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MARIA FERNANDA CAMPELO MARANHÃO

CONTEXTUALIZANDO IMAGENS PARANISTAS (1940-1950): O FILME


ETNOGRÁFICO DE VLADIMIR KOZÁK E AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO PARANÁ

CURITIBA
MARIA FERNANDA CAMPELO MARANHÃO

CONTEXTUALIZANDO IMAGENS PARANISTAS (1940-1950): O FILME


ETNOGRÁFICO DE VLADIMIR KOZÁK E AS CIÊNCIAS SOCIAIS NO PARANÁ

Monografia apresentada como requisito


parcial à obtenção do grau de Especiliasta
no curso de Pós-Graduação lato sensu
em História e Geografia do Paraná da
Faculdade Padre João Bagozzi.

Orientador: Prof.Geyso Dongley Germinari

CURITIBA
2006
SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS


LISTA DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
RESUMO................................................................................................................... 1
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 2

CAPÍTULO I -CONSTRUINDO UMA IDENTIDADE PARA O PARANÁ


1.1. NACIONALISMO E IDENTIDADE REGIONAL ................................................... 3
1.2. A PROVÍNCIA EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE........................................... 5
1.3. A REPÚBLICA E O MOVIMENTO PARANISTA.................................................. 8

CAPÍTULO II – O DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS NO PARANÁ:


2.1. CONSTRUINDO CENÁRIOS............................................................................ 13
2.2. O MUSEU PARANAENSE................................................................................ 15
2.3. A FACULDADE DE FILOSIA CIÊNCIAS E LETRAS DO PARANÁ.................. 23

CAPÍTULO III – REGISTRANDO AS PESQUISAS DE CAMPO


3.1. O FILME COMO DOCUMENTO HISTÓRICO................................................. 30
3.2. A COLEÇÃO CINEMATOGRÁFICA DE VLADIMIR KOZÁK: O AUTOR E A
OBRA................................................................................................................. 32
3.3. CONTEXTUALIZANDO AS IMAGENS.............................................................. 35

CONCLUSÃO......................................................................................................... 51
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 52
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS

FIGURA 1- Da esquerda para direita: Sebastião Paraná e Romário Martins


entre os índios kaingang........................................................................................ 11
FIGURA 2- Nomeação dos auxiliares voluntários do Museu Paranaense....... 16
FIGURA 3- Inauguração da 4ª sede do Museu Paranaense............................... 17
FIGURA 4- Museu Paranaense: Sala Desembargador Ermelino de Leão......... 18
FIGURA 5- Museu Paranaense: Sala Guido Straube............................................ 18
FIGURA 6- Museu Paranaense: Sala Telêmaco Borba....................................... 19
TABELA 1- Publicação de artigos na Revista Arquivos do Museu Paranaense
no período de 1941-1953, nas diferentes áreas especializadas da
instituição............................................................................................. 19
FIGURA 7- José Loureiro Fernandes, Padre Jesus Moure e equipe partindo
para pesquisas de campo na década de 1950. Acervo Círculo de
Estudos Bandeirantes....................................................................... 25
FIGURA 8- Pesquisadores do Museu Paranaense e alunos do Curso de História
e Geografia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná.
Acervo CEPA/UFPR............................................................................ 26
FIGURA 9- Kozák entre os índios do Xingu, década de 1950........................... 33
TABELA 2- Documentários de Vladimir Kozák................................................... 34
FIGURA 10- Trem de barcaça navegando no rio Paraná, 1948......................... 38
FIGURA 11- Alça prema, utilizada no transporte de madeira............................ 39
FIGURA 12- Cataratas de Foz do Iguaçu, 1948................................................... 40
FIGURA 13- Transporte de madeiras pelo rio Paraná, 1948.............................. 41
FIGURA 14- Naturalista Carlos Goffejé exibe peles de onça caçadas para a
coleção zoológica do Museu Paranaense....................................... 42
FIGURA 15- Trem descendo a Serra do Mar, 1948.............................................. 43
FIGURA 16- Fazenda Santa Rosa. Secagem de Café, 1945............................... 47
FIGURA 17: Personagens da Congada da Lapa................................................. 48
FIGURA 18: Grupo Indígena Xetá........................................................................ 49
LISTA DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

ABA: Associação Brasileira de Antropologia


CEB: Círculo de Estudos Bandeirantes
FFCL : Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
MP: Museu Paranaense
UFPR: Universidade Federal do Paraná
1

RESUMO

O presente estudo propõe a contextualização da obra cinematográfica de


Vladimir Kozák, produzida entre as décadas de 1940 e 1950, e que constituem
acervo do Museu Paranaense, órgão da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná.
Este acervo compreende imagens do Paraná, registradas em pesquisas de
campo realizadas por pesquisadores do Museu Paranaense, os quais também eram
professores da recém inaugurada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do
Paraná. Desta forma, estas imagens que registram o homem, o território e a
paisagem, estão diretamente relacionadas à história das ciências sociais no Paraná
e as duas instituições onde este processo se desenvolveu: Museu Paranaense e
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná.
No Paraná o interesse por conhecer o homem, o território e a paisagem
paranaense, remonta a instalação da Província e teve seu auge com o Movimento
Paranista.
Dentro desta perspectiva, procuramos analisar o acervo cinematográfico de
Vladimir Kozák, a partir do desenvolvimento das ciências sociais no Paraná. A
recorrência de temas, relacionados à construção de uma identidade paranaense,
apontam para uma reinvenção do paranismo neste período.

PALAVRAS- CHAVE: identidade regional, paranismo, história das ciências sociais


no Paraná, filme etnográfico como documento histórico.
2

INTRODUÇÃO

A presente monografia surgiu da necessidade de estudar a coleção


cinematográfica de Vladimir Kozák. Esta coleção pertence ao acervo do Museu
Paranaense e compreende dezessete horas de imagens gravadas, coloridas e não
sonorizadas, que documentam aspectos antropológicos, históricos e ambientais do
Paraná, entre as décadas de 1940-50.
Como antropóloga e funcionária desta instituição, tenho pesquisado o papel
do Museu Paranaense e do antropólogo José Loureiro Fernandes no
desenvolvimento das ciências sociais no Paraná, neste período. A colaboração da
instituição na criação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras e o início do
desenvolvimento de pesquisas de campo em ciências sociais e naturais no Paraná,
registradas pelas lentes de Vladimir Kozák.
A história do Museu Paranaense, desde a sua fundação na segunda metade
do século XIX, está diretamente relacionada aos diversos momentos de construção
de uma identidade regional para o Paraná. Criado para guardar os produtos que
retornavam das exposições nacionais e internacionais, o Museu Paranaense desde
o início de sua trajetória procurou reunir e expor um acervo relacionado ao homem, o
território e a paisagem paranaense. Dirigido por Romário Martins entre 1902-1928, o
Museu Paranaense foi a instituição cultural que deu suporte a ideologia oficial do
estado durante o movimento paranista.
A partir do final da década de 1930, em sua fase científica o Museu
Paranaense em parceria com a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do Paraná,
passou a desenvolver pesquisas voltadas para o conhecimento do homem, do
território e da paisagem paranaense, em um movimento claro de reinvenção do
paranismo ou paranidade.
Para compreender o contexto em que foram produzidos os filmes de Vladimir
Kozák, optamos por desenvolver uma reflexão mais abrangente, sobre a trajetória do
Museu Paranaense, desde 1876 até a década de 1950. Partindo do colecionismo à
pesquisa científica, centramos nossa discussão nas diferentes abordagens de
elementos, considerados fundadores da identidade paranaense - o homem, o
território e a paisagem.
3

