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DIREITO E DEMOCRACIA
Revista de Ciências Jurídicas – ULBRA
Editor
Plauto Faraco de Azevedo
Editor Associado
César Augusto Baldi
Conselho Editorial
Airton Sott (ULBRA)
Aldacy Rachid Coutinho (UFPR)
Altayr Venzon (ULBRA)
Etienne Picard (Université de Paris I/França)
Gerson Luiz Carlos Branco (ULBRA)
Ielbo Marcus Lôbo de Souza (ULBRA)
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR)
Joaquín Herrera Flores (Universidad Pablo Olavide/Espanha)
José Maria Rosa Tescheiner (PUC/RS) U58u Revista Direito e democracia / Universidade Luterana do
Luís Afonso Heck (ULBRA) Brasil – Ciências Jurídicas. – Canoas: Ed. ULBRA, 2000.
Luís Luisi (ULBRA e UNICRUZ) Semestral
Luiz Carlos Lopes Moreira (ULBRA)
1. Direito-periódico. I. Universidade Luterana do Brasil
Vladimir Passos de Freitas (UFPR)
- Ciências Jurídicas.
CDU 34
CDD 340
Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero -
ULBRA/Canoas
Índice
253 Editorial
Artigos
Documento Histórico
GONZAGA ADOLFO
Advogado, mestre em Direito, professor de Direito na ULBRA Gravataí, na UNISINOS e no UNILASALLE,
membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS; e do Instituto Interamericano de Direito do
Autor – IIDA, com sede em Buenos Aires, Argentina.
RESUMO
O autor faz um relato histórico das limitações ao Direito do Autor na legisla-
ção autoral brasileira, apresentando as principais possibilidades de utilização
de obras intelectuais sem necessidade de autorização do titular dos direitos
patrimoniais do autor.
Palavras chave: Direito autoral, Legislação, Hermenêutica.
ABSTRACT
The author makes a historical report on copyright limitations in Brazilian
copyright legislation, presenting the main possibilities of using intellectual
works with no need of authorization from the holder of the author’s patri-
monial rights.
Key words: Copyright, legislation, hermeneutics.
Direito
vol.4, e Democracia
n.2, 2003 Canoas
Direito e vol.4, n.2
Democracia 2º sem. 2003 p.255-286
255
INTRODUÇÃO
O Direito do Autor é uma das áreas mais belas do Direito, em especial
pela sua abrangência, atualidade, importância social, cultural e econômi-
ca. É tema cada vez mais discutido, em decorrência do fantástico progresso
das comunicações e seus meios, verificados na atualidade. Em decorrência
deste progresso tecnológico, o Direito do Autor também mostra novas ca-
racterísticas, ou, para ser exato, enfrenta nova realidade. Em sua prerroga-
tiva relativa ao direito de exploração ou divulgação da obra, denominada
na lei brasileira de Direito Patrimonial do Autor, o princípio básico é que
toda forma de utilização exige prévia e expressa autorização do titular.
Dentre os temas atuais relativos a esta área, um merece especial atenção:
as limitações ao Direito do Autor, ou seja, as possibilidades de utilização da
obra intelectual sem necessidade de prévia autorização do titular da obra
autoral. É o tema desta pesquisa. Nela, faz-se rápida explanação inicial sobre
a importância do Direito do Autor, depois uma análise do direito patrimonial
– seria mais adequada a expressão prerrogativas – para, finalmente, ingressar
no ponto principal, antes destacado, as limitações. Na verdade, trata-se de
resumo de um estudo mais amplo da legislação brasileira no que concerne à
matéria, com comentários próprios do autor da pesquisa e amparado em des-
tacados autoralistas, trazendo, antes da análise de cada limitação inserida na
lei autoral, um rápido escorço histórico de como o tema constou em cada
legislação autoral que existiu no Brasil, desde a primeira.
A metodologia utilizada foi a de pesquisa doutrinária e legal, esta na
legislação autoral brasileira (Lei n.º 9.610, de 19 de fevereiro de 1998),
como antes salientado, e aquela na pesquisa em obras e artigos de desta-
cáveis autoralistas, como Hammes, Ascensão, Lipszyc, Villalba e Manso,
entre tantos outros de idêntico destaque, apontados nas referências bibli-
ográficas ao final.
1
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Algumas reflexões sobre a importância da propriedade intelectual no século
XX. Revista Estudos Jurídicos, São Leopoldo, n. 78, p. 113-125, jan./abr. 1997.
O Papa João Paulo II4 afirmou para mais de cinco mil fiéis que certas
manifestações sublimes da arte, como a literatura, a filosofia e a música,
refletem o espírito de Deus. Eis um trecho da manifestação do líder da
Igreja Católica feita na tradicional audiência geral na quarta-feira, dia
12 de agosto de 1998, no Vaticano:
2
CHAVES. Antonio. Direito de Autor; Princípios fundamentais. São Paulo: Forense, 1987, p. 4.
3
VILLALBA, Carlos Alberto; LIPSZYC, Delia. El Derecho de Autor en la Argentina. Buenos Aires; La Ley, 2001, p. 3.
4
PAPA exalta espírito de Deus. Zero Hora, 11 ago. 1998. Mundo, p. 44.
5
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 81.
6
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 90.
7
BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do Direito do Autor. São Paulo: LTr, 1992, p. 116.
8
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 91.
9
CONVENÇÃO de Berna relativa à protecção das obras literárias e artísticas. Acto de Paris, texto oficial portugu-
ês. Genebra: Organização Mundial da Propriedade Intelectual, 1996, p. 13.
10
PARILLI, Ricardo Antequera. Derecho de Autor. Caracas: Servicio Autónomo de la Propriedad Intelectual,
1998, t. I, p. 460.
11
MANSO, Eduardo Vieira. Direito Autoral; Exceções impostas aos direitos autorais (derrogações e limitações).
São Paulo: José Bushatsky, 1980, p. 90.
12
Revogado em seus artigos 649 a 673 pela Lei n.º 5.988, de 14 de dezembro de 1973. Estranhamente, a Lei n.º
9.610 os revogou mais uma vez.
13
É bem verdade que há, especialmente por parte de destacados atores da grande mídia, uma interpretação
exageradamente ampla da liberdade de informação e de imprensa, ao ponto de muitos literalmente a
considerarem acima do Direito e da Constituição, confundindo crítica e informação com ataques sem
qualquer cuidado à honra e imagem de cidadãos e de autoridades. Neste sentido, ADOLFO, Gonzaga.
Globalização, mídia e opinião pública. Globalização e Estado Contemporâneo. São Paulo: Memória Jurídica,
2001, p. 85-88, e STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. A opinião pública. Ciência Política e
Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 169-174. A própria idéia de “opinião
pública” é deturpada, pois não raro ela é, na verdade, a opinião daquele que faz a crítica, pois o único critério
razoavelmente plausível de reconhecê-la seriam os pleitos eleitorais, ainda assim se houvesse uma democracia
substancial e não democracia formal, como hoje. Mas isso aqui é apenas referencial e um rápido comentário,
não sendo, evidentemente, tema da pesquisa, devendo ser ampliado em outro momento.
14
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 97.
15
MANSO, Eduardo Vieira. Op. cit. (1980), p. 284.
16
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 97.
17
CABRAL, Plínio. A nova Lei de Direito Autoral. 2.ed. Porto Alegre: Sagra Luzatto, 1999, p. 122.
18
HAMMES, Bruno Jorge. Ob. cit. (2002), p. 100.
19
CABRAL, Plínio. Op. cit., p. 122.
20
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 110-111.
21
CABRAL, Plínio. Op. cit., p. 122-123.
22
Idem.
23
Nesta linha, destaque-se que uma das tantas definições de lucro fornecidas por Houaiss é “qualquer vantagem
ou benefício que se pode tirar de alguma coisa”. HOUAISS, Antonio et al. Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1.788.
24
MANSO, Eduardo Vieira. Op. cit., p. 304.
25
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 112.
26
Site acessível em www.abdr.com.br.
27
Site acessível em www.abpdea.com.br.
28
LIPSZYC, Delia. Derecho de Autor y derechos conexos. Buenos Aires: UNESCO/CERLALC /ZAVALIA, 2001,
p. 241-244.
29
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 116.
30
MANSO, Eduardo Vieira. Op. cit., p. 304.
31
São fantásticos e lamentáveis, igualmente, os números sobre a pirataria de obras musicais e programas de
computador, e ainda a pirataria de marcas, com comercialização de produtos com estes sinais falsificados.
32
Para Ascensão, “o que interessa é o condicionamento geral do art. 10º/1 da Convenção de Berna: ‘serem conformes aos
bons costumes e na medida justificada ao fim a atingir’”. (Op. cit., p. 217).
33
Idem, p. 217-218.
34
O professor é pago pela instituição para lecionar. A forma como fará está ligada à sua liberdade e autonomia
acadêmica. É linha mestra da educação nacional hoje a valorização desta, como consta na Lei de Diretrizes
da Educação. A utilização pelos alunos, então, não pode ter custos adicionais que não aqueles de sua
matrícula ou mensalidades. A retribuição do professor pela elaboração de polígrafos e compêndios é
matéria afeita ao Direito do Trabalho. A atual Convenção Coletiva firmada entre o Sindicato de Estabe-
lecimentos de Ensino e o Sindicato de Professores de Estabelecimentos privados de ensino no Estado do
Rio Grande do Sul prevê pagamento de certo valor pelos polígrafos elaborados para as respectivas aulas, ou
do tempo (horas) que o professor dedicou à elaboração deles.
35
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 101.
36
Também os meios de comunicação têm utilizado este expediente fartamente, na atualidade, principalmente
os programas do chamado jornalismo investigatório. O Poder Judiciário, felizmente, não tem dado guarida
a este tipo de prova, em especial das gravações telefônicas sem autorização legal.
37
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 101.
38
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 102.
39
Idem, nota de rodapé n. 3.
40
Na verdade mantido, pois a Lei n.º 5.988, de 14 de dezembro de 1973, o instituiu em seu artigo 115.
41
MANSO, Eduardo Vieira. Op. cit., p. 326.
42
CABRAL, Plínio. Op. cit., p. 127. O autor concorda com este raciocínio, chegando a dizer que “seria de todo
injusto - além de tecnicamente impraticável - proibir a reprodução de um quadro de autor contemporâneo numa obra
que, por exemplo, estude esse período das artes plásticas brasileiras”.
43
HOUAISS, Antonio et al. Op. cit., p. 2.127.
44
Idem, p. 2.137.
45
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 103.
46
PIMENTA, Eduardo S. Código de Direitos Autorais e Acordos Internacionais. São Paulo: Lejus. 1998, p. 172.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema primacial desta pesquisa foi a possibilidade de utilização das
obras autorais sem necessidade de prévia e expressa autorização do titu-
lar da obra. São as limitações ao Direito do Autor. Chegando ao fim do
desiderato proposto – que será ampliado significativamente em capítulo
47
Neste sentido, convém consultar a classificação dos bens públicos, nos artigos 65 e 66 do Código Civil de 1916
e artigos 96 a 98 do Código Civil de 2002.
48
HAMMES, Bruno Jorge. Op. cit. (2002), p. 99, item 203.
REFERÊNCIAS
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Algumas reflexões sobre a importância da propriedade
intelectual no século XX. Revista Estudos Jurídicos, São Leopoldo, n. 78, p. 113-
125, jan./abr. 1997.
AZEVEDO, Philadelpho de. Direito moral do escriptor. Rio de Janeiro: Alba, 1930.
BITTAR, Carlos Alberto. Contornos atuais do Direito de Autor. São Paulo: LTr, 1992.
CABRAL, Plínio. A nova Lei de Direito Autoral. 2.ed. Porto Alegre: Sagra Luzatto,
1999.
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Leopoldo, n. 27, p. 69-80, 1980.
______. Os cem anos da Convenção de Berna. Revista Estudos Jurídicos, São Leopoldo,
n. 46, p. 35-37, maio/ago. 1986.
______. O Direito Moral do Autor. Revista Estudos Jurídicos, São Leopoldo, n. 18, p.
149-174, 1977.
______. Direito Autoral; Exceções impostas aos direitos autorais (derrogações e limita-
ções). São Paulo: José Bushstsky. 1980.
PAPA exalta espírito de Deus. Zero Hora. Porto Alegre, 13 ago. 1998. Mundo, p. 44.
______. Dos crimes contra a propriedade intelectual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994.
STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. A opinião pública. Ciência Polí-
tica e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.
RESUMO
O autor discute a teoria dos direitos humanos, a partir de um contexto
intercultural, defendendo um universalismo de mesclas como uma nova
racionalidade de resistência .
Palavras-chave: Direitos humanos, multiculturalismo, interculturalidade,
Universalismo.
ABSTRACT
By considering an intercultural context, the author discusses the human rights
theory, defending a mixture universalism as a new resistance rationality.
Key words: Human rights, multiculturalism, interculturality, universalism.
1
Citemos o exemplo das manifestações expressadas por uma jovem chicana proposta por Renato Rosaldo no seu texto
Cultura y Verdad: “Concerta-se uma pessoa desenvolvendo uma tolerância frente às contradições, uma tolerân-
cia frente às ambigüidades. Aprende a ser índica na cultura mexicana, a ser mexicana de um ponto de vista
anglo-saxão. Aprende a fazer jogos malabares com as culturas. Possui uma personalidade plural, funciona de
modo plural – nada é desejado, nem o bom, nem o mal, nem o horrível, nada é rejeitado, nada abandonado. Não
somente vive com as contradições, transforma a ambivalência em algo diferente” (cit. en Feyerabend, P.,
“Contra la inefabilidad cultural, el objetivismo ,el relativismo y otras quimeras” Archipiélago. Cuadernos de crítica
de la cultura, 20, 1995). Este texto nos demonstra que hoje em dia os pretensos núcleos centrais das culturas nos
ensinam muito pouco a respeito das mesmas; são problemas de limites, de periferias que se tocam uma com
outras, as que nos ensinam muito mais acerca do que somos e de onde estamos situados.
