combateu na Núbia
e teve de enfrentar o ataque dos piratas, chamados de ‘povos do mar’ em uma estela encontrada em Tânis,
no delta. Foi durante o seu reinado que cada vez mais estrangeiros começaram a integrar as tropas do
exército como mercenários.
Os três primeiros reis da XIX dinastia foram grandes construtores; entre outros monumentos,
levantaram a impressionante sala hipostila de templo de Amon em Karnak (Tebas), com colunas de 13 e de
22 metros de altura. Ramsés II cobriu de templos e estátuas a Núbia e o Egito, além de usurpar
monumentos de reis anteriores; são especialmente famosos os seus templos rupestres (escavados em
rocha) da localidade hoje chamada Abu Simbel (Núbia).
Como reinado de peso posterior ao de Ramsés II, podemos citar o de Ramsés III, da XX dinastia
(1996-1070 a.C.). Este rei construiu o templo de Medinet Habu (Tebas), enfrentou três ataque dos
chamados ‘povos do mar’ contra o delta. Efetuou ainda uma reforma social e administrativa mal conhecida.
Afora este rei o período pós-Ramsés III é caracterizado como francamente decadente, durante a qual o
Egito perdeu o controle da Palestina e mais tarde da Núbia. Os sacerdotes de Amon concentravam enormes
extensões de terras e se tornaram independentes em Tebas. Os mercenários estrangeiros - líbios em
particular - também chegaram a ter muita riqueza e poder. O país conheceu más colheitas e anos de fome e
miséria. As tumbas reais foram pilhadas. Ao final da XX dinastia, o poder real passou a estar, em Tebas, nas
mãos do sumo-sacerdote de Amon, Hridor; e, no Delta, pertencia a Nesubanebdjed, fundador da XXI
dinastia, cuja capital foi Tânia. Era o fim inglório do Reino Novo.

(*) O presente texto é uma resenha realizada a partir de alguns textos pertinentes (vide bibliografia abaixo) à
história do Egito Antigo. Portanto, trata-se de uma sistematização de questões, de teses, de trechos de
ensaios, e de informações das obras consultadas, organizados em forma de texto para uso nas aulas de
História Antiguidade,.

(**) Texto organizado pelo Prof. Luís Manuel Domingues, Professor de História Antiga do Departamento de
História da UNICAP.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BOUZON, Emanuel. As cartas de Hammurabi. Petrópolis: Editora Vozes, 1986.
BOUZON, Emanuel. O código de Hammurabi. Petrópolis: Editora Vozes, 1981.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Sete Olhares sobre a Antigüidade. Brasília: Editora da UNB, 1994.
CARDOSO, Ciro Flamarion. Antigüidade Oriental: política e religião. São Paulo: Editora Atual, 1990.
(Coleção Discutindo a História)
DIAKOV, V. E KOVALEV, S. História da Antigüidade. A sociedade primitiva. O Oriente. 3. ed. Lisboa:
Editorial Estampa, 1976. (v. I)
LAFFORGUE, Gilbert. A Alta Antigüidade: das origens a 550 a.C. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1979.
(Coleção História Universal, v.. I)
O Levante e a Ásia Menor no II e I milênio

Por Luís Manuel Domingues

As cidades-Estados da Fenícia
As cidades-Estados fenícias ocupavam uma estreita faixa da costa central da Síria, limitada a leste
pelas montanhas, indo de Tiro até Ugarit. A denominação fenícios só se aplica aos habitantes desta
cidades-Estados a partir do final do segundo milênio a.C., não podendo ser estendida aos habitantes da
região do segundo milênio.
As informações oriundas das escavações das necrópoles da primeira metade do primeiro milênio
a.C., situadas em Tiro, Sídon, Biblos, quando confrontada com as contidas nos textos de Ugarit (século XIV
a.C.), mostram que a religião não mudou desde então. Cada cidade elegeu no panteão cananeu uma
divindade protetora: em Tiro é Melqart (rei da cidade); em Sídon, Eshmun, deus da vegetação, chamado de
Adónis (Meu Senhor); em Bíblios, Astarte (deusa da Fecundidade); em Ugarit, era Anet e Aleyin, o ‘filho do
mar’ e distribuidor das chuvas. As funções dos deuses, além de proteger as cidades, evidenciava uma
religião caracterizada pelo culto as divindades com a função de assegurar a vegetação e a fecundidade,
representando a morte e ressurreição anuais da natureza. Os cultos consagrados aos deuses generosos
que proviam a fertilidade, a chuva e as boas colheitas eram praticados tanto pelo Estado como pelos
integrantes das comunidades aldeãs.
A partir do testemunho de povos contemporâneos (hebreus, assírios, gregos), é possível conhecer
alguns aspectos da civilização fenícia. Cada cidade-Estado possuía uma parte da rica planície litoral e da
floresta do Líbano, onde se cultivam oliveiras e videiras, para produção de azeite e vinho, e era extraído
madeiras, principalmente, o cedro. Estes produtos eram basicamente comercializados com os países e
povos estrangeiros, ao lado da importante intermediação de produtos artesanais. Mas os fenícios foram,
também, especialistas na construção naval, na produção têxtil, na tinturaria de tinta purpura (cor obtida a
partir do uso de molusco: o murex), na ourivesaria, e, sobretudo, no trabalho com o marfim de grande,
aceitação no Oriente, utilizados para decorar móveis e salas. Os fenícios atuaram, também, na construção
dos primeiros monumentos israelitas, com suas balaustradas de colunatas e os capitéis ‘proto-eólicos’.
Quanto a produção artesanal, existem indícios de uma evolução de dimensões domésticas para uma
produção em uma escala maior através da constituição de oficinas artesanais e espalhadas por aldeias
especificamente artesanais, principalmente, na produção têxtil e no uso ampliado da técnica de tinturaria.
O perfil político das cidades-Estados fenícias era caracterizado por monarquias teocráticas, na qual o
soberano atribuía a si uma natureza divina e atuava como sumo-sacerdote da divindade protetora da
cidade, organizando e presidindo os cultos. Os complexos palaciais fenícios tributavam a produção
agropastoril das comunidades aldeãs e requisitavam anualmente de treze dias a dois meses de trabalhos
braçais em obras dos seus integrantes, além de terem os mesmos de equipar arqueiros para os exércitos.
No litoral, nas comunidades de pescadores, os seus integrantes eram recrutados para a equipagem da frota
da cidade. Contudo, ante uma agropecuária com produtividade limitada por razões ecológicas, os recursos
disponíveis não podiam comportar complexos palaciais nos termos encontrados no Egito e na Baixa
Mesopotâmia, eram em termos absolutos complexos palaciais muito menores aos destas civilizações.
Dentro do palácio ou em suas imediações encontravam-se oficinas artesanais, depósitos de bens, arquivos
e repartições governamentais.
A sociedade era composta de artesãos, comerciantes, sacerdotes, dignitários e de membros da
realeza, lavradores dependentes sem propriedades, além da população composta pelos camponeses e
pescadores das comunidades. Havia também a presença de trabalhadores escravos, que eram empregados
em menor escala em serviços domésticos e em maior escala nos serviços do palácio real, juntamente com
indivíduos submetidos a algum tipo de servidão por dívida. Mas entre os segmentos sociais das cidades-
Estados fenícias, os mercadores constituíam uma classe numerosa e de peso político bastante significativo,
praticando um comércio privado e atuando como agentes mercantis do palácio. O crédito - e por
conseguinte a usura - eram exercidos por estes mercadores e pelos organismos palaciais. Por fim, é
possível identificar a presença de patrimônios agrários familiares ou individuais importantes e a apropriação
privada, por membros das cortes reais e mercadores, de aldeias e da tributação sobre elas.
Os fenícios desempenharam um importante papel no desenvolvimento da economia mercantil e na
difusão cultural na bacia do Mediterrâneo. Já na segunda metade do segundo milênio a.C., os fenícios
tinham relações comerciais bem-estabelecias com os reis egípcios, aos quais compravam matérias-primas
(papiro, sementes, ouro) e lhes forneciam cedro, escravos e artigos de luxo. Nos últimos séculos deste
milênio, não se sabe ao certo a data, os fenícios começam a realizar expedições marítimas comerciais a ilha
de Chipre, fundando, provavelmente, uma cidade em Kition, e se dispersando entre os habitantes locais e
os refugiados micénicos. Só com o aparecimento da escrita fenícia, no século VII, é possível distinguir os
fenícios dos demais habitantes da ilha. Mas é, por intermédio de Chipre, que os fenícios encetam as suas
trocas com os gregos, levando para a Grécia, entre 1100 e 800 a.C., artigos de luxo orientais. A partir do
século VIII a.C., são os gregos que vão a Fenícia buscar os bronzes e os marfins, trazendo consigo o
alfabeto fenício que contribuíram para o enriquecimento da civilização helênica.
Na fase seguinte, entre os séculos IX e VIII, os fenícios estendem suas expedições comerciais na via
do Ocidente, principalmente na zona do estreito da Sicília (Malta, Cartago, Útica, a Sicília Ocidental). Na
continuidade das suas expedições, atingem, a oeste, a Numídia e Ibéria (Espanha), chegando ao Estreito
de Gibraltar. Posteriormente, um navegador da colônia fenícia de Cartago, de nome Hannon, contornou as
costas ocidentais da África até o atual Camarões. Esta dispersão e migração fenícia, através do
estabelecimento de feitorias e colônias no Mediterrâneo, pode estar relacionada, também, além dos
imperativos comuns ao desenvolvimento comercial, a pressão crescente dos assírios sobre as suas cidades
(depois de 746 a.C.) e a necessidade de enfrentar e fazer concorrência aos gregos.
A cidade-Estado de Tiro é a principal organizadora do gênero de empresas caracterizado pela
instalação de feitorias como entrepostos comerciais e as colônias voltadas a ocupação e a colonização de
áreas com potencial agrícola e próxima a centros e localidades fornecedoras de matérias-primas e artigos
os mais diversos. São estas empresas que vão dá ao porto de Tiro uma importância que atrairá no futuro
conquistadores. Entre as colônias fundadas, a de Cartago será a mais importante. Esta logo substituirá Tiro,
que a partir do século VII a.C. se vê cercada e saqueada por conquistadores, na organização do tráfico
marítimo e na fundação de estabelecimentos no Ocidente.
A riqueza das cidades-Estados fenícias não parou de atrair os conquistadores. Após a passagem dos
chamados ‘povos do mar’ e das investidas dos assírios no século XII a.C., a cidades fenícias se
beneficiaram de uma trégua de dois séculos e meio. Em seguida vêm as campanhas anuais dos assírios, a
partir do século IX a.C.; as grandes cidades (Tiro e Sídon) são rapidamente submetidas (preferem pagar
tributos a ter que agüentar um cerco que suspenderia as suas relações comerciais), não cessando contudo
de se revoltar nos séculos VIII e VII a.C., pois se recusavam a deixar de manter relações estreitas com o
Egito. No fim do século VII, o domínio assírio é substituído pelo dos soberanos babilônicos.
A contribuição dos fenícios para as civilizações da Antigüidade está no fato de ter proporcionado a
vulgarização das artes do Oriente Próximo e da escrita. É através de Biblos que os gregos conhecem o
papiro do Egito. É, também, o alfabeto fenício que serve de modelo às escritas criadas a partir do século VIII
a.C.: a aramaica, que através da Antigüidade e da Idade Média, inspira a elaboração de novas escritas na
maior parte da Ásia; a grega, que será imitada no Ocidente e dará origem assim à nossa escrita latina, entre
outras.
Das tribos de Iahweh ao Reino de Israel
Em uma época mais remota, quando ainda não existia na Palestina um ‘povo de Israel’, e sim, tribos
diversas que posteriormente os israelitas reconheceram como seus antepassados. Esta tradição posterior
aceitava os semitas amorritas e arrameus como parentes remotos.
Uma outra tradição se referia ao fato de que os filhos de Israel, descendentes do patriarca Abraão, a
quem a divindade Iahaweh (‘ele é’, em hebraico) havia escolhido para formar o seu povo e lhe havia
prometido as terras além do Jordão, teriam migrado para Egito, onde foram escravizados e obrigados a
realizar trabalhos forçados, construindo cidades. Moisés, líder carismático que havia recebido a ordem de
Iahawed para sair do Egito com o seu povo, tenta libertar os filhos de Israel. Após embates com o faraó que
se recusava a liberar os israelitas, e do qual resultou as dez ‘pragas’ que teriam atingido o vale do Nilo, na
qual a última (a morte do primogênito de cada família egípcia) fés o monarca ceder, dando origem a festa
judaica da Páscoa (em hebreu, passagem de deus), saíram daquele país (episódio que ficou conhecido por
Êxodo) e vagaram pelo deserto do Sinai por algumas décadas. Por fim, outros líderes, conquistaram a
Palestina, a terra prometida pela divindade que os escolhera e se aliara a eles, Iahweh.
