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2 A natureza do drama — nm grogo, palavra drama signitea apenas agdo, Drama 4 agio mimétiea, aglo que imlta ou representa comporta- ‘mentos bumanos (h excepio dos poucos casos extremos de ‘gto abetrata que 46 mencionel). O que é eruclal 6 @ é2- {ase sobre a ag80, De modo que o drama nio ¢ simplos- ‘mente uma forma de literatura (multo embora. as pala- ‘Yas usadas em lima poca, ao serem escritas, possam 50r ‘ratndas como literatura). © que faz com que 0 drama seja Grama ¢ precisamente 0 clomento que reside fora e além fas palavras, e que tem de ser visto como agio — ot Tepresentada? — para que 08 concetos do autor aleancem. sua plenitude. ‘Ao falarmos a respelto de uma forma de arte — © 80 tentarmos umutnuir dela um miximo de prazer e enrique. cimento — ¢ de importinola fundamental compreendsr fem que essa forme de arte especitica poder contibusr Dara soma total do instrumental de expressio do no em, bem como, na verdade, para sua eapacidade de ‘cmeeituagio © pensamento. Se em milsea ldamos com ft capacidage do som em fazer-nos recriar 0 flux © © ioe setae ee are a ‘A Naune7s 90 Drea ” reflaxo da emogéo humana; se na arqultetura e na eset. ura somos capazes de explorar as potencalidades expres sivas da organieagio dos materiais e das massas no espa 0, 8a Hiteratura preoeupa-se com os modos pelos quats somos eapazes de manipular —e reagit a — linguagerm © conceltos; se a pintura, em ditima snélise, eonoerne 10s relaclonamentos @ ao impacto de cores, formas ¢ texturas sobre uma superticle plana, qual ser, eno, a provincia ‘specifica do drama? Por que, por exemplo, haveriamos ‘de representar um incidente, em ves de apenas contar uma historia a respeito? ‘Permitam-me comeyar com um depolmento sbsoluta- mente pessoal. Nas décadas do 40 ¢ 60, ex trabalhel como ‘autor de roteos para o Servigo Europeu da uno, Os pro- sgramas que se esporava que escrevéssemos tina com? ‘objetivo dar a um grande mimero de ouvinte que nio Jalava inglés uma ida do que foste a vida na Z0piaterra, Esperava-se que fossem programas documentarios, o mais préximo yossivel da realidade, Contudo, ge quiséssemes, por exemplo, dascrever como funclonava te agincia d2 ‘empregos, em razio da barreira da Magu entre nossos ‘ouvinies ¢ a vida na Ingllerrs, nio nos era possivel sita- Dlesmente sair de gravador em punho e produsir unis sraragdo das imimeras colsas que acontociam al. Lere Drosme de me terem mandado fazer um programa eral ‘mente assim, Visitel uma agincla de empregos e flaitd ‘mpressionado com a mestla de formalidade Durocrstios, ‘ortesia © bondade genuina por parte dos functondrios Pi. biloos que lf trabalhavam. Como poderia transmitir da melhor maneira posstvel ‘minhs impresses? Poderia ter eterita uma decesio pi- amente lteriria, iscursiva, mals ou menos assim: © funcionério pede ao candidate 20 emprigo {quo Tho 8 as informagées relevantes, Nio 42 xa de ser amigével, embora mantenha certa re- 6 ‘Una AwaTonta D0 Deans serva 0 disttncia; ao mesmo tempo, porém, tor- ‘nase perfeltamente aparente, pelo tom de vor ‘que use, que ele esta realmente interessado ern ‘auxllar @ pessoa que esté & sua frente. assim por dlante, Tal desctigio jamais seria multo cconvinoente, porque sempre soaria como uma interpreta- (0 bastante especiosa de intengbes puramente propagnn- Glisticas. E seria, também, extremamente proliza — uma Sntermingvel andise psicoldgies. Rm vee diss, resolet dra rmatizar a cena: ose paces eee hele eee ee es eae ter eee aenss oct ee assim por dlante. Quando esse pequeno dldlogo € re- Dpresentago no espirito adequado, o tom de vos — a re- Dresentagio, a agio — transmite incomparavelmente mais {0 quo as palavras que efotivamente sio ditas. Na reall- ade, os palavras (0 componente lterério do fragmento ‘aramsiiog) io seoundivias. a Informagao real transmi fia pela pequena cena quando representada reside 10 ‘elacionamento, na interagio de dois personagens, pelo ‘modo como réagem tum ao outro, Mesmo no réo iso era fominleado apenas por melo do tom de vox. No palco, 0 ‘mado de 08 olhares se encontrarem ou ne, 0 modo pelo ‘qual o funclonévio pode indlcar uma cadeire ao convidar ‘0 candidato # sentar-se, seriam iguaimente significativos importantes, Nas péginas do rotero, esse pequeno dit- Jogo transmite apenas uma pequena fragio do que a cent repregentada expressaré, 1990 llustra a importincia dos ‘tores e dizetares na atle do drama, E Indica também ‘A Neruntza no Dass. » flo do que um dramaturgo realmente bom precisa de Juma enorme habitidade para transmitir o cima dos g2s- «1 do tom de vox que deseja de seu atores através dos e Oceum continua a ter validade permanente — a ex- pressio de penstmento mais economica, a que consumir menos tempo, a mals elegante, seré a mals présima da verdade. Para expressar climas imponderévels, vensbes & simpatias oouits, a5 suilezas dos relacionamentos © da Interagio manos, © drama é incomparaveimente 9 elo (n expressio mais econémico. ‘Raclocinemos nos seguinies termos: um romancista tom do descrover o agpecto de seu personagem, Numa Pe ‘ca, aparéncia © © agpecto do personagem so imedi ‘mente transmatidas pelo corpo do ator, suas roupas e sua ‘aguilagem. Os outros elomentos visuals do drama, 0 ‘quado da agio, o amblente no qual ela se desenrola, po- dom igualments ser instantaneamente comunlcedos polos condrios, 2 uminagto, a¢ mareagdes dos atores no paleo. (© mesmo se aplica ao cinema e ao teletetro.) ‘Estas so as conslderugGes mais primérias, Muto mais profundo, multo mais eutl, 6 0 modo pelo gual o arama © capaz ‘de operar simultaneamenta em varios Aiveis, A Iiteratura discursiva, 0 romance, © conto, 0 poema é9}00, ‘opersm, a cada dado momento, apenas segundo urs tnt ca dimensio. Sua narrativa 6 linear. Complesidades tals como a Sronia © 0 dowle-take® estio naturalmente 90 sloanoe dos eserltes dscursives, mas tém de ser consirut ‘dos mediante o acdimulo do panorama global pela adicio ‘A cB, pnt anne‘ cay v6 co Srtabe quem & Solano ‘niet porns, De rand aslo" Sins fl 8 prcnila ha wogende mada (du 2) 20 Uma Avsrosts 0 Dee, sucessiva de elementos. E 6 um alto gratt do abstragto fem qualquer histéria narreda de tal modo: o autor pode fer visto constantemento a trabalhar na selesdo de. seu ‘material, a decidirse a respeito do elemento a ser intro- ‘duzido a cada etapa, O drama, por ser uma representacio ‘concrete de uma agio & medida que ela efstivamento 56 desenzola, 6 capes de mosirar-nos vétlos aspectos simul ‘eos da mesma e também de transmitir, um s6 tempo, ‘Varios nivels de agio e emogio. Por exemplo, ume linha 4 dilogo como "Bom dia, meu querido amigol” pode ser ‘ita em grande varledade de tons de vox © expresses. Se- ‘gundo esses tons, a platéla pode perguntar-se se a pessoa ‘Que disse tals palavres foi sincera, so usow-as com sarcas- ‘mo ou 9 iio haveria nelas até uma nota de hostlidads ‘cults. Num romance, o autor teria de dizer algo assim: “Bom dia, meu querido amigo" — disse ele. Mas ‘Jao tore 'aimpressio de que elo realmente nto ‘queria dizer exatamente equilo. Estar ele sen- do sarcéstico, perguntou-se, ou estaria reprimin- do alguma hostilidade protundamente sentida... A forma dramética de expresso delxa 0 espectador 10e para decidir por si mesmo a Fespelto do sublexto escon- ido por tréa do texto ostensivo — em outras palavras, a0 coloea na mesma situagio em que se encontra o per~ sonagem a quem sfo dirigldas aquelas palavrss. E por ‘sso mesmo permite que 0 espectador experimente aie tamente a emogio do personagem, om vez de ter que 808! tar uma simples descriofo dele. além do mais, essa. ne- feesidade do’ o8 espectadores deetdirem por si mesmos ‘como Interpretar & ago aeresce 20 suspense com que & Platela ncompanhard « histéria. Ao Invés de sere tnfor- fnados respeito de uma sttuaglo, como inevtavelmente hoontece ao Ietor de wm romance ou conto, os expectado- few do dram alo efetivamente colocados dentro da si- [A aroma wo Dasa, a ‘tuagilo em questio, sendo diretamente controntados com a, De modo que podemos dizer que 6 drama é a forma —— mals concreta na qual a arte pode reriarsituagies rela lonamentos umanos. E essa sua natureza concreta. de How do fato de que, enguanto que qualquer forma narra ‘va de comunieagko tende a relatar acontecimentas que se deram no passado ¢ {4 estto agora terminados, a can- ‘retividade do drama aconteoe em um eterno presente do