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CAPETULO 1 O SENTIDO DA EDUCAGAO COLONIAL As origens eclesiésticas do ensino no Brasil — As missdes jesuiticas & — 0 primeiro mestre-escola —- Manuel da N6= brega e Aspilcueta Navarro — Apéstolos ¢ educadores — José de Anchieta — Nos patios dos coégios ¢ nas alias doa catzcimenos — Escolas de ler e escrever — Educagio literdria popular, de fundo re- i portuguésa entre os indigenas — A paisagem social da Colénia — A familia patriareal —~ A sitwagiio das mulheres — As tré9 carreiras ou dirocBes que seguiam os fithos = 08 capelées e tios-padres — Os ideais do homem culto em Portugal — A instrugio e 08 jesuitas — Os colégios de padres — Bacharéis ¢ ‘mesires em. artes — Os estudos superiores na Metrépole — O papel a Universidade de Coimbra na jormacio das elites — Os semindrios = Monopétio de ensina — Para a formaco de clérigos e tetrados — is ‘ensino aliado da cidade contra os campos — Os colégios dos jesuttas ¢ 0 regime de vida patriarcal — Processo de “urbanizagao” das elites — A obra dos jesuitas ¢ a unidade nacional —O Marqués de Pombal e expulsio dos jesuitas (1759) — Destruicio do sistema colonial de ensino — A reforma pombatina em execuctio — As aules ‘régias e 0 “subsidio Literério” — Os padres-mestres e capeles de en~ genho — Colégios das ordens mondsticas —- Periodo de deeadéncia e de transigéo. CA vino. padres jesuftas, em 1549 nfo sé marca o inf. cio da hisiéria da educagio no Brasil, mas inaugura a primei- ra fase, a mais longa dessa histéria, e, certamente, a mais importante pelo vulto da obra reslizada e sobretudo pelas con- seqiiéncias que dela resultaram para nossa cultura e civiliza- \g&oy Quando naquele ano seis jesuftas aportaram & Bahia com 0 1° governador-geral Tomé de Sousa, ndo tinha mais de nove anos de existéncia canénica a Companhia de Jesus, cujas ba- ses foram lancedas a 15 de agdsto de 1534 na capela de Mont- martre por Indeio de Loiola e seus seis companheiros e que, apenas confirmada em 1540 por Paulo IIT, se dispersava, no continente europeu, em misses de combate A heresia e, além 201 dos mares, & propaganda da fé entre os inerédulos e A difustio Go Evangelho por todos os povos. Animados de um ardente 2610 apostélico e ligados entre si e 4 Igreja Catéliea por uma rigorosa disciplina, refletida e aceita, néo tardaram os discf- pulos de Inécio de Loiola a conquistar uma justa preeminéneia ha hierarquia das ordens religiosas e uma autoridade moral imensa, selada pelo martirio, nos combates sem tréguas nem transigéncias a servico da religiio. Uma fé inabalvel, como a dos primeiros apéstolos, e dispost: disciplina que dava aspectos de milfcia & nova Order, fundada em plena tempestade da Reforma, pelo intrépido soldado de Pamplona, ¢ uma cultura literdria sagrada e profana, erguida a um alto nivel e utilizada como instrumento de dominagio, fizeram dos grandes missionarios a férea mais eficaz e robusta {na luta contra o protestantismo e na implantaco do poder da Tgreja entre os povos Era uma congregagio nova “que se criava numa época sombria de paixées e Jutas religio- sas € com 0 propésito obstinado de enfrenté-las, ¢ que, ainda nos comegos, guardava intata ¢ viva a chama do espirito evan- gélico do seu fundador; e as missdes jesufticas que chegaram ao Brasil em 1549 e em 1553, estavam entre as primeiras le- gides de missiondrios que atravessaram os mares, para a ca- tequese do gentio, em longes terras desconhecidas. Todos i} ‘cam sabendo ao que vieram ésses religiosos, enviados a con+ selho de Diogo de Gouveia por D. Jodo IIT a quem comecava la preceupar a colonizagéo do Brasil; 0 compromisso essencial do jesuita com a Igreja, na deiesa ¢ propagacio da #6, eriara desde a sua chegada, aqui como por téda parte, essa situagho, tia, pol mente as exigéncias ecuménicas da Igreja e aos supremos in terésses da religigo, Os jesuftas assentam, logo ao desembar- carem, 0s seus arraiais; fundam as suas residéncias ou con- ventos, a que chamavam {‘colégios”; instalam os seus centros de ago e de abasteciments, ou, se 0 quiserem, os seus quar- téic, para a conquista e o dominio das almas, penetram as al- deias dos {ndios e, multiplicando, ao longo da costa, os sous pontos principais de irradiacdo, estabelecem-se, ao sul, sob a inspiragio luminosa do P.* Manuel da Nébrega, na Capitania de Sao Vicente, em que reconhecem “a porta ¢ o caminho mais certo ¢ seguro para as entradas ao sertdo”. Em dois séculos| ‘ou, mais precisamente, em 210 anos, que tantos se estendem | 502 Ordem pelo Marqués de Pombal, em 1759, foram éles quase os icos educadores do Brasil:\os religiosos, de outras ordens, franciscanos, carmelitas e berieditinos, no s6 se fixaram entre nés mais tarde, em 1580, como também, figis & tradigio mona- cal, mantinhar um regime de vida mais ascética e apartada @,,8e j4 comegavam entio a romper o isolamento primitive e a dedicar-se & pregacdo e a obras mais priticas, no davam & fungio educadora o papel primordial que ela assumia no plano de atividades dos jesuitas. Por isto, quando “‘a alma portugué- sa, heréica e moca, encurralada na Europa entre os muros de Castela e os muros do mar, queria dilatar-se na espécie € no génio”, foi nos jesuitas que encontrou, para apoié-la, no seu esférgo colonizador e refred-la, nos seus impetos aventureiros, um dos maiores e mais poderosos instrumentos de dominio es- piritual e uma das vias mais seguras de penetracéo da cultura européia nas culturas dos povos conquistados, mas rebeldes, das terras descobertas. “Falar das primeiras escolas do Brasil , de fato, como es- (5 a chegada dos primeiros jesuitas até a expulsio da creve\Serafim. Leite} “evocar a epopéia dos jesuitas do século~ XVI", em que Iancaram, entre perigos e provagées, os funda- entos de todo um vasto sistema de educacio que se foi am- pliando progressivamente com a expansio territorial do domi- [nio portugués.!Para se ter idéia do plano que traziam e da rapidez com que entraram em acio, basta lembrar, com Sera- fim Leite, que na Bahia, “enquanto se fundava a cidade do (Salvador, quinze dias depois de chegarem os jesuftas, j& fun-_ yelonava uma escola de ler escrever,— infeio daquela sua | politica de instrugéo, ile éles haviam de manter inalterével J através dos séculos de abrir sempre ums escola onde quer (que erigissem uma igreja. O e dessa primeira escola foi_ Vicente Rijo ou Rodrigu istdricamente 0 primeiro mes- tre-escola do Brasil, a quem consagrou mais de 50 anos de uma vida entrecortada de trabalhos doences — e benemerén- cias”. Inaugura-se entiio, a partir da Bahia, impelido vigoro- samente, nos primeiros dez anos (1549-59), pelo P.* Manuel da Nébrega, e depois por Luis da Grd, seu sucessor, no cargo de provincial (1559-69), ésse movimento envolvente que se estende na dire¢&o do sul, de Salvador ao Pérto Seguro, ao Espirito Santo e a Sao Vicente, onde desde fins de 1549 fun- da Leonardo Nunes um seminério-escola (escola média), trans- 03 | ferido mais tarde, em 1554, para Piratininga’, restituido a Sao Vicente, em 1561, e fixado afinal definitivamente no Rio de Janeiro, O génio politico de Nébrega, “grande apéstolo da ins- {rucéo”, coneebera o plano de levantar sdbre os alicerces do ensino téda a obra de catequese e de colonizagio e se em- penhara com tédas as férgas em realizé-lo, determinando, desde 1560, que se construissem casas “para se recolherem ¢ ensinarem os mocos dos gentios e também dos crist4os”, nfo 56 em Deneficio da catequese mas também “para o sossé da terra e proveito da Reptiblica”. Ao falecer em 1570 0 m: ral dos padres da Companhia, depois de 21 anos de Brasil, a obra que inspirou e ajudara’a construir ja havia adquirido grande altura e extensio, abrangendo cinco escolas de ins-~ trugio elementar, estabelecidas no Porto Seguro, nos Ihé no Espfrito Santo, em Sao Vicente e em Sto Paulo de Pirati- ninga, e trés colégios, no Rio de Janeiro, em Pernambuco e na Bahia que, além de uma classe preliminar, apresentavam / outra, de latim e de humanidades. Em pleno século XVI, de-/ corridos apenas cinco anos da morte do ilustre jesuita, se chegou a colar graus de bacharel em artes, no colégio da Ba- hia, em que no ano seguinte, em 1576 se conferiam os de li- cenciado. Certamente esta notével organizacio, planejada e sibiamente conduzida por Nébrega, até o fim de seu govérno, ¢ constantemente desenvolvida nas administragSes posteriores, foi, no primeiro decénio, o resultado dos esforgos dos dois mi- cleos iniciais de jesultas, doze ao todo, padres e irmios leigos, empenhados em atacar a catequese colonial, desde as suas fun- dagdes. Mas frente destas iniciativas, por trea do cargo e da autoridade, sempre estéve Nébrega, fundador e provincial, grande entre os maiores que com éle chegaram, em 1549, como Jodo de Aspileueta, ou que vieram depois, com 0 2.0 governa- dor D. Duarte da’ Costa, em 1553, como José de Anchieta; aquéle, navarro de origem, que se atirou com intrepidez & ati- vidade apostélica e faleceu_em 1587, veneldo pelos trabalhos, com oito anos apenas de Brasil, ¢ éste, de ascendéncia bis- cainha, que domina com a fama de sua santidade e de seus milagres, quase mefo século da vida colonial, inseparével dos 44 anos de seu apostolado. Poi Aspileueta Navarro, dentre os jesuitas, o primefro que aprendeu a lingua indigena’e déla'se utilizon desde 1550, na. pregagio aos, selvagens, 6 ptimeiro mestre e missiondrio do.gentio, .e o primeiro nas entradas evan- gelizadoras aos sertées, que varou em 1553, esereve Afrdinio Peixoto, “de Pérto Seguro, 350 Iéguas de périplo, as cabe- ceiras do Jequitinhonha, vale do Séo Francisco, tornando 20 Jitoral, pelo rio Pardo”. Se nessa trindade espléndida, — Né- brega, 0 politico, Navarro, 0 pioneiro, e Anchieta, o santo*, se simboliza a atividade extraordinéria dos jesuitas no sé- culo XVI, — a fase mais bela e herdica da historia da Com- panhia de Jesus —, entre todos ésses apéstolos e educadores avulta, com um relévo singular, a figura taumatirgica de ~Anchieta que chegara, no reférgo mandado por D. Joto III, em 1553, simples novigo, de compleigao frégil e menos de vin- te anos. Nessa época em que prevalecia sobre todos o cuidado da catequese e que se havia de projetar através do século XVII, José de Anchieta, desde a sua chegada até a sua morte, de- senvolve um trabalho apostélico de proporgées tZo vastas e com tal intensidade que se tornou a figura central désse movi- mento estupendo de propagacio da fé entre os gentios. Néo que Ihe féssem inferiores, no fervor e na dedicagéo, os seus admiriveis companheiros de Ordem a que, embora tio poucos, na primeira década, nfo assustara a tarefa a realizar no imen- 0 campo de agdo que se estendia & exploragdo dos missioné- ios; mas é que em nenhum dales se concentraram em tio alto grau as virtudes evangélicas e as aptidées intelectuais que se combinaram na personalidade surpreendente de An- chieta, para nos darem 0 grande apéstolo dos {ndios. Ainda Jovem, metido “na sua sotaina de canhamo tingido de préto, {que éle mesmo fizera com retalhos de velas néutic ia © mestre, designado para ensi seus irméos no colégio de Piratininga, que néo passava, em 1554, “de uma barraquinha de canigo ¢ barro, eoberia de pa- Tha, longa 14 pés, larga 10”, em que, segundo informava era carta a Indcio de Loiola, se comprimiam as vézes mais de vinte compankelros de apostolado. Mas, j4 em 1555, um anio) depois da fundacio do colégio na aldeia de Piratininga, — que! ler © ponto mais avancado na ofensiva da catequese e da ci izagio sObre o planalio, podia orgulhar-se Anchieta de terem| 05 jesuitas “uma grande escola de meninos {ndios bem ins~ | trafdos na lettura, escrita e bons costumes”. Para ésse tray \balho de ensino, em que todos participavam, mas a que fal- ‘tavam livros e material, era éle que compunha cangoes, es- crevia pequenas pecas de teatro e-organizava compéndios,que, copiados e recopiados, se tornaram de uso corrente em quase todos os colégios. Autor da primeira gramétiea da Mingua difi- cil dos indigenas, em que se tornou mestre para melhor os instruir, poeta, inventor de autos, mistérios religiosos e did- logos em verso, que os meninos representavam nos patios dos cateciimenos, ésse educador eminente, que tinha o segrédo da arte de ensinar, utilizava tudo o que fésse ditil ou suseetivel de exercer sugestiio sdbre o espirito do gentio, — 0 teatro, a miisica, os cAnticos ¢ até as dangas, multiplicando os recursos para atingir a inteligéncia das criancas e encontrar-lhes, 0 506 i i ‘caminho do corago, Na atividade realmente notével désse mis- sionério, bandeirante que durante quase melo século, passou 08 dias, de Sio Paulo ao Espfrito Santo, pregando o Evan- gelho aos indios, nas suas entradas pelos serties, instruindo 0s convertidos, assistindo aos doentes e consolando os aflitos, ndo a menor parte a série ininterrupta de esforgos na co- tequese instruco dos