Trechos bíblicos sobre a cronologia do ‘cativeiro do Egito’ e da saída de lá são contraditórios. Alguns
falam de 450 anos de permanência no Egito, outros falam de quatro gerações. Uma outra indicação,
menciona a saída do Egito 480 anos antes da construção do templo de Jerusalém por Salomão, o que
colocaria o Êxodo em plena XVIIIª dinastia egípcia. Por outro lado, uma estela de pedra do faraó Merneptah,
em seu quinto ano de reinado (aproximadamente 1219 a.C.), menciona Israel já instalado na Palestina e
vencido pelo monarca. Uma das cidades citadas na Bíblia, como aquelas em cuja construção prestaram
serviços forçados os israelitas, pode ser identificada com Per-Ramsés, construída por Ramsés II (1290-
1224 a.C.).
A tendência hoje é datar de Ramsés II a opressão de Israel no Egito e estabelecer que a permanência
no território egípcio se deu entre os séculos XIV e XIII, o que parece ter sido bastante curta. A arqueologia
comprova que centros urbanos foram destruídos na Palestina no final do século XIII (Betel, Láquis, Eglon,
Hazor etc.), sendo a cultura urbana anterior substituída por outra mais rude, o que parece marcar o início da
conquista da palestina pelas tribos de Israel.
A chegada à Palestina de povos vindo do Egito e que, provavelmente, em mistura com outros,
resultariam nos israelitas históricos, ocorreu no momento de mudanças na História do Oriente Próximo,
conforme mencionamos acima.
Na fase de sua conquista parcial da Palestina, entre fins do século XIII e fins do século XI a.C., os
israelitas eram um povo em formação e ainda não constituía um Estado. Suas tribos, tradicionalmente eram
doze, formavam, desde o século XII a.C., uma liga frouxa. Cada tribo parece ter se formada a partir de
grupos seminômades, sedentários, vindos do Egito e de outros já anteriormente assentados na região. As
guerras de conquista e outros conflitos contribuíram para a formação da mencionada liga ou confederação
tribal, que não tinha capital, funcionários ou exército permanente. Os representantes das tribos se reuniam
em santuários (Gilgal ou Silo), por ocasião das festas anuais, para consultar Iahweh. Nos momentos de
grande perigo, surgiram líderes carismáticos, chamados de ‘juizes’ (shofet), com alguns alegando inspiração
divina. Nas tribos a justiça era administrada pelos anciãos. Os Juizes, com uma autoridade maior, as vezes
chamavam as tribos para combater.
A sedentarização e a crescente complexidade social, por um lado, e ameaça representada pelos
filisteus conduziu a evolução das tribos israelitas - completada por volta de 1020 a.C. - a formação de um
Estado.
Os filisteus, os chamados ‘povos do mar’ que haviam sido repelidos do Egito, instaram-se na
Palestina , formando uma federação de cidades-Estados, cada uma com um rei ou tirano (Gaza, Askhrlon,
Asdod, Ecron e Gat), nas quais constituíam uma bem organizada minoria guerreira que dominava a maioria
canaanita, constituíam-se na mais séria ameaça as tribos israelitas. Suas guarnições ocupavam pontos
estratégicos na Palestina, reservavam para si o monopólio da metalurgia e o proibia aos israelitas,
submeteram os mesmos ao pagamento de tributos, destruíram o santuário de Silo (sede da Arca da Aliança)
e, por volta de 1050 a.C., a Arca, o símbolo máximo destas tribos, caiu passageiramente nas mãos dos
filisteus.
A solução encontrada para enfrentar estes rivais fortemente militarizados e apoiados em
organizações estatais foi a formação do reino de Israel. Assim, entre 1020 e 1000 a.C., Saul, ungido por
Samuel, sucessor dos juizes de Israel e vidente de prestígio, foi aclamado primeiro monarca de Israel. No
seu reinado houve apenas um esboço de instituições estatais e de exército permanente, sendo mais uma
espécie de novo juiz, numa escala mais ampliada, que colecionou vitórias sobre os diversos povos rivais
dos israelitas. Após se desentender com Samuel e com os sacerdotes, o que demonstrava uma ruptura
relativa da monarquia com as instituições anteriores, morreu derrotado pelos filisteus. O segundo rei, Davi
(aproximadamente 1000-961 a.C.), primeiramente, foi feito rei de Judá em Hebron, depois, após o
desaparecimento de Isbaal, concorrente ao trono, de todo Israel, tendo sido também ungido por Samuel.
Com Davi, as instituições anteriores foram subordinadas ao poder monárquico. Contudo, apoiado em tropas
próprias, o poder de Davi tinha muito de caráter pessoal e de líder carismático aclamado pelo povo, não
assentando o seu poder na confederação tribal. Exemplo disso é a conquista de Jerusalém com suas
próprias tropas, para onde foi transferida a capital, e que aparecia aos olhos dos demais como ‘cidade de
Davi’, possessão pessoal sua.
As vitórias de Davi levaram à extensão do seu reino, reunindo de forma direta a maior parte da
Palestina. Outras regiões (cidades dos filisteus, reino de Moab, parte da Síria) tornaram-se tributárias e
dependentes do Reino de Israel. Conquistou ainda o reino de Amon, o de Edom e estabeleceu tratados com
as cidades-Estados fenícias.
A estrutura do Estado foi moldada a partir da transferência da capital para Jerusalém, na qual estava
o palácio real, sede do poder central. Havia um corpo de funcionários (comandante supremo militar,
comandante dos mercenários, arauto real, secretário real, dois sacerdotes supremos, um diretor de corvéia)
e um censo foi ordenado para submeter os israelitas ao pagamento de impostos e regularizar o
recrutamento militar.
As resistências as mudanças aparecem com a rebelião do seu filho Absalão e por uma tentativa da
parte norte do reino de se separar. Fazendo do seu filho Salomão o seu sucessor, Davi impunha a
hereditariedade da função monárquica ante formas tradicionais de designação religiosa e popular de um juiz
e líder carismático militar.
Durante o reinado de Salomão (aproximadamente 961-922 a.C.), foram reforçadas as forças armadas
(uso de cavalo e carro de guerra), construído fortificações, estabelecido alianças com o Egito, após disputas
no sul da Palestina, renovado as alianças com Tiro, incrementado o comércio de longa distância (com Ofir,
por mar, e com a Arábia, Egito, Fenícia e Síria, através de rotas de caravanas) e desenvolvido a metalurgia
do cobre e do ferro. As grandes construções marcaram também o reinado de Salomão, sendo a mais
importante o templo de Iahweh em Jerusalém. O Estado foi dividido em doze distritos administrativos que
não respeitaram as fronteiras tradicionais das tribos e procurava normatiza-las junto ao aparelho de Estado
e a burocracia foi ampliada com a instituição, inclusive, de um chefe da administração geral. Contudo, as
construções, o reforço burocrático e das forças armadas levaram o reino ao endividamento, forçando o
soberano a ceder partes do território aos fenícios, seus grandes credores, e a aumentar os impostos.
A aceleração da sedentarização dissolvia pouco a pouco as solidariedades tribais numa sociedade
mais urbana e mercantil, na qual era ampliado o abismo entre os pobres e ricos. Outrossim, a união das
partes norte sul do reino era precária, que foi sensivelmente enfraquecida em sua coesão pelas reformas
distritais e pela integração dos canaanitas após a mesma. Morto Salomão, a separação consumou-se,
formando-se dois Estados de pequena extensão e pouca importância - Judá e Israel -, enquanto perdiam-se
as províncias periféricas.
Visto os aspectos da evolução histórica dos israelitas, cabe-nos agora dissertar sobre um dos
elementos centrais na sua história: a religião. Em linhas gerais, o javanismo baseia-se na crença direta da
revelação pessoal, de Deus aos homens de uma nação. A divindade não pode ser representada e nem
descrita. Ela se manifesta na sua própria existência e em seus atos, os seus atributos não podem ser
reunidos em uma efígie ou similares. A divindade era vista como radicalmente heterogênea, descontínua,
em relação aos homens e ao universo que criara. O Deus garante a fertilidade e abundância, comanda os
astros e os fenômenos da natureza, mas em momento algum não é um deus da fertilidade nem pode ser
associado a qualquer outra coisa. Este aspecto coíbe, portanto, o pensamento mítico. Assim sendo, a
natureza não é animada e personificada e, portanto, não pode ser explicada por relatos nos quais os deuses
intervenham encarnando forças cósmicas. O Deus de Israel não se associa aos acontecimentos repetitivos
e até certo ponto previsíveis da natureza, mas à história, que ele comanda numa forma em geral
inescrutável. Ao contrário de outras civilizações, a israelita era dotada de um firme sentido de finalidade
histórica, garantido pela crença na providência divina e na aliança com o Deus nacional.
Outras divindades foram consideradas legítimas em outras épocas na Palestina, explicando, assim,
que o exclusivismo monoteísta do javismo, junto com outros aspectos dessa religião, evoluiu. O
monoteísmo adquiriu com o tempo um caráter altamente abstrato e intelectual em sua concepção, razão
pela qual, ao longo dos séculos, multiplicou-se entre os israelitas as infrações ao monoteísmo. Tais
infrações estão relacionadas ao fato de o javanismo expurgar os mitos do lugar central da religião
monoteísta, pois eles eram o elemento essencial de explicação para os homens na visão de mundo e na
integração do humano com o natural e o divino. Neste contexto, o javanismo se tornou uma religião de difícil
apreensão para a maioria dos israelitas, fazendo dela uma religião de elite, mesmo se admitirmos que eles
aceitavam a idéia de um Deus supremo e cósmico a que estavam ligados por uma aliança.
Se no terreno teológico o javanismo se diferencia das outras religiões à época, no plano do culto as
semelhanças são muitas. Embora houvesse a ausência de imagens de Iahweh, existia o símbolo de sua
aliança com os israelitas: a Arca da Aliança. Mesmo antes do templo de Jerusalém, a Arca era guardada em
locais que serviam de santuários e, com o tempo, estabeleceu-se uma hierarquia de sacerdotes e um
sumosacerdote que os dirigia. Os cultos incluíam também sacrifícios que eram realizados nas festas anuais.
No centro das concepções político-religiosas israelitas estavam as noções de escolha e aliança: o
povo de Israel fora escolhido por Iahaweh, que com ele pactuara uma aliança. Era uma aliança considerada
histórica, conhecendo-se o lugar e a data de seu início: no Sinai, durante os anos em que Israel esteve no
deserto após sair do Egito. A aliança implicava na aceitação da legislação sagrada contida nos livros
bíblicos, tendo como contrapartida a promessa da posse da terra prometida, Canaã, a Palestina, e uma
espécie de otimismo histórico garantido ao povo eleito.
É com base nessa aliança que se formalizou a confederação das doze tribos na fase da conquista da
Palestina, configurando, pelo menos em teoria, um regime político teocrático, no qual o verdadeiro soberano
aceito por Israel é o seu Deus, cujo trono é a Arca da Aliança. Em seu nome é que juizes exigiam a
mobilização militar das tribos, e que as autoridades religiosas pediam tributos. Os líderes carismáticos do
povo, juizes e generais, ao mesmo tempo, deviam ter sanção divina e humana (eleição e aclamação). Foi
esta legitimidade tradicional que provocou confrontos com a nova ordem política saída da instituição da
realeza.
Os hititas: império e Estado federal
A Ásia Menor, no conjunto da região, apresentava na Antigüidade uma população rarefeita e dispersa
em núcleos apartados uns dos outros e uma agropecuária menos produtiva do que a dos vales fluviais
mesopotâmicos e do Nilo. A região estava ligada às correntes de trocas do Oriente Próximo na qualidade de
fornecedora de madeira, pedra para construção, obsidiana e minérios, tendo sido, no segundo milênio a.C.,
o centro pioneiro da metalurgia do ferro. O seu povoamento e o seu quadro político e cultural sempre foram
complexos e muito mesclados. Segundo uma teoria de Colin Renfrew, em 1987, a grande península, por
volta de 6000 a.C., foi o foco inicial de dispersão dos povos de línguas indo-européias, embora outras
teorias afirmem que a região foi ocupada por povos que falavam idiomas indo-europeus a partir de fins do
terceiro milênio a.C.