Inaicativo; no enldo e 14, mas agora e aqul, — id uma aparente excegio a essa idéia: a téenkea mo. aera do mondlogo tnterior, no qual 0 Fomancista ‘nos foloea dentro da mente de seu personagem e sejuo seus )pensamentos & medida que ooorsem. Porém o prdprio ter- mo monélogo, que vem do drama, revela quo o mondlogo Interior 6, de fo, uma forma tio dramética quanta nat ratlva. Mndlogos interiores so, essencialmente, draraa: © portanto podem ser representidas — como frealiente mente 0 sio, particularmente no rédio, Um escritor como Deckett,cnjes narratives so, em sua maior parte, mond logos interlores, deve ser considerado, acima de ido, ‘como um notével eseitor dramético, fato ease comprova. {do por seu imenso suoesio como escrtor tanto part o paleo quanto para 0 rédio. (© que o drama tem de imediato e eonereto, nem como 9 fato de ele forgar o espectedor a Interpretar o aus ext scontecendo a sua frente em uma multiplicidade de niveis, ‘aaendo com que ele seja obrigado n decidir se 0 tom de vor do personagem era amigivel, ameacador ou sarcésti- co, signitiea que drama tom todas as qualidades do ‘mundo res, das situacées reals que encontramos na vd = porém com uma diferenca fundamental: na vida 85 situagdes que se nos controntam efo reais; no teatro — ‘ow nas outras formas de drama (ridio, TV, cinema) — ‘las sfo. apenas representagio, faz de-conta, jogo, SB Tis, petarn asda 6 ploy, pee «Jos, (8. 8) 2 Ua Avsrout. oo Daa. — orn, » atterenga entre a realidade ¢ o Joyo dremético a de que o que aconteco na realidade 6 ireversiel, en- ‘quanto que em uma pega, que é um jogo, 6 possivel come- arse tudo do novo, da estaca zero. Uma poca é um si frultero da realidade, 18:0, longe de fazer do uma Desa ‘um pessatempo ‘rivolo, na realidade sublinha a tmensa, Importincia de toda atlvidade hidioa para o bemestar € ‘desenvolvimento do homem. ‘As crianges brincam para familirizar-se com os eS ‘quemas do comportamento que ferdo de usar e vivenciar za vida, na realidade. Os fthotes de animals brineamn para aprender a caper, © fugir, a orlentarse, Toda ativi= ade Hidlea desse tipo 6 essencialmente dramétics, por faue consste em mimeee, em lmitagio de situagbas da ‘ida real ¢ de esquemas de comportamento.O instinte Iie ico 6 uma das forgas bésleas da vida, essencial & sobre vivéneia do Indlviduo tanto quanto & da espécle. De modo ‘que 0 drama pode ser considereds como mais do que ‘mero passatempo, Ele 6 profundamente ligedo aes compo- rentes bésicos de nossa espécle. possivel objelar que iso é verdade quando so fala do jogo das crlangas e dos animais; mas pode-se dizer 0 ‘mesmo a respeito de uma comédia de Noel Coward ou ima, faten da Broadway? ‘Eu argumentaria que, por estranho que parece, o £350 exatamente 0 mesmo, por mals indirelamente quo 52%, ‘oa por maior que soja 0 ilmero de difereniagées neces: ‘iris. =" Bhcaremos o problema do soguinte modo: em sou jo- go, a8 criangas experimentam e aprendem os papéis (20 tem a terminologia, que vem do teatro) que desempeni- ro na vida adult, Boa parte dos debates atnais a res. ppelto da igualdade pera as mulheres, por exemplo, esté Igada & demonstragio de que as menininnas recebem ‘uma eapéele de lavagem cerebral que as redus o uma po- iodo do inferioridade no aprenderem um determinado tipo A Nsroneea 00 Drsse, a ‘08 comportamento feminino na iafancia, em grande parte por sertm lovadas a jogar (brincar) de modo diferente ‘don meninos, Se esse 6 0 caso, é igualmente evidente que ‘sociedad continua instruir (ou, se preferem, « aplicar Javayens cerebral) seus membros nos diferentes papels socials que terio de desempenhar através de suas vidas (O-arama 6 um dos mals poderosos instrumentos desse pro- cesso de Instrugéo ow lavagem cerebral — os socilogos ‘ehamam a isso 6 proeesso por meio do qual os individuos ‘nismnaiizam seus. papéis socials. ‘As formas dramdilcas de apresentago — o em nossa sowiedade todo ¢ qualquer individuo é submetido a elas diaelamente por interméaio dos veiculos de comunicagto fae massa — sho um dos principals instrumentos por melo cos quals a sociedade comunica a seus membros seus ‘saiget de comportamento, ‘Tal comunicagio funciona {nto pelo estimulo & tmitagéo quanto pela apresentagio