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“ TEXTO—IV.3—2 HARTSHORNE, R.. A necessidade e 0 proposito deste estudo. In: , Propésitos e natureza da Geografia. Sao Paulo: Hucitec/Edusp, 1978. T = PALAVRAS PRELIMINARES A NECESSIDADE E O PROPOSITO DESTE ESTUDO A Geografia experimentou acentuada expansiio nas univel dades dos paises de lingua inglesa, no transcurso das duas Glti- mas décadas. Essa expansio foi acompanhada de um interesse mais acentuado pelas questoes fundamentais concernentes & na- tureza © aos propésitos da Geografia como campo de estudos superiores. Fssas questées nfio so novas, em sua maioria, Os pontos de vista de dezenas de gedgrafos, sobre elas, foram publicados em 1939, no livro The Nature of Geography." Entretanto, © caréter encicloy dessa obra, de par com a grande atengio que devo- tou a critica negativa, embora essas duas caracteristicas tenham sido essenciais, dada ‘a finalidade do referido estudo, tendem a obscurecer-Ihe as conclusdes positivas. As criticas e objegdes apresentadas desde entio, na literatura sobre a matéria, na cor- respondéncia epistolar e nos debates verificados em seminétios, 7 Richard Hartsherne, The Nature of Geography, publicado eriginalmente ‘nos Annals da Association of American Geographers, Vol. XXIX (1839), ¢ Subseqientemente republicado pela Association, em livro, qual teve hhumerpsas reimpresies, Ante.o fato de os problemas considerados mo pre fente estudo. haverem sido discutides nessa obra que o preceden, sendo feitas referéncias essectficas aceren de trezentos estudos metodolégices, ela @ utlizada, neste tialho, 4 guisa de uma adequada coletinea de fontes julgadas fiedignas. Qualquer eitagSo A mencionada obra, neste atual {ofo, referee, na maior arte dox ci505, nfo. a0s meas pontos de v ras 20g de outros autores, cm cettos casos muitos outros, que sio citado fou parafraseados em ‘mew trabalho anterior. As citagGes de plginas refe emse aos nimerot ao pé das piginas; estes sio idénticos em todos as fedigies exceto quanto ao fato de que as péginas em algarismos romanos aparecem apenas nas edighes publicidas a partir de 1946, As cftagGex no presente trabalho so feitas entre paréntesis; o primciro nimero se refere T obra citada, conforme relagfo no final do volume; os mimeros que véin a seguir referem-se as piginas respectivas, demonstraram a necessidade de reconsiderar dez questdes funda- mentais, cada uma constituindo o tema de um capitulo do pre- sente Tivro. Em referéncia a algumas questdes, os estudos metodolégicos publicados a partir de 1939 apdiam ‘as conclusdes apresentadas em The Nature of Geography. Por conseguinte, sio tais questées novamente tratadas no presente livro de forma abreviada, ma assim 0 espero, mais claramente, Em outros casos, «1 evolucaio do pensamento geogrifico ocorria no periodo subseqiiente, de quase vinte anos, exigiu fosse efetuada substancial revisio do exposto naquela obra. Nao visa este trabalho, entretanto, a acrescentar apenas mais Tenha a fogueira que varios autores '‘tém deplorado como sendo “a infindavel discussio metodolégica”. A inétil repeticio de deba- tes poderd ser evitada da melhor forma através do cuidadoso exame do que escreveram outros autores, procurando-se estabe- lecer os pontos de vista concordes e fundamentar as divergéncias na compreensio e correta representagdo das opinides sujeitas & critica A hist6ria dos debates metodolégicos, na Geografia alem, mos- tra o valor desse procedimento. A partir da segunda metade do século XIX, 0s autores alemées se empenharam em vigorosas discussdes acerca de problemas metodolégicos, em estudos publi cados que oferecem aos leitores uma perfeita representacio de pontos de vista discordantes, permitindo-Ihes encontrar pronta- mente o material utilizado A guisa de provas. A alocugio progra- mitica de Richthofen, pronunciada em 1883, logrou obter aceita- ‘lo geral, em parte porque os temas que ele considerou ja haviam 2 Vitor day, poblomas form viorsments spines, & cose racio dos gedgrafosprofissonais