meninos a cuja educagio pde trazer contribuigées originais, inspiradas pela sua intuicéo da alma infantil, pela sua experiéncia pessoal e pelas suas observagées sdbre a mentalidade mistiea dos indios. Se a essa obra, — parte integrante e fundamental de seu apostolado, se consa~ graram os jesuitas, espathados por téda a Colénia, nenhum adquiriu mais direitos do que Anchieta a0 de mestre- escola, educador, protetor e apéstolo dos pequeninos indios, a que se dirigia, certamente, para converté-los 4 sua £é e servir assim ao triunfo, de suas idéias, mas com todo 0 seu corac&o e com uma inteligéncia e lucidez admiraveis, A compreensio, — uma compreensio profundamente humana, sublimada pela 46, eis 0 que caracteriza Anchieta que, por isso mesmo, exer- ‘ceu uma influéncia excepeional, dirigindo-se no sdmente a todos mas a cada um em particular, segundo a sua natureza fe as suas necessidades, as quais Ihe revelava uma verdadeira intuigéo, E nessa obra de edueagdo popular, nos pitios de seus colégios ou nas aldeias da catequese, que os taram os fundamentos do seu sistema de ens pois, de procurar 0 sentido profundo da missfio da Companhia, cujo papel na historia dos progressos do Cristianismo e da ins- trugio no Brasil tinha que ser, em mais de dois séculos, to pal e, incontestavelmente, superior ao das outras ordens, religiosas. Mas, apresentados os fatos & sua verdadeira luz, a) » as escolas de lobra de catequese e a do ensino clementar, ler e escrever, ultrapassam, nos seus efeitos, os que visaram os jesuitas. Atraindo os me} Casas ou indo-lhes #0 encontro nas aldelas; associando, na mesma comunidade escolar, filhos de nativos e de reindis, — 'prancos, indios e mestigos, e procurando na educacéo dos fi- Thos, conquistar e reeducar os pais, os jesuftas nfo estavam, feervindo apenas & obra de catequese, mas langavam as bases {da educacio popular e, espalhando nas novas geragdes a mes~ ima fé, a mesma lingua e os mesmos costumes, comegavam a \forjar, na unidade espiritual, a unidade politica de uma nova patria, sor © Nessasyescolas elementares.que repousavam & base de todo o sistema colonial de ensino, ainda em formagio, e funcionavam. uma casa da Companhia”, aprendiam os filhos dos indios a ler, eserever, contar e falar portugués e recebiam também a ‘primeira instrugio os filhos de colonos.;Nio 96 nos colégios ¢ Tessas escolas menores, mas em cada uma das aldeias onde tém os padres “suas casinhas cobertas de palhas, bem aco- modadas e igrejas capazes”, além de instruir os indios nas coisas necessirias & sua salvago ensinam aos seus filhos, como nos informa Anchieta, “a ler, escrever, contar e falar portu- gués que aprendem e falam em graga, a dangar A portugué- sa, a cantar e a ter seu coro de canto e flauta para as suas festas”, Se os jesuitas concentraram navescola. superiors gcan- de ambigdo de sua politica educativa, — “a elaboragio de uma elite, culta e religiosa, que realizaria os objetivos misticos e sociais de Sunto Indcio”, é certo, como se pode coneluir de todos os documentos antigos, que entre as suas ocupagdes com os prdximos sempre estéve, nos séculos XVI e XVII, a de en- sinar os meninos dos 9s e dos portuguéses a ler e escre- ver, nas aldeias dos neéfitos e nas escolas de colomins e de criangas brancas. Em téda essa obra magnifica, de catequese e colonizag&o, utilizavam os padres nfo sé a influéncia dos meninos brancos, érfaos ou filhos de colonos, sébre os meninos indios, postos em contato com aquéles nos mesmos colégios, como também a agao dos colomins que, ensinados pelos padres, m pelas aldeias a ensinar os pais na propria lingua dos {indios.| Foi por af, por essas escolas de ler e escrever, fixas Joa ambitlantes, em peregrinaco pelas aldeias e sertdes, que |teve de comecar a fundamentis a sua grande politica educa- | tiva; ¢ com elas é que se inaugurou, no Brasil 2o mesmo tempo | que na Europa, essa educagio literaria popular, de fundo reli- | gioso, organizada em conseqiiéncia e sob os influxos das lutas ‘da Reforma e da Contra-Reforma, para a propagagio da £é. (Foi ainda por essas escolas primarias, — poderoso instrumento de penetracio —, e pelas aulas de gramética, mantidas em | todos os colégios, que se tornou lingua geral o idioma portu- | gués que os indios aprendiam nio s6 dos colonos, mas sobre- “tudo do padre e dos meni filhos de reindis ou érfaos trazi- dos de Lisboa pelos jesuftas, e cuja presenga nos colégios (pois “para criancas n&io ha disting&o de ragas e elas siio por natureza universalistas”) ajudou muito, na opiniio de Serafim 08 Leite, a atrair ¢ estimular os pequeninos indios no caminho da instrugéo *. Certamente, os padres, deste 0 século XVI, apren- deram dos indios a sua lingua em que se toraram mestres eximios e de que escreveram a gramética, mas néo a apren- diam senfo para os instruir por cla e conquistar mais £3- cilmente os selvagens & sua #6 e as suas idéias religiosas € fais. “A facilidade que tinham os indigenas das fndias Orien- aprender o portugués, lingua geral na Asia e na Africa no século XVI, repetia-se no Brasil, como j4 observou Pedro Calmon; a expansdo do idioma correspondia & efetiva conquis- ta do territério”. A cultura indigena, no sdmente quanto & Lingua, mas na espontaneidade ¢ variedade de suas formas, se foi lentamente substituindo, no raio de influénefa dos missio- ios, por um outro tipo de cultura, de acérdo com os ideais tas, e sua concepgfio de vida e do mundo, idéntica para todos 0s povos. i por isto que Gilberto Freyre, examinan- do a questao a essa luz, do contato e choque de duas cultu- ras, e da atitude dos jesuitas em face désse conflito, conside- ra 0 missionrio como “o grande destruidor de cultures ndo ‘européias do século XVI ao atual”, e a sua ago “mais dissol- vente que a do leigo”. Os jesuitas, sob ésse aspecto, foram de fato, “puros agentes europeus de desintegragio de valores nati- vos”. Mas, superimpondo a naturalidade das diferentes linguas regionais uma 56, ~- a geral; acabando com os costumes das populagées aborigines ao seu. alcance ¢ levando os meninos indios a “abominar os usos de seus progenitores”, como decla- ra Anchieta em uma de suas cartas; procurando destruir entre 0s caboclos as suas dancas, cénticos e festi desacérdo com a moral catélica e as convengées européias”, os mission’ rios, universalistas, realizavam evidentemente uma obra de assimilagdo e de uniformizagio que néo foi sem conseqiiéncias para a Vida nacional, cuja unidade comegava a plasmar-se, sob a sua agio, e pela qual se pode apreciar o valor enorme da catequese na formacéo do Brasil. ‘Mas essa obra empreendida pelos jesuitas mediante vasto sistema educative que, elevando-se, devia atingir um esbégo de ensino superior, desde o primeiro século colonial, ndo se apre- sentava apenas sob ésse aspecto, de conquista dos indios a uma nova civilizagSo. Ao mesmo tempo que procuravam, no seu sonho imperialista, substituir por outra a cultura indigena que se desmantelava, disnte do assalto vigoroso désses novos agentes de colonizagio, langavam-se, nos colégios e nas igre- jas, a uma tarefa nao menos dificil e complexa, — a de res- Yaurar e manter na sua integridade a ibérica que passava por transformagées profundas e tendia a dissolver-se, na Colénia, sob as poderosas influéncias, indigenas e africanas, e euja unidade, por duas vézes, no século XVI e XVI, foi ameagada por invasdes estrangeiras. Se era inevitavel ¢, se- gundo todos reconhecem, foi a mais larga e profunda a influén- cia que devia exercer em nosso pais a civilizagaio portuguésa, trazida pelos colonos, mereadores e aventureiros, e cuja dafesa ‘impunha A Metropole, no proprio inter€sse econémico e po- verlo que ela foi constantemente trabalhada, no pro- cesso de sua evolugio, pela interpenetragéo de culturas de niveis e aspectos diversos e estéve em ponto de ceder lugar @ novas influéncizs européi vez impossivel 20 conquistador lusitano resguardar dos peri que a assaltavam, a unidade de sua cultura e de sua ci zagio. Bles foram, de fato, 0 centro de téda essa reagfo eu- ropeizante, na so¢iedade colonial. Organizando as primeiras instituigdes de educacdo e cultura — mediante as quais o clero passava a obler na Colénia a ilimitada preponderancia de que 4 gozava na Metropole, Iutavam os jesuftas por assegurar a posse e a unidade do poder espiritual, com a mesma firmeza com que um déles, Manuel da Nébrega, intervinha na politica contra os franceses (1564-67), quando a indecisdo fazia flutuar frouxas nas maos dos chefes as rédeas do govérno, ou com que ‘outro, no menos ilustre, Anténio Vieira, na campanha holan- desa, concitava as povoagtes e as aldeias a levantarem o es- tandarte da cruz, arvorado no cimo dos campanérios e os por- 510 dos franceses e holandeses. N&O’, féssem os jesuitas que se tornaram os guias intelectuais € so- | ciais da Coldnia, durante mais de dois séculos e teria sido tal- | ‘tuguéses a cerrarem fileiras & sombra da bandeira da fé, que desenrolava, a frente dos seus soldados e das tropas coloniais, Seja qual for o ponto de vista de que se considere a obra rea- lizada pelos jesuitas, ela no pode deixar de impressionar, nao 86 pela extenso da rea social em que se projetou, da Bahia até Olinda e, pars o sul, até Sfo Vicente no século XVI, e de Pernambuco ao Para, no século XVII, mas também pelas difi- cullades que tiveram de vencer, pata realiza-la ¢ manté-la, numa sociedade heterogénea, de brancos, negros, indios e mestigos, baseada num tegime de escravidao, fracionada em niicleos dispersos por grandes distancias e cindida por Iutas e dissengées internas. Se no norte, no século XVIT, a paisagem ia Colénia j& apresentava, com a lavoura da cana, uma icagio étnica e econmica, em que a uma moral de eseravos se sobrepunha, sem freios, uma moral de senhores, a mobilidade social, no sul, intensificada pelas entradas e ban- deiras, misturava as populagies e as classes, determinando um largo processo de diferenciagéo e fazendo saltar, do tumulto de uma vida social instével, uma nova forma de individualismo, to despético e desabrido como o dos senhores de engenho. les, os jesuitas, para imporem a moral catdlica, tinham, pois, Ge enfrentar no norte a onipoténeia dos senhores escravagistas que se opunham, nos seus latiftindios, com o arreganho costu- mado, a téda autoridade exterior, e de sustentar, no sul, uma luta sem tréguas, em defesa da 'liberdade dos indios, contra homens violentos ¢ audazes, desprezadores das poucas leis que entfo regiam a sociedade civil, e habituados a todos ésses desmandos e excessos com que 08 pioneitos e desbravadores Ge sertdes costumam tomper caminho, na sua marcha para 0 desconhecido. Por téda parte, os conflitos entre o colonizador e os naturais; as infludneias dos negros ou dos indios, ou das duas ragas e culturas, modificando a lingua reinol, infiltrando-se pela religiio e solapando a influéncia dos portuguéses; por téda parte, a explosio irreprimivel dos instintos de libertinagem favorecidos e estimulados pelo clima, pela mestigagem prati- ‘cada em larga escala, pela desenvoltura e liberdade de cos- tumes‘, proprios de sociedades “de acampamento” como 2s dos sertdes, ou pela ociosidade voluptuosa de uma classe escravocrata que fazia de cada uma das senzalas, nos en- genhos de agticar ou nos sobrados da burguesia, “um grande serralho sélio”. Nem foram sémente as casas-grandes que se deixaram contaminar pelos eseravos: nessa “terra to larga e de gente tio sGlta”, na expressio pitoresca de um dos jesui- tas que primeiro chegaram ao Brasil, a corrucéo j4 havia atin gido, desde o século XVI, os préprios elérigos, entre os quais se instalou aos olhos complacentes da sociedade colonial, sem abalar o prest{gio eclesidstico nem constituir obstéculo & ascen- slo social, geralmente ido fécil, dos filhos de padres, brancos e mestigos. ‘Na famflia patriarcal, a tinica forga que realmente se con- trapunha & ago educativa dos jesuitas, era a do senhor de raja antoridade soberana dominava do alto no s6 a mas a mulher e os filhos, mantidos a distancia, acumulava, com o govérno dos latifindios, a administracio da justiga e a policia de sua regitio. Uma rigida disciplina, sob © comando do pater-familias, a cujos interésses servia, refu- giou-se nas casas-grandes, onde o sentimento da autoridade e 0 principio de hierarquia acentuavam as diferengas de idade, tornando enorme a distancia social entre o menino e 0 homem, entre os filhos e os pais. As mulheres, — a matrona ou senho- ya, com a sua cdrte de mucamas, empregadas na indistria doméstica, e as filhas que no se desprendiam das saias das mies até se casarem quase impiberes ou se meterem freiras nos conventos, viviam aprisionadas, atrés das rétulas e das portas, na solidiio melancélica de seus gineceus, onde estranho algum podia penetrar e donde geralmente nfo saiam & rua se- ‘nao para as festas de igrejas.