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O Anarquismo e a questão das mulheres*


MARIANA AFFONSO PENNA**

Resumo: Fenômenos historicamente distintos, o anarquismo e a luta das


mulheres pela superação de sua posição subalterna frente aos homens nas
sociedades patriarcais encontraram-se em diversos momentos. São fenômenos
distintos, pois embora o anarquismo destaque-se historicamente enquanto uma
ideologia política de confronto às hierarquias sociais e políticas, muitas vezes,
no movimento real, a posição inferiorizada da mulher foi naturalizada na prática
cotidiana. Por outro lado, mulheres militantes anarquistas organizaram-se e
refletiram sobre a situação feminina, ora se aproximando e ora se distanciando e
criticando algumas tendências do feminismo, assim como forçando os
companheiros de militância homens a assumirem como fundamental a pauta da
igualdade de gênero. Este artigo buscará analisar um pouco desta relação entre o
pensamento e a prática anarquista com o pensamento e a prática feminista,
observando algumas permanências e principais transformações.
Palavras-chaves: Anarquismo; Feminismo; Militância Política.
Abstract: Despite being historically distinct phenomena, anarchism and the
women struggle to overcome their subordinate position in relation to men in
patriarchal societies, met at various times. Even though the Anarchism stands
out historically as a political ideology of confrontation with social and political
hierarchies, often, in the practical movement, the inferior position of women was
naturalized in everyday practice. On the other hand, militant anarchist women
organized themselves and reflected on the female situation, criticizing some
tendencies of feminism, as well as forcing men comrades to assume gender
equality as a fundamental issue. This article analyzes a little of this relation
between anarchist thought and practice and feminist thought and practice,
observing some permanencies and main transformations.
Key words: Anarchism; Feminism; Political Militancy.

*
Agradeço à Bárbara Oliveira e ao Rafael Viana pelas ideias e sugestões de referências que foram essenciais
para a elaboração deste artigo.

**
MARIANA AFFONSO PENNA é Doutora em História pela Universidade Federal
Fluminense e professora de História do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul.
1. O Anarquismo é essencialmente Afirma assim a necessidade de delimitar
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feminista? uma conceituação do Anarquismo a fim
O Anarquismo é decerto a corrente do de melhor entendê-lo. Mesmo dando este
pensamento político socialista mais passo importante, posteriormente,
mitificada e idealizada em inúmeros diversos autores consideram ainda
escritos, ainda que também uma das mais demasiada abrangente a definição
estereotipadas e difamadas. Dentre as aplicada pelo autor em sua Histórias das
formas de idealização do anarquismo Ideias e Movimentos Anarquistas.
está a de retirá-lo da sua realidade Lucien Van Der Walt e Michael Schmidt
histórica e geográfica transmutando-o (2009) preocuparam-se em demarcar
em um fenômeno atemporal e universal. historicamente o anarquismo,
Conforme afirma George Woodcock, percebendo sua formação no final do
muitos pensadores anarquistas buscaram século XIX, mais especificamente no
atribuir sua genealogia a períodos final da década de 1860. Destacam ainda
bastante remotos da humanidade. Este o contexto histórico mais amplo em que
seria o caso de Piotr Kropotkin, por se insere, assim como a íntima relação
exemplo, quando apresenta a história estabelecida entre as ideias libertárias e o
humana dividida em duas tendências, movimento social concreto
uma voltada para o apoio mútuo e outra desenvolvido por operários e outros
setores das classes populares em luta em
para o autoritarismo, sendo o
anarquismo, logicamente, variadas localidades do mundo. A
correspondente à primeira destas mesma linha de compreensão seguiram
tendências (WOODCOCK, 2007: 38- Rafael Viana e Felipe Correa (2014,
39). Buscar no passado antecedentes 2013) para quem mais que definir que
pensador seria ou não anarquista, como
para ideias e valores abraçados, valendo-
se inclusive da noção de uma espécie de o faz Woodcock, seria importante
“natureza humana” é uma forma de entender o movimento anarquista em sua
legitimação desses princípios político- concretude, criado na ação cotidiana de
ideológicos de forma a afirmar a milhares de anônimos.
viabilidade dos mesmos. Mas para Não cabe aos objetivos estabelecidos
desenvolver uma análise histórica do para este artigo aprofundar a discussão
anarquismo é preciso não nublar a sobre a formação histórica do
análise de um fenômeno histórico anarquismo, nem tampouco atribuir-lhe
específico dissolvendo-o numa noção de uma conceituação precisa. Tal tarefa foi
existência abstrata e atemporal. desempenhada, dentre outros, pelos
Woodcock inicia seu prólogo ao volume autores citados no parágrafo anterior. A
1 das Histórias das Ideias e Movimentos intenção é desenvolver uma breve e
Anarquistas com a seguinte introdutória reflexão sobre a relação
preocupação: entre o Anarquismo e o Feminismo,
destacando algumas de suas
"Todo aquele que contesta a
aproximações e distanciamentos. Mas
autoridade e luta contra ela é um
anarquista", disse Sebastien Faure. para isso, é justamente necessário fugir à
A definição é tentadora em sua tentadora simplificação que Woodcock
simplicidade, mas é justamente retoma em Sebastian Faure ao associar o
dessa simplicidade que devemos anarquismo a toda forma de
precaver-nos ao escrever uma manifestação e luta contra a autoridade,
história do anarquismo. contra qualquer opressão. Isto porque o
(WOODCOCK, 2007: 7) anarquismo não é uma ideologia etérea,
mas como fenômeno político e social 2. Feminismo e Anarquismo:
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concreto possui sua historicidade. aproximações e distanciamentos.