No início do segundo milênio a.C., o quadro lingüístico da Anatólia, vasto planalto da Ásia Menor, era
dos mais complexos, tornando-se mais nos séculos posteriores. Falavam-se: uma língua sem vínculos
conhecidos, o proto-hitita; e três línguas do grupo indo-europeu: hitita, palaico e luvita; e uma língua com
origem no Cáucaso, o hurrita. Além dos assírios, outros grupos de língua semítica se instalaram também: os
amorritas primeiro, mais tarde os arrameus. Por volta de 1200-1100, com os grandes movimentos de povos
no Oriente Próximo, novos grupos de línguas indo-européias (lídios, fígios e gregos) se instalaram na Ásia
Menor.
Por volta de 1650 a.C., quando o rei Hattushilish destruiu a cidade síria de Alalak, e em 1595 a.C.,
quando outro soberano tomou e saqueou a cidade da Babilônia, na Baixa Mesopotâmia, sem que ocorresse
uma instalação durável nesta região, é que o Estado Hitita começou de fato a emergir à luz da história.
Nesta época, a realidade era que o reino hitita enfrentava dificuldades consideráveis. Por um lado,
defrontava-se com numerosos adversários na própria Ásia Menor. Por outro lado, o reino atravessou
décadas marcadas por lutas dinásticas em que a monarquia e a aristocracia se enfrentaram e dois reis
foram assassinados. O que explica as rápidas expedições a países distantes. Só quando o rei Telepinnush
chegou ao trono em 1525 a.C., conseguiu-se estabelecer regras precisas para a sucessão dinástica e se
consolidou a monarquia e seu poder efetivo.
A partir dos textos da proclamação de Telepinnush, podemos identificar a existência de uma
aristocracia turbulenta e poderosa. Há também uma assembléia chamada punkush nos documentos, que
parece ter gozado de poderes judiciários em relação ao soberano. Os historiadores possuem divergências
acerca deste órgão: uns acham que, primitivamente, elegesse o rei e limitasse o seu poder, sendo
composta, segundo alguns, pelo povo (uma espécie de assembléia dos ‘homens livre’), ou somente pelos
‘guerreiros e servidores do rei’ (uma aristocracia militar e da corte), segundo outros autores. Já outros
autores acham que o pankush era uma criação de Telepinnush, e salientam o seu caráter passivo, com
exceção talvez de suas funções de justiça, no mais, a assembléia era unicamente informada daquilo que o
rei já decidirá.
Com o reinado de Shuppiluliumash I (1380-1346 a.C.) tem início a verdadeira expansão imperial do
reino hitita, marcando o apogeu do chamado Novo Império Hitita, que teve início por volta do século XV a.C.
É a partir deste soberano, que o pequeno reino hitita cercado de inimigos se transformou no núcleo de um
vasto império governado a partir da sua capital Hattusha, consolidando sua posição na Ásia Menor e
dominando o reino do Mitanni e a região da Síria-Palestina.
O império hitita, dentro e fora da Ásia Menor, era um Estado federal. As guerras punitivas para manter
o fluxo dos tributos e o envio de tropas eram alternadas com tratados, juramentos solenes e casamentos
dinásticos. Em certas cidades estratégicas, o monarca hitita instalava como reis parentes seus,
estabelecendo com eles um tratado de aliança. A centralização era regra no interior do reino hitita e nas
províncias externas menos importantes, com os governantes sendo nomeados à vontade do rei embora
concentrassem muitos poderes: cobrança de impostos, organização das corvéias para as obras públicas,
comando militar, funções de superintendência dos cultos, administração e justiça. O núcleo principal dos
exércitos hititas era os combatentes em carros de guerras puxados por cavalos, guerreiros que recebiam
terras públicas em usufruto.
Uma ativa diplomacia caracterizava a política externa do império hitita, marcada pela troca de cartas e
presentes com seus ‘irmãos’ do Egito e da Mesopotâmia. O mais significativo dos tratados foi o estabelecido
com Ramsés II (1290-1224 a.C.), faraó da XIXª dinastia egípcia. O tratado é produto das grandes disputas
pelo controle da Síria-Palestina entre os soberanos hititas que reinaram entre 1306 e 1250 a.C. e Ramsés II.
A disputa atingiu o seu auge na batalha de Kadesh, junto ao rio Orontes. O desfecho da batalha parece ter
sido indeciso para os dois lados da disputa, embora os hititas tenham recuperado territórios perdidos
anteriormente para os egípcios. Contudo, com a rápida ascensão e a pressão do reino assírio, os hititas e
egípcios se viram ameaçados pelos novos conquistadores e foram forçados à conclusão de um tratado.
Assim, em 1278, o Egito e o reino hitita fizeram, através de seus monarcas o primeiro tratado internacional,
no qual estabeleciam mutuamente as fronteiras dos seus impérios, pacto de não-agressão e a ajuda mútua
em caso de ataque ou sublevação. A aliança entre os reis Ramsés II e Hatusil III, soberano hitita à época de
Hati, foi selada pelo casamento do primeiro com a filha do segundo. Décadas depois, o poderio hitita
desvanecia sob os golpes concomitantes dos migrantes chamados ‘povos do mar’, a partir do oeste, e dos
assírios, do leste.
Durante o período imperial, a monarquia hitita é muito diferente em relação ao que entrevemos nos
textos de proclamação de Telepinush. Os soberanos vitoriosos adotaram o Sol alado como emblema e se
referiam a si mesmos com a expressão ‘meu Sol’. O rei era acima de tudo um sumosacerdote e supremo
general, desempenhando ainda as funções de legislador e juiz de última instância. Nas inscrições, os reis
não eram salientados como construtores e nem havia referências as suas proezas como caçador e atleta. A
rainha tinha uma posição própria no Estado e na religião, e uma sucessão separada (quando morria a
rainha, a esposa anterior do soberano atual se tornava rainha). Ela intervinha paralelamente ao rei na
diplomacia, recebendo cartas.
A religião hitita era complexa em virtude do caráter federal do Estado, pelo povoamento compósito da
Ásia Menor e pela profunda influência religiosa da Mesopotâmia. Os templos reuniam diversas imagens de
muitos deuses de diversas partes da Ásia Menor e Síria. Os serviços dos deuses eram mantidos na forma
tradicional e não se favorecia o sincretismo, dificultando uma coerência maior e hierarquização do mundo
divino.
Entre os hititas, o formalismo, o ritualismo e medo da impureza e da ofensa aos deuses atingiram o
seu auge no Oriente Próximo. Tinha-se uma visão pessimista da natureza humana: os homens são
pecadores. A noção de pecado não era interior, ligada às intenções, e sim exterior, vinculada a ações, e o
descontentamento divino era visto como causa de todos os males. Para pacificar o deus, uma vez
descoberta a razão da sua ira, orava-se e se faziam oferendas, sacrifícios e um ritual de purificação para o
retorno das coisas à normalidade. Daí que os sacerdotes praticassem diversas formas de adivinhação e
exame de signos e portentos na tentativa de descobrir a vontade e as intenções dos deuses. As ações dos
fiéis para com os deuses, os seus pecados, a sua impureza eram entendidas como as causas principais da
ira divina e, por conseguinte, da desgraça humana.
O rei hitita era, acima de tudo, um sumosacerdote, divinizado ao morrer, atuando como mediador
entre os homens e o mundo divino. Ele estava submetido a uma rigorosa etiqueta, a regras
comportamentais estritas, destinadas a evitar-lhe a impureza ritual, e passava boa parte do tempo visitando
os santuários de diversas cidades para presidir os numerosos festivais religiosos. Após a morte de um
monarca, era feito uma imagem sua que recebia culto e sacrifícios. A rainha tinha funções religiosas
copiosas e bem definidas. Quando uma desgraça se abatia sobre o país hitita, era responsabilidade
sobretudo do rei e da rainha interceder junto aos deuses para que cessasse a calamidade, prometendo-lhes
sacrifícios, expiações e o cumprimento rigoroso dos ritos e dos festivais religiosos.
A Formação de Organização do Império Persa
Texto organizado por Luís Manuel Domingues

Os montes Zagros formam várias cordilheiras paralelas, entre as quais se instalam vales
intermontanos cortados por afluentes do Tigre e por rios que desembocam no golfo Pérsico. As encostas e
os vales são arborizados ou cobertos por pastagens naturais. Na região, durante a Antigüidade, era comum
a transumância e a associação estacional da agricultura com a criação. Para além dos montes Zagros, cuja
orientação geral é de noroeste para sudeste, os vales descem em direção ao vasto planalto do Irã (cerca de
2.500.000 km2), contando com sub-regiões áridas e semi-áridas e recebendo poucas precipitações (o litoral
do mar Cáspio é a única exceção). O planalto é rico em recursos minerais (cobre e estanho) e em animais e
plantas com possibilidade de domesticação, principalmente nas montanhas e encostas dos montes Zagros.
Em algumas partes do planalto, chegou-se a praticar um sistema de irrigação baseado em poços que
desembocavam num canal subterrâneo que captava água de um lençol freático (qanats).
Desde o quarto milênio a.C., no leste do Irã, mais precisamente na região de Baluquistão, há uma
presença mais constante de aldeias com atividade agrícola, produção de cerâmica e o trabalho com o cobre
já ocupa determinadas áreas da região. Algumas aldeias iranianas, como a de Tépé Siyalk (180 km ao sul
de Teerão), igualavam-se na produção de cerâmica com as de Susa e as aglomerações mesopotâmicas.
Contudo, eram poucas as áreas bem regadas, de bacia ou de planalto, que favoreciam a concentração de
assentamentos agrícolas, fato que deve explica, ao longo do tempo, a dispersão da população. Por volta do
terceiro milênio, uma lenta dessecação obrigou os agricultores a desenvolver a criação de gado
transumante. As comunidades aldeãs do leste passaram a viver sobretudo da criação de gado, já nas
localizadas no oeste e nordeste a agricultura predominava sobre a atividade pastoril.
A chegada de grupos de pessoas com o conhecimento da domesticação de plantas e animais ao
planalto do Irã deve remontar ao processo de difusão das aldeias neolíticas por volta do sétimo milênio a.C.,
englobando a região que vai da Ásia Menor até ao leste do Oriente Próximo. No início do sexto milênio a.C.,
já aparecem as primeiras aldeias verdadeiramente neolíticas no Irã. A chegada destes agricultores deve
estar relacionada com a dispersão de grupos falando o proto-indo-europeu, que partindo da Anatólia,
chegaram ao leste. Esta hipótese está baseada numa teoria de Colin Renfrew, datada de 1987, segundo o
autor, a região da Ásia Menor, por volta de 6000 a.C., foi o foco inicial de dispersão de grupos de pessoas
que falavam línguas proto-indo-européias, tanto na direção do oeste como do leste, com o conhecimento da
atividade agrícola e pastoril. Ainda o autor, este movimento não pode ser considerado como migratório, mas
como um movimento lento e limitado no espaço, em que agricultores de cada geração se vão espalhando
muito gradualmente em busca de terras, chegando, portanto, a região dos montes Zagros e do planalto do
Irã.
No curso do quarto e durante o terceiro milênio a.C., o Irã receberá contingentes migratórios que
falam línguas do grupo indo-europeu. Neste período, oriundos do sul da Rússia, grupos especializados por
adaptação ao ambiente das estepes e áreas semidesertas na forma de nomadismo pastoril se estendem do
oeste para o leste, chegando ao Irã. Estes contingentes migratórios se mesclam com os habitantes locais,
dando origem a pequenos Estados e centros especializados no comércio e na metalurgia do cobre. As
principais trocas se dão com Susa (reino do Elão) e os Estados da Baixa Mesopotâmia.
Após o século XIII a.C., o movimento migratório indo-europeu acelera sobre o planalto iraniano. Mas
é a partir do século IX a.C., segundo documentos assírios, que se assiste a tomada do poder nos pequenos
países do Irã por chefes tribais com nomes arianos (do ramo das línguas indo-européias que compreende
os dialetos do Irã, entre as quais está o medo e o persa). Os recém chegados, as tribos medas e persas,
adotam em grande parte a cultura dos habitantes locais. Dentre eles, os medos, os mais numerosos e
divididos em tribos, ocupam desde o século IX o país situado entre o rebordo ocidental dos Zagros, o monte
Demavend e o deserto Salé. Já os persas apresentam uma instabilidade quanto à fixação na região,
deslocam-se do lago Urmia para as montanhas do Elão.