CAPÍTULO I - CONSTRUINDO UMA IDENTIDADE PARA O PARANÁ

1.1. NACIONALISMO E IDENTIDADE REGIONAL


A história da modernidade no mundo ocidental é marcada pela construção
dos Estados Nacionais. Na passagem do século XIX para o XX a Europa estava
dividida em diversas nações, as quais buscavam distinguir-se uma das outras,
através do processo de construção de uma consciência nacional.
Desta forma cabia aos governantes reforçar o patriotismo transformando
camponeses em franceses, italianos, etc.. Neste contexto os governos através de
uma ideologia nacionalista procuraram "estabelecer laços entre aqueles
considerados como tendo uma etnicidade, uma linguagem, uma cultura e um
passado histórico" (Hobsbawm, 1990; p. 204).
Para efetivação deste projeto de construção de uma consciência nacional foi
necessário um processo de homogenização linguístico e cultural, que incluía a
construção de uma história pátria, identificada por símbolos nacionais como:
bandeira, hino, lendas e heróis (Hobsbawn, 1990).
Todo este processo conduzido pelas elites formadas por intelectuais e
artistas, objetivando o surgimento de um sentimento nacional, só foi possível porque
incorporou à ideologia da nova nação, elementos que faziam parte do imaginário
popular. A literatura e as manifestações da cultura popular foram transformadas em
tradições nacionais. A exemplo da Sociedade de Folclore fundada em Londres em
1878, são criadas na Europa diversas instituições e sociedades culturais, como
museus e institutos históricos e geográficos (Hobsbawn, 1990).
No Brasil, esse comprometimento da intelectualidade com um projeto de
construção de uma nação brasileira, inicia-se com a independência da colônia. As
teorias deterministas baseadas no darwinismo social e no evolucionismo, recém-
chegadas da Europa apontavam para o fracasso da nação, devido ao caráter
deletério da mistura de raças. Schwarcz (1993) faz uma análise dos cientistas e das
instituições brasileiras no final do império e início da república, em torno da questão
racial. A temática racial estava presente nos museus nacionais, nos institutos
históricos e geográficos, nas faculdades de direito e de medicina, e constituía um
argumento científico na construção de um projeto de nação. A solução encontrada
4

pelos intelectuais para o dilema da raça e o atraso nacional, estava na tese do


branqueamento. Nesse contexto a questão da nacionalidade era buscada na
biologia e não na cultura.
Uma imagem mais positiva do Brasil começa a ser construída com a
implantação e o processo de consolidação da República. Neste período, buscou-se
uma nova identidade para a nação, não mais vinculada ao meio e a raça, mas
alicerçada na modernidade e na filosofia positivista. Segundo o positivismo de
August Comte somente o estado republicano é capaz de garantir o progresso da
nação, baseado no desenvolvimento técnico e científico e na industrialização. Dentro
dessa concepção laica o cívico substituiria o religioso.
Carvalho (1990) em “A formação das almas: o imaginário da república no
Brasil”, discute a ausência do envolvimento popular na implantação da república, e a
tentativa das elites republicanas em legitimar o novo regime e construir uma
identidade para a nação. A partir deste contexto de invenção de tradições, criam-se
mitos e símbolos, como a bandeira e o hino nacional brasileiro. A exemplo da figura
histórica de Tiradentes, mártir do regime imperial, selecionado pelo novo regime
como herói nacional. A veiculação de sua imagem pelo poder público, aos poucos
vai se tornando cada vez mais semelhante com a de Jesus Cristo, em uma clara
identificação do cívico com a religiosidade popular.
Dentro deste novo contexto político, o federalismo e a descentralização do
poder abrem espaço para a busca de identidades regionais, a exemplo do
gauchismo no Rio Grande do Sul, do bandeirantismo em São Paulo, da mineridade
em Minas Gerais e do paranismo no Paraná. Arruda (1990) em “Mitologia da
Mineiridade”, discute a ambigüidade do regionalismo, como forma de aceitação da
unidade política e ao mesmo tempo de busca de favoritismo e autonomia junto ao
governo central. Da mesma forma, para Pereira (1996, p.49):

Além de toda uma engenharia política montada para a construção de uma


imagem de República, o federalismo e a descentralização abrem espaço
para a construção de identidades regionais, a maior parte seguindo a
mesma esteira de construção de uma nova idéia de Nação, agora não
mais relacionada a questões do Meio e da Raça, mas vinculada a uma
idéia de ciência e técnica, de modernidade e indústria, de inserção em um
novo modelo econômico.
5

Para além do sentimento patriótico, havia que se criar um vínculo regional,


definir os traços específicos de cada estado. Dentro deste cenário de invenção de
identidades regionais, tudo estava por ser feito no Paraná.

1.2 A PROVÍNCIA EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE

A preocupação com a construção de uma identidade para o Paraná teve início


na segunda metade do século XIX, em decorrência dos seguintes fatores: o
processo de emancipação política e territorial da Quinta Comarca da Província de
São Paulo, a instalação da Província do Paraná, a política imigratória e a riqueza
proporcionada pela economia do mate (Trindade, 1997).
Com a criação da Província do Paraná em 1853, iniciou-se todo um processo
de desenvolvimento, o qual baseou-se na construção de obras públicas, na
agricultura de subsistência, no aumento da densidade populacional e no
conseqüente povoamento do interior. Para estes objetivos a política imigratória foi
fundamental (Trindade e Andreazza, 2001).
A capital da Província sofreu intensa urbanização e modernização,
modificando o cotidiano da população. As obras de infra-estrutura urbana
compreenderam a instalação de luz elétrica, abertura e pavimentação das ruas,
construção de edificações para abrigar as repartições para os diversos serviços
públicos, entre outras benfeitorias. A instalação de imigrantes, principalmente
alemães, em Curitiba foi responsável pelo incremento do comércio e da oferta de
serviços, assim como pela transformação da paisagem arquitetônica (Trindade,
1997).
A instalação da Província e o conseqüente desenvolvimento de Curitiba, criou
um ambiente propício para o surgimento de uma elite formada por artistas e
intelectuais, cuja contribuição foi fundamental para a construção de um estilo de vida
urbano. Passaram a fazer parte do cotidiano da cidade a circulação de jornais e
revistas como: Província do Paraná, Dezenove de Dezembro, Diário Popular, A Vida
Literária, A Galeria Ilustrada, Revista Paranaense, entre outros (Graf, 1981).
A acanhada vila, transformada em capital da província passou a oferecer aos
seus cidadãos espaços e opções de lazer e cultura. Desta forma, a população
6