2
O exemplo do que vimos criticando encontra-se na monografía de Salais, Baverez y Reynaud, La invención del
paro en Francia. Historia y transformaciones desde 1890 hasta 1980, publicado pelo Ministerio de Trabajo,
Madrid, 1990. O “ endurecimento” da realidade que supõe o formalismo e a quantificação não são casuais
e nem estão separados dos interesses de poder: ver Serverin, E., De la jurisprudence en droit privé: théorie d’une
practique, Presses Universitaires de Lyon, Lyon, 1985, no qual se analisa o trábalo de taxonomia e de
classificação abstrata da realidade por parte do poder judicial; e, também, Daston L., “The domestication
of risk: mathematical probability and insurance, 1650-1830” en Krueger, L., (edit.), The Probabilistic
Revolution: Volumen I, Ideas in History, MIT Press, Cambridge MA, em relação à funcionalidade das
análises estatística com o surgimento e a consolidação das empresas de seguros de vida. Cfr., o interessante
ensaio de Alain Desrosières “How to Make Things Which Hold Together: Social Science, Statistics and
the State”, en Wagner, Wittrock y Whitley (edit.), Discourses on Society. The Shaping of the Social Science
Disciplines, Sociology of the Sciences Yearbook, vol. XV, Kluwer, Dordrecht, 1990, pp. 195-218 (existe trad. cast.
en Archipiélago. Cuadernos de crítica de la cultura, 20, 1995, pp.19-31)
3
Cfr. Dentre outros muitos textos, o autor norte-americano discípulo de Paulo Freire, McLaren, P., Pedagogía
crítica y cultura depredadora. Políticas de oposición en la era postmoderna, Paidós, Barcelona, 1997. Ver também,
Douglas Kellner, Media Culture: cultural studies, identity and politics between the modern and the postmodern,
Routledge, 1995, esp. cap. 3.
4
A forma de salientar desses atoleiros é “buscar rasgos que conecten el ‘interior’ de un lenguaje o una teoría
o una cultura con su ‘exterior’, y de este modo reducir la ceguera inducida conceptualmente a las causas
reales de la incomprensión, que son la inercia, el dogmatismo, la distracción y la estupidez, habituales,
normales, corrientes y molientes. No se niegan las diferencias entre lenguajes, formas de arte, costumbres.
Pero (habría que atribuirlas) a accidentes de ubicación y/o historia, no a esencias culturales claras,
inequívocas e inmóviles: potencialmente cada cultura es todas las culturas” Feyerabend, P., op. cit, p. 50. Ao
texto de Feyerabend somente falta fazer uma referencia aos interesses econômicos e de poder como causa
dos pretensos “encerramentos culturais” para nos servirmos por completo de sua análise.
5
Nossa proposta é coincidente com a de uma universalidade analógica, histórica e situada, proposta por J.C.
Scannone em seu texto Nuevo punto de partida en la filosofía latinoamericana, Guadalupe, Buenos Aires, 1990.
No mesmo sentido, consulte-se Milton Santos, Técnica, Espaço, Tempo. Globalização e meio técnico-científico
informacional, Editora Hucitec, Sao Paulo, 1996, esp. cap. V, pp. 163-188.
6
Said, E. W., Cultura e imperialismo, Anagrama, Barcelona, 1996, p. 514. Ver, da mesma forma, Boaventura de
Sousa Santos, A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência, Cortez Editora, São Paulo, 2000.
E José Manuel Oliveira Mendes, “O desafio das identidades” en Boaventura de Sousa Santos (org.), A
Globalização e as Ciências Sociais, Cortez Editora, São Paulo, 2002, pp. 503-540.
7
Por essas razões, deve-se ler com cautela as Diez tesis sobre la inmigración propostas por Agnes Heller. Segundo
a professora da New School for Social Research, há que se estabelecer “semáforos” de comportamento para
evitar o choque entre partes distintas; estes semáforos estariam baseados em um princípio geral: “a
emigração é um direito humano, enquanto que a imigração não o é”. Em outras palavras, se alguém quer
“sair” não se deve opor nenhum problema já que possui o “direito”; mas se quer “entrar”, já não se trata de
direitos, mas de privilégios, os quais devem estar regulados pelos de dentro. O cuidado da leitura, e não
a rejeição imediata do que propõe Heller, reside na convicção da necessidade de ações que prevejam
possíveis conflitos interculturais e interclassistas. Mas a questão não reside em levantar obstáculos ou semáfo-
ros, mas em construir espaços de mediação no qual possamos transitar estabelecendo novas relações
sociais, econômicas e culturais. Que tipo de relações são estabelecidas quando todos estamos detidos ante
o semáforo Não estaríamos voltando a justificar o atomismo social que apenas confia em normas heterônomas
que aparentam impor-se a todos de modo igual ? Não constituem, os controles aduaneiros e fronteiriços,
um semáforo unicamente para uns e não para outros ? Daí surge o princípio geral proposto por Heller: a
emigração é um direito e a imigração não. Não estamos ante as duas caras de um mesmo fenômeno? Caso
queira, vá, ninguém te impedirá já que possui um direito “ individual”. Mas se quiser entrar, peça-me
permissão e eu decidirei se te autorizo entrar , já que o direito de veto é meu direito “individual” e sua
pretensão não é mais que um privilégio “coletivo” que pode chocar com meus interesses “individuais”.
Puderam os indígenas norte-americanos, africanos, andinos ... controlar os “privilégios” dos colonizadores
que se estabeleceram em suas terras ? Podem os camponeses controlar os “privilégios” das grandes empresas
transnacionais empenhadas em apoderar-se, sem precisar parar em semáforos de nenhum tipo, de todos
seus conhecimentos ancestrais e propô-los em seu próprio benefício? Precisam os capitais financeiros parar
em algum semáforo? Não estão sempre no vermelho os semáforos que impedem a mobilidade de milhões de
pessoas em busca de saídas à pobreza? Emigrar é imigrar. Ambos são direitos humanos na medida que ambos
supõem a construção de relações de reconhecimento, de empoderamento e de mediação política. Ao invés
de colocar semáforos, lutemos para construir situações de justiça, de solidariedade, de desenvolvimento,
de empoderamento. Quando as relações sociais deixem de ser imposição de hegemonias unilaterais e
partam para uma situação de equilíbrio e de igualdade, ali começará a assentar-se as bases que evitarão os
choques entre as partes. A prática intercultural define-se menos por impor barreiras e mais por construir
espaços públicos de mediação, intercâmbio e mestiçagem. Ver Sami Naïr, Las heridas abiertas. Las dos orillas
del Mediterráneo. ¿Un destino conflictivo?, Santillana, (Punto de Lectura) Madrid, 2002, Prólogo a cargo de
Joaquín Estefanía, pp. 9 y ss.
8
Neste sentido, veja-se os trabalhos de Samir Amin, “Las condiciones globales para un desarrollo sostenible”,
Jorge Alonso, “La Democracia, base de la lucha contra la pobreza”, Wim Dierckxsens, “Hacia una
alternativa sobre la ciudadanía” y Vandana Shiva, “El movimiento Democracia Viva. Alternativas a la
bancarrota de la globalización”, publicados recentemente em español em Alternativas Sur, nº 1, Vol. 1 (2002)
dedicado ao tema A la búsqueda de alternativas. ¿Otro mundo es posible?
9
Joaquín Herrera Flores, “Hacia una visión compleja de los derechos humanos”; David Sánchez Rubio,
“Universalismo de confluencia, derechos humanos y proceso de inversión”; Franz Hinkelammert, “El
proceso de globalización y los derechos humanos: la vuelta del sujeto”, os três trabalhos publicados em
Joaquín Herrera Flores (ed.), El Vuelo de Anteo. Derechos Humanos y crítica de la razón liberal, Desclée de
Brouwer, Bilbao, 2001, pp. 19-78, 215-244, y 117-128 respectivamente. Franz Hinkelammert, “La negativa
a los valores de la emancipación humana y la recuperación del bien común” , Pasos, 90, 2000. Raúl Fornet
Betancourt, La transformación intercultural de la filosofía, Desclée, Bilbao, 2000. Juan Antonio Senent de
Frutos, Ellacuría y los derechos humanos Desclée, Bilbao, 1998, esp. cap. 2, y “Los derechos humanos y la
tensión entre universalidad y multiculturalismo”, Actas del Congreso Internacional en el ciencuentenario de la
Declaración Universal de los derechos humanos, Asociación Pro Derechos Humanos, Granada, 1999. Helio
Gallardo, Política y transformación social. Discusión sobre derechos humanos, Tierra Nueva, Quito, 2000.
Xabier Etxeberría, Imaginario y derechos humanos desde Paul Ricoeur, Desclée de Brouwer, Bilbao, 1995.
Alejandro M. Medici, “El campo de los movimientos críticos de la globalización y las alternativas frente al
neoliberalismo”, en Crítica Jurídica. Revista Latinoamericana de Política, Filosofía y Derecho, 20, 2002. Norman
José Solórzano Alfaro, “Los marcos categoriales del pensamiento jurídico moderno: avances para la discusión
sobre la inversión de los derechos humanos” en Crítica Jurídica. Revista Latinoamericana de Política, Filosofía y
Derecho, 18, 2001, pp. 283-316. Asier Martínez de Bringas, Globalización y derechos humanos, Cuadernos
Deusto de Derechos Humanos, 15, Universidad de Deusto, Bilbao, 2001. Luis de Sebastián, “Globalización,
exclusión y pobreza” en Revista Anthropos. Huellas del conocimiento“, 194, 2002, número dedicado a “La
pobreza. Hacia una nueva visión desde la experiencia histórica y personal”, pp. 55-64. María José Fariñas,
“Globalización, ciudadanía y derechos humanos” en Cuadernos Bartolomé de las Casas, 16, 2000.
GÖRAN THERBORN
Swedish Collegium for Advanced Study in the Social Sciences, Uppsala -
Goran.Therborn@scasss.uu.se
RESUMO
A posição da Europa é analisada especificando-se a globalização em cinco
processos globais, nos quais o continente aparece como o centro dos fluxos de
comércio e capital, como a região dos mais profundos entrelaçamentos
transnacionais e como uma área de normatividade transnacional. Destacam-
se os antecedentes históricos e a inter-relação entre comércio internacional e
direito que transpõe as comunidades políticas na Europa, tanto na teoria social
moderna quanto na construção de instituições após a Segunda Guerra Mundi-
al, bem como a difusão do direito europeu para outros continentes.
Os conceitos de posição, papel e identidade devem ser distinguidos. As posi-
ções histórica e atual da Europa no mundo pouco se expressam nos papéis que
os líderes de hoje desejam cumprir nas formulações contemporâneas do
Originalmente publicada em “European Journal of Social Theory”, volume 5, issue 4, november 2002, p. 403-418,
a presente versão foi atualizada, pelo autor, especialmente para esta publicação, cortesia que agradecemos.
Tradução de Roberto Cataldo Costa.
Direito
vol.4, e Democracia
n.2, 2003 Canoas
Direito e vol.4, n.2
Democracia 2º sem. 2003 p.305-326
305
patrimônio e da identidade do continente. Isso acontece, em parte, em função
de um erro nostálgico de avaliação por parte de ex-políticos pertencentes às
altas esferas do poder, mas em muito devido à posição delimitada do direito e
do comércio europeus convencionais, e da transformação – real, mas não
teorizada – das tradições comerciais em comércio socialmente enraizado, e da
tradição jurídica em normatividade democrática internacional. Por fim, argu-
menta-se que essas práticas européias de comércio e direito correspondem, na
verdade, a múltiplas visões críticas sobre comércio e governança globais.
Palavras-chave: Globalização, integração européia, comércio, direito interna-
cional, direito europeu, espacialidade, papel, identidade.
ABSTRACT
Europe´s position in the world is analyzed in relation to a specification of global-
ization into five global processes, whereby Europe stands out as the central node
of global flows of trade and capital and as the region of uniquely high trans-
national entanglements, as an area of trans-national normativity. The historical
background and inter-relation of foreign trade and trans-polity law within Eu-
rope, both in early modern social theory and in post-World War II institution-
building, is highlighted, as well as the spread of European law onto other conti-
nents. The concepts of position, role, and identity had better be distinguished.
This historical and current position of Europe in the world is little expressed in the
roles which contemporary European leaders want to play and in contemporary
formulations of European heritage and identity. This is due partly to a nostalgic
misjudgment by ex-great power politicians, but largely because of the delimited
position of conventional trade and law in Europe, and of the actual but untheorized
transformation of trading traditions into socially embedded trade and of the legal
tradition into democratic inter-national normativity. It is finally argued that these
European practices of trade and law in fact correspond to many current critical
views on global trade and global governance.
Key words: Globalization, European integration, trade, international law, Eu-
ropean law, spatiality, role, identity.
INTRODUÇÃO
Grande parte, se não o conjunto, das contribuições positivas da Europa à
história mundial moderna pode ser resumida em comércio e direito interna-
cionais. É certo que assim deixaríamos de fora os avanços científicos, o ilumi-
2
Em inglês, “the West and the rest”, do sonoro conceito de Huntington, em “The Clash of Civilizations”, Foreign
Affairs, Summer 1993, p.39. (Nota do tradutor)
REFERÊNCIAS
Bengoetxea, J., MacCormick, N. e Moral Soriano, L. (2001) “Integration and Integrity
in the Legal Reasoning of the European Court of Justice”, in G. De Burca e J.H.H.
Weiler (orgs.), The European Court of Justice, pp. 43-85. Oxford: Oxford University
Press
Berman, H. (1983) Law and Revolution. The Formation of the Western Legal Tradition.
Cambridge Mass.: Harvard University Press.
Council of the European Communities (1992) Treaty on the European Union Brussels-
Luxembourg: European Union
Ehlermann, C.D. (1985) “Grotius and the European Community’s Common Fisheries
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RESUMO
O autor analisa a inserção no âmbito dos direitos fundamentais do direito à
moradia, tecendo considerações sobre seu conteúdo e eficácia.
Palavras-chave: Direito à moradia, Direitos Fundamentais, eficácia dos direi-
tos fundamentais, conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
O presente trabalho foi originalmente publicado na coletânea Arquivos de Direitos Humanos, vol. IV, pela
Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2002, obra coordenada pelos Professores Ricardo Lobo Torres e Celso
Albuquerque Mello.
Direito
vol.4, e Democracia
n.2, 2003 Canoas
Direito e vol.4, n.2
Democracia 2º sem. 2003 p.327-383
327
ABSTRACT
The author analyses the dwelling right insertion into the scope of fundamental
rights, commenting on its content and efficacy.
Key words: Dwelling right, fundamental rights, fundamental right efficacy, es-
sential content of fundamental rights.