de exemples de comportamento que devem ser evitados ou repudiados, Mas as veaes ooorrem casos graves de lias crundas: 0 filme sobre gangsters, que fol conoebido para demonstrar quo 0 erime mio compenss, pode, na verdade, demonstrar a um gangster em potencial como deve proce- ‘der na prétion, Mas seja por estimulo ou repudlo, 6 pela atividade viesria do jogo (que 6 0 que drama represente, para © adulto) quo multos desses esquemas de comports- Inento so trensmitides, de forma postiva ow negati. ‘A comédla de ambiente requintado & Noel Coward também trensmite claramente esquemas de comporte- ‘mento sob a forma do costumes, norms socials © cédigos ‘semua exibidos; e mesmo a farsa do adultério, ao fazer ‘com que ge ria dos chocantes maus passos de clérigos en contrados em bordéis, também refOrea cédligos do com- portamento, O riso é ta forma de Yberagio de ansleda- des subconscientes. A farsa, como espero demonstrar mals ‘and, trata dos ansiedades nutridas por muita gente em tomo de possveis desises de comportamento aos quals 4 Ua Axsrost Bo Dass ‘as pessoas podem fiear expostas por intermélo de virios tipos do tentacéo. ‘Mas além de tudo 1850, 0 drama pode ser mals do {que um mero instrumento er melo do qual 2 Sociedade ‘ransmite a sous membros normas de comportamento, Ele ‘pode também ser instrumento de reflerko, um procesto cognitive =a “Pols o drama mio ¢ apenas a mais conereta — isto 6, ‘menos abstrata — image artistica do comportement Jhumano real, mas também a forma mais eoncreta na qual ppodemos pensar a respeito de sltuagées humanss, Quanto ‘mals alto 0 nivel de abstracio, mais remoto da reaidads Inumana se torna 0 pensamento. # uma coisa sngumentar (que, por exemplo, 8 pene de morte posea ser eficar ci ‘neficaz, ¢ outra bem dlversa traduair esse concetg abs- ‘rato, que pode ser corroborado por esttistioes, em trmos de reaildade humana. Isto 56 podoremos fazer Imaginan fo 0 caso de um ser humano que esteja envolvido com peo de morte —e 0 melhor caminho park faxtlo sere ‘serever uma pega a respeito ¢ representa, No # ap2~ nas por coincidéncia que as cipulas pensunies que ten. tam elaborar planos de ago para as. mals variadas con tingéncias futuras, tais como epidemiag 0M guerras nue ‘clears, 0 fagam em tarmos de elaboragia de censrios (50- telros cinematogrificos) para a possivel seqlsncia dos ‘econtecimentos. Em outras palavras, eles traduzer suas ‘staistcas, seus dades de computador, para a forma de® ‘atic, para altuagtes coneretas que precisim ser repre sentadas com a incluso de tedoe os Impanderaveis, 18 camo as reagtes pslcoldgicas dos individes que partic- pam do prooesso deciséio ‘A malor parte do drama sérlo, desde as tagsdias pregas alé Samuel Beckett, compartilns dessa notureza, ‘Trata-se de uma forma de tlosofar, em termos no abs ‘ratos mas eoncretos; no jargio contemporaneo da flos0- fa, driamos em termos existencais, significa que A Naxron2s no Daas 25 ‘soto existeneatsta dg importincia de Jean-Paul Sartre se tenba sentido compelldo a eserever pogas bem ‘como romanees. A forma aramética era o tinieo método pelo qual ele poderia dar forma a algumas das impleagbas oneretas de eeu pensamento flosdtion ebstrat, ‘Bertolt Brecht, um marxista, também encarava o dra. ‘ma, como um métode eientifico,o teatro como um labors. ‘rlo experimental concebido ‘para se testar comport. ‘me alos urmanos em certas circunstanclas aadas, “O que noonteceria se...2" é a premissa da maloria das pocas ‘esse natureza, A maior parte dos problemas sovias dos lllmos com anos foram nto s6 dlvulgedos como tambem Wfetivamente investigades. nas peeas de seritores como Tsen, Bernard Shaw ou Brecht; muitos problemas filo sitleos.profundes tiveram tretamento semelhante nas ‘obras do Strindberg, Pirandello, Camus, Sartre e Becket Pordin — sera possivel objetar — em uma poca tals problemas sio solucionados arbitrariamonte, sogundo 08 faprichos de um dramaturgo, enquanto que em tim Itbo- ratérlo eles sfo testadas objetivamente ‘stow eanvencldo de que tal possibilidade existe igusl- mente no teat; pols, tamném no teatro, hg manciras 0D. jetivas do s0 testar experiénelas de comportamenta i

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