começou a freqüentar os passeios e parques, além de bailes e espetáculos


promovidos pelas sociedades culturais e dramáticas.
Por iniciativa do Governo Provincial, bem como por parte da burguesia
ervateira, diversas instituições voltadas para a cultura, as artes e a educação, foram
criadas na capital, como: Arquivo Público, em 1855, a Biblioteca Pública em 1857, a
Escola de Belas Artes e Indústrias do Paraná em 1866 e o Museu Paranaense em
1876 (Carneiro, 2001).
Entretanto não bastava desenvolver a Província era preciso criar uma
identidade, distinguindo-a das demais unidades do Império. Para isso a participação
do Paraná nas feiras nacionais e internacionais foi fundamental.
As feiras nacionais realizadas no Rio de Janeiro, além do caráter comercial,
garantiam a visibilidade das diversas províncias junto ao governo imperial. Ao expor
exemplares das riquezas naturais e de produtos agrícolas e industriais, criavam-se
diferenças e especificidades que contribuíram para o processo de construção de
identidades regionais (Carneiro, 2001).
No Paraná, a necessidade de se guardar os produtos devolvidos das
Exposições Nacionais e Internacionais realizadas no Rio de Janeiro, na Europa e
Estados Unidos, resultou na criação do Museu Paranaense (Trevisan,1976).
Seus idealizadores foram José Cândido da Silva Murici e Agostinho Ermelino
de Leão, representantes da burguesia do mate, que integravam a comissão
provincial responsável pela seleção dos produtos enviados para as exposições
nacionais e internacionais.
Fundado em 1876, no antigo Mercado Municipal no Largo da Fonte, hoje
Praça Zacarias, o Museu Paranaense surge então com o objetivo de guardar e expor
objetos que representassem a terra, as riquezas naturais e o homem do Paraná
(Trevisan,1976).
Ainda no século XIX fatos marcantes enriqueceram a vida da instituição. Em
1880, o Museu Paranaense recebeu a visita de Dom Pedro II com sua comitiva.
Segundo o jornal Dezenove de Dezembro1 o imperador demonstrou grande
interesse pelo acervo queixando-se da ausência de um catálogo.
S M o Imperador dignou-se visitar este importante estabelecimento
no dia 22 do Mez passado, às 7 horas da manhã.

1
Jornal Dezenove de Dezembro 30 de junho de 1880.
7

Logo que desembarcou em Paranaguá no ithinerario então


organisado, S M destinou ao Museu sua primeira visita, distinguindo
por essa precedencia o mesmo estabelecimento, pelo qual quiz
manifestar seu interesse e animar ao mesmo tempo os esforços
empregados em prol de sua prosperidade.
Ali demorou-se quasi duas horas, examinando cuidadosamente os
productos e objetos os mais importantes que figuram nas vitrinas e
pedindo a respeito delles minusciosas informações.
Athrairam principalmente a atenção do Augusto Visitante os fosseis,
as secções de moluscos e crustaceos, assim como dos mineraes.
S M mostrou-se satisfeito com o Museu e lamentando a falta de um
catalogo de todos os objectos ahi expostos a qual tem por causa a
falta de classificação delles, manifestou desejos de ver esse
cathalogo organisado, e recomendou ao Dr. Ermelino que se
esforçasse nesse sentido, recorrendo aos profissionais do logar para
aquela classificação.

Nesse mesmo período, o Museu Paranaense participou enviando acervo para


a exposição Antropológica Brasileira, realizada no Museu Nacional, em 1882. Além
dos objetos remetidos, foi encaminhado um catálogo, com anexos, contendo artigos
lingüísticos e etnográficos de Telêmaco Borba e Frei Luiz de Cemitille2.
Em 1900, foi publicado o primeiro Guia do Museu Paranaense (Leão,1900), o
qual descreve separadamente o acervo de arqueologia e etnografia, a pinacoteca, a
numismática, as seções de mineralogia, de história natural e de história pátria.
Assim, como os primeiros museus brasileiros do século XIX, o Museu
Paranaense seguiu o modelo europeu dos museus de história natural e gabinetes de
curiosidades, marcado pela perspectiva evolucionista, pelo colecionismo e coleta
desordenada de acervo.
Somente com a república, a instituição irá adquirir um caráter científico
desempenhando ao longo de sua história um papel fundamental na construção da
identidade do estado e no desenvolvimento das ciências sociais no Paraná.

1.3 A REPÚBLICA E O MOVIMENTO PARANISTA

Com a instalação do regime republicano em 1889 a questão da identidade


cultural ganhou maior importância no Paraná, principalmente devido à disputa de

2
Telêmaco Borba foi diretor do aldeamento indígena de São Jerônimo, na região norte da Província do Paraná
no século XIX. Frei Luiz de Cemitille, da ordem dos capuchinhos, também desenvolveu suas atividades religiosas
nesse aldeamento. Ambos escreveram suas observações sobre os índios kaingang ali aldeados.
8

limites com o estado de Santa Catarina. Desta forma, tornou-se fundamental criar
um discurso e uma imagem para o estado, construir uma identidade regional e uma
história para o Paraná, criando na população local um sentimento de pertencimento
a terra (Pereira, 1996).
A tarefa de construir cidadãos para o novo regime não coube somente ao
governo. Entre as décadas de 1920-1930 desenvolveu-se no Paraná o Movimento
Paranista, que reunia políticos, artistas, literatos e intelectuais locais. Este
movimento ufanista partilhava do ideário da I República marcado pelo positivismo,
cientificismo e tinha como objetivo maior, a construção de uma identidade para o
Paraná (Pereira, 1996).
Neste sentido, a educação, a arte, a história e o civismo transformaram-se na
base das ações governamentais para a formação do cidadão. Inúmeras escolas
foram criadas e o programa de ensino foi reestruturado. As aulas de História e
Geografia, assim como as de moral e cívica ganharam especial importância. Rituais
cívicos passaram a fazer parte do cotidiano nas escolas, como: o hasteamento da
bandeira nacional, as canções patrióticas e os símbolos nacionais (Trindade,1996).
Com o apoio oficial coube aos artistas e intelectuais por sua vez, criar através
da estética e da simbologia um estilo para o movimento paranista. Desta forma,
artistas como, Zaco Paraná, Lange de Morretes, Turim, De Bonna, Viaro, entre
outros, passaram a registrar o homem e a paisagem paranaense, enaltecendo sua
força e beleza. Temas recorrentes em pinturas e esculturas eram: a natureza, os
imigrantes, o mate e o pinheiro. Este último tornou-se a árvore símbolo do Paraná.
Lange de Morretes trabalhou na estilização do pinheiro, da pinha e do pinhão
adaptando esta temática para a pavimentação das calçadas da cidade (Trindade,
1997).
Para além dos símbolos oficiais e do estilo artístico, coube a este movimento
também construir uma história regional paranaense. Era preciso demonstrar que o
Paraná possuía uma tradição histórica não sendo apenas uma terra sem fronteiras
definidas, habitada por uma população extremamente heterogênea. Nesta difícil
tarefa, o jornalista, escritor e historiador Romário Martins, teve um papel
fundamental.
Considerado a principal liderança do movimento paranista e um verdadeiro
inventor de tradições (cf. Hobsbawn,1984), Romário elaborou um discurso histórico
regional, historicista e positivista, produzindo os primeiros heróis do Estado.
9