em 1953, na publicagto. péstuma do tri- batho le Schaefer, sua anélise intitulada’“Exceptionalism in Geography" (216). Minha réplica a esse estado, 1955, limitow-sem. consi- derar os ers exstentes nessa andise, sobretudo em rcferéncia aot tra- bathos de Kant, Mumboldt, Tite, Hecurer © ew propeiy (104). Exorado por varies colegas,“concordel trabalho para os “Annals da Association of American. Geographers, que tratasse do. manelta ‘constrtiva os problemas metodalégicos suscitados naquela criti, mas que, ependestement dela, Vinh perturbando mits pegrafos (101205 « S26] ‘Gamo ese tabaiho asumlu proporgies muito, mares do que cstudo nonmal pera. o Annas, o fedatorhefe desse periédico suger ‘que ele fosse,publicado sob a forma de monografia separada. A oportw nidade de publicé-lo nesta nova série patrocinada pela Associaton possbi- Jitow fossem considerados de manera mais completa os problemas em 2 ido previamente debatidos numa série de trabalhos conflitantes, criticamente examinados nas resenhas periddicas feitas por Wag- ner no Geographisches Jahrbuch. Gracas as continuas discusses levadas a efeito pela geragio que veio a seguir, principalmente através da obra de Hettner, * os ge6grafos alemaes puderam alcancar um grau de métua com- preensfio e acordo de vistas sobre os conceitos bésicos do seu campo de estudos, maior do que 0 atingido em qualquer outro pals (1:91-101).* Nos comentérios que aduziu a respeito desse fato em sua alocugéo sob o titulo “Degrees of Freedom”, Manley sugere que isso poder’ ser devido A disposigio que revelam pos suit os alemaes no sentido de aceitar 0 comportamento discipl nado, em contraste com a preocupaco dos britinicos pela liber- dade de pesquisa (87:21 e seg.). Embora essa explicagio possa parecer plausivel, o cardter real dos debates metodolégicos na literatura alema indica exatamente 0 oposto. Se tais debates pa- tenteiam um esforgo por manter a disciplina, isso se verifica na insisténcia junto aos que escrevem sobre tais questdes, para que leiam preliminarmente o que outros autores tiverem escrito (1:27, 34, 138). Os gedgrafos alemies, geralmente concordes em matéria de ques- tes fundamentais, mantém sob vigorosa ¢ erudita investigacao todas as demais questées metodol6gicas. Muitos desses debates sio, porém, um tanto dificeis de acompanhar, pelo menos no ‘caso dos leitores estrangeiros, em virtude da ambigitidade do sig- nificado da palavra “Landschaft”. Se procedente, como afirmam varios sutores, que a atual geracdo de ge6grafos aleméies concor- ‘da em que esse conceito pertence ao Amago ou nticleo central da Geografia, parece nfo existir, quanto & acepcio daquela pa- Javra, maior acordo de vistas que 0 verificado quando expressei minha perplexidade ante esse fato, hé vinte anos (1:149-58).* 3 Hick Sehimithenr oferece um pormenoizadoesbog da, formasio yolissional e da carreira de Hetiner, incluldo na péstama Hits Ge Algol iltner, Algensine” Googie de, Memchcy Dmat T Stuttgart, 1947, pp. xi-xdv. 4 Em referéneia ao método de fazer as citagées entre paréatesis, ver a nota 1 pigina 1. § Lautensach, escrevendo em 1953, aceita esa ertica como sendo, uma afirmagé> atenuada dos fatos, Examinando os trabslhos de seus colegas, Yerifiou que © tormo no s6 era empregado com diferentes significados por diferentes autores, como também gue, em certos casos, era ‘no mesmo artigo com quatro © até mesmo ito acepgbes, sem mengio dessas ardangas de sigaiicado (87:14 @ sog,). Essas dificuldades se multiplicam nos debates entre gedgrafos de lingua alemé e fala inglesa quando as palavras “Landschaft” e “landscape” so tratadas como sindnimos. A confuséo surgiu pela primeira vez quando aquela palavra alemi, que pode sign ficar “paisagem” (“scene”) ou “regio”, foi introduzida na Geo- grafia norte-americana e britinica simplesmente como “landsc pe”. Num esforgo que visou, de nossa parte, a assegurar maior clareza de pensamento, The Nature of Geography propés uma definicfio de “landscape” compativel com o significado comum desse vocdbulo