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Revista de Antropologia
Coordenação Editorial Alicia Norma González de Castells, Miriam Furtado Hartung e Vânia Zikán Cardoso
Editor do Volume Vânia Zikán Cardoso
Editor de Resenhas Marcos Aurélio da Silva
Editora Gerente Daniela Fany Hess
Conselho Editorial Alberto Groisman, Alicia Norma González de Castells, Antonella Maria Imperatriz
Tassinari, Carmen Silvia Rial, Edviges Marta Ioris, Esther Jean Langdon, Evelyn Martina Schuller Zea,
Gabriel Coutinho Barbosa, Ilka Boaventura Leite, Jeremy Paul Jean Loup Deturche, José Antonio Kelly
Luciani, Maria Eugenia Dominguez, Maria Regina Lisboa, Márnio Teixeira-Pinto, Miriam Hartung, Miriam
Pillar Grossi, Oscar Calavia Saez, Rafael José de Menezes Bastos, Rafael Victorino Devos, Scott Correll
Head, Sônia Weidner Maluf, Theophilos Rifiotis e Vânia Zikán Cardoso
Conselho Consultivo Bozidar Jezenik, Universidade de Liubidjana, Eslovênia; Claudia Fonseca, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul; Cristiana Bastos, Universidade de Lisboa, Portugal; David Guss, Universidade de Tufts,
Estados Unidos; Fernando Giobelina Brumana, Universidade de Cádiz, Espanha; Joanna Overing, Universidade
de St. Andrews, Escócia; Manuel Gutiérrez Estévez, Universidade Complutense de Madrid, Espanha; Mariza
Peirano, Universidade de Brasília; Marc-Henri Piault, Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, França;
Soheila Shashahani, Shahid Beheshti University, Irã; Stephen Nugent, Universidade de Londres, Inglaterra
Projeto gráfico Isabela Benfica Barbosa
Editoração eletrônica Annye Cristiny Tessaro (Lagoa Editora)
Revisão Isabel Maria Barreiros Luclktenberg
ISSN 1517-395X
________________________
ISSN 1517-395X
Todos os direitos reservados. Nenhum extrato desta revista poderá ser reproduzido, armazenado
ou transmitido sob qualquer forma ou meio, eletrônico, mecânico, por fotocópia, por
gravação ou outro, sem a autorização por escrito da comissão editorial.
SUMÁRIO
NÚMERO 1
ARTIGOS
RESENHAS
Organizador
ILHA
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Apresentação
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Jose Antonio Kelly
ILHA
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Apresentação
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O xadrez do parentesco e o
parentesco do xadrez¹
Roy Wagner
University of Virginia
Resumo Abstract
A comparação real entre o estudo an- The real comparison between the
tropológico do parentesco e o jogo de anthropological study of kinship and the
xadrez não é imediatamente aparente game of chess is not immediately apparent
a partir de suas propriedades formais, from their formal properties, and only
tornando-se relevante apenas quando becomes relevant when they are viewed as
ambos são vistos como estratégias ou strategies, or patterns of events occurring in
como padrões de eventos acontecendo time. The single proportion that both share
no tempo. A proporção simples de que in common is a kind of cross-comparison
ambos compartilham é um tipo de between dualistic variables called a
comparação cruzada entre variáveis chiasmus, illustrated in kinship by the
dualísticas denominadas quiasmas, classic cross-cousin relationship, and in
ilustradas no parentesco pela clássica chess by the asymmetric double-proportion
relação de primos cruzados e no xadrez between the king and queen, the only
pela dupla proporção assimétrica entre gendered pieces on the board, and the mo-
o Rei e a Rainha, as únicas peças ves and tokens of the other pieces in the game.
marcadas pelo gênero no tabuleiro, e os The difference may be summed up in the
movimentos e acenos das outras pe- word: mating. Chess may be described as
ças. A diferença pode ser resumida em the kinship of kinship. Failure to
uma palavra: mating. Xadrez pode ser understand the chiasmatic, or double-
descrito como o parentesco do paren- proportional essence of both has resulted in
tesco. A falha de compreensão da es- many dysfunctional models of cross-cousin
sência quiasmática ou de dupla propor- marriage, and many very quick games of
ção de ambos tem resultado em mui- chess.
tos modelos disfuncionais de casamen-
to de primos cruzados e em muitos jo- Keywords: Kinship. Chess. Humour.
gos ligeiros de xadrez. Knowledge practices. Cross-cousin
Marriage. Strange Attractor. Melanesia.
Palavras-chave: Parentesco. Xadrez.
Humor. Práticas de conhecimento.
Casamento entre primos cruzados.
Atrator estranho. Melanésia.
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Papua Nova Guiné, de fato utilizam esse dispositivo como uma es-
tratégia de ensino para seus iniciados; e, em 2000, Mike Wesch e eu
pegamos um deles no ato de tentar usá-la – chamada nesse caso “As
Duas Bonecas” – com a gente).
No final das contas há, portanto, um problema com esse
ilusionismo de dupla incriminação (double-jeapardy illusionism); o que
é que o ancião fez com Mike e comigo que ele não teria já feito a si
mesmo? Será que o atrator estranho chamado “As Duas Bonecas”
não o controlava também? E como é que sua prepotência difere da-
quela do trapaceiro, do passe de mágica do ilusionista, do grande
mestre de xadrez ou, até mesmo, do especialista em parentesco? Era
certamente apenas um modo de falar, mas Freud de fato chamou
sua psicanálise de “a cura pela fala”. E assim também se diz que o
jogo de xadrez é muito educativo.
Onde encontramos o quiasma de dupla proporção no jogo de
xadrez? O layout do xadrez é um estudo de simetrias contrastivas; há
dois lados (ou jogadores), quadros brancos e negros (8 x 8) organi-
zados num formato totalmente simétrico, e cada jogador começa
com um layout simétrico de peças (bispos, cavalos, torres e peões,
tradicionalmente chamados de “homens”, mas com gênero não
explicitado). Estas são as “quatro forças”: sacerdócio, cavalaria, for-
tificação e infantaria, no regime militar da Antiga Índia, de onde
vem o jogo.
E depois há a outra proporção, que é aquela ditada pelas únicas
peças no tabuleiro com o gênero explicitado que, de acordo com as
regras, devem se encarar frente a frente no tabuleiro – uma assimetria
– com o branco quadrado à direita do jogador escolhido por essa cor.
Essas peças são a Rainha e o Rei, os elementos mais importantes em
jogo, aqueles que têm seus papéis tradicionais da corte revertidos (par-
te da mesma assimetria). Normalmente, na vida real, é a Rainha quem
detém a posição social do reino, enquanto o Rei “manda ver” e é o
comandante-chefe. Mas no xadrez esses papéis são invertidos, a Ra-
inha é o guerreiro mais eficaz de todos e o Rei, pela sua posição, detém
o valor do jogo.
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nesse ritual que não sobra nada pelo qual possa valer a pena viver ou
morrer. De modo mais geral, no que diz respeito ao parentesco, nos-
sos padrões de pensamento não estão apenas incorporados (embodied)
nas coisas nas quais pensamos (eventos, circunstâncias, objetos), mas
elas também correm o perigo de serem “entendidas” bem demais ou
não suficiente bem por nossos pais – que é o mais próximo que po-
demos chegar ao parentesco encarnado (kinship incarnate) – e, portanto,
se desenvolverem de modo absurdo. (Os descendentes de um verda-
deiro antropólogo sempre correm algum perigo de se desenvolverem
de modo absurdo – mas, então, considerem a fonte.)
Além disso, é precisamente essa inversão de sujeito e objeto, o
ergativo, o atrator estranho, que vimos trazer tanto o xadrez quanto
o parentesco do entalhe (“out of the woodwork”) para o mundo da
realidade vivida, especialmente quando consideramos não apenas o
que os constitui, mas o que os fortalece (empower).
Metáforas falam para você; elas têm agência e mentes próprias
(mesmo admitindo que sejam um tanto esquizofrênicas). O xadrez
faz suas mãos se moverem com uma paciência e destreza que nem
um amante toleraria. No que diz respeito às peças de xadrez, elas
mesmas: “Não é a mão de Deus que nos move, mas o deus da mão”. O
parentesco que nos “compreende” (“understands”) melhor do que
nós podemos compreendê-lo e o xadrez que faz com que o jogador
entre em estados “não naturais” de concentração intensa são parte
de uma retroalimentação (“feedback loop”) englobante de dupla pro-
porção que se estende para muito além dos limites da “sociologia da
mata” e dos torneios de grandes mestres. Trata-se de um processo
que também envolve as propriedades significativas da linguagem –
tanto os modos pelos quais a língua se relaciona consigo mesma quanto
os modos pelos quais os falantes da língua se relacionam uns com os
outros –, e esse entrelaçamento faz parte de nossa herança tanto
quanto a infraestrutura de dupla hélice faz parte do DNA.
Sempre houve uma suposição tácita entre os que estudam o
parentesco de que seu tema está de algum modo relacionado à neces-
sidade de solidariedade humana – famílias, vínculos, grupos e esse
tipo de coisas. E embora seja uma ideia reconhecidamente
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tes de uma língua se relacionam entre si. Ambos são parte integran-
te da reprodução da linguagem através de seus falantes, e a reprodução de
falantes, eles mesmos, por meio da linguagem.
Um dos melhores e mais famosos adágios de Gregory Bateson
era “Você não pode não relacionar-se”. Isso é inegavelmente certo,
mas infelizmente leva à falácia de assumir a realidade de “relações”
ingênuas e espontâneas, uma espécie de dano colateral deixado pela
era “psiquiátrica” dos anos 1970, quando se podia de fato obter di-
nheiro do governo para fingir esse tipo de coisa. Até para os jogado-
res de xadrez a necessidade de relações face a face tem sido subverti-
da pela Internet. Relacionar-se, que significa “colocar os lados jun-
tos”, é básico e essencial, e define a condição humana tanto dentro
quanto fora do tabuleiro de xadrez. Há uma grande diferença aqui.