(Submetidas a um regime de clausura, entre pais de uma severidade cruel e maridos ciu- mentos é brutals e dividindo 0 tempo entre os culdados dos Josas, na capela ou nas igrojas, ¢ os servigos caseiros, nfo tinham nem podiam ter na Colénia uma condigio intelectual diferente da que conheciam as mulheres em Portugal, nos trés séculos da colonizagio. A situagao tradi-_ inal de inferforidade em que a colocaram os costumes e as ‘a auséneia de vida social e mundana e a falta quase ab-_ ito cada provivelmente em 1623. Eqen| Iisia Sf0 Franco, te Gott te ide Mloaja de Sto Paul. feouta de instrugio (pols raramente aprendiam a ler e esere- iver), davam-lhes essa timidez e reserva habituais que as fa- / ziam corer ao serern surpreendidas por estranhos ou as dei- [_xsvam desconcertadas diante de hispedes ¢ forasteinas./Pols esse dominio quase inviolivel da casa-grande, em que toda a autoridade se concentrava no pater-famitias, ¢ tanto os esera~ Vos, como os filhos e ainda a mulher, eram consorvados numa Aistinela de inferioridade e de subordinagio, variavel conforme fa idade ¢ a condigio social, nfo tardou o jesuita a penetrar, quebrando, em proveito da Igreja, pela influéncia que exerceu Sobre a mulher e sObre os filhos, a férga discriciondia dos senhores de engenho. “No primeiro século de colonizagao, © escreve Gilberto Freyre, o colégio dos jesuitas chegara a fazer sombra & casa-grande ¢ aos sobrados patriarcais, na sua auto- gidade sébre 0 menino, a mulher e 0 escravo, Pelo colégio, como pelo confessionirio, e até pelo teatro, os jesuitas “pro- curarom subordinar & Igreja os mesmos elementos passivos da casa-grande: a mulher, © menino eo escravo, Procuraram firar da casa-grande diag de sues fungées mais prestigiosas: ada escola e a da Igreja, Procursram enfraquecer a autoridas \ de do pater-familias em duas de suas raizes mais poderosas” *) Mas nio foi smente na religiosidade da farnilia que encon- ‘Ba Fact abdos¢ mover, Sie Bran et, pA. 92-08, 80 Tao, 198, os AAA Canes Bana 8 0 clima favorvel & sua agio educativa, | w, nessa atmosfera de servidiio, quando no am- traram os tanto mais efi capelies de engenho *, Pelas malhas estreitas dessa réde cultu- ro e na forga da Igreja, o escravo, a mulher ¢ 0 filho depa- ral, trangada com suas instituigGes de ensino, poucos elementos Rivam um conteapése aos excess du aulorMlade domndatice @ habeis deviam eseaper, em cada uma das novas geragées que patriareal, com que nenhum outro poder se podia defrontar se sucederam nas casas-grandes e das quais a maior parte dos sendo aquéle em nome do qual falava o missionario, — 0 po- meninos ia parar nos colégios de padres, fieando a educagéo der da religido.\Segundo_uma tradiglo da familia portuguésa, dos restantes, a partir do século XVII, @ cargo de capelées sbbre cujo modélo se formou a familia pat padres-mestres. A Tgreja que a principio rondava a casa-gran- |seguiam os filhos trés diregées ou carreir: de, disputando a autoridade ao pater-familias, arrogante ¢ lu- real, na Colénia, \ Horme lembra Pedro Calmon, depots de muitas voltas aeahavam \ >xurioso, acabou por nela se instalar, vivendo, por seus capelles, na mesma casa familiar que era apandgio do mais velho”. Este, herdeiro do morgado, seguia o destino paterno; 0 se- 7 = gundo, a carreira de letrado, a que se encaminhava, comegando dos jesuitas, nos seus colégios, e dos capelies e padres-mestres, {08 estudos no colégio para ir conclui-los na Europa; e 0 ter~ i Yindos do reine. ow. educados, .na-Colénia, em grande. patie , entrava para a Igreja professando aos 15 anos num con- | pelos padiés da Companhia, que se amorteceu a maré montan- fento, num colégio ou envergando a batina num seminério.) fe das, influéncias africanas, subindo das senzalas 3s. casas- /“Pazia-o padre a mie piedosa”; Todos, pois, que se destinavam, grandes. “Wiaes negras e mucamas, escreve Gilberto Freyre, na casa patriarcal, & carreira das letras ot 4 vida eclesidstica lindas aos meninos, as moninas, as mogas brances das casas. Je monacal, — e tédas as familias abastadas se desvaneciam { grandes, eriaram wn portugués diverso do hirto ¢ gramatical | de ter um filho letrado ou um filho padre ~, cafam natural- | que of jesuitas tentaram ensinar aos meninos indios e semi- | mente sob a influéneia da educagio jesuitice, em seus colé- braneos, alunos de seus colégios; do portugués reinol que os gios, na Coldnia, ou na Universidade de Coimbra, etm poder padres tiveram 0 sono vio de conservar no Brasil. Depois d2- diésses religiosos desde 1585, constituindo-se os instrumentos Jes, mas sein a mesmaa rigidez, padres-mestres e capeldes de en- tais teis de penetragio de suas idgias e de seus métodos. genho procuraram contrariar a influéneia dos escravos, opon- ‘A tradigfo da familia patriarcal, em dois dos destinos que re servava aos filhos, abria, por essa forma, entre a casa-grande € 0 colégio, os catials de comunicago por onde devia chogar, fazendo sombra & dos pais, a influéneia dos jesuitas, e escoar” dorlhes um portugués quase de estufa” ". A ago dos jesuitas © dos capelies que déles receberam, para transmiti-los & moci- dade colonial, o mesmo espirito e 03 mesmos ideais de cultura “no se reduziu certamente & defesa do portugués contra para a Igreja ¢ para as Ietres a flor da mocidade colonial. influéneias negras ou indigenas, que ameagavam a um tempo! al a titiea terrivel, porém, sutil, dos educadores jesutas, a lingua patria, a autoridade da Igreja, a moral e 05 costu-} observa ainda Gilberto Freyre, de conseguirem dos indios que ee Ihes dessein seus colomins, ot dos colonos brancos que Jhes iassem seus filhos, para os educarem a todes nos sous \ internatos, tornando-se os filhos mais déles, padres, e dela, \ Tgreja, do que dos caciques e das mées caboclas, dos senhores \ |e das senhoras de engenho” | Mas a autoridade e a influéncia cultural que os jesuitas i exerceram nas casas-grandes, por uma aco de fora para den- tro, isto & empalmando a edueagio dos meninos que se reco- 1h ios, pagsaram dopois sor sustentadas no ‘or” da prépria familia patriareal, pelos tios-padres e 7 Gib Fr, Sores « macs. Sie rains, ohh plan. 0.28, So aa, 1886 ou Jes Ievantaram uma barreita & desintegragio da he- Tanga cultural de que cram dépositérios e de que foram, na Colénia, os mais autorizados representantes e os propagadores mais ardentes. As aguas que colheram nas fontes da Igreja e nas tradigdes da Metrépole e que fizeram derivar das altas cumeadas de seus colégios, derramaram-se pelas duas verten- tes, — a das senzalas ¢ a das aldeias de indios. Embora nfo tenham chegado com todo o set esférgo, a neutralizar as in- fluéneias que foram enormes, das duas culturas, -~ indigenas ¢, sobretudo africana, a mais préxima e penetrante, 6 certo {ue conseguiram conté-las bastante para que a unidade cultural | Ho se dissolvesse ou Se quebrasse sob a pressio permanente de uma extraordinaria diversidade de elementos heterogéneos. ‘As geragdes que se formaram sob sua direcio espiritual, em mais de dois séculos, souberam, pois, transmitir quase na stia integridade o patriménio de uma cultura homogénea, — fa: mesma lingua, a mesma religio, a mesma concepeio de vida @ os mesmos ideais de “homem culto”, soldando, pelas eama- ‘das superiores da sociedade, todas ésses nticleos dispersos que, do sul a0 norte, se desagregavam ao assalto de poderosas f6r- gas de dissolugo. Humanistas por exceléncia ¢ os maiores de tempo, concentraram todo 6 seu esférco, do ponto de vista flectual, em desenvolver, nos sous discipulos, as atividades rrias ¢ académicas que correspondiam, de resto, 0s ideais, jornem cult” em Portugal onde, como em téda a penin- ssula ibérica, se encastelara o espirito da Idade Média ¢ a edu- cagéo, dominada pelo clero, nfo visava por essa época sendo formar letrados e eruditos. O apégo ao dogina 4 autoridade, a tradigéo escolistica e liter i pela ciéneia ¢ a repugniincia pelas ati tieas tinham forgosamente de caracterizar, na Colénia, toda 1 educaggo modelada pela da Metrépole que se manteve fe- chada e irredutivel a0 espirito eritico e de andlise, & pesquisa fe 2 experimentagio e, portanto, a essa “mentalidade audaciosa ‘que no século XVI desabrochou para no XVIT se firmar: um séeulo de luz para a restante Europa e um século de treva para Portugal”. Néo que tivesse desertado da “‘restante Euro- pa”, além dos Pireneus, a velha mentalidade escolistiea, — fA mesma que imperava, sem contraste, na peninsula; mas com ela, e ein luta aberta, j4 cocxistia essa mentalidade revolucio- névia, que brotou do espirito eritico, da liberdade de inves- TW Auda tile, Eno, ition, Sar NOW, 1980, pa. 2. tigagfio e dos métodos experimentais ¢ rasgava vigorosamente ‘o-caminho entre as forgas ainda vivas da tradigao. + A obra civilizadora que 0 jesuita realizou no Brasil, nos dois séeulos iniciais da colontzagéo, nio pode, pois, ser com preendida se nao situada na sua época, dentro das condigées 8a vida social, na Metr6pole e na Colénia, ¢ do espirito com que nascen a Companhia e que ela transportou para as mis- s6e8, Em face da juta que se travava na Europa entre 0 cato- licismo e 0 protestantismo, o espirite de reforma e de livre fexame ¢ 0 de autoridade e disciplina, éle tomou, desde as suas origens, uma posiggo de vanguarda, em defesa da Igreja, con- tra'a Reforma e o espirito moderno, Desde 1554, quando Santo Indcio adotou o plano de campanba, rigorosamente aplicado, a partir de 1573, com as modificagées introduzidas por Gregério XIII, 0 instituto inaciano tomou o cardter de uma ordem jnilifante anti-reformista, passando definitivamente para o pri- meiro plano de suas atividades a fungdo educadora e o comba- te ao protestantismo. As diferengas de idéias ¢ de processos Ge educagao, na América do Sul e na do Norte, provém nio 56 Ga diversidade de temperamentos dos povos que conguista- wram essas regiées, mas da oposigio entre dues sts, — a que se manteve fiel A ortodoxia cato- e € que implantou o cisma religioso, fixando-se nos paises ‘opeus do norte, enquanto os do sul, como Portugal e Espa- “tha se conservavam catélicos..Ao lado de uma concepeio dever ¢, comum aos dois campos em que se sti mo, é preciso reconhecer no inglés, como até testante da Inglaterra e de outros paises, mai de espfrito. Em teologia, como em politica e em eféncia, o in- gis reousa-se @ aceltar as opinides recebidas, tendendo a formar éle mesmo uma opinifio. Longe de proibir o livre exame, © protestantismo o exige. Ble é bastante largo para permitic 0 uso da tezio, bastante simples para seguir melhor a evolu- gio das idéias modemas, retendo, contudo, o essencial da £8, ero que permite manter-se sempre vivaz, entre os povos anglo-saxdnicos, o sentimento religioso. O jesuita, que nio acreditava muito na liberdade, & ao contrario, e por exce- Téncia o restaurador do dogma e da autoridade, em que en ‘controu o meio de se impor aos selvagens cujos instintos a ci- Vilizagdo ainda no havia domesticado, e na qual reconhece € proclama apesar de todos os erros que foi condenada a come- fer, um dos meios de que a humanidade podia dispor para se a clever gradualmente dos estégios sociais inferiores as diver- sas feses de civilizagio. A sua cultura, — e nenhuma das or- dens religiosas depois do século XVI a elevou a tio alto nivel —, & antes de tudo uma cultura “de profissio”, que se go- verna, se orienta e se mede segundo as exigéncias dos minis ‘téxios do sacerdécio e do ensino; uma cultura que tem por fim a formagéo do humanista e do filésofo, mas como base da for- macio do perfeito tedlogo; uma cultura disciplinada para se fazer moral, triturada para a catequese e para o ensino, equi- pada como ‘arma de combate para as lutas religiosas, florida para os torncios do espirito, espléndidamente ornada para 0 ' dosado, mas cet, na Colénia trabalhada por fermentos de dissolugio, um papel eminentemente conservador e, ensinando as letras & | moeidade, fé2 despontar pela primeira vez na Col6nia o gésto sou sem pensemento ¢ set tada as Tetras. Mas, além tescimento do “espirito moderno”, mas as condigies mais ele- mentares de vida intelectual, uma cultura mais livre e frag- mentada, prematuramente desenvolvida, sem um lastro de tra~ diferengas e @G0. Foi o que, antes de tudo, se evitou com a influéneia cultural do clero e, particularmnente, dos padres da Companhia, que eri- giram em prinefpios de agio a autoridade ¢ # disciplina moral ¢ mental; com a solidez de sua sua escala hierdrquica, com set tribadas na Igreja, cor as suas idéias claras e pi itura uniforme, propagada em todos os seus frouxos pela imperfeico das instituigdes, mais fracos se torna- ram ainda pelas Iutas ¢ dissengdes internas. aa 17 Se os jesuitas atacaram, no século XVI, a misséo civiliza- |dora a que se propunham, comegando, como era natural onde ‘tudo fallava, pelas escolas de ler e escrever, nio so detiveram, porém, no ensino elemeniar nem mesmo no primeico século, em