Havia dois ou três séculos que as tribos medas já estavam instaladas e dominavam o poder nos
países do planalto do Irã. Durante este período, os medos tiveram que se confrontar com os citas (povo
indo-europeu oriundo do sul da Rússia e a serviço da política assíria) e se defender das diversas
expedições dos exércitos assírios. Estes sucessivos confrontos parecem ter acelerado uma especialização
militar no interior das unidades tribal medas, com a constituição de um grupo específico com funções
guerreiras. Provavelmente eram camponeses guerreiros ou cavaleiros nômades em sua origem. Pouco a
pouco estes grupos guerreiros passaram a constituir uma nobreza acima de uma população heterogênea.
No século VII a.C., esta nobreza guerreira já ocupava uma posição privilegiada em relação ao conjunto da
população: possuíam numerosos rebanhos, um patrimônio agrário e se apropriavam de rendimentos das
comunidades aldeãs.
Numa posição de privilegio e status, estavam, também, os sacerdotes, chamados de magos,
responsáveis pelos cultos dos astros, especialmente o do Sol, personificado pelo deus Mithra. Inicialmente,
este culto está ligado à agricultura e à criação de animais, constituindo-se, assim, um símbolo das forças da
natureza. Posteriormente, Mithra se torna protetor dos mortos e deus da guerra. Mesmo assim, Mithra
parece ter preservado entre as comunidades de produtores (agrícola e pastoril) a concepção de que os
homens deviam a ele uma infinidade de benefícios, tanto os que são prodigiados pela natureza - a
prosperidade e a fecundidade dela resultante - como os combates aos flagelos que assolavam a terra -
oriundo de um mundo de trevas, de malefícios e de demônios. Isto fazia os homens crerem na necessidade
do esforço moral e no julgamento da alma, o que os poderia conduzir a um paraíso de alegrias, aliás, muito
materiais. As práticas rituais dirigidas pelos magos ocupam um lugar importante nesta na realização destes
propósitos (o culto ao fogo, os hinos, as oferendas e os sacrifícios sangrentos). O controle e a direção dos
cultos pelos magos, faziam estes ocuparem uma posição social de destaque tanto entre a nobreza guerreira
como entre a população.
As unidades tribais medas eram baseadas em unidades familiares fundadas na autoridade do pai,
que deram origem a associações de famílias com descendência comum e que se colocavam sob dignidade
e jurisdição de um chefe. Estas associações de famílias se agrupavam para formar as tribos, que por sua
vez formavam uniões comandas por chefes elegíveis. Segundo documentos assírios, um certo Dajaukku,
Dijocés nos relatos de Homero, reuniu sob o seu comando as tribos medas para enfrentar as freqüentes
expedições militares assírias. Com o declínio do poderio militar assírio e refluxo do seu império no fim do
século VII a.C., os medos se organizaram em varias campanhas contra eles. Foi durante este período, em
625 a.C., que o rei Fraortés teria reunido definitivamente as tribos medas num só Estado, declarando guerra
aos assírios que terminou com a derrota dos medos e a morte deste soberano, por causa da ajuda de dada
à Assíria por tribos citas. Ciáxares (625-585 a.C.), filho de Fraortés, consegue repelir o ataque dos citas e
reorganizar o seu exército.
Até o reinado de Ciáxares, o exército medo combatia sem sistema algum. Este soberano reorganizar
o exército com base numa classificação em três armas (lanceiros, arqueiros, fundibulários), com cada uma
ocupando um lugar determinado na batalha. Entre 615 a.C., em aliança com os reis da dinastia caldeia da
Babilônia, Ciáxares alcança vitórias decisivas sobre os assírios. Finalmente, em 612 a.C., a aliança esmaga
os assírios e destrói Nínive, capital do outrora império assírio. Em seguida, o soberano medo ocupa boa
parte da Alta Mesopotâmia, avassala as tribos persas e destrói o reino de Urartu; defronta-se então com os
lídios e, após uma longa guerra, os dois povos fixam a sua fronteira no rio Hális, na Anatôlia (cerca de 582
a.C.).
O sucessor de Ciáxares, Astíages (585-550 a.C.), chegou a realizar expedições militares de
conquistas da Mesopotâmia e do norte da Síria e a desenvolver uma arquitetura funerária. Mas, no ano de
550 a.C., Astíages foi destronado por Ciro II, chefe das tribos persas que impôs uma decisiva derrota sobre
o exército deste soberano medo.
A origem do reino persa remonta a chegada das tribos persas a Persumash (na montanha, a norte de
Susa). Segundo uma tradição persa, um certo Aquemenes teria unificado as tribos persas e dado início a
uma dinastia de soberanos persas que leva o seu nome: os aquemênidas. Inicialmente, a dinastia dos
aquemênidas se estabeleceu na região a sudeste do Elão, no planalto do Irã, região à época sob a
autoridade dos elamitas ou dos medos. Até princípios do século VII a.C., os persas prestavam vassalagem
ao reino do Elão. Os sucessores de Aquemenes, aproveitando-se do enfraquecimento dos reinos elamitas,
instalam-se e dominam o pequeno principado do Anzan, localizado no alto Karum, sudeste de Susa, e a
região de Parsa (atual província de Xiraz), passando depois a suserania do rei medo Ciáxares (fins do
século VII a.C.).
Em 556 a.C., sob o comando de Ciro II (556-530 a.C.), príncipe persa da dinastia dos aquemênidas,
as tribos persas unem-se contra os medos. Em 553 a.C, as tropas de Ciro II marcham sobre a Média. A luta
irá durar três anos e termina em 550 a.C. com a vitória dos persas, que teriam contando, também, com o
apoio da nobreza média descontente com a crescente centralização de poder e concentração das riquezas
oriundas da expansão média nas mãos dos soberanos medos. O império medo passa assim para esse povo
de montanheses e para o seu rei, que vai realizar a conquista da Ásia Ocidental.
Após tomar capital Ecbátna e destronar e capturar Astíages, Ciro II reúne num só reino os medos e
persas. Em reorganiza todo o exército, reequipando o núcleo seu principal, as infantarias compostas pela
massa de camponeses, e faz das unidades regulares de cavalaria a principal força de choque das tropas
persas. Ciro conquista rapidamente a Arménia e a Capadôcia; em 546 a.C., devasta a Lídia e apodera-se
das incalculáveis riquezas de Creso, reunidas em Sardes, capital do reino. Pouco depois, submete toda a
Ásia Menor, incluindo as cidades gregas do litoral do Mar Egeu. Todos passam a pagar tributos aos persas.
Em 539 a.C., os exércitos persas marcham contra a dinastia caldaica de Babilônia. A muralha que ocultava
Babilônia é contornada e, com a ajuda de um oficial babilônico, os persas entram na cidade. Ciro apresenta
a conquista ao povo babilônico como uma libertação e nomeia o seu filho Cambises III rei da Babilônia. Em
seguida liberta os judeus do cativeiro na cidade conquistada e restabelece os cultos dos deuses
tradicionais. Por fim, para consolidar a preponderância política do império, Ciro marcha para nordeste, na
Ásia Central, para enfrentar as tribos dos sácios e messagetas. É durante um dos combates que o soberano
persa foi morto. Em 525 a.C., Cambises, filho e sucessor de Ciro, apoiado num grande exército de terra e
numa esquadra posta à sua disposição pelos fenícios, cipriotas e samianos, derrota o exército egípcio em
Pelusa e conquista o Egito.
A rápida expansão persa encontra a sua explicação num de conjunto de fatores presentes à época.
Um dos fatores era o precário equilíbrio de forças instituído na Ásia Ocidental desde a queda de Nínive, 612
a.C. De um lado, o reino lídio de Creso, do outro lado, os governantes da Babilônia, já não contavam com
uma política prudente e satisfeita dos últimos reis medos, mas sim com a presença das forças conjugadas e
novas de Ciro. Em um plano político secundário, o último faraó do Egito saíta, Amásis, mantinha-se na
expectativa quanto à soberania sobre os portos sirofenícios e os principados do corredor palestino. Um
segundo fator advinha do enfraquecimento dos Estados do Oriente Próximo com a devastação ocasionada
pelas guerras de conquista dos assírios. O apoio de mercadores e usurários para o expansionismo persa
constituiu um outro fator importante, dada à possibilidade que se lhes oferecia desenvolver o comércio com
a unificação das relações mercantis e pela ascensão da aristocracia persa como novo segmento social
desejoso de consumo. Por fim, uma conjunção de interesses internos entre os diversos segmentos sociais
do reino persa (camponeses, sacerdotes, aristocratas persas e medos), que compreendiam a expansão
como a possibilidade de conquistar e dominar regiões que garantam recursos básicos de existência de
todos e proporcionar um suprimento de bens de todos os tipos, objetivando ainda a obtenção de territórios
que seriam administrados e distribuídos entre os persas.
O sucesso militar persa não advém nenhuma novidade militar introduzida durante as guerras de
conquistas. Tanto as armas utilizadas e como o espírito de decisão, a rapidez de execução, a implacável
eficácia dos chefes era compatível com a dos assírios. Mas diferentes destes, os persas foram hábeis em
enquadrar simplesmente tropas de todas as proveniências, em assegurar o concurso muitas vezes fiel de
oficiais ou de técnicos estrangeiros. Por outro lado, o sistema aristocrático da Pérsia primitiva, ou mais
precisamente, a existência de uma aristocracia militar, fornecia um enquadramento a todos os
desenvolvimentos do exército e da administração.
A tutela persa também se revelou distinta das que conhecidas até então. Ela limitada o campo de
ação essencial: proclamação da submissão dos Estados, conduta pacífica, pagamento regular do tributo de
que só os persas e medos estavam isentos. No restante, as cidades, povoações, os reinos submetidos
eram senhores de viver como entendessem, de seguir as suas leis, de honrar os seus deuses. Instituía-se
uma tolerância não conhecida até aquele presente momento, que era quase sempre acompanhada de
complacência com os vencidos e dominados. Sobre este aspecto é de salientar a abolição do chamado
‘cativeiro da Babilônia’ vivido pelos judeus. Tais atitudes eram aproveitadas pelos reis persas como valor de
propaganda dos seus gestos e do eco que eles encontravam na população.
A organização do império persa teria que esperar o desfecho de uma luta dinástica conhecida como a
Revolta dos Magos. Quando Cambises ainda estava no Egito, no princípio de 522 a.C., consolidando a sua
conquista, eclodiu nas velhas províncias do império uma revolta sob o impulso dos Magos e liderada pelo
mago Gaumata, que se fazia passar por filho de Ciro. O próprio Cambises havia eliminado o seu irmão com
receio de que o mesmo aproveitasse a sua ausência para usurpar o trono. A revolta pode ter sido uma
revolução palacial ante um sistema de sucessão dinástica que não se apóia numa sólida estrutura familiar.
Mas, também, pode ter sido um movimento religioso de um séqüito sacerdotal preocupado com as
orientações da monarquia, com a sua política em relação às religiões e ao clero dos países conquistados e
com a crescente centralização do poder nas mãos dos reis. Este último aspecto preocupava não só os
magos como também setores da aristocracia meda, o que nos permite supor de que a revolta poderia ter
sido uma reação das províncias medas hostis à supremacia persa. É provável que todos estes motivos
tenham se somado para a eclosão da revolta.
A reação de Cambise foi interrompida pela sua morte quando regressava à Pérsia, morte ocorrida em
circunstâncias obscura. Rapidamente, os aristocratas persas escolhem um membro da família real dos
Aqueménidas como chefe, Dario. Este mobiliza o exército para uma rápida e enérgica resposta. Tal rapidez
era justificada pela proclamação feita pelos os seus adversários, que incluía a vontade de paz e a
interrupção do recrutamento de homens ou de taxas durante três anos, o que obviamente agradaria aos
povos do império. A execução de Gaumata, em fins de setembro de 522, foi seguida de uma campanha
relâmpago contra a Babilônia e de uma série ininterrupta de vitórias sobre as províncias insurretas,
marcadas por suplícios públicos de chefes revoltosos ou pela execução dos sátapras demasiados lentos em
escolher o partido da fidelidade. Já a partir de 520 a.C., o rei Dario I pode combater nos limites orientais do
império. Da Cirenaica ao Indo, da Etiópia ao mar Cáspio, da Grécia asiática ao Turquestão os exércitos
persas avançam a custa de um esforço extraordinário, Dario se encontra à frente de império mais vasto do
que o dos seus predecessores.