NOTAS INTRODUTÓRIAS
Com a recente inclusão do direito à moradia no rol dos direitos funda-
mentais sociais expressamente enunciados no artigo 6º da Constituição
Federal de 1988, e não obstante a constatação de que a nossa ordem jurídi-
ca, em certa medida, já reconhecia e protegia a moradia mesmo no plano
constitucional (aspecto que será objeto de oportuno exame), não há como
negar que a questão da moradia, agora inequivocamente (pelo menos, no
nosso entender) guindada à condição de direito fundamental, assume –
pela ótica da ordem jurídica - feições novas, reclamando, talvez mais do
que nunca, especial atenção por parte dos que se ocupam do tema, seja
pela razão apontada, seja, entre outros motivos, pelo incremento galopante
da exclusão social no nosso país e pelo conseqüente agravamento do anti-
go, mas lamentavelmente cada vez mais atual problema do acesso a uma
moradia digna para largas parcelas da nossa população.
A partir do exposto e passando desde logo a anunciar os objetivos espe-
cíficos deste trabalho, buscaremos, num primeiro momento, traçar um bre-
ve perfil do direito à moradia a partir da sua condição de direito fundamen-
tal expressamente consagrado na nossa ordem jurídico-constitucional, si-
tuando o direito à moradia no contexto da teoria geral dos direitos funda-
mentais. A seguir, após tecermos algumas considerações a respeito do que
se poderia designar de crise do Estado democrático de Direito e dos direi-
tos fundamentais, passaremos a nos ocupar com a evolução, fundamenta-
ção e objeto do direito à moradia. No último segmento, à luz das premissas
e pressupostos teoréticos lançados, empreenderemos a tentativa de identi-
ficar e analisar, à luz de alguns exemplos, pelo menos parte das possíveis
aplicações concretas do direito à moradia, na condição de direito funda-
mental da pessoa humana, pela ótica de sua eficácia e efetividade. Por
derradeiro, convém consignar que renunciamos, desde logo, a qualquer
pretensão de completude, já em face da miríade de aspectos e questiona-
1
Basta referir, neste contexto, o art. 4º, inciso II, dispondo sobre o princípio da “prevalência dos direitos
humanos” no âmbito das relações entre o Brasil e os demais Estados, assim como o Título II da nossa
Constituição, portando a epígrafe “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”.
2
Assim, por exemplo, CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed.
Coimbra: Almedina, 1999, p. 369.
3
Neste sentido, por todos, MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Ed.,
1992, v. 4, p. 51-52.
4
Por esta razão, justifica-se a tendência relativamente recente, entre nós, no que diz com a utilização, pela
doutrina, da expressão Direitos Humanos Fundamentais, abrangendo as esferas nacional e internacional
de positivação. Neste sentido, v., entre outros, FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos
Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996, assim como MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais.
São Paulo: Atlas, 1997.
5
Como suporte desta afirmação, poder-se-á levar em consideração a existência tanto de instâncias supranacionais
reconhecidas e efetivas na proteção dos direitos fundamentais consagrados na Convenção Européia,
quanto a igualmente reconhecida vinculatividade da Convenção em relação aos Estados signatários. Este,
aliás, apenas um dos diversos elementos que têm levado boa parte da doutrina a sugerir ou mesmo aclamar
a existência até de um direito constitucional europeu e mesmo internacional em matéria (não exclusiva,
mas principalmente) de direitos humanos. Sobre este ponto, no que diz com a experiência européia, v.,
entre outros, PIRES, Francisco Lucas. Introdução ao Direito Constitucional Europeu. Coimbra: Almedina,
1997. Referindo-se ao plano internacional, lembrem-se – dentre outros no âmbito da doutrina pátria que
já vem se ocupando do tema - as relevantes contribuições de MELLO, Celso D. Albuquerque. Direito
Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994, assim como PIOVESAN, Flávia. Direitos Huma-
nos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. Mais recentemente, comentando
a nova Carta de Direitos Fundamentais da União Européia, apontou-se para a dupla dimensão formal e
material das posições jurídicas ali consagradas, notadamente quando a Carta alcançar sua plena
vinculatividade. Neste sentido, o ponto de vista de CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Compreensão
Jurídico-Política da Carta”. In: RIQUITO, Ana Luísa et al. Carta de Direitos Fundamentais da União
Européia. Coimbra: Coimbra Ed., 2001, p. 11.
6
O fato de os três pilares da fundamentalidade formal terem sido amplamente reconhecidos (até mesmo por
consagrados expressamente pelo Constituinte), não significa, por óbvio, que não se faça presente acirrada
controvérsia a respeito de aspectos relevantes vinculados aos mesmos, tal como revela a discussão em torno
da aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos sociais na sua dimensão prestacional, a
vinculação direta dos particulares e o alcance das assim denominadas “cláusulas pétreas” (que, para
alguns, não abrangem os direitos sociais), apenas para mencionar alguns dos pontos mais polemizados.
7
Cf. PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los Derechos Fundamentales. 6a ed. Madrid: Tecnos, 1995, p. 46-47.
8
Neste sentido já nos havíamos posicionado no nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2001, p. 35, onde, de resto, a questão terminológica e conceitual restou bem mais desenvolvida.
9
Cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Sobre o Tom e o Dom dos Direitos Fundamentais. Revista Consulex 45: 38, set.
de 2000.
10
Aqui – ainda que se reconheça a existência de argumentos significativos apontando para outra classificação
do que a adotada pelos ilustres autores – vale lembrar a lição de STRECK, Lênio Luiz & MORAIS, José
Luís Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 83 e
seguintes, destacando a dimensão necessariamente comprometida com a justiça social do Estado demo-
crático de Direito.
11
Sobre a crise da democracia e as suas relações com o “consenso de Washington”, v. especialmente SANTOS,
Boaventura Souza. Reinventar a Democracia: entre o Pré-Contratualismo e o Pós-Contratualismo. Coimbra:
Oficina do Centro de Estudos Sociais, 1998, p. 17-19.
12
Cf. FERRAJOLI, Luigi. El Estado Constitucional de Derecho Hoy: el Modelo y su Divergência de la
Realidad. IN: IBAÑEZ, Perfecto Andrés (org.). Corrupción y Estado de Derecho. Madrid: Trotta, s/d , p. 16
e seguintes.
13
Cumpre registrar, neste sentido, a advertência de FARIA, José Eduardo. “Democracia e Governabilidade: os
Direitos Humanos à Luz da Globalização Econômica”. In: FARIA, José Eduardo, (Org.). Direito e Globalização
Econômica: Implicações e Perspectivas. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 127 e seguintes, em instigante ensaio
sobre o tema.
14
Cf. a noção cunhada por Hannah Arendt, recolhida e divulgada, entre nós, por LAFER, Celso. A Reconstru-
ção dos Direitos Humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, especialmente p. 146 e seguintes.
15
Cf. SANTOS, Boaventura Souza, op. cit., p. 23 e seguintes, dentre as diversas manifestações desta nova e
perversa forma de fascismo, típica dos países tidos como periféricos ou em desenvolvimento, assume
especial relevância a crescente segregação social dos excluídos (fascismo do “apartheid social”), de tal
sorte que a “cartografia urbana” passa a ser caracterizada por uma divisão em zonas ‘civilizadas”, onde as
pessoas –ainda – vivem sob o signo do contrato social, com a manutenção do modelo democrático e da
ordem jurídica estatal, e em “zonas selvagens”, caracterizadas por uma espécie de retorno ao estado de
natureza hobbesiano, no qual o Estado, a pretexto de manutenção da ordem e proteção das “zonas
civilizadas”, passa a atuar de forma predatória e opressiva, além de subverter-se virtualmente a ordem
jurídica democrática, o que, por sua vez, leva à afirmação – também a expressão cunhada por Boaventura
Santos - do fenômeno do“fascismo do Estado paralelo”.
16
Com efeito, para MÜLLER, Friedrich. Que Grau de Exclusão Social ainda pode ser tolerado por um Sistema
Democrático?. Revista da Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre. Porto Alegre: Unidade Editorial
da Secretaria Municipal da Cultura. Edição Especial – Outubro 2000, especialmente p. 45 e seguintes,
desenvolve a idéia de que a exclusão social acelerada e aprofundada pela globalização econômica, revela-
se incompatível com um sistema democrático que efetivamente venha a merecer esta designação.
17
Cf. FARIA, José Eduardo, Democracia e Governabilidade..., cit., p. 145-146.
18
Neste sentido, BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 344
e seguintes, que, ao retratar a evolução do Estado liberal de matriz burguesa para o assim denominado
Estado Social, destaca que com este modelo de Estado “o Estado-inimigo cedeu lugar ao Estado-amigo, o
Estado-medo ao Estado-confiança, o Estado-hostilidade ao Estado-segurança...”.
19
Cf. a lição, entre outros, de GORENDER, Jacob. Estratégias dos Estados Nacionais diante do Processo de
Globalização. In: GADELHA, Regina M. F. (Org.). Globalização, Metropolização e Políticas Neoliberais. São
Paulo: EDUC, 1997, p. 80 e seguintes, que, no entanto, sustenta a manutenção do papel de destaque do
Estado nacional, muito embora com contornos diversos e mais atenuados.
20
A este respeito, v. também FARIA, José Eduardo, Democracia e Governabilidade..., cit., p. 143 e seguintes.
21
É em face da erosão crescente dos direitos sociais,e econômicos e culturais, agregada ao aumento da pobreza e
dos níveis de desemprego estrutural, que Boaventura Souza SANTOS fala na transição – para os integrantes
das classes despossuídas – de um “estatuto da cidadania” para um estatuto de “lumpencidadania’, isto é, para
uma “cidadania de trapos”, em se fazendo uma tradução literal do alemão (op. cit., p. 19). A respeito deste
fenômeno v. ainda – dentre outros – AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, Justiça Social e Neoliberalismo. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999, especialmente p. 96 e seguintes (versando a respeito das conseqüên-
cias da globalização e do ideário neoliberal em geral), assim como, mais recentemente, SARMENTO, Daniel.
“Direitos Sociais e Globalização: Limites Ético-Jurídicos ao Realinhamento Constitucional”. Revista de
Direito Administrativo nº 223: 154-155, 2001, destacando que, no âmbito do quadro de desemprego, diminui e,
por vezes, desaparece o poder de barganha dos trabalhadores e de seus sindicatos, contribuindo para o
processo de flexibilização dos direitos trabalhistas.
22
Neste sentido, v. também FARIA, José Eduardo. “Direitos Humanos e Globalização Econômica: Notas para
uma Discussão”. O Mundo da Saúde 22: 74, 1998, alertando para a perda de uma parte significativa da
jurisdição por parte do direito positivo e das instituições oficiais, em face do policentrismo que caracteriza
a economia globalizada, gerando, para além disso, um avanço de formas inoficiais ou não-oficiais de
resolução dos conflitos, de tal sorte que se coloca a indagação de como os direitos fundamentais podem ser
assegurados de forma eficiente pelo poder público quando este é relativizado pelo fenômeno da globalização,
no âmbito do qual a política (ao menos tendencialmente, poderíamos acrescentar) perde para o mercado
seu papel de instância privilegiada de deliberação e decisão.
23
Apenas para citar exemplo recente ilustrando este fenômeno, chama-se a atenção para as diversas manifestações
veiculadas em importante jornal local (Zero Hora), oriundas de cidadãos de todas as classes sociais, idades e
ramos de atividade, apoiando publicamente a execução sumária, possivelmente (segundo apontam os noticiári-
os) por integrantes da Brigada Militar, de supostos autores do homicídio de uma policial militar, ou, pelo menos,
de notícias censurando o fato de os suspeitos da execução estarem sendo investigados e processados.
24
Aqui lembramos, entre outros instrumentos internacionais, a Convenção Internacional sobre a eliminação de
todas as formas de discriminação racial (1969), cujo art. 5º assegura, sem discriminação por motivos de
raça, cor, nacionalidade ou origem étnica, entre outros direitos, o direito à moradia. Em termos semelhan-
tes, também as Convenções Internacionais sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra
a mulher (1979), a Convenção Internacional sobre os direitos das crianças (1989), bem como a Convenção
sobre a proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes (1990), contém dispositivos reconhecendo um
direito à moradia, com alguma variação no que diz com dimensões específicas deste direito.
25
Assim, por exemplo, costuma ser referido uma disputa envolvendo o Chipre e a Turquia (1976), versando sobre
a evicção de cipriotas gregos, imputada à Turquia, ocasião na qual a Comissão Européia teve as evicções
como constituindo uma violação do direito à proteção da moradia. No caso Mellacher e outros contra a
Áustria (1989), julgado pela Corte Européia de Direitos Humanos, foi reconhecida a possibilidade de
controle da legislação nacional a respeito de locações, inclusive estabelecendo restrições aos direitos do
proprietário (cf. referências feitas por SACHAR, Rajindar, The Right to Adequate Housing: The Realization of
Economic, Social and Cultural Rights, relatório apresentado em junho de 1993, à Comissão de Direitos
Humanos da ONU, acessado pela Internet pelo seguinte endereço: http://www.undp.org/um/habitat/
rights/s2-93-15.html, p. 22-23)
26
Para um primeiro contato com o texto da nova Carta Européia, sugere-se a leitura de recente obra coletiva
da autoria de RIQUITO, Ana Luísa et. al. Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia. Coimbra:
Coimbra Ed., 2001, já citada.
27
Cf. LECKIE, Scott. “The Right to Housing”. In: EIDE, Asbjorn, KRAUSE, Catarina & ROSAS, Allan (Ed.).
Economic, Social and Cultural Rights. Dordrecht-Boston-London: Martinus Nijhoff Publishers, 1995, p. 109
e 116-120.
28
Id., ibid., p. 109 e seguintes, muito embora os dados não estejam atualizados, considerando a data da
publicação do trabalho (1995).
29
Referência ao voto da relatora do Projeto de Emenda Constitucional, citado na pesquisa feita por SALTZ,
Alexandre. O Novo Direito Social à Moradia na Constituição de 1988: Significado, Conteúdo, Eficácia e Efetividade,
trabalho de conclusão (não publicado) da disciplina “Constituição e Direitos Fundamentais”, que integra
a estrutura curricular do Mestrado em direito da PUC/RS, ministrada pelo autor do presente ensaio.
30
Sobre este ponto, remetemos ao nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição
Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 97 e seguintes. No âmbito da jurisprudência
pátria, já se registravam decisões anteriores a Emende nº 26, reconhecendo, de certa forma, um direito
implícito à moradia (habitação) com base no estreito vínculo com a dignidade da pessoa. Apenas a título
exemplificativo, vai aqui referida a ementa do Acórdão proferido em 19.08.99 pelo Superior Tribunal de
Justiça no Resp. nº 213422, tendo como Relator o Ministro José Delgado.