que j4 mantinham, nos colégios do Rio de Janeiro e de Per- nambuco, aulas de humanidades, e conferiam, no colégio da Bahia, og graus de bacharel, em 1575, e em 1578 as primeiras Iaureas de mestre em artes. O ensino elementar néo lhes ser- via sendo de instrumento de eatequese e como base para a or gonizago do seu sistema que, a0 se encerrer 0 século XVI, J4 havia atingido na Bahia o curso de artes, com quarenta e5- tudantes em 1598 e que, menos de um séeulo apés a sua che- “gada, alcangara quase 0’ maximum de expansio pelo territério ido pafs. O primetro século foi, pots, o de edaptago e cons- ftrugio, e 0 segundo, o de desenvolvimento e extensio do sis- tema edueacional que, adquirida a altura necesséria, foi alar- gando progressivamerte, com unidades escolares novas, a sua esfera de aco. Segundo a Ratio studiorum publicada etn 1509 mi que se copoctenem peus da Companhia se completavam com um biénio de espe- cializagio, reservado & preparagéo de lentes de universidades, mem in litteris humanioribus, ministrando-Ihe nentemente literfrio de base cléssica, e cor mesmo, como curso de humanidades, 0 verdat téda essa estrutura, sdlidamente montada, do e1 Foi éste, — 0 das letras humanas, 0 curso que forma Colla, nos clés de padres. Q euro de Some ¢ ins, também chamado “de artes” e dividido em trés Aristdteles, segundo os escolAsticos, estava tudo: nada que in~ vestigar ou que discutir; s6 havia que comentar. Assim téda a9 a a vida intelectual, “no que toca ao estudo do mundo externo, escreve Anténio Sérgio, ficou reduzida a comentarios. Comen- tar os livros da antiguidede; comentar, sutilizar, comentar. Era um sonho de sutilezas formais, um jOgo de ilusdes aéreas Esmoja-se sempre um eterno cfbo, de nulo valor alimentar; ia.se percorrendo umn eterno cireulo, como o cavaleiro no re- dondel” #. No Brasil instalou-se pela primeira ver ésse curso de artes no colégio da Bahia, em que, ao terminar 0 século XVI, como afirma Serafim Leite, j& “era florescente e numeroso”. Formado 0 humanista, no curso de letras humanes, e o filé- sofo, no das artes, estava o aluno do jesuita, se se’ destinava a0 ministério sacerdotal, em condigdes de enfrentar o terceiro ‘curso, de teologia e ciéncias sagradas, que constituia, num qua- trignio, o coroamento de todos os estudos e que, servindo mais diretamente aos fins da Companhia, s6 se instalou em seminé- los maiores ¢ em casas prepostas & formacio intelectual dos Jesuitas. Foi éste o plano adotado no Brasil, depois da publi- cagdo da Ratio studiorum em 1599, pelos padres da Companhia que Ihe introduziram modifieagées, no sentido de adapté-lo 4s necessidades peculiares & Igreja na Colénia, como a subs- do grego, nas aulas de humanidades, pela Kngua bra- , “instrumento {itil e até necessirio para a catequese”. século XVIT possuiam os jesuttas, além de escolas para meninos e outros colégios mencres, onze colégios prépriamente dilos, a saber: 0 de Todos os Santos, na Bahia, fundado em ‘para 0 ensino da retériea, filosofia e teologia #, o do Sio ed Bata \Schastido, transferido de Sdo Vicente, em 1561, ¢ instalado ‘eom ésse nome no Morro do Castelo, no Rio de Janeiro; o de Olinda, que passou de simples residéncia e escola elementar | a colégio, em 1568; o de Santo Indcio, em Sio Paulo (1631); 0 ide Sao Miguel, de Santos (1652); 0 de Sao Tiago, no Espirito Santo (1654); o.de Nossa Senhora da Luz, ranhio, e 0 de Santo Alexandre, no 1052, thas $b clevades 4 entegorie Jo “eagles penfeltos, cm 1670; 0 de Nossa Senhora do 6, no Recife (1678), o da ba (1683) ¢ o Seminério de Belém, da Cachoeira, caja funda~ cdo foi solicitada e obtida, em 1687, pelo P* Alexandre de Gusmao. Se se acrescentarem a ésses’estabelecimentos, j flo- ios fundados, no ‘século seguinte, na Paraiba, em Peranagua, na Bahia, no Pard, e no ‘Maranhio, subira a dezessete o nimero das igGes de en- sino e de cultura que mantinham os jesuitas, quando foram expulsos do Brasil, De todos ésses colégios, os mais importantes e os que maior influéncia exerceram, foram 0 de Todos os Santos, na Bahia, fem que se educou o P.* Anténio Vieira ¢ 0 de Sao Sebastifo, no Rio de Janeiro, os quais apresentavam, intelramente mon~ tada, a organizagzo do ensino jesuftico, desde o curso de letras humanas € 0 de artes, até o de teologia e ciéncias sagradas. Foi por éles que passaram a maior parte dos brasileiros que professaram na Companhia de Jesus e exerceram o ministé- rio do sacerdécio e do ensino em seus colégios espalhiados por quase todo 0 territério colonial, Kram, por assim dizer, semen- teiras de religiosos, as casas matrizes da Companhia em que © ensino, para a formagio de sacerdotes, se elevou a um alto nivel, chegando a realizar-se no Rio de Janeiro, forme se'deduz do documento de 1747, existente na teea do antigo colégio Anchieta, de Nova Friburgo —, defesa de teses de filosofia que, no julgamento ‘Stara do P.* Manuel Madureira, “nada t8m a invejar aos atuais progra- mas de controvérsias filoséficas das grandes universidades catélicas”. Grande némero de padres que foram professéres nos 17 colégios de jesuftas, esereve ainda o Ps Madwreira, “fize- yam todos os estudos no Brasil, como por exemplo o P.* Vieira que 34 era o “grande Vieira”, quando foi Europa pela pri- meira vez, tornando-se mais tarde o assombro de quantos 0 ou viram e puderam admirar, no Brasil colonial, a eprimorada for- magio que a Companhia’ de Jesus dava a’ seus filhos”. Mas, nesses dois colégios, como o da Bahia e 0 do Rio de Janeiro, fe em todos os demais que se estabeleceram desde o século XVI até a expulstio dos jesuitas, em 1759, os padres da Com- panbia, ensinando o latim e a gramética a meninos brancos ‘e mestigos, formaram os primeiros bacharéis ¢ letrados do Bra- sil e prepararam para os estudos superiores em Coimbra todos os jovens que, preferindo a carreira de direito ou de medieina, eram forgados a procurar universidades na Europa, sobretu- do a da Metropole, A éstes, — porque nfo havia escolas supe- riores no Brasil —, ministravam os jesuitas o preparo funda- mental nos seus colégios, onde muitos estudantes receberam, nos colégios da Bahia e do Rio de Janciro, o grau de bacharel ow a Ticeneiatura em artes", No ensino destinado & mocidade | que nfo aspirava ao ministério sacerdotal, no clero secular ou regular, nfo cuidoa Portugal de montar, sObre seu sistema, uma faculdade superior, para qualquer especialidade (como di- | 8 Oe reito civil, canénico ¢ medicina, que eram disciplinas privativas de Coimbra), nema mesmo conseguiram os jesuites que 0 go- vérno portugués reconhecesse 0 curso de iilosotia e cléncias (curso de artes), a despeito de varias tentativas como a dos mereadores da Bahia que em 1671 em vao solicitaram a El- rei D. Pedro II a equiparagio do Colégio de Salvador ao de ivora, a fim de nfo serem obrigados a enviar os filhos go rei- no para completar os seus estudos. Excelentes estabelecimentos de ensino de humanidades, com um esbéco de superior para leigos, tiveram, parém, uma importAncia capital em nossa for- mage ésses colégios de padres que foram, no século XVII e XXVIII, “as massas mais imponentes de edificagio nas primei- ras eidades do Brasil”; suntuosos sobrados de pedra ¢ cal como o da Bahia, que Gilberto Freyre descreve, apoiado em Gabriel Soares, —- com seus cubfeulos para 80 religios0s, gran ios, muitos dos quais ‘‘ficam sObre o mar com gran- com capacidade para 200 meninos, ¢ com umes \de recothem o que Thes vinhe por mar ¢ era ramentas, livros”, Pela aco cultural désses educadores infatigaveis, jé nfo era somente pela pro- priedade da terra e pelo mimero de escraves que se media a importincia ou se aveliava a situagéo social dos colonos: os graus de bacharel e os de mestre em artes passaram a exercer ‘© papel de escada on de ascensor, na hierarquia social da Colénfa, onde se constituiu uma pequena aristocracia de letra. dos, futuros teblogos, padres-mestres, juizes e magistrados. Nes- ses enormes casardes de pedra e cal, os jesuitas estabeleceram, de fato, no s6 instituigées para transmitir a heranga cul- tural dé uma geragio a outra, mas agéncias i igo, — as tmicas existentes na Colénia, e cuja im- i sulagio social vertical, se pode escritores, poetas e oradores, clérigos, izes, educados nos colégios de padres. igées socials que mais serviram de canais ia patriarcal, a igreja e a escola, estas duas illimas, que constituiram um contrapéso & influéneia da | casa-grande, estavam praticamente nas mos da Companhia: quase téda a mocidade, de brancos ¢ mesticos, tinha de pas- sar pelo molde do ensino jesuitico, manipulada pelos padres, fem seus colégios e semindrios, segundo os prineipios da mosa ordenagio escolar, e distribuida para os fungdes eclesias- ticas, a magistratura e as letras. O gOsto que despertaramn pe~ los estudos e pelos titulos académicos (e aqui nao se conferiam, desernbargadore (Bntre as trés in de ascensio, a f 2 para os leigos, senfo os de bacharel e licenciado em artes), € 0 desejo de ascenso social, tao. vivo entre mestigos come em filhos brancos de senhores de engenho e de burgueses, to- naram cedo a universidede um ideal comum: “a magistratura, honravam por seus privi- 1 egrégio, devam-Ihe prin- ‘tuagao, a0 par dos car- /, © ensino jesuftico montado na Coldnia, para a mocidade em { geral, abrangia em quase todos os colégias o curso de letras | humanas, ensino médio de tipo clissico, atingindo, em algumas | easas, como no colégio central da Bahia e no do Rio de Janei- + To, 0 curso de artes, intermedidirio entre o de huma | 08 cursos superiores. Era nessa altura, ao terminar 0 letras e de artes (filosofia e ciéncias), que o ensino, ara a uniformidade intelectual, se ramificava em dois cami- 2 0 que levava ao curso de teologia e ciéncias sagradas ‘para as carreiras eclesidsticas) © o que infletia para os cursos a medicina, Aquéle era dado ou pelos préprios {esuitas, no colégio central da Bahia e nos semindios maiores, ou na Faculdade de ‘Teologia, em Coimbra; éstes, que prepara vara para as carreiras profanas (profissdes liberais) nfo eram ministrados senfo em universidades européias, i mente, na de Coimbra, -— a finica @ rigor existente no rein a nfo ser para’o clero regular ar, éste formado em Coimbra ou pelos jesuitas na , Sobretudo no século XVII; e, para os que nao se des- tinavam ao sacerdécio, mas a outras carreiras, abria-se, nesse panto de bifurcacdo, o tinieo, longo © penoso caminho que le- vava as universidades ultramarinas, & de Coimbra, organizada sobre 0 modélo bolonhés e mais reputada para as ciéncias teo~ logicas e juridicas, e A de Montpellier, na Franga, que recebe- ra, na bacia do Mediterraneo, as tradigbes médieas dos gre- 0s, desenvolvidas e enriquecidas pelos judeus ¢ pelos arabes. © govérno portugués, ao qual a cimara da Bahia requerera em 1871 a equiparagio do colégio loeal ao de Bvora, permitira apenas, pela provisio de 16 de julho de 1675, “que aos estu- dantes de retérica ¢ filosofia que tivessem cursado as aulas dos Jesuitas na Bahia, se levasser em conta na Universidade de Coimbra ¢ na de Evora, um ano de artes”; priticamente corn} essa proviso se havia reduzido o ensino geral dos jesuitas na Colénia ao curso de letras humanas, e se fecharam tédas as! 24 perspectives para a erlagéo no Brasil colonial, de cursos supe- lores destinados & preparagio para as profissées liberais. A Politica governamental tragara definitivamente o itinerdrio a ser percorrido pelos estudantes brasileiros e que, colégios de padres, pelo curso de humanidades, de artes”, fundado em 1548, na reforma joanina e organizado por André de Gouveia, sou primeiro diretor, estava destie 1555 em poder e sob a direcdo dos jesuitas. Que os estudos propedéu- ticos, de gramética, Iatim e retéri Companhia, féssem dados na Coléi a Portugal interessava impedir; mas a da Metrépole conveniente senio dos na sua velha Universidade a que comeearam a afluir, desde o séeulo XVII, estudantes brasileitos. A Universidade de Coimbra passou a ter, por isto, lum papel de grande importancia na formagio de nossas elites culturais. Foi nela, de fato, que se formaram em direito, sofia e medi vase todos os homens graduados do Bi se despontaram para as letras, a medicina e a magistratura algumas das figuras de meior vulto de nossa histéria intelec- tual, nos trés primeiros séculos. Mas, constrangendo os jovens brasileiros a completar os estudos em Portugal, em vez de atingir os seus propdsitos, de “‘desenraizi-los”, de lhes quebrar os impulsos de independéncia ou dessa rebeldia natural de fi hos de colonos, de aportuguesé-los, 0 que alcangou a pol da Metrépole foi aproximar ¢ tornar conhecidos uns dos ou- tros, estudantes provindos de capitanlas diversas e, por essa forma, alargar-Ihes o horizonte sobre a péitria territorial, acima e além das fronteiras de suas provincias. Se, por um lado, éles se tinham de tornar, como se tornaram de fato, prisioneiros