Devemos psicoanalisar o cavaleiro para descobrir “como se sente” ao
mover dois quadros para cima e um para o lado? Acho que não.
O xadrez coloca o termo da moda “relação” em destaque. Vistos
do alto, os movimentos possíveis do cavaleiro descrevem um
octógono, mas infelizmente um cavaleiro real só pode acessar uma
dessas posições por vez. Os movimentos do bispo descrevem uma
matriz angular – a torre –, um sistema de coordenadas cartesiano,
mas apenas o tabuleiro mesmo descreve todos esses de uma só vez.
Não se trata necessariamente do quebra-cabeça do tipo cubo de Rubix
bidimensional de quatro quadros (de fato 8 x 8) que aparenta ser,
pois é igualmente concebível num formato diagonal e também pode
ser visualizado como uma série de octógonos de cavaleiro entre-en-
caixados. Cada jogador, ou “lado”, encara uma perspectiva especular
de seu layout estratégico, “consulta” o espelho de xadrez relacional,
com a singular exceção das duas peças com gênero explicitado, a
Rainha e o Rei.
Em todo caso não há respostas fáceis para a questão por que os
seres humanos consultam espelhos; talvez seja a forma de
contrainteligência própria da natureza. Pois aquele que você vê no
espelho tem os lados invertidos, assim como a dianteira e a traseira,
e ninguém jamais te verá dessa maneira. É claro que isso oferece
vantagens ao cruzamento (mating), em ambos os sentidos do termo;
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Notas
1
Nota do Editor (NE): Esta conferência, apresentada no Seminário Antropologia de
Raposa, está sendo publicada simultaneamente no Hau: Journal of Ethnographic
Theory, v. 1, n. 1, 2011.
2
Nota do Revisor (NR): Pawns são peões, mas pawnshop é uma loja de penhora na
qual é possível encontrar objetos os mais variados, não resgatados de sua penhora e
postos à venda por preços baixos.
3
Nota do Tradutor (NT): Noruegueses e escandinavos.
4
NR: Back to back significa contínuo ou consecutivo, mas o jogo de palavras aqui
também se refere ao significado literal de coisas posicionadas de costas uma para a
outra.
5
NR: Há aqui uma brincadeira com Gilligan’s Island, um popular programa da tele-
visão americana dos anos 1960.
6
“Sua vontade era lei, sua vontade era não morrer / E assim eles tiveram seu cami-
nho; ou quase.”
Referências
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retrato compósito, realizado a partir de três perspectivas, da cultura de uma
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O xadrez do parentesco e o parentesco do xadrez
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A antropologia reversa e “nós”:
alteridade e diferença¹
Resumo Abstract
Este artigo busca dialogar com a noção This article aims at a dialogue with Roy
de antropologia reversa, do antropólo- Wagner’s notion of reverse anthropology,
go Roy Wagner, procurando repensar a thus rethinking the dichotomy “us and the
dicotomia “nós e os outros”, princípio other”, the foundation of anthropological
da prática e da reflexão antropológicas. practice and reflection. Taking as its focus
Tendo como foco a antropologia das the anthropology of complex societies, or
sociedades complexas, ou a antropolo- the anthropology of the contemporary, and
gia do contemporâneo, e as pesquisas this author’s own research in this area, we
realizadas pela autora nesse campo, seek to explore the inventive dimension of
busca-se discutir a dimensão de these anthropologies and the renovation of
inventividade e de renovação do cam- the anthropological field brought about by
po antropológico dessas antropologias. them. Inventing and performing what is
Inventando e performatizando o que é traditionally an anthropological
tradicionalmente uma convenção an- convention – the notion of the other and of
tropológica, a noção de outro e a noção alterity – these anthropologies make explicit
de alteridade, essas antropologias tor- the anthropological process through which
nam explícito o processo de invenção, the subjects we work with as others are
pela antropologia, desses sujeitos com invented as homogeneous unities; in
quem trabalhamos como outros como addition to demonstrating, as feminist
unidades homogêneas. Além de mos- anthropology had done, how each of these
trarem, como o fez a antropologia fe- places include their own reversibilities and
minista, como cada um desses lugares internal dialectics – the differences in
inclui suas próprias reversibilidades e difference – in a inverse direction to
dialéticas internas – as diferenças na conventional ethnographic works which
diferença, numa direção inversa a de seek unity and homogeneity within the
trabalhos etnográficos convencionais “cultures” under study.
que buscam a unidade e a
homogeneidade no interior das “cultu- Keywords: Reverse Anthropology. Complex
ras” estudadas. Societies. Alterity and Difference. Feminist
Anthropology.
Palavras-chave: Antropologia reversa.
Sociedades complexas. Alteridade e
diferença. Antropologia feminista.
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Qual seria o lugar dessa antropologia cujos sujeitos não são tão obvi-
amente nossos “outros”, ou seja, que deslocam o fundamento
ontológico do trabalho antropológico, a dicotomia nós/eles, em que
o outro não é da dimensão do dado, mas da dimensão do feito, que
precisa ser construído como tal para que algum trabalho etnográfico
aconteça?
Essas perguntas vão se embaralhar no decorrer da exposição,
mas ficam como um roteiro implícito de meu argumento.
Otimistamente prefiro pensar que existe um diálogo possível, tanto
para imaginar no que potencialmente a teoria da invenção da cultura
pode trazer para uma antropologia das sociedades complexas quanto
para pensar o que uma antropologia das sociedades complexas pode
trazer para uma reinvenção da antropologia de modo geral.
Uma breve passagem ainda sobre a antropologia reversa: ela
seria em suma uma dupla antropologia, aquela realizada pelo antro-
pólogo em campo, que institui (inventa) o outro como cultura; e
uma outra antropologia, mais pragmática e não acadêmica, que é a
apreensão desse outro sobre nós.4 Definição que é descrita e ilustra-
da em A invenção da cultura através dos cultos de carga melanésios –
seu modo de apreender as nossas metaforizações. Um tipo de antro-
pologia pragmática que desvenda os nossos (dos antropólogos mas
também dos ocidentais) mecanismos de invenção da cultura (con-
forme sintetiza Goldman, 2011). Nesse exemplo, contrapõem-se as
sociedades tribais com a civilização industrial moderna. Mas a
reversibilidade é também um princípio dialético de organização sim-
bólica mais geral, um princípio de ordenação antropológica que tem
uma amplitude bem maior (Wagner, 1986).
Talvez uma das contribuições da antropologia do próximo seja
pensar que o conhecimento outro, a teoria outra, não necessaria-
mente são o conhecimento do outro ou a teoria do outro, ou pelo
menos desse que ocupa, na forma como a “alteridade” é pensada na
antropologia, um lugar ontologicamente dado (coisa que uma an-
tropologia reversa, levada à sua radicalidade, ajudaria a repensar, já
que, sendo os outros nossos antropólogos, somos nós os outros des-
se outro e são eles o “nós” dessa outra antropologia); nós e outros
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Notas
1
Trabalho apresentado no Seminário Antropologia de Raposa, em Florianópolis, na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em agosto de 2011.
2
Conforme o próprio Roy Wagner tem discutido em, por exemplo, An Anthropology of
the Subject, entre outros trabalhos.
3
Conforme Peirano (1997).
4
Ver, por exemplo, Wagner (2010).
5
Ver Maluf (1996 e 2010).
6
Parte desta discussão retoma questões e reproduz partes de Maluf (2011).
7
Conforme a discussão de Hall (2000) sobre o conceito de identidade.
8
Wagner (1974).
9
Latour (2005); Strathern (1988); Wagner (1974).
10
Hall (2000); Lévi-Strauss (2007); entre outros.
11
Schneider (1968) apud Collier e Yanagisako (1987).
12
Abrams (1988 ); Butler e Spivak (2009); Radcliffe-Brown (1950); Trouillot (2001).
13
Maluf (1996 e 2010).
14
A crítica de Butler se dirige a uma concepção de ontologia como um fato natural e
pré-discursivo, alheio ao político. Mesmo se referindo à diferença sexual dada como
ontologia estável, essa crítica pode ser estendida a outras esferas. O trabalho de
ontologização diz respeito à invisibilização do processo de construção do “dado”.
Nesse sentido, ela prefere falar em fundamentos contingentes ou pensar o sentido
contingente da ontologia e suas condições de produção e de significação. Além de
um diálogo com a noção de obviação de Wagner, é possível uma articulação aqui
também com a apropriação que Bruno Latour faz do conceito de “instauração”, de
Éttiene Souriau, para discutir o duplo e paradoxal sentido do fetiche, fabricado num
dia e, no outro, adorado como se ninguém o tivesse fabricado (Latour, 2006).
Referências
ABRAMS, Philip. Notes on the Difficulty of Studying the State. Journal of
Historical Sociology, v. I, n. I, p. 58-89, 1988.