31
Cf. Decisão nº 94-359, de 19.01.95, onde, todavia – para ser preciso - não se encontra uma referência expressa
e direta a um direito fundamental à moradia, mas sim, o reconhecimento de que a possibilidade de dispor
de um alojamento decente constitui um objetivo de valor constitucional, fundado na dignidade da pessoa
humana (“la possibilite pour toute personne de disposer d’un logement décent est u n objectif de valeur
constitutionnelle”).
32
Cf., paradigmaticamente, entre outros, PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Inter-
nacional, cit., especialmente p. 73 e seguintes, assim como, mais recentemente, MELLO, Celso Albuquerque.
“O § 2º do art. 5º da Constituição Federal”. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria dos Direitos
Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 1 e seguintes.
33
Cf. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. 3ª ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 1996, p. 47, em magnífico e referencial estudo sobre o tema.
34
V. por todos, ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2ª
ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 79 e seguintes. Confira-se também o nosso Dignidade da Pessoa Humana e
Direitos Fundamentais na Constituição de 1988, cit., p. 81-82.
35
Sobre o conceito e a classificação dos direitos fundamentais sociais, v. o nosso Os Direitos Fundamentais Sociais
na Constituição de 1988. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Direito Público em Tempos de Crise – Estudos em
Homenagem a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1997, especialmente p. 140 e seguintes.
36
Cf. dentre outros, HÖFLING, Wolfram. “Anmerkungen zu Art. 1 Abs. 3 Grundgesetz”. In: SACHS, Michael
(Org.). Grundgesetz-Kommentar. München: C.H. Beck, 1996, p. 109-110. assim como MAUNZ, Theodor &
ZIPPELIUS, Reinhold. Deutsches Staatsrecht. 29ª ed. München: C.H. Beck, 1994, p. 182. Na França, a
íntima ligação entre os direitos sociais e a dignidade da pessoa encontra-se referida por PAVIA, Marie-
Luce. “Le Principe de Dignité de la Personne Humaine: um Nouveau Principe Constitutionnel”. In:
CABRILLAC, Rémy, ROCHE-FRISON, Marie-Aenne & REVET, Thierry. Droits et Libertés Fondamenteaux.
4ª ed. Paris: Dalloz, 1997, p. 109-110, valendo-se do exemplo de um direito fundamental à moradia, a partir
do reconhecimento da moradia como objetivo e valor de matriz constitucional pelo Conselho Constituci-
onal. Também na Bélgica, sustenta-se que o direito a uma existência com dignidade implica o reconheci-
mento de um direito aos meios de subsistência mínimos, especialmente no âmbito da assistência social.
Neste sentido, v. DELPÉRÉE, Francis. “O Direito à Dignidade Humana”. In: BARROS, Sérgio R. &
ZILVETI, Fernando A. (Coord.). Direito Constitucional. Estudos em Homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira
Filho. São Paulo: Dialética, 1999, p. 156 e seguintes. Assim também, JORGE MIRANDA, Manual de Direito
Constitucional, cit., v. 4, p. 186 (ao menos é o que se infere da referência a diversos direitos sociais). Entre
nós, e mais recentemente, NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. “O Direito Brasileiro e o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana”. Revista de Direito Administrativo 219: 247, 2000, advoga, com amparo na
dignidade da pessoa humana, um direito a uma existência material mínima.
37
Apud CORDEN, Anne & DUFFY, Katherin. “Human Dignity and Social Exclusion”. In: SYKES, Rob &
ALCOCK, Pete (Org.). Developments in European Social Policy – Convergence and Diversity. Bristol: The
Policy Press, 1998, p. 110.
38
Cf. a oportuna menção de MODERNE, Frank. “La Dignité de la Personne Comme Principe Constitutionnel
dans les Constitutions Portugaise et Française”. In: MIRANDA, Jorge (Org.). Perspectivas Constitucionais
– nos 20 anos da Constituição de 1976. Coimbra: Coimbra Ed., 1997, v. 1, p. 220.
39
Cf. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Grundlinien der Philosophie des Rechts. Frankfurt: Suhrkamp, 1991, v. 7, p. 102.
40
Cf. CUNHA, Sérgio Sérvulo da. “Direito à Moradia”. Revista de Informação Legislativa 127: 49, 1995. Também
VIANA, Rui Geraldo Camargo. “O Direito à Moradia”. Revista de Direito Privado, abril/junho 2000, p. 9,
destaca a vinculação do direito à moradia com o direito à vida e uma existência digna. Registre-se, ainda
quanto a este ponto, que também pelo prisma do direito internacional, o que decorre inclusive de previsão
expressa do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o direito à moradia, assim
como o direito à alimentação, integra o direito à um adequado padrão de vida. Neste sentido, dentre
tantos, CRAVEN, Matthew. The International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights – A Perspective
on its Development. Oxford: Clarendon Press, 1995, p. 330.
41
Cf. LOPES, José Reinaldo de Lima. “Cidadania e Propriedade: Perspectiva Histórica do Direito à Moradia”.
Revista de Direito Alternativo, 1993, p. 121, igualmente, em importante ensaio, sinalando a direta conexão do
direito à moradia com o direito à vida (p. 133).
42
Cf. TORRES, Ricardo Lobo. “O Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais”. Revista de Direito Adminis-
trativo 177: 29, 1989, que, em paradigmático e pioneiro estudo sobre o mínimo existencial, destaca que este
carece de um conteúdo específico, já que pode abranger qualquer direito, ainda que não originariamente
fundamental, desde que considerado em sua dimensão essencial e inalienável. Não obstante neste
primeiro estudo o ilustre doutrinador Fluminense não tenha feito menção expressa ao direito à moradia
como exemplo de direito fundamental, tal veio a ocorrer, recentemente, em outro texto de crucial
relevância para a discussão da problemática dos direitos fundamentais, admitindo,que no concernente aos
indigentes e às pessoas sem-teto à moradia é direito fundamental, integrando-se ao mínimo existencial e
tornando obrigatória até mesmo a sua prestação pelo Estado (cf. TORRES, Ricardo Lobo. “A Cidadania
Multidimensional na Era dos Direitos”. In: TORRES, Ricardo Lobo. (Org.). Teoria dos Direitos Fundamen-
tais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 289).
43
Em síntese, fundamos nosso entendimento na circunstância de que todos as posições jurídicas elencadas no
Título II (dos Direitos e Garantias Fundamentais) são fundamentais num sentido formal (e de acordo com
este critério o atributo da fundamentalidade parece inquestionável) e material, ainda que em virtude de
uma necessária presunção de sua fundamentalidade material, mesmo que esta – e isto se admite em diversos
casos – possa ser questionada, notadamente pelo critério de sua indispensabilidade para a dignidade da
pessoa. De qualquer modo, não havendo como aprofundar aqui a discussão, remetemos ao nosso A Eficácia dos
Direitos Fundamentais, cit., e, para uma visão da respeitável posição divergente, à fecunda obra do Prof.
RICARDO LOBO TORRES, já referida, dentre outras que aqui poderiam ser citadas.
44
Aqui acompanha-se a distinção que já havia sido traçada por Carl Schmitt, entre Poder Constituinte
(Verfassungsgeber) e Legislador Constituinte (Verfassungsgesetzgeber)
45
Entre nós, vale lembrar a lição do saudoso Professor e Desembargador Gaúcho RUY RUBEN RUSCHEL
(Direito Público em Tempos de Crise..., cit., p. 145-155), alertando para a necessidade de uma releitura (à luz
da Constituição e do princípio da função social da posse da propriedade) do art. 524 do Código Civil e da
própria definição de posse, sustentando a necessidade do uso e gozo do bem secundum beneficium
societatis. Também adotando esta linha de entendimento, convém lembrar, entre outros, os preciosos
ensinamentos de FACHIN, Luiz Edson. “Novas Limitações ao Direito de Propriedade: do Espaço Privado
à Função Social”. Revista de Direito da Universidade de Santa Catarina 11: 33-46, 1999; TEPEDINO, Gustavo.
Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, assim como ARONNE, Ricardo. Por uma Nova
Hermenêutica dos Direitos Reais Limitados: das Raízes aos Fundamentos Contemporâneos. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001, todos convergindo no sentido de uma necessária interpretação dos institutos jurídicos
sobre a posse e propriedade à luz da Constituição, da dignidade da pessoa e dos direitos fundamentais.
46
Neste sentido, merece destaque a recente e notável contribuição de FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico
do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
47
A respeito de uma possível distinção entre direitos fundamentais e direitos patrimoniais, v. a interessante
contribuição de FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantias. La Ley del más Débil. Madrid: Ed. Trotta, 1999, p.
45-50. Desde logo, para não quedarmos omissos, destacamos que - compreendida pela perspectiva de seu
conteúdo socialmente útil e de sua possível dimensão existencial - a propriedade constitui direito fundamen-
tal na sua dupla vertente formal e material, não apresentando necessariamente caráter exclusivamente
patrimonial. De qualquer modo, dada a ausência de hierarquia formal entre as normas constitucionais e
tendo em conta a conhecida e prestigiada tese (basta aqui lembrar a abalizada lição de JORGE MIRANDA,
Manual de Direito Constitucional, cit., v. 2, de que em favor das normas constitucionais em sentido formal milita
uma presunção de sejam materialmente constitucionais), eventual decisão em prol da relativização da
propriedade, deverá ocorrer mediante uma cuidadosa ponderação de bens e levar em conta a maior ou menor
conexão da propriedade com outros valores essenciais, notadamente, com a dignidade da pessoa humana.
48
Tal entendimento mostra-se coerente com a conceituação da dignidade da pessoa humana por nós apresen-
tada em trabalho anterior, sustentando que a dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e
distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado
e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a
lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua
participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos.” (Cf. o nosso Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais...., cit., p. 60).
49
Tal como disposto no parágrafo 8º do Comentário-Geral nº 4 a respeito de um direito à moradia adequada
editado pela Comissão de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. A síntese ora efetuada foi
extraída do relatório elaborado por SACHAR, Rajindar, op. cit., p. 17-18.
50
A respeito destes critérios qualitativos, destacando, em síntese, os elementos já referidos, v. também as
ponderações de MATTHEW CRAVEN, op. cit., p. 344 e seguintes.
51
No presente trabalho não cuidaremos da dimensão específica dos assim denominados deveres fundamentais,
mas, por outro lado, não poderíamos deixar de referir a existência, paralela e conexa ao reconhecimento de
direitos fundamentais, de um complexo de deveres por parte dos destinatários e dos próprios titulares dos
direitos. A respeito da teoria geral dos deveres fundamentais, v. em língua portuguesa, especialmente
NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 18-181.
52
Neste sentido, ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: CEC, 1997, p. 47 e seguintes
(especialmente p. 62 e seguintes). Entre nós, notadamente no que diz com a distinção entre texto e norma,
vale lembrar o contributo de GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo:
Malheiros, 1997, p. 164 e seguintes. Mais recentemente e no mesmo sentido, com referência expressa ao
pensamento de Eros Grau, v. também STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1999, p. 16, nota de rodapé n 2.
53
Sobre a classificação adotada, v. especialmente a fundamentação de ROBERT ALEXY, op. cit., p. 419 e
seguintes, posição da qual comungamos e que nos parece plenamente conciliável com o direito constitu-
cional positivo pátrio. Para tanto, remetemos ao nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 156 e
seguintes. Enunciando – e fundamentando com consistência – uma concepção alternativa (mais atrelada
à tradicional classificação de Jellinek, atualmente sustentada, entre outros, por Vieira de Andrade e,
entre nós, por Edilsom Pereira de Farias) v. a bela contribuição de MELLO, Cláudio Ari. “Os Direitos
Sociais e a Teoria Discursiva do Direito”. Revista de Direito Administrativo 224: 242, 2001.
54
Cf. HOLMES, Stephen & SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rights – Why Liberty Depends on Taxes. New York:
W.W. Norton & Company, 1999, especialmente p. 35-48, partindo da premissa de que mesmo para a
garantia (efetivação) das liberdades e dos direitos de propriedade e vida, torna-se indispensável a alocação
de 0recursos para disponibilizar todo um aparato estatal (Juízes, policiais, etc) que possam assegurar que
os direitos reconhecidos pela Constituição sejam tornados efetivos, de tal sorte que também os direitos
tido como negativos implicam custos.
55
Nesta direção a advertência de AMARAL, Gustavo, Direito, Escassez & Escolha. Rio de Janeiro: Renovar,
2001, p. 71.
56
Consoante já havíamos anunciado em estudo anterior, a relação entre os direitos negativos (de defesa) e
prestacionais não obedece a uma dialética do antagonismo, mas sim, a uma dialética da recíproca
complementação. Neste sentido, v. o nosso Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988, cit., p. 151.
57
Aqui convém relembrar a distinção largamente aceita entre eficácia jurídica (como possibilidade de a norma
gerar os efeitos que lhe são próprios) e eficácia social (ou efetividade) como sendo a concreta realização no
plano dos fatos destes efeitos jurídicos.
58
Cf. MIRANDA, Jorge. “Os Direitos Fundamentais – sua Dimensão Individual e Social”. Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política 1: 201, 1992. Aproximando-se deste conceito, não obstante situado em outro
contexto – encontramos a definição de WOLKMER, Antonio Carlos. “Direitos Políticos, Cidadania e
Teoria das Necessidades”. Revista de Informação Legislativa 122: 278, 1994, que vincula os direitos sociais à
necessidade de se assegurar as condições materiais mínimas para a sobrevivência e, para além disso, para
a garantia de uma existência com dignidade.
59
Assim, neste sentido, efetivamente haverá de se reconhecer, com Holmes e Sunstein, que todos os direitos
fundamentais também apresentam uma faceta positiva. Especificamente versando sobre a dimensão negativa
e positiva do direito à saúde, v. SARLET, Ingo Wolfgang. “Algumas Considerações em Torno da Eficácia e
Efetividade do Direito à Saúde na Constituição de 1988”. Revista Interesse Público 12: 91-107, 2001.
60
Sobre o tema, vale conferir sobretudo a lição de ROBERT ALEXY, op. cit., p. 173-245.
61
Para uma visão panorâmica sobre as diversas obrigações gerais e específicas atribuídas aos Estados pelo Comitê
da ONU, no âmbito da proteção internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, com ênfase no
direito à moradia, v. o relatório de SACHAR, Rajindar, op. cit., especialmente p. 10-16.
