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UNVERSDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

Atividade avaliativa 3

19/06/18
Belo Horizonte

UNVERSDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA

Atividade avaliativa 3

Trabalho entregue ao Professor Daniel de Jesus


da disciplina de Fundamentos de Pesquisa
Etnográfica

19/06/18

Belo Horizonte
Este trabalho tratará sobre o terceiro tópico da disciplina, intitulado como
“A produção etnográfica e seus desafios: narrativa, diversidade temática e
questões contemporâneas”. Começo este texto com uma reflexão sobre como
funciona a narrativa, de modo que esta possui certo poder sobre o texto
gerado. A forma como narramos os fatos pode distorcê-los, justamente por não
estarmos trabalhando com uma narrativa em ciências duras possuindo tabelas
e comprovações mensuradas, e sim com um estudo das ciências humanas, o
qual é desprovido de parcialidade devido à sua natureza como campo de
estudo e dos objetos de estudo. Uso como referência para falar de narrativas o
texto de Richard Price, “”Meditação em torno dos usos da narrativa na
antropologia contemporânea”, onde o autor reflete sobre a antropologia como
disciplina, de forma que esta, durante o período de formação acadêmica do
autor, possuía um modelo específico e uniforme a ser seguido. Conforme o
passar do tempo, tornou-se cada vez mais comum a narrativa alternativa
dentro do campo antropológico, a qual permite a maior participação dos objetos
de estudo na produção da própria etnografia. Price narra este fenômeno com
suas experiências acadêmicas, frisando o comum descuido dos etnógrafos
durante a execução de seus trabalhos, de modo que estes discorriam tanto
sobre a história de seus povos estudos, sua religião, as relações de
parentesco, porém se esqueciam de transmitir a visão tradicional do próprio
“objeto” sobre as demais culturas.

Assim, o evento da virada literária que ocorre na década de 80 torna-se


tão relevante no campo antropológico que chega a obrigar as novas gerações
de antropólogos a adequarem-se à nova narrativa estipulada, que
comprometia-se à construir a etnografia com o auxílio dos “nativos”, ou seja,
promover a despolarização das versões contadas apenas por colonizadores
durante os anos da história do pensamento antropológico, de maneira que as
próximas gerações de acadêmicos ministrassem suas pesquisas por outro viés
senão o colonizador, o que seria executado através da participação da
comunidade tradicional no estudo sobre a própria história, de maneira que esta
estaria livre para fornecer informações sobre sua perspectiva sobre a pesquisa
etnográfica sendo realizada e a forma como esta deve ser realizada em
respeito à forma de vida da comunidade, de maneira que o processo de
pesquisa não seja invasivo ou danoso às cosmologias e conceitos
características da sociedade. Embora esta seja uma perspectiva desejável, ao
se analisar o cenário antropológico atual, é possível afirmar que é idealizada a
visão de uma antropologia com a plena participação dos “nativos”, de maneira
que os trabalhos acadêmicos passaram a receber este tipo de abordagem há
pouco tempo, em um cenário não moderno, e sim contemporâneo, ainda que
nos dias atuais a Academia e os antropólogos em âmbito global se veem
constantemente na função de manter-se vigiando a ética antropológica, de
modo a prevenir a execução de pesquisas executadas de um ponto de vista
etnocêntrico e colonizador, em um comportamento preventivo que espelha o
traumático passado da disciplina de Antropologia.

Um exemplo de diferentes “vozes” inseridas na etnografia pode ser


notado no estudo de Richard Price entre os saramaka, povo de origem
quilombola com o qual o pesquisador viveu inserido durante quatro anos e
relatou a vivência em seu texto, constituindo uma das vozes na etnografia,
enquanto, ao mesmo tempo, são relatadas as vozes dos missionários morávios
alemães que tinham como objetivo a conversão dos “pagãos”, de forma que os
textos produzidos pelos estrangeiros ilustram o modo de vida saramaka de um
olhar que poderia ser chamado de etnocêntrico, narrando o fracasso saramaka
em seus rituais que eram convertidos em satânicos pelas “lentes” do
etnocentrismo – a segunda voz. Posteriormente, funcionários coloniais
holandeses, geralmente militares, mantinham diários contendo informações
sobre as práticas cotidianas dos saramaka, formando mais uma voz para a
tríade, e as informações sobre as medidas de segurança dos saramaka eram
encaminhadas ao Tribunal de Polícia colonial de Paramibo, fechando um
relatório sobre as práticas políticas saramaka que casava-se com os relatos
sobre sua vida religiosa disponibilizados anteriormente pelos alemães.