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Scott Head
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil
E-mail: head.sc@gmail.com
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Resumo Abstract
Este artigo toma como seu ponto de This article takes as its point of departure
partida o “princípio da roda” tal como the “wheel principle” as elaborated by Roy
elaborado por Roy Wagner em An Wagner in An Anthropology of the Subject
Anthropology of the Subject (2001): ao (2001): in ‘reinventing’ a wheel – or other
“reinventar” uma roda – ou outro ob- object, the subject doing the inventing ends
jeto –, reinventa-se igualmente o su- up reinventing him – or herself as well.
jeito que realiza a invenção. Mas, nes- Only here, the reflexive figure in question
se caso, trata de deslocar essa figura shifts towards an apparently quite different
reflexiva rumo a uma outra “roda” yet strangely similar “wheel” – in this case
estranhamente semelhante – certa the rounded space of a certain popular
roda popular de capoeira, tal como “roda” of capoeira (an Afro-Brazilian
descrita no livro Capoeiragem: expressões danced martial art form played to musical
da Roda Livre, de Mestre Russo de accompaniment), as described in the book,
Caxias (2005). Ao tomar tal livro como Capoeiragem: expressões da Roda Livre, by
o enfoque deste ensaio, ressalta-se Mestre Russo de Caxias. In taking such a
como seu autor, ao descrever e inven- book as its focus, this essay foregrounds how
tar a roda a que seu livro diz respeito, its author, in describing and inventing the
acaba sendo reinventado, ele mesmo, “wheel-like” game, ends up himself being
pela roda – e jogo – em questão. Mas, ‘reinvented’ by the very game of which he
ao buscar compreender tal processo de writes. But in seeking to comprehend this
invenção e contrainvenção, o próprio process of invention and counterinvention,
desdobrar deste texto que segue tam- the unfolding of the very essay that follows
bém passa a ser “compreendido” por also gets caught up in and ‘comprehended’
esse seu objeto: pensar sobre a roda by the very wheel-like process it takes to be
através do livro de Mestre Russo e so- its object of analysis: thinking about the
bre ambos através de Wagner instiga roda through Mestre Russo’s book and
uma reflexão sobre o ato de escrever e thinking about both through Wagner
compor na forma de imagens. E, des- instigates a reflection on the act of writing
se modo, a relação assim ensaiada and composing in the form of images. And,
passa a ressaltar algumas claras dife- in this way, the relation thus elaborated
renças – e estranhas semelhanças – points to some clear differences – and strange
com respeito aos modos de compor e similarities – with respect to the modes of
de compreender, de textualizar e de composing and comprehending, of
contextualizar, os ‘sujeitos’ textualizing and contextualizing, the
etnográficos da antropologia. ethnographic ‘subjects’ of anthropology.
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Reinventando a roda: inversões e reversões de uma antropografia do sujeito
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Reinventando a roda: inversões e reversões de uma antropografia do sujeito
minha leitura também passa a ser compreendida por esse meu obje-
to: pensando através do livro de Mestre Russo, o livro me faz pensar
de outro modo sobre o próprio ato de escrever sobre ele. E, desse
modo, ao escrever sobre tal livro, a relação assim ensaiada passa a
ressaltar algumas claras diferenças – e estranhas semelhanças – com
respeito aos nossos modos de compor e de compreender, de textualizar
e de contextualizar, os ‘sujeitos’ da antropologia. Ou seja, tomar o
livro como o objeto deste ensaio desloca a roda da compreensão da
“antropologia do sujeito” de Wagner rumo a uma antropografia
(Dumont, 1986) desse sujeito – nesse caso, do sujeito tal como roda
entre essas duas formas de escrever.3
Aproximado ou contornado desse modo, o livro de Mestre Russo
oferece um modo um tanto singular de tratar do problema básico da
“anthropological reportage”, tal como estipulado no prefácio de An
Anthropology of the Subject (Wagner, 2001, p. xi): “o fato que nenhuma
perspectiva teórica em particular, mesmo combinada com outras,
pode ser usada efetivamente para obter um domínio sobre o sujeito
antropológico”.4 É evidente que a ‘antropologia do sujeito’ não é um
tema novo,5 mas o apelo da abordagem de Wagner consiste justa-
mente em não pressupor, enquadrar ou sujeitar o ‘sujeito’ de ante-
mão: os saltos constantes do livro entre coisas e conceitos, parecen-
do abordar ‘quase tudo’ menos o que convencionalmente enquadra-
ríamos como sujeitos, nos demonstram amplamente o valor de tal
indefinição premeditada. Não é que devamos dispensar todo tipo de
enquadre: Bateson (1972) já nos mostrou o quão importantes esses
são mesmo em atividades tão pretensamente ‘livres’ como brinca-
deiras e fantasias. Mas o que importa aqui é como tais enquadres
instigam composições inusitadas entre os sujeitos em questão.
Mesmo assim, a pergunta permanece: o que é um ‘sujeito an-
tropológico’? Ou, antes disso, o que é um ‘sujeito’, afinal? De modo
geral, as ‘definições’ que Wagner nos oferece no ‘Glossário de con-
ceitos não familiares’ do final de seu livro gozam da própria busca de
definições ‘claras e distintas’ que teria nos levado a consultar tal glos-
sário: certamente não é um glossário cartesiano. Ainda assim, as três
definições que Wagner oferece a respeito do ‘sujeito’, do ‘sujeito ati-
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tor nos apresenta. Pois aqui, nas palavras dirigidas a seu primo, o
‘Crioulo’, consta que esse primo é “a pessoa que me deu iniciação na
capoeira e incentivo para eu continuar como capoeirista, tornando a
arte do jogo a essência da minha alma” (2005, p. 4). Ou seja, levando
essas palavras a sério, podemos imaginar que, naquela foto, ‘Russo’
ainda não havia adquirido a essência daquilo que viria a defini-lo
como ‘pessoa’ – e desse modo daria substância a seu corpo.
Mesmo deixando de lado tal leitura como mera ‘brincadeira’ da
minha parte, essa e outras referências à capoeira como consistindo
na sua própria ‘alma’ sugerem que os ‘títulos sociais’ de ‘Mestre’ e
‘Caxias’, que agora fazem parte de seu nome como autor e pessoa,
são algo mais do que índices contextualizantes das conexões ou dos
compromissos com a prática e o lugar que o definem como uma
pessoa social. A substituição desses honoríficos no lugar de seu nome
e sobrenome, Jonas e Rabelo, deixando apenas o apelido no meio
como laço de continuidade, passa assim a sugerir que “sua mais cons-
tante natureza” – voltando a citar Wagner (1981, p. 139; 2010a, p.
213) – “não é a de ser mas a de devir”. Pois, se formos seguir o
processo de substituição de seus nomes, reparamos o seguinte: pri-
meiro, ‘Russo’ figura como o apelido contra o fundo de seu nome e
sobrenome – Jonas e Rabelo; mas, com a substituição eventual desses
nomes por ‘Mestre’ e ‘de Caxias’, Russo agora assume o lugar de fun-
do contra essas figuras – ao mesmo tempo que essas figuras esten-
dem-se e assim estendem o próprio Russo a outros fundos ou ‘contextos’.
Evidentemente, tal substituição de nomes, por si só, poderia ser
tomada como mera mudança na superfície da pessoa ‘pública’ que
não necessariamente afeta a substancialidade do ‘eu’ em questão.
Mas aqui o termo ‘mestre’ não se refere apenas a uma posição hie-
rárquica e institucional a ser ‘ocupada’ por dados indivíduos, mas a
“algo corporificado e encarnado, se quiserem, na pessoa” (Turner,
2005, p. 146-147). Ou seja, o título de mestre implica uma “mudan-
ça ontológica” (p. 147) efetuada por um longo processo de aprendi-
zagem ritualizado através dos anos, o que se trata não da “mera aqui-
sição de conhecimento, mas de uma mudança no ser” (p. 147). E o
que mais importa aqui é que encontramos indícios indiretos dessa
mudança no livro.
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É algo nesse sentido que sugiro quando digo que Wagner es-
creve “desenhando”. De forma semelhante ao sentido figurado por
esses rastros ou pela própria imagem de Escher, ambos implicam
corpos de três dimensões, apesar de serem comprimidos em um pla-
no de apenas duas. Mas como assim? Seu modo de pensar escreven-
do e de escrever pensando não só representa ou se refere, mas – de
certa forma – se assemelha às formas culturais por ele descritas. Ape-
nas de certa forma, pois certamente não se trata de imitar tais formas,
mas de criar uma relação analógica entre os fluxos de sua escrita e os
processos de criação, convencionalização e subjetivação das formas
‘nativas’ em questão – inclusive as de sua ‘própria’ cultura. Digo isso
no sentido de que seu modo de escrever tende a configurar ou dar
corpo à dimensão não referencial, figurativa da linguagem, que tanto
sustenta quanto desloca e inverte sua função referencial. Ele escreve
com algo da duplicidade singular das palavras conjugadas do título da
imagem: Drawing Hands. Ou seja, ao desenhar tais formas-em-movi-
mento, ele tanto salta quanto ressalta as diferenças sendo traçadas – e
a relação recursiva entre elas.
Ao mesmo tempo, Michael Taussig (2009, p. 270) comenta a
respeito da conceituação do ato de desenhar de John Berger: “uma
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linha traçada é importante não tanto pelo que registra quanto pelo
que te leva a ver”. Seguindo nesse sentido, o escrever de Wagner
também se refere a outros modos de figurar a linguagem e configurar
o mundo ao redor, convertendo um no outro como se movimentan-
do num laço torcido mas contínuo, apesar de seus nós – como os
pontos dos lápis naquele desenho, onde tanto se articula à diferença
entre o ‘dentro’ e o ‘fora’ quanto a desfaz, e onde o fim se encontra
com o começo e o ‘outro’ começa onde o ‘eu’ acaba.
Tendo aberto esse longo parêntese teórico-figurativo referin-
do-me a uma imagem ausente da capa de A invenção da cultura, fecho
o parêntese referindo-me à imagem da capa de An Anthropology of the
Subject (2001), que nesse caso consiste numa figura igualmente
recursiva e autocriadora, só que essa se cria através de um relâmpa-
go saindo de duas mãos, em vez do grafite deixado pelo lápis nas
mãos de Escher – neste caso a figura foi desenhada pelo próprio
autor do livro!
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Notas
1
Início de um poema de Trinh T. Minh-ha (1989, p. 5): “me fizeram crer / que nós que
escrevemos também dançamos / mas nenhum dançarino escreve / (da forma como
escrevemos) / nenhum escritor dança / (assim como elas dançam)”.
