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Educação

LEITURA - UM DESAFIO SEMPRE ATUAL

“Chega mais perto e contempla as palavras, cada uma tem mil


faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela
resposta, pobre ou terrível que lhe deres: trouxeste a chave?”

Carlos Drummond de Andrade

Maria de Lurdes de Souza Kriegl 1

RESUMO

Este artigo abordará a importância da leitura na educação escolar, tendo como ponto principal o objeto
de conhecimento em si mesmo e como instrumento necessário para a realização de novas aprendizagens,
proporcionando a ampliação de horizontes das séries iniciais do ensino fundamental. Também abordará
as relações entre a leitura, a aprendizagem e a compreensão, as estratégias de leitura, etc.
Pode-se dizer que a leitura tem dois objetivos fundamentais: serve como meio eficaz para aprofundamento
dos estudos e aquisição de cultura geral. Este trabalho estará sensibilizando o educando para uma leitura
prazerosa e eficaz.
Palavras-chave: leitura; aprendizagem; texto; estratégia; motivação.

1
Pedagoga pelas Faculdades Positivo, Especialista em Psicopedagogia pela PUC/PR, Mestranda em Engenharia de Produção
com ênfase em Mídia e Conhecimento pela UFSC. Professora do ensino fundamental do Colégio Bom Jesus.
E-mail:lukbela@aol.com.br

Rev. PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.1-12, jul. 2001-jul. 2002 1


INTRODUÇÃO

O ato de ler é o processo de “construir significado” a partir do texto. Isso se torna possível pela
interação dos elementos textuais com os conhecimentos do leitor. Quanto maior for a concordância
entre eles, maior a probabilidade de êxito na leitura.
Aprender é, para cada criança, um processo social de construção dos significados em seus encontros
e interações com as idéias, as pessoas e os acontecimentos. Na leitura e na produção de textos, como
em qualquer outra atividade humana, é cada criança que auto-aprende a agir, em relação a seus
companheiros, ao educador, à comunidade, etc.
Para aprender a ler, as crianças precisam que seja construída uma representação adequada dos
fins da leitura, assim como da tarefa de ler. A criança necessita de conhecimento e reflexão sobre os
processos de aquisição. Ao mesmo tempo que ela ensaia aprender a ler, deve aprender a aprender a ler.
A leitura é um desafio que tem como objetivo o trabalho de linguagem que:
• leve o aluno a observar, perceber, descobrir e refletir sobre o mundo e interagir com seu

semelhante através do uso funcional de linguagens;


• desenvolva a competência do educando no uso da língua para a solução de problemas cotidianos;

• possibilite o acesso à produção cultural da humanidade e a participação plena no mundo letrado.

O que é ler?

Ler significa conhecer, interpretar, decifrar.


A leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; nesse processo tenta-se satisfazer
(obter uma informação pertinente para) os objetivos que guiam a leitura, isto é, o leitor constrói o
significado do texto.
Essa afirmação tem várias conseqüências. Em primeiro lugar, envolve a presença de um leitor
ativo que processa e examina o texto. Também implica que sempre deva existir um objetivo para guiar
a leitura; em outras palavras, sempre lemos para algo, para alcançar alguma finalidade. O leque de
objetivos e finalidades que faz com que o leitor se situe perante um texto é amplo e variado: devanear,
preencher um momento de lazer desfrutar; procurar uma informação concreta; seguir uma pauta de
instruções para realizar uma determinada atividade (cozinhar, conhecer as regras de um jogo); informar-
se sobre determinado fato (ler o jornal, ler um livro de consulta sobre a Revolução Francesa); confirmar
ou refutar um conhecimento prévio ou aplicar a informação obtida com a leitura de um texto na
realização de um trabalho, etc.
Uma nova implicação derivada da anterior é que a interpretação que os leitores realizam dos
textos que lêem depende em grande parte do objetivo da leitura. Isto é, ainda que o conteúdo de um
texto permaneça invariável, é possível que dois leitores com finalidades diferentes extraiam informação
distinta do mesmo. Assim, os objetivos da leitura são elementos que devem ser levados em conta
quando se trata de ensinar as crianças a ler e a compreender.
Ainda com relação às implicações da afirmação sobre o que é ler, ressalte-se o fato de que o leitor
constrói o significado do texto. Isso não quer dizer que o texto em si mesmo não tenha sentido ou
significado; felizmente, para os leitores, essa condição costuma ser respeitada. Entenda-se que o significado
de um escrito para o leitor não é uma tradução ou réplica do significado que o autor quis lhe dar, mas uma