Após as expedições até a região do Danúbio, onde esteve a beira de uma derrota, Dario I regressa,
em 517 a.C., e dá início a uma restauração e reforma da administração imperial de que Ciro lançara os
fundamentos com a instituição dos sátapras. Este sistema de governo provinciais ou regionais confiados a
oficiais reais já tinha sido usado por assírios e mesopotâmicos. A Babilônia e a Assíria tinham visto neste
sistema um instrumento de centralização autoritária reforçada. O conteúdo do sistema satrápico dos persas
é precisamente o contrário: é uma delegação de poderes, é o reconhecimento das inevitáveis autonomias
locais num império multirracial, é a substituição da ordem superior pelo simples controle das iniciativas a
posteriori. Contudo, esse controle era exercido sem medir os meios e de forma severa.
De acordo com a época, houve de vinte a trinta satrapias no império. Cada uma delas agrupa, em
torno de um povo importante ou de uma região natural bem delimitada, toda uma série de elementos
menores, principados, cidades de antiga tradição, tribos ainda hostis etc. A frente da satrapia estava o
sátrapa investido de todos os poderes, com o seu palácio, a sua corte e a sua administração como um
verdadeiro vice-rei. Só tinha que prestar contas ao rei, em nome do qual governava, faz reinar a justiça e a
paz entre as comunidades, cobra taxas ou mobiliza os exércitos. Mas rodeados por outros persas cuja
lealdade pessoal ao rei pode vigiar a sua ação. Eram os mensageiros, ‘olhos e ouvidos do rei’. O sátrapa
ainda contava com os escribas, que juntos dirigiam o serviço de chancelaria, e também com outros oficiais
especialmente mandados para funções autônomas, comandos de guarnições ou de contingentes militares,
guardas do tesouro etc. Um mesmo sátrapa podia receber a autoridade sobre uma ou mais satrapias.
A unidade do império dependia da presença eficaz da administração e da defesa dos interesses
persas em todas as suas unidades administrativas. A energia do rei e a sua disponibilidade para se ocupar
dos assuntos eram condições das quais dependiam a unidade. A instituição de um correio real foi uma das
formas de agilizar a ação administrativa dos reis persas. O correio real ligava as satrapias às diversas
capitais onde o rei permanecia (Pasárgadas e Persépolis, no centro da nação persa, Ecbátana, na Média, e
Susa, no Elão). As vias de acesso do império foram melhoradas e a segurança reforçada para um pleno
funcionamento do correio real. Para os cofres do rei fluía grande quantidade de tesouros e tributos. Mais de
catorze mil talentos por ano, o que levou Dario I a instituir uma moeda com uma parte deste ouro,
permitindo uma circulação monetária que favoreceu tanto as atividades mercantis como o desenvolvimento
econômico de atividades produtivas. Ao rei também se recorria em última instância os súditos por justiça ou
para a reparação de alguma injustiça. A guerra passa a ser entendida como um meio de estabelecer a paz.
Mas durante dois séculos a paz é um benefício para os povos do império, gerando prosperidade. A
agricultura passa a ser uma preocupação constante dos reis persas desde Dario.
A qualidade da organização satrápica era em muito devido aos homens recrutados por Dario I para
exercerem a função de sátrapas. Recrutados entre a nobreza, os descendentes dos companheiros de Dario
que tinham fundado o império, os sátrapas eram homens hábeis e prudentes governadores. A flexibilidade
do sistema garante às regiões, principalmente as fronteiriças, uma defesa dirigida localmente e importantes
meios militares e financeiros. A partir de Xerxes (486-466 a.C.), manifesta-se certo reforço de centralização
autoritária ou durante o reinado de reis enérgicos, como Artaxexes III Okhos (359/358-338 a.C.), os sátrapas
estão em suas mãos e a unidade imperial se manifesta por toda a parte. Mas os reis envolvidos em intrigas
da corte e outros acontecimentos palacianos, como Xerxes no fim do seu reinado e Dario II (424-404 a.C.),
foram perfeitamente incapazes de agir eficazmente em toda a parte ao mesmo tempo. Conseguem salvar o
trono e manter a dinastia, mas abrem espaço para uma liberdade de ação demasiado grande aos mais
audaciosos e aos mais fortes dos seus sátrapas. Durante o século IV a.C., muitos deste sátrapas rejeitaram
ordens reais, cunharam moedas e tentaram um entendimento entre eles. O que o rei continuava a ter a seu
favor era a sua posição central em Susa e a desunião dos seus adversários.
A sorte do império se baseava também na sua prodigiosa riqueza oriunda dos tributos das satrapias.
O ouro era fundido e guardado nas reservas de Susa. Em tese, configurava-se um entesouramento estéril
para a prosperidade da vida econômica. Mas se o rei tivesse necessidade de intervir no mundo, fosse de
que modo fosse, dispunha de meios sem comparação possível com os de seus eventuais inimigos.
Normalmente, construía palácios, sustentava artistas, estimulava o progresso das ciências ou das técnicas.
Logo que as coisas da política se complicavam, recorria as incomensuráveis riquezas para recrutar
mercenários, comandar navios, comprar colaborações ou cumplicidades de toda ordem e em toda parte.
Estas ações explicam a decomposição que tiveram todas as rebeliões ou todos os movimentos de
independência.
Os êxitos de uma política fundada na corrupção nem os ímpetos de energia militar foram capazes de
fazer frente a um processo de decadência irremediável do império. A cada mudança de reinado, o trono era
abalado pelas pretensões de possíveis sucessores. Em 424 a.C., Dario II Okhos só assegurou a sua
realeza depois de assassinar dois de seus irmãos. Artaxexes II, em 358 a.C., promoveu um verdadeiro
banho de sangue para garantir a sua sucessão. O implacável Artaxexes III Okhos (359-339 a.C.) liquidou
toda a família real, cerca de cento cinqüenta meios-irmãos. A cada revolta reprimida, os laços que unem as
partes do império desatam-se um pouco. As submissões se tornavam pouco a pouco formais e por diversas
vezes tiveram que retomar os pagamentos dos tributos. Em meados do século IV a.C., já se contava as
dúzias às satrapias em que as autonomias locais tornaram-se verdadeiras monarquias. A expansão
macedônica simplesmente colocou um ponto final num império que de fato já não mais existia.
Como já vimos acima, a religião primitiva dos medos e persas refletia uma impotência do homem na
luta com a natureza, baseando-se, portanto, na adoração de muitos deuses representativos das forças da
natureza. As tribos adoravam animais sagrados, como o cão e o boi, representando uma sobrevivência do
totemismo e instituindo rituais de adoração e de sacrifícios às forças da natureza, ligadas a agricultura: ao
sol, à lua, a terra, à água, e aos ventos. O deus da religião, Mithra, aparecia aos fiéis como o Sol-Rei, o Sol
Invencível, a quem os homens deviam à fecundidade e os benefícios da natureza e o combate aos flagelos
proporcionados pelos demônios que habitavam o mundo das trevas. O débito dos homens para com o deus
era cobrado por uma lisura moral em vida e na crença de que os seus atos seriam objetos de julgamento
após a morte. O pessimismo, o fatalismo, a resignação perante o sofrimento e a infelicidade dos homens, o
gozo dos bens materiais, quando houvesse essa possibilidade, sem a preocupação de acorda cruel e
imprevisível , tinham sido atitudes amplamente disseminadas entre os persas pela religião primitiva e pelo
seu clero, os magos.
Na última metade do século VII e na primeira parte do século VI a.C., um reformador religioso irá
procurar expurgar da religião primitiva dos persas à superstição e a mesquinharia e erguê-la a um plano
ético mais elevado. Este reformador, de nome Zaratustra (Zoroastro, em grego), estabeleceu uma doutrina
que é quase um monoteísmo puro, baseado na existência e adoração de um deus, Ahura-Mazda, ou
Ormusd. Era um deus de retidão e verdade, incomparavelmente grande e poderoso, imaterial, que revelou
os seus preceitos a seu profeta Zoroastro. A ele, desde a criação do mundo, se opunha um espírito do mau,
Angra-Maimyu, ou Arimã, que representava a mentira, isto é, a negação da verdade. O mundo dos homens
era concebido como um gigantesco campo de confronto, em que lutavam as forças do mal e do bem. Cada
homem devia escolher o lado de uma dessas forças em guerra a que serviria. Podia, portanto, servir a
Arimã, que naturalmente o tentaria a fazê-lo. Mas caso preferisse optar pelo deus do bem, Ahura-Mazda,
devia em si mesmo e fora de si tomar papel ativo como soldado da causa do bem, sem mostrar
complacência ou piedade com os do outro lado. A este engajamento ao lado do bem, o juízo final
recompensará os bons e castigará os maus. Neste sentido, a religião era uma moral da participação. O
assíduo cuidado da terra e das culturas, o respeito pela vida e a proteção dos animais úteis, a benevolência,
a justiça, a lisura nas relações humanas são meios de fazer avançar o triunfo do bem.
Zoroastro pretendia que a sua religião fosse monoteísta. Pois considerava Ahura-Mazda um poder
supremo, que permitia aos homens a opção da escolha entre o bem e o mal, mas que puniria os que
fizessem esta última escolha. Contudo, seus discípulos modificaram esse monoteísmo, ao elevarem o
espírito do mal, Arimã, a condição de deus. Mais tarde, quando o zoroastrismo mazdeísmo se torna religião
oficial da dinastia aquemênida, Ahura-Mazda é elevado à categoria de ‘maior dos deuses’ e é admitido que
‘outros deuses existem’. Esta formula abrange, certamente, deuses estrangeiros, o que explica a tolerância
manifestada dos persas para com as outras religiões dos povos subjugados e, sem dúvida, também os
deuses iranianos. Mais tarde, em meados do século V a.C., Mithra e Anahita - esta uma deusa semítica da
fertilidade - serão designados como ajudantes de Ahura-Mazda. De qualquer maneira, este permanece
como deus supremo, o deus real por excelência.
A religião popular conserva Ahura-Mazda no lugar supremo, mas o cerca de uma multidão de
divindades que personificam as forças naturais e os elementos da natureza, restaurando em toda a sua
plenitude a dualidade primitiva da religião dos persas, principalmente o culto à Mithra. Isto vai conceder um
importante lugar ás práticas rituais realizadas ou, pelo menos, dirigidas pelos magos, que Zoroastro
estigmatizou com violência. Conjuntamente, uma série de costumes é consolidada em relação aos mortos:
cadáveres revestidos em cera ou oferecidos aos abutres em recintos reservados, para não manchar a terra
nem o fogo.
Desta religião popular, origina-se o mithraísmo que se espalhou pela Ásia Ocidental, chegando até o
império romano. O culto de Mithra começou a ser generalizado no século I d.C. pelo Império Romano,
chegando até influenciar Nero, imperador romano, que teria sido iniciado nos mistérios do deus e pretendeu,
a partir de 64 d.C., identificar com o Sol-Rei. Mas o mithraísmo contribuiu também para preparar as vias do
cristianismo, não só por espalhar o monoteísmo, até então uma doutrina essencialmente filosófica não
compartilhada pelo povo, mas também por popularizar a demonologia oriental, opondo ao princípio do bem,
representado por Mithra, os poderes do mal em luta contra ele.
Zoroastro acreditava na imortalidade. Para ele, o deus do mal estava fadado a ser derrotado no final,
embora ele ignorasse o desfecho. Esse final viria no dia do último grande julgamento, quando os mortos
retornariam à vida. Neste intervalo, as almas dos mortos sobreviveriam em outro mundo, no qual
receberiam o tratamento adequado com as suas ações praticadas em sua vida na terra. Três dias após a
morte, cada alma era levada a uma grande ponte que atravessava as profundezas do inferno. Se o bem
praticado pelo homem superasse o mal realizado na terra, sua alma atravessaria a ponte para um mundo
celeste de felicidade. Mas caso o mal prevalecesse, a ponte se estreitaria e sua alma seria precipitada nas
profundezas do inferno. Contudo, estas almas não permaneceriam no inferno para sempre. Mais tarde, no
dia do ajuste final, o mal seria purificado em metal derretido, que para o bem é tão agradável como leite
quente. Assim, o próprio inferno seria purificado.
As religiões dos persas deviam muito as dos povos vizinhos. O culto de Mithra, por exemplo, tinha
alguns elementos indo-europeus e muitos das religiões semíticas. Contudo, o zoroastrimos ou mazdeísmo
tinha muito em originalidade e pôde se colocar como uma das maiores religiões do Antigo Oriente. É a
primeira a divulgar numa escala mais universal o monoteísmo, uma moral participativa, a tolerância, a
sujeição das ações humanas tanto em relação a si como em relação ao seu mundo externo e fazer uma
crítica ao ritualismo das religiões antigas. É nestes aspectos que mazdeísmo se antecipa a propagação do
cristianismo, preparando terreno para ele. Enquanto o mitharísmo, com uma propagação mais longa no
tempo e espaço, preparou as mentes das camadas populares da Antigüidade para a compreensão do
monoteísmo e da moral e ética do cristianismo.