em inglés, mas independente da palavra alema (1:158-90). Todavia, quando os autores alemies presumem que essa definigio de “landscape” teve em mira ser uma definigiio de “Landschaft”, a confusio se torna ainda maior. * ‘Os recentes estudos metodoligicos realizados na Franca de- monstram, igualmente, o valor da erudi¢ao critica, Entretanto, @ caréncia de documentagio completa, em muitos casos, limita a utilidade desses estudos, pelo menos quanto aos Ieitores no fa- iliarizados com os trabalhos anteriores da literatura francesa. Mas, na medida em que seja possivel julgar, a partic de referén- cias’bibliogrificas, parece que os geégrafos franceses limitam seus estudos, no campo da Metodologia, & sua propria literatura. Embora se voltem para Humboldt e Ritter, como os autores que construiram os alicerces da Geografia moderna, ¢ para Ratzel, como a figura proeminente que estabeleceu a Geografia Humana (19:55:26, 59:14 e seg.), raramente se referem aos pontos de vista metodolégicos de autores estrangeiros que a estes sucederam. 7 Recente trabalho publicado por Hamelin, de Quebec (se nos for licito inclui-lo na literatura francesa para a finalidade da pre- sente andlise) vale-se copiosamente de estudos metodolégicos em francés € inglés (57). smbora pudéssemos evitar ess0 perigo. se, conforme foi sugerido, os gpizal delingn ingen ata 0 tpl sad dep lavra, o que o uso linglistico alemfo permite, isso apenas significarin que todos nés estariamos de acordo na interpretacio exrénca comum acerca do que. escrevéssemos, Felizmente, hé limites em nos liberdade de alterar © significado das palavras usuais. T Reconhecendo uma situacio andloga na Geografia britinice, 0, tra batho de Manley, “Degrees of Freedom” refere-se favoravelmente as *tra- dligdes.provinctanas” em Geografia (81). Nio resta diivida que podemos ‘colher com agrado uma salutar variedade do cariter dos trabalhos.gco- grins, mas nfo tems o diet de igomar os conhecinentor at dias facilmente ao nosso alcance. Nesse ‘expressio, conforme Manley certamente haveria de eoncordar, nfo cabe qual ‘ineiana em Geografia. altitude pro- 4 Os gedgrafos britinicos, conforme se observou hé duas décadas, revelaram muito menor interesse que os de outros paises pelo problema de estabelecer a natureza ¢ 0 Ambito de seu campo de estudos (/:100), No entanto, a ctiagio de novas eftedras de Geografia em miuitas outras universidades, nestes Gltimos anos, compeliu intimeros ge6grafos a erguerem sua voz ¢ afirmarem stia posigi. Os debates sobre os propésitos e 0 Ambito da Geo- grafia encontraram, recentemente, guarida em mais de um livro, ‘como também em diversos artigos e, de modo especial, em muitas aulas inaugurais de especialistas que foram nomeados professores de Geografia, na Gri-Bretanha como em outros paises da Comu- nidade (Commonwealth). De modo geral, nos paises de fala in- glesa, neles incluidos os Estados Unidos da América, tem sido tradigao, junto aos gedgrafos, discutir os problemas metodolégicos sobretudo em trabalhos elaborados para apresentagéio oral, ¢ no em obras baseadas em pesquisas. Na medida em que estas obras apfesentam idéias desenvolvidas no decurso de programas de pesquisas de longo alcance, ou sugestées para novos problemas no campo da investigagio geogrifica, o leitor poderd aceitar 0 que The parecer valioso e por de lado 0 que assim nao julgar. Em muitos casos, porém, esses trabalhos escritos incluem debates em toro de problemas que existem de longa data, sem prestar a devida atencdo aos estudos anteriores realizados sobre os mesmos problemas por outros especialistas. Em conseqiiéncia dessa pritica e, de modo especial, ante a falta de indicagdes bibliograficas em muitos trabalhos de cardter metodolégico escritos por gedgrafos britinicos, valioso material em breve tempo se eclipsa e perma- nece sepuitado na literatura (7:XXVIT) Assim é que 0 trabalho péstumo de Herbertson, de 1915 (7), embora pertinente aos atuais debates, como veremos, raramente & mencionado pelos ge6grafos britinicos (/:XXXI1). Ainda mais digno de nota é 0 caso do “famoso trabalho revolucionario” de Mackinder, de 1887, The Scope and Methods of Geography (16). Nao encontro qualquer referéncia aos pontos de vista expressos nesse trabalho, na literatura metodolégica deste século, antes do evantamento feito por Unstead, em 1949, sobre a contribuigio de Mackinder & Geografia (90),'e antes da republicacio daquela mesma obra em 1951, por iniciativa da Royal Geographical Socie- ty. No volume de Wooldridge, por exemplo, que contém suas co- municagées sobre Metodologia, apresentadas na década de 1945- -54, aquele trabalho de Mackinder, que Wooldridge acertadamen- te denomina “‘o documento-base da Geografia britinica”, s6 & 5 abordado em sua Introdugio, datada de 1956 (92:2 e seg.), na qual também exprime surpresa ante 0 fato de 0 referido trabalho no haver sido inclufdo na bibliografia de The Nature of Geo- graphy, 0 que, sem a menor diivida, deveria ter sido feito. Grande parte dos debates metodolégicos dos geégrafos brita- nicos © norte-americanos possui antes 0 caréter de ensaios lite- ririos, que 0 de estudos de erudicio. Isso € cabivel quando a fi- nalidade da discuss4o consiste em apresentar pontos de vista que decorram do pensamento e da experiéncia do seu autor, ou quan- do visa a estimular outros estudiosos a trabalharem em determi- nadas diregGes que o autor julgue serem as mais valiosas. Mas quando 0 debate envolve a consideracao de idéias de autores que escreveram anteriormente, ou o exame da evolucio histérica do pensamento geogratico, o leitor tem o direito de esperar que 0 escrito demonstre haverem sido realizadas as pesquisas neces- sirias (102:116-18). Isso freqiientemente niio se observa, Até mesmo em trabalhos que tém por objeto a apresentacio de infor- mages hist6ricas ou bibliograticas, os juizos ou conjeturas de seus autores muitas vezes nfo se distinguem de fatos verificdveis no acervo do que foi publicado sobre a matéria. Quando um traba- tho € documentado por numerosas indicagdes bibliogrificas, 0 leitor poderd no perceber se as afirmagdes mais importantes se apéiam em referéncias especificas. E quase certo ser iludido quando essas referencias so fomecidas, mas na realidade nd fundamentam as afirmagdes a que se vinculam. Os problemas metodol6gicos sfio freqiientemente discutidos, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, sem o estudo das conclusdes de estudiosos que versaram anteriormente sobre os mesmos problemas (ef. Wooldridge, 92:20). Em grau muito mais aceniuado do que em estudos substantivos, a literatura em Jingua estrangeira € posta de lado, salvo quan:o a0 que houver sido traduzido, Esse material & muitas vezes utilizado sem ser citado, ou feita referéncia apenas ao original, embora a linguagem revele dependéncia de fonte secundaria, que néo € mencionada. Quando as conclusdes de outros estudos so consideradas ¢ criticadas, muitas vezes isso € feito através de pardfrases inade- ‘quadas ou que induzem a erro, acompanhadas ou nfo de citagdes especificas, Nao resta dtivida que dificil evitar enganos a0 parafrasear, mesmo que se proceda com cuidado. O emprego de Jinguagem manifestamente “diluida” ou “oblicua” & prova de descaso aos olhos do leitor eritico. Todavia, na auséncia de tais evidéncias, o leitor poder nfo perceber que certo juizo contrério, 6 formulado por um critico das afirmagGes apresentadss sob a forma de pardfrase, no se baseia no que o autor original real- mente escreveu, mas na impressio que aquelas afirmzgdes tenham produzido na mente do critico. Em varios casos, tal impressio uutilizada como base para deduzir os pontos de vista do autor original sobre problemas a respeito dos quais ele no teré mani- festado qualquer opiniio, ou até mesmo expressado opinisio oposta aquela que o eritico houver inferido. © A atitude que se descreveu acima € compreensivel. Quaisquer que sejam os pontos de vista por nés sustentados a respeito da natureza ¢ do Ambito da Geografia, nfo resta davida que todos havemos de concordar que a