62
Para efeito deste ensaio, adotamos a já clássica distinção – entre nós consagrada por José Afonso da Silva -
entre eficácia jurídica (ou simplesmente eficácia), considerada esta como a possibilidade de na norma
jurídica gerar os efeitos que lhe são próprios, e a efetividade (ou eficácia social) como sendo a realização
concreta destes efeitos no plano dos fatos. Para um maior desenvolvimento deste ponto, v. SILVA, José
Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1982.
63
Esta a lição, dentre outros, de RUSCHEL, Ruy Ruben. “A Eficácia dos Direitos Sociais”. Revista da Associação
dos Juízes do Rio Grande do Sul 58: 294-295,1993. Neste contexto, vale citar o art. 18/1 da Constituição
Portuguesa de 1976, o art. 332 da Constituição do Uruguai, o art. 1º, inc. III, da Lei Fundamental da
Alemanha e o art. 53.1 da Constituição Espanhola de 1978.
64
Apenas para adiantar a questão, vale frisar que, ao sustentarmos a aplicabilidade imediata de todas as normas
de direitos fundamentais, estamos nos referindo à possibilidade de todas as normas encontrarem – na
medida de sua eficácia – alguma aplicação direta, sem necessidade de intermediação legislativa. Convém
lembrar, neste sentido, o fato de que expressiva doutrina reconhece que mesmo normas de cunho
inequivocamente programático podem gerar a inconstitucionalidade de normas em sentido contrário ou
servirem de parâmetro para a interpretação conforme a Constituição. Bastariam, portanto, estes singelos
exemplos, para demonstrar que inexiste norma constitucional destituída de aplicabilidade direta.
65
Neste sentido, por exemplo, PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1995, p. 90.
66
Esta a posição de FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. “A Aplicação Imediata das Normas Definidoras de
Direitos e Garantias Fundamentais”. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo 29: 35, 1988, um
dos mais ilustres representantes desta corrente.
67
Neste sentido posicionam-se, entre outros, GRAU, Eros Roberto, op. cit., p. 322 e seguintes, e RUSCHEL, Ruy
Ruben, op. cit., p. 294 e seguintes.
68
Assim, por exemplo, leciona FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves, A Aplicação Imediata..., cit., p. 38.
69
Esta a lição de DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus Efeitos. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 104.
70
Neste sentido, v. TEIXEIRA, João Horácio Meirelles. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1991, p. 317 e seguintes; SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 73 e 86 e seguintes; assim como,
mais recentemente, em excelente estudo sobre as normas programáticas, FERRARI, Regina Maria Macedo
Nery. Normas Constitucionais Programáticas – Normatividade, Operatividade e Efetividade. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2001, especialmente p. 101 e seguintes.
71
Este o entendimento, por exemplo, de BARROSO, Luís Roberto, op. cit., p. 107-108.
72
Cf., entre outros, PATTO, Pedro Maria Godinho Vaz. “A Vinculação das Entidades Públicas pelos Direitos,
Liberdades e Garantias”. Documentação e Direito Comparado 33/34: 480,1988.
73
Esta a lição de PIOVESAN, Flávia. “Constituição e Transformação Social: a Eficácia das Normas Constitu-
cionais Programáticas e a Concretização dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Revista da Procuradoria-
Geral do Estado de São Paulo 37: 73,1992.
74
Assim também PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas..., cit., p. 92.
75
Cf. GRAU, Eros Roberto. op. cit., p. 312 e seguintes.
76
Basta, novamente, referir o exemplo da “proteção do consumidor na forma da lei”, cujo conteúdo programático
resta inequívoco, ainda que se trate de dispositivo constante no rol dos direitos individuais e coletivos.
77
Outra não é a lição, na Alemanha, de HESSE, Konrad, “Bestand und Bedeutung der Grundrechte in der
Bundesrepublik Deurschland”. In: Europäische Grundrechte Zeitschrift 1978, p. 433), para quem o art. 1º, inc.
III, da Lei Fundamental embasa tanto o entendimento de que os direitos fundamentais não se encontram
à disposição dos órgãos estatais, quanto impõe a estes a obrigação positiva de fazer tudo o que for necessário
à realização dos direitos fundamentais.
78
A respeito da distinção entre princípios e regras constitucionais v., por todos, especialmente ALEXY,
Robert.op. cit., p. 81 e seguintes.
79
Neste sentido, v. PATTO, Pedro M.G.V., op. cit., p. 484 e seguintes, assim como DÜRIG, Günter. “Anmerkungen
zu Art. 1 Abs. 1 bis 3 GG”. In: MAUNZ/DÜRIG/HERZOG/SCHOLZ, Grundgesetz-Kommentar. München:
C.H. Beck, 1994, v. 1, p. 43.
80
Cf. TRIBE, Laurence & DORF, Michael. On Reading the Constitution. Cambridge: Harvard University Press,
1991, p. 7.
81
Fica o registro de que o dever de proteção do Estado, para além da imposição de um dever de respeito e não-
violação (dimensão negativa propriamente dita) abrange a necessidade de praticar atos concretos no
sentido de alcançar uma proteção minimamente eficaz do direito à moradia, que, por sua vez, pode ocorrer
pela edição de atos normativos ou mesmo outros atos concretos destinados a salvaguardar a moradia
(direitos a prestações normativas e fáticas), aspecto este que será considerado logo a seguir e que diz com
a dimensão prestacional (positiva).
82
Esta a lição de BARROSO, Luís Roberto. op. cit., p. 105, ressaltando que estes direitos , de matriz liberal-
burguesa, têm a seu favor a própria lei da inércia.
83
V. o entendimento de BARBOSA, Rui. Comentários à Constituição Federal Brasileira (coligidos e ordenados por
Homero Pires). São Paulo: Saraiva, v. 2, 1934, p. 483 e seguintes.
84
Cf. a lição de MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional..., cit., v. 4, p. 277, quando refere a imediata
invocabilidade das normas exeqüíveis por si mesmas.
85
Cf. VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. op. cit., p. 256-257.
86
Id., ibid., p. 257.
87
É o que advoga BARROSO,Luís Roberto. op. cit., p. 106, referindo-se ao direito de greve (art. 9º, da CF).
88
Tal entendimento segue sustentável, ainda que se reconheça, na esteira de Holmes e Sunstein, que todos os
direitos possuem uma dimensão positiva, já que, consoante já referido, na dimensão negativa (ou seja,
quando os direitos fundamentais estiverem sendo considerados como direitos de defesa) inexistem obstá-
culos ao reconhecimento imediato de posições subjetivas pelos órgãos do Poder Judiciário.
89
Cf. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. “Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social”. Revista
de Direito Público 57/58: 242,1981.
90
Para ALEXY, Robert. op. cit., p. 173 e seguintes, os direitos fundamentais defensivos, na qualidade de direitos
subjetivos, agrupam-se em três categorias: a) direitos ao não-impedimento de ações por parte do titular do
direito; b) direitos à não-afetação de propriedades ou situações do titular do direito; c) direitos à não-
eliminação de posições jurídicas.
91
É neste contexto, entre outros aspectos que poderiam ser citados, que a doutrina e jurisprudência germânicas
passaram a reconhecer uma assim designada (e a terminologia não restou imune a críticas) eficácia
irradiante dos direitos fundamentais, considerados também como elementos integrantes de uma ordem de
valores objetiva, sobre o restante do ordenamento jurídico. Para uma compreensão da dimensão jurídico-
objetiva dos direitos fundamentais, v. dentre outros, HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der
Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg: C.F. Müller, 1995, p. 133 e seguintes (existe tradução de Luís
Afonso Heck para a língua portuguesa: HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da Alemanha.
Porto Alegre: Sérgio Fabris Editora).
92
Com efeito, o fato de estarmos diante de normas de eficácia plena, capazes de gerarem todos os seus efeitos,
inclusive na esfera subjetiva, não afasta a potencial restringibilidade destes efeitos, notadamente no que
diz com o exercício dos direitos subjetivos, de tal sorte que a possibilidade de sofrer restrições não se
constitui, em absoluto, um “privilégio” das assim denominadas normas de eficácia contida, consagradas no
direito pátrio pela obra de José Afonso da Silva.
93
Cf. aponta CRAVEN, Matthew, op. cit., p. 335 e seguintes, consignando que o direito à moradia inclui o
direito a não ser privado arbitrariamente da moradia
94
Aqui iremos desconsiderar a discussão a respeito de uma eficácia imediata (direta)ou mediata (indire-
ta) do direito à moradia e dos direitos fundamentais em geral no âmbito das relações entre particu-
lares, partindo do pressuposto de que tal eficácia ocorre, implicando uma vinculação não apenas do
legislador e do Poder Judiciário na esfera cível (do direito privado), mas também uma eficácia que
opera em relação aos atos dos particulares. A respeito desta temática, remetemos ao nosso “Direitos
Fundamentais e Direito Privado: Algumas Considerações em Torno da Vinculação dos Particulares
aos Direitos Fundamentais”. In: __. (Org.). A Constituição Concretizada: Construindo Pontes com o
Público e o Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 107-164. De qualquer modo, em face
da amplitude e complexidade do problema da eficácia do direito à moradia na órbita jurídico-privada,
aqui não faremos mais do que algumas referências, imprescindível a realização de estudo de maior
envergadura.
95
A respeito da necessária hierarquização no âmbito de uma igualmente impositiva interpretação tópico-
sistemática, v. os preciosos contributos de FREITAS, Juarez. Interpretação Sistemática do Direito. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 49 e seguintes, assim como, mais recentemente, PASQUALINI, Alexandre. Hermenêutica
e Sistema Jurídico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 89 e seguintes.
96
Sobre a temática específica das restrições (e, de modo geral, dos limites) dos direitos fundamentais (abran-
gendo a colisão de direitos e a problemática da ponderação de interesses) v., representando a doutrina
alienígena, a lição de ALEXY, Robert. op. cit., p. 267 e seguintes. Entre nós, já se registra a produção de
farta e qualificada literatura a respeito, destacando-se, dentre outros trabalhos e restringindo-nos aqui à
principal produção monográfica, as obras de STUMM, Raquel Denise. Princípio da Proporcionalidade no
Direito Constitucional Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995; BARROS, Suzana de Toledo. O
Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais.
Brasília: Brasília Jurídica, 1996; FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A Honra, a Intimidade, a
Vida Privada e a Imagem versus a Liberdade de Expressão e Informação. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1996;
SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000;
MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mártires & BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000; STEINMETZ, Wilson
Antonio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advoga-
do, 2001, e, mais recentemente, SCHÄFFER, Jairo. Direitos Fundamentais. Proteção e Restrições. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
97
Aqui vale registrar que no âmbito daquilo que a doutrina majoritária, especialmente na esteira de Robert
Alexy, convencionou designar de ponderação de bens (ou interesses), sempre ocorre – como bem demons-
trou Juarez Freitas – uma hierarquização de valores, princípios ou normas (note-se, que, ao contrário de
Alexy, o notável jurista gaúcho adota uma outra abordagem do sistema jurídico, como englobando as três
categorias já referidas).
98
Cf. FREITAS, Juarez. “Tendências Atuais e Perspectivas da Hermenêutica Constitucional”. Revista da
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – AJURIS 76: 406, 1999.
99
Cf. decisão no Agravo de Instrumento nº 70000649350, do dia 28.03.2000, 1ª Câmara Especial Cível do TJRS.
Nesta mesma linha, inclusive reproduzindo trecho da decisão proferida no Agravo de Instrumento citado,
situa-se o Acórdão em sede de Embargos Infringentes (Embargos nº 70.003.0178.78, 8º Grupo Cível),
relatado pelo Des. Paulo Monte Lopes e julgado no dia 09.11.2001.
100
Neste contexto, já se fala na existência de um princípio de vedação do retrocesso em matéria de direitos
fundamentais, temática que, embora ainda não esteja suficientemente difundida e versada entre nós, tem
encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrá-
tico de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional. Dentre a literatura pátria, versando especi-
ficamente a respeito da proibição de retrocesso, v. o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 373
e seguintes, assim como o igualmente da nossa lavra “O Estado Social de Direito, a Proibição de Retrocesso
e a Garantia Fundamental da Propriedade”. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS 17: 111-132, 1999
(embora aqui priorizando a perspectiva alemã). Também entre nós, confira-se, ainda, o contributo de
STRECK, Lenio Luís Hermenêutica Jurídica e (m) Crise..., cit., p. 31 e seguintes. No âmbito da literatura
estrangeira, v. especialmente a posição favorável (mas prudente) de CANOTILHO, Joaquim José Gomes.
Direito Constitucional e Teoria da Constituição..., cit., p. 326 e seguintes, afirmando, em síntese e, no nosso
sentir, com inteira razão, que “a liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade
têm como limite o núcleo essencial já realizado.”
101
A respeito dos limites materiais à reforma constitucional e mesmo enfrentando o tema específico e contro-
verso (dada a existência de posições antagônicas) dos direitos sociais na sua condição de ‘cláusulas
pétreas”, existe farta e boa doutrina nacional. Neste sentido, remetemos para a leitura, para além do nosso
a Eficácia dos Direitos Fundamentais, cit., p. 353 e seguintes, onde desenvolvemos o ponto, às recentes e
importantes contribuições de COSTA E SILVA, Gustavo Just da. Os Limites da Reforma Constitucional. Rio
de Janeiro: Renovar, 2000, assim como VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição e sua Reserva de Justiça – Um
Ensaio sobre os Limites Materiais ao Poder de Reforma. São Paulo: Malheiros, 1999.
102
Na doutrina alienígena, notadamente de matriz germânica, o reconhecimento de uma proibição de retroces-
so social alcançou relevância como modo de fundamentar constitucionalmente a proteção dos direitos
sociais assegurados na legislação infraconstitucional, especialmente em face da ausência de previsão
expressa da figura dos direitos adquiridos e pelo fato de que na Alemanha (assim como em outras
Constituições da Europa) praticamente não foram previstos direitos fundamentais sociais no plano do
direito constitucional positivo. Importa, ainda, repisar – para espancar eventuais incompreensões – que
comungamos do entendimento de que mesmo as normas tidas como de eficácia limitada (mas sempre com
eficácia) são – nos limites da sua possível eficácia – imediatamente (isto é, diretamente) aplicáveis.
103
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra: Coimbra Ed.,
1982, p. 374. Registre-se, por conveniente, que muito embora o próprio autor tenha revisto e até mesmo
considerado como superadas boa parte das suas idéias expostas na obra ora citada (recomenda-se aqui a
leitura do prefácio da segunda edição, veiculada no ano de 2001), no que diz com a proibição de retrocesso
e suas conseqüências, de modo geral foram mantidos os elementos nucleares da concepção original, do que
dá conta a versão mais recente da sua Teoria da Constituição, já citada mais acima.