História das Civilizações Antigas do Extremo Oriente
Por Luís Manuel Domingues
China Antiga
A palavra China vem de Zhōngguó ou Chung-kuo, significando país do meio (Zhōngguó: "país" [guó]
"do meio" [zhōng], Chung-kuo: "país" [chung] "do meio" [kuo]). A China foi uma das mais antigas unidades
histórica do Extremo Oriente. Originalmente, até a Dinastia Zhou, a China compreendia a região no entorno
do Rio Amarelo. Desde então, na Antigüidade, os impérios da China se expandiram para o ocidente e para o
sul, chegando até a Indochina, atingindo proporções máximas nas dinastias Zhou, Qin e Han.
O epicentro da civilização chinesa na Antigüidade foi à planície aluvial cortada pelo Rio Amarelo
(Huang He), Nordeste da atual China. O rio é o segundo mais longo da China, medindo 5.464 km e com
uma bacia de 752.000 km². A sua importância advêm do vale com terras férteis, bons pastos e importantes
jazidas minerais.
A importância do rio já aparece na Pré-História da China, quando os primeiros chineses migraram do
sul, do vale do Rio Mekong, para o norte, estabelecendo-se nas terras férteis próximas ao Rio Amarelo
compostas por um loesse trazido e depositado por milênios pelas águas dos planaltos da China Central e
pelos ventos vindo dos desertos a oeste. Nestas terras, os antigos chineses cultivaram painço, hortaliças e
frutas nativas, sobretudo ao longo do alto e do médio curso do rio. No setor baixo do Rio Amarelo, cultivava-
se arroz. No III milênio a. C., o excedente de produção favoreceu o estabelecimento de vilarejos
permanentes, como Baknpo e Erlitou, e no curso do milênio já havia um contínuo de povoados e vilas ao
longo do rio.
A Pré-História da China - Os arqueólogos encontraram na China, perto de Pequim, restos do Homo
erectus (Sinanthropus pekinensis), datado de 460 mil anos. Desta data e até oito mil anos,os vestígios
arqueológicos da presença dos antepassados do homem são raros. Os indícios só são mais freqüentes a
partir de 6000 a. C., quando a atividade agrícola de milhete, datados pelo C 14, foram associados à cultura
Peiligang, no rio Yiluo Henan. A partir do V milênio a. C., já existe provas fidedignas e com certa abundância
da existência de outras culturas, cultivando painço, trigo e arroz, produzindo cerâmica e domesticação de
animais, como a cultura de Yangshao (4800 a 2000 a. C.), na parte central do Rio Amarelo, e a de Long-
Shan (3000 a 2000 a. C.), estabelecida na parte central e inferior do Rio Amarelo, na qual o
desenvolvimento da olaria se destacou. No geral, a agricultura resultou em aumento populacional e na
capacidade de estocar e redistribuir colheitas, de manter artesãos e administradores especializados. No
final do Neolítico, o vale do rio Amarelo começou a se tornar um centro cultural, com a fundação dos
primeiros vilarejos.
Os "Registros Históricos", obra de autoria de Sima Qian, um historiógrafo do século II a.C., relatam à
existência dos chamados Cinco Imperadores. Soberanos que foram sábios e exemplos morais semi-
mitológicos e um deles, o Imperador Amarelo, é considerado o ancestral do povo chinês. Segundo Sima
Qian, a hereditariedade do poder político foi estabelecida no período histórico seguinte, chamado de
Dinastia Xia, modelo perpetuado pelas Dinastias Shang e Zhou, já na era histórica.
Dinastia Xia (2070 a.C. a 1600 a.C.) - A Dinastia Xia foi a primeira a ser descrita e confirmada pela
historiografia tradicional chinesa, listando para ela o nome de 17 reis por 14 gerações, durante 471 anos.
Segundo esses historiadores, a dinastia foi precedida pelos lendários Três Augustos e os Cinco
Imperadores, e sucedida pela Dinastia Shang. As escavações arqueológicas, na província de Henan,
dataram os vestígios como sendo da Era do Bronze e pertencentes à Cultura Erlitou, tornando-se difícil
separar o que é mito e o que é história a respeito dos Xia. Os arqueólogos descobriram, ainda, vestígios de
áreas urbanas, objetos trabalhados em bronze e tumbas que apontam para a possível existência dos Xia
em localidades citadas em antigos documentos históricos chineses. Os arqueólogos chineses identificam a
cultura Erlitou como correspondente a Dinastia Xia, enquanto os ocidentais não estão convictos da conexão
entre as duas.
O período creditado como Xia marcou um estágio de evolução técnica entre culturas do neolítico
tardio e o início da civilização urbana chinesa da Dinastia Shang. A tecnologia agrícola, a criação de
cavalos, a produção de vinho e avanços no transporte foram aprimorados significativamente no período. No
período parece ter ocorrido, ainda, uma sistematização da monarquia hereditária, transmitida supostamente
desde à época do lendário Imperador Amarelo, iniciando um período de controles políticos baseados em
clãs e famílias aristocráticas. Desenvolveu-se, também, um sistema de governo que empregava tanto um
governador civil quanto o uso de punições duras para qualquer transgressão, configurando-se nos
primórdios o código legal chinês. Acredita-se, ainda, que a provável Dinastia Xia teria controlado um
território que se estendia ao leste até as províncias de Henan, Shandong e Hebei, a oeste até Henan e
Shanxi, ao sul até Hubei e ao norte até Hebei.
Dinastia Shang (1600-1100 a. C.) - Para os historiadores, a Dinastia Shang foi à primeira dinastia da
antiguidade chinesa confirmada por documentos arqueológicos. Ela teria existido entre o século XVI e o
século XI a. C., durando cerca de 600 anos, no Vale Huang He. Nos primeiros tempos, a capital do reino foi
transferida várias vezes, ficando, finalmente, sediada em Yin, na região Ying (atual Anyang, província de
Henan). Os objetos encontrados nas escavações das ruínas da sua capital, em 1928, comprovam que no
início da Dinastia Shang a civilização da China já se desenvolveu a um alto nível. Nas ruínas foram
encontrados inscrições em ossos, bronzes e outras preciosidades. As incrições são chamadas de jiaguwen,
feitas em casca e ossos de tartaruga, e tinham a função de fazer previsões para o imperador. O método
consistia em, primeiramente, limpar e polir a casca da tartaruga ou os ossos, depois fazer caracteres nela e,
por fim, queimá-las. Posteriormente, os sacerdotes previam acontecimentos segundo a mudança de sinais
depois de queimadura. O jiaguwen que tinha um resultado previsto correspondido passavam a constituir um
registros históricos arquivado.
Igual ao jiaguwen, os objetos de bronze são relíquias representativas da Dinastia Shang. A tecnologia
da fundição de bronze já se encontrava muito avançada. Foram desenterrados milhares de bronzes nas
ruínas da capital, entre eles um trípode que pesa 875 quilos com 110 cm de altura e 78 de largura, sendo
um dos bronzes mais representativos da antiguidade chinesa. Os estudos dos objetos comprovam que na
Dinastia Shang já havia se formado o Estado e já existia concepções de propriedade privada. A sociedade
era dividida em duas ordens (a nobreza e o povo) e governada por um rei-sacerdote, a partir de uma cidade,
formando com a família a Realeza Palaciana, famosa pelas finas esculturas em jade, trabalhos em cobre e
tecidos de seda. No período se desenvolveu as carruagens de guerra puxadas por cavalos, que eram
enterrados com os seus donos. O sistema de escrita (jiaguwen) tinha mais de 3.000 simbolos. Na religião
cultuavam os ancestrais num panteão de deuses e chegaram a praticar sacrifícios humanos, queimando
serviçais vivos nas tumbas de seus mestres.
Dinastia Zhou (1100 A 221 a. C.) - A Dinastia Zhou teve início com a queda da Dinastia Shang, final
do século XII a.C., e terminou com a ascensão da Dinastia Qin, em 256 a.C. Foi à dinastia com maior
duração em toda a história chinesa, correspondendo a Idade do Ferro na China. Essa dinastia, segundo
tradição historiográfica chinesa, começou quando os líderes de Zhou dissiparam os Shang e legitimaram
seu domínio invocando o Mandato do Céu. A prerrogativa estabelecia que os Zhou assumiam ascendência
divina sobre a dos Shang. A doutrina explicava e justificava o fim das dinastias Xia e Shang, fornecendo
suporte à legitimidade dos governantes atuais e futuros, que através da conquista e colonização
estenderam a sua cultura e a dos Shang por boa parte do norte do Rio Yangtze, firmando a capital na
cidade de Hao (próxima a atual Xi'an).
O período Zhou é usualmente descrito como similar ao feudal, pois a descentralizado sistema dos
Zhou permitiu comparações com o sistema europeu. Entretanto, há uma crítica ao uso do termo feudal;
usado para um contexto especificamente europeu, e a proposta de uso um termo mais apropriado para
classificar o sistema Zhou: o Fengjian. Na realidade, existia um conjunto de cidades-estado que a Dinastia
Zhou subordinou a um poder centralizado, estabelecendo políticas impessoais e instituições econômicas
que permitiam um controle central sobre os governos locais e uma taxação agrária rotineira. A partir de 771
a. C., as disputas dinásticas e a rebelião de alguns Estados em aliança com povos nômades do norte
expulsaram os soberanos de sua capital, abalando à centralização política. Posteriormente, os Zhou
fundaram uma nova capital, mais ao leste, em Luoyang, dando origem ao que os historiadores chamam de
Zhou Oriental em oposição ao período anterior (o Zhou Ocidental, do século XI até 771 a. C.). O novo
período da Dinastia Zhou teria durado de 770 até 221 e conheceria duas fases distintas: Período das
Primaveras e Outonos (770 e 476 a. C.), o título de uma famosa crônica histórica de sua época; e aquele
denominado de Período dos Reinos Combatentes (476 a 221 a. C.).
Entre 770 e 476 a. C., a Dinastia Zhou conheceu uma razoável estabilidade decorrente da
organização de alianças entre os poderosos estados periféricos, sob a hegemonia do membro mais forte. Já
os estados situados nas fronteiras exteriores da área cultural chinesa se expandiram à custa de seus
vizinhos não chineses. Neste período, a agricultura era bastante intensiva e em muitos casos controlada
pelo próprio governo. Todas as terras cultivadas eram controladas pelos nobres, que as "emprestavam" para
seus servos. A terra era dividida em nove partes na forma de uma "roda de água", jing, com os grãos da
parte do meio ficando com o governo, e os das partes ao redor, ficando com os fazendeiros. Deste modo, o
governo podia armazenar comida e distribuí-la em tempos de colheita ruim. Alguns importantes setores
fabris do período incluíam a produção de bronze, que era utilizado integralmente na produção de armas e
ferramentas agrícolas. Novamente, estas indústrias eram controladas pela nobreza, que dirigia a produção
destes materiais.
Com o rompimento da linhagem real, o poder da corte de Zhou gradualmente diminuiu, e a
fragmentação do reino se acelerou. A partir de Ping Wang, os reis de Zhou reinavam apenas
simbolicamente, e os nobres nem mesmo consideravam a família Ji como simbolicamente lideres, chegando
a se declararem reis. Em 221 a. C., a dinastia foi desmantelada e a China unificada por Qin Shi Huang Di,
do reino de Qin.
Dinastia Quin (1100 A 221 a. C.) - A instabilidade e insegurança política do Período dos Reinos
Combatentes estimularam na China a produção de fórmulas filosóficas para a estruturação do Estado e da
sociedade. A mais antiga era a de Confúcio (551 - 479 a. C), fundada em normas de conduta, como um
esforço constante para cultivar a própria pessoa e estabelecer assim a harmonia no corpo social. O taoísmo
foi outra vertente, enfatizando a espontaneidade ou liberdade ante a manipulação sócio-cultural das
instituições, linguagem e práticas culturais.Já o legalismo pregava o estabelecimento de uma ordem social
baseada em leis estritas e impessoais, com o estabelecimento de um Estado no qual o soberano tivesse
autoridade incontestável. Esta doutrina será aplicada, no século IV a. C., no reino de Qin, um dos estados
periféricos emergentes do noroeste que fez no sei interior um programa de reformas de caráter legalistas.