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construção que envolve o texto, os conhecimentos prévios do leitor. Os textos que se lêem também são
diferentes e oferecem diferentes possibilidades e limitações para a transmissão de informação escrita. Não
se encontra a mesma coisa em um conto e em um livro de texto, em um relatório de pesquisa e em um
romance policial, em uma enciclopédia e em um jornal. O conteúdo muda, naturalmente, mas não se trata
apenas disso. As diferentes estruturas do texto – ou “superestruturas” (VAN DIJK, 1983) – impõem
restrições à forma como se organiza a informação escrita, o que obriga os leitores a conhecê-las, mesmo
que, intuitivamente, para compreender a informação de maneira adequada.
Para encerrar esta descrição das implicações da definição sobre o que é ler, há que se ressaltar que
a leitura sempre envolve a compreensão do texto escrito. Isso, que hoje parece óbvio, nem sempre foi
claramente aceito nas diversas definições da leitura que foram emergindo ao longo da história, nas quais
se detecta uma identificação desta atividade cognitiva com aspectos de recitação, declamação e pronúncia
correta, por exemplo.

Importância de ler

Ler para quê? A interação que se estabelece entre o texto escrito e o leitor é diferente daquela
estabelecida entre duas pessoas quando conversam. Nessa última situação, estão presentes, além das
palavras, muitos aspectos, como: gesticulação, expressão facial, entonação da voz, repetições, perguntas
que dão significado à fala.
Na leitura, o leitor está diante de palavras escritas pelo autor que não está presente para completar
as informações. Por isso, é natural que o leitor forneça ao texto informações enquanto lê. Contudo, o
texto também atua sobre os esquemas cognitivos do leitor. Quando alguém lê algo, aplica determinado
esquema alterando-o ou confirmando-o, mas principalmente entendendo mensagens diferentes porque
seus esquemas cognitivos, ou seja, as capacidades já internalizadas e o conhecimento de mundo de cada
um são diferentes.
A leitura constitui-se em um dos fatores decisivos do estudo e é imprescindível em qualquer tipo
de investigação científica. Favorece a obtenção de informações já existentes, poupando o trabalho da
pesquisa de campo ou experimental propiciando assim a ampliação de conhecimentos, abrindo horizontes
para a mente, aumentando o vocabulário, permitindo melhor entendimento do conteúdo das obras.
Pela leitura pode-se obter informações básicas ou específicas, isto é, quando se quer saber do que se
trata um texto, saber o que acontece, e ver se se quer continuar lendo.

Estratégias de leitura

O ato de ler ativa uma série de ações na mente do leitor, por meio das quais ele extrai informações.
Essas ações são denominadas estratégias de leitura e, na sua maioria, passam despercebidas pela
consciência. Elas ocorrem simultaneamente, podendo ser mantidas, modificadas ou desenvolvidas
durante a apropriação do conteúdo.
Ao ler um texto qualquer, a mente da pessoa seleciona o que lhe interessa: nem tudo o que está
escrito é igualmente útil. Escolhem-se alguns aspectos, chamados relevantes, ignoram-se outros, irrelevantes
ou desinteressantes, e faz-se uma seleção, isto é, presta-se a atenção aos aspectos que interessam, ou seja,
àqueles sem os quais seria impossível compreender o texto.

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São hipóteses que o leitor levanta, antecipando informações com base nas pistas que vai
percebendo durante a leitura. Essa estratégia ocorre, por exemplo, quando no início da leitura de um
conto de fadas espera-se que apareçam personagens e lugares característicos desse tipo de texto: madrasta
ruim, princesas e príncipes lindos e bons, fadas, bruxas, castelos, reinos, florestas encantadas, etc. Além
disso, o leitor espera encontrar palavras ou expressões iniciais e finais que marcam o conto de fadas:
“era uma vez uma bruxa malvada”, etc. durante a leitura, comprovando as antecipações estavam corretas
ou não. Se aparecerem termos, palavras ou personagens com características muito diferentes dessas,
ocorre um estranhamento do leitor que precisará voltar e analisar o que foi lido.
• Inferências são os complementos que o leitor fornece ao texto a partir de seus conhecimentos