104
Neste sentido já se haviam posicionado CANOTILHO, José Joaquim Gomes & MOREIRA, Vital. Funda-
mentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Ed., 1991, p. 131, afirmando que os direitos a prestações sociais
assumem, neste contexto, a condição de típicos direitos de defesa.
105
Cf., dentre tantos, MEIRELLES TEIXEIRA, João Horácio, op. cit., p. 343 e seguintes; RUSSOMANO,
Rosah. (“Das Normas Constitucionais Programáticas”. In: BONAVIDES, Paulo et al. As Tendências Atuais
do Direito Público. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 281 e seguintes); SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 147
e 156 e seguintes; e, mais recentemente, na esteira de BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. op. cit.,
p. 243; BARROSO,Luís Roberto. op. cit., p. 243, todos sustentando, em síntese, o direito de o indivíduo
opor-se judicialmente ao cumprimento de regras ou à sujeição de atos que o venham atingir pessoalmente
e que sejam contrários ao sentido do preceito constitucional.
106
Este justamente (Direitos não nascem em Árvores) o instigante título ostentado pela bela dissertação de
Mestrado defendida recentemente na UERJ, sob o competente orientação de RICARDO LOBO TOR-
RES, pelo hoje já mestre e professor FLÁVIO GALDINO, em janeiro de 2001, ainda não publicada.
107
Cf. Acórdão nº 29/2000, 1ª Secção, relatado pelo Conselheiro Artur Maurício, reproduzindo, neste ponto, o
que já havia sido decidido no Acórdão nº 131/1992, tido como o “leading case” do Tribunal Constitucional
nesta matéria (direito à moradia como direito a prestações).
108
Especificamente a respeito deste tema, lembramos a já referida e recente obra de REGINA FERRARI, op. cit.
109
Para tanto, v. , entre outros, CANOTILHO, Joaquim José. Direito Constitucional e Teoria da Constituição...,cit.,
p. 444, discorrendo sobre os diversos modos de positivação dos direitos fundamentais econômicos, sociais
e culturais.
110
Sobre os diversos efeitos jurídicos das normas habitualmente designadas de eficácia limitada (de cunho
programático e/ou impositivo de legislação e ações concretas do poder público) v. o nosso A Eficácia dos
Direitos Fundamentais, cit., p. 268 e seguintes. Consigne-se, ainda neste contexto, que quando versamos
sobre a dimensão negativa do direito à moradia, já se fez referência a uma série de efeitos importantes
inerentes ao direito à moradia, plenamente compatíveis mesmo com sua perspectiva programática.
111
Cf., paradigmaticamente, ALEXY, Robert. op. cit., p. 435 e seguintes, não obstante seja objeto de ampla
controvérsia a possibilidade de subjetivação nesta esfera, isto é, de se reconhecer uma dimensão jurídico-
subjetiva dos direitos à proteção. Como contraponto (muito embora haja apenas parcial divergência), vale
mencionar as ponderações de HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland,
cit., p. 156.
112
Ainda neste contexto, vale colacionar a solução adotada na Bélgica, onde o legislador previu a possibilidade,
limitada no tempo e não sem uma devida compensação, de requisitar – com o objetivo de uma colocação
provisória de pessoas desabrigadas – imóveis que se encontram vazios. A respeito deste ponto, bem como
sobre a problemática em geral do direito à moradia na Bélgica, v. o contributo de FIERENS, Jacques. “Le
Droit à un Logement Décent”. In: ERGEC, Rusen (Dir.). Les Droits Économiques, Sociaux et Culturels dans
la Constitution. Bruxelas: Bruylant, 1995, especialmente p. 247 e seguintes.
113
Note-se que boa parte dos institutos previstos no Estatuto da Cidade já encontravam previsão expressa no
nosso ordenamento, esperando-se que a regulamentação da nova Lei e os ajustes indispensáveis para sua
adequada e eficiente aplicação, seja pelo Legislador, seja pelo Executivo e pelo Judiciário, venham a
corresponder às suas evidentes potencialidades.
114
Para além de um quase inevitavelmente frágil sistema de controle de constitucionalidade por omissão,
sempre haverá como explorar os limites estabelecidos pela já referida dimensão negativa dos direitos
sociais, especialmente no que diz com uma proibição de retrocesso.
115
Discutindo com oportunidade, atualidade e profundidade a questão da escassez de recursos e o papel do
Direito e dos Tribunais nesta seara, v., entre nós, AMARAL, Gustavo. op. cit., especialmente p. 133 e
seguintes, sem que aqui estejamos esquecendo da circunstância, já referida no presente trabalho, de que
os direitos negativos apresentam, num certo sentido, uma dimensão positiva (prestacional), já que no
plano da sua efetivação igualmente assume relevo o problema da reserva do possível.
116
V. FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito..., cit., 1995.
117
Cf. ALEXY Robert. op. cit., p. 494 e seguintes.
118
Sobre o conteúdo mínimo dos direitos sociais e sua conexão com a dignidade da pessoa humana, v. o recente
e excelente aporte de BARCELLOS, Ana Paula, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais. O Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, especialmente p. 247 e seguintes. Não
obstante não tenha havido uma abordagem específica do direito à moradia, as considerações colacionadas,
assim como os exemplos pinçados, fornecem referencial argumentativo também para o direito à moradia.
119
V. a este respeito o nosso A Eficácia dos Direitos Fundamentais..., cit., p. 319, obra na qual analisamos com maior
profundidade estes e outros exemplos, bem como as principais concepções a respeito do reconhecimento de
direitos subjetivos a prestações (v. p. 272-321).
120
Sobre a noção de um direito subjetivo a prestações v. especialmente (além da obra de Alexy já referida) a magistral
formulação de CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Tomemos a Sério os Direitos Sociais, Económicos e Culturais.
Coimbra: Coimbra Ed., 1988, p. 25 e seguintes, que, além de direitos subjetivos definitivos e direitos subjetivos
“prima facie”, admite a existência de uma terceira categoria de direitos subjetivos a prestações, sustentando (na
esteira de Alexy) que há posições jurídico-prestacionais embasadas em normas impositivas de tarefas e fins
estatais que geram apenas um dever não-relacional do Estado, que pode ser caracterizado como um dever
objetivo “prima facie”, garantido por normas não vinculantes, como ocorre, por exemplo, com o direito ao
trabalho e o correspondente dever do Estado de promover uma política de pleno emprego, sem que se possa
admitir um direito do particular a um emprego. Neste contexto – muito embora não atribuindo aos direitos
sociais, de modo geral, o qualificativo de fundamentais – também TORRES, Ricardo Lobo. A Cidadania
Multidimensional....,cit., p 292 e seguintes, admite que, na esfera do mínimo existencial para uma vida com
dignidade (situação que o autor reporta ao status positivus libertatis), os direitos a prestações podem assumir a
condição de direitos subjetivos, de tal sorte que, no que nos parece essencial, tal entendimento acaba por ser
substancialmente convergente com o que estamos a sustentar. Mesmo no plano da proteção internacional,
cumpre registrar que a despeito do reconhecimento de que não se pode impor aos Estados que disponibilizem
uma moradia digna a todos os que dela necessitarem, cuidando-se de um direito de implementação progressiva,
a Comissão da ONU responsável pela controle e fiscalização do cumprimento do Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais exige que os Estados utilizem o máximo de recursos possíveis, não aceitando a
mera evasiva de que os recursos inexistem, especialmente no que diz com a necessidade de adoção de programas
viáveis de baixo custo para atendimento de padrões mínimos em matéria de direitos sociais (v., neste sentido, o
já citado relatório de SACHAR, Rajindar. op. cit., p. 12).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
121
Cf. GRIMM, Dieter. “Grundrechte und Soziale Wirklichkeit”. In: HASSEMER, W., HOFFMANN-RIEM, W. &
LIMBACH, J. (Org.). Grundrechte und Soziale Wirklichkeit. Baden-Baden: Nomos, 1982, p. 72. No mesmo
sentido, há que registrar, entre nós, a oportuna e lúcida exortação de CLÉVE, Clémerson Merlin. Temas
de Direito Constitucional (e de Teoria do Direito). São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 127, apontando para a
necessidade de uma política da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais.
122
Neste sentido, as ponderações de MÜLLER, Joerg-Paul. Soziale Grundrechte in der Verfassung?. Basel-Frank-
furt: Helbig & Lichtenhahn, 1981, p. 52.
123
Aliás, a deliberação democrática e a participação popular efetiva nos processos de tomada de decisões no que diz
com as opções tomadas no âmbito da realização dos direitos sociais, assume lugar de destaque no contexto do
que se convencionou designar de um “status activus processualis” (Peter Häberle) dos direitos fundamentais,
bem como na necessidade de se aperfeiçoar os mecanismos de participação democrática da população, como bem
demonstram os diversos institutos consagrados pela nossa Constituição Federal de 1988 e uma série de medidas
legislativas e experiências praticadas já no nosso país. Sobre o tema, especialmente no contexto dos direitos
sociais, v., entre outros, KRELL, Andreas. “Controle Judicial dos Serviços Públicos Básicos na Base dos Direitos
Fundamentais Sociais”. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). A Constituição Concretizada: Construindo Pontes com
o Público e o Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 25-60, onde, de resto, encontra-se atual análise
do problema do papel do Poder Judiciário na esfera da efetivação dos direitos sociais.
124
Esta a lição de LOPES, José Reinaldo Lima. “Direitos Humanos, Pobreza e Globalização”. Revista da AMB 2:
49-50,1997.
125
Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, cit., p. 524 e seguintes, salientando que no âmbito
desta globalização dos direitos fundamentais, assumem relevo os direitos de “quarta geração”, notadamente
o direito à democracia (direta), o direito à informação e o direito ao pluralismo, pois deles “depende a
concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade.”
126
Cf. PÉREZ LUÑO, Antonio-Enrique. “Derechos Humanos y Constitucionalismo em la Actualidad”. In: __.
(Org.). Derechos Humanos y Constitucionalismo ante el Tercer Milenio. Madrid: Marcial Pons, 1996, p. 15,
ressaltando que “faltos de su dimensión utópica, los derechos humanos perderían su función legitimadora
del Derecho; pero fora de la experiencia y de la historia perderían sus proprios rasgos de humanidad.”
127
V. FARIA, José Eduardo. “Democracia e Governabilidade: os Direitos Humanos à luz da Globalização
Econômica”, cit., p. 154 e seguintes.
128
Impõe que se deixe aqui consignado, que o reconhecimento da dimensão programática dos direitos sociais não
impede, consoante restou demonstrado ao longo da exposição, que estejamos a tratar de preceitos destituídos
normatividade, nem mesmo que os direitos sociais, seja na condição de direitos de defesa ou direitos a
prestações, não possam alcançar eficácia e efetividade. O problema, em verdade, não está e, não se admitir o
cunho programático que os direitos sociais também possuem, mas sim, em negar às normas programáticas uma
eficácia, aplicabilidade e efetividade possíveis. Este, contudo, tema que aqui não mais pode ser desenvolvido.
129
Cf. NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 37 e seguintes. Com
isto, todavia, não estamos a desconsiderar o fato (bem demonstrado pelo ilustre autor) de que a positivação
de um extenso catálogo de direitos fundamentais, notadamente na esfera dos direitos sociais, não tenha
servido – em algumas hipóteses - como instrumentos de manipulação da sociedade.
130
Cf. KRELL, Andreas. Controle Judicial dos Serviços Públicos Básicos na Base dos Direitos Fundamentais Sociais, cit.,
p.31.
131
Cf. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Sobre o Tom e o Dom dos Direitos Fundamentais... , cit., p. 38.
132
Cf. BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial. A Derrubada da Constituição e a Recolonização
pelo Golpe de Estado Institucional. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 19 e seguintes.
RESUMO
O presente artigo tem por escopo analisar o espaço urbano atual sob duas
óticas: O Estatuto da Cidade e a Democracia Participativa, como pressupos-
tos legitimadores do desenvolvimento.
Em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, o espaço urbano é marca-
do por um déficit habitacional, inexistindo ou carecendo de infra-estrutura,
desordenando quantitativa e qualitativamente o solo urbano.
A definição da função social da propriedade urbana é um poderoso instrumento
dos municípios para a promoção do desenvolvimento urbano. Poderá ser utiliza-
do, por exemplo, para evitar a ocupação de áreas não suficientemente equipa-
das, ou a retenção especulativa de imóveis vagos ou subutilizados, para preservar
o patrimônio cultural ou ambiental, para exigir a urbanização ou ocupação com-
pulsórias de imóveis ociosos, para captar recursos financeiros destinados ao de-
senvolvimento urbano e para exigir a reparação de impactos ambientais.
Palavras-chave: Urbanismo, Estatuto da Cidade, democracia, desenvolvimento
Direito
vol.4, e Democracia
n.2, 2003 Canoas
Direito e vol.4, n.2
Democracia 2º sem. 2003 p.385-402
385
ABSTRACT
The scope of present article is to analyze the current urban space from two
points of view: the City Statute and the Participative Democracy as develop-
ment legitimating presuppositions. The urban space in underdeveloped and
developing countries presents a housing deficit, with no or scarce substructure,
quantitatively and qualitatively disordering the urban soil. The definition of ur-
ban property social function is a powerful instrument for towns to promote
urban development. It can be used to avoid occupation of insufficiently equipped
areas, for instance, or the speculative retention of vacant or underutilized real
estates, to preserve cultural or environmental patrimony, to require the compul-
sory urbanization or occupation of idle real estates, to attract financial re-
sources for urban development and to require environmental impact repair.
Key words: Urbanism, City Statute, democracy, development.
INTRODUÇÃO
O Direito Urbanístico, enquanto instrumento de análise, ganhou es-
paço a partir do momento em que entrou em vigor o Estatuto da Cidade.
Mais que uma lei regulamentadora da Constituição Federal, ele tem por
escopo primordial democratizar o espaço urbano e incluir os excluídos no
contexto urbano. Operacionaliza-se isso através de um novo conceito de
função social da cidade.
Importa, inicialmente, conhecer a distinção entre direito individual e
a função social realizadas pelo texto constitucional, como expõe Grau:
O ESTATUTO DA CIDADE
Assim, em 10.07. 2001, foi promulgada a Lei 10.257, autodenominada
Estatuto da Cidade, estabelecendo princípios e normas de Política Urba-
na para todo o território nacional. Apresenta-se, dessa maneira, como
uma lei federal de caráter nacional, a fixar normas de Direito Urbanístico
a todo o território.