Quando o poder dos Zhou entrou em colapso em 256 a.C., o rei de Qin (Qin Shi Huang) unificou os
estados chineses em um império administrativamente centralizado e culturalmente unificado. Aboliram-se as
aristocracias hereditárias e seus territórios foram divididos em províncias governadas por burocratas
nomeados pelo imperador. A capital de Qin se transformou na primeira sede da China imperial. O primeiro
imperador estendeu as fronteiras exteriores e construiu a Grande Muralha para proteger as suas fronteira.
O peso crescente dos impostos, o serviço militar e os trabalhos forçados criaram profundo
ressentimento contra a dinastia Qin entre as classes populares, enquanto as classes intelectuais estavam
ofendidas pela política governamental de controle do pensamento. Após uma luta pelo poder que mutilou a
administração central, o povo levantou-se em rebelião, abrindo espaço para que Liu Bang se
autoproclamasse imperador em 206 a.C., iniciando o período de domínio da Dinastia Han (206 a.C. a 9
d.C.), estabelecendo o seu governo sobre a base unificada dos Qin, mas com modificações na política que
havia provocado à derrocada.
Os Han, adeptos do confucionismo, estenderam a sua autoridade do sul da Manchúria ao norte da
Coréia; no oeste, penetraram no atual território do Cazaquistão; no sul, a ilha de Hainan passou ao controle
Han e colônias foram fundadas no delta do Chihchiang, em Anam e na Coréia. A política expansionista
consumiu os excedentes econômicos e os impostos foram aumentados, reaparecendo os monopólios
estatais. As dissensões e a incompetência debilitaram o governo imperial e as sublevações no campo
refletiram o descontentamento popular. Ao mesmo tempo, instalava-se um período de anarquia política,
ocorrendo até a tentativa de restauração da dinastia Qin (9-23 d.C.), que se voltou para a reestatização das
terras e a redistribuíram entre os agricultores, abolindo a servidão e reforçando os monopólios imperais
sobre o sal, o ferro e a moeda. A forte resistência das poderosas classes proprietárias de terra obrigou a
revogação da legislação sobre a terra. A crise agrária se intensificou e a situação se deteriorou, levando a
eclosão de uma rebelião camponesa e as grandes famílias proprietárias de terra a se unirem, reinstalando a
dinastia Han.
A restauração dos Han deu origem a Dinastia Han do Leste. Contudo, a debilidade administrativa e a
ineficácia dominaram a última dinastia Han ou oriental (25-220), dando origem, ao longo dos anos, aos
conflitos entre os eunucos e os burocratas. Os conflitos aceleraram a desagregação da dinastia Han e ela
entrou em colapso quando as grandes famílias latifundiárias criando seus próprios exércitos, dando origem
ao Período dos Três Reinos: reino Wei (220-265), nas províncias do norte; reino Shu (221-263), no
sudoeste; e reino Wu (222-280), no sudeste. Os três reinos sustentaram incessantes guerras entre si. Em
263 Shu foi conquistada por Wei. Já em 264, Sima Yan usurpou o trono em Wei e dominou Wu, em 280,
dando origem a Dinastia dos Jin no norte. A reunificação deu origem a Dinastia Jin do Oeste (265 a 316).
Após a morte de Sima, em 290, o Império começou a ruir, encurtando a Dinastia Jin do Oeste, que se
retiraria para o sul, dando origem a Dinastia Jin do Leste (317 a 420), enquanto o resto país seria fragmento
nos Dezesseis Reinos, um conjunto numeroso de pequenos estados soberanos no território da China e nas
fronteiras, pelo menos até 420, quando começaria a restauração da unidade pelas Dinastias do Norte e do
Sul.
A Índia Antiga
Durante a era mesolítica, a 30000 mil anos, chegou ao subcontinente indiano (Índia, Paquistão,
Bangladesh, Sri Lanka, Nepal e Butão) uma onda migratória composta de caçadores e coletores de
alimentos, procedentes ou da África ou da Eurásia, juntando-se a outros povos que vinham ocupando,
desde o paleolítico, a região. Por volta de 6000 a. C., esses povos estavam transitando do nomadismo para
o sedentarismo, a partir da criação de animais e do cultivo da terra, utilizando-se de terraços artificiais e
obras de irrigação. Séculos mais tarde, por volta de 3220 a. C., a agricultura e a irrigação no Vale do Indo se
intensificaram, proporcionando recursos suficientes para sustentar grandes centros urbanos, como Harappa
e Mohenjo-daro, que surgiram por volta de 2500 a.C., marcando o início da civilização harappa ou do Vale
do Indo.
A Civilização Harappa - A primeira sociedade urbana na Índia, a civilização do Vale do Indo ou
harappa (2500 e 1900 a. C.), concentrou-se no entorno do rio Indo e seus tributários, estendendo-se ao
doab Ganges-Yamuna, ao Guzarate e ao norte do Afeganistão. As suas cidades eram cercadas por
espessas muralhas, dispondo de imponentes cidadelas, evidenciando o zelo pela segurança, e
entrecortadas por largas artérias que distribuíam os bairros como num tabuleiro de damas. As construções
utilizavam tijolos cosidos na infra-estrutura e na alvenaria das casas, que dispunham de vários andares,
poços e instalações sanitárias domésticas, e tijolo seco ao sol para os alicerces. Um sistema de águas
pluviais abastecia as cidades e um outro sistema drenava as águas sujas e detritos para um esgoto coletor
e poços de decantação. Nos bairros públicos se encontravam imponentes celeiros, servindo como um
armazém geral e banco da cidade onde as trocas eram realizadas e as medidas de cereais funcionavam
como moeda de troca. No geral, era um planejamento urbano singular à época, dominava e dirigia que
cobriam uma extensa área geográfica, formando talvez um ou Estados coerente e articulados, como sugere
a uniformidade dos sistemas de medida. As ruínas de Mohenjo-daro indicam ter sido o centro da sociedade.
Os assentamentos da civilização se disseminaram até a moderna Bombaim, ao sul, Délhi, a leste, a
fronteira iraniana, a oeste, e aos limites do Himalaia, a norte. Os principais centros urbanos, além de
Harappa e Mohenjo-daro, eram Dholavira, Ganweriwala, Lothal, Kalibanga e Rakhigarhi.
No seu apogeu, segundo os arqueólogos, a civilização harappa talvez contivesse uma população de
mais de cinco milhões de habitantes. Cerca de 2500 antigas cidades e assentamentos identificados, entre o
leste do rio Indo e o Paquistão, parecem comprovar essa hipótese. Nessa civilização se conhecia o uso do
cobre e do bronze, praticava-se uma olaria com fornos, pastoreavam-se rebanhos e nas terras se cultiva
trigo, cevada, gergelim, pepinos e tâmaras. As cidades eram divididas em duas partes: a parte alta, onde
ficava a cidadela, o bairro público e administração da cidade, e a cidade baixa, a mais ampla, com diversos
bairros populares cobertos de residências, pequenas oficinas e lojas de comércio. Provavelmente,
perturbações geológicas, mudanças climáticas, um desmatamento gradual e invasões tribais teriam
contribuído para a desagregação da civilização. Em meados do II milênio a.C., a região da bacia do rio Indo,
onde estão cerca de dois terços dos sítios conhecidos, secou e se tornou árida , levando a população a
abandonar os assentamentos.
A Civilização Védica - A civilização védica está associada ao povo que teria composto os Vedas (os
quatro primeiros livros religiosos do Hinduísmo, escritos em sânscrito, por volta de 1500 a. C.) no
subcontinente indiano e estaria localizada no atual Panjabe, entre Índia e Paquistão, e na maior parte da
Índia setentrional. A relação exata entre a gênese desta civilização e a cultura do Vale do Indo, por um lado,
e uma relação com a chegada de povos indo-europeus, por outro lado, é objeto de controvérsia entre os
estudiosos ante a escassez de documentos que comprovem tal emigração. Contudo, não se descarta a
ocorrência de deslocamento e presença de costumes dos árias (arianos) no norte da Índia. De qualquer
forma, os estudos entendem que civilização védica floresceu entre os II e I milênio a.C., usando-se o
sânscrito védico, resultado do brahmi (século IX a. C.) e do kharoshti (século VI a. C.), até o século VI a.C.,
quando a cultura começou a se transformar nas formas clássicas do hinduísmo.
Na primeira fase da civilização védica (1550 a 700 a. C.) se pode comprovar a formação de diversos
reinos da Índia antiga; em sua fase tardia (após 700 a.C.), surgiram os Mahajanapadas, dezesseis grandes
reinos no norte e no noroeste da Índia, seguindo-se a época de apogeu do hinduísmo, durante o Império
Maurya (a partir de cerca de 320 a.C.) e os reinos médios da Índia (a partir do século II a.C.), e da literatura
em sânscrito clássico. Os principais textos do hinduísmo do período são os Vedas, os grandes épicos
indianos (Ramáiana e Maabárata), inclusive as famosas estórias de Rama e Krishna, teriam sua origem
nesse período, a partir de uma tradição oral. O Bhagavad Gita, outro bem-conhecido texto primário do
hinduísmo, está contido no Maabárata. Dataria, ainda, desta época a organização da sociedade indiana em
quatro varnas (castas).
A organização da sociedade indiana em varnas reflete uma rígida hierarquia e estratificação social
legitimada numa tradição guerreira e politeísta, que tem como principal suporte ideológico de legitimação o
livros dos Vedas. Segundo a tradição, as varnas foram constituídas a partir da estrutura do corpo de Brahma
(a representação da força criadora ativa no universo). A boca de Brahma (Brahmin) representaria os
sacerdotes, filósofos e professores; os braços (Kshatriya), os militares e os governantes; o estômago
(Vaishya), os comerciantes e os agricultores;os pés (Shudra), são os artesãos, os operários e os
camponeses. Fora do sistema de varnas também existia os Adivasis (povos tribais) e os Mlechhas
(estrangeiros).
Posteriormente, apareceu um outro segmento, intitulado de a "poeira sob os pés" não pertence às
castas, mas que foram denominados como Dalit ou párias, os chamados intocáveis. São constituídos por
aqueles (e seus descendentes) que violaram os códigos das castas a que inicialmente pertencia. São
considerados impuros e, por isso, ninguém ousa tocar-lhes. Fazem os trabalhos considerados mais
desprezíveis: recolhimento de lixo, coveiros, talhantes etc. Na seqüência das invasões islâmicas e mongóis
da Índia, milhões de párias se converteram ao islamismo, uma religião que não os segregavam.
Os 16 Mahajanapadas da Idade do Ferro - A partir do ano 1000 a. C., diversos pequenos reinos e
cidades-Estado, similares cidades-Estado da Grécia Antiga, cobriram o subcontinente, muitos mencionados
na literatura védica. Por volta de 500 a. C., dezesseis monarquias e/o repúblicas, conhecidas como
Mahajanapadas, estendiam-se através das planícies indo-gangéticas, desde o atual Afeganistão até
Bangladesh. Entre elas, as maiores eram Magadha, Kosala, Kuru e Gandhara. A língua culta do período era
o sânscrito, enquanto que os dialetos da população em geral do norte da Índia eram conhecidos como
prácritos.
Os rituais hindus da época eram complexos e conduzidos pela classe sacerdotal. Os Upanixades,
textos védicos tardios que lidavam principalmente com filosofia, teriam sido compostos no início do período
e seriam contemporâneos ao desenvolvimento do budismo e do jainismo, o que indicaria um período de
maturidade filosófica. Em 537 a.C., Gautama Buda atingiu a iluminação e fundou o budismo, inicialmente
visto como um complemento ao darma védico. No mesmo período, em meados do século VI a.C., Mahavira
fundou o jainismo. Ambas as religiões tinham uma doutrina simples e eram pregadas em prácrito, ajudando
a disseminá-las entre a população. Embora o impacto geográfico do jainismo tenha sido limitado, freiras e
monges budistas levaram os ensinamentos de Buda à Ásia Central e Oriental, Tibete, Sri Lanka e Sudeste
asiático. Por fim, O período marcou, também, o início da Idade do Ferro na Índia e foi encerrado com as
invasões persa e grega e a ascensão subseqüente de um único império indiano a partir do reino de
Magadha.
O Interlúdio Persa e Grego - Por volta do século V a. C., o norte do subcontinente indiano foi
invadido pelos Persas e, no final do século IV a.C., pelos exércitos de Alexandre, o Grande. Estes eventos
repercutiram fortemente na civilização indiana, pois os sistemas políticos dos persas viriam a influenciar a
filosofia política indiana, inclusive a administração da dinastia maurya, e formou-se um cadinho das culturas
indiana, persa, centro-asiática e grega no que é hoje o Afeganistão, produzindo uma singular cultura híbrida.