prévios. É tão freqüente o uso dessa estratégia que é comum o leitor não lembrar se determinado
aspecto estava implícito ou explícito no texto.
• Auto-regulação é a ponte que o leitor faz entre o que supõe (seleção, antecipação, inferência)

e as respostas que vai obtendo através do texto. Trata-se de avaliar as antecipações e as


inferências, confirmando-as ou refutando-as, com a finalidade de garantir a compreensão.
• Autocorreção acontece quando as expectativas levantadas pelas estratégias de antecipação não

são confirmadas, havendo um momento de dúvida. O leitor, então, repensa a hipótese anteriormente
levantada, constrói outras e retoma as partes anteriores do texto para fazer as devidas correções. É
o caso do leitor, por exemplo, que volta para corrigir a palavra que leu erradamente.
Há uma relação recíproca entre usar estratégia de leitura e interpretar o texto. Emprega-se uma
estratégia porque se está entendendo o texto; entende-se o texto porque se está aplicando a estratégia.
Pode-se dizer que leitor eficiente é aquele que:
• formula perguntas enquanto lê e se mantém atento;

• seleciona índices relevantes para a compreensão;

• supre os elementos ausentes, complementando informações;

• antecipa fatos;

• critica o conteúdo;

• reformula hipóteses;

• estabelece relações com outros aspectos do conhecimento;

• transforma ou reconstrói o texto lido;

• atribui intenções ao escritor.

Como obter uma leitura proveitosa com motivação

Um fator que, sem dúvida, contribui para o interesse da leitura de determinado material consiste em
que este possa oferecer ao aluno certos desafios. Assim, parece mais adequado utilizar textos não-conhecidos,
embora sua temática ou conteúdo deveriam ser mais ou menos familiares ao leitor; em uma palavra, trata-se
de conhecer e levar em conta o conhecimento prévio das crianças com relação ao texto em questão e
oferecer ajuda necessária para que possam construir um significado adequado sobre ele – o que não deveria
ser interpretado como explicar o texto, ou seus termos mais complexos, de forma sistemática.
Também é preciso levar em consideração que existem situações de leitura mais motivadoras do que
outras; por exemplo, a prática da leitura fragmentada – um parágrafo cada um, duas páginas por dia... –,
muito freqüente em nossas escolas, é mais adequada para “trabalhar a leitura” em determinados aspectos que
para as crianças lerem. De qualquer forma, este tipo de leitura nunca deveria ser usado com exclusividade.

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As situações de leitura mais motivadoras também são as mais reais: isto é, aquelas em que a criança
lê para se libertar, para sentir o prazer de ler, quando se aproxima do cantinho de biblioteca ou recorre a
ela. Ou aquelas outras em que, com um objetivo claro de resolver uma dúvida, um problema ou adquirir
a informação necessária para determinado projeto, aborda um texto e pode manejá-lo à vontade, sem a
pressão de uma audiência. Como ressaltam, acertadamente, COLOMER e CAMPS (citado por KLEIMAN,
1997), seria mais produtivo que as escolas dedicassem boa parte do tempo atualmente oralizar os textos,
a discutir e a comentar o que e como ele foi lido, o que se pretendeu, etc.
A motivação está intimamente vinculada às relações afetivas que os alunos possam ir estabelecendo
com a língua escrita. Esta deveria ser mimada na escola, e mimados os alunos para os quais a leitura se
transformou em um espelho que lhe devolve uma imagem pouco favorável de si mesmo acarretando,
conseqüentemente, pouca vontade de ler. Só com ajuda e confiança, a leitura deixará de ser uma prática
enfadonha para alguns e poderá se converter naquilo que sempre deveria ser: um desafio estimulante.
Portanto, motivar as crianças para a leitura não consiste em que o professor diga: “Fantástico!
Vamos ler!”, mas em que elas mesmas o digam – ou pensem. Isso se consegue planejando bem a tarefa
de leitura e selecionando com critério os materiais que nela serão trabalhados, tomando decisões sobre
as ajudas prévias de que alguns alunos possam necessitar, evitando situações de concorrência entre as
crianças e promovendo, sempre que possível, aquelas situações que abordem contextos de uso real,
incentivem o gosto pela leitura e façam o leitor avançar em seu próprio ritmo para ir elaborando sua
própria interpretação – situações de leitura silenciosa, por exemplo (note-se que essas são as mais
habituais na leitura cotidiana, porém as mais distantes das que costumam acontecer na escola).
Ainda que, muitas vezes, se preste atenção à presença e funcionalidade do aspecto escrito na sala
de aula, é necessário insistir novamente que essa vinculação positiva se estabelece principalmente quando
o aluno vê que seus professores e, em geral, as pessoas importantes para ele valorizam, usam e desfrutam
da leitura e da escrita e, naturalmente, quando ele mesmo pode desfrutar com sua aprendizagem e
domínio. Para que uma criança se sinta envolvida na tarefa de leitura ou simplesmente para que se sinta
motivada com relação a ela, precisa ter alguns indícios razoáveis de que sua atuação será eficaz ou, pelo
menos, de que ela não vai fracassar totalmente.