Baseando-se no resgate e apropriação de mitos indígenas, Romário irá buscar a


origem da sociedade paranaense a partir do homem nativo e da natureza (Pereira,
1996).
Esta história que estava sendo criada para o Paraná constituiu-se a partir da
valorização de alguns momentos em detrimento da negação de outros. Negava-se
todo o passado histórico do Paraná no período em que este esteve vinculado a São
Paulo. Por outro lado, enfatizava-se um período inicial marcado por uma imagem
idealizada da ocupação indígena, em comunhão com uma natureza forte e
exuberante. A partir deste marco zero a história do Paraná daria um salto no tempo
chegando à modernidade. Modernidade esta construída no Paraná a partir da I
República, com a contribuição do trabalho dos imigrantes (Svarça,1998 e Trindade,
1997).
Além de uma vasta produção sobre história do Paraná, Romário Martins
ocupou cargos políticos e foi chefe de edição do Jornal “A República”. Criou os
símbolos do Estado do Paraná - a bandeira e o brasão, além de propor uma data
comemorativa para a fundação de Curitiba. No jornal “A República” e em outras
Revistas em que colaborou publicou diversos artigos difundindo suas idéias
paranistas (Carneiro, 2001).
Juntamente com um grupo de políticos e intelectuais, Romário Martins
participou da fundação de instituições como o Instituto Histórico e Geográfico do
Paraná, o Círculo de Estudos Bandeirantes, o Centro Paranista e a Universidade do
Paraná, com o propósito de tornar o Estado visível intelectualmente para o país
(Kersten,1998).
Como diretor do Museu Paranaense entre 1902-1928, Romário Martins
procurou transformar a instituição em uma vitrine do ideário paranista. Desta forma,
lançou-se ao seu principal projeto, dar um caráter científico à instituição, a partir do
estudo, classificação e exposição sistemática das coleções do acervo de botânica,
mineralogia, zoologia, história, arqueologia e antropologia, trazendo para a
instituição especialistas nacionais e estrangeiros (Carneiro, 2001).
Cada etiqueta de um objecto exposto, vai ser uma notícia, rapida mas
essencial, capaz de dar ao observador a noção inteira do valor da
amostra e da sua procedência, utilidade etc...; e si se tratar de materia
prima industrial o seu emprego, valor commercial, qualidade, quantidade,
origem e todas as mais informações que forem necessária a quem quizer
cuidar do seo aproveitamento.
10

Separado, como está, o joio do trigo, e dispostas em departamentos


perfeitamente definidos, as collecções, já classificadas, o trabalho a
seguir é o da etiquetagem, que completará a parte mais delicada e
penosa da nossa missão nesta casa" (Martins, 1906;p. 5-6).

Durante a sua gestão, a história regional e nacional mereceu especial


atenção. Expostos em vitrines apropriadas o acervo histórico compunha-se de
objetos de indumentária militar, armaria, varas de ouvidores e juizes, relógios,
medalhas e moedas. Também foram incentivadas doações de particulares, as quais
mereciam notícia detalhada no Jornal “A República”, onde o próprio Romário Martins
era o editor chefe (Martins,1906).
A pinacoteca foi instalada em um amplo salão, onde foram expostos diversos
retratos de políticos e personalidades ilustres em óleo sobre tela, pintados por
Alfredo Andersen em sua maioria. Destacavam-se as telas de D. Pedro II, Vicente
Machado, José Cândido Muricy e a coleção de "vistas de Curitiba", atribuídas a Elliot
e Hubenthal e os bustos em gesso de Marechal Deodoro da Fonseca, (Martins,
1906).
A arqueologia e etnologia continuaram tendo um papel relevante na
instituição, devido ao grande interesse que Romário Martins dedicava aos povos
indígenas, enquanto os primeiros habitantes do Paraná.
11

Figura 1 - Da esquerda para direita, Sebastião Paraná e Romário Martins entre os índios Kaingang

Acumulando as funções de diretor do Museu Paranaense e Deputado Estadual,


Romário Martins conseguiu a aprovação de uma lei que obrigava os comissários
de medição de terras do estado, a encaminhar à instituição, materiais
arqueológicos e amostras minerais encontradas durante as explorações (Martins,
1904).

Nas collecções de anthropologia e ethnologia concentro agora toda a


minha attenção, no sentido de impulsional-as como convém e dar-lhes um
outro relevo capaz de fazer sobre ellas girar o maior interesse do publico e
dos estudiosos. Bem melhor poderia ser representada no Museu
Paranaense a secção que recolhe os exemplares, já bem raros, por onde o
futuro hade aferir da capacidade e das qualidades dos nossos indígenas
(Martins, 1904; 32).

Dentro desta perspectiva, inaugurou uma Galeria Ethnográfica passando a


expor fotografias de índios kaingang e guarani, os quais em visita as autoridades
governamentais vinham a Curitiba e se hospedavam no Museu Paranaense. A
doação do acervo do indigenista Telêmaco Borba foi também uma importante
contribuição, ampliando as coleções etnográficas da instituição.
12

Durante os vinte e seis anos em que foi diretor, Romário Martins transformou
o Museu Paranaense em uma instituição científica nos moldes das demais
instituições brasileiras do período. A participação da instituição em exposições
nacionais e a publicação do Boletim do Museu Paranaense garantiram prestígio e
visibilidade, divulgando o Paraná junto às principais instituições científicas do país.
Na esfera local, o Museu Paranaense transformou-se em uma instituição de
grande prestígio na cidade, passando a receber anualmente um expressivo número
de visitantes. Em suas dependências, professores levavam seus alunos para dar
aulas de história natural em frente aos mostruários de minerais e animais
taxidermizados, ou junto ao pequeno zoológico que reunia diversas espécies vivas
de mamíferos, aves e répteis (Carneiro, 2001).
Desta forma, através da aquisição, pesquisa, publicação e exposição de seu
acervo, o Museu Paranaense pretendeu cumprir durante a gestão de Romário
Martins seu papel de divulgador de idéias paranistas sobre a identidade do homem
paranaense e a ocupação do seu território (Carneiro, 2001).
Desejo que o Museu seja, para o seu visitante, um mostruário o mais possivel
completo de tudo quanto for nosso, isto é, Paranaense de sórte que por uma
simples inspecção das suas collecções, se possa formar uma justa ideia da
nossa acção no passado, das condições do presente, e sobretudo do valor
actual das nossas riquezas naturaes." (Martins, 1906; p. 5-6).
13

CAPÍTULO II – O DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS NO PARANÁ

2.1. CONSTRUINDO CENÁRIOS


Em pesquisas desenvolvidas anteriormente, discuti a institucionalização da
antropologia no Paraná a partir da análise da trajetória intelectual do médico José
Loureiro Fernandes (Maranhão, 2005 e 2006). Entretanto, a participação de Loureiro
Fernandes na constituição do cenário científico e acadêmico paranaense na década
de 1940-1950, não se limitou à antropologia.
Interessado pela antropologia, arqueologia e história do Paraná, Loureiro
3
Fernandes fez parte de uma geração de intelectuais brasileiros preocupada com um
projeto voltado para a construção de uma identidade nacional e com a preservação
e divulgação de seu patrimônio cultural.
Para que este projeto pudesse ser desenvolvido, seria necessário a formação
de profissionais, nas diversas áreas do conhecimento, substituindo o intelectual
literário e polivalente pelo cientista especializado. Desta forma, no final das décadas
de 1930 e início da década de 1940 surgem em diversas capitais brasileiras as
Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, dentro das quais passariam a funcionar
os cursos de Ciências Sociais e História e Geografia.
Bega (2006; p.48) em seu artigo sobre a gênese das ciências sociais no
estado, associa este movimento a uma segunda invenção do Paraná, cuja missão é
a construção de um Paraná moderno.
É necessário preparar profissionais para dar conta dessa missão, formar,
por exemplo professores, para os ensinos primário, ginasial e colegial em
expansão, engenheiros, médicos e advogados, especialistas que possam
construir o Paraná moderno.