Deirdre Hogan (2007) defende a
hipótese de que o patriarcado e o
Assim, ainda que a ideia de uma “luta capitalismo não são fenômenos
contra qualquer forma de opressão”, interdependentes. Ainda que o
comumente associada à ideologia capitalismo se beneficie em diversos
anarquista, pareça apontar para uma aspectos da opressão sobre as mulheres,
“tendência natural” de crítica ao a mesma não seria essencial para sua
machismo – e de fato observamos em permanência enquanto modo de
diversas/os pensadoras/es anarquistas produção hegemônico. Para a autora, o
uma preocupação com relação à feminismo potencialmente atrapalha os
dominação masculina sobre as mulheres lucros do empresariado, especialmente
nas sociedades patriarcais – este artigo no que diz respeito aos interesses da
sustenta que é necessário ir além de uma mulher biológica quando esta ocupa o
interpretação simplificadora caso papel de mãe, mas não é completamente
desejemos entender historicamente a antagônico à permanência do
relação entre o anarquismo e o capitalismo:
feminismo. Argumenta, portanto,
tratarem-se de fenômenos distintos, A sociedade capitalista depende da
exploração de classe. Não depende,
ainda que não necessariamente sempre
no entanto, do sexismo e poderia em
separados. Dessa forma, sustenta-se que teoria acomodar-se em grande
seria equivocado pensar o anarquismo medida a um tratamento similar de
como uma ideologia essencialmente mulheres e homens. (HOGAN,
feminista. Ao contrário, é um 2007: 5)
pensamento político encarnado em
O capitalismo, para Hogan, não é
movimentos sociais concretos que
sustentado essencialmente por uma
podem se aproximar – e efetivamente se
relação de exploração de gênero, mas de
aproximam – do feminismo, mas não
classe. Separa assim capitalismo e
invariavelmente. Devido à preocupação
machismo como fenômenos com origens
historicamente manifesta no movimento
históricas independentes e que, assim
anarquista no que diz respeito às
sendo, a permanência ou ruptura em
assimetrias não apenas econômicas, mas
relação a um ou outro ocorreria também
de poder, é possível perceber uma grande
de maneira independente:
abertura nesta corrente do pensamento
socialista para a luta contra o machismo. O fim do sexismo, portanto, não
Mas esta afinidade, que podemos levará necessariamente ao fim do
entender em termos de uma afinidade capitalismo. Da mesma maneira, o
eletiva, nem sempre se expressou no sexismo pode continuar depois de
movimento concreto. Como ocorreu (e ter sido abolida a sociedade de
classes. O sexismo é,
ocorre) em todo o movimento socialista, possivelmente, a forma de opressão
a opressão de gênero ainda que vista, mais antiga que existe, não precede
hegemonicamente, como um problema a o capitalismo; há evidência que o
ser enfrentado, foi diversas vezes sexismo também precedeu as
secundarizada – quando não até formas mais antigas da sociedade de
naturalizada e defendida – em meio a classes. (HOGAN, 2007: 5-6)
uma militância constituída por maioria O entendimento de Hogan que
masculina. desvincula a exploração de classe da
opressão de gênero em suas origens Nada disso, porém, o fez sensível à
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históricas possibilita traçar reflexões opressão milenar a que metade dos seres
mais específicas em relação ao próprio humanos é submetida. Ao contrário, num
pensamento anarquista e à ação concreta contexto em que algumas mulheres
de anarquista encarnada em seus passavam a defender abertamente maior
movimentos sociais desde o século XIX. igualdade e o direito de ocupar espaços
Para a autora, o anarquismo surge em até então dados como exclusivos para os
meio à luta de classes com o objetivo homens, Proudhon assume claramente o
claro de oposição anticapitalista. Como front ao lado da reação. Dedicou seu “A
tal, o anarquismo assumiu esta luta como Pornocracia ou as mulheres nos tempos
sua pauta estruturante. modernos” para desqualificar escritoras
da época que, em oposição às suas ideias,
Embora sempre tenha sido central buscavam direitos negados ao gênero.
ao anarquismo a ênfase na abolição Afirmando querer dignificar a mulher,
de todas as hierarquias de poder, o Proudhon defende diversas ideias que
anarquismo tem suas raízes na luta
vão desde a necessidade de a mulher
de classe, na luta para derrubar o
capitalismo, com o seu objetivo de
permanecer exclusivamente no espaço
criar uma sociedade sem classes. doméstico como mantenedora afetuosa
Como a opressão das mulheres não do lar até a defesa apaixonada de uma
está tão intimamente ligada ao suposta inferioridade não apenas na
capitalismo como luta de classe, a constituição física, como intelectual das
liberação feminina continua sendo mulheres. Reforça a ideia das diferenças
historicamente vista, em grande entre os gêneros, atribuindo ao
medida continua a ser vista, como masculino a qualidade da força e
um objetivo secundário para a intelectualidade e ao feminino a beleza.