2
O que é um livro ‘popular’? Tal adjetivo indica mais claramente o que não é do que
o que é: no caso, não é um texto ‘acadêmico’ – como este, por exemplo. Mas tal
distinção é capaz de confundir mais do que iluminar, na medida em que leva a
pressupor que o primeiro seja necessariamente mais legível (readerly), no sentido
dado por Barthes (1974) de se direcionar a uma leitura passiva em que o sentido do
texto é tido como pré-constituído. Como veremos, o livro em questão assemelha-se
mais ao que Barthes elabora como um texto escrevível (writerly), por prestar-se a
múltiplas leituras e por demandar que o leitor contribua ativamente no tecer de seu
significado.
3
Importa notar aqui que a ‘antropografia’, tal como conceituada por Jean-Paul Dumont
(1986), envolve uma reflexividade voltada menos às interações do etnógrafo na
situação de pesquisa do que ao próprio processo de escrever.
4
“[…] the fact that no particular theoretical approach, even in combination with
others, can be used effectively to gain a purchase over the anthropological subject.”
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5
Sherry Ortner (2007, p. 376) chega a afirmar que “o desenvolvimento da teoria
social e cultural durante todo o século XX” poderia ser figurado “como uma luta
sobre o papel do ser social – a pessoa, sujeito, ator ou agente – na sociedade e na
história”. Se assim for, a história do nosso sujeito mais especificamente antropológi-
co e textual figura-se contra esse fundo sociológico e ‘contextual’ bem mais amplo de
teorias do sujeito e afins.
6
Trata-se de Gegê, uma reconhecida capoeirista com quem eu mesmo já joguei em
outras rodas, tanto no Rio quanto nos Estados Unidos. Com respeito à questão da
‘mulher’ no livro, há também outros indícios dispersos pelo livro que no mínimo
marcam essa ausência apenas relativa – como umas poucas mulheres que constam
nas fotos ou os comentários aqui e ali da esposa de Russo, que em certo momento
diz: “Quando eu conheci o Jonas – Russo – sabia que ele era casado com a capoeira,
aceitei ser sua amante e dei a ele dois filhos” (apud Russo de Caxias, 2005, p. 94).
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Resumo Abstract
Este artigo propõe um seguimento do This article extends the project of cultural
projeto de reconfiguração cultural de reconfiguration proposed by Roy Wagner
Roy Wagner exposto, entre outros tex- in, amongst other texts, Symbols that Stand
tos, em Symbols That Stand for for Themselves. It deals, in particular, with
Themselves. Trata-se, em particular, de the implications involved in attributing to
ver as implicâncias de atribuir à analo- analogy the role of “organizational prin-
gia o papel de “princípio de organiza- cipal”. Through a series of indirections, it
ção” cultural. Através de uma série de calls upon motifs of Saussure, Marx and
rodeios, motivos de Saussure, Marx e Wallace Stevens so as to delineate, through
Wallace Stevens são convocados para contrast, the reach of Wagner’s analogical
circunscrever, por contraste, os alcan- principle. Referring to certain conceptual
ces do princípio analógico de Wagner. figures amongst the Waiwai of North
Tomando como referência figuras Amazonia, certain modes of certainty are
conceituais entre os Waiwai do Norte shown to extend beyond the genealogy of
Amazônico, colocam-se modos even- that principle. On a supplementary note,
tuais de certeza para além das it questions the “illusion of having” as the
genealogias do princípio. De modo su- submerged part of the will of a principle.
plementar, põe-se em questão a “ilu-
são de ter” como parte submersa da Keywords: Notion of a Priciple. Analogy.
vontade de um princípio. Genealogies. Paralax. Waiwai.
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Há um projeto de sol. Não pede o sol, There is a project for the sun. The sun
Que ostenta ouro, um nome, porém ser Must bear no name, gold flourisher, but
Na dificuldade plena do que é ser. be in the difficulty of what is to be.
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Nota
1 Trabalho apresentado no Seminário Antropologia de Raposa, em Florianópolis, na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em agosto de 2011.
2 De Man (1989).
Referências
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______. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
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Justin Shaffner
Cambridge University
E-mail: jrshaffner@gmail.com
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Resumo Abstract
Neste ensaio procuro esclarecer aquilo In this paper I attempt to clarify what might
que pode ser tomado como ‘ontologia’ count as ‘ontology’ in Melanesia,
na Melanésia, à luz especialmente das particularly in light of Michael Scott’s recent
recentes críticas de Michael Scott so- critiques of the New Melanesian
bre a Nova Etnografia Melanésia Ethnography (NME). I do so in relation to
(NEM). Faço esse caminho a partir de Melanesian concepts of the body, and in
conceitos melanésios do corpo e, em particular, to my own ethnography of
particular, da minha própria etnografia Marind speakers of the southern lowlands
com falantes da língua Marind das ter- of New Guinea. I claim that what the NME
ras baixas do Sul da Nova Guiné. Afir- literature has in common is the attempt to
mo que o que a literatura NEM possui obviate or displace the work that ‘nature’
em comum é a tentativa de afastar/ and ‘context’ do in ‘modern’
evitar ou deslocar a função que ‘natu- anthropological knowledge practices, and
reza’ e ‘contexto’ operam nas práticas in turn, replace it with something like a
‘modernas’ de conhecimento antropo- ‘negative symbol’. In doing so, I argue that
lógico, e, em troca, substituí-las por algo for Melanesia it is the body, whether human,
parecido com um ‘símbolo negativo’. animal, spirit, thing/gift or landscape,
Ao fazer isso, argumento que, para a which operates as a kind of negative symbol.
Melanésia, é o corpo que funciona como
um tipo de símbolo negativo. Keywords: Ontology. Body. Negative Symbol.
New Melanesian Ethnography.
Palavras-chave: Ontologia. Corpo. Sím-
bolo negativo. Nova Etnografia
Melanésia.
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“Não existe um, apenas o que conta-se como um. (il n’y a pas
d’un, il n’y a que le compte-pour-un).”
Alain Badiou
Introdução
N Neste paper procuro esclarecer aquilo que pode ser tomado como
‘ontologia’ na Melanésia, à luz especialmente das recentes crí-
ticas de Michael Scott sobre a Nova Etnografia Melanésia (NEM).
Faço esse caminho a partir de conceitos melanésicos do corpo e, em
particular, da minha própria etnografia com falantes da língua Marind
das terras baixas do Sul da Nova Guiné. Afirmo que o que a literatu-
ra NEM possui em comum é a tentativa de afastar/evitar ou deslocar
a função que ‘natureza’ e ‘contexto’ operam nas práticas ‘modernas’
de conhecimento antropológico e, em troca, substituí-las por algo
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criamos com eles? Como inventar o outro como análogo não apenas
de parte do nosso esquema conceitual – cultura –, mas do seu todo –
natureza e cultura? Em outras palavras, como pensar a natureza?
No livro Lethal Speech (1978), em que Wagner apresenta sua te-
oria de obviação simbólica, ele escreve:
Nós precisamos não de um modelo de como símbolos
interagem com a “realidade”, mas um modelo de como
símbolos interagem com outros símbolos. E claramente, já
que o compromisso com a “realidade” é tão persistente e
arraigado entre os antropólogos tanto como nos seus
sujeitos, tal modelo deve dar conta que algumas expressões
simbólicas são percebidas como “realidade” enquanto
outras não são. Deve demonstrar como e porque as pessoas
usam símbolos em relação a outros símbolos, o que as
motiva para agirem assim, e como construções simbólicas
persistem e mudam ao longo da construção (p. 21).
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Cosmopolíticas
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‘bom senso’. Eles não estão preocupados com uma metafísica de parte
e todo, um e muitos. A cosmopolítica melanésia começa, em vez
disso, em uma problemática diferente – ou, deveria dizer, em uma
matemática diferente –, a infinitude do corpo.
Como no perspectivismo, a ontologia delimitada aqui para a
Melanésia faz pivô (hinges) no corpo, e não como um lugar de singu-
laridade, mas de multiplicidade. E as relações em ambos também
concernem a ontologias ilimitadas ou sínteses disjuntivas (cf. Vivei-
ros de Castro, 2010). O que é verdade em relações entre humanos e
animais no perspectivismo ameríndio também o é entre humanos
na Melanésia (cf. Strathern, 2005, p. 140). Para os Marind, mesmo a
distinção entre humanos e animais faz parte de divisões internas à
humanidade.
No perspectivismo ameríndio, o corpo cria o ponto de vista.
Mudar de ponto de vista exige mudar de corpo. Na Melanésia, por
sua vez, o ponto de vista depende da relação. “As pessoas oferecem
perspectivas umas sobre as outras por causa da relação entre elas
[...] então, ao ocupar diferentes posições, uma pessoa muda não pon-
tos de vista individuais mas relações” (Strathern, 2011). Para os
Marind, ponto de vista, seja humano ou animal, diz respeito à dire-
ção de ‘predação ontológica’ em qualquer tipo de relacionamento –
composição e decomposição (cf. Mimica, 2003 sobre ‘plantar’ e ‘co-
mer’). Para a Melanésia de modo geral, o significado do corpo de-
pende menos do seu tipo do que de suas capacidades e efeitos.
Fora da antropologia, particularmente em recentes desenvolvi-
mentos no chamado realismo especulativo, existe um número de
posições que fazem eco de certa forma ao que eu estou propondo,
seja com o símbolo negativo de Wagner ou com essa concepção do
corpo melanésio.
O que o realismo especulativo tem em comum com os autores
da chamada Nova Etnografia Melanésia – Wagner, Strathern, Weiner
e Mimica – e também com a antropologia simétrica de Latour e o
perspectivismo de Viveiros de Castro é uma crítica radical das relações
do pensamento com o ser ou da relação da cultura com a natureza.
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Notas
1 Este ensaio lida com a problemática do infinito nas cosmologias melanésias, em
particular em sua relação com o corpo, seja ele humano, animal, espírito, coisa ou
terra. Eu recentemente descobri “Crystal Forest”, de Viveiros de Castro (2007), no
qual ele discute a mesma questão em relação às cosmologias amazônicas. Tivera eu
tido acesso a esse texto com antecedência, ele certamente teria contribuído para a
presente discussão.