3
José Loureiro de Ascensão Fernandes nasceu em Lisboa em 1903. Formou-se em medicina pela Faculdade
Nacional do RJ em 1927. Especializou-se nas áreas de urologia, arqueologia e antropologia na Universidade de
Paris, na década de 1950. Exerceu atividades como médico, político, cientista social e professor universitário. Foi
eleito vereador por Curitiba em 1948, e nomeado secretário de Educação e Cultura do Estado do Paraná no
mesmo ano. Nesta pasta, criou a Divisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná, dedicando-se
ao tombamento e preservação de sítios arqueológicos e do patrimônio histórico do Estado. Foi diretor do Museu
Paranaense (1936-43 e 1945-46) e chefe da Seção de Antropologia e Etnografia, onde iniciou pesquisas
científicas nas áreas de antropologia e arqueologia. Em 1938 foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras (FFCL) da Universidade do Paraná. Ministrou aulas de Antropologia, Etnografia Geral e do
Brasil na FFCL e, posteriormente também na Universidade Católica do Paraná (atual PUC). Na FFCL da UFPR,
foi diretor e responsável pelo projeto de criação e instalação do Instituto de Pesquisas (1950), do Departamento
de Antropologia (1958) e do Museu de Arqueologia e Artes Populares (1963). Foi membro de diversas
instituições culturais como, o Círculo de Estudos Bandeirantes (PUC-PR), Instituo Histórico, Geográfico e
Etnográfico Paranaense e Academia Paranaense de Letras. Faleceu em Curitiba em 1977.
14

Nesta missão Loureiro Fernandes teve um papel fundamental, atuando


juntamente com outros intelectuais católicos na criação e modernização de
instituições, que a partir da década de 1930, dariam sustentação para o
desenvolvimento das ciências sociais no Paraná.
Adotando um novo discurso paranista, marcado pelo iluminismo e por uma
visão científica evolucionista, este grupo de intelectuais, articulados com o governo
intervencionista e a Igreja católica, conduziram diversas ações que culminaram
com o desenvolvimento de um projeto de educação superior para o Paraná
(Furtado, 2006; p. 63).

Dentre essas ações Furtado (op.cit) destaca:


1º. A reunião de 20 de março de 1929 na sede da Congregação Mariana
na Catedral

2º. A Criação do Círculo de Estudos Bandeirantes (set/1929) em casa de


Loureiro Fernandes por nove anos

3º. A doação do terreno para sede própria no Círculo de Estudos


Bandeirantes (1931)

4º A criação do Curso de Filosofia do Círculo de Estudos Bandeirantes


(1934-1937)

5º A nomeação de Loureiro Fernandes para a direção do Museu


Paranaense (1936)

6º Nomeação dos diretores de Seções do Museu Paranaense (abril/1939)

7º Criação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras (1938)

8º Assinatura do convênio firmado entre a FFCL e a UBEE (agosto/1939


até dez/1950) 9º A nomeação dos catedráticos da FFCL (11/12/1939)

10º A reinauguração do Museu Paranaense (16/12/1939)

Para Furtado (2006; p. 63) todas estas ações e instituições a elas


relacionadas, resultaram na criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do
Paraná e no desenvolvimento das ciências sociais no Paraná.
O raio de ação do ensino católico é ampliado com o curso de Filosofia
Tomista ministrado no Círculo de Estudos Bandeirantes, balizando a
formação dos futuros catedráticos da Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras; a instalação é viabilizada com a reestruturação do Museu
Paranaense equipando esta casa de cultura com fundamentos científicos
e, por sua vez, o Museu passou a propiciar a pesquisa e o ensino prático
15

dos Cursos do Departamento de Ciências da FFCL que, sem espaços


adequados, passaram a contar com os laboratórios do Museu
Paranaense reformado com esta finalidade.

2.2 O MUSEU PARANAENSE

Em 1936 assume a direção do Museu Paranaense, o médico José Loureiro


Fernandes. Contrapondo-se à visão mítica de Romário Martins sobre a identidade do
homem paranaense, Loureiro será o responsável pelo desenvolvimento da pesquisa
científica na instituição.
Como primeira atividade elaborou e apresentou ao então governador Manoel
Ribas, um plano de organização para a instituição, baseado no trabalho de uma
“equipe de homens de ciência”. Este documento fazia um balanço da instituição e
propunha a criação de um Conselho Administrativo e de Secções Científicas as
quais seriam coordenadas por profissionais especializados.
As providências que solicito são indispensáveis, para que o Museu possa
dentro de alguns anos deixar de ser um simples depósito de produtos do
Estado, para se transformar num maior centro de instrução popular. No
seu estado atual pode ser o Museu dividido em duas grandes seções : a
Secção de Sciencias Naturais e a Seção de História do Brasil, em
particular do Paraná. Cada uma dessas seções compreende várias
divisões técnicas possuindo coleções cujo mérito, como factores
culturaes, é muito diverso, para as quais urge dar melhor orientação e
maior desenvolvimento.
Melhor orientação implica de início, em confiar a direção de cada uma
delas a profissionais especializados ou na ausência desses a elementos
representativos da cultura paranaense que pela sua predileção por
estudos dessa natureza tem notável projeção em nossos centros
culturaes.
A diretoria assegurará a autonomia de cada um desses colaboradores na
secção que estiver ao seu cargo; auxiliará a formação de biblioteca
técnica na biblioteca do Museu e facilitará a manipulação do material das
referidas coleções visando melhor preenchimento de sua função
educadora e engrandecimento dos mostruários (Fernandes, 1939 - Livro
de correspondências recebidas e expedidas do Museu Paranaense de
1939-1942).
16

Desta forma, por decreto governamental de 1939, foram nomeados os


seguintes diretores para as Seções do Museu Paranaense: História - Dr. Arthur
Martins Franco, Botânica - Dr. Antônio Martins Franco, Geologia e Paleontologia -
Dr. Francisco de Assis Fonseca, Zoologia - Pe Jesus Moure e para a Secção de
Antropologia e Etnografia o Prof. José Loureiro Fernandes. Posteriormente
também participaram das Secções de Botânica e História, Dr. Carlos Stellfeld e
Julio Moreira (Fernandes, 1956; p.13).

Figura 2 - Nomeação dos auxiliares voluntários do Museu Paranaense. Da esquerda para


direita, no primeiro plano Joram Leprevost assistente de zoologia, Arthur
Martins Franco Presidente do Conselho Administrativo, Manoel Lacerda Pinto
Secretário do Interior e Justiça, José Loureiro Fernandes Diretor do Museu
Paranaense e da Seção de Antropologia e Etnografia, Pe Jesus Moure
conselheiro e diretor da Seção de zoologia. Segundo plano: Aryon Dall'Igna
Rodrigues assistente de Geologia, Rudolf Bruno Lange assistente de zoologia,
Júlio Estrela Moreira assistente da seção de História Pátria, Orlando Freitas
assistente de Botânica, Máximo Pinheiro Lima, assistente de antropologia. No
terceiro plano: Airton de Mattos assistente de zoologia, Rosário Farani Mansur
Guérios assistente de antropologia e Gert Gunter Hatschbach. Acervo da
Secretaria de Estado da Cultura/Museu Paranaense.
17

Loureiro Fernandes juntamente com sua equipe de pesquisadores e


assistentes, os quais exerciam suas atividades voluntariamente, deu início à
estruturação da instituição, com o objetivo de transformar o Museu Paranaense em
um centro de produção científica. Dessa forma, revitalizou as exposições
inaugurando a nova sede do Museu Paranaense à rua Buenos Aires 200, em 16 de
dezembro de 1939.