criação de uma sociedade sem
classes, não tão importante nem tão Eu digo que o reino da mulher está
fundamental como a luta de classes. na família; que a esfera de seu brilho
(HOGAN, 2007: 7) é o domicílio conjugal; que é assim
que o homem, em quem a mulher
Esta origem histórica do anarquismo na deve amar não a beleza, mas a força,
luta de classes anticapitalista, ajuda um desenvolverá sua dignidade, sua
pouco a explicar a relação entre este e o individualidade, seu caráter, seu
movimento feminista. Ainda que não heroísmo e sua justiça, e é com o fim
de tornar esse homem cada vez mais
seja um consenso, Pierre Joseph
valoroso e justo e sua mulher,
Proudhon é visto por muitos autores consequentemente, cada vez mais
como um dos pais fundadores do rainha, que ataco a centralização, o
anarquismo ou pelo menos como um de funcionalismo, a feudalidade
seus importantes precursores. De financeira, a exorbitância
qualquer forma, fato é que suas ideias e governamental e a permanência do
posicionamentos políticos servem de estado de guerra. (PROUDHON,
influência para o encadear de ideias e 1875: 12-13).
práticas que consolidam o fenômeno Caberia então ao homem desenvolver
histórico do anarquismo. Proudhon tem seu “caráter” e “heroísmo” enquanto a
o mérito de denunciar a exploração de mulher ocuparia o espaço de “rainha” do
classe, a dominação política das classes lar dedicada a proporcionar-lhe este
dominantes e de propor modelos de ambiente favorável ao amplo
organização política com base na desenvolvimento de suas capacidades
horizontalidade do poder. masculinas. Capacidades estas que
implicitamente torná-lo-iam inclusive "Eu nunca encontrei uma mulher
que fosse capaz de acompanhar um 18
capaz de se opor às injustiças, já que o
espaço público é reservado ao homem, raciocínio durante quinze minutos.
que preservaria a mulher da barbárie, Elas têm qualidades que nos faltam,
como um cavalheiro medieval – qualidades de um encanto
particular, inexprimível, mas em
permitindo uma comparação infame –
termos de razão, de lógica, de
protege seus servos da violência do capacidade de articular ideias,
barbarismo: encadear os princípios e as
Quanto às coisas externas, eu não as consequências e de perceber as
quis, não as quero para a mulher, e relações entre eles, a mulher,
pelos mesmos motivos, a guerra, mesmo a mais superior, raramente
porque a guerra combina tão pouco alcança o nível de um homem de
com a beleza quanto à servidão. capacidade medíocre."
(PROUDHON, 1875: 26-27).
Eu não quero a política, pois a
política é a guerra. Para completar seu culto a misoginia,
Eu não quero as funções jurídicas, Proudhon atribui esta total incapacidade
policiais ou governamentais, porque intelectual feminina à sua reduzida
elas são sempre a guerra. atividade cerebral:
(PROUDHON, 1875: 12)
Interroguem à frenologia. Ela nos
Mas a preservação das mulheres em diz que o cérebro da mulher não é
relação ao ambiente externo que não o constituído da mesma forma que o
doméstico, não se limitaria a não do homem. De fato, as divisões
combinar com a “guerra”, mas sim a uma cerebrais que correspondem, até
incapacidade das mulheres em onde se pode garantir por milhares
desempenhar tais funções. Assim, de observações, às faculdades
poderosas do espírito, da
Proudhon alega que os fatos estariam em
causalidade, da comparação, da
contradições aos anseios por igualdade generalização, da idealização, do
daquelas mulheres contra quem tão aperfeiçoamento ou progresso, têm,
apaixonadamente ele deseja expressar assim como os instintos polêmicos e
sua oposição: guerreiros, de comando, de firmeza
Fatos! Eu vos cito de uma só vez e de personalidade, maior
sessenta mil patentes de invenções e desenvolvimento no homem, menor
aperfeiçoamentos obtidas por desenvolvimento na mulher. Em
homens, na França, desde 1791, compensação, e como se a natureza,
contra uma meia dúzia obtidas por não contente com essa superioridade
mulheres em artigos de moda! de potência concedida ao sexo
masculino, tivesse querido prevenir
Fatos! Eu vos cito ainda a Biografia toda insurreição da parte do sexo
universal; calculem quantos dos fraco, deu a este,
indivíduos de cada sexo se predominantemente, a veneração, a
distinguiram na filosofia, no direito, subordinação, o apego, a residência,
nas ciências, na poesia, na arte, em a cautela, a necessidade de
suma, em todos os exercícios do aprovação e de elogio, todas elas
espírito; confio em vocês quanto ao faculdades que revelam a
resultado. desconfiança que a mulher tem de
seus recursos, enfim, uma espécie
(...). Tudo o que foi dito a este
de espírito intuitivo e divinatório
respeito se reduz a estas palavras de
que faz as vezes, na mulher de
Lamennais:
raciocínio e convicção. E como se
isso ainda não bastasse para a paz muito, como secundária à
doméstica, para a ordem das emancipação dos trabalhadores, um 19
sociedades e para o destino final do problema que seria resolvido
gênero humano, a massa total do ‘depois da revolução’ (Ackelsberg
cérebro é menor na mulher, na 2005: 38)” (SHANNON &
proporção média de 3 libras e 4 ROGUE, 2011).
onças contra 3 libras e 8 onças.