PROCESSO INTERATIVO DA LEITURA

A linguagem não pode ser estudada separadamente da sociedade que a produz e sem a noção de
que em sua constituição entram em jogo os processos histórico-sociais. E a leitura é produzida uma vez
que o leitor interage com o autor do texto. Segundo ORLANDI (1987, p.180):

O texto não é uma unidade completa, pois sua natureza é intervalar. Sua unidade não se faz nem pela soma de
interlocutores nem pela soma de frases. O sentido do texto não está em nenhum dos interlocutores especificamente,
está no espaço discursivo dos interlocutores; também não está em um ou outro segmento isolado em que se pode
dividir o texto, mas sim na unidade a partir da qual eles se organizam. Daí haver uma característica indefinível no texto
que só pode ser apreendida se levarmos em conta sua totalidade.

Pesquisadores concordam em considerar que as diferentes explicações podem ser agrupadas em


torno dos modelos hierárquicos ascendentes – buttom up – e descendente – top down.

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No primeiro, considera-se que o leitor, perante o texto, processa seus elementos componentes,
começando pelas letras, continuando com as palavras, frases... em um processo, ascendente, seqüencial
e hierárquico que leva à compreensão do texto.
É um modelo centrado no texto e que não pode explicar fenômenos tão correntes como o fato
de: continuamente inferirem-se informações; ler e não perceber determinados erros tipográficos; e até
mesmo compreender um texto sem necessidade de entender em sua totalidade cada um dos seus elementos.
O modelo descendente afirma o contrário: o leitor não procede letra por letra, mas usa seu
conhecimento prévio e seus recursos cognitivos para estabelecer antecipações sobre o conteúdo do
texto fixando-se para verificá-las. Dessa forma, quanto mais informações o leitor obtiver sobre o texto
a ser lido, menos precisará se “fixar” nele para construir uma interpretação.
O modelo interativo não se centra exclusivamente no texto nem no leitor, embora atribua grande
importância ao uso que este faz dos seus conhecimentos prévios para a compreensão do texto.
O leitor usa, simultaneamente, seu conhecimento do mundo e seu conhecimento do texto para
construir uma interpretação sobre o que lê.
O processo de leitura deve garantir que o leitor compreenda o texto e que pode ir construindo
uma idéia sobre seu conteúdo, extraindo dele o que lhe interessa, em função dos seus objetivos. Isso só
pode ser feito mediante uma leitura individual, precisa, que permita o avanço e o retrocesso, que permita
parar, pensar, recapitular, relacionar a informação com o conhecimento prévio, formular perguntas, decidir
o que é importante e o que é secundário. É um processo interno, mas deve ser ensinado.
Os leitores, de maneira geral, prevêem, elaboram hipóteses, contrastam, interagem constantemente
com o texto.

LER OU APRENDER A LER

Um dos múltiplos desafios a ser enfrentado pela escola é o de fazer com que os alunos aprendam
a ler corretamente.
O problema do ensino da leitura na escola não se situa no âmbito do método, mas na própria
conceituação (creio ser mais interessante falar em entendimento, que é mais amplo, do que conceituação)
do que é a leitura, da forma como é avaliada pelos professores, do papel que ocupa no projeto
pedagógico da escola, dos meios que se arbitram para favorecê-la e, naturalmente, das propostas
metodológicas que se adotam para ensiná-la.
É necessário fazer uma distinção entre ler e aprender a ler. Ler é estabelecer uma comunicação com
textos impressos, por meio da busca da compreensão. A aprendizagem da leitura constitui uma tarefa
permanente, que se enriquece com novas habilidades, na medida em que se manejam adequadamente textos
cada vez mais complexos. Por isso, a aprendizagem da leitura não se restringe ao primeiro ano da vida escolar.
Atualmente, sabe-se que aprender a ler é um processo que se desenvolve ao longo de toda a vida.
Quando chega à escola, a criança já é um “bom” leitor do mundo, pois desde muito nova
começa a observar, antecipar, interpretar e interagir, dando significado a seres, objetos e situações que
a rodeiam. E são essas as mesmas estratégias de busca de sentido para compreender o mundo letrado
que utilizará.