Figura 3 - Inauguração da 4ª sede do Museu Paranaense, situada na avenida Buenos


Aires, 200. Entre as autoridades presentes o interventor do Estado Manoel
Ribas. Acervo Secretaria de Estado da Cultura/Museu Paranaense.

Para cada uma das salas de exposição Loureiro deu o nome de


personalidades na área das ciências ou da política, que contribuíram com o
desenvolvimento científico do Paraná. Em uma visita pelas salas de história do
Paraná, o visitante poderia apreciar a pinacoteca na sala Desembargador Ermelino
de Leão, a coleção de numismática na sala Dr. Muricy, as armas na sala Dr.
Ermelino de Leão e os objetos da história regional na sala Genealogista Francisco
Negrão.
18

Figura 4 - Museu Paranaense - Sala Desembargador Ermelino de Leão. Acervo Secretaria


de Estado da Cultura/Museu Paranaense.

Os interessados em ciências naturais e etnografia poderiam conferir as


coleções de geologia e mineralogia na sala Engenheiro Francisco de Paula Oliveira,
a coleção de zoologia na sala Guido Straube e a coleção etnográfica na sala
Telêmaco Borba.

Figura 5 - Museu Paranaense, Sala Guido Straube. Acervo Secretaria de Estado da


Cultura/Museu Paranaense.
19

Figura 6 - Museu Paranaense, Sala Telêmaco Borba. Acervo Secretaria de


Estado da Cultura/Museu Paranaense.

Além das exposições Loureiro Fernandes organizou uma biblioteca


especializada nas áreas de conhecimento das secções, através de intercâmbios
realizados com instituições congêneres brasileiras, em especial o Museu Paulista e o
Museu Nacional. Retomou as publicações da instituição com uma revista intitulada
“Arquivos do Museu Paranaense”, alimentada com artigos produzidos pelos chefes
das secções especializadas e também por colaboradores de outras instituições do
país, tendo como objetivo principal à divulgação de estudos referentes ao Paraná
(Fernandes, 1941).

Arquivos do Museu Ano Botânica Zoologia Geologia e Antropologia Total


Paranaense Geografia
Volume 1 1941 1 5 1 2 9
Volume 2 1942 1 5 0 4 10
Volume 3 1943 1 9 0 0 10
Volume 4 1944 3 10 0 4 17
Volume 5 1945 0 0 2 0 2
Volume 6 1946 2 3 1 3 9
Volume 7 1949 2 6 0 1 9
Volume 8 1950 3 1 0 3 7
Volume 9 1952 3 0 0 0 3
Volume 10 1953 2 7 0 0 9

Tabela 1: Publicação de artigos na Revista Arquivos do Museu Paranaense no período de 1941-


1953, nas diferentes áreas especializadas da instituição.
20

4
Na área de antropologia, destacam-se os artigos de Mansur Guérios , Arion
5 6
Rodrigues e do próprio Loureiro Fernandes , além de pesquisadores convidados,
7 8
como Herbert Baldus e Wanda Hanke .
9
Na Geografia e geologia destaca-se Reinhard Maack , com seus artigos sobre
Vila Velha e sobre o arenito Caiuá.
Muitos são os artigos de botânica e zoologia publicados nos primeiros 10
volumes dos Arquivos do Museu Paranaense. Podemos citar entre outros autores:
10 11 12
os zoólogos - Frederico Waldemar Lange , Rudolf Lange , Pe Jesus Moure ,
13 14 15
Carlos Gofferjé , Francisco Lange de Morretes ; e os botânicos- Ralph Hertel e
16
Carlos Stellfeld .

4
Guérios, Rosário Mansur. Estudos sobre a língua Caingangue. Dialeto de Palmas. Arquivos do Museu
Paranaense, v.2. Curitiba,1942.
5
Rodrigues, Arion. Diferenças fonéticas entre o tupi e o guarani. Arquivos do Museu Paranaense, v.3.
Curitiba,1943.
6
Fernandes, Loureiro José. Os Caingangues de Palmas. Arquivos do Museu Paranaense, v.1. Curitiba, 1941.
7
Baldus, Herbert.Vocabulário zoológico Kaingáng. Arquivos do Museu Paranaense, v.6. Curitiba,1946.
8
Hanke, Wanda. Ensayo de uma gramática del idioma caingangue, de los Caingangues de la Serra de
Apucarana. Também publicou nos arquivos do Museu Paranaense artigos sobre os índios Cadivéns, Terenos e
Sirionó (1942), Botocudos (1946) e Guarayos (1950).
9
Maack, Reinhard. Algumas observações a respeito da existência e da extensão do arenito superior São Bento
ou Caiuá no estado do Paraná. Arquivos do Museu Paranaense vol I, 1941.
Geologia e Geografia da região de Vila Velha. Arquivos do Museu Paranaense vol.V, 1945.
Notas complementares a apresentação preliminar do Mapa Fitogeográfico do Estado do Paraná. Arquivos do
Museu Paranaense vol. VII, 1949.
10
Lange, Frederico Waldemar. Anelídios Poliquetas dos Folhelhos Devonianos do Paraná. Arquivos do Museu
Paranaense vol. VI, 1947.
Novos Microfósseis Devonianos do Paraná, vol.VII, 1949.
Um novo Escolecodonte dos folhelhos de Ponta Grossa vol.VIII,1950.
Restos Vermiformes do Arenito das Furnas vol.II, 1942.
Novos Fósseis devonianos do Paraná, vol.III, 1943.
11
Lange, Rudolf Bruno. Uma Nova Espécie de Gênero Megathopa Eschsch 1822, vol. IV, 1944.
Ensaio da Zoogeografia dos Scarabaeidae do Paraná com algumas notas Eto-Ecológicas, vol.VI,1947.
12
Moure, Pe. Jesus. Contribuição para o conhecimento dos Diphaglossinae, particularmente Ptiloglossa, vol.IV,
1944.
13
Gofferjé, Carlos. Contribuição a Zoogeografia da Malacofauna do litoral do estado do Paraná, vol. VIII, 1950.
14
Lange, Francisco (de Morretes). Ensaio de Catálogo dos Moluscos do Brasil, vol. VII,1949.
Dois novos Moluscos do Brasil, vol.X, 1953.
Nova Thais do Brasil, vol.X, 1953.
Sobre Megalobulinos paranaguensis Pilsbry & Ihering, vol.X, 1953.
15
Heltel, Ralph. Contribuição a Ecologia da Flora Epífita da Serra do Mar do Paraná., vol.VIII, 1950.
16
Stellfeld, Carlos. A Coleção Dusen do Museu Paranaense, vol.II, 1942..
Contribuição para o Estudo da Flora Marítima do Paraná, vol.IV, 1944.
Fitogeografia Geral do Estado do Paraná, vol.VII, 1949.