finalidade dessa disciplina & ampli ‘© conhecimento da realidade por parte do homem. A Metodologia nada acrescenta a tal conhecimento, mas apenas A nossa compre- ensio dese mesmo conhecimento. Em conseqiigncia, acredita-se gue © tempo consumido em pesquisas para escrever-se um tra- lho de cardler metodolégico & tempo perdido, que se subtrai aos verdadeiros trabalhos de Geografia; e que, quanto menos tempo for assim desperdigado, melhor sera. A tese, plausivel, 6 iluséria, Um autor poder, individualmente, poupar 0 seu proprio tempo se puser de lado as exigéncias que impie a pesquisa cientifica, Mas os ge6grafos, coletivzmente con- siderados, perderio. muito tempo e despenderio grande esforgo em debates monétonos ¢ confusos, no que Darly, descreve, com intencional_exagero, como a “conversa fiada’ metodologica” (68:9) estudar cuidadosamente, ¢ no transmitir de ma- neira precisa 0 que outros autores realmente escreveram, conduz a discussées sem proveito sobre discordfncias que nfo existem; ‘20 passo que a falta de documentagao completa indubitavelmen- te oculta, do critico como de seus leitores, 0 grau de concordan- cia que realmente existe. © propésito dos trabalhos metodoligicos nao consiste na afir- magio de opinides independentes, ou na argumentagao litigiosa, mas sim na elucidagao de problemas de preocupagio miitua. Esse Propésito envolve necessariamente o debate légico, ¢ poder exi- gir a remocio de dbices & compreensio, causados por afirmagées * As proposigses eriticas dos parigrafos precedentes no deeivaram de aqualguet manial da especiatlade, was de cass, especies, encontades fim recentes estudos metodolégicos’ de. gedgrafos norte-amerianos ¢ rit ios, entre cles incuidos estadonoe que’ se atém rigorosmente As normas dla eradigto em sas obras de carter substantivor desorientadoras ou erréneas. Ao considerar a refutacio de erros, © escritor eo leitor compartitham da responsabilidade de con- entrar a atengao no trabalho submetido a critica, e jamais no autor desse trabalho. A erudicio critica no campo da Metodolo- gia no cogita de pessoas, mas de idéias expressas sob forma escrita (/02:124). Isso € particularmente verdadeiro quanto aos trabalhos metodoligicos de autores cujo interesse primordial © @ reputagio profissional nao dependem desses trabalhos, mas das obras substantivas que houverem escrito. Todavia, podemos es- perar melhor qualidade e menor quantidade de estudos metodol6- gicos, se os seus autores souberem de antemao que aquilo que publicarem nesse campo estard sujeito ao minucioso exame critico, baseado na aplicago de rigorosos padroes de erudigio (104:207 € seg.) Método de Tratar 0 Assunto O presente livro obedece a0 principio em que se bascou The Nature of Geography, ou seja, que a determinago da natureza, do Ambito ¢ dos propésitos da Geografia constitui primordial- mente um problema de pesquisa de cardter empirico, Na qualida- de de campo de estudos estabelecido ¢ de longo desenvolvimento hist6rico, e possuindo uma rica literatura tanto metodoligica, quanto substantiva, 2 Geografia & o que os gedgrafos dela fizeram. De modo geral, € provavel que esse seu cardter s6 se modifique entamente (1:30). Uma primeira etapa de The Nature of Geography consistiu em buscar a descricio mais fidedigna possivel da Geografia, confor- ‘me foi vista pelos othos dos gedgrafos do passado e do presente. E ocioso dizer que eles nunca estéo de perfeito acordo, © que muitas vezes divergem radicalmente quanto & definicio de sua matéria, Foi necessério determinar em que grau as’ diferengas progressivas representam um firme progresso do pensamento geo- grafico, resultante do estudo meditado de escritos anteriores © da elaboracio de métodos empregados nas obras de cariter substan- tivo. ©. mesmo critério foi seguido ao procurar-se responder a indagagoes especificas, suscitadas em referencia aos trabalhos rea lizados no campo da Geografia.? Um conceito apresentado em The Nature of Geography, como send tomado de estudos de outros gedgrafos, nio é a rigor