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Essa aprendizagem natural da leitura deve ser considerada pelo professor e incorporada às suas
estratégias de ensino, com o fim de melhorar a qualidade desse processo contínuo, iniciado no momento
em que a criança é capaz de captar e atribuir significado às coisas do mundo. Assim, a ação de ler o mundo
é enriquecida na medida em que a criança enfrenta progressivamente numerosos e variados textos.
O trabalho de leitura na escola tem por objetivo levar o aluno à análise e à compreensão das
idéias dos autores e buscar no texto os elementos básicos e os efeitos de sentido. É muito importante
que o leitor se envolva, emocione-se e adquira uma visão dos vários materiais portadores de mensagem
presentes na comunidade em que vive.

Leitura como meio de aprendizagem

A leitura é um dos meios mais importantes na escola para a consecução de novas aprendizagens.
É necessário que se continue reservando um tempo para a leitura, geralmente na matéria de “Linguagem”,
pois à medida que se avança na escolaridade, aumenta a exigência de uma leitura independente por
parte dos alunos.
A partir do ensino fundamental pode-se afirmar que o ato da leitura pretende levar crianças, jovens
e adultos a melhorar sua habilidade, a familiarizar-se, progressivamente, com ela, a adquirir o hábito de ler
e a utilizá-la para ter acesso a novos conteúdos de aprendizagem nas diversas áreas de conhecimento.
É o que se pode fazer para que crianças de segundas séries do ensino fundamental aprendam a
ler e façam da leitura uma aprendizagem?
Todos os professores de diferentes níveis já usaram muitas estratégias, materiais e métodos e
sabem que o que funcionou em um momento pode não funcionar em outro e, em certas ocasiões,
nada parece adequado. Assim, muitas vezes, é preciso usar diferentes estratégias para que o aluno se
sinta estimulado para a leitura.

Como ter acesso e aprender a fazer uma boa leitura

Para ler, qualquer leitor precisa ter acesso ao texto cuja leitura foi transformada em objetivo. Para
ter acesso ao texto, é preciso ter acesso ao seu código, assim como para ter acesso à mensagem emitida
em um noticiário radiofônico ou televisivo, é necessário conhecer o código que o locutor utiliza para
transmitir as notícias.
É importante a autonomia pessoal para compreender o papel das habilidades de decodificação
quando se fala das crianças que aprendem a ler.
Aprende-se a ler e a escrever lendo e escrevendo, vendo outras pessoas ler e escrever, tentando e
errando, sempre guiados pela busca do significado ou pela necessidade de produzir algo que tenham sentido.
Como aprender a ler e a escrever não é uma questão simples, seria muito útil não despender
esforços e energias discutindo se a leitura deveria começar na escola de educação infantil, ou se seria
mais adequado adiá-la para o ensino fundamental, ou seria melhor fazer uma abordagem do código ou
de uma palavra global.
É necessário acabar com a idéia de que existe apenas um caminho para ir construindo noções
eficazes dos procedimentos da leitura e da escrita. Uma abordagem ampla, não-restritiva, da
aprendizagem inicial da leitura e da escrita, segundo SOLÉ (1998), pressupõe o seguinte:

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- Aproveitar os conhecimentos que a criança já possui e que costumam envolver o reconhecimento global de algumas
palavras – caso contrário, a primeira tarefa da escola será a de proporcionar oportunidades para que esse conhecimento
e outros que já mencionamos.
- Aproveitar e aumentar seus conhecimentos prévios em geral, para que possam utilizar o contexto e aventurar-se no
significado de palavras desconhecidas.
- Utilizar integrada e simultaneamente todas essas estratégias em atividades que tenham sentido ao serem realizadas só
desta maneira e meninos e meninas poderão se beneficiar da instrução recebida.