É importante, nesse momento, tratar sobre Urbanismo e Direito Urba-
nístico, pois com as transformações das relações sociais, inclusive com a
expansão das cidades, muitas vezes em virtude da migração rural para a
área urbana, surgem preocupações com os aspectos urbanos, dando ense-
jo ao surgimento do Direito Urbanístico.
Cumpre observar o que relata Alfonsin sobre a conceituação da regu-
larização fundiária urbana:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estatuto da Cidade tramitou por doze anos no Congresso até ser
sancionado pelo presidente Fernando Henrique. Mesmo assim, a demora
não garantiu seu reconhecimento, entre peritos em legislação e urbanis-
tas, como instrumento eficaz de regularização de áreas urbanas. No en-
tanto, acredita-se ser imensurável e de grande relevância para o progres-
so urbano a referida Lei em estudo, pois se mostra suficiente para resolver
problemas no âmbito das cidades, sendo necessárias, para tanto, medidas
políticas, administrativas jurídicas e tributárias para maximizar a eficácia
do Estatuto, visando um desenvolvimento, primeiramente local, para, após,
refletir de maneira global em todo Estado nacional.
Os instrumentos da política urbana, trazidos pelo Estatuto da Cidade,
consubstanciam-se em verdadeiras ferramentas para o Poder Público
Municipal enfrentar a falta de planejamento urbano, objetivando ameni-
zar as desigualdades territoriais.
Indispensável, como já dito alhures, é que, o tema tratado no trabalho em
REFERÊNCIAS
ALFONSIN, Betânia de Moraes. Direito à Moradia: Instrumentos e Experiências de
Regularização Fundiária nas Cidades Brasileiras. Rio de Janeiro: Observatório de
políticas Urbanas: IPPUR: Fase, 1997. 282 p.
FERNANDES, Edésio (Org.). Direito Urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. 248 p.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1990.
MOTTA, Diana Meirelles da. Propostas de Legislação Federal sobre Política Urbana e o
Desafio da Gestão das Cidades. In: MOREIRA, Mariana (Coord.). Estatuto da Cida-
de. FUNDAÇÃO PREFEITO FARIA LIMA - CEPAM. São Paulo, 2001.482 p.
__________. Direito e Legislação Urbanística no Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988, 307 p.
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. 4a ed. São Paulo: Hucitec, 1998. 157 p.
Collar criminality
LUIZ LUISI
Professor Titular do Curso de Mestrado em Direito-ULBRA/Canoas, professor livre-docente e do Curso
de Especialização em Direito Penal, da Faculdade de Direito/UFRGS.
RESUMO
O autor faz uma breve análise dos crimes de colarinho branco, a partir de uma
visão garantista.
Palavras-chave: Direito Penal, White collar, criminalidade, garantismo.
ABSTRACT
Considering the principle of maximum certainty, the author makes a brief analysis
of white collar crimes.
Key words: Criminal law, white collar criminality, principle of maximum
certainty.
RESUMO
Este trabalho se propôs analisar o problema da observância (cumprimento) e
aplicação dos tratados internacionais na Convenção de Viena sobre o Direito
dos Tratados, de 1969.
Palavras-chave: Direito internacional, tratados internacionais, interpretação
dos tratados.
RESUMO
The purpose of this work is to analyze the problem of observance (accomplish-
ment) and application of international treaties in 1969 Vienna Convention on
the Law of Treaties.
Key words: International law, international treaties, treaty interpretation.
Direito
vol.4, e Democracia
n.2, 2003 Canoas
Direito e vol.4, n.2
Democracia 2º sem. 2003 p.407-424407
INTRODUÇÃO
Este trabalho se propôs analisar o problema da observância (cumpri-
mento) e aplicação dos tratados internacionais na Convenção de Viena
sobre o Direito dos Tratados, de 1969. E esta matéria é tratada nos artigos
26 a 30 da referida Convenção, que estudaremos a seguir.
Para tanto, em primeiro lugar, estudaremos, brevemente, o processo de
formação e entrada em vigor dos tratados, para, num momento posterior,
desvendar o modo pelo qual a Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, de 1969, trata do problema da observância e aplicação dos tra-
tados internacionais concluidos entre Estados.
1
Para o estudo da matéria vide VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, Tratados internacionais: com comentários à Convenção
de Viena de 1969, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2000, pp. 21 e ss.
2
Cf. JOSÉ FRANCISCO REZEK. Direito internacional público: curso elementar, 6.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 14.
3
CLÓVIS BEVILÁQUA. Direito público internacional, Tomo II, 2.ª ed. Rio: Freitas Bastos, 1939, p. 13.
4
VICENTE MAROTTA RANGEL. “Integração das convenções de Genebra no direito brasileiro”. In: Revista do Instituto
de Pesquisas e Estudos Jurídico-Econômico-Sociais, ano II, n.º 3. Bauru: Instituição Toledo de Ensino, jan./mar.
1967, pp. 201-202.
5
Cf. VICENTE MAROTTA RANGEL. Idem, p. 202.
6
MIRTÔ FRAGA. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado
na ordem jurídica brasileira. Rio: Forense, 1998, p. 127.
7
Cf. HILDEBRANDO ACCIOLY. Tratado de direito internacional público, Tomo II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1934, pp. 402-407.
8
Cf. MARIA DE ASSIS CALSING. O tratado internacional e sua aplicação no Brasil. Dissertação de mestrado em Direito.
Brasília: Universidade de Brasília, 1984, p. 25.
9
MARIA DE ASSIS CALSING. Idem, p. 26.
10
Cf. JOÃO GRANDINO RODAS. Tratados internacionais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 12.
11
Cf. HANS KELSEN. Teoria pura do direito, 6.ª ed. Coimbra: Armênio Amado Editora, 1984, p. 431.
12
Cf. ILC Report (1966), reproduzido em 61 Am. J. Int’l L. 248, p. 334 (1967).
13
CARLOS EDUADRO CAPUTO BASTOS. “Hierarquia constitucional dos tratados”, in Advogado: desafios e perspectivas
no contexto das relações internacionais, vol. II. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2000, p. 58.
14
Cf. JOÃO PENTEADO ERSKINE STEVENSON. Fundamentos jurídicos dos tratados internacionais: ensaio de direito público
internacional. São Paulo: [s.n.], 1939, pp. 97-101.
15
Para CLÓVIS BEVILÁQUA: “A validade dos tratados independe das mudanças constitucionais, que sofram os Estados
contratantes” (Direito público internacional: a synthese dos princípios e a contribuição do Brasil, Tomo II, cit., p. 23).
16
THOMAS BUERGENTHAL (et al.). Manual de derecho internacional público. México: Fondo de Cultura Económica,
1994, p. 87. Para este autor: “Además de la base convencional anterior, la falta de valor del derecho interno
para excusar el cumplimiento de normas internacionales es un principio indisputable y esencial del
derecho internacional” (Idem, ibidem).
17
Cf. CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988, 4.º vol. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 98.
18
Para PEDRO BAPTISTA MARTINS: “A filosofia de HEGEL tem exercido uma influência profundamente nefasta no
desenvolvimento do direito público moderno, pois que, divinizando o Estado, ela criou o fetichismo da
soberania que tem oferecido (…) as mais sérias resistências à evolução do direito internacional” (Da
unidade do direito e da supremacia do direito internacional. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 15).
19
Cf. RICARDO SEITENFUS & DEISY VENTURA. Introdução ao direito internacional público. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1999, pp. 50-51.
20
ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e
instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 47.
21
JEAN HOSTERT. “Droit international et droit interne dans la Convention de Vienne sur le Droit des Traités du 23 mai
1969”, in Annuaire Français de Droit International, Paris: Centre National de la Recherche Scientifique, 1969, p. 117.
22
Cf. JEAN HOSTERT. “Droit international et droit interne…”, cit., p. 117.
23
No Brasil, o entendimento de que o tratado eqüivale, hierarquicamente, à lei ordinária federal, é ainda
mantido pelo Supremo Tribunal Federal. Vide, nesse sentido, o criticado Acórdão n.º 80.004-SE, do STF,
de 01.06.1977, rel. do Ac. Min. CUNHA PEIXOTO, publicado na RTJ 83/809-848.
24
Vide, a respeito da consagração desse entendimento, a sentença n.º 25, de 20 de junho de 1990, da Suprema
Corte de Justiça da República uruguaia, que trata da aplicação, no âmbito interno, das normas do Direito
do Trabalho consagradas em tratados internacionais ratificados pelo Uruguai.
25
Cf. por tudo, HEBER ARBUET VIGNALI e JEAN MICHEL ARRIGHI, “Os vínculos entre o direito internacional público
e os sistemas internos”, in Revista de Informação Legislativa, ano 29, n.º 115, Brasília, jul./set. 1992, p. 417.
26
JOSÉ CARLOS DE MAGALHÃES. O Supremo Tribunal Federal e o direito internacional: uma análise crítica. Porto Alegre:
Livraria do Advogado Editora, 2000, pp. 16-17.
27
Cf. MARIÂNGELA ARIOSI. Conflitos entre tratados internacionais e leis internas: o judiciário brasileiro e a nova ordem
internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 187.
28
Cf. THOMAS BUERGENTHAL (et al.). Manual de derecho internacional público, cit., p. 87.
29
THOMAS BUERGENTHAL (et al.). Idem, p. 88.
30
Para um estudo moderno das normas e os conflitos referentes ao jus cogens na Convenção de 1969, vide, JETE
JANE FIORATI, Jus cogens: as normas imperativas de direito internacional público como modalidade extintiva dos
tratados internacionais, Dissertação de Mestrado em Direito, Franca: Universidade Estadual Paulista/
Faculdade de História, Direito e Serviço Social, 1992.
31
Cf. HILDEBRANDO ACCIOLY e G. E. DO NASCIMENTO E SILVA. Manual de direito internacional público, 13.ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1998, p. 35.
32
HILDEBRANDO ACCIOLY e G. E. DO NASCIMENTO E SILVA. Idem, p. 35.
33
Nas palavras de HILDEBRANDO ACCIOLY e G. E. DO NASCIMENTO E SILVA: “Seja como for, ocorrendo incompatibilidade
entre os textos de dois tratados, a solução não consiste em considerar um deles como nulo, visto que
através de uma interpretação judiciosa e de boa-fé é possível na maioria dos casos demonstrar que os dois
textos podem ser mantidos” (idem, ibidem).
REFERÊNCIAS
ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de direito internacional público, Tomo II. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1934.
ANDRADE, Agenor Pereira de. Manual de direito internacional público, 2.ª ed. São Paulo:
Sugestões Literárias, 1980.
ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de direito internacional público, 9.ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1997.
BASTOS, Carlos Eduardo Caputo. “Hierarquia constitucional dos tratados”. In: Advoga-
do: desafios e perspectivas no contexto das relações internacionais, vol. II. Brasília:
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Comissão de Relações
Internacionais), 2000.
BASTOS, Celso Ribeiro & MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988, 4.º vol. São Paulo: Saraiva, 1995.
BUERGENTHAL, Thomas, GROS ESPIELL, Héctor, GROSSMAN, Claudio & MAIER, Harold G.
FIORATI, Jete Jane. Jus cogens: as normas imperativas de direito internacional público como
modalidade extintiva dos tratados internacionais. Dissertação de Mestrado em Di-
reito. Franca: Universidade Estadual Paulista/Faculdade de História, Direito e
Serviço Social, 1992.
FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo
analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense,
1998.
HOSTERT, Jean. “Droit international et droit interne dans la Convention de Vienne sur
le Droit des Traités du 23 mai 1969”. In: Annuaire Français de Droit International,
n.º XV, pp. 92-121. Paris: Centre National de la Recherche Scientifique, 1969.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, 6.ª ed. Trad. JOÃO BAPTISTA MACHADO. Coimbra:
Armênio Amado Editora, 1984.
MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o direito internacional: uma
análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2000.
REZEK, José Francisco. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
________ . Direito internacional público: curso elementar, 6.ª ed. São Paulo: Saraiva,
1996.
VIGNALI, Heber Arbuet & ARRIGHI, Jean Michel. “Os vínculos entre o direito internaci-
onal público e os sistemas internos”. In: Revista de Informação Legislativa, ano 29,
n.º 115, pp. 413-420. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técni-
cas, jul./set. 1992.
RESUMO
Analisando-se o direito de demandar, a partir da teoria do abuso do direito,
procura-se analisar as alternativas processuais para adequação deste direito à
proporcionalidade e razoabilidade.
Palavras-chave: Direito processual civil, direito de demandar, ampla defesa,
tutelas inibitórias.
RESUMO
By analyzing the right to suit in view of the right abuse theory, the author analyses
the procedural alternatives to adjust this right to proportionality and reasonableness.
Key words: Civil procedural law, right to suit, right to counsel, preventive judi-
cial protection.
INTRODUÇÃO
Ao iniciarmos a pesquisa sobre o abuso do direito de demandar, cons-
tatamos que poucos doutrinadores pátrios se preocuparam com a matéria.
Além disso, as obras existentes remontam à época do anterior Código de
Processo Civil (CPC), de 1939, que fazia menção expressa aos atos prati-
cados com má-fé processual. Vale salientar que o acervo existente é de
Direito
vol.4, n.2, e2003
Democracia CanoasDireito evol.4, n.2
Democracia 2º sem. 2003 p.425-436425
comentários, especialmente ao art. 3º, do CPC da época, e destacar as
poucas obras específicas, mas de conteúdo altamente qualificado, que se
tornaram ponto de partida e referência do presente estudo.
Não obstante esse quadro de escassez, a processualística contemporâ-
nea tem se debruçado, cada vez mais, sobre o tema desafiador da atuali-
dade, a efetividade dos direitos. Com essa nova (ou velha?) demanda,
surge a necessidade de se repensar o paradigma processual. Isto deve ser
feito notadamente sobre a resposta que o sistema processual civil brasilei-
ro confere àquele que se utiliza do processo, com má-fé, agindo contra a
Jurisdição e contra a administração da Justiça, antes de fazê-lo somente
contra os interesses da parte contrária.
Finda a vigência do CPC de 1939, com a superveniência do CPC de
1973, que alterou a matéria, a promulgação de uma nova Constituição
Federal (CF), a de 1988, informando expressamente princípios definido-
res da finalidade social do processo, bem como as constantes reformas
que o sistema processual civil vem sofrendo, na atualidade, são fatos que
operaram alterações acerca da matéria. Não obstante tais alterações, os
processualistas nacionais não outorgaram à matéria a importância dis-
pensada pelos doutrinadores do início do século passado. Pretende-se,
assim, abordar o tema sob um novo ângulo, na esfera constitucional, de
modo a saber se o disposto no Código de Processo Civil está em conformi-
dade com a Constituição, não só com os princípios específicos aplicáveis à
matéria, mas também com as normas programáticas por ela estabelecidas.