2 Publicado no Brasil em 2010.
3 No original: “an open-ended, infinite world”.
4 1988 é também o ano de publicação original em francês do livro de Alain Badiou:
Being and Event. Certamente não é uma coincidência, já que esse é um texto ao qual
eu retornarei na conclusão.
5 Essa antropologia não relacional encontrou terreno fértil nas descrições da Melanésia
nos trabalhos de Andrew Moutu (2003) e de Tony Crook (2007) (sem mencionar
Scott e a minha própria teorização sobre o dema Marind) e também na economia do
conhecimento euro-americana de Alberto Corsin-Jimenez (2004).
6 Esta origem é fractal, conserva uma semelhança a diferentes escalas, sendo o um-
conta-como-um ou dois em si mesmo uma decisão sobre a presentação da forma.
Isso está também relacionado a duas expressões correntes no Meio Fly: 1) “Você vê
ele? Não para você pensar que somos diferentes. Somos iguais (‘koepo’)”; e 2) “Não
vá pensar que somos iguais. Somos diferentes”.
7 Tipo de instrumento musical.
8 Disponível em: <https://sites.google.com/a/abaetenet.net/nansi/abaetextos/manifes-
to-abaet%C3%A9>.
9 Na medida em que Viveiros de Castro infiltrou algo da ontologia ameríndia dentro
dos termos de referência euro-americanos e antropológicos, literalmente os trans-
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Referências
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Justin Shaffner
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Nem plural, nem singular: ontologia, descrição e a Nova Etnografia Melanésia
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Nem plural, nem singular: ontologia, descrição e a Nova Etnografia Melanésia
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transformação estrutural
Resumo Abstract
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Introdução
Parte I: PM e totemismo
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Fx(a):Fy(b)::Fx(b):Fa-1(y)
Fpredação (jaguar) : Freflexividade (humano) ::
Fpredação (humano) : Fjaguar-1 (reflexividade)
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As passagens fluidas que vão desde falar sobre animais até ces-
tas de amido de fruta, e da caça à troca, revelam o desenrolar de dois
eventos paralelos que podem ser resumidos como 3
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nos outros. Mas isso sempre é feito atravessando uma divisa cultu-
ral, envolvendo povos distintos. As asserções do PM, de sua parte,
expressam transformações de perspectivas através dos campos hu-
manos/não humanos ainda dentro da visão interna de um único grupo
cultural. Esse contraste nos lembra os enigmas que nos levaram à
descrição do PM: generosidade e avareza simultâneas dos ameríndios
no que se refere ao status da humanidade, a primeira relacionada ao
animismo e a segunda ao etnocentrismo (Viveiros de Castro, 1998).
É bem sabido que as relações interétnicas e humano/não humanas
são, na sociocosmologia ameríndia, entrelaçadas, com os estrangei-
ros considerados tipicamente menos-que-humanos, e não humanos
geralmente tratados como grupos étnicos vizinhos. Sob esse aspec-
to, a congruência entre as asserções do PM e a FCM é menos surpre-
endente; a transformação que opera é a mesma, o que varia de um
caso a outro são os objetos da transformação.
Inconclusão
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Notas
1
Deve-se notar que o próprio Wagner escreveu sobre as diferenças entre a análise
estrutural de Lévi-Strauss e a obviação simbólica (1978, p. 31-37; 1981, p. 150-151;
1986, p. 131). Aqui estou mais especificamente preocupado com a fórmula canônica
do mito, através da qual as abordagens de Lévi-Strauss e Wagner sobre mito e
significado parecem apresentar mais aproximações entre uma e outra.
2
Este esquema e argumentação segue Almeida (2008, p. 167).
3
Esta interpretação da caça Makuna envolvendo eventos paralelos e implicados vem
diretamente da análise de Lima (1996) das caçadas Juruna. Naquele caso, em vez
de um paralelismo caça/intercâmbio, encontra-se um paralelismo caça/guerra.
4
De acordo com Lima (1996), a mesma operação de mascaramento deve manter-se
entre as duas linhas de vida implicadas da pessoa Juruna e sua alma, que devem
manter-se ignorantes dos afazeres um do outro.
5
Estas interpretações são de Eduardo Viveiros de Castro.
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Perspectivismo multinatural como transformação estrutural
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A longa tarde de um fauno
NÚMERO 2
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Um pequeno, mas espinhoso,
problema do parentesco¹
Marcio Silva
Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
E-mail: marciofs@uol.com.br
Marcio Silva
Resumo Abstract
Este texto tem por objetivo chamar a This essay seeks to call attention to the
atenção para a contribuição pioneira pioneering contribution of Robert Carneiro
de Robert Carneiro no debate sobre a to the debate regarding the difference between
diferença entre os métodos de cruza- Dravidian and Iroquois kinship systems,
mento do parentesco dravidiano e pointed out by Morgan in 1871. The essay
iroquês, apontada por Morgan em briefly contextualizes the issue and offers
1871. O texto oferece uma breve an overview of the debates in its regard from
contextualização do problema e faz um the nineteenth century onwards. The
sobrevoo do debate por ele suscitado, remarkable contribution of Robert Carnei-
do século XIX ao XXI. A notável con- ro remained unnoticed for more than 50
tribuição de Robert Carneiro permane- years, due to circumstances that became
ceu mais de cinquenta anos invisível, known only because of a letter sent to Eduar-
por circunstâncias que só agora conhe- do Viveiros de Castro by Robert Carneiro,
cemos, graças a uma carta enviada a who has granted me permission to translate
Eduardo Viveiros de Castro que Robert and publish it.
Carneiro me autorizou a traduzir e pu-
blicar. Keywords: Robert Carneiro. Dravidian.
Iroquois. Crossing. Kinship Theory.
Palavras-chave: Robert Carneiro.
Dravidiano. Iroquês. Cruzamento. Te-
oria do parentesco.
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da expressão “primo cruzado” que, desde então, passa a ser uma das
joias da coroa dos estudos de parentesco:
Na tabulação de nações do mundo, encontrei um grupo de
vinte um povos cujo costume de casamento de primos de
primeiro grau é notável, tal que os filhos de dois irmãos
não podem se casar, nem os filhos de duas irmãs, mas os
filhos de um irmão podem se casar com os filhos da irmã.
Parece óbvio que este “casamento de primo-cruzado”, como
pode ser chamado, deve ser o resultado direto da mais
simples forma de exogamia, em que uma população é
dividida em duas classes ou seções, com a lei de que um
homem que pertence à classe A só pode tomar uma esposa
da classe B (Tylor, 1971, p. 26, grifos meus).
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Omaha
Irmão = primo paralelo z primo cruzado
(primo cruzado matrilateral = tio materno;
primo cruzado patrilateral = filho da irmã)
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Figura 3 – Dravidiano A e B
Fonte: Adaptado de Trautmann (1981).
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A (dravidiano) B (iroquês)
Modelo: Variantes:
A (cruzamento nas Gerações +1, 0 e -1) 1 (cruzamento nas Gerações +1, 0 e -1)
B (cruzamento em todas as Gerações) 2 (cruzamento parcialmente perdido
nas Gerações +1 e -1)
3 (cruzamento totalmente perdido na
Geração 0)
4 (cruzamento parcialmente perdido
nas Gerações +1 e -1 e totalmente
perdido na Geração 0 )
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Mas talvez sua entrada na fase de testes não tarde muito a acontecer,
com o desenvolvimento de técnicas e ferramentas computacionais
para o tratamento das redes empíricas de aliança, documentadas pela
pesquisa etnográfica. Técnicas e ferramentas com as quais Lévi-
Strauss já sonhava nos anos 1960, como naquela conferência que
retoma aquele outro “pequeno, mas espinhoso, problema” do pa-
rentesco, o dos sistemas Crow–Omaha em que, segundo o autor,
“a história vem para o primeiro plano” (Lévi-Strauss, 1969[1965],
p. 142) e cujo funcionamento real não se pode estudar “sem o au-
xílio dos computadores” (p. 143). O mesmo poderia ser dito em
relação a outras contribuições não menos elegantes, como as re-
centes explorações matemáticas do problema feitas por Tjon Sie
Fat (1998) e Barbosa de Almeida (2010), que igualmente esperam
sua vez nas pistas de prova.
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que, aliás, não seria pouca coisa. Em breve, outro sobrevoo da ques-
tão, dessa vez rumo ao Oriente hobbesiano do parentesco, poderá
revelar a instrumentalidade de tal coleção para dar conta das práti-
cas de povos contemporâneos, que, na falta de modelos como es-
ses, permaneceriam invisíveis e, eventualmente, perdidas para sem-
pre. No rumo ao Oriente, tais modelos se apresentam como instru-
mentos de navegação, sem os quais os sobrevoos são voos cegos.
Em suma, os velhos modelos continuam úteis, séculos depois de
sua invenção, como as velhas bússolas, que convivem sem favor ao
lado dos GPSs de última geração, nos painéis de qualquer avião
moderno. Afinal, diante de uma pane elétrica total, só as bússolas
continuam funcionando.
Sobre o próximo sobrevoo rumo ao Oriente, os limites deste
artigo me obrigam a restringir seu plano a poucas palavras: uma
análise do funcionamento real de um sistema iroquês sul-americano
que pratica intensamente o intercâmbio de irmãos entre famílias que
são impedidas de replicar essas alianças nas gerações subsequentes,
mas que ainda assim acabam por produzir e permitir repetições de
certos padrões matrimoniais. Esse regime de aliança, por sua vez,
está inextrincavelmente articulado a um sistema de clãs patrilineares
que se fundam não em ideologias de consubstancialidade, mas no
exercício da troca e de suas consequências na vida social.