Uma constatação disto está no noroeste do subcontinente indiano, a partir de 520 a. C., que foi governada
pelos persas até a sua conquista por Alexandre, o Grande. O controle da região durou 186 anos, usando-se
escrita aramaica para a língua persa. Com a conquista macedônica, a escrita grega passou a ser mais
comum e a região ganhou guarnições para as tropas macedônicas nos novos territórios e diversas cidades
fundadas por Alexandre nas regiões do Oxus, Aracósia e Báctria, bem como assentamentos macedônicos
em Gandhara e no Panjabe. As regiões incluíam o Passo Khyber (ao sul do Himalaia e do Hindu Kuch) e um
outro passo que ligavam Drangiana, Aracósia e outros reinos persas e centro-asiáticos à planície do Indo.
Foi através daquelas áreas que a maior parte da interação entre o sul da Ásia e a Ásia Central ocorreu, com
trocas comerciais e culturais.
O Império Maurya - Em 321 a. C., o general Chandragupta Maurya fundou a dinastia maurya após
derrubar o Rei Dhana Nanda de Magadha. Com o tempo, a dinastia reunir sob seu governo, pela primeira
vez na história da Índia, a maior parte do subcontinente, formando o chamado Império Maurya, após se
aproveitar da desestabilização da Índia setentrional devida às invasões persa e grega. A expansão do
império chegou até as fronteiras da Pérsia e Ásia Central. Posteriormente, seus sucessores, principalmente,
Bindusara, seu filho, o expandiram por quase todo atual território da Índia. As conquistas só foram cessadas
por Açoca, o Grande, após embates violento e adoção do budismo, adotando deste ponto em diante uma
política de não-violência.
Em 185 a. C., foi estabelecida uma nova dinastia que daria origem ao Império Sunga. Contudo, este
império só chegou a controlar o nordeste da Índia e até 73 a. C., seguindo-se um período chamado de
Reinos Médios que correspondem a um conjunto de entidades políticas existentes a partir do declínio do
Império Maurya. Esse período foi caracterizado por ondas de invasões provenientes da Pérsia e da Ásia
Central, começou com a expansão do budismo a partir da Índia e terminou com as conquistas islâmicas.
Com a desintegração do Império Maurya, no século II a.C., o sul da Ásia se tornou uma colcha de
retalhos de potências regionais com fronteiras sobrepostas. O Vale do Indo e as planícies gangéticas
atraíram várias invasões entre 200 a.C. e 300 d.C. Tanto os andaras quanto, posteriormente, o Império
Gupta tentou conter as invasões sucessivas, terminando, ambos, por entrar em colapso devido às pressões
exercidas pelas guerras. No curso dos acontecimentos, o budismo floresceu tanto sob o governo dos
invasores, que adotaram a religião, quanto sob os andaras e os guptas, passando a representar uma ponte
cultural entre as duas culturas que levou os invasores a se tornarem "indianizados". O período foi marcado
por feitos intelectuais e artísticos inspirados pela difusão e pelo sincretismo cultural ocorridos em novos
reinos localizados na Rota da Seda.
Império Gupta - Antes da formação do Império Gupta, dois outros impérios existiram na Índia. O
primeiro foi o Kuchano, no noroeste da Índia, fundados por tocários provenientes da China. O segundo foi o
Império Andaras, formado por vassalos do Império Maurya, dominando o centro e o sul da Índia, e que
enfrentaram os invasores do noroeste. Contudo, a unificação só foi conseguida pela dinastia gupta, mesmo
assim restrita a Índia setentrional. O império perdurou pelo século IV e V, entrado em colapso no século VI,
ante as invasões dos hunos brancos, que segundo muitos historiadores encerraram o período histórico da
Índia Antiga.
Durante o Império Grupta, a cultura, a política e a administração hindus atingiram patamares sem
precedentes. Acredita-se que os puranas védicos foram redigidos naquela época; deve-se ao Império a
invenção dos conceitos de zero e infinito e os símbolos que dariam origem aos algarismos arábicos (1-9). O
império chegou ao fim com o ataque dos hunos brancos provenientes da Ásia Central. Uma linhagem menor
do clã gupta, que continuou a reinar em Magadha após a desintegração do império, foi finalmente
destronada pelo Harshavardhana, que reunificou o norte do subcontinente na primeira metade do século VII.

Japão Antigo
Ao longo da costa leste da Ásia se estende o arquipélago do Japão. As suas principais ilhas, de norte
para o sul, são: Hokkaido, Honshu, Shikoku e Kyushu. Cerca de três mil outras ilhas se estendem do
sudoeste de Kyushu até perto de Taiwan. O relevo do país é montanhoso, cerca de 75%, com uma
cordilheira no centro das ilhas principais, favorecendo a ocupação das pequenas planícies costeiras. A
montanha mais alta do Japão é o monte Fuji com 3.776 metros de altitude e seu ponto mais baixo fica no
lago Hachirogata, quatro metros abaixo do nível do mar. O arquipélago está localizado no Círculo de fogo do
Pacífico, com cerca de 80 vulcões ativos no país e os sismos são muito comuns. Já os rios japoneses são
curtos e de águas ligeiras. Atingem o mar pouco depois de sua nascente nas montanhas acima e formam
geralmente deltas em forma de leque.
O arquipélago japonês foi ocupado por seres humanos por volta de 50.000 a.C., que se abrigavam
em cavernas, grutas, ou com folhas de árvores e sobrevivia da caça e coleta. Por volta de 10000 a. C., com
o aparecimento de uma cerâmica feita em barro cozido e indícios de agricultura teve início o Neolítico no
Japão. A decoração da cerâmica em forma de corda dará ao período o nome de Jamon, decorações
codiformes em japonês. Ainda no período, encontram-se outros artefatos, como: flechas, anzóis, arpões,
remos, agulhas de osso e fragmentos de rede, indicando a prática da navegação pesqueira.
O Período Yayoi - O período seguinte, chamado de Yayoi, devido aos principais sítios arqueológicos
estarem na região de Yayoicho, em Tokyo, iniciou-se por volta de 300 a.C. e se estendeu até 300 d.C.,
correspondendo a Idade dos Metais no Japão. Nele ocorreram algumas inovações técnicas, como: o uso de
metais na confecção de artefatos de caça e armas de guerra; a descoberta da tecelagem, substituindo as
roupas de pele de animais por de tecidos; o aparecimento de uma olaria mais desenvolvida; a construção
de casas de alvenaria; o avanço de técnicas agrícolas, iniciando o cultivo do arroz. Ainda no período, alguns
clãs começavam a preponderar sobre outros. Crônicas chinesas da época citam cinco Reis de Wa (Japão).
Em 57 d. C., o Rei Nu (um dos cinco Reis de Wa) recebe um foral de ouro do Imperador chinês, onde está
escrito: "Ao Rei Nu, de Wa, vassalo de Han", pressupondo-se que vários chefes de clãs do Japão, nos
primórdios, eram tributários da Dinastia Han à época.
O Período Kofun - A denominação do período seguinte como Kofun (300 a 710 d.C) tem uma relação
como aparecimento de conjuntos funerários em forma de buraco de fechadura (kofun em japonês significa
túmulo) e ornamentados internos com espelhos de bronze e figuras eqüestres, um símbolo de status na
sociedade japonesa à época. Os ornamentos com cavalos informam à importância que o animal adquiriu
como instrumento de guerra, principalmente, após seu uso por saqueadoras de reinos coreanos, que se
utilizava de tropas de arqueiros montados para devastar por várias vezes algumas regiões do Japão. As
tentativas de defesa dos nipônicos levaram a um aperfeiçoamento no uso do cavalo e a conseguirem
debelar as invasões.
No período Kofun ocorreu uma unificação sob a casa imperial. O imperador Jimmu estendeu seus
domínios até Yamato, dando o nome à casa imperial. Os Yamato consolidaram o poder com a criação de
uma forma primitiva de xintoísmo (religião politeístas e animistas, voltada para práticas do relacionamento
familiar, como o culto aos ancestrais e o respeito aos mais velhos), que também servia de instrumento
político. Os soberanos yamatos exerceram um controle indireto sobre várias tribos, conhecido como uji,
sendo as mais importantes as de muraji e a de omi. O poder do clã imperial era mais nominal do que real.
O Período Asuka - No século VI, a corte de Yamato tinha perdido o poder pela incapacidade de se
impor as tribos uji e por derrotadaa sofridas na Coréia. Ao mesmo tempo, o budismo chegava ao
arquipélago (552), espalhando-se rapidamente pela população e, no começo do século VII, já tinha ganhado
o status de religião oficial. Este contexto permitiu a ascensão dos governantes do vale de Assuka, que início
no reinado da imperatriz Suiko (593 a 628) ganhou formas peculiares com as reformas de Shotoku Taishi,
iniciando um programa reformista marcado pela perda do domínio coreano e os problemas internos. Em
604, ele estabeleceu a Constituição de Dezessete Artigos, que compreendia um conjunto de princípios
simples para o bom governo seguindo o modelo centralista da China e estabelecendo as hierarquias na
corte.
As reformas continuaram com o imperador Tenchi Tenno e por Nakatomi Kamatari, fundador da
família Fujiwara, que, em 645, inaugurou as reformas Taika, fortalecendo a casa imperial e debilitando as
tribos uji, cujas terras foram ocupadas e redistribuídas. O grande conselho, o Dajokan, dirigiu o reino através
de governadores locais, seguindo o modelo chinês. Em 663, Tenchi realizou reformas mais centralistas e
codificou as novas medidas no sistema ritsu-ryo, impondo uma estrutura de propriedade estatal sobre o
país.
No mandato do imperador Shomu (715 a 756) e sua consorte Fujiwara, o Japão conheceu um
período de efervescência cultural. Foram estabelecidas amplas conexões com a dinastia Tang da China e o
Japão se tornou o extremo oriental da Rota da Seda. Posteriormente, o sistema ritsu-ryo foi modificado em
743 e, para estimular a ampliação das terras produtivas, direitos de propriedade foram concedidos a
qualquer pessoa interessada em explorá-las, permitindo as grandes famílias e templos assegurassem sua
autonomia e poder.
No período Heian (794-1185), o Japão conheceu 350 anos de paz e prosperidade. No entanto,
durante o século IX, os imperadores começaram a se retirar do governo ativo, delegando os assuntos de
governo aos seus subordinados, acompanhada pelo aumento do poder dos membros da família Fujiwara
que, em 858, tornaram-se os amos virtuais do Japão e mantiveram seu poder durante os três séculos
seguintes, monopolizando os altos cargos da corte e controlando a família imperial. O caráter do governo
mudou sob o controle dessa família, aumentando a centralização da administração e dividindo o país em
grande estados nobiliários de caráter hereditário, livres de impostos ou unidos aos grandes templos
budistas.
Em meados do século XI, os Fujiwara perderam o monopólio das consortes imperiais e os
imperadores retirados se converteram no núcleo de um novo sistema de governo de claustro, no qual os
imperadores abdicavam depois de fazer os votos budistas e se afastavam da administração em favor dos
imperadores reinantes. Nesse meio tempo, surgiram nas províncias grupos locais de guerreiros, conhecidos
como samurais, que protegiam os senhores de quem eram servos, criando assim o embrião de um sistema
poder e o particularismo local. Os guerreiros Taira ganharam fama e poder no sudoeste; os Minamoto, no
leste. No século XII, dois grandes clãs militares estenderam seu poder para a corte, iniciando uma luta pelo
controle do Japão.
Em 1156, uma guerra civil (o Distúrbio Hogen) eclodiu entre os imperadores retirados e reinantes e as
ramificações associadas à família Fujiwara, dando início aos clãs militares. Depois da segunda guerra
(Distúrbio Heiji, 1159-1160), os Taira assumiram o controle do Japão. Taira Kiyomori, ministro-chefe em
1167, monopolizou os cargos da corte com os membros da sua família; seu filho mais novo, Antoku, tornou-
se imperador em 1180. No mesmo ano, um remanescente dos guerreiros Minamoto, Minamoto Yoritomo,
construiu um quartel em Kamakura, no leste do Japão, e promoveu um levante que, depois de cinco anos
de guerra civil, derrotou e expulsou os Taira. Yoritomo assumiu o controle do Japão, inaugurando uma
ditadura militar que iria durar sete séculos.
A partir de então, o poder e o particularismo local se desenvolveu até se tornar mais forte que a
administração imperial, encerrando dessa forma o período histórico do Japão Antigo.

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