dos hébitos morais e intelectuais, contraidos no ambiente uni- versitério portugués, as lembrangas da familia, as diversidades de costumes e de tendéncias, e a situago de inferioridade em relagio aos estudantes reindis tendiam, por outro Iado, a uni- Jos entre si, a atrailos para o Brasil’ ¢ a fazé-los descobrir © despertar' de um sentimento novo, — 0 de uma patria, primitiva e rude, de frontoiras méveis, em formagGo, de que comegavam a ter uma visio de conjunto, e nao teriam tomado consciéneia, no isolamento de suas capitanias distantes. Pois 0 sentimento nacional no se desenvolve sdmente pela comuni-| dade de raga ou de Iingua, nem mesmo pela livre escolha de | uma vontade refletida: 6 0 impulso de todo o nosso ser que, } uma vez despertado, nos proibe de pensar que poderiamos per- / tencer a uma outra pitria que nao a terra gue nos viu nas- {_cex, — timulo de nossos pais e berco de nossos fillos. a égios estabelecidos nos sGculos XVI e XVI, 1, de quem foram os primeiros mestres fundaram os jesustas no sécalo 3s para o clero secular, a cuja formagio trou- itimna fase da Companhia io. A Ordem, em todo jivamente a seu cargo nfo 36 inda a formagio do ipalmente entre os ele- quando no século an- le elérigos portuguéses. © fervor eatélico dos padres da Companhia, a sua cultura e a habilidade profissional com que exerciam 0 magistério, e a escassez de sacerdotes, no clero secular, em condigdes de assu- mir 0 eneargo de preparar os candidatos as carreiras eclesiés- tices, levaram os bispos na Colénia como em Portugal, e até orto ponto em téda a Europa, a confiar aos filhos de Santo Inicio a formaco dos sacerdotes e a diregio dos primeiros semindrios. Se 0 século XVI em que avulta, projetando-se pelo seguinte, a magnifica obra de eatequese ou de conversio do gentio, foi, do ponto de vista da instrugio, organiza Go do sistema do ensino jes: éeuilo XVII, 0 da ox- ‘Pansiio horizontal désse sistema quase inteiramente construido no primeiro século, éste iiltimo, o XVII, & 0 da organizagio dos seminétios, de que apenas’ um se estabelecera anterior- ém, da Cachoeira (Bahia), fundado em 1687, ow por iniciativa de Aleandre de Gusmio. No foram, de fato, criados, além de outros menores, © seminario da Paratba em 1745, o do Paré, em 1749, 0 do Ma- ranhio, etn 1751 e o de Paranagi, em 1754, sendo os dois mais importantes os do Paré e do Maranhéo, que constituiam, des- de 1725, uina viee-provineia da Companhia, com dois grandes colégios e dois seminarios ™, Vé-se, materialmente falando, nes- a educagéo dos rapazes br: clero que mentos loc sas iniciativas umas aps outras, apertar-se cada vez mais 0 eSreo da Companhia & volta da educacdo da sociedade colo- nial, para onde convergem, no esfOrgo de estender o sen pre- dominio, tédas as féreas e todos os recursos dos jesuitas. Fun- dadores de seminérios, para a formacéo do clero secular, con- tribufram néo sé para elevar o nivel da cultura religiosa no Brasil, mas, formando sacerdotes, mais tarde padres-mestres ¢ capelies de engenho, transmitiam o seu espirito e a sua cul- | tura Zqueles que, depois da oxpulsio da Companhia, se toma- ram de certo modo os depositarios da tradigo do en: i tico, e 0s principais responsaveis pela educagio dos brasileiros, Nao for a contribuigdo trazida pelos jesuitas & preparagio do clero secular, nos seus semindrios, maioros ¢ menores, de que sairam em grande parte os padres-mestres ¢ capelaes das casas-grandes, e nao se terla conservado a trax digéo humanistica e literdria do ensino jesuitico tio viva e intensamente que, 70 anos depois da safda dos jesuitas, ela ressurgiu, ein todos os colégios leigos e confessionais, inteira- mente Vitoriosa de varios embates com tendéncias e correntes contrérias. i certo, que para isto, devia concorrer, no século XIX, a pressio de outras influéncias semelhantes sébre a ve- tha cultura colonial que, tendo-se deslocado da érbita dos jesui- tas, cai, no século seguinte, sob o dominio da lingua lite- rratura francesa que, tornando-se as mais humanas e universais da Europa, operavam a penetragio intelectual no mundo e cujas idéias e tendéncias se infiltravam em. nossos espiritos j mais do que as de outras nagdes. Quando ela passou a gravitar ! em térno dessa literatura universal, didética, impessoal e de- sinteressada, mais do que nenhuma outra fiel as tradigdes clés sicas, a cultura brasileira nao teve de desviar-se sensivelmente Ga linha de diregio literéria que Ihe imprimiram os jesuitas, -educadores do Brasil colonial, e os principais educadores dos \ franceses desde a fundagio da Companhia até a sua extingao por Clemente XIV, cm 1773, e, portanto, 14 anos depois de ter sido ordenada por Pombal a expulstio dos jesuitas. Mas, se observarmos atentamente o que se passou apés a partida dos padres da Companhia, sera facil verificar, apesar de tida a decadéncia do onsino que dela resultou, no tiltimo poriodo colo- nial, a persisténeia da heranca literéria, cléssica e didética, que faz parte, com a heranca cat6lica, das maiores tradigies deixadas por ésses religiosos que tiveram a direcSo exclusiva da educagio e mentalidade coloniais. A explicagéo désse fato encontra-se niio s6 na atividade pedagégica das ordens monés- ticas, como sobretudo, na influéi ta que os jesuitas exerceram, desde os fins do séeulo XVII, na formaggo do lero brasileiro, preparando nos semindrios varias geracées de padres-mestres e capeles e fazendo do clero secular que Ihes devia sobreviver, 0 guardido de suas tradi¢des pedagégicas e Mterdrias. jotecas e, por iniciativa da Academia dos Seletos e de seu presidente, — um jesuita, o Ps Francisco de Faria, fundou-se, no Rio de Janeiro, no século XVIII, a primei- ra oficina tipogréfica, dest vérno portugues (Carta de 6 de julho de 1747), que “mandou sequestrar e remeter para Portugal as letras de im- prensa, protbindo que se imprimissem livros, obt avulsos e cominando a pena de prisdo para o rein: cia quase absoluta de inieiativa dos colonos que, ao contrario €o colono inglés ¢ protestante da América do Norte, no trou- xeram, como ideal religioso, o da instrugio; a pemiria e a ignordncia dos clérigos importados do reino, e a inatividade externa das ordens monésticas que se mantiveram, alé os Sins do século XVII, recolhidas aos seus conventos e figis as trae GigGes ascéticas, concorreram, como outras tantas causas ass0- ciadas & politica negativa e absolutista da Metropole, para dei- da educagio colonial inteiramente livre © aberto 20 dominio pedagégico dos jesuitas. Educadores, por vocagio, mestres notaveis a todos os respeitos, éles puderam exercer ee RE nets tase cola, tn “Cain dM do Tends eve aS phar de PES me tem 8 na Colénia, favorecidos por circunstincias excopcionais; um verdadeiro ‘monopélio do ensino, a que néo faltava, para ca- racterizé-lo, 0 apoio oficial que Ihes deu o govérno da Metré- pole, amparando-os, na sua missio civilizadora e pacffica, com Jargas doagdes de terras e aplicagdes de rendimentos reais & dotagaio de seus colégios. O govérno de um pafs como Por- tuigal, “que se exauria em tentativas coloniais desproporciona- das com seus recursos em homens e meios materiais”, tendia forcosatnente a concentrar todo o seu pensamento e todos os seus esforgos na exploragio e defesa das colénias: a educa- gio no the interessava senfo como um meio de submissio € de dominio politico, que mais ficiImente se podiam aleangar pela propagacio da #8, com a autoridade da Igreja e os freios da religio. Ble a confiou, na Colénia como no Reino, & Com- panhia de Jesus, j& famosa pela superioridade de suas esco- Jas e que, pelo seu zélo apostélico, estava mais do que qual- quer outra order em condigies de realizar uma larga obra de penetracdo ¢ de colonizacdo das terras de Portugal no Novo Mundo. Nao interveio o govérno diretamente nos planos de ensino e da cultura sono para eriar, & margem do sistema jesuitico, escolas em que se aprendesse a joger a artilharia, borear a pea e carregé-la, © a construir fortificagées, como fa escola de artitharia e arquitetura militar, da Bahia (1699), e aula de artilharia criada em 1738 no Rio de Janeiro, ou para cortar pela raiz instituigSes, como a universidade e a imprensa que de futuro pudessem constituir focos ou instru- mentos de Iibertaeo dos colonos. Com a mesma mentalidad cota que, em Caria Régia de 19 de margo de 1614 e pe vard de 21 de fevereiro de 1620, proibia co governador-geral de visitar as diversas capitanias sem expressa permissfio de Elrei (convinha, para imperar, manter as capitanias, sendo divididas, distantes e isoladas), recusou em 1675 a equiparagéo do colégio da Bahia ao de Evora e mandou queimar e destruir em 1747 0 primelro estabelecimento grdfico que se instalou no Brasil... A universidade e a circulagio de livros impressos podiam constituir ameaga a unidade de padréo cultural e um perigo para 0 despotismo lusitano. Largado inteiramente nas suas mis, hibeis ¢ firmes, a Companhia de Jesus que des- de 1555 dominava o ensino’puiblico de todo o Reino e $6 no continente, no momento de sua expulsao, tinha 24 colégios © 17 casas de residéncia, conseguiu organizer o ensino colonial, nos seus 17 colégios e seminérios, como entendeu, de acérdo = 45 A cate Bronte com os princfpios e padres fixados nos seus estatutos peda- ogicos. A treva espéssa e profunda a quo, no dizer de Viria- Fee Someia, Portugal atirou o Brasil, era porém a mesma que descora stbre 0 proprio Reino, j& em decadéncia, fechado fnsensfvel as novas comrentes etiropéias ¢ & agitagao intelectual ‘ cieniifica que rondava a Metropole sem atingi-la no sea ralo fie agio, Pontos Iuminosos nessa vasta zona de sorabra, as es tolas dos jesufias, no Reino como na Colénia, marcavam, com Seu ensino uniformne, semi-oficial, de tipo elféssico, montado para f formnagso de clérigos e letrados, o maior esférgo desenvolvido par uma associagéo roligiosa para eriar uma “cultura de eli~ >, gem davida artificial, universalista em sua esséncia, mas tac intensamente trabalhada que persistiu no século, seguinte, tomo um residuo na tradic&o intelectual dos dois paises, equi- Hprando-se entre as suas fércas interes © a pressfio perl férica de outras influéncias estrengeiras. Essa cultura que ficou sempre a de uma elite; que 0 povo nfo assimilou nem podia ascimilar, e pela qual o Brasil se tornou por muito tem= po, na América, “um pais da Europa”, teve, no entanto, efel- Poy da maior iporténcia, na criagéo de tendéneias © carac- teristicas das classes dirigentes, na Zormagéo da burguesia € Ho estabelecimento de wma tradigio e continuidade nacionais. ’De todos of ramos de atividade dos jesuitas, 2 educagio das elites ¢, nesse dominio, ovensino literério de fundo clés- Sco, que £@z sentir a sua influéncia mais profundamente e mais Jonger & por éle, sobretudo que a Companhia foi mais rica ¢ constaniemente representada nos seus colégios espathados por tda parte. Fol nessa cultura humanistica e Iierdria que procuraram divulgar também entre nés, numa sociedade pri Eiitiva ¢ rude, inorganizada e heterogenea, pondo ao aleance dos rapazes, fillhos de colonos, o que era na Idade Média, apa- nagio de elerigos (dai, o duplo sentido de clere, clérigo de le 'a Renascenga, privilégio dos eruditos de profissio, Para apreciar com justiga essa cultura padronizada, Be tendéncia universalista € tipo clissico, transmitida pelo fensino jesuitico, € preciso que nio se veja & luz da civiliza go atual, mas que, remontando aos séculos XVI e XVIE, se Examine e se meca pelos costumes ¢ ideais de entio, segundo os quais se pretendia manter o latim ainda erguido & catego tia de Ingua geral ¢ sustentar nos homens o fascinio pelas ‘aié a cOpia servil dos modelos antigos. Que a 1a essa tradigo, s6 formou, no Brasil, clé- , basta para prové-lo o fato de que, nas vé- rias geragées de estudantes, que passaram pelos seus colégios, nenhura déles so destacou na Colénia por qualquer interésse “éneias fisicas e naturais ou preocupagao com atividades Cientificas, téenicas e arlisticas. Foram todos letrados, eronis- {as e histeriadores, como Frei Vicente do Salvador, Rocha Pita e Pedro Taques; poctas como Gregério de Matos, Claudio Ma- ‘nuel da Costa e José Basilio da Gama ou oradores sacros como Busébio de Matos e tantos outros cujos nomes se apagaram i * Anténio Vieira, com suprema- $ncomparavel de seu génio. Este, 0 maior de todos os disefpulos de jesuitas, nos colégios colonials, — prosador notivel e deram a polir e @ burllar a frase os fensaiaram os seus véos as aguias da eloqiiéncia sagrada e po- litica; lapidario méximo da linguagem portuguésa, opulenta e formosissima, foi nas suas qualidades e nos defeitos, des- proporcionados pela exuberdncia de seu talento, a expressio mais alta dessa educacio intelectuelista, ea e formal, ‘oncentrada na cultura da palavra, da forma, do gésto literd- Ho e da imaginagio, Mas, mesmo em literatura, de um for malismo