(PROUDHON, 1875: 28-29) Deirdre Hogan também observa que a
secundarização da luta feminista foi uma
Este último trecho dispensa muitas constante até o momento presente e que
observações, visto representar um mesmo quando a emancipação feminina
exemplo extremo de justificativa é adotada formalmente como pauta das
reacionária para a “submissão” feminina, organizações e movimentos anarquistas,
necessária à natural “ordem das na vida cotidiana as práticas de
sociedades”. O importante desta longa manutenção do machismo como sistema
exposição do pensamento proudhoniano de dominação ainda encontram terreno
sobre o papel que as mulheres deveriam fértil:
ocupar na sociedade serve para
As mulheres faziam a ligação entre
percebermos através do exemplo deste
a emancipação política e a pessoal,
ícone dos primórdios do pensamento esperando que o socialismo poderia
anarquista – assim como socialista de fazer novas mulheres e novos
maneira ampla – que a luta contra a homens por democratizar todos os
opressão feminina estava longe de ser aspectos das relações humanas. No
um consenso. Ainda que Proudhon não entanto, achei muito difícil, por
expressasse um posicionamento exemplo, convencer meus próprios
hegemônico, o fato de uma grande companheiros de que a desigualdade
referência política como ele defender tais da divisão do trabalho dentro de
ideias, demonstra que o meio militante casa era uma questão política
possivelmente não as rechaçava de importante. Nas palavras de Hannah
Mitchell, ativista socialista e
maneira substancial.
feminista de princípios do século 20
Assim, ainda que a misoginia declarada na Inglaterra, em sua jornada de
de Proudhon possa ser uma postura não trabalho fora e dentro do lar:
hegemônica, decerto havia espaço para “Mesmo os domingos de tempo
que se expressasse, ao menos naquele livre se foram, quando descobri que
período. E mesmo que posteriormente grande parte do discurso socialista
questionada, visto que sobre a liberdade, era só discurso e
hegemonicamente é possível identificar que estes jovens homens socialistas
uma tendência a incorporar a luta das esperavam jantares de domingo e
mulheres como bandeira do movimento chás com enormes bolos caseiros,
patês de carnes e tortas exatamente
libertário:
como seus companheiros
(...) muitos homens anarquistas reacionários”. (HOGAN, 2007: 8)
desmereceram as questões das Este descompasso entre o discurso
mulheres. Parte da razão pela qual a
socialista e uma prática que efetivamente
Mujeres Libres viu a necessidade de
uma organização separada de contribuísse para a emancipação
mulheres durante a época da Guerra feminina é observada pela autora, da
Civil Espanhola porque “muitos mesma maneira que o fazem Shannon e
anarquistas tratavam a questão da Rogue no que diz respeito ao movimento
subordinação das mulheres, quando anarquista em específico. A Revolução
Espanhola, evento histórico dos mais 3. As mulheres anarquistas e o
20
reconhecidos pela expressiva feminismo: conflito e idealização das
participação anarquista – quiçá até relações de gênero
hegemônica – na condução do processo
revolucionário, é também um exemplo O surgimento de grupos específicos de
emblemático, como vimos, da relação mulheres como as Mujeres Libres na
nem sempre harmônica entre Espanha coloca, portanto, claramente em
anarquismo e a luta contra a opressão das cheque a ideia de ter ocorrido uma
mulheres. A revolução evidenciou por harmonia constante e absoluta na relação
via da formação das Mujeres Libres,1 entre os gêneros no decorrer da história
que a lua pela emancipação das classes do anarquismo. No entanto, Margareth
subalternar não andava necessariamente Rago argumenta – com base no estudo
lado a lado e em todo momento à luta biográfico desenvolvido acerca da
contra a opressão de gênero. A força do anarquista italiana radicada no Uruguai,
hábito e dos privilégios, muitas das vezes Luce Fabbri – que as mulheres militantes
se fazia superior aos discursos de conseguiriam alcançar um grau de
igualdade quando se tratava da relação autonomia significativamente superior
com as mulheres: ao que era permitido às demais mulheres
na primeira metade do século XX:
As mulheres anarquistas na Sem querer absolutizar, creio que
Espanha, na época da revolução pertencer ao meio libertário naquele
social de 1936, tinham queixas período alterava em muito a
semelhantes ao encontrar que a situação das mulheres. Não apenas
igualdade homem-mulher não se os homens anarquistas já possuíam
levava bem com as relações íntimas. uma reflexão maior sobre a
Martha Ackelsberg escreve no seu condição das mulheres e do
livro Free Women of Spain que, feminismo, como trabalhavam ao
embora a igualdade entre homens e lado de outras companheiras, muitas
mulheres fora aprovada das quais mulheres bastante
oficialmente pelo movimento diferenciadas em termos de ousadia
anarquista espanhol, logo em 1876: e coragem. (RAGO, 2000: 236-237)

“Praticamente todas minhas Para chegar a tal hipótese, a historiadora


informantes lamentaram que não analisou não apenas o caso específico de
importa quão militantes fossem nas Luce Fabbri como também de outras
ruas, mesmo os anarquistas mais militantes que partilhavam seu convívio,
comprometidos esperavam ser identificando que as mesmas também
‘mestres’ em suas casas – uma desenvolviam relações mais igualitárias
queixa que ecoou em muitos artigos na convivência com homens anarquistas
escritos em jornais do movimento e
fosse no ambiente familiar, fosse nos
revistas durante este período. ”
(HOGAN, 2007: 8) espaços públicos como o ambiente de
trabalho ou de militância. Esta
proposição de Rago parece bastante
acertada. Mas, como ela mesma aponta,
é necessário não absolutizar. Se em meio
a essas mulheres “diferenciadas” por sua
1
As Mujeres Libres foram um grupo anarquista eram menosprezadas ou secundarizadas por seus
exclusivamente de mulheres, voltados para as companheiros. Sobre este tema ver:
lutas que estas consideravam centrais, mas que ACKELSBERG, 2005.
“ousadia e coragem” o peso da opressão alimentação, tanto pela
generosidade da mãe, quanto pela 21
de gênero pudesse ser menos intolerável,
pouco se diz a respeito da proporção de do marido, Ermácora Cressatti,
mulheres que efetivamente estavam também ele um anarquista italiano.
nessa posição mais favorável. Luce esteve, assim, relativamente
livre para participar mais
Há que se notar que se as mulheres amplamente do universo masculino
anarquistas se relacionavam da política e da cultura. (RAGO,
afetivamente com outros militantes 2000: 224)
anarquistas, os quais eram O fato de ter sido “poupada” das tarefas
significativamente mais sensíveis à luta atribuídas às mulheres naquela
pela emancipação feminina, o mesmo sociedade patriarcal, contribuiu
não pode ser dito para a maioria dos simultaneamente para a “trajetória
militantes homens. Afinal, ontem como bastante singular e afortunada” de Luce
hoje, o número de mulheres participantes Fabbri, como também para que durante
ativamente da militância política sempre parte expressiva de sua vida se
foi minoritário ao número de homens. O mantivesse afastada das temáticas
caso mesmo dos pais de Luce parece feministas:
indicar que grande parte dos homens
militantes se relacionavam afetivamente (...) assim como seus companheiros,
como mulheres de fora do círculo Luce acreditava que as formas mais
militante e que estas, ainda que violentas da dominação ocorriam
auxiliassem no cotidiano dos pela divisão social do trabalho e não
movimentos sociais, não eram elas predominantemente pela sexual, e,
portanto, a principal tarefa dos
próprias organizadoras e formuladoras
revolucionários deveria ser lutar
dos mesmos: contra a injustiça social, a miséria e
Em várias ocasiões, Luce afirma que a exclusão de grandes massas da
embora sua mãe não fosse população. “Não prestava muita
exatamente uma militante atenção se eram mulheres e homens,
anarquista, pois não se definia sempre pensei que a questão
assim, participava diretamente do feminina era parte da questão social
movimento, através da ajuda e se resolvia globalmente, só nos
cotidiana que dava tanto ao pai, últimos tempos modifiquei em
quanto a ela mesma. (RAGO, 2000: alguns pontos minha posição...”,
237) afirma ela. (RAGO, 2000: 222)

Em outros trechos do artigo analisado, é Margareth Rago escolheu desenvolver


possível compreender que dentre as sua pesquisa sobre Fabbri justamente
formas de “ajuda”, o cumprimento das pelo fato de ela ser anarquista e mulher.
tarefas domésticas por parte da mãe Porém, no decorrer da investigação,
serviu para liberar a filha (e subentende- percebeu a excepcionalidade das
se também que o marido) para que esta diversas posições ocupadas pela mulher
se dedicasse ao exercício pleno da vida estudada. Fosse em sua vida privada,
pública: fosse em sua vida pública e como
militante, Luce Fabbri estava longe de
Aliás, ela mesma conta, com um
sorriso matreiro, como foi sempre corresponder ao padrão de vida
poupada das tarefas femininas, feminino. Fica bastante claro que Fabbri
consideradas pesadas, monótonas e ocupava uma posição bastante
desinteressantes, como os cuidados minoritária que é a posição da mulher em
da casa e da criança, a limpeza e a meio a um mundo de homens. A mulher
que, tendo sido socializada em espaços de mulheres burguesas sem preocupação
22
predominantemente masculinos, circula com a luta de classes” (SHANNON &
bem por eles e sabe dominar sua lógica, ROGUE, 2007).
por estar com ela familiarizada desde
cedo. Fabbri esteve desde a infância Nos esparsos estudos específicos sobre
imersa no ambiente militante no qual seu as militantes mulheres no Brasil do
pai lhe inseriu. Rago teve o mérito de início do século XX percebemos uma
observar como esta experiência distinta recorrente preocupação em meio a essas
de Luce ajudou a moldar o seu olhar e, mulheres militantes anarquistas de
de certa maneira, a tornou menos demarcar uma oposição àquelas
sensível para as opressões de gênero “burguesas” e seu “eleitoralismo”.
durante parte de sua vida. Por ter Como nos apresenta Lívia Olivetti no
convivido com homens que a Boletim do Núcleo de Pesquisa Marques
respeitavam como uma igual, da Costa em um artigo a respeito das
considerava os homens anarquistas “Mulheres Anarquistas da Família
imunes aos males do machismo, não se Soares: a história de luta de uma mãe e
referindo nas entrevistas “aos conflitos suas quatro filhas no Rio de Janeiro da
nas relações entre gênero entre os Primeira República”:
anarquistas” e “preservando a todo custo
Numa época em que as mulheres
a imagem dos anarquistas” em relação “à começaram a se organizar e estavam
crítica lançada contra o moralismo dos ainda dispersas, as irmãs pregavam
anarquistas e as relações de poder entre a organização feminina como
os gêneros” (RAGO, 2000: 239). melhor arma para se conseguir a
igualdade dos sexos. A pauta
3. As anarquistas e o feminismo sufragista tomava conta das energias
“burguês” femininas e elas criticavam
duramente o sufrágio universal
Caminha para tornar-se um lugar comum como solução para a emancipação
ao pensar a relação histórica das das mulheres. (OLIVETTI, 2015)
libertárias com o movimento feminista
as diversas polêmicas travadas com as Olivetti sustenta esta afirmação com
sufragistas. É comum atribuir-se a base no levantamento de matérias nas
origem do movimento feminista à luta quais estas mulheres expressam seu
travada em torno do direito à posicionamento acerca do tema. É o caso
participação política feminina na do artigo “O Voto Feminino” publicado
democracia representativa, no periódico O Grito Operário em
principalmente a partir dos finais do janeiro de 1920, assinado por Maria A.
século XIX, nos Estados Unidos. Neste Soares:
contexto, muitas mulheres anarquistas Dedicar-se verdadeiramente à
usaram sua energia e seus escritos para carreira política só o poderão fazer
se contrapor a uma bandeira de luta que as mulheres da burguesia. As outras
entendiam ser centrada no voto e, deverão conformar-se com
consequentemente, não representar os empregar os seus sacrifícios para
interesses das mulheres da classe que as outras subam ao poder. (...).
trabalhadora. Conforme afirmam Um governo de mulheres burguesas,
Shannon e Rogue, “(...) muitas mulheres conservadoras por influência do
radicais desse período recusaram se poder e mesmo por sentimento
identificar como ‘feministas’, já que próprio, não fará em benefício das
classes proletárias (...).
viam o feminismo como um movimento
Como alternativa a este feminismo, as A limitação das mulheres ao espaço
23
“mulheres da família Soares” ajudam a doméstico enquanto aos homens foi
fundar e gerir centros femininos para a destinado o espaço público, é uma
educação de meninas e mulheres característica relativamente reconhecida
operárias. É o caso do Centro Feminino em meio às sociedades patriarcais.
Jovens Idealistas. No mesmo periódico, Também há no senso comum a
temos a publicação de seu estatuto no disseminação de uma ideia de que
qual consta dentre seus objetivos a homens e mulheres habitariam espécies
iniciativa o de “reunir em seu seio o de mundos distintos, da qual deriva a
maior número possível de pessoas do ideia de um suposto “universo
sexo feminino” e de “trabalhar no masculino” e um “universo feminino”.
sentido de instruir e educar as mulheres, Decerto trata-se no mínimo de uma
para assim, elevar-lhes o caráter e torná- generalização, mas por mais que pareça
las aptas a conquistar sua emancipação” absurdo essencializar como se fossem
(OLIVETTI, 2016). algo natural, biológico, as diferenças de
gênero nos comportamentos, interesses e
Da mesma forma, Angela Maria Roberti motivações a determinar a vida de
Martins, em seus estudos sobre a mulheres e homens, como o fez
militante libertária Maria Lourdes Proudhon em seu posicionamento
Nogueira, nos mostra preocupações misógino, fato é que devido à
semelhantes dessa militante manifesta na socialização imposta desde tenra
“necessidade da união feminina na luta infância, as pessoas de fato se
por sua libertação”. A criação de centros diferenciam em função do gênero ao
de estudo aparece assim como marca do qual foram enquadradas2.
período como demonstra o protagonismo
da mesma na criação do Grupo Feminino Na pesquisa desenvolvida em torno da
de Estudos Sociais, o qual de forma história do Movimento das
semelhante àquele das irmãs Soares Comunidades Populares, MCP – e a
buscava o “aprimoramento da mulher” partir de reflexões desenvolvidas no
afim de a libertar do “único aprendizado cotidiano da militância – observei
que a sociedade lhe permitia: o maternal empiricamente alguns aspectos
e o doméstico” (MARTINS, 2009). referentes a diferentes formas de fazer
política no dia a dia. Determinadas
4. Lógica masculina X Lógica práticas e formas agir pareciam mais
feminina: uma disputa implícita afeitas às mulheres enquanto outras, ao
contrário, as repeliam. Ainda que
Uma vez feitas estas considerações aplicada à pesquisa específica sobre o
acerca de alguns aspectos condizentes MCP, foi possível chegar a algumas
aos diálogos, encontros e desencontros conclusões mais generalizantes, as quais
entre o pensamento anarquista e a luta se aplicam também à militância nos
feminista, é possível articular esta meios libertários (PENNA, 2016).
temática a uma discussão mais Uma vez que o espaço público foi
abrangente para se pensar a militância
historicamente negado às mulheres nas
política em geral e a militância sociedades patriarcais, a lógica a imperar
anarquista em específico. nesses espaços foi quase que
2
Tal como o propõe o “feminismo da diferença” desenvolveu a partir dos anos 1980. (RAGO,
ao qual se refere Margareth Rago como 2000: 221).
tendência do pensamento feminista que se
completamente tomada pelo que chamei patriarcado, mas também a associar todo
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de uma espécie de modus operandi comportamento e característica tida por
masculino. Por este modus operandi feminina como algo de menor valor. Isso
masculino trata-se de uma forma de agir se dá desde a ridicularização de
não determinada biologicamente, mas características inatas como a voz mais
fruto de uma construção social que aguda até aspectos comportamentais
delegou comportamentos e socialmente construídos. Dessa maneira,
racionalidades distintas (e em vários preocupações do cotidiano feminino são
aspectos dicotômicas) aos dois gêneros. tratadas com desdém ou como futilidade
Por um lado, a mulher é e o estereótipo de ser da emoção se
hegemonicamente moldada em nossa contrapõe a um suposto ser da razão,
sociedade patriarcal para ocupar um ainda que na prática uma razão não tão
papel de um ser da emoção, ao qual se “racional” assim.
oporia o ser da razão, do raciocínio frio,
e também da violência. A figura da mãe É sintomático que mulheres que
complacente e o pai repressor são parte obtiveram um papel de destaque em
do nosso imaginário, manifestando-se meio à vida pública, hegemonicamente
desde as matrizes religiosas cristãs até a reservada aos homens, tiveram todo o
formação concreta das personalidades tempo de se afirmar como seres capazes
humanas, moldadas no ambiente de refletir e analisar para além de
familiar, escolar, pelas manifestações instintos e sentimentalismos. O caso de
culturais. Luce Fabbri, uma mulher em meio ao
universo masculino, é bastante
Importante notar que esta formatação significativo. A anarquista em questão
cultural não apenas diferencia, mas não apenas atribui um caráter redentor à
hierarquiza, atribui valores diferenciados razão, a qual deveria sobrepor-se aos
aos gêneros e às características a eles instintos (RAGO, 2001), como parece
associadas. Assim, constrói-se buscar distanciar-se de aspectos que
historicamente uma inferiorização do remetam ao imaginário de um “universo
feminino, visto como irracional por feminino”: “(...) Luce sabe resguardar
essência e, portanto, avesso ao cuidadosamente o espaço da intimidade
progresso. Os ambientes utópicos e do casal. Fala pouco de sua vida conjugal
progressistas não estão nem estiveram e sentimental” (RAGO, 2000: 234). O
imunes a essa tendência. Na política, que Rago interpreta como discrição,
observa-se muitas das vezes um culto da poderia também ser interpretado como
razão, sobrepondo-se aos esquiva para não tratar do “banal”
sentimentalismos mundanos, tão associado à vida privada, espaço do
claramente atribuídos às mulheres e seus “feminino” do qual uma mulher pública
excessos de complacência, tratados precisa se distanciar para se enquadrar –
como irracionalismo. Como se a ira, o e ser respeitada – no mundo dos homens,
orgulho, a violência e a falta de empatia, o mundo da “razão” e não dos
positivados na sociedade patriarcal como “sentimentos”.
características (favoráveis) masculinas
não fossem expressões de Vale questionar se o que se chama
“irracionalismo”. comumente de razão ao invés de se
referir a uma busca pelo entendimento
A misoginia se expressa não apenas em mais objetivo da realidade através da
restringir e limitar a mulher aos espaços elaboração de métodos pautados no
sociais que lhe teriam sido destinados no compromisso com a verdade, não
encobriria em realidade uma série de 5. O papel atribuído à luta das
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comportamentos e afetos valorizados mulheres no movimento anarquista
como atributos masculinos. No cotidiano recente.
da militância, muitas das vezes a
Seria um trabalho no mínimo complexo
desculpa de um “agir racional”, objetivo,
precisar o local que ocupa o feminismo
isento de emoções, é a camuflagem de
no movimento anarquista atual. No
práticas agressivas, autoritárias que
entanto, é possível observar algumas
reafirmam hierarquias, descreditam a
tendências e reflexões expressivas que
afetividade, a empatia, a preocupação
ganham espaço e trazem novas formas
com os sentimentos alheios,
de lidar com a questão da mulher na
estigmatizados de irracionais. Como
sociedade como um todo e dentro dos
observei em relação à prática militante
movimentos sociais nos quais atuam
do MCP, o culto a uma espécie de “razão
as/os anarquistas em específico.