.
21

Na década de 1940, Loureiro Fernandes juntamente com os demais chefes


das Seções do Museu Paranaense encaminhou ao governo do estado um projeto de
uma nova sede para a instituição, mais condizente com as:
funções que o Museu deve exercer na formação cultural das futuras
gerações paranaenses” ou seja, “a defesa do patrimônio histórico e
artístico, incremento das pesquisas regionais, educação popular nos
domínios das ciências históricas e naturais, e a instituição face ao ensino
universitário (Fernandes,1956; p.15).

Este projeto propunha a extensão do mandato universitário ao Museu


Paranaense, e a construção de um prédio na Praça Santos Andrade para abrigar a
Reitoria, o Museu Paranaense e a sede da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras.
Após negociações entre a Reitoria da FFCL e o Governo do Estado, em dezembro
de 1947 foi lançada a pedra fundamental para a construção da nova sede do Museu
Paranaense, na Praça Santos Andrade em terreno de propriedade do estado.
Pretendia-se que a obra fosse inaugurada em 1953 durante os festejos do
centenário de emancipação política do Paraná (Fernandes,1956; Furtado, 2000).
O interventor federal do estado do Paraná, usando da atribuição que lhe
confere o art.7º nrs. I e III, do decreto-lei federal n. 1.202, de 8 de abril de
1939, e, considerando que o Museu Paranaense, não obstante a
deficiência de suas atuais instalações, vem desempenhando em parte,
sua elevada função de instituição de ciência pura; considerando que pelas
suas secções de História Pátria e Etnografia, contribue eficientemente
para a educação cívica de nosso povo, ao mesmo tempo que é um
valioso organismo de defesa do nosso patrimônio histórico; considerando
que os estudos de zoologia e de botânica constituem a base sobre a qual
se assentam os conhecimentos de biologia indispensáveis à formação de
um patrimônio cultural e à preparação técnica do estado nos domínios da
agro-pecuária, alicerce fundamental de nossa expansão econômica;
considerando igualmente a necessidade de incrementar os estudos
geológicos e mineralógicos, para a mais perfeita orientação da economia
do estado; considerando que o ensino de ciências naturais contribuiu para
incutir no espírito do povo, a consciência do seu próprio valor, quando lhe
revela as grandesas naturais de sua Pátria; considerando que o
patrimônio que já possui o Museu Paranaense e a sua importância para o
Estado de centralizar neste instituto os estudos das ciências puras,
separando-os dos estudos de suas aplicações; considerando finalmente,
a alta significação que tem o Museu Paranaense como instituição
complementar de ensino superior
DECRETA:
Arty.1º -Fica designada uma comissão constituída dos senhores
Desembargador Antonio Martins Franco, Drs. Arthur Martins Franco,
Carlos Stellfeld, José Loureiro Fernandes, Francisco de Assis Fonseca e
Padre Jesus Moure, Diretores das Secções do Museu Paranaense e dos
engenheiros Oswaldo Lacerda e Frederico Brambila, respectivamente
Diretor Engenheiro-Chefe do Departamento de Obras e Viação da
Secretaria de Obras Públicas, Viação e Agricultura do Estado, para
22

estudar e elaborar o projeto de reorganização dos serviços e instalação


eficiente e definitiva, mediante edificação adequada do Museu do Estado.
Art.2º - Para a edificação de que trata o artigo anterior, fica destinada a
quadra, de propriedade do Estado, situada entre as ruas Amintas de
Barros, 15 de novembro, Tibagí e Praça Santos Andrade.
Art.3º Revogam-se as disposições em contraio.
Curitiba em 14 de junho de 1944, 123º da independência e 56º da
República.
(aa) Manoel Ribas
Cap. Fernando Flores..”

Ao assumir o governo do estado em 1947, Bento Munhoz da Rocha cancela o


projeto de seu antecessor para construção da nova sede para o Museu Paranaense,
construindo no local o Teatro Guaíra.
No mesmo ano, Loureiro Fernandes pede demissão do cargo de Diretor do
Museu Paranaense. Entretanto, ao assumir o Instituto de Pesquisas da FFCL em
1950, Loureiro Fernandes estabelece um mandato universitário para o Museu
através de um acordo de extensão entre a UFPR e o Governo do Estado. No
relatório do Museu Paranaense de 1955 consta o recebimento de Cr$ 240.000
(duzentos e quarenta mil cruzeiros) da UFPR, os quais estavam destinados as
despesas com: pessoal, gastos gerais, veículo, biblioteca, publicações e aquisição
de acervo, pesquisa de campo e a manutenção de seus laboratórios.
O Museu Paranaense continuou a receber verbas do Instituto de Pesquisas
até 1960, quando as atividades de pesquisa foram transferidas para a Faculdade de
Filosofia Ciências e Letras do Paraná.
As condições sonhadas por Loureiro Fernandes para o Museu Paranaense só
seriam conquistadas em dezembro de 2002, quando a instituição recebeu do
governo do estado do Paraná, sua sede definitiva. O Palácio São Francisco foi
restaurado e ampliado com uma construção anexa, adequando seu espaço para as
necessidades do Museu Paranaense: amplas salas de exposições, gabinetes para
os departamentos de pesquisas, laboratórios e reservas técnicas climatizadas para
abrigar seu acervo.

2.3 A FACULDADE DE FILOSOFIA CIÊNCIAS E LETRAS DO PARANÁ

A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná foi fundada em 1938 e


compreendia três departamentos Filosofia, Ciências e Letras e um Instituto Superior
23

de Educação. Em seu primeiro ano de atividades a faculdade contava com cinco


cursos: Filosofia, Ciências Químicas, Geografia e História, Ciências Sociais e
Políticas e o Curso Superior de Educação.

Westhalen (1988; p.19) em seu artigo sobre os cinqüenta anos da instituição


atribui esta iniciativa aos "professores de Direito, Engenharia e Medicina da
Universidade do Paraná, da Escola Agronômica do Paraná, alguns membros do
Círculo de Estudos Bandeirantes, sacerdotes católicos e outros".

Entretanto neste artigo, nenhuma referência é feita à participação


fundamental do Museu Paranaense e de seu diretor o antropólogo José Loureiro
Fernandes neste processo. Instituição pioneira na pesquisa nas áreas de
antropologia, arqueologia, história e ciências naturais o Museu Paranaense reuniu
em seus quadros pesquisadores que posteriormente iriam compor o quadro docente
dos cursos da FFCL.

Analisando os livros de correspondência do Museu Paranaense, encontra-se


um ofício datado de outubro de 1941 do diretor da instituição, José Loureiro
Fernandes dirigido à coordenação do Curso de Ciências Naturais da FFCL. Neste
documento Loureiro Fernandes confirma a idoneidade e capacidade do Pe. Jesus
Moure, então diretor da Seção de Zoologia do Museu Paranaense para assumir a
cadeira de zoologia na FFCL.
Em outro ofício datado de 9 abril de 1942, dirigido ao Sr. David Carneiro,
então Delegado do Conselho de Fiscalização da Expedições Artística e Científicas
no Brasil, Loureiro Fernandes confirma que o funcionário do Museu Paranaense
Reinhardt Maack, desenvolve pesquisas na Serra do Mar. Em 1946, após sua
passagem pelo Museu Paranaense, Reinhard Maack é admitido como professor de
Geologia e Paleontologia na FFCL.
Além de contribuir para o quadro docente da jovem Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras o Museu Paranaense deu suporte para o reconhecimento da
instituição, cedendo sua estrutura física e suas coleções científicas. Em um
levantamento dos livros de correspondência recebidas e expedidas do Museu
Paranaense, podemos constatar diversas situações que demonstram este apoio.