A grande questão que merece análise em relação ao direito de de-
mandar (direitos de ação e de defesa), que é garantia constitucional, é se
seria possível limitá-lo, em nome de uma teoria do abuso do direito e da
efetividade da prestação jurisdicional, sem comprometer a segurança ju-
rídica, igualmente garantida pela Constituição?
1
O CPC originalmente não permitia a condenação de ofício do litigante de má-fé. Foi com a Lei n.º 8.952, de
13-12-1994, que a alteração foi introduzida. Antes tal possibilidade era rechaçada, apenas porque, segun-
do a doutrina, e em especial conforme Pontes de MIRANDA (2001, p. 381), “... não se pode pensar em decisão
de ofício se não há regra jurídica a respeito”.
2
Entendimento também expressado por Luiz Guilherme MARINONI (2001, p. 48): “As chamadas ‘medidas
necessárias’, previstas nos parágrafos (...) são meramente exemplificativas, sendo possível ao juiz determinar outras,
desde que adequadas em face dos princípios da efetividade e da necessidade, para a tutela do direito afirmado”.
REFERÊNCIAS
GUERRA, Marcelo L. Execução Indireta. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
MARINONI, L. Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998.
_______________. Tutela Específica. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo I (Arts. 1º a 45).
5a ed., São Paulo: Forense, 2001.
SÁ, Fernando A. C. de. Abuso do Direito. Coimbra: Almedina, 1997.
SILVA, Ovídio A. B. da. Jurisdição e Execução na tradição romano-canônica. 2ª ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
XABIER ETXEBERRIA
Professor de Ética e Derechos Humanos na Universidad de Deusto (Bilbao-España)
Diretor do Aula de Etica e Membro do Instituto de Derechos Humanos da mesma Universidade. Membro do
Steering Committee da Red Europea de Etica (com sede na Universidade de Lovaina) e Presidente do Comité de
Ética de hospitais en Bilbao. Forma parte do projeto «El diálogo intercultural sobre la democracia y los derechos
humanos”, dentro do projeto “Europa Múndi”, da UNESCO.
Autor de “Derechos humanos y cristianismo”, “Etica de la diferencia”, “Perspectiva de la tolerancia”, todos publicados
pela Universidade de Deusto.
RESUMO
O autor analisa os valores éticos envolvidos na atividade jornalística, discutindo
a questão da informação, da verdade, da imparcialidade e da própria propa-
ganda veiculada.
Palavras chave: Jornalismo, limites do direito de informação e publicidade,
informação.
ABSTRACT
The author analyses the ethical values involved in journalistic activity, discussing
the matters of information, truth, impartiality and the very advertisement put
on the media.
Key words: Journalism, information and publicity right limitation, information.
Palestra realizada em Santa Cruz (Bolivia), em outrubro de 2001, no Foro Internacional «Ética y Comunicación»
e, até o presente momento, nunca publicada. Agradecemos a gentil oferta do professor para inclusão nesta
publicação.
1
Tanto en vistas a precisar y jerarquizar los valores como en vistas a concretar aquellos bienes que deben ser
distribuidos a todos en justicia, es conveniente, aunque no fácil, distinguir entre necesidades básicas
objetivas (limitadas) y deseos subjetivos potencialmente ilimitados. No entro aquí en esta cuestión
porque, aunque importante, me llevaría por derroteros que me distanciarían del objetivo de estas líneas.
Sí quiero, con todo, hacer una observación que se entenderá mejor tras la lectura de este escrito: la
información que ofrecen los medios de comunicación puede considerarse vía para la realización de la
necesidad/bien básico de la participación ciudadana, aunque cabe enmarcarla en tales dinámicas de
sensacionalismo y remisión a cuestiones de la privacidad (prensa del “corazón”, escándalos, crímenes...)
que acaba sirviendo a los deseos insaciables.
2
La segunda va a ser su fácil deriva hacia el subjetivismo relativista y el positivismo: será valor todo lo que la
gente considere valioso y por el mero hecho de que lo considera valioso; deriva, por cierto, que no deja de
tener conexión con el enfoque económico-mercantil de los valores.
3
Esto es algo evidente en las agencias de prensa. Cuando Louis Havas crea en 1834 la primera de ellas, es porque
descubre que la información es una mercancía que se puede vender bien, que tiene valor de mercado.
II
Una forma sugerente de acercarse a la información como valor no
mercantil primario respecto a su valor mercantil, que nos abre además a
los valores morales que le dan consistencia, nos la proporciona la aplica-
ción a la actividad mediática de la categoría de MacIntyre de práctica.
4
Los espacios de entretenimiento y publicidad son especialmente relevantes para ofrecer, normalmente de
modo indirecto, ideales de vida y orientaciones para la acción. Piénsese, por ejemplo, en la publicidad. En
principio no deben realizarse aquellos deseos subjetivos que obstaculizan la realización de las necesidades
básicas de todos. El ideal de consumo adherido a los deseos ilimitados está concentrando los recursos
disponibles en una cuarta parte de la humanidad, quedando al menos otra cuarta parte en condiciones de
absoluta carencia respeto a sus necesidades básicas. Pues bien, la publicidad de los medios de comunicación
es un agente fundamental de la estimulación de esos deseos, con lo que de ese modo no sólo potencia una
cierta manera más que discutible de entender la vida, sino que apoya objetivamente una injusticia (no se
puede generalizar el consumo tipo occidental porque el ecosistema no lo permite; sólo es viable si está al
alcance de una minoría).
5
En Tras la virtud, Barcelona, Crítica, 1987, 233.
III
Pasemos ahora al valor de la verdad y la veracidad como inherentes a la
naturaleza de la información. Antes, con todo, una consideración válida
para todo lo que sigue. Los valores tienen inicialmente una perspectiva
6
Lo que es visto como valioso, se nos muestra por otro lado como exigencia de ser alcanzado o realizado. En
realidad, los deberes más claros se derivan del valor de la dignidad de los seres humanos, que se traduce
inmediatamente en deber de respeto de la misma. Los valores morales en los medios de comunicación se
convierten en deberes por su conexión con este valor de la dignidad.
7
Hay que reconocer las dificultades de esta tarea, dados los efectos de aceleración e inmediatez que parecen
consustanciales a los media, que traen unas consecuencias que D. Müller, inspirado en el filósofo Virilio,
sintetiza del siguiente modo: 1) si por un lado los medios de comunicación contribuyen a la formación del
espacio público, por otro lo problematizan, al dificultar, desde la velocidad y “presentismo” la comunicación
con la tradición cultural y con la acción de los actores responsables; 2) tal velocidad pone igualmente en
peligro el necesario momento de reflexión e interpretación, el momento de la complejidad; 3) la inmediatez,
el tiempo real, del que hacen gala los media, nos hace caer en la trampa de que se da una comunicación
directa que no necesita mediaciones personales, sociales y culturales; 4) la sucesión de presentes que se
devoran, por último, debilita la perspectiva histórica, dificulta situar los acontecimientos interpretados en
la densidad de una memoria y un proyecto. Ver “L’éthique, prise de vitesse par le cours du monde?, Le
Supplément 190 (1994) 51-69.
8
En su obra Journalisme et vérité, Genève, Labor et Fides, 1994.
9
Es, por ejemplo, ilusorio pensar que la información “en tiempo real” como la que ofrece la televisión es pura
objetividad: está la perspectiva del cámara, la selección, el tiempo que se dedica, el contexto mediático en
que se sitúa la emisión, etc. Incluso la falta de contextualización en la sociedad que produce el acontecimiento
filmado, algo que se da con frecuencia, supone la falta de objetividad propia de quien ofrece la epidermis,
ocultando o despistando respecto a lo que hay debajo.
IV
La actividad mediática está íntimamente relacionada con el valor de
la libertad. Ésta no sólo es el valor decisivo para el pensamiento moderno
que identifica al ser humano con su autonomía, es además un valor muy
especial, en la medida en que es también el espacio necesario para la
realización de los otros valores morales, que sólo podrán alcanzarse o sólo
merecerán el nombre de tales, si se generan en un clima de libertad.
El periodismo, en concreto, nace como una encarnación específica de
la libertad de expresión y opinión. En este sentido está ligado a las liber-
tades individuales, como se muestra claramente en la “Declaración fran-
10
En su artículo 11 se dice: “La libre comunicación de los pensamientos y de las opiniones es uno de los derechos
más preciados del hombre; todo ciudadano puede, por tanto, hablar, escribir e imprimir libremente, salvo
la responsabilidad que el abuso de esta libertad produzca en los casos determinados por la ley”
11
Inicialmente, todos imaginamos estas presiones internas como provenientes del poder empresarial de los
medios de comunicación. Pero hay también otras presiones más sutiles, a las que el periodista puede ceder
sin darse cuenta, sin buscar un punto de equilibrio adecuado: por ejemplo, aquellas que derivan de la
férrea ley de la audiencia, o del sometimiento a la ley de la novedad última que ahoga la anterior.
12
“Todo individuo tiene derecho a la libertad de opinión y expresión; este derecho incluye el de no ser
molestado a causa de sus opiniones, el de investigar y recibir información y opiniones, y el de difundirlas,
sin limitación de fronteras, por cualquier medio de expresión” (art. 19).
13
En torno a estas cuestiones puede consultarse su libro Historia y crítica de la opinión pública, México, Gustavo
Gili.
14
J.M. Ferry va en la misma línea cuando dice: “Ciertamente, no hay libertad de comunicación sin libertad de
prensa. Pero puede haber libertad de prensa sin libertad de comunicación”, en “Réflexions sur le nouvel
espace public”, en Le Supplément190 (1994) 15.
V
Todo ser humano, sentenció Kant, por el mero hecho de ser humano,
es sujeto de dignidad y en condición de tal merece respeto, que se
concreta en que nunca puede ser tratado como puro medio. Con ello
este autor sintetizaba magníficamente el valor fundamental del que
derivan los deberes a la vez más elementales e importantes. Aplicado al
campo informativo: los “objetos” sobre los que se informa son “sujetos”,
personas, son víctimas, testigos, responsables institucionales, protago-
nistas de progresos en diversos campos, etc. Como tales no pueden ser
tratados como puros medios al servicio de intereses económicos, políti-
cos o ideológicos de los diversos componentes del sistema mediático.
Igualmente, los receptores de los media son personas, que, por tanto, no
pueden ser manipuladas en función de dichos intereses. Veamos lo que
esto puede suponer.
En primer lugar, la lectura más básica, más elementalmente obligato-
ria, que hay que hacer de este principio moral es una lectura “en negati-
vo”. Los profesionales de la información no pueden tomar iniciativas que
dañen directamente a la dignidad humana: difamando, entrando en la
vida privada de las personas, etc. Hay en este sentido lo que tradicional-
mente se reconoce como derecho al honor y a la intimidad que debe ser
respetado. Aun conscientes de que a veces se muestra en tensión con el
interés público, que pide que ciertas cuestiones que inicialmente se nos
muestran propias de la vida privada de ciertas personas con importantes
responsabilidades institucionales, deban ser conocidas porque tienen re-
percusiones sobre su vida pública. Pero estos casos son los menos. En este
sentido hay que denunciar más bien la fuerte tendencia existente en los
medios y derivada del interés mercantil, a introducirse en la vida privada
de las personas, tanto de los “famosos”, como del “ciudadano corriente” –
en forma de realities show y similares-. Evidentemente, aquí es importan-
te distinguir entre si hay consentimiento de los afectados o no. Pero in-
15
La televisión, apoyada económicamente en la publicidad y/o los presupuestos del Estado, está ofreciendo
diversas cadenas de acceso general a la población y relativamente económico. Esta generalización se da
todavía más en la radio, con más fácil cobertura y mucho más económica de cara a la adquisición del
aparato receptor. Esto significa que son medios especialmente relevantes cuando se piensa en las mayorías:
un porcentaje importante, sobre todo entre los más pobres, sólo acude a ellos. Por eso deben ser cuidados
con esmero, de acuerdo a los criterios que se han ido avanzando, aunque con frecuencia sean los medios
(especialmente en el caso de la televisión) que más los incumplen. Por otro lado, fomentar y posibilitar
también el acceso de todos a la prensa escrita, con sus ventajas específicas que no han sido anuladas por
los medios más modernos, es una tarea necesaria.
OLYMPE DE GOUGES
(Setembro de 1791)
PREÂMBULO
Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam
constituir-se em uma assembléia nacional. Considerando que a ignorân-
cia, o menosprezo e a ofensa aos direitos da mulher são as únicas causas
das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem expor em
uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da
mulher. Assim, que esta declaração possa lembrar sempre, a todos os mem-
bros do corpo social seus direitos e seus deveres; que, para gozar de con-
fiança, ao ser comparado com o fim de toda e qualquer instituição políti-
ca, os atos de poder de homens e de mulheres devem ser inteiramente
respeitados; e, que, para serem fundamentadas, doravante, em princípios
Direito
vol.4, e Democracia
n.2, 2003 Canoas
Direito e vol.4, n.2
Democracia 2º sem. 2003 p.459-463
459
simples e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs devem sempre res-
peitar a constituição, os bons costumes e o bem estar geral.
Em conseqüência, o sexo que é superior em beleza, como em coragem,
em meio aos sofrimentos maternais, reconhece e declara, em presença, e
sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos da mulher e da
cidadã:
Artigo 1º
A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As dis-
tinções sociais só podem ser baseadas no interesse comum.
Artigo 2º
O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos
imprescritíveis da mulher e do homem: Esses direitos são a liber-
dade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a resistência à
opressão.
Artigo 3º
O princípio de toda soberania reside essencialmente na nação, que
é a união da mulher e do homem: nenhum organismo, nenhum
indivíduo, pode exercer autoridade que não provenha expressa-
mente deles.
Artigo 4º
A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que per-
tence a outros, assim, o único limite ao exercício dos direitos
naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem, deve
ser reformado pelas leis da natureza e da razão.
Artigo 5º
As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações nocivas à
sociedade: tudo aquilo que não é proibido pelas leis sábias e
divinas não podem ser impedidos e ninguém pode ser constran-
gido a fazer aquilo que elas não ordenam.
Artigo 6º
A lei deve ser a expressão da vontade geral: todas as cidadãs e