pura”:
Conforme percebemos nas discussões
(...) costuma significar, além de um travadas tanto por Deirdre Hogan como
dogmatismo e rigidez teóricos, em Deric Shannon e J. Rogue, há uma
posturas e práticas militantes forte crítica à secundarização que a luta
marcadas pela dureza no trato entre contra o machismo e o patriarcado sofreu
companheiros. Ambas as em meio ao pensamento socialista, da
características criam um ambiente qual o anarquismo hegemonicamente
inóspito à participação feminina. A não teria escapado. Esta interpretação
primeira gera insegurança nas parece ganhar força tornando-se
mulheres, já habituadas pela majoritária no anarquismo atual em
realidade machista na qual são constante diálogo com o amplo
submetidas ao estigma da menor
movimento feminista. O motivo para
capacidade intelectual frente aos
homens. O medo de não conseguir, esta secundarização, conforme vimos
portanto, dominar toda a teoria anteriormente, estaria tanto na origem do
política que o grupo exige já é um anarquismo na luta de classes, como na
elemento importante para a pouca maior presença de militantes homens
atração que tais espaços exercem durante a história do movimento. Mas ao
sobre as mulheres. Mas talvez ainda que parece, ainda está longe de haver
mais relevante e definitivo para o uma posição consensual sobre que papel
afastamento das mulheres seja este deve ocupar a luta das mulheres no
modus operandi agressivo. anarquismo.
Certamente mulheres que já
suportam a violência masculina em Como proposição para a atuação
seu cotidiano como trabalhadoras, concreta, Hogan defende que o
filhas ou esposas não se sentirão anarquismo abrace decisivamente a
motivadas a participar de espaços pauta feminista, rompendo com uma
militantes que reproduzam esta tendência de negar o feminismo quando
lógica. E a verdade é que parcela este representa, por exemplo, interesses
expressiva da esquerda brasileira
de setores de classe média.
(quiçá mundial) o faz,
especialmente grupos que se É o movimento feminista em toda a
consideram mais radicais. (PENNA, sua diversidade (de classe média, da
2016: 239-240) classe trabalhadora, socialistas e
anarquistas) que tem liderado o
processo de libertação feminina. (...)
embora hoje o movimento
anarquista como um todo apoie o ele debilita a solidariedade.
fim à opressão às mulheres, (SHANNON & ROGUE, 2011) 26
continua uma desconfiança do
feminismo com anarquistas e outros Hogan não ignora as diferenças de
socialistas distanciando-se do interesses específicos entre as mulheres
feminismo por este muitas das vezes em função de sua classe social, mas
carecer de uma análise de classe. destaca a existência de interesses gerais
(...) na constante ênfase na questão ao gênero, os quais deveriam ser
da experiência do sexismo ser defendidos independentemente de que
diferenciada por classe, os “fração” do feminismo estivesse à frente
anarquistas parecem não dar da promoção dessas lutas. Para a autora,
importância ou ignorar o que
o feminismo como bandeira de luta tem
também é verdadeiro: a experiência
de classe é diferenciada por sexo. valor em si, não devendo suas pautas
(...). As mulheres sempre estão em serem consideradas válidas tão somente
desvantagem em relação aos quando estão invariavelmente ligadas à
homens de sua própria classe. luta de classes e demais lutas:
(HOGAN, 2007: 10)
(...) nós podemos nos distanciar de
outras feministas focando-nos na
Já Shannon e Rogue, favoráveis à crítica ao feminismo reformista ou
proposta da intersecionalidade das lutas, podemos apoiar totalmente a luta
consideram que “um movimento pelas reformas feministas enquanto
feminista sem reflexão, centrado permanentemente dizemos
ostensivamente nas questões das “Queremos mais!”. (HOGAN,
‘mulheres’, tenderia a refletir os 2007: 12)
interesses dos membros mais A partir destas breves proposições,
privilegiados dessa categoria social”. No observamos que a relação entre o
lugar, as lutas contra as variadas formas anarquismo e o feminismo é um ponto
de opressão deveriam estar em aberto em meio ao movimento,
invariavelmente articuladas, desde a influenciando e sendo influenciado pelas
tradicional luta contra a opressão atuais tendências, refletindo sobre os
classista, passando pela oposição aos posicionamentos do passado e gerando
preconceitos “raciais”, de gênero, novas propostas de ação que conjuguem
orientação sexual, dentre outros: diferentes lutas frente a diferentes
formas de opressão.
Os proponentes da
intersecionalidade argumentam,
então, que todas as lutas contra a
Referências
dominação são componentes
necessários da criação de uma ACKELSBERG, Martha A. The Free Women
sociedade liberada. É desnecessário of Spain: Anarchism and the Struggle for the
criar um totem de importância das Emancipation of Women. Oakland: AK Press,
lutas sociais e sugerir que algumas 2005.
são “principais” enquanto outras são CORRÊA, Felipe; SILVA, Rafael Viana da;
“secundárias” ou “periféricas” por SILVA, Alessandro Soares da. (Org.). Teoria e
causa das maneiras com que elas se História do Anarquismo. 1ed.Curitiba:
interseccionam e se comunicam por Prismas, 2014.
completo. Além disso, a história
vem nos mostrando que esse método CORREA, Felipe. Surgimento e breve
de classificar opressões é perspectiva histórica do anarquismo (1868-
2012). Faísca Publicações Libertárias, 2013.
divisionista e desnecessário – pior,
HOGAN, Deirdre. Feminismo, Classe e ______. Luce Fabbri, o Anarquismo, as
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