Ao se tratar das “vozes” que narram a história de um povo, é importante


para o antropólogo filtrar as informações obtidas, tipo de postura que também
tem sido tomada recentemente, pois durante muito tempo, durante o vigor da
famosa Antropologia de gabinete era comum que a etnografia fosse escrita à
partir de múltiplas autorias, ainda que de forma implícita, pois o antropólogo
permanecia pomposamente em seu acento confortável dentro de um escritório
na Universidade, e seu nome era o publicado nas revistas, papers e livros,
enquanto suas ordens eram transpassadas à funcionários, os quais eram
responsáveis pelo procedimento de entrevista de “nativos”, executando o
“trabalho pesado” e repetitivo para a obtenção dos dados que seriam usados
no processo de conclusão científica do pesquisador. Em grande parte das
vezes, os questionários eram empregados por missionários, os quais possuiam
claramente intenções completamente discrepantes das do pesquisador, porém
eram estes os responsáveis por transmitir as informações de campo ao
prestigioso Professor, que, como um ser desprovido da capacidade de ouvir e
ver, aceitava-as com a devida carga de distorções interpretativas e
etnocentrismo pela simples vantagem de não deslocar-se e colocar seu corpo
acadêmico e frágil em terras selvagens. Como aluna de antropologia, vejo que
as informações sobre o campo eram debulhadas e transformadas em ideias já
“contaminadas”, e esse fato tão repetitivo na história antropológica pode
fornecer aos antropólogos contemporâneos uma lição sobre como direcionar
questões em campo, evitando um fenômeno de “telefone sem fio”, pois ainda
sim sem missionários em campo para confundir as informações, substituídos
pela presença física do antropólogo, imagino que em campo seja dificultoso
obter certas informações “não contaminadas”, como informações falsas vindo
de nativos ou as próprias distorções que o antropólogo pode causar se não
manter-se minimamente distante do objeto.

Outro aspecto de suma importância é a maneira como o antropólogo


formula seu discurso, pois a função do antropólogo ultrapassa a de somente
executar a pesquisa, de maneira que sua ética profissional e papel social
abrange a dedicação para influenciar positivamente na vida dos “nativos”, visto
que a situação social das comunidades tradicionais sofre constante ameaça
pelo estilo de vida moderno, principalmente ao se tratar do Brasil. Assim, diante
de determinadas situações, como os casos envolvendo questões políticas, por
exemplo, o antropólogo é obrigado a deixar de priorizar somente a realização
profissional e deve compreender que o bem-estar da população estudada corre
certo risco, e que a divulgação de determinados dados da maneira incorreta e
também a maneira como as informações são manipuladas pode expor a
comunidade à ataques e conflitos com indivíduos de fora dela.