relerido simples mente como meu ponte de vista. A justa critica desse conceito ow po- Selo rige slam considerads os pontos de vista express por tuts cstudiosos, 8 Esse “exame critico & luz do passado” nao ¢ automético, sem a menor diivida, Envolve julgamento légico, seja dos escritores citados, seja do préprio autor. Mas a légica adotada poderé ser, a cada pass, posta A prova pelo leitor. Se for segura, as con- clusoes decorrerio das premissas. Se o leitor puser em divida as conclusdes, a ele caberd demonstrar os erros existentes nas pro- posigdes sobre os fatos, ou nas premissas, ou no raciocinio l6gico. Isso constitui outro nivel do pensamento racional, diferente da mera divergéncia de opiniges. Cumpre realgar que esse critério de tratar o problema permite amplas oportunidades &s novas idéias no campo da Geografia. Nio existe a minima presungio de que se deva continuar operan- do com os mesmos conceitos bésicos que orientaram a obra dos nossos predecessores. Entretanto, para evitar dissipacdo de esfor- os com orientagdes sempre em mudanca, é indispensdvel com- preender ¢ avaliar a estrutura da Geografia que se desenvolveu até 0 presente. O fato de assim nao proceder permitiu repetidas vezes, aos promotores de novas idéias persuadirem certos grupos de ge6grafos no sentido de que adotassem conceitos aparentemen- te novos ¢ atraentes sobre sua matéria, os quais provaram ser, em filtima anélise, meros desvios que deram origem a estudos saudados como marcos de uma nova fase, quando foram escritos Nao obstante, com 0 passar do tempo se verificou que tais estu- dos possuiam escassa utilidade, Esse desperdicio de esforgos no campo da erudicao se afigura tanto mais desnecesstrio quando verificamos, no estudo da historia do pensamento geogrifico, que 1s conceitos celebrados. como novos j4 haviam sido postos 2 pro- va dezenas de anos antes, ou mesmo hé um século, tendo se re- velado absixo da expectativa, Conseqiientemente, encaramos com ceticismo, em companhia de Braun Obst, propostas de mudancas apresentadas sem 0 co- tnhecimento e a consideracio de critérios € conceitos do passado, registrados na literatura (1:34). Se aqueles que propdem novos pontos de vista no campo da Geografia primeiro avaliassem 0 pensamento © a obra dos estudiosos que os precederam, no s6 evitariam grande perda de tempo a si mesmos e a terceiros, como estariam melhor capacitados para promover inovacdes vilidas. © que se escreven acima parece representar wma deseri¢io mais correta do men papel de autor em The Nature of Geography do que aquilo ue afimet a intrnducto dessa obra, © que fo ebjetado por muitos Heito- res, a saher, ha preocupacto seria meramente a de “apresentar a Geografia conforme outros gedgrafos a consideram” (1:81). Essa atitude em face dos trabalhos dos nossos predecessores induz 20 respeito pelo nosso campo de estudos, ¢ da origem a uum saudavel sentimento de modéstia, que nfo ha de ser interpre- tado como o culto a0 passado. Deve essa atitude, igualmente, nos reconhecer os erros légicos da nossa heranga em mi de pensamento geogrifico, e determinar em que setores sua estrutura conceitual precisa ser retificada ou revigorada, © estabelecimento de uma estrutura da Geografia logicamente vélida no proporciona, entretanto, por si mesmo, 0 impeto ne- cessdrio a um progresso substancial dos conhecimentos geograficos. Por outro lado, a mera acumulagio de descrigdes de dreas, ainda que pormenorizadas, permaneceri como representagio superficial de fatos observatérios, O que a Geografia mais necessita hoje em dia, como ponderou um critico do primeiro rascunho do presente escrito, 6 a elaboracio de novos critérios conceituais ¢ de meios mais eficientes para medir as relagdes que existem entre os fe- némenos. Isso nfo seré conseguido, conforme observou es mesmo critico, através de uma reformulagéo da maneira como se desenvolveu a Geografia, e também nao resultara de qualquer tentativa no sentido de transformar o carter essencial dessa dis- ciplina Novos critérios conceituais