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Ciências & Cognição 2004; Vol 03: 66-68 <http://www.cienciasecognicao.

org/> © Ciências & Cognição


Submetido em 29 de Novembro de 2004| Aceito em 30 de Novembro de 2004 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 31 de Novembro de 2004

Divulgação Científica

Borderline – no limite entre a loucura e a razão


Borderline: in the limits between madness and reason

Lígia Lorandi Ferreira Carneiro

Faculdade de Medicina, Centro de Ciências da Saúde, UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

Comentário sobre o artigo: Borderline personality disorder (2004). Klaus Lieb, Mary C
Zanarini, Christian Schmahl, Marsha M. Linehan e Martin Bohus, Lancet, 364: 453-
461. www.thelancet.com.

Borderline feels like I´m going to lose relacionam com ela, especialmente familiares.
my mind …(1) O quadro engloba algumas manifestações
típicas de vários transtornos psiquiátricos
Borderline significa “limítrofe”. como esquizofrenia, depressão, transtorno
Podemos assumir que as palavras do antigo bipolar, mas em geral os pacientes não saíram
sucesso da Madonna caracterizam totalmente do estado considerado normal para
perfeitamente a instabilidade, a precária serem enquadrados em tais classificações. A
fronteira entre a lucidez e a insanidade em “síndrome” borderline é portanto um mosaico
que vivem as pessoas nessa condição. A de sintomas menos acentuados de diversos
personalidade borderline é um grave transtornos. Para assegurar um diagnóstico
transtorno mental com um padrão preciso foram estabelecidos nove critérios no
característico de instabilidade na regulação do DSM IV (quarta versão do manual de
afeto, no controle de impulsos, nos diagnóstico e estatística de doenças mentais).
relacionamentos interpessoais e na imagem de Nele, a personalidade borderline aparece
si mesmo. Apesar de não ser tão divulgada classificada dentro do grupo dos transtornos
quanto outros transtornos psiquiátricos, afeta de personalidades emocionalmente instáveis.
de 1 a 2% da população geral, 10% de Em relação ao distúrbio afetivo, os
pacientes psiquiátricos e 20% dos internados pacientes apresentam diversas sensações, por
em hospitais, sendo que a maior parte das vezes conflitantes, muitas vezes manifestando
pessoas afetadas (até 70%) corresponde a tensão aversiva, incluindo raiva, tristeza,
mulheres. vergonha, pânico, terror e sentimentos
Identificar uma pessoa com crônicos de vazio e solidão. Outro aspecto é a
personalidade borderline não é difícil, pois os exagerada reatividade no humor: os pacientes
sintomas incomodam todos os que se com freqüência mudam com grande rapidez
de um estado a outro, passando por períodos
(1) Escrito por Reggie Lucas © Bleu Musique Int. disfóricos e eutímicos ao longo de um dia.

 – L. L. F. Carneiro é aluna do Programa de Iniciação Científica (PINC/UFRJ) no Laboratório de Neurogênese,


Programa de Neurobiologia, Instituto de Biofísica (IBCCF) e graduanda do Curso de Medicina da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Endereço para contato: ligia@biof.ufrj.br.