Como aluna de antropologia, durante uma visita a um quilombo pude


notar a real importância do cuidado com as palavras ao se tratar da citação da
imagem e também da exposição da opinião de comunidades tradicionais para
sua própria defesa. O episódio foi traumático, e como aluna de antropologia,
deixei o recinto possessa. O trabalho a ser realizado era uma oficina com uma
comunidade quilombola específica, durante a qual seriam pautados seus
objetivos e necessidades, de modo que o ponto central da oficina seria a
obtenção de uma medida judicial para a demarcação das terras tradicionais, e
minha função era explicar à comunidade a proposta um Professor cuja
identidade manterei encoberta sobre a disponibilidade de ajudá-los com seus
conhecimentos sobre terras tradicionais e medidas legais. Quando cheguei ao
terreno centenário, que hoje em dia assemelha-se a uma favela, mas já foi uma
fazenda muito antes da cidade de Belo Horizonte (MG) se formar como capital,
a matriarca do quilombo esperava a mim e também a grupos de estudantes de
Direito e Administração em um dia de abertura do quilombo com a intenção de
mobilizar pessoas em percursos acadêmicos cujos cursos estivessem
relacionados ao conhecimento sobre demarcação de terras, e em troca a
história do quilombo seria contada para que os futuros advogados e
administradores pudessem realizar trabalhos acadêmicos sobre a visita ao
recinto. O problema começou quando a matriarca iniciou suas histórias sobre
seus ancestrais vivendo no quilombo quando a cidade de Belo Horizonte ainda
era constituída por uma roça, e como as imobiliárias hoje em dia situadas nas
vizinhanças do quilombo foram surgindo ao poucos com a expansão urbana e
gerando ameaça às suas terras, de maneira que seus relatos eram regados de
um ódio justificável pela Justiça devido à negligência em relação à situação de
seu povo. Assim que o discurso começou, vi logo que os integrantes de um dos
grupos de estudantes sacaram seus celulares e puseram-se a gravar a fala da
idosa, que não sabia como aquela situação poderia ser-lhe altamente
prejudicial, caso algum desses áudios fosse utilizado judicialmente contra ela
ou contra sua comunidade. Outro tipo de atitude que me despertou irritação foi
o turbilhão de selfies tiradas pelos jovens dentro do terreno do quilombo e das
fotos dos membros da comunidade, em uma atitude desrespeitosa de tirar fotos
dos quilombolas e de seu espaço sem ao mesmo pedir permissão, como se
estivessem em uma excursão escolar. Além disso, é estritamente necessário,
em todo trabalho antropológico, expor para a comunidade os riscos que a
permissão para o uso de sua imagem pode lhes causar antes de prosseguir
com qualquer filmagem ou sessão de fotos mesmo diante de sua aceitação
para com os procedimentos, pois em inúmeras das vezes as pessoas não
estão cientes sobre que malefícios suas informações nas mãos erradas podem
causar.

Diante de tantos casos de descuido em relação aos dados das


comunidades tradicionais, tornou-se comum que os “nativos” apresentem uma
postura suspeitosa em relação à figura do antropólogo, pois este sempre é de
fato um desconhecido vivendo entre as pessoas, até que este desenvolva
habilidades suficientes para conseguir cativar seus “nativos” e ganhar sua
confiança. A antropologia é um campo digno de muitas suspeitas de fato,
devido ao seu passado sombrio relatado por Diego Zenobi em “O antropólogo
como espião: as acusações públicas à construção das perspectivas nativas”,
fatos que vão desde o trabalho de antropólogos estadunidenses como espiões
do “caráter nacional” durante a Segunda Guerra Mundial, afim de descobrirem
as fraquezas culturalmente aprendidas dos países inimigos até o financiamento
da pesquisa antropológica durante a Guerra Fria, que se deu pelo uso dos
conhecimentos da antropologia norte-americana para a espionagem das
demais nações envolvidas no conflito de guerra.

Diego Zenobi narra processo de desconfiança para com o pesquisador


apontando exemplos de acusações que sofreu durante sua tese de doutorado.
Um destes episódios se deu em Buenos Aires, quando Zenobi estudava
familiares de vítimas de um incêndio, o qual os parentes das vítimas
acreditavam ter sido causado pela falta de segurança do público durante o
show, ocasionada pela negligência do ex-chefe de governo da cidade, do qual
agora estes grupos de pessoas batalhavam pelo impeachment. O grupo de
parentes diretos dos sobreviventes reunia-se semanalmente, reuniões às quais
Zenobi comparecia, e encontrava certa resistência e críticas dos parentes em
relação às anotações em seu caderno de campo, como se estivesse
escrevendo informações confidenciais da reunião. Diante de tal situação, o
antropólogo tomou uma importante decisão: a de não confrontar
desnecessariamente seu objeto de estudo, e guarda seu caderno de campo, o
que no caso lhe garante mais algum tempo de “estabilidade” em campo. Nesta
ocasião específica, Zenobi mantém uma certa distância dos familiares,
deixando de inserir-se nos assuntos da reunião em uma demonstração de
respeito, mas ao mesmo tempo escutando atentamente os assuntos pautados,
de maneira que adéqua a regra da observação participante ao seu meio de
trabalho e situação de campo.