e novas técnicas hilo de decorrer mente de intensivos trabalhos de cardter substantivo, em wi setores ou aspectos particulares da Geografia. Acredito que os ge6grafos norte-americanos elaboraram, no transcurso desta iilti- ma década, maior méimero de conceitos © métodos importantes © iiteis do que em qualquer periodo anterior. Entre os inémeros que poderiam ser relacionados, mencionarfamos a elaboragio de métodos estatisticos para a andlise dos mercados como fator da localizagio de indistrias e para a correlagio de varios indices de fendmenos urbanos, bem como os processos cartogritico-esta- tisticos combinados, visando a estabelecer a vinculagao entre fe- ‘némenos presumivelmente relacionados entre si. Tais_instrumen- tos poderio nos proporcionar métodos analiticos que permitam realizar uma revolucio no que diz respeito & rapidez e & exatidio, a0 determinar-se correlagées espaciais. Para que esses novos conceitos ¢ instrumentos possam, entre- tanto, revelar-se eficientes incentivos & erudicio geogréfica, € in- dispensével haver uma certa base de concordincia em nossa pro- fissio acerca da natureza, do Ambito © dos propésitos dos nossos trabalhos. Chamar a atencdo para essa necessidade constitui 0 10 objetivo de estudos metodolégicos como o presente. Nao se cogita de defender uma posigfo jé assumida, ou de projetar uma nova orientagio: pretende-se tornar mais clara a miitua compreensio do que herdamos. No intuito de promover esse esclarecimento, 0 autor foi muito auxiliado, no decurso dos varios anos de preparo do presente estudo, por varios colegas que leram partes de sua primeira re- dagio ¢ Ihe ofereceram vatiosas sugestées, bem como por estudan- tes de sucessivas turmas do seu curso de pés-graduagio sobre “A Histéria do Pensamento Geogréfico”. E ainda, de maneira muito especial, pelo editor critico deste volume. Suas numerosas obser- vagées quanto ao fundo e A forma ultrapassaram de muito as fungées normais de um editor critico e foram de grande valia, permitindo ao autor perceber com mais clareza o que procurara izer. Ordem de Tratamento do Assunto Em The Nature of Geography, a consideragio de problemas espectficos sobre 0 cardter intrinseco e os propésitos da Geogra- fia foi precedida pela proposi¢ao de Hettner quanto & posicao 16- gica da Geografia no campo total dos conhecimentos. Essa ordem de apresentagdo poderd ter dado aos leitores a impressio errénea de que o enunciado de Hettner constituiria uma proposico bési- ca da qual derivassem, através do raciocinio IWégico, as solugées dos problemas subseqiientemente discutidos. No intuito de eliminar qualquer aparéncia de ra tivo, a partir de teorias aprioristicas sobre a Geogr: ieinio. dedu- ou a Cign- cia, 0 presente trabalho procederé indutivamente, buscando de- terminar 0 cardter real dos trabalhos geograficos, tal qual os ge6- grafos os consideraram. Com esse fundamento, hé de ser possivel determin que espécie de estudo eles so. Chamar, ou nio, de ” esse campo, constitui um problema semantico, que de- pende da definicéo especifica atribuida a uma palavra sobre a qual existem grandes discordancias. O carter da Geografia como campo de estudos deve ser determinado independentemente dessa questo semantica. Se lograrmos por esse meio esclarecer os problemas de fato concernentes 4 Geografia, poderemos, em seguida, como t6pico final, considerar 0 conceito de Hetiner sobre a posigho da Geo- grafia entre as demais ciéncias, tratando-o como hipétese que visa UW a explicar as caracteristicas da Geografia, previamente estabele- cidas através de provas empiricas. Essa hipdtese nfo & de modo algum necesséria para a consideracio dos capitulos que a prece- deram, sendo 0 propésito de cada um deles estabelecer os fatos relativos ao caréter da Geografia, em comparagio com o de outras disciplinas. Pelo contrario, a hipétese deveré ser julgada em fungdo do grau em que se ajustar aos fatos, empiricamente determinados, € torné-los mais inteligfves. 12

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