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Além disso, a cognição também se apresenta córtex cingulado anterior, região mediadora
alterada. A sintomatologia varia, há idéias do controle afetivo, bem como outras áreas do
superestimadas de estar mal, experiências de córtex pré-frontal, apresentaram um
dissociação – despersonalização e perda da metabolismo basal alterado. Estudos
percepção da realidade – outros sintomas são estruturais mostraram redução no volume da
semelhantes aos psicóticos, com episódios amígdala e do hipocampo nos pacientes com
transitórios e circunscritos de ilusões e personalidade borderline. Foi registrada
alucinações baseadas na realidade. Acredita- ainda, com a técnica de RMf (Ressonância
se que o distúrbio de identidade pertença ao Magnética funcional) uma ativação
domínio cognitivo porque se baseia em uma aumentada da amígdala em resposta a
série de falsas crenças, por exemplo a de que expressões faciais e emoções negativas,
uma pessoa é boa num minuto e má no provavelmente relacionada ao
instante seguinte. enfraquecimento do controle pré-frontal
Outra característica marcante pintada inibitório. Se essas alterações neurobiológicas
para este quadro é a de impulsividade, são pré-existentes ao transtorno ou se são
manifestada de duas formas: há pacientes apenas suas manifestações, ainda permanece a
deliberadamente auto-destrutivos, que dúvida.
apresentam comportamento suicida, podendo O impacto social desse transtorno é
apresentar auto-mutilação, ameaças e muito grande, a taxa de mortalidade devida ao
tentativas de suicídio; outros pacientes suicídio é alta, atinge 10% dos pacientes.
manifestam formas mais gerais de Trata-se, desta forma, de uma das desordem
impulsividade, caracterizadas, pelo abuso de psiquiátrica comumente associada ao suicídio.
drogas, desordens alimentares, participação Os tratamentos usuais são pouco efetivos, já
em orgias, explosões verbais e direção que mesmo recebendo medicamentos e
imprudente. tratamento psicossocial, os pacientes
Por último, os pacientes apresentam continuam com graves desajustes no trabalho,
relacionamentos intensos e instáveis, cujos nas relações sociais, na satisfação global e no
problemas mais comuns são o profundo medo funcionamento geral. Assim, para controlar
de abandono, que tende a se manifestar em esses pacientes, os melhores resultados têm
esforços desesperados para evitar ser deixado sido obtidos com programas de psicoterapia,
sozinho, e alternância entre extremos de podendo ser citado o relevante papel da
idealização e desvalorização, sendo os terapia cognitiva comportamental – a terapia
relacionamentos marcados por freqüentes dialética comportamental. Dentre os
discussões, rompimentos, baseados em uma objetivos, os principais são aprimorar as
série de estratégias mal adaptadas que irritam habilidades comportamentais, ensinando
e assustam outras pessoas. táticas específicas para regular as emoções,
Várias causas são apontadas para a aumentar a motivação para mudanças,
origem do transtorno. Acredita-se que, além estruturar o ambiente e otimizar a capacidade
do forte componente genético, experiências e motivação dos próprios terapeutas. No
traumáticas na infância, como abuso sexual e entanto, esta abordagem requer uma
negligência, causariam a desregulação assistência continuada, uma vez que este tipo
emocional e a impulsividade, levando aos de patologia envolve graves transtornos de
comportamentos não-funcionais, déficits e personalidade, o que fragiliza o ego
conflitos psicossociais. Estes, por sua vez, possibilitando recaídas marcadas pelo
agravariam a desregulação. Estudos de comportamento imprevisível.
neuroimagem revelaram uma rede mal Os pacientes que aderem a esse tipo de
funcionante em várias regiões cerebrais tratamento chegam em diferentes níveis de
relacionadas a importantes aspectos da gravidade e para cada nível é identificado um
sintomatologia. Em estudos de PET alvo inicial de tratamento. Em pacientes com
(Tomografia por Emissão de Pósitrons), o descontrole comportamental severo, a

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prioridade é melhorar a regulação do tema que envolve o diagnóstico de


comportamento, isto é, colocar o paciente personalidade borderline para seus pacientes,
funcional e produtivo. Já para os suicidas, além das dificuldades do tratamento. Um
naturalmente, o primeiro passo é reduzir o maior esclarecimento sobre o transtorno na
impulso suicida. Quando já se conseguiu o classe médica e mesmo entre a população é
controle do comportamento, a disforia e as fundamental para enfrentar o problema. Como
dificuldades de lidar com as experiências o transtorno afeta as relações interpessoais,
emocionais tornam-se o foco da terapia. muitos preconceitos e muita incompreensão
A terapia farmacológica e hospitalar acompanham os pacientes com personalidade
possuem resultados reservados sobre a borderline. Muitas vezes, tais pessoas são
diminuição do risco de suicídio. A rotuladas de “irresponsáveis”, “egoístas”,
farmacoterapia, entretanto, pode ser eficaz na “desequilibradas”, “problemáticas”, o que só
diminuição do comportamento compulsivo, agrava sua instabilidade e faz com elas se
sendo útil para as intervenções psicossociais, aproximem mais e mais da loucura, já que
possibilitando a chance de interromper a dificilmente sozinhas conseguirão contornar a
medicação quando os pacientes apresentam dificuldade. Para conviver com a
melhora do quadro. Dentre os remédios mais personalidade borderline, o primeiro passo é
utilizados, os neurolépticos costumam caracterizá-la como um transtorno
controlar os sintomas cognitivo-perceptuais; psiquiátrico tratável e procurar ajuda com
os antidepressivos e estabilizadores de humor, profissionais da saúde especializados. Tanto a
regulam as alterações bruscas de humor, atitude pessoal de aderir à terapia, quanto a
ansiedade e raiva. educação da família são essenciais, na medida
Os clínicos se defrontam com que o único tratamento efetivo é o de equipe,
limitações frente ao ato diagnóstico, devido a contando com a colaboração de médicos,
complexidade de sintomas e especificidade do psicólogos, a família e o paciente.

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