Um ponto importante colocado por Zenobi é a cobrança dos “nativos” por


uma posição, em troca da permanência entre eles, o que é narrado pelo
pesquisador como a indagação dos familiares do movimento sobre se este
estava também engajado em sua luta, o que coloca qualquer pesquisador em
uma situação difícil. Sobre esta questão, ao mesmo tempo que o antropólogo
não dever utilizar seu objeto de estudo apenas para a geração de uma tese ou
monografia, e deve possuir certo envolvimento com seu objeto de estudo e
suas questões, um médico não deve atender seus pacientes apenas pelo
dinheiro ou pela pesquisa, e sim pela empatia em relação à estes e por sua
preocupação com a saúde pública. Apesar disto, um posicionamento imediato
cobrada muitas vezes em campo pode tornar problemática a estadia do
pesquisador, pois a prestação de auxílio às comunidades e seus movimentos
políticos deve ser muito bem articulada para que o autor da pesquisa não
coloque sua integridade física em risco, principalmente pelo fato de este ser um
estrangeiro.

Torna-se evidente no texto que a posição de resguardar-se ou se expor


para o antropólogo é uma recomendação relativa, pois no caso de Zenobi a
exposição sobre suas intenções em campo e sua identidade lhe garantiram
maior receptividade, apesar de ser um tipo de atitude não recomendada para
pesquisa de campo:

“Em vez de resguardar minha posição no campo, eu a expunha.


Como se pode ver, estas ações eram orientadas de modo oposto ao
que eu havia considerado adequado até aquele momento (...) Com o
passar dos meses, eu acreditava que os membros do grupo
vivenciavam o processo de me considerar como parte integrante da
vida, um incômodo ou mal necessário...” (ZENOBI, 2010, pp. 480).

Quando acha que finalmente foi aceito por completo em seu campo, o
autor passa novamente por provações quando durante outra reunião diante da
ruptura do movimento que seu deu diante de discordâncias políticas dos
membros, de maneira que sua posição é cobrada novamente e surge a
indagação sobre este ser um infiltrado, na possibilidade de estar transmitindo
informações das reuniões aos grupos de atingidos considerados “inimigos”
devido à discordância política entre eles.

A parte do texto de Zenobi que mais me valeu foram suas considerações


sobre a importância contextual das informações, ou seja, a maneira como o
discurso do antropólogo é moldado não apenas a partir das considerações
teóricas do trabalho de campo, mas também a partir do contexto social de
execução da pesquisa, portanto nenhuma informação de conteúdo teórico é
válida sem sua significação contextual. Á partir disto, é possível afirmar,
segundo o autor, que as dificuldades enfrentadas pelo antropólogo em
estabelecer relações sociais se dão em parte pelo fato de que a chegada do
pesquisador é muito posterior ao entrelace de relações dos “nativos”, de
maneira que o “de fora” nada sabe sobre a natureza dos conflitos e alianças.
Contudo, o antropólogo ressalta a importância da cautela em relação ao
discurso quando de fato compara o trabalho do antropólogo ao de um espião:

“Que diferença haveria entre nosso trabalho e o de um espião


infiltrado em um grupo? Suspeito que, diante das dúvidas sobre meu
potencial perigo, esta também fosse a pergunta que se faziam os que
me acusaram. Tal como se pode ver, em um contexto muito diferente,
estes nativos estavam se perguntando a mesma coisa que os
antropólogos.” (ZENOBI, 2010, pp. 492).

Contudo, o trabalho de antropólogo se mostra muito semelhante ao de


um espião, porém o que os diferencia são as intenções com as quais são
utilizadas as informações, e para isso, o antropólogo deve inserir-e no “mundo”
do nativo, o qual é estabelecido pelas relações sociais prévias à sua chegada.
Este tipo de inserção deve ser realizado pro meio das interações, de maneira
que o antropólogo assim terá acesso ao ponto de vista “nativo” sobre o mundo,
sendo agora parte da rede de relações locais e estando sujeito ao mesmos
critérios e julgamentos que os nativos estabelecem um para com o outro.
Bibliografias: PRICE, Richard. “Meditação em torno dos usos da narrativa na
antropologia contmporânea”. In: Revista Horizontes Antropológicos. Porto
Alegre, ano 10, n. 21, pp. 293-312, jan./jun. 2004;

ZENOBI, D. “O antropólogo como espião: das acusações públicas à construção


das perspectivas nativas”. Revista Mana, Vol. 16, No. 2, pp. 471-499, 2010.

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