Nesse próximo sobrevoo, Morgan talvez comemorasse a desco-
berta de um genuíno exemplo da família ganowaniana, provindo da
América do Sul, continente que, por força das circunstâncias, ficou
fora de sua síntese. Enquanto isso, Lowie reencontraria a fusão
bifurcada e Murdock, um novo exemplo do tipo básico de organiza-
ção social “Dakota Normal”. Por sua vez, é provável que Héritier,
pelo fato de todos os fechamentos (bouclages) da rede genealógica
serem iniciados por irmãos do mesmo sexo, tivesse interesse em in-
cluir o método iroquês em um novo exercício, nos moldes daquele
publicado em 1981. Finalmente, Viveiros de Castro (1996, p. 53),
diante desses mesmos fenômenos, talvez reconhecesse uma trans-
formação neolítica de seu modelo (paleolítico) de aliança iroquesa
ou, eventualmente, o interesse de sua projeção em direção aos pri-
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Um pequeno, mas espinhoso, problema do parentesco
Notas:
1
Agradeço a Robert Carneiro a autorização para traduzir e publicar sua carta, a Eduar-
do Viveiros de Castro, por ter me chamado a atenção para a contribuição que ela
trazia à história dos estudos de parentesco, à Fernanda Areas Peixoto, pela leitura
atenta da primeira versão deste artigo, e à Adriana Queiroz Testa, pela tradução
cuidadosa das cartas. As cartas estão em anexo.
2
Neste texto, alterno livremente as expressões “sistema”, “nomenclatura”, “termi-
nologia” e “vocabulário de parentesco”.
3
Ironicamente, o título da versão brasileira do texto de Viveiros de Castro que explora
o tal “pequeno, mas espinhoso, problema”, elucidado por Lounsbury e Pospisil,
revelou um sentido profético com a entrada em cena de Carneiro: o texto se chama
“Ambos os três”.
4
Os interessados em aprofundar a reflexão sobre o problema encontrarão elementos
suficientes nas contribuições de Tjon Sie Fat (1998), Trautmann e Barnes (1998),
Viveiros de Castro (1996, 1998) e Barbosa de Almeida (2010).
5
Trazido ao debate por McLennan (1886[1876]) – Appendix to the Classificatory…, Note
A, p. X, – contra Morgan (1871), que, aparentemente, não o leva em conta.
6
Segundo Morgan (1871, p. 131), o termo por ele forjado se justificava por sua
analogia a “‘Ariano’, de arya, que, de acordo com Müller, significa ‘aquele que ara ou
cultiva’, e a ‘Turaniano’, de tura, que, de acordo com o mesmo erudito autor, ‘sugere
a rapidez do cavaleiro’”.
7
As variantes formais notadas por Morgan, posteriormente, deram origem aos tipos
que ficaram conhecidos como “iroquês”, “crow”, “omaha” e “havaiano”.
8
O uso de termos como “tio” (irmão da mãe), “sobrinho” (filho da irmã), “cunhado”
(primo cruzado) entre não parentes é também muito frequente nos materiais sul-
americanos.
9
Se Morgan não se livrara do fantasma do matriarcado, o mesmo se pode dizer de
McLennan em relação à sua obsessão pela poliandria, sempre acompanhada de sua
outra obsessão, a exogamia, que, para o autor, marcavam os primórdios da história
humana (McLennan, 1886, p. 230-231). Compartilhar a mulher com vários homens
(poliandria) ou raptar a mulher de outro grupo (exogamia) eram as alternativas do
homem primitivo diante da escassez de mulheres causada pelo infanticídio femini-
no, que se justificava pelas condições de penúria alimentar (McLennan, 1970[1865]).
Observe-se, de passagem que, para McLennan, a quem devemos a introdução do
termo no debate antropológico, exogamia correspondia a uma instituição social. A
partir de Lévi-Strauss, seu sentido passa ser o de condição do social, o que não é a
mesma coisa.
10
As afinidades intelectuais no campo do parentesco são razões suficientes para Rivers
tomar partido de Morgan na querela com McLennan. Sem qualquer veleidade de
contribuir em seara que não é a minha, meu palpite para os historiadores das ideias
da antropologia é de que a aliança com Morgan decorra também do ponto de vista
frontalmente oposto que McLennan sustentava em relação à pesquisa de campo.
Método privilegiado da disciplina tanto para Morgan quanto para Rivers, o trabalho
de campo marcou definitivamente a obra de ambos, que se tornaram antropólogos
a partir de suas vivências no país dos Sêneca-Iroqueses e no Estreito de Torres,
respectivamente. Enquanto isso, para McLennan, a pesquisa de campo correspondia
a uma atividade enganosa e supérflua, como se lê no trecho abaixo, extraído de sua
crítica que desqualifica a hipótese de Morgan sobre os “sistemas classificatórios” por
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estar baseada na experiência etnográfica: “Lafitau nos conta que, já em seu tempo,
se dizia que os índios haviam abandonado muito os seus costumes antigos. É de se
esperar que eles tenham mudado muito desde então, e isso pode explicar as dife-
renças entre Lafitau e o Sr. Morgan. [Portanto,] estudar índios contemporâneos em
meados do século XIX não é, por si só, o melhor modo de aprender a verdade sobre
os costumes e instituições indígenas, quando são acessíveis copiosos registros des-
ses dados de mais de duzentos anos atrás” (McLennan, 1886[1876], p. 308).
11
Se não houver parente de ligação entre Ego e Alter, Alter é de cor preta (isto é,
consanguíneo).
12
A modelagem de Viveiros de Castro encoraja a realização de novos exercícios. Um
deles poderia ser a ampliação do número de gerações consideradas no cálculo de
cruzamento, diante de sistemas como o Inca, cujo casamento aparentemente fre-
quente de um homem com sua FFFZDDD, segundo Zuidema (1977), é o que induz
a concepção nativa do grupo local como uma estrutura endogâmica (ayllu).
Anexos
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Um pequeno, mas espinhoso, problema do parentesco
Uma das atividades do curso era ler algo substancial sobre parentes-
co e escrever um trabalho final inspirado nesse texto. Escolhi ler
(pelo menos em parte) Sistemas de consangüinidade e afinidade da famí-
lia humana, de Lewis H. Morgan. Foi Morgan que iniciou os estudos
de parentesco, seguindo sua descoberta, enquanto vivia com os
Sêneca-Iroqueses, que seu sistema para designar parentes era consi-
deravelmente diferente de qualquer sistema conhecido por europeus.
Posteriormente, as viagens feitas por Morgan levaram-no ao
norte do meio-oeste onde ele descobriu que os Winnebago e os
Menominee tinham sistemas de parentesco parecidos com o iroquês.
Despertada sua curiosidade, ele resolveu ver como eram os sistemas
de parentesco mundo afora. Suas pesquisas extensivas e sistemáticas
nessa linha levaram à publicação da sua grande obra: Sistemas...
Enquanto comparava os muitos sistemas de parentesco que havia
coletado, ele se espantou com a similaridade entre o sistema iroquês
e o dos Tamil, falantes de línguas dravidianas do Sul da Índia. Ele
descobriu, de fato, que os dois eram quase idênticos. Mas nem tanto.
Para oito tipos de parentes entre os mais de 200 que estavam entre
suas anotações, os Tamil apresentavam formas diferentes das
iroquesas. Morgan não deixou de notar essas diferenças, mas estava
realmente mais impressionado com as semelhanças. E, embora não
tentasse varrer as diferenças por baixo do tapete, ele tampouco se
dedicou a explicá-las. De qualquer modo, ele não apresentou uma
explicação para elas.
(Como você sabe, o casamento de primos cruzados está na raiz
dessas diferenças, mas um dos motivos pelos quais Morgan não ti-
nha condições de perceber isso foi que ele não estava familiarizado
com o fato de que para muitas sociedades primitivas um primo não é
apenas um primo. Existe uma profunda e consistente diferença en-
tre um primo paralelo e um primo cruzado. Mas tal distinção não era
do conhecimento de Morgan, pois só seria introduzida na antropo-
logia anos mais tarde por E. B. Tylor.)
O problema sem solução das diferenças entre os sistemas de
parentesco iroquês e tamil chamou minha atenção enquanto avan-
çava pelas páginas dos Sistemas... E, embora as diferenças fossem pou-
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Parece totalmente razoável que Ego trace sua relação com esses
parentes através da irmã, e não do primo cruzado. Afinal, é clara-
mente o caminho mais curto e próximo dentre as duas opções. E,
evidentemente, essa é a escolha que sociedades do tipo Tamil/
Dravidianas fazem de forma consistente e rotineira.
Mas é exatamente o inverso que ocorre quando consideramos
os descendentes da prima cruzada de Ego. Em muitos, se não na
maioria dos casos, ela teria casado com o irmão de Ego – possivel-
mente o próprio Ego! Então, para Ego a escolha terminológica é tra-
çar sua relação com essas crianças através da filha da irmã do pai –
chamando, então, essas crianças de K e L (“sobrinho” e “sobrinha”)
ou através do seu irmão –, que casou com sua prima casada (que é
também prima cruzada de Ego). Nesse caso, Ego chamará essas cri-
anças I e J, “filho” e “filha”. Claramente, é mais razoável que Ego
trace essa relação através do seu irmão – o caminho mais curto – e
então considere essas crianças (e as chamará) “filho” e “filha”.
(O mesmo tipo de explicação serviria se considerássemos o lado
matrilateral do diagrama e lidássemos com os primos cruzados ma-
ternos de Ego.)
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Aí está. Isso foi tudo que Lounsbury tinha a dizer sobre o as-
sunto. Ele percebeu que os sistemas de parentesco iroquês e
dravidiano eram diferentes em certos aspectos, embora fosse um tanto
críptico no que disse. Ele disse que o sistema dravidiano levava em
conta o sexo de todos os parentes de ligação. Mas ele deixou de espe-
cificar o que exatamente eram essas ligações. Nem tampouco expli-
cou quais eram as diferenças em estrutura social que acarretavam as
características especiais do sistema de parentesco dravidiano, ou como
isso ocorria. Francamente, não consigo encontrar na afirmação de
Lounsbury qualquer indício claro e convincente de que ele tinha
acertado o casamento entre primos cruzados como a característica
distintiva que transformava a nomenclatura iroquesa em dravidiana.