Para SOLÉ (1998), a leitura inicial deve garantir a interação significativa e funcional da criança com
a língua escrita, como meio de construir os conhecimentos necessários para poder abordar as diferentes
etapas da sua aprendizagem.
O que mais motiva as crianças a ler e a escrever, conforme afirma SOLÉ (1998), é ver os adultos
que tenham importância para elas lendo ou escrevendo, assistir à leitura em grupos pequenos ou grandes,
tentar e sentir-se aprovadas em suas tentativas.
É imprescindível que professores explorem os conhecimentos dos alunos sobre o texto escrito.
Essa exploração pode ser feita de muitas maneiras: observando-se as crianças ao olhar e ler livros, sugerindo-
lhes que acompanhem seus desenhos com uma explicação, ficando atento às perguntas formuladas, que
costumam ser um indicador eficaz tanto das dúvidas como dos conhecimentos mais assustadores...
Aprender a ler é muito diferente de aprender outros procedimentos ou conceitos. Exige que a
criança possa dar sentido àquilo que se pede que ela faça, que disponha de instrumentos cognitivos para
fazê-lo e que tenha ao seu alcance a ajuda insubstituível do seu professor, que pode transformar em um
desafio apaixonante e cheio de emoções o que para muitos é um caminho duro e cheio de obstáculos.
A aprendizagem da leitura para KLEIMAN (1997, p.61) é um empreendimento de risco, se não
estiver fundamentado numa concepção teórica firme sobre os aspectos cognitivos envolvidos na
compreensão do texto. Tal aprendizagem pode, facilmente, desembocar na exigência de mera reprodução
das vozes de outros leitores, mais experientes ou mais poderosos do que o aluno.
Para que haja uma possibilidade de interação com o autor, é crucial que a divergência na
interpretação esteja fundamentada na convergência, que se baseia, por sua vez, não em uma leitura
autorizada, mas na análise crítica dos elementos da língua que o autor utiliza.

Atividades de pensamentos para iniciantes em leitura

De acordo com RATHS (1977), quando se pede às crianças que façam observações, solicita-se
delas, em certo sentido, que consigam informações de várias maneiras. Ao proporcionar experiências
de observação às crianças dos últimos anos do curso fundamental, sugere-se que o professor procure
tarefas que são destinadas a dar prática em notar e descrever. Tais tarefas podem exigir que a criança
note e descreva objetos, condições, acontecimentos, minúcias pertinentes. Nas descrições, as crianças
são auxiliadas a avaliar a diferença entre o que é realmente observado e o que é suposto. Por exemplo,
o professor pode pedir às crianças que notem o que está fazendo e depois descrevam isso. Se o
professor se levanta de sua cadeira, vai até à janela e a fecha, porém a criança diz que o professor sai da
cadeira, anda até a janela e a fecha porque o professor está com frio, o aluno pode ser auxiliado a ver
que fez uma suposição. Isso poderia ser feito através de perguntas hábeis, por exemplo: “Como é que
você sabia que eu estava com frio?” ou “Havia outras razões para que eu fechasse a janela?”. Dessa
forma, a criança poderia ser levada a compreender a diferença entre o que realmente viu e o que supôs

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que fosse verdade. Algumas crianças dos últimos anos de curso fundamental podem ser capazes de
compreender o conceito de suposição. Para as crianças que podem fazê-lo, o professor pode estimular
o exame de observações e a identificação de suposições feitas nesse caso (qual a relação entre esses
processos mentais e a leitura?).
Nem todas as observações precisam ser visuais. Algumas podem exigir audição, outras ainda
paladar. Em todos esses casos, as crianças são auxiliadas a compreender a diferença entre o que foi
realmente observado e quais as suposições – se houve alguma – feitas a partir da observação. A lista
seguinte sugere vários tipos de experiências através das quais as crianças podem fazer observações.
Quando, na segunda, na terceira ou na quarta séries o professor oferece às crianças oportunidades
para que façam comparações, deve inicialmente ajudá-las a compreender que a comparação exige que
se observem diferenças e semelhanças. Por exemplo, uma professora da segunda série pediu às crianças
que pensassem nas numerosas semelhanças entre pássaros e borboletas. Depois, pediu-lhes que iniciassem
algumas diferenças entre pássaros e borboletas. À medida que a criança desenvolve a capacidade para
comparar, a professora pode ajudá-la a tornar-se sensível à diferença o que é certo e o que a criança
poderia supor como certo.
Quando a resposta de uma criança a uma atividade de comparação é muito limitada, a professora
poderia, através de perguntas hábeis, ajudá-la a encontrar outros aspectos de comparação.