estéril, — se excetuarmos um Gregério de Matos uum Basilio da Gama, poetas, e um Anténio Vieira, cuja elo- gléncia é uma harpa possuidora de t6das as gamas, na qual perpassam tddas as notas e vibragées —-, 0 espfrito clissico, Teduzido & forma pela forma, se diluia em reminiseéneias hu- ;omo aliis em Portugal, standardizada, de uma estilo, de imaginagdo e de pensamento, raramente atingida na hristévia das letras. A primeira obra cientifica, a Historia Natu- ralis Brasiliae, de Piso e Maregraf, em que se condensavam Cbservagies importantes sObre a medicina, a flora e a fauna do pais, surgiu Gurante a ocupagzo holandesa em Pernambueo, fe, apesar de publicada em 1648, em latin, — lingua ensinada fem todos os colégios de padres nao logrow despertar nenbum {nterésse no Bresil nem deixar vestigio de sua existéneia muma ‘yaga alusio em téda a literatura colonial. Por melhor que fOsse a organizagéo do ensino jesuitico e por seguros e eficien- ‘des que féssem os seus métodos, com que se cobriram de ‘por téda parte como humanistas, é certo que, praticados den- fro de um sistema de ensino tinico, excessivamente literario fe retérico, sem o estimulo de influéncias renovadoras, tende- ram A uniformidade ¢ & estagnagio e nfo ficaram ineficazes so para a erradicagio de t6da a atividede livre e criadora do espitito. Nao resiava, de fato, uma tiniea porta para, por meio dela, se introduzir um fermento novo na massa désse onsino semi-oficial que, organizado para a formacéo de letrados e ccasuistas, tinha que forcosamente impelir para as letras as ten- aéncias das elites dirigentes, osigdo entre estas ¢ as classes dirigidas © constituir-se num “sistema de ensino aliado da cidade contra os campos”. Desenvolvendo antes de tudo as atividades literdirias e académicas, e “dando um valor exagerado ao menino inteligente com queda para as Ictras”, os jesuitas criaram muito cedo, com a tendéncia literdria ¢ © gosto que ficou tradicional pelo diploma de bacharel, o des- prézo pelo trabalho téenico e produtivo, e fizeram de seus co- égios canais de circulagio horizontal, do campo para as cida- des, e de ascenstio social e, portanto, elementos poderosos de urbanizagio. “Nos seus enormes casarées de pedra e cal, os- creve Gilberto Freyre, prepararam-se no Brasil os primeiros Jetrados que seriam os primetros bacharéis, os primeiros juizes, padres e desembargadores, homens mais da cidade que da mata” Certamente, cuidou o jesuita também da lavoura e da in- Giistria; e, oxganizando e explorando as suas fazendas, montan- do os seus engenhos, péde tornar-se, j4 no século XVII ¢ so. bretudo, na primeira metade do XVII, “o grande produtor colonial, o maior fazendeiro dos trépicos”. Para a consirugio de suas igrejas e de seus colégios ", como para a instalagio de suas fazendas e a experimentago de suas culturas, nfo po- diam faltar operérios e mestres capazes que vinham’do Reino ou se recrutavam quer na massa de escravos negros e dos cablocos catequizadas, quer entre os irm&os leigos, especiali- zados num grupo de offefos. Nos novieiados da Companhia, e, mais geralmente, antes de tomarem a roupeta, #4 se seleciona- vam, pelas suas aptiddes, os religiosos que deviam ascender 08 ministérios do sacerdécfo e do ensino, e aquéles que, termi- nado o biénio de provagées, seriam aproveitados nos servicos auxiliares ou nas atividades manuais © mecdnicas. Os jovens irmios leigos, vivendo a mesma vida religiosa e trabaihando lado a Jado com os mais velhos, metres hibels ¢ experimen- tados, faziam a sua aprendizagem, neste ou naguele officio, ex condigdes que satisfizessem aos interésces © as exigéncias das casas, igrejas e colégios, Mas tudo isto, a exploracéo de suas fa- zendas, de que vendiam os produtos; 0 aproveitamento do tra~ balho do escravo ou do fndio ¢ a propria formagéo ptofissional, sob a pressfio das circunstancias, de um corpo de mestros ¢ iciais, néio eram senfo meros instrumentos, meios para a rea- ypanhia, como & vida colo- les para exigirem uma formagio especial, transmitiam-se diretamente, de uma gerago a outra, e nao constituiam objeto de ensino para os rapazes, nos colégios de padres. A vocagio dos jesuitas era outra certamente, néo a edueagio popular priméria ou profissional, mas a educagio das classes dirigentes, aristocrtiea, com base no ensino de hu- manidades cléssicas. “Aqui, como por téda parte. Hoje, como no periodo Os seus colégios instalam.se de preferén- cia nas primeiras cidades do Brasil ¢ & sombra das casas-gran- des, no litoral latifundidrio, onde se recrutam os seus disefpu- dos ¢ a estabilidade da familia patriareal Thes oforece & cons: trugio do seu sistema de ensino a base segura e necesséria que dificilmente podiam encontrar na sociedade, molecular e flutuante, dos mamelucos cagadores de indios ¢ de esmeral- das ou dos criadores de gado. Embora, porém, montada para uma sociedade tipo casa-grande, latifundifria e escravocrata, tsa educagao “de classe", longe de contribuir para fortalecé- Ta no sentido portugués pé-de-boi, de que fala Gilberto Freyre, concorreu para favorecer o desenvolvimento de uma classe di- Tigente nova, jé em.plena formagéo, desde meados do século XVIl, — a da burguesia urbana. Esta contribuiggo do ensino jesuitieo, europeizante, universalista, no processo de urbaniza~ ‘0 de nossas elites, § foi observada com lucider, por Gilberto Freyre, em varios portos de suas obras fundamentais. Nao me parece que os padres, como éle pensa, visavam o dorainio s0- Gial s6bre 0 patriarcalismo das easas-grandes, quando ‘se es- forcavam em fazer dos meninos, 0 mais depressa ho- mens ou adultos” e estimulavam a precocidade se tornou tio caracteristica do menino brasileiro, no regime de Vida patriarcal de nossa formacio”. Mas & certo, como es- ferove 0 grande intérprete de nossa vida social, que “os meni- hos nesses semindrios e colégios foram um elemento sobre © qual, em vez de se acentuarem os tragos, as tendéncias, por ‘eriadoras mas, por outro dissclventes, de uma forma- Gio excessivamente patriareal, & sombra de pais herdicos, de Individuos em exiremo poderosos, senhores de casas-grandes, iquase independentes do mundo, se desenvalveram, a0 contré- 0 espirito de conformidade, certo gésto de disciplina, de or- ‘e de universalidade que os padres ¢, principalmente, os fas souberam como ninguém comunicar aos seus alunos eines. ses ahunos de colégios de padres foram, uma vez formades, elementos de urbanizacao e de universalizagio, nur meio influenciado poderosamente pelos autécratas das casas ‘da estagnagéo rural e da extrema diferen- ciagio re ‘Uma das conseqtiéneias, porém, cerlamente a mais larga ea mais importante, dessa cultura urbanizadora que se desen- Voiven pela aco pedagégica dos jesuitas, foi a unidade espiri- jual que cla contribuiu notivelmente para estabelecer forne- religiosa e cultural, & unidade e defesa nacionais. A influéneia do catolicismo em geral e, particularmente, da Companhia, na formagio do Bra- Sil fol, a Sste respeito, to preponderante que a Joaquim Na dueo chegou a parecer “‘de todo duvidoso que existisse a uni- dade brasileira sem a unidade da Companhia” e mesmo que houvesse Brasil “se em vida de Loiola nfo tivesse sido feito 4 provincia da Companhia” ™, quase ao mesmo tempo em que se Erganizava, em substituigo ao regime das capitanias, 0 primet- fo govérno-geral da Colénia. Foi, de fato, em grande parte pela influgncia dos padres que se preparou a base da unidade Facional na iriplice unidade de lingua, de religido e de cultu- ra, em todo o territério. Nenhum elemento. intelectual fol ais poderoso do que 0 ensino jesuftico, na defesa @ conserya- ‘Go da lingua culta, cuja agéo tnificadora é de uma importén- ia primordial e que constitulu, com o estudo do latin, o ni- Cleo central e 0 nico elemento “nacionalista” désse ensino ‘preponderantemente literdrio e retérico. Na propagagio ¢ de- fesa da {é, — outro elemento de integracio nacional —, no useram of jesuftas apenas o seu zélo missionario, na pregacio Evangélica na eatequese de gentio, mas téda a organizagio Go seu ensino nos colégics, alguns dos quais, como 0 colé- tgio central da Babia, conforme lermbra o Ps Serajim Leite, Prestaram ao Brasil, durante dois séculos, “os mais relevan- fes servigos nfio 55 dentro de sua finalidade especifica de ins- trugio ede educagio, mas até como defesa e ponto de resis- téncia contra o estrangeiro invasor”, Contra o invasor calvinis- ta, francés on holandés, rechacados nas suas tentativas de con- guista, que ameagaram fragmentar a unidade do territério © Ga religiio. A unidade de cultura, essa foi estabelecida pelo seu “ensino geral”, — 0 Unico realmente que tivemos até ho- je, organizado com ésse carter, no duplo sent nngo especial, profissional, e enquanto se opde 20 ; fou por outras palavras, pela sua natureza e pela sua exten sao. Ensino destinado a former uma cultura bsica, livre e de- sinteresseda, sem preocupagées Pi e igual, me em téda a extensio do territério. A cultura “ fque por Ble se formou e se difundiu nas elites coloniais, nfo Hodia evidentemente ser chamada “nacional” seniio no sentida Juantitativo da palavra, pois ela tendia a espalhar sdbre o Gonjunto do territério e sébre todo 0 povo o seu coloride eu- open: cultura importada em bloco do Ocidente, internaciona- lista de tendéneta, inspirada por uma ideologia religiosa, caté- fica, e a euja base residiam as humanidades Tatinas e os eomen- trios das obras de Aristételes, solicitadas num sentido eris- to. Tratando-se de uma cultura neutra do ponto de vista nacional (mesmo portugués), estreitamente ligada & cultura oul ecmetins So ten européla, na Tdade Média, e alheia a fronteiras politicas, — como tinha de ser a cultura difundida por uma “associaci esseneialmente internacional, com 0 caracteristico de verda- deira milicia papalina”, é certo que essa mesma neutralidade (se nos colocarmos no ponto de vista qualitative) nos impede de ver, nessa cultura, nas suas origens e nos seus produtos, uma cultura especlficamente brasileira, uma cultura nacional ainda em formagio. Mas, pelo sou eariter de cultura geral e uniforme, universalista etm sua esséncia e em suas manifesta- es, e pelo raio de influéncia que atingiu, acompanhando ao norte até a Amazénia, e 20 sul até Destérro, 0 avango portu- gu@s e a expansio geogréfica do pais, ela constituiu sem divi- da, numa época em que nfo havia unidade politica, um dos faidres mais importantes de integrago e de unidade nacional. Hla exereeu, através do ensino nos colégios de padres uma fun- Go unificadora, dissolvente das. diferencinges regionais; ¢, sob Case aspecto, 0s da Iingua tupi, como lingua geral, ensinada também nos colégios, @ pela concentragéo dos indios em “aldeamentos”, governados pelos padres". Embora movidos pelos mais altos propésitos, o3 Jesuitas, segregando om grandes aldeias os indios convertidos, teriam constituido verdadeiros quistos de diferenciagio étni- ca e cultural, se néo fésse a acdo contraria dos bandeirantes, ‘que, nas suas entradas pelos sertées i caca dos indios “disper- saram” o que 03 padres reuniram, contribuindo para dissolver na massa geral da cultura e da populagio as sociedades e as culturas primitivas insuladas em suas aldeias. Enquanto, na primeira metade do século XVI, a obra edu- cadora dos jesuitas atingia no Brasil 0 mazimum de expan- so, reerudesciam na Europa, contra a Companhia, as lutas que deviam terminar com a sua extingio e nas quais os ata- ‘ques partiam agora de todos os lados, das universidades e dos parlamentos, das autoridades elvis ¢ eclesidsticas, e das pré- prias ordens religiosas. Alegeva-se por tida parte que a Com- panbia de Jesus, perdido 0 entigo espfrito de seu fundador, entrara em decadéncia e que, dominada pela ambigéo do poder @ de riquezas, procurava manejar os governos como um ins- trumento politico, ao sabor de suas conveniéneias e contra os interésses nacionais. O ensino jesuitico, na opiniéo de seus adversarios, envelhecera e petrifi 5 anquilosando-se nas formas antigas, jé se mostrava incapaz de adaptar os seus métodos as necessidades novas, Em Por- tugal, intervinham ainda, para tornar mais acirrada essa cam- pana tenaz, dois elementos de propaganda contra os jesuf- tas: 0 monopélio do ensino que les exerciam desde 1655, quan- do D. Jogo HT thes confiou a direcio do Colégio das Ar- tes, e a miséria econémica e intelectual do reino, pela qual ésses religiosos eram apontados como os princip. veis. A decadéncia do reino chegara, de fato, a no testemunho de Ver juns portuguéses, dos que sairam de Portugal”, quando se achavam em pais es- trangeiro, parecia-lhes estar em um mundo novo e, se aca- s0 tinham juizo, néo deixavam de mudar de opinifio. “D. Luis da Cunha que passou por ésses lugares com louvor, © depois de longos ministérios se acha hoje embaixador da Franca, disse @.um amigo meu (escreveu Lués Anténio Verney, em 1746) que, quando