Estou bastante convencido de que ele sabia o que era, mas não disse.
De fato, não acho que alguém possa atestar, com base na afir-
mação de Lounsbury, que ele estava incontestavelmente ciente da
diferença específica entre as duas terminologias, a saber, que residia
na inversão dos termos aplicados aos filhos dos primos cruzados.
É claro que, afinal de contas, alguém apontou essa diferença.
Mas se não foi Lounsbury, quem foi? Trautman? Scheffler? Allen?
Quem?
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7 de janeiro de 2011
Caro Marcio,
Primeiramente, por favor desculpe meu longo atraso em res-
ponder à sua carta de 3 de dezembro. Deixe-me explicar o motivo
pelo atraso. Eu e minha esposa temos uma pequena casa nas matas
de Rhode Island, e tive que gastar um tempo extraordinário tentan-
do lidar com um problema que tivemos com a água do poço, inclu-
indo a presença de E. coli “em quantidade grande demais para
contabilizar”, de acordo com o laudo do laboratório. Tudo isso me
manteve afastado da minha escrivaninha em Nova York.
Mas, voltando ao assunto em pauta, estou muito feliz com a
possibilidade de ter a carta que escrevi ao Eduardo Viveiros de Castro
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Marcio Silva
Referências
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O século de Lévi-Strauss
Patrick Menget¹
École Pratique de Hautes Étude
E-mail: pmenget@gmail.com
Resumo Résumé
Este artigo, escrito e proferido na oca- Cet article, “O século de Lévi-Strauss”, écrit
sião do centenário de Claude Lévi- et prononcé à l’occasion du centenaire de ce
Strauss, retraça, primeiramente, as dernier, retrace d’abord les grandes étapes
grandes etapas de sua vida e de sua de sa vie et de sa formation d’anthropologue.
formação como antropólogo. Antes de Avant son travail d’ethnographe au Brésil,
seu trabalho como etnógrafo no Brasil, il se forme comme professeur de philosophie
ele se forma como professor em filoso- en France, puis se familiarise avec les maîtres
fia na França, depois se familiariza com du culturalisme américain. Exilé à New
os mestres do culturalismo america- York, il rencontre R.Jakobson et découvre le
no. Exilado em Nova Iorque, ele en- structuralisme en linguistique, qu’il sera
contra R. Jakobson e descobre o estru- l’un des premiers à transposer dans l’étude
turalismo na linguística, o qual ele será des systèmes de parenté et de mariage, puis
o primeiro a transportar para os estu- des mythologies indiennes d’Amérique. Le
dos dos sistemas de parentesco e de structuralisme de Lévi-Strauss est plutôt une
casamento, depois para as mitologias méthode qu’une philosophie, contrairement
da América. O estruturalismo de Lévi- au malentendu entretenu dans les milieux
Strauss é, sobretudo, um método do intellectuels de Paris, et son oeuvre débouche
que uma filosofia, contrariamente ao sur une esthétique et une éthique du respect
mal-entendido sustentado nos meios de la vie, tout en maintenant l’affirmation
intelectuais de Paris, e sua obra resul- du relativisme culturel. Les leçons de son
ta numa estética e numa ética do res- oeuvre gigantesque permettent enfin de
peito à vida, sempre mantendo a afir- relativiser les positions post-modernes.
mação do relativismo cultural. As li-
ções de sua obra gigantesca permitem, Mots-clés: Structuralisme. Lévi-Strauss.
finalmente, relativizar as posições pós- Éthique de l’anthropologie. Histoire de
modernas. l’anthropologie. Post-modernisme.
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Agora, o que tudo isso tem a ver com ética? Se vocês lembram
bem, em Tristes Trópicos tem um parágrafo muito estranho em que
Lévi-Strauss define o que os americanos, os culturalistas america-
nos, chamavam de ethos cultural. Eu cito de memória, vocês podem
achar facilmente a citação: “cada povo tem seu estilo cultural parti-
cular”. Essa é uma parte da descrição dos Kadiwéu, nos Triste Trópi-
cos. Essa definição podia ser tomada de Ruth Benedict ou de qual-
quer antropólogo culturalista. Lévi-Strauss nunca desistiu da crítica
de arte. Em seu penúltimo livro, Regarder, écouter, lire (1993), ele fez
uma análise de uma pintura de Poussin,9 em que utiliza exatamente
o mesmo método para a arte da Costa Noroeste e da Nova Zelândia,
ou quando analisou os motivos dualistas Kadiwéu. Enfim, o “estilo
cultural” é uma marca culturalista permanente na obra de Lévi-
Strauss.
Em 1950, Lévi-Strauss trabalhou para a Unesco, em Paris, e
escreveu esse famoso texto chamado Raça e história. Não vou entrar
em análise desse ensaio, talvez, a obra mais citada dele, hoje um livro
de base no ensino secundário francês, quase uma leitura obrigató-
ria. Se vocês lembram bem, nesse livro há uma tentativa de explicar
o fato de que algumas culturas se expandiram, para assim dizer, e se
desenvolveram, enquanto outras ficaram, aparentemente, no mes-
mo nível tecnológico, econômico etc.
A explicação que Lévi-Strauss dá a esse fenômeno é o que cha-
ma de “coalisão”, dizendo que várias influências, várias culturas po-
dem se aliar, no sentido matemático de coalisão, e enriquecer, por
assim dizer, uma cultura até desenvolver uma civilização brilhante.
Essa ideia não vem de Lévi-Strauss, ela está num livro raríssimo e
muito esquecido de Alfred Kroeber, não republicado, que se acha
nas bibliotecas e chama-se Configurations of Culture Growth. O livro do
Kroeber é uma reflexão sobre o tema que é uma obsessão do pensa-
mento ocidental desde Gibbon e Montesquieu: a expansão e a deca-
dência das civilizações. Lévi-Strauss buscou refletir sobre a civiliza-
ção em termos antropológicos, em termos de mistura de culturas,
em termos de aquisição, de difusão, tentando formalizar períodos de
decadência e apogeu. Como pessoa, ele é um homem conservador e
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Notas
1 Professor emérito da École Pratique de Hautes Étude, de Paris.
2 Conferência proferida em 4 de dezembro de 2008, por ocasião do seminário come-
morativo ao centenário de Claude Lévi-Strauss, realizado pelo Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, em
Florianópolis.
3 As estruturas elementares do parentesco constitui a maior parte da thèse d’État de Claude
Lévi-Strauss, tendo sido publicada pela primeira vez em 1949 pela editora PUF, de
Paris.
4 Ver Singularidades da França Antártica, publicada em 1978 pela Itatiaia/Edusp, de
Belo Horizonte/São Paulo.
5 Ver Viagem à Terra do Brasil, publicada em 1980 pela Itatiaia/Edusp, de Belo Horizon-
te/São Paulo.
6 Publicada em 1955 pela editora Plon, de Paris.
7 Victor Segalen é o autor do famoso Lês immémoriaux, editora Plon, Paris, 1956.
8 Referência ao documentário À Propos de Tristes Tropiques, realizado em 1990 por Jorge
Bodanzky, Patrick Menget e Jean-Pierre Beaurenaut, exibido no seminário de co-
memoração ao centenário de Claude Lévi-Strauss, realizado pelo Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, em
Florianópolis.
9 Pintor francês do século XVII, representante do classicismo.
10 Histoire de Lynx, publicada em 1991 pela Plon, de Paris (em português a mesma obra
saiu pela Companhia das Letras, em 1993).
11 Of Mixed Blood: Kinship and History in Peruvian Amazonia, publicada em 1991 por
Clarendon Press, de Oxford.
Referências
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Universidade Federal Fluminense
E-mail: andrea_osorio1@yahoo.com.br
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Resumo Abstract
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Introdução
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A abordagem leachiana
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como parte das tradicionais fogueiras do ciclo junino. Uma pira era
erguida e dúzias de gatos em sacos eram suspensos sobre ela. Cohen
se pergunta se os maus-tratos aos gatos eram mero sadismo e apon-
ta que tais maus-tratos eram públicos, ritualísticos e que os animais,
especialmente os domésticos, serviam como um reflexo da comuni-
dade humana e seu bode expiatório. O massacre de gatos, ao coinci-
dir com rituais de limpeza, tornava o gato um animal sacrificial.
Hyams (1972) afirma que nenhum outro animal teria sofrido
tanto quanto o gato doméstico na Europa Medieval. Na Europa Cen-
tral, na Alemanha e em Flandres, diz o autor, durante a Quaresma
era costume matar, queimar ou enterrar vivos tantos gatos quanto
fosse possível. Durante a Páscoa, no Vosges e na Alsácia em geral os
gatos eram regularmente queimados vivos. Nas montanhas de
Ardennes, eles eram jogados vivos em fogueiras ou assados vivos
presos em postes. A razão seria sua identificação com Satã. Segundo
o autor, tais práticas seriam ritos mágicos cuja intenção era espantar
o diabo.
Nos séculos XVI e XVII, ainda segundo Hyams (1972), em toda
a Europa e na América (presumivelmente nos Estados Unidos), co-
locavam-se gatos vivos, mortos ou mumificados nas paredes ou
sob o piso das casas, às vezes junto a um rato. O autor então se per-
gunta por que um animal útil, já que caça ratos, seria considerado
medonho. A resposta que fornece, além de suas ligações com o dia-
bólico, seria seu status de animal novo e recém-chegado na Europa, o
que teria lhe valido uma reputação ambígua. Para sustentar tal argu-
mento, Hyams demonstra que nem sempre o gato foi um animal
doméstico comum no continente, mas que sua introdução ali teria
se dado após uma praga de ratos oriunda de levas migratórias
germânicas. Além disso, certas características atribuídas ao gato como
hábitos noturnos, sua associação com a lua e seus “olhos enigmáti-
cos” teriam contribuído, além de sua “autossuficiência”.