A LEITURA E A TECNOLOGIA

Nada mais discutível do que afirmar que crianças, jovens e adultos, muitas vezes, não gostam de
ler ou que a televisão é a grande vilã da história ou que, antigamente, as pessoas liam mais. Esquece-se de
que ninguém se torna leitor apenas por um ato de obediência e de que ninguém nasce gostando de
leitura. Como ninguém nasce gostando de futebol ou de cinema. Dessas coisas aprende-se a gostar, e
essa aprendizagem é cultural.
Uma pessoa desenvolverá o gosto pela leitura se desde cedo tiver experiências gratificantes com
os livros ou até mesmo através da internet buscando textos significativos.
Pesquisas recentes mostram que a televisão não é obstáculo à leitura, atende a certas expectativas
das pessoas, mas não ocupa o lugar do livro. Muitas vezes, ela até chama atenção sobre determinados
títulos, estimulando a leitura.
Se as pessoas não têm acesso a livros interessantes, se passaram apenas por experiências negativas
com o ato de ler, como esperar que de repente passem a gostar de ler?
Um leitor forma-se aos poucos, com o passar do tempo. Daí a importância de se começar o
quanto antes o contato da criança com o mundo dos livros, antes mesmo que ela aprenda a ler.
O número de leitores no Brasil sempre foi insignificante. Antigamente, a oferta de materiais de
leitura era reduzida e lia-se muito pouco. Hoje, a oferta é enorme, além de ter muitas coisas, dentre elas
a tecnologia, que concorrem com o livro.
Portanto, muitas das pessoas que não gostam de ler não foram estimuladas ou passaram por
experiências negativas, lendo livros que nada lhes acrescentaram. Acredito que, quando o texto é acessível
e significativo, as pessoas se animam e a leitura acontece.

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Assim, deve-se buscar soluções para que as crianças tenham mais oportunidades de conhecer
livros que tornem o ato de ler uma experiência gratificante, cheias de emoções e não uma rotineira
tarefa escolar.
MATURANA (1998) sustenta que por trás de todo o comportamento do ser humano estaria um
emocionar.
Emoções são fundadoras de comportamentos individuais e de grupo, assim poderíamos aplicar
técnicas e metodologias em que buscaríamos em nossas salas de aula resgatar uma leitura mais emotiva,
seja ela através da tecnologia ou através de livros significativos.

Sentir o prazer da leitura

Muitos livrinhos coloridos e vários CD-ROM educativos não fazem a criançada gostar de ler. No
entanto, quase sempre é por aí que vão os pais quando percebem o baixo rendimento dos filhos nas
aulas de Português, sua dificuldade de compreender um texto, a inaptidão para as letras e – portanto –
a pobreza na comunicação com o mundo, sem saber que presenteá-los com livrinhos de historinhas
não resolve o problema. No máximo, eles acabam se acostumando com mais essa atividade. Ter prazer
na leitura é o que funciona como motivação, e o segredo para aplicá-la é: escolher um bom conto de
fadas, empostar a voz e ler para eles.
Parece pouco, mas é um acontecimento grandioso. Ouvir uma história contada ao vivo por
alguém como o professor é uma experiência que marca para sempre. Aí, juntam-se elementos fundamentais
no desenvolvimento. A presença e a dedicação do adulto naquele instante, sua entonação e semblante,
seu estado de espírito e o conteúdo da narrativa, tudo isso se junta e se mistura aos sentimentos e à
imaginação das crianças, jovens e adultos. É um raro momento de integração profunda, que gera
energia de crescimento. E o prazer dessa hora se liga ao texto. Assim, inscreve-se a leitura na memória
das coisas boas e assim abrem-se as portas para uma criativa busca do conhecimento.
Bastam alguns minutos por dia, ou a cada dois ou três dias, ou só no fim de semana... Não
precisa – e nem pode – ser nada forçado ou complicado. Apenas um momento reservado regularmente
para um adulto afetivo se sentar, abrir um bom livro e ler em voz alta. Para as crianças, é um momento
para ouvir, sentir e fantasiar, como quiserem e puderem. Por isso, não vale cobrar nada deles. Elas
ouvem historinhas cantarolando, andando, falando, mexendo e se mexendo e, às vezes, até vão para
outros cômodos da casa sem pedir pausa na leitura. Não importa. Sua maneira de prestar atenção, seu
ritmo, tudo é diferente. O que importa é a voz que conta o conto, que repete infinitas vezes um trecho
a pedido do ouvinte, que responde às perguntas sem reclamar da “interrupção”.
É indispensável deixar que toquem o livro, virem a página para ver a ilustração seguinte, sintam
a textura do papel e a harmonia das letras... Vale até atiçar a curiosidade e sua vontade de ver a história
escrita. É bom lembrar: essa é uma experiência que os adultos oferecem às crianças, de graça, sem exigir
nada em troca, sem policiá-las nem chateá-las.
Ensinar o prazer da leitura é também se apresentar às crianças como alguém que gosta de ler e
que ganha com isso. Quem se sente bem com um livro nas mãos deve se exibir orgulhosamente. Aos
menos habituados cabe um esforço, que não é tão grande assim. Afinal, quem não pôde se apaixonar
pela literatura na infância tem agora a chance de mergulhar na fantasia por alguns minutos.

