Professional Documents
Culture Documents
A Paisagem dos Areais no Bioma Pampa Gaúcho: de uma revisão conceitual da paisagem ao
exemplo de uma representação paisagística a partir do olhar de uma ádvena
Modalidade:
Apresentação Oral (ED)
Eixo:
2- Pensamentos Geográficos
Resumo: Este trabalho tem por objetivo realizar uma revisão conceitual acerca da palavra
paisagem, enquanto categoria conceitual da Geografia, bem como a percepção desta é
apresentada ao longo dos tempos, para finalmente apresentar a percepção paisagística dos
areais que emergem no sudoeste do Rio Grande do Sul, a partir do ponto de vista da autora, uma
ádvena no Pampa, bioma ao qual se inserem os areais. Metodologicamente, desenvolveu-se uma
revisão bibliográfica acerca do conceito de paisagem que remonta do Renascimento aos dias
atuais; de uma concepção religiosa ao movimento artístico, não apenas pictórico; de uma
“inocente” representação à constatação de uma intencionalidade daquele que a representa.
Realiza-se uma breve reflexão sobre o papel desempenhado pelos meios de comunicação
enquanto possuidores do potencial de criar matriz e incutir no imaginário social uma marca. É
tecida ainda uma perspectiva crítica à paisagem contemporânea. Finalmente, o olhar estrangeiro
sobre o Pampa, mais especificamente, a representação da paisagem areal.
1
Baseado no artigo desenvolvido para compor parte do processo avaliativo da disciplina Paisagens, ministrada pelo
prof. Dr. Roberto Verdum, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Geografia, doutorado, da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
2
Doutoranda de Geografia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta IV da Universidade de
Caxias do Sul.
E-mail: zaiazinn@gmail.com
associar-se a existência de oásis com palmeiras em todos os desertos; que a história da
Independência Norte-Americana está vinculada ao Velho Oeste e o respectivo bang-bang contra
os índios; que a noção de parque vincula-se ao que é retratado nos filmes hollywoodianos, ou
seja, devem ser policiados, vigiados e respeitados, ou ainda que a Índia se caracteriza por ser um
país limpo e rico, conforme apresentado, no horário nobre, da Rede Globo, por Glória Peres, na
novela Caminho das Índias. É o que Alves (2001) apresenta em seu texto:
A palavra landscape tem seu uso generalizado em fins do século XVI e meados do século
seguinte, influenciada pelas pinturas renascentistas de artistas holandeses que se ocupavam de
representar o cenário rural, sobretudo, de forma mais realística. O rural é o predominante por
razões evidentes na época, pois a maior parte da população residia em ambientes rurais, sendo
que nas cidades residia o locus da administração pública e do comércio de produtos provenientes
de diferentes regiões do Velho Mundo. A seguir, passa-se a pintar paisagens panorâmicas.
Por quase dois séculos, a paisagem não designaria um fato geográfico, apenas o produto
pictórico representado sobre a tela de um determinado acontecimento permeado por uma dada
realidade geográfica.
[...] criadas pelas pessoas através de sua experiência e pelo seu envolvimento
com o mundo que as rodeia – as formas de arte acompanham essa mudança. A
velocidade da transformação assume uma dimensão que torna necessário
recorrer a outros tipos de arte, como a fotografia ou o filme [que ainda revela os
sons da paisagem!], que não só conseguem captar o tempo real das mudanças da
paisagem, como podem ser transformadas em suportes intangíveis que, por sua
vez, circulam em redes virtuais a velocidades antes impensáveis (p. 68).
Isto reflete o que Alves (op. cit.) ao citar Alain Roger desvela acerca do papel
desempenhado pelas artes na representação da paisagem, proporcionando inclusive um
“chamamento” para a formação de um olhar coletivo para aspectos do mundo, como o smog
londrino, que para Rogers é uma invenção pictórica, uma vez que só foi percebido pela sociedade
quando passou a fazer parte de determinados quadros.