saira de Portugal e ouvira falar outra gente, 0 maior trabalho que tivera, fdra procurar esquecer-se de tudo 0 que tinha aprendido em Portugal, para poder entender as coisas bem ¢ falar com propésito”. “As novas concepsdes filoséficas € cientificas que ja se difundiam por quase téda a Europa e iam genhando pouco a pouco os melhores espiritos portugué- ses, traduziram-se desde D. Jodo V em diversas tentativas 7 de reformas de estudos; e os novos ideals ¢ tipos pedagégicos que se opunham aos da escola jesuitica, ameagando destrona- Ja, tomaram expresso vigorosa nas 16 cartas do Verdadeiro método de estudar, de Lats Verney, que, publieado em 1740, teve a maior repercusso e passou a ser considerado, sob va- ‘a maior obra de pensamento que se publicou ‘Todas essas criticas assestadas contra a peda- gogia autoritéria dos jesuitas encontraram um meio favoré- Vel no reino e nos paises em que éles exerceram uma agfo pre- jerante, e cujo atraso intelectual e empobrecimento eco- co, produzido certamente por um complexo de causas e, estas, o fanatismo religioso, as perseguiges do Santo , eram Inngados & conta dos religiosos que tiveram a lirecio exclusiva do cardter ¢ educacio nacionais. A. tempes- tade armada pelas lutas politicas e religiosas e que varias vé- zes pareceu desvanecer-se, detida por tanto tempo nos hori- zontes, ia finslmente estalar. O Marqués de Pombal, em 175, ‘expulsa os jesuftas do reino e dos seus domfni do com a sua politica radical a série de medidas semelhan- tes, tomadas pela Franca (1763), Espanha, Népoles e Sicilia (1767) e por outros governes, e que culminaram, em 1773, na total supressio da Companhia de Jesus pelo Papa Clemente XIV, — centro de convergéncia dos clamores que subiam de todos os paises. Assim terminou, no perfodo colonial, com a expulsio da Companhia, a obra désses missionérios que, em mais de dois séculos, educaram a mocidade brasileira e tfo eficazmente auxiliaram os portuguéses a colonizar o Brasil, amaeiando a aspereza dos costumes de uma época de violén- cias e de rapinas, sopitando as discérdias entre casas-grandes, coaretando 0s abusos dos governos, retemperando a 2, avi- vando a caridade, spertando os freios da religiio e contribuin- do para implantar a ordem e a disciplina onde tudo conspirava para enraizar a anarquia, filha de édios civis e das lutas de classes e de ragas. A obra civilizadora désses homens que surgiram do mar, nas caravelas, para se espalharem pelo lito- ral e, a0 Tonge, pelos sertées, toca, de fato, 20 sobrenatural, para os civilizados anémicos que nés somos, amigos de praze- lor apostélico, o desprézo da morte, a mobilidade in- todos os terrenos e a sua capacidade de orgeni- zagio e disciplina nfo se podem medir, na sua grandeza, se- nfo pela serenidade e resignagéo, com que abandonam os seus colégios e partem para o exilio, sileneiosos camo soldados que dobram suas tendas... Em 1759, com 2 expulsAo dos jesuitas, o que sofreu o Brasil nfo foi uma reforma de ensino, mas a destruigio pura e simples de todo o sistema colonial do ensino je um sistema ou tipo pedagégico que se transformou ow se substituiu por outro, mas uma organizagio escolar que se ex tingufu sem que essa destrui¢ao fésse acompanhada de medidas imediatas, bastante eficazes para Ihe atenuer os efeitos ou re- Guzir a sta extensfio. Quando o decreto do Margués de Pom- bal dispersou os padres da Companhia, expulsando-os da Col6- e confiscando-lhes os bens, fecharam-se de um momento nutro todos os seus colégios, de que nao fiearam seno os jos, e se desconjuntou, destoronando-se completamente, © aparelhamento de educagio, montado e dirigido pelos jesuftas golpe para Portugal e especialmente para o Brasil, bastaré lem- brar ainda uma vez que, no momento de sua expulsio, pos- sufam os jesuftas s6 no Reino 24 colégios, além de 17 casas de residénicia, eolégios e semi cescolas de ler ¢ escrever, instaladas em quase tédas as aldelas © povoagées onde existiam casas da Companhia. Nessa paisa- gem escolar, uniforme e sem relévo, nfo se encontravam espiritual dos jesuftas sendo a escola de arte € edificagdes militares, eriada na Babla em 1699, — talvez a primeira instituigdo leiga de ensino no Brasil, uma aula de ar- tilharia criada em 1738, no Rio de Janei ros de Sao José ¢ de Sio Petro, estabel mesina cidade, Podia-se acrescentar o semindrio episc Pard que foi fundado pelo bispo D. Fret Miguel de ‘mas cuja direcio féra confiada aos jesuitas. A néo serem, por- estudos elementares de arte militar, dois ow trés se- Igumas aulas de clérigos seculares ¢ outras, de fi- 36 misses @ 17 0 | { | losofia, em conventos de carmelitas e franciscanos, o ensino no Brasil até 1769 se concentrava quase todo nas mos dos padres da Companhia cujo sistema de organizagio escolar era o tinico existente no pafs. A edueagio da mocidade reinol e colo- nial, monopolizada pelos padres, orientava-se, sem duivida, para a uniformidade intelectual; os quadros do seu ensino, dog- matico e abstrato, ndo apresentavam plasticidade para se ajus- ‘tarem as necessidades novas; os métodos, autoritérios e conser- vadores até a rotina; e, além de nao incluir o ensino das cién- clas, €sse plano de esttidos, excessivamente literdrios ¢ retdr!- ‘cos nio abria lugar para as linguas modernas, conservando nas, elites uma tal ignor€ncia sObre essas Tinguas que de maravi- tha se encontraria, na Coldnia, um brasileiro que soubesse francés... Estas, do ponto de vista pedagégico, as principais acusagbes que, no Reino, levantaram contra os jesuitas os seus adversirios. Da extensfo que ganhou 0 tupi, como lingua geral, a ponto de ser utilizada até nos piilpitos, }4 no se Podia, nessa altura, acusé-los: jf em 1727, por uma provisio datada déste ano, 0 govérno da Metrépole, alarmado com 0 abandono do portugués pelos préprios portuguéses, proserevera expressamente o tupi, proibindo 0 uso da lingua brasileira; e, se sses religiosos contribufram, de fato, para o estudo ¢ (© emprégo do tupi, como instrumento de catequese, nao 36 nunea_pretenderam eliminar do Brasil a lingua portuguésa, ‘como foram antes, em todo o periodo colonial, os seus mestres incompardveis. Mas, como quer que seja, até 1759, a instru- cdo se desenvolvia desde a segunda metade do século XVI, em progressos constantes, dentro de pontos de vista e méto- dos, “‘perfeitamente adequados ao alvo a que epontavam o3 je- suftas”, como escreve José Verissimo. As escolas @ colégios eram cada vez mais numerosos; sta dotagio e seus recursos cresciam de dia para dia; seu. programa, ainda que ié anti- quado, para o Reino e pata a Coldnia, a opinigo o tinka por suficiente; e seus mestres, hébeis e abelizados, — iniciadores da educagéo no Brasil, gozavam, na maior parte, da esti- ‘ma piblica na socieiade colonial. Em lugar de desenvolver @sse organismo, de enriquecer, alargar e reformar @sso siste- ‘de Pembal o eliminou e, uma ver, completada esperou treze anos para comegar a recons- truir, no periodo de um govérno, o que os jesuftas conse- guiram em dois séculos, com essa notavel obra de penetra- do, evangelizadora e educadora, com que envolveram, num 50 movimento de tenazes, todo 0 litoral, do sul 20 norte, ¢ alarga- ram as fronteiras espitituais na medida em que os sertanistas e bandeirantes se afmdavam nos sertées, dilatando as fron- teiras geograficas do pais. ‘Mas, se 0 poderoso ministro de D. José I destruiu, nem éle nem 0g governos portuguéses que Ihe suecderam souberam ou puderam restaurar. Onde havia uma obra de organizacéo es- colar, lenta e sdlidamente edificada através de dois séculos, tinh éle de levantar outra, num imenso esfbrgo de reestrutu- ragiio recomecando pelos préprios fundsmentos. No foi o que {fz 0 ministro, na reforma de estudos empreendida, depois que atingiu 0 objetivo fundamental de emaneipar 0 ensino piiblico da influéncia pedagégica dos jesu‘tas. O que nos veio, nao fo- ram propriamente reformas (nem era possivel exigir de golpe reformas que 86 longamente se podiam realizar), mas uma sé- rie incoerente de medidas, tardias e fragmentarias, com que em 1750 e 1772 0 govérno da Metrépole se pés a talbar, na massa inerte da sociedade colonial, uma obra que desse a ilu- sio de substituir 0 organismo desmantelado. A expulsto dos jesultas, seguida apenas de resolugées (elvaré de 28 de ju- mho de 1759), tendentes a substituir aulas e classes que foram suprimidas, abrira uma brecha tio profunda quer na obra da miso catequista quer na educagio da mocidade color nenhuma dessas medidas péde depois reparé-la, A das aulas de gramética latina, de grego e de reiérica, ea crla- gio, pelo mesmo alvara de 1759, do cargo de “diretor de estu- dos", com que se esbogou em Portugal um érgéo administra- tivo de orientagao e fiscalizagio do ensino, estavam, de fato, Jonge de dar solugio aos problemas estabelecidos pela expul- io dos padres da Companhia, mesmo na hipdtese que ndo se icou, de se criarem tantas aulas de tOdas aquelas disci- ss quantos os colégios extintos no reino e nos seus domi- ‘Com essas medidas de emergéneia que o alveré batizou de “reformas”, visava El-rei “nfo s6 reparar os mesmos estu- dos (08 de letras humanss) para que nfo acabassem de cair na total ruina a que estavam préximos, mas ainda restituir- Thes aquéle antececiente lustre que féz dos portuguéses to co- nhecidos na Repiblica das letras (sic), antes que os ditos reli- ¢giosos se intrometessem a ensind-los, com os sinistros intentos e infelizes sucessos”, $6 em 1772, poréra, isto 6, treze anos de- pois da expulsio da Companhia, e désse alvard com que se pretendeu reorganizar os estudos de humanidades, 6 que uma wat ordem régia mandou estabelecer essas aulas, de primeiras le- tras, de gramética, de latim e de grego, no Rio de Janeiro e nas principais cidades das capitanies. Foi nesse mesmo ano que, pela ordenagdo de 10 de novembro de 1772, se insti- ‘tuit’ 0 “subsidio literério”, — impésto criado especialmente para a manuteneo do ensino primario médio e que, manda- do cobrar no Brasil no ano seguinte, nunca chegou a colhér para a educagio, em Portugal e na Célénia, os recursos neces- sérios. Mais tarde, em 1774, inauguram-se uma aula régia de latim, em Sto Joao del-Rei, Minas Gerais, e uma de filosofia no Rio de Janeiro onde se instalam, dois anos dey grego, de hebratco, de filosofia e ‘de teologia, por dos frades franciscanos; 6 criada, nessa mesma cidade, em 1783, pelo Vice-rei Luis de Vasconcelos, uma aula de retérica Poética, em favor do poeta Silva Alvarenga; abrem-se uma aula de desenho e de Zigura em 1800 e aulas de ensino elemen- tar, aritmética, geometria, francés e desenho, para a instru- 80 de militares, seguindo-se outras iniciativas dessa ordem, nas pri cidades da orla maritima e em algumas, raras, do planalto e do sertao. Embora determinada pelo alvari de 1759 que criou em Fortugal uma diretoria-geral de estudos, a fisealizagéo das aulas e cscolas régias néo comegou a ser feita regularmente no Brasil sendo a partir de 1799, ja no ereplisculo do século XVIII, quando o govérno portugués atri- buin ao Viee-rei a inspegio geral da Colénia, com o direito de nomear anualmente um professor para visitar as aulas e infor- mar-lhe sobre o estado da instrugio. Suprimida, pois, a Com- panhia e afestada do ensino, no Remo e seus dominios, o Es- tado que nio intervinha na'gestéo das escolas elementares € secundérias, tomou a seu cargo, por iniciativa de Pombal, a fungdo edueativa que passou a exercer, em colaboragio com a Igreja, aventurando-se a um largo plano de oficializagiio do en- sino. A paisagem escolar adquiriu, sem diivida, maior varie- dade de aspectos, com a introdugéo do do grego e do hhebraico, das inguas modernas, como o francés e 0 inglés e, sobretudo, das ciéncias matemiticas, fisicas e naturais, na Uni- versidade de Coimbra que passou em 1772 por uma profunda transformagio, — a mais importante das reformas de estudos universitérios em Portugal. Mas o plano geral da educaglo jé nio apresentava a minima coesto: em lugar désse enorme blo- co homogéneo que era a organizagio escolar dos padres da Companhia, — associagio de tamanha unidade de vistas di- sie retivas, instituiu 0 govérno o regime de aulas régias, — aulas de disciplinas isoladas — que na Colénia, s6 mais tarde, em 1776, com os grades franciscanos, ‘se organizaram em escolas com cursos graduados e sistematizados”. Se, portanto, com a reforma pombalina, nfo houve na Cold- nia uma “fragmentacdo essencial de cultura”, porque a unio da Igreja e do Estado e a propria tradigio cultural ainda mantinham resistente ¢ extremamente viva a unidade, de fundamnento religioso e humantstico, & eerto que, do ponto de vista formal, de organizacio, & “unidade de sistema” suce- dew a fragmentacéo na pluralidade de aulas isoladas e disper- sas, Essa fragmentagéo de estrutura tornou-se tanto mais gra- ve quanto govérno reformador néio soube ou néo pide recru- tar os