Esses aspectos claramente ritualísticos do gato apontam para
sua sacralidade e são corroborados por um ritual descrito por Hyams
(1972) no qual, em vez de ser destruído, o gato era adorado. Segun-
do o autor, no festival do Corpus Christi de Aix en Provence, o gato
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Mauss (2003) não cria categorias anômalas para tais animais nem
tenta explicar por que esses e não outros. Limita-se, nesse ponto, a
uma coleta de dados históricos, religiosos e folclóricos que lhe per-
mita construir uma lei geral na qual os animais aparecem como ins-
trumentos ou metamorfoses dos mágicos para, ao fim, recair no co-
nhecido problema do totemismo.
Embora Mauss (2003) indique como a magia opera a partir de
inversões dos ritos religiosos, a própria metamorfose do mágico em
animal não é apontada claramente por ele como uma dessas inver-
sões que, para ser considerada como tal, necessita estar ancorada
numa separação entre homem/animal e natureza/cultura. Mauss tam-
bém aponta como os mágicos são pessoas especiais, extraordinárias,
mesmo quando uma população inteira é considerada assim, como,
por exemplo, os judeus diante do catolicismo medieval e os estran-
geiros em geral. Não decorre dessa conclusão, tampouco, uma per-
gunta sobre o status especial dos animais vinculados à magia, o quão
extraordinários eles seriam, conclusão que só é trazida à tona a par-
tir das análises estruturalistas.
Animais de estimação
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Comestibilidade
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tado da lebre, é ainda mais ambíguo, porque pode ser caça, praga,
animal criado em fazenda e animal de estimação ao mesmo tempo.
Os animais de caça são comestíveis, como alguns animais criados em
fazenda; as pragas e os animais de estimação não o são. Encerrando
as séries em três grandes grupos, o autor indica que animais de esti-
mação e animais de caça formam um conjunto que está na interse-
ção entre humanos/animais domésticos (a), de um lado, e animais/
bichos selvagens (b), de outro, cada polo formando um oposto: (a)
humano/(b) animal e (a) doméstico/(b) selvagem. O animal de esti-
mação se encontra na interseção entre humano/animal; e a caça, na
interseção entre doméstico/selvagem.
O felino feminino
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tomar banho. Assim, enquanto os cães têm que ser banhados por
humanos, os gatos banham-se a si mesmos, o que é um primeiro
indicativo da noção de que são independentes.
Quanto aos excrementos, os donos de cães devem recolhê-los
das ruas e calçadas quando levam seus cães “para passear”, uma
metáfora comumente usada no lugar de “excretar”. Os gatos, por
outro lado, enterram seus excrementos. Quando o animal não tem
acesso a terra, há um substituto industrializado, até onde pude veri-
ficar amplamente disponível nos pet shops e supermercados, chama-
do “areia sanitária”. A substância granulada é disponibilizada em uma
caixa para o animal, que, novamente por hábito inato, a utiliza para
depositar seus excrementos. A areia sanitária absorve a urina e o
gato cobre, sozinho, a urina e as fezes com a areia. Esses hábitos são,
eu sugeriria, interpretados como indicativos da limpeza do gato e de
sua independência. Além disso, na qualidade de caçador de ratos,
conforme já indicado nesta obra, o gato se torna simbolicamente um
purificador do ambiente, afastando um vetor de doenças. Afinal, um
animal que toma banho, produz uma espécie de fossa e afasta ratos
só poderia ser considerado limpo.
Outro aspecto que pode ser analisado acerca das representa-
ções contemporâneas sobre o gato no país é a ideia de que ele é um
ser independente. Como afirmam Saito et al. (2002, p. 125),
ao mesmo tempo, por suas características que foram
relacionadas com azar e doenças, muitas pessoas os vêem
como uma espécie de ameaça; outros, devido à
independência do gato que está entre o limiar de animal
selvagem e doméstico, o vêem como uma espécie arrogante
e prepotente.
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rio que combate ratos, portanto doenças, hoje parece que essa fun-
ção perdeu vigor e o cientificismo vigente tem condenado os felinos
como vetores de doenças, um papel coerentemente relacionado por
Saito et al. (2002) na passagem acima à má sorte. Além de vetor de
raiva (Genaro, 2010) e toxoplasmose (Saito et al., 2002), o gato seria
causador de asma e alergias (Hyams, 1972).
A afirmação de independência dos gatos, como é frequente no
senso comum, é sustentada por argumentos distintos, factuais ou
imaginários: caça e se alimenta sozinho (selvagem), se limpa sozi-
nho, sai da residência e retorna sozinho, permanece sozinho dentro
da residência (doméstico). Todas as ações elencadas indicam, propo-
sitalmente, que o gato não depende de humanos para sobreviver,
não obstante, a medicina veterinária aponta como esse grau de
(in)dependência é relativo, posto que é determinado pelo tipo de re-
lação que o animal mantém com os humanos. Conforme Genaro
(2010, p. 187-188),
O grau de dependência (dos humanos) que o gato apresenta
pode variar amplamente e, nesse aspecto, observa-se
importante detalhe a ser considerado, que são as populações
ferais, muito comuns entre gatos. Um gato feral pode ser
definido de várias maneiras, mas fundamentalmente essa
condição de ser feral, ou não, dependerá de sua relação com
a população humana. Sua dependência, especialmente para
alimento e abrigo, pode ser graduada, concebendo-se a
partir de grande dependência (como, por exemplo, um gato
mantido num apartamento, que dependerá de seu
proprietário para toda e qualquer necessidade) até um gato
que nasceu e se reproduz livremente numa ilha ou floresta,
totalmente afastado do contato humano (exemplificado o
animal feral típico, stricto sensu), e dentre esses dois extremos
há ampla gama de gradações.
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Considerações finais
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Nota
1
Uma relação de continuidade e de equivalência epistemológica, pois se trata da
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Oscar Calavia
Universidade Federal de Santa Catarina
E-mail: occs@uol.com.br
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que ainda estão por dar seus frutos. E sejam quais forem os lucros
auferidos pelos nativos, continuam estando muito longe dos que
obtém o capital especulativo que frequenta esse universo.
Mas se os Comaroff são nostálgicos, dissimulam bem. Até reco-
nhecem, e sem mostrar pesar, que um filho deles, engenheiro, está
implicado no planejamento de uma dessas empresas étnicas na Áfri-
ca do Sul. Não aludem a essas novidades – que às vezes já têm seus
decênios de existência – com o desprezo que os cientistas sociais cos-
tumam usar quando querem dar lições à realidade que descrevem.
Seu percurso pelo mundo da patrimonialização da cultura e das
corporações autóctones identifica estratégias válidas – e às vezes úni-
cas – de sobrevivência, mas também mostra que nem tudo se reduz a
expedientes utilitários. Os bosquímanos San, por exemplo, não só se
fantasiam de bosquímanos para atuar perante turistas estrangeiros e
ganhar assim uns dólares, eles obtêm, também, um legítimo orgulho
deixando de ser por umas horas moradores míseros de favelas para se
tornarem de novo – autenticados pelo olhar do turista – expoentes ou
pelo menos herdeiros de um modo de vida original. Os rituais da mo-
narquia Bafokeng, potência mineradora do platino sul-africano, lu-
tam por enriquecer com elementos tradicionais uma cenografia intei-
ramente alheia à tradição; nem mais nem menos o que fizeram sem-
pre outras monarquias mais setentrionais. E nada impede que, por
exemplo, a arte destinada a um público novo atinja um novo tipo de
autenticidade, uma qualidade, uma diversidade e uma tensão criativa
superiores talvez às que teve a arte autêntica de outros tempos. Não foi
muito diferente disso o que aconteceu quando os artistas europeus,
que viviam até então a serviço de Deus e da aristocracia, começaram a
produzir para o mercado – embora fosse, naquele tempo, um merca-
do mais próximo. Bem-vinda a novidade: como já sugeriu uma vez
Marshall Sahlins, não é justo que, quando os europeus inventam uma
tradição se fantasiando de ancestrais muito distantes (gregos e roma-
nos), o resultado seja chamado de Renascimento e, quando africanos
ou índios fazem o mesmo, lamentemos a inautenticidade. Portanto,
que sejam bem-vindas as novidades.
Mas outra coisa é que comunguemos entusiasticamente com o
Renascimento, com seus déspotas e com a habilidade com que atri-
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Nota
1 A edição espanhola é a tradução de Ethnicity Inc., Chicago, University of Chicago
Press, 2009.
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Jeremy Deturche
Universidade Federal de Santa Catarina
E-mail: jeremy.deturche@gmail.com
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Notas
1 Por razões de ordem espacial, não me foi possível visitar a exposição no momento
de sua apresentação no museu, porém está ainda disponível no site do Museu o
descritivo de sua organização e principal propósito: <http://www.quaibranly.fr/fr/
programmation/expositions/expositions-passees/la-fabrique-des-images.html>.
2 A figuração é de fato a “operation universelle au moyen de laquelle des objets
matériels sont transformés en agents de la vie sociale par-ce qu’on leur donne la
fonction d’évoquer avec plus ou moins de ressemblance un prototype réel ou
imaginaire […]” (p. 17).
3 Ver também Descola (2005).
4 A construção dessa teoria se encontra detalhada em Descola (2005) e resumida na
introdução do livro. Trata-se aqui unicamente de, esquematicamente, caracterizar
essas ontologias para entender como se organiza o livro e qual o seu propósito.
Referências
DESCOLA, Philippe. Par-delà Nature et Culture. Paris: Edition Gallimard, 2005.
GELL, Alfred. Art and Agency: An Anthropological Theory. Oxford: Oxford
University Press, 1998.
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Teses defendidas no PPGAS/UFSC em 2010
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Tatiana Dassi, 10/09/2010, “‘É, vida Loka irmão’: moralidades entre
jovens cumprindo medidas socieducativas”
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