Hoje a paisagem, conforme Mateo Rodriguez (apud Rocha, 2008), é vista como uma
imagem que representa uma ou outra qualidade, associada à interpretação estética fruto de
diversas percepções. Todavia ainda é conceituada como formação natural, constituída por
componentes e elementos naturais numa inter-relação dialética; um sistema espaço-territorial,
constituído por elementos naturais, antrópicos e tecnológicos, socialmente condicionados, que
alteram, transformam as propriedades das paisagens originais. É ainda definida como a área, o
espaço em que vive a sociedade, caracterizada por determinado padrão de relações espaciais, de
importância existencial à sociedade; fruto da ação cultural no decorrer do tempo, modelada por
um grupo cultural a partir de uma paisagem natural.
A partir destas concepções, a paisagem é concebida como natural, visual, cultural, social,
antrópica, percebida/representada, cabendo aqui o pleonasmo “paisagem geográfica”, pois é
entendida como um sistema de recursos explorados e/ou conservados pelo homem,
compreendida ainda como ambiente, suporte físico à biodiversidade, fonte de percepções para
quem a utiliza e a usufrui.
[...] a paisagem é uma marca, pois expressa uma civilização, mas é também uma
matriz porque participa dos esquemas de percepção, de concepção e de ação –
ou seja que canalizam, em um certo sentido, a relação de uma sociedade com o
espaço e com a natureza e, portanto, a paisagem do seu ecúmeno (p.84-85).
Assim, a descrição da paisagem é um dado perceptível, considerando a abstração e/ou mudança
de escala no espaço e no tempo. Sendo a paisagem marca, é expressa por uma civilização;
dispõe de instrumentos metodológicos, sendo descrita e inventariada. Como matriz, participa dos
esquemas de percepção, concepção ou ação – cultura -, canalizando a relação de uma sociedade
com o espaço e com a natureza – a paisagem de seu ecúmeno. A paisagem marca faz abstração
do sujeito com o qual a paisagem se relaciona; gera a matriz. Portanto, a marca é o concreto, ao
passo que a matriz, o subjetivo.
Qual a intenção que está por trás desta foto? Bom, no mínimo, que uma área florestada,
no bioma Pampa, que não altera a rotina nem do cavaleiro, tampouco do cavalo. Passa uma ideia
de harmonia entre os elementos ali representados, a vegetação exótica, o campo, o cavalo e o
gaúcho.
A definição de paisagem proposta por Jean-Robert Pitte3, citada por Amaral (2001), diz
que se trata da
3
Para maiores esclarecimentos, o original está em Jean-Robert Pitte, Histoire Du paysage français. I. Le Sacrè: de La
Préhistoire au XVe siècle, Paris, 1983, p. 24.
[...] expressão observável à superfície da terra, pelos sentidos, da combinação
entre a natureza, as técnicas e a cultura dos homens. Ela é, essencialmente,
mudável e não pode ser apreendida senão na sua dinâmica, isto é, no quadro da
história que lhe restitui a sua quarta dimensão. Se a ecologia lembra que a
natureza tem as suas leis fundamentais e que é oneroso transgredi-las, a história
ensina que o homem tem as suas razões que a natureza ignora. A paisagem é ato
de liberdade; é uma poesia caligrafada na folha branca do clímax. (p. 77)
Por conseguinte, a paisagem é uma representação, uma produção daquele que a observa e a
descreve e, sua construção se dá a partir dos elementos culturais, sociais e históricos do sujeito.
b) Paisagens que evoluíram organicamente de uma gênese social econômica, administrativa e/ou
religiosa. Tais paisagens podem compor uma relíquia, distinguindo-se e/ou conservando-se traços
originais, podendo ainda conter um papel social ativo, associado a uma forma de vida tradicional
em evolução;
c) Paisagens que se justificam por interesses religiosos, artísticos ou culturais, associados aos
elementos naturais, ainda que os indícios culturais tenham desaparecido ou que sejam
insignificantes.
Para Ribeiro (2001) uma paisagem é um espaço atingível mediante a observação, desde
acessá-la a olho nu ou através da fotografia. Qualquer paisagem desvela o estado atmosférico, a
produção e circulação de produtos, circulação das ideias, modificando ou influindo no
comportamento das populações.
Ribeiro (op. cit.) salienta que o relevo é o esqueleto das paisagens, envoltas sob a
influência de um clima que possibilitará o desenvolvimento de determinadas características
vegetais a partir desta associação, que, conforme o interesse humano serão poupadas ou
modificadas. Segundo este autor, “abordar o estudo da paisagem pelo dos seus elementos que
resulta das interferências mais complexas, ideia que alguns geógrafos fizeram recentemente
ressurgir, remonta, em suma, aos grandes iniciadores da Geografia” (p. 29).
Em sua origem, a palavra paisagem serviu para caracterizar territórios marcados pelos
fatos físicos e humanos relacionados entre si. É desta forma que para Max Sorre a região
geográfica é uma extensão da paisagem.
- Quais são os princípios nos quais, na civilização moderna, se deve pautar a conservação das
belezas da paisagem?
- Acrescenta-se ainda, quem define o que é uma paisagem bela? Por que motivo assim ela é
declarada? É bela para quem? Para quê? O que é belo e o que não é belo? Quem define o
conceito de beleza? A quem ou a que interessa eu considerá-la bela?
Para Rocha (2008) a mais importante contribuição da Teoria Geográfica da Paisagem diz
respeito à compreensão e análise da paisagem como um sistema, no qual os condicionantes
naturais e antrópicos são apreciados em seu estudo e planejamento, presente em inúmeras
escalas.
A representação hodierna da paisagem, conforme ressalta J. Ritter, citado por Besse (s/d),
é correspondente ao desenvolvimento de uma consciência estética da natureza. Assim, para
alcançar à natureza como paisagem, é necessário dispor-se a ir à natureza para livremente poder
contemplá-la, em uma atitude desinteressada, isto é, sem que se possam fazer considerações
práticas e utilitárias.
A paisagem conforme apontada por Besse (op. cit) é expressa e apreendida neste prazer
estático; não é apenas o lugar do “prazer” tão particular que é estético; possui uma densidade
cosmológica e ontológica insubstituível, que assegura ao prazer estético uma vocação específica.
A paisagem é a ordem do mundo visível.
Para Cosgrove (1998) a paisagem na Geografia Humana está associada à cultura; é a
ideia de formas visíveis sobre a superfície da Terra e sua composição. A paisagem é o modo de
ver, “compor e harmonizar o mundo em uma ‘cena’, em uma unidade visual” (p. 98); é simbólica,
pois é o produto da apropriação e transformação desenvolvidas pelo homem no ambiente.
A paisagem dos areais presente no Bioma Pampa, foi eleita pela autora em virtude do
próprio entendimento de bioma, posto que reflete a relação presente entre elementos ditos
naturais e antrópicos, isto é, eles são diretamente influenciados pelo clima, seus elementos e
fatores, quanto pelo relevo e principalmente pelo homem. Portanto, fica evidenciado que a
paisagem é vista a partir do pressuposto dialético, presente na relação entre o todo, seja o natural,
seja o humano; na interação do homem com o ambiente.
Assim sendo, compreende-se como pertinente iniciar-se com uma breve explicação acerca
do processo de arenização, tomando por base a descrição apresentada por Suertegaray (et. al.)
(2001) como:
A paisagem, a partir destas imagens pode ser descrita como uma área de campo, no qual
é possível ter-se tanto a vegetação rasteira, típica deste bioma, as manchas de vegetação
arbóreas, que foram introduzidas pelo homem, quanto a presença de manchas de areias, os
areais, que dão um ar exótico à região, pois parecem-se com dunas, o que lembra praia ou então
deserto. Todavia, o mar dista mais de 550 Km e o deserto, seja climático, seja biológico, não
existe nesta região, pois a mesma se caracteriza por índices pluvimétricos próximos a 1.400 mm
anuais.
A figura 3 transmite a sensação de uma areia fofa, suas marcas, deixadas pelo vento, dão
a dimensão dinâmica, de movimento. Esta areia anda! Anda conforme a direção do vento! A figura
4 igualmente traz as marcas do vento, mas também as deixadas pelo homem no pisoteio desta
areia fofa; ao fundo um morro, o testemunho, testemunho de uma altimetria pretérita. O areal
convive com o verde, mas não o verde que capitalistas pretendem, fruto do eucalipto, mas o verde
dos tufos de capim, um tapete herbáceo que serve de pasto ao gado que convive nesta paisagem
quase plana, para alguns, inóspita.
A figura 5 representa a integração dos elementos “naturais” e “antrópicos”, haja vista que
tal foto foi tirada em dia de elevada umidade atmosférica, com momentos de pluviosidade ao
longo do dia. O cenário apresenta uma topografia suavemente coxilhada ao fundo, uma cerca
delimitando áreas particulares de áreas públicas – a estrada -, uma vegetação de pequeno porte
e, neste ínterim, o areal, que insiste em permanecer entre o verde, confundindo o desavisado,
camuflando-se como deserto, mesmo sem se-lo, espalhando-se juntamente à vegetação,
enganando o gado que por ali pasta, causando inquietação ao homem, seu “dono”, em um
capitalismo em que se instaurou a propriedade privada, as cercas, os limites entre “o que é meu e
o que é teu”.
Para muitos, o areal é um prejuízo, esconde o pasto, emagrece o gado. Para esta autora,
um lugar único, divino, transcendente. Uma bela paisagem, que muitos homens gostariam de ter
“solucionada”, e por solução entendem a possibilidade de obter uma resposta econômica. Querem
a todo pano “recuperar” uma área natural! O que há para recuperar nesta paisagem, haja vista
que é natural? Ah, areia, areal, tão belo, tão intenso! Emanas do verde, o esconde, o camufla!
Areal, és único, de rara beleza, não se acanhe, siga seu rumo, deixe-se transportar pelo vento,
continues embelezando o Pampa, sigas incógnito!
Referências bibliográficas:
ALVES, Teresa. Paisagem – em busca do lugar perdido. Revista Eletrônica Finisterra, XXXVI,
72, 2001, pp. 67-74.
AMARAL, Ilídio do. Acerca de “paisagem”: apontamentos para um debate. Revista Eletrônica
Finisterra, XXXVI, 72, 2001, pp. 75-81.
BERQUE, A. Paisagem marca, paisagem matriz: elementos para uma problemática para uma
geografia cultural. In: CORRÊA, R.L. e ROSENDAHL, Z. (Org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio
de Janeiro: EdUERJ, 1998, pp.84-91.
BESSE, Jean-Marc. Entre modernité et postmodernité: la representation paysagère de la nature.
In: ROBIC, Marie-Claire (dir.) et.al. Du milieu a l’environnement. Pratiques et representations du
rapport home/nature depuis la Renaissance. Ed. Economica, s/d.
COSGROVE, Denis. A Geografia está em toda parte: cultura e simbolismo nas paisagens
humanas. In: CORRÊA, R.L. e ROSENDAHL, Z. (Org.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de
Janeiro: EdUERJ, 1998, pp. 92-123.
DOMINGUES, Álvaro. A paisagem revisitada. Revista Eletrônica Finisterra, XXXVI, 72, 2001, pp.
55-66.
MONTEIRO, C.A.F. Geossistemas: a história de uma procura. São Paulo: Contexto, 2000.
RIBEIRO, Orlando. Paisagens, Região e Organização do Espaço. Revista Eletrônica Finisterra,
XXXVI, 72, 2001, pp. 27-35.
ROCHA, Yuri Tavares. Teoria Geográfica da paisagem na análise de fragmentos de paisagens
urbanas de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. In: Revista Formação, Presidente Prudente, ED.
UNESP, n. 15, vol. 1, 2008, pp. 19-35.
SERPA, Ângelo. Parâmetros para a construção de uma crítica dialético-fenomenológica da
paisagem contemporânea. In: Revista Formação, Presidente Prudente, ED. UNESP, n. 14, vol. 2,
2007, pp. 14-22.
SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes (et. al.). Projeto arenização no Rio Grande do Sul: gênese,
dinâmica e espacialização. In: Biblio 3W Revista Bibliográfica de Geografía y Ciencias
Sociales, Barcelona, Universidad de Barcelona, n. 287, mar/2001.