mestres de que tinha nevessidade, assegurar-Ihe uma situagdo condigna, nem submeté-los a uma disciplina capaz de introduzir no pessoal docente a unidade necesséria de vistas € de esforgos. A edueagtio que ora dada quave exclusivamente cin escolas confessionais, — os colégios de padres, passou a ser ministrada nas aulas e escolas régias por mestres nomeados, de acérdo com os bispos, e pelos padres-mestres e capeldes de engenho, “que se tornaram, depois da saida dos jesuitas, 98 principais responsiveis pela educagio dos meninos brasi- leiros”. Os mestres leigos dessas aulas e escolas, que nao che~ garam a assimilar o espirito da reforma pombalina, mostravs pelo geral, segundo testemunhos da época, nao sd uma es sa ignoréncia das matérias que ensinavam, mas uma auséncia absoluta de senso pedagégico. Embora menos rigida e discipli- nadora do que a dos jesuitas, de cujas tradigées de ensino fo- ram como que os deposit a atividade pedagégica dos padres e capeldes de engenho, otientada pelos mesmos objeti- vos, desempenhot um papel importante na conservagio da cul- tura brasilefra no sentido europeu e ce sua unidade no sen- tido nacional. Gilberto Freyre quem observa e sublinha essa influéncia dos capelies e tlos-padres que, de colaboradora da ago dos jesuitas, se tornou principal ou preponderante depois a expulsdo désses religiosos. “O niimero de homens ilustres a época colonial e dos primeiros anos do Império, que rece- bberam sua educagio priméria e secundéria nos colégios de padres, sobrepuja, escreve Gilberto Freyre, 0 dos educados em casa com capelies e tios-padres. Capelies © tios-padres que, subordinados mais ao pater-familias que & Tgreja, nfo dei- xavam, entretanto, de representar sob a telha-va dos ca yes patriareais, alguma coisa de sutilmente urbano, eck ‘ico e universal, — a Igreja, o latim, os clissicos, a Europa, © sentido de outra vida, além da dominada pelo olhar dos se ahores, do alto das cases-grandes”. Educados com mestres Jeigos ou clérigos seculares, nas aulas e escolas régias ou com 95 capeles em casa, nos engenhos da mata, nas fazendas ou nos sobrados da burguesia, “donde j4 xapazotes seguiam qua- se diretamente para Coimbra” ou para outras universidades, os rapazes brasileiros continuavam a receber uma instrugio quase sempre inferior, quanto ao nivel, mas certamente se- melhante, nos seus fins e os seus métodos, a que outrora Thes davam os padres jesuitas nos seus famosos colégios. Se A instrucdo em casa, para as familias abastadas, e a essas aulas régias, muito pouco freqiientadas, se acrescentarem a atividade desenvolvida pelas ordens monfsticas dos carmelitas, benedi- tinos ¢ franeiscanos que abriram novas aulas em seus conventos © mosteizos para estudantes seculares, e o ensino preposto A formagio sacerdotal, ministrado nos semindrios de Si José ¢ de So Joaquim, no Rio de Janeiro, no de Pernambuco, ceria do em 1798, e no’ do Maranho, fundado em 1805, pouco fal- tard para completar 0 quadro das atividades e instituigées es- colares, no dltimo perfodo colonial, desde a expulsio dos jesui- tas até a vinda de D. Joéo VI'para o Brasil. Mas, sobre téda essa instrugio, inorganizada e fragmentaria, cujo nivel se rebaixou sensivelmente, mas que permaneceu fiel & tradigio da pedagogia jesuitica e aos seus valores essenciais, mal se projeta na Colénia a sombra do remodelador portugués, a que ndo se pode negar nem largueza de vistas nem fidelidade aos Propésits que orientaram 0s seus planos de reformas em que to poderosamente influfram as tendéncias do enciclopedis- su mo francés. O novo espirito filoséfico e cientifico que inspirou a reorganizagéo dos estudos superiores em Coimbra, aparece, nas aulas e nos colégios de religiosos, como uma solu¢&o ainda bem fraca e singularmente neutralizada quer pela ignordncia dos novos mestres, quer pelos residuos importantes da velha cultura disseminada pelos jesuitas. A reforma pombalina planejada para o Reino, nfo s6 gol- peou profundamente, na Coldnia, o ensino bésico geral, pulveri- zando-o nas aulas de disciplinas isoladas (aulas régias), sem qualquer plano sistematico de estudos, como ainda cortou, na sua evolugéo pedagégica normal, o desenvolvimento do ensino para os planos superiores. ‘Tanto ao ensino médio que se dis- solveu no regime de ‘oma ao enisino superior que se achava em esbéco no curso ‘de artes do plano jesuitico, sub- trairam-se tédas as possibilidades de desenvolvimento, com a falta de recursos e dos drgfos necessérios a assegurar a comti- nuidade da agio docente ¢ os seus progressos. A unidade fundamental de pensamento que dava & Companhia e aos seus Orgios de agio 0 poder e a preponderineia que teve na vida espiritual do povo br: ‘como por téda parte, trans- mitia-se, através de sua organizacio cerrada e admirivelmente hierarquizada, que facilitava o enquadramento de todos os seus recursos de agio, favorecendo a um. tempo a autonomia de seus colégios, Na reforma pom trério, além do regime de aulas, que enfraqy forgos de organizagéo, a distincia entre “a diretoria-geral de estudos” (no Br congregedos em ei) © os mestres, nio 80s, ‘sem érgios interme tinha de vir de cima e de Reino, como se éste tivesse rotina, paralisar as vex. de absorvé-los, os organismos parasitérios que costumam desenvolver-se 3 sombra de governos distantes, naturalmente lentos na sua intervengio, Ksta fol uma das razdes pelas quais ‘a aco reconstrutora de Pombal nfo atingiu sendo de ras- pio a vida escolar da Colfnia. Do corpo de reformas empreen- Gidas pelo ministro de D. José, a mais importante foi sem dii- vida, a dos estudos universitirios, onde mais fortemente se +éz sentir 0 pulso vigoroso do remodelador que, reformando as iduais e estimular, em as ‘escolas menores (alvaré de 6 de novembro de 1772) e insti. tuindo os fundos escolares (alvaré de 10 de novembro de 1772) acabou por atingir em chelo a Universidade de Coim- bra, dando-Ihe novos estatutos e abrindo, com a criacdo das Faculdades de Filosofia e de Matematica, novos horizontes & e ao estudo das ciéneias de observacio. Mas igo de ensino superior eriou o govérno por- tugués no Bre semelhanca do Real Colégio dos Nobres, fundado em Portugal em 1761 ou nos moldes das faculdades, novas ou antigas, de Coimbra. A tinica tentativa interessan- asse respeito foi o curso de estudos literdrios e teologicos, os frades franciscanos no Rio de Janeiro e orga maldes da Faculdade de Teclogia, da Universidade ela sua organizagio e pelo seu plano de estudos (ere- go, hebraico, filosofia, historia eclesidstica, teologia dogmé- 8), Ose curso que fol aprovado pelo al- 10 de'1776, destinava-se antes A preparagio especial e profissional de sacerdotes, e nao se pode, por isso, lar, segundo pensa José Verissimo, ‘e de estudos superiores @ de forma da Universidade de Coimbra“ empreendida por Pombal, © Brasil néo colheu senfo os beneficios que deviam resultar jiros que a @sse tempo foram a Portugal completar os seus estudos, Formaram-se por essa época @ ji dentro do novo regime estabelecido pelos estatutos pomabalinos, © paullista Fronciseo José Lacerda e Almetda que se bacharelou por volta de 1776, ¢ foi gedgrafo notivel; Azeredo Coutinho, natural do Estado do Rio, fundador do Semindrio de Olinda, ‘que cursou na Universidade a Faculdade de Direito Canénico (1775-1780); 0 haiano Alexandre Rodrigues Ferreira (1758- 6a consumado, e José Bonifdcio de \ém de cursar a Faculdade de Leis, a que 0s pais 0 desiinavam, freqiientou a de Filosofia, tendo-se bacharelado em ambas as escolas. Na Universidade em que estudou (1784-90) e de que velo a ser, professor da cadeira de metalurgia, adquiriu José Bonifacio © gésto pelas ciéncias de observagéo e pelos conhecimentos sobre a natureza que, aperfeigoados em viagens de estudos pelos principais centros cientificos da Europa, Ihe permitiram Yomar-se um grande mineralogista e um dos mais cultos bra- sileiros de seu tempo, A hist6ria de nossa cultura cientifica se pode dizer, pois, que teve suas origens na obra realizada pelo Marqués de Pombal na Universidade de Coimbra que, ‘com. os novos estatutos, se transformou num centro de estudes cientificos, colhendo, nesse arranco para a cultura moderna, uma pléiade de jovens brasileiros e treinando-os nos novos miétodas de estudos e de investigagio. As reformas de Pombal, como se vé, atingiram 0 Brasil sobretude por intermédio da Universidade de Coimbra, que continuou a ser a um tempo o centro criador e distributivo para o Reino e seus dominios, mas ja mum espirito novo, de que as faculdades de filosofia e de matemética se torna- ram os focos de iradiagio. Se a ago distante da Universide- de, reorgenizada segundo novas tendéncias, nao foi suficiente, em extensio e em profundidade, para reduzir as preocupagées dominantes de nossa educagio literdria, serviu, sem divida, para infiltrar na elite colonial a corrente de espfrito moderno ¢ inaugurar, com algumas figuras de escol, a cultura cientifica do Brasil. A escassez de matricula (de que jé se qui Marqués de Pombal, em 1778) nas segies de_ci turais e filoséficas, ¢ nos eursos que mais tarde (1791) s0 <1 ram na Faculdade de Filosofia (botfnica e agriculture, zo gia e mineralogia, fisiea, quimica e metalurgia), e a8 préprias necessidades téenicas, do Reino e da Colénia, levaram 0 govér- no portugués a atrair para a Universidade os estudantes bra- sar sileizes. Em 1800, escreve José Vertssimo, “mandou o rei a0 governador do Maranho que designasse quatro estudantes para receberem instrugo no Reino, fazendo seus cursos em Coimbra, dois, o de matemticas, pata depois serem emprega- dos como hidréulicos, agrimensores ¢ contadores, um, o de me- Gicina e outro, o de eirurgia. Se além dos quatro, mais algum 0 merecesse pela sua capacidade, podiam as efmaras mandé- Jo, Iangando para ésse fim uma finta especial”. Excetvadas essas iniciativas raras e sem influéncias sébre a mentalidade colonial, todo o periodo de quase meio século que se estende da expulséo dos jesnitas (1759) & transferéncia da cérte portu- guésa pera o Brasil, é de decadéncia e de transicao, No fundo fe através das formas mais variadas da paisagem escolar, recor~ ainda nitidamente, com seus tragos caracteristicos, a jo pedagégica e cultural deixada pelos jesuftas e con~ la pelos padres-mestres, e resultante de urna educagio exclusivamente literdria, baseada nos estudos de gramitica, retérica e latim e em cujos planos no figuravam nem as ciéa- cies naturais nem as iinguas e literaturas modernas. Embo- ra parcelado e fragmentério, e rebaixado de nivel, o ensino, mais variado nos seus aspectos, orienta-so para os mesmos ob- i igiosos e literérios, @ se aicos em que o apélo & autoridade e a dist , tendem a ahafar a originalidade, a inicia jara individual, para porem em seu lugar a submis- so, 0 respeito & autoridade do mestre e a escravizacdo aos modelos antigos. Era ossa alids, tanto nos scus valores como nos seus processos, a educago dominante em Portugal e quase por téda pa, onde comegava a abalar-se ao assalio das novas idéias: 0 Brasil colonial, educado pelos jesui- tas, era uma das zonas na vasta extensio geogrifica désses lipos de educagio. Além disso nenhum movimento de diferen- ciagio de valores. Os ideais de homem, que se transformarn com as mudangas de estrutura social e econémica, permane- ciam os mesmos na sociedade colonial, rude e escravocrala, que ndo tinha meios nem sentia a necessidade de uma ins- trugio mais ampla e diversificada, orientada para outras carrei- ras. Mas, nessa atmosfera sombria em que o Seminario de Olin- da, fundado em 1798, vai determinar uma inflexdo brusca € transitéria para o espirito moderno, mareando 0 divisor das Aguas entre a pedagogia jesuitica e a orientagio nova dos mo- a8 deladores dos estatutos pombalinos de 1772, ja aparecem in- dicios claros da época que se deve abrir no século XIX e em que se defrontam essas duas tendéncias prineipais, Em lugar de um sistema tnico de ensino, a dualidade de escolas, umas leigas, outras confessionais, regidas tédas, poré prineipios; em lugar de um ensino puramente literdri © desenvolvimento do ensino cientifieo que comega a faz tamente seus progressos ao lado da educacéo literéria, prepon- derante em tédas as escolas; em lugar da exclusividade de en- sino do latim e do portugués, a penetragio progressiva das lin- guas vivas e literaturas modernas (francesa ¢ inglésa);_¢, afinal, a ramificagdo de tendéncias que, se ndo chegam a de- terminar a rutura de unidade de pensamento, abrem o campo aos primeiros choques entre as idéias antigas, corporificadas no ensino jesuitico, e a nova corrente de pensamento pedag6- gico, influenciada pela idéias dos enciclopedistas franceses, vitoriosas, depois de 1789, na obra escolar da Revolugio. | eee nen BIBLIOGRAFIA Azevedo (Léicio de) — Os jevuttas no Gréo-Paré, Suas misses © a ‘ealonizagio. 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