O infra-assinado, Brasil Pinheiro Machado diretor da Faculdade de


Filosofia Ciências e Letras do Paraná contando com o alto descortínio e
cooperação de V.Exma para o engrandecimento do ensino superior do
24

Brasil, vem mui respeitosamente solicitar de V.senhoria se digne autorizar


o uso das coleções de ciências naturais do Museu Paranaense afim de
que o departamento de história natural da mesma Faculdade possa obter o
devido reconhecimento da parte do Governo Federal, que preliminarmente
se manifestará com a vistoria dos laboratórios e museus do determinado
curso."
Ofício do Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras ao Exmo Sr.
Dr Secretário do Interior e Justiça, secretaria a qual o Museu Paranaense
estava vinculado (Livro de correspondências recebidas e expedidas do MP
de 1939-1942).

Cumpre-me informar não haver incoveniente na utilização das coleções de


ciencias naturais, do Museu Paranaense para demonstrações didáticas do
Departamento de História Natural da Faculdade de Filosofia do Paraná.
Dada a identidade de objetivos entre o Museu Paranaense e o
Departamento de História Natural da Faculdade de Filosofia do Paraná,
qual seja o incentivo do progresso científico do nosso estado, sou de
parecer que a secretaria do Interior e Justiça deve não só deferir o pedido
como também incrementar por todos os meios esta colaboração.
Ofício do Pe Jesus Moure, Diretor da Secção de Zoologia ao Exmo Sr. Dr.
Secretário do Interior e Justiça. Curitiba, 27 de março de 1942. (Livro de
correspondências recebidas e expedidas do MP de 1939-1942).

Acumulando ao mesmo tempo as funções de professor da FFCL e diretor do


Museu Paranaense, José Loureiro Fernandes utilizou-se de suas prerrogativas,
transformando a instituição em uma extensão científica da Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras - FFCL. Desta forma, nos laboratórios do Museu Paranaense eram
realizadas aulas práticas de etnologia, arqueologia e ciências naturais. Os chefes
das seções especializadas organizavam excursões de pesquisa ao interior do
estado com seus alunos da FFCL. Alguns deles eram admitidos como assistentes de
pesquisa passando a colaborar com as atividades do Museu.
25

Figura 7. José Loureiro Fernandes, padre Jesus Moure e equipe partindo para pesquisas de
campo na década de 1950. Acervo Círculo de Estudos Bandeirantes/PUC-PR.

Como professor dos cursos de Ciências Sociais e História e Geografia na


FFCL, José Loureiro Fernandes, ministrou as cadeiras de Antropologia, Etnografia
Geral e Etnografia do Brasil. Ao contrário dos demais professores, suas atividades
com os alunos não se limitava à sala de aula. Conhecido pelas suas excursões de
campo, Loureiro Fernandes levava grupos de alunos da FFCL, para desenvolver
17
pesquisas, principalmente no litoral do Paraná. João José Bigarella lembra-se de
uma excursão à praia de Caiobá, realizada em 1944 com estudantes de etnografia e
paleoetnografia, do último ano do Curso de Geografia e História.
Nessa época, a Praia de Caiobá, uma das mais belas do litoral, era
raramente visitada e tinha poucas casas de “banhistas”. Havia várias
casas de caboclos, remanescentes da miscigenação d portugueses e
indígenas, portadores de tradições folclóricas, hábitos alimentares, de
pesca e do cultivo da terra (plantio e colheita). Utilizavam diversos
utensílios domésticos e de artesanato. Alguns possuíam pequenas
industrias de fabricação de farinha de mandioca, rapadura e açúcar
mascavo.
Neste cenário até certo ponto idílico, os estudantes conheceram a vida
rústica e os problemas de uma população que vivia distante das
conveniências dos centros urbanos.
Para o referido trabalho de campo com os alunos, o professor Loureiro
organizava pequenas equipes que visitavam e pesquisavam diversos
temas em áreas as vezes distantes, localizadas mais para o interior da
planície costeira. Solicitava aos alunos que estudassem temas de
interesse geográfico, etnográfico, ou histórico social (Bigarella, 2005;
p.19-20).

17
Professor catedrático de Mineralogia e Geologia Econômica aposentado pela UFPR
26

Figura 08. Pesquisadores do Museu Paranaense e alunos do Curso de História e Geografia da


Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná. Praia de Caiobá, 1944.
Acervo CEPA-UFPR.

Alguns alunos escolhidos criteriosamente por Loureiro tornavam-se seus


assitentes, podendo desta forma participar mais efetivamente das pesquisas
antropológicas desenvolvidas pelo professor. A grande maioria, dos assistentes e
alguns alunos de Loureiro, foram posteriormente professores da FCL. Dentre eles
podemos citar, João José Bigarella e Eny Maranhão, na geografia, Igor Chmyz na
arqueologia, Cecília Westphalen e Altiva Pilatti Balhana, na História e Cecília Helm,
na antropologia. Outros assumiram cargos relevantes na área de cultura do estado,
a exemplo de Oldemar Blasi diretor do Museu Paranaense e Diretor do Patrimônio
Histórico do Estado.
Segundo Furtado (2005), ao desenvolver, coordenar e incentivar projetos nas
áreas de ciências humanas e naturais, Loureiro Fernandes foi responsável pela
formação da primeira geração de massa crítica paranaense. Em seu discurso aos
bacharéis de 1943, nota-se a sua preocupação com o desenvolvimento da pesquisa
e com a formação de pesquisadores críticos e conscientes.
No Desempenho de sua função cultural abre as faculdades de Filosofia,
novas e promissoras perspectivas, pois na ordem científica, ao conduzir a
interpretação erudita dos fatos, vai desvender as futuras gerações a nossa
realidade e despertar a consciência nacional, sempre esmaniada ante a
contemplação de alheia grandeza, para as nossas singularidades
27

regionais, fazendo-a desvendar com a falência do ufanismo e a perfeita


interpretação da natureza íntima dos fatos, normas seguras e ritmos novos
de ação.
Não se desfolhará assim ao vento a lição recebida nas cátedras da
Faculdade, antes vingará em resultados úteis para vós e para vossos
patrícios, contribuindo nobremente para o ressurgimento cultural do
Paraná e do Brasil (Fernandes, 1944; p.3 e11).

Entretanto as pesquisas só receberiam maior incentivo institucional a partir de


1950, com a criação do Instituto de Pesquisas da Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras da UFPR. Como primeiro diretor desse Instituto, José Loureiro Fernandes
iniciou suas atividades tendo como objetivo o desenvolvimento de pesquisas
científicas no litoral do estado, para coleta de material zoológico, botânico e
etnográfico. Era meta do instituto também, o aperfeiçoamento dos docentes no
exterior, com a ajuda de bolsas de estudo. Ele próprio, preocupado com sua
formação na área de antropologia, freqüentou cursos de aperfeiçoamento em
antropologia no Museu do Homem em Paris. Além disso, organizou na FFCL cursos
de extensão universitária, com especialistas nacionais e estrangeiