You are on page 1of 5

Aula sobre Desejos (anotações da aula do Rav Shlomiansky - México - no dia 4 de

Agosto de 2010, em Miami feitas por André e Flávia Kutwak)

Liberdade x Escravidão

A Mishna em Pirkei Avot diz que não há pessoa livre a não ser aquela que esteja
firmemente conectada com D’s e sua Torá. Por outro lado, sabemos que a mesma Torá
nos comanda a ser “escravos” de Hashem. Temos aqui uma contradição! Como podemos
conciliar essas duas posições que a princípio nos parecem tão contraditórias?

Falando em contradição, uma historinha que ilustra nosso paradoxo: Um rabino estava
ouvindo o caso de duas mulheres. A primeira contou a história e o rabino disse: "Você
tem razão". A segunda foi e contou sua versão, e o rabino disse: “Você tem razão”.
A esposa do rabino chegou para ele indignada e disse: “Não pode ser que as duas tenham
razão”. O rabino respondeu: “Você também tem razão”.

Para entender melhor essa aparente contradição iremos mergulhar no tema “desejos”.

Desejos - Introdução

A maioria dos desejos são enganosos e além disso nos controlam completamente.
Tomemos alguns exemplo: Fumar, lashon hará (falar mal dos outros), gula, etc.
Nós achamos que controlamos os desejos, mas se isso fosse verdade, poderíamos deixar
de fazê-los. A verdade é que a maioria das pessoas não tem controle sobre seus desejos e
sim age por impulsos. Como não conseguimos controlar os desejos automaticamente
somos escravos dos nossos desejos.

A vontade de ceder ao desejo pode nos fazer criar centenas de razões do porque sim
realizá-lo. Isso significa que quando temos um desejo arrumamos várias desculpas para
continuar a fazê-lo sem que nos sintamos mal já que temos justificativas para os nossos
atos que a princípio não parecem ser tão bons assim.

Assim, nos exemplos acima a pessoa diz: “Isso não é considerado Lashon Hará pois é a
mais pura verdade”, ou, “fumo um pouquinho pois sei que na hora que quiser eu paro”,
ou “na hora que quiser mudo meus hábitos alimentares. Isso não é realmente necessário
agora”. Esse é o chamado Yetser Hará que é muito tenaz e sempre pronto a justificar atos
que nós mesmo consideramos não bons. Foi assim que Bnei Israel caiu na idolatria no
deserto após o recebimento da Torá. O objetivo final era permitir as relações proibidas e
para isso criaram seu próprio deus (o bezerro de ouro) para assim não terem problema
com suas consciências pois o deus que eles criaram não demandaria os mesmos níveis
morais que Hashem.
Características do Desejo

Os desejos muitas vezes deixam as pessoas cegas. Elas não têm consciência que possuem
uma “enfermidade” por determinados desejos. Chegam a perder a sensibilidade para
alguns deles, pois eles se tornam hábito.

Uma breve história: O filho estava envergonhado do pai que sempre bebia e caia pelas
ruas. Um dia, ao passar na rua vê um bêbado jogado e inconsciente. As crianças
encheram sua cara de lama e ele nem ai. Esse filho disse: “Tenho uma oportunidade de
ensinar uma lição pro meu pai. Ao ver esse bêbado ele nunca mais vai querer beber em
sua vida”. Ele traz seu pai ao local. O pai ao ver aquele bêbado não acredita no que vê.
Chega perto do bêbado e pergunta: “Meu amigo, que bebida boa é essa que você
bebeu?!”. Ele realmente não conseguia enxergar o prejuízo que seu hábito trazia pra ele.

Mais uma característica dos desejos é que eles prometem felicidade mas não cumprem.
Desejos não nos satisfazem mais do que por alguns breves instantes. Sempre dão aquele
"gostinho de quero mais" e nunca são suficientes.
É como beber água salgada para matar a sede. O que aconteceria? Você somente ficaria
com mais sede! Esse desejo na verdade é o nosso Yetzer Hará. É uma armadilha. Quanto
mais você o alimenta, mais ele quer. Por isso é muito importante controlar nossos
desejos.

Os dois níveis de Desejo

O Rav Gottlieb explica que há dois níveis de desejos e esses muitas vezes podem ser
contraditórios. Existe um desejo, que é chamado de primeiro nível. E outro que
chamamos de segundo nível.
Sigamos com nosso exemplo de fumar. Há pessoas que fumam mas que sinceramente
desejariam não fumar. Ou seja, no primeiro nível elas têm o desejo de fumar mas no
segundo nível ela têm o desejo de não fumar. Como pode ser? Teríamos um desejo sobre
o outro!

Os animais não possuem esses dois níveis e são levados somente pelos desejos de
primeiro nível. Por isso fazem o que querem e quando querem e sempre de acordo com
seus instintos implantados por Deus. Já nós seres humanos, não precisamos ser escravos
de nossos desejos pois temos consciência e livre arbítrio. Começamos ai a ver a diferença
entre um ser “livre” e um ser “escravo”.

O que quer dizer quando uma pessoa diz: “Eu realmente não queria fumar” ?
Esse realmente significa dizer que a pessoa está se identificando com o seu desejo de
segundo nível. Muita gente quando tem um problema assim contraditório busca um
psicólogo. Por exemplo, um marido vai ao psicólogo pois se sente culpado porque traiu a
esposa. Um psicólogo sem valores poderia dizer: “Não tem problema trair! Todos o
fazem. Não se sinta assim tão culpado”. E acaba o conflito dos desejos opostos! Essa
pessoa agora alinhou seu desejo de primeiro nível com seu desejo de segundo nível.
Assim a pessoa faz o errado e acha que não tem problema! É muito importante, caso haja
necessidade, ir num psicólogo que tenha claramente os valores de nossa Torá.

O que os psicólogos chamam de compulsão? Por exemplo, o que se fala de um menino


que tem oportunidade de roubar e não o faz? Não dizemos que ele tem compulsão por
não roubar. Nesse caso o desejo de primeiro nível está alinhado ao desejo de segundo
nível e a pessoa tem paz e tranqüilidade. Compulsão então significa quando há uma
discrepância entre o desejo de primeiro e segundo nível e ainda assim a pessoa não
consegue deixar de agir dessa maneira. Ela é uma escrava de seu desejo de primeiro
nível.

Vencendo a compulsão (Yetzer Hará)

A pessoa tem que ter seus valores bastante claros para que consiga fazer seu desejo de
segundo nível prevalecer. Por isso o Chofetz Chaim (famoso por entre outras obras o
livro Shmirat Halashon que cuida do tema de Lashon Hara) dizia que as pessoas precisam
estudar melhor as regras de Shmirat Halashon (guardar a língua), para poderem deixar de
falar Lashon Hará (falar mal). Se não sabemos exatamente o limite entre o que é certo e
errado (bem/ mal) nem tampouco as conseqüências de cada tipo de ação fica difícil
conscientemente impor nosso desejo de segundo nível sobre o de primeiro. Quanto mais
auto-conhecimento e quanto mais conhecimento da matéria em questão, mais fácil será
aplicar nosso livre arbítrio e conseqüentemente se liberar da escravidão dos nossos
desejos que vão de contra os valores de nossa Torá.

Segundo o Sefer Maálot Hamiddot (livro do Chofetz Chaim) quando Hashem


recompensa o malvado nesse mundo por atos bons que ele tenha feito (reservando os
castigos para o Olam Habá, já que sabemos que Deus não cancela atos bons por ruins),
Ele dá riqueza, propriedade, longevidade, honra e outros benefícios - mas Ele não os dá
tranqüilidade, como está escrito "Não existe paz, diz D'us para os malvados" (Yeshayahu
57:21). Paz é uma recompensa reservada para os justos, como está escrito "E a
consequência da retidão será paz" (ibid. 32:17). O profeta se refere àquela paz que a
pessoa só adquire quando tem todos os seus desejos alinhados à retidão, sem conflitos
internos.

Conta-se que o Rav Moshe Feinstein aceitou pegar uma carona de carro e quando o
motorista bateu sua porta ele ficou com os dedos presos na porta do carro. Ao chegar ao
seu destino, seus estudantes viram que sua mão estava sangrando, e perguntaram porque
ele não havia falado nada? O Rav respondeu que a pessoa que estava dando carona a ele
deveria pensar que ele era um rabino importante (em sua humildade como se não fosse
ele o rabino mais proeminente dos Estados Unidos no século passado), e que se ele
dissesse que prendera os dedos poderia ofender a pessoa. O desejo dele de primeiro nível
que era gritar foi suprimido pelo desejo dele de segundo nível, não ofender o próximo. A
partir dai se imagina a rapidez do pensamento dele de segundo nível. Mais rápido que a
própria dor. Se tivesse gritado, seria tarde demais para esconder o ocorrido e não ofender
a pessoa! Essa que é a verdadeira liberdade. Graças à escravidão aos valores da Tora, que
o Rav tem tão firme e enraizado dentre de si, ele tem a liberdade maior que é controlar
totalmente seus desejos mais instintivos que sejam.
Midot: Suprimir para Melhorar

“Midot” poderia ser traduzido como as diferentes características que temos em nossa
personalidade tanto para o bem quanto para o mal como por exemplo: Raiva,
generosidade, compaixão, sinceridade, flexibilidade, medo, etc. Elas se encontram em
medidas diferentes em casa pessoa. Por isso se chama “midot” (medidas em hebraico).
Suprimir parte de nossas características traz com isso uma perda de parte de nossa
personalidade quando na verdade nosso objetivo é fazer uso de todas elas mas
direcionando para o serviço de Hashem.

No entanto, muitas vezes para poder controlá-las precisamos em uma primeira instância
suprimir aquelas que não estão nos trazendo benefício. Após a fase de supressão podemos
liberar novamente essas midot canalizando-as para a direção que desejamos.

Por exemplo, se queremos encaixar uma mangueira ou um cano em um outro cano que
possui uma saída de água com pressão, como devemos fazer? Devemos interromper o
fluxo de água para ai sim podermos conectar a mangueira com tranqüilidade. Após a
conexão estar feita poderemos reativar o fluxo de água que agora terá uma nova direção
de acordo com o cano ou mangueira que colocamos. A mesma coisa quando uma pessoa
está buscando melhorar suas características. Às vezes ela necessitará suprimir algum tipo
de sentimento para poder redirecioná-lo. Seria como uma re-educação mental.

Por exemplo, uma pessoa que não consegue parar de falar mal dos outros apesar de saber
que isso é terrível terá provavelmente que fechar um pouco sua boca durante alguns
meses para adquirir uma maior consciência de tudo o que sai de sua boca. Após esse
período de auto-conhecimento essa mesma pessoa estará pronta para poder direcionar a
sua grande vontade em se comunicar com os outros para coisas boas como por exemplo
poder ensinar coisas boas aos outros, falar bem dos outros, dar aulas, etc. E assim para
cada característica que temos em nossa personalidade poderíamos dar dezenas e dezenas
de exemplos de como canalizá-las para os valores da Torah.

Passo a Passo

Um homem estava dirigindo a noite com muita neblina no caminho. Chegou um ponto
onde não conseguia mais ver nada e parou. Seu amigo disse: “Não se preocupe, avance
esses cinco metros que você consegue ver e assim quando chegar mais adiante poderá ver
mais cinco metros e no final chegará ao seu objetivo”.

Essa é a Tora, mesmo que a pessoa cresça pouco a pouco, a luz da Torá vai iluminando o
seu caminho e a pessoa consegue obter “luz” para os seus próximos metros. A pessoa tem
medo porque ela é limitada e não consegue ver o caminho até o final, mas devemos saber
que cada dia de crescimento apresenta uma nova luz para que enxerguemos o caminho
que devemos seguir.

Devemos sempre rezar para Hashem que nos ajude a identificar o caminho correto, a
separar entre o puro e o impuro, entre o sagrado e o mundano, entre o bem e o mal. Se
temos dúvida de que decisão tomar pois nosso Yetzer Hará está criando justificativas
plausivas para um comportamente aparentemente não ideal, então temos que procurar o
conselho de um rabino que poderá com seu maior conhecimento de causa nos orientar.

Que consigamos fazer desse mundo um mundo melhor com boas ações, e que o Beit
Hamikdash seja reconstruído em breve.

You might also like