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MESTRE DE ESPAÇOS

Frederico de Holanda

A arquitetura de Oscar Niemeyer é lembrada por leveza, fantasia, libertação dos


cânones do racionalismo e do funcionalismo, edifícios escultóricos. Verdade. Mas as
observações deixam escapar a essência de suas melhores obras: o tratamento do vão, do
oco, do interior da concha, dos vazios da arquitetura – seus espaços. Dentro dos prédios
e nas transições entre interior e exterior, o arquiteto inova no jogo de transparências e
opacidades, aberturas e fechamentos, continuidades e descontinuidades, luz e sombra,
reflexos, nos planos horizontais, verticais, oblíquos. Brinca com ilusões óticas,
agraciando-nos com ambiguidades, surpresas e contrastes impensados.

Ele presta atenção à história, mas a subverte. Solta os palácios de Brasília do chão ou os
rodeia por espelhos d’água, criando elaboradas transições entre fora e dentro, milenar
atributo de monumentalidade. Mas não há elevados pódios nem imensas escadarias. A
entrada é por suaves rampas (Supremo Tribunal Federal, Palácio do Planalto) ou por
passarelas sobre a água, que levam a vestíbulos surpreendentemente no mesmo nível da
rua (Palácio do Itamaraty, Palácio da Alvorada). E as transições entre interior e exterior
são suavizadas por zonas de sombra – os “alpendres remansos” de que nos fala João
Cabral de Melo Neto. No Congresso Nacional (Brasília), seu projeto preferido, ele
radicaliza: reesculpe o terreno, o acesso é por múltiplos níveis, as vias do entorno estão
em alturas diversas, já nem sabemos o que é piso e o que é teto.

A busca da ambiguidade entre dentro e fora, das suaves transições entre interior e
exterior, fazem-no criar o “tema” Casa do Baile (Pampulha, Belo Horizonte): dois
elementos opacos separados (e ligados) por um espaço aberto mas coberto, por uma
marquise que reduz bom trecho do prédio a um simples teto. A arquitetura é apenas uma
sombra criada às margens da lagoa, diluem-se fronteiras entre cultura e natureza. O
tema recorre em variações, como transparência na parte central do prédio: sua casa na
Estrada das Canoas (Rio de Janeiro), o Palácio da Alvorada, o Palácio do Itamaraty, o
projeto original do Congresso Nacional, cujo vestíbulo ligava visualmente, através do
edifício, a Esplanada dos Ministérios, a oeste, à Praça dos Três Poderes, a leste.
A incorporação da natureza tem o ápice na Casa das Canoas: a transparência central faz
da mata circundante as paredes da concha doméstica. No Alvorada, ele brinca com
ilusões óticas: o jogo de espelhos do vestíbulo esconde a parca opacidade interna e
funde visualmente o jardim, a leste, ao gramado da chegada, a oeste. O edifício parece
mais transparente do que é. Variação de ilusão ótica ocorre no Museu de Arte
Contemporânea (Niterói). O apoio central do edifício está dentro de um espelho d’água
que mascara o promontório onde o museu se ergue, e parece levar o prédio para dentro
da Baía da Guanabara.

A incorporação da natureza à arquitetura acontece até em temas surpreendentes. A


fachada transparente da Igreja de São Francisco (Pampulha, Belo Horizonte) traz a
paisagem da lagoa para dentro da nave. Como em outros aspectos, ele potencializa o
atributo no tempo. Na Catedral de Brasília, a transparência não está na fachada, está no
edifício inteiro, a trazer o céu e as nuvens para o interior da igreja. Templos hedonistas?

O Palácio do Itamaraty (projeto favorito deste escriba) reúne tudo. A transparência


central a vazar o edifício de norte a sul; a sutil formalidade da separação entre interior e
exterior pelo espelho d’água sobre o qual se estende passarela que leva ao vestíbulo; a
sombra da arcada a circundar o edifício; as dimensões variadas nos planos horizontais e
verticais, particularmente na sequência da entrada, em pés-direitos simples, duplos e
triplos; o vestíbulo aberto na extremidade sul, a deixar entrada franca ao clima ameno
do Planalto Central, onde está exuberante jardim, que não se sabe interno ou externo.

Oscar Niemeyer: mestre da arquitetura, a arte do espaço.

Citar como:

HOLANDA, Frederico de. Mestre de espaços. Correio Braziliense, Brasília, Caderno


Especial, p. 5, 6 dez. 2012.

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