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CONCLUSÃO

É preciso entender que ler não é um ato mecânico de decodificação; é muito mais que isso. É o
estabelecimento de relações dentro de contextos, de vivências de mundo; não são frases ou palavras
soltas, lidas proficientemente, que nos levam a entender que isso seja o ato de ler. Ler é um ato complexo
que exige sacrifício, é ir e voltar pelo texto. Ler é descobrir e descobrir-se; não é simplesmente passar os
olhos por cima das palavras.
É também criar mecanismos para que a palavra tenha vida, significado, emoção e prazer.
Enfim, ler é bom desde que se leve em conta o contexto de uma escola e de uma sociedade
comprometida com a leitura, com a formação de leitores para toda a vida e não somente leitores
escolares, leitores de momento, leitores da moda.
Deve haver empenho de todos, incluindo jovens, adultos e crianças, para que se criem bons programas
de leitura em que sejam discutidos e refletidos o papel da leitura, o que dela se poderia aproveitar – num
bom sentido – e o que ela poderá ajudar, transformar e mudar. Para que isso aconteça, serão necessárias
condições de trabalho para a formação de leitores como, por exemplo, que as escolas disponham de boas
bibliotecas com o acervo atualizado de livros, jornais, revistas, de um bom computador ligado à internet
para a descoberta da palavra do mundo virtual etc. Além disso, devem-se criar, nas salas de aula, o hábito
e o gosto pela leitura, através de leituras individuais e coletivas, e a leitura em voz alta para que se descubra
que a palavra tem melodia, encanto, vida e emoção. Palavra esta que mostra seus segredos de contar
história a quem sabe contar, que estimula e leva à reflexão e ao prazer.
“Se descrever o mundo tal como é”, dizia Tolstói, “não haverá em tuas palavras senão muitas
mentiras e nenhuma verdade”. As palavras nos dizem que estamos destinados a voar, a saltar abismos,
a visitar mundos inexistentes: “pontes de arco-íris que ligam coisas eternamente separadas”.

“Pelo poder da palavra ela pode agora navegar nas nuvens, visitar
as estrelas, entrar, no corpo de animais, fluir com a seiva das
plantas, investigar a imaginação da matéria, mergulhar no fundo
de rios e de mares, andar por mundos que há muito deixaram de
existir, assentar-se dentro de pirâmides e de catedrais góticas,
ouvir corais gregorianos, ver os homens trabalhando e amando,
ler as canções que escreveram, aprender das loucuras do poder,
passear pelos espaços de literatura, da arte, da filosofia, dos
números, lugares onde seu corpo nunca poderia ir sozinho...
Corpo espelho do universo! Tudo cabe dentro dele!”

Rubem Alves

Rev. PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.11-12, jul. 2001-jul. 2002 11


REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. 3.ed. Campinas: Papirus, 2000.


FIALHO, Francisco. Ciências da cognição. Florianópolis: Insular, 2001.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 11.ed. São Paulo: Cortez, 2001.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. 5.ed. Campinas: Pontes, 1997.
KLEIMAN, Ângela. Texto & leitor: aspectos cognitivos da leitura. 7.ed. Campinas: Pontes, 2000.
MATURANA, H. R. Da biologia à psicologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
NOT, Louis. As pedagogias do conhecimento. São Paulo: DIFEL, 1981.
ORLANDI, Eni Pulcinellii. Discursos e leitura. 2.ed. São Paulo: Cortez; Campinas: Unicamp, 1987.
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SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6.ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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MOSENTHAL, P. (Ed.). Handbook of reading research. New York: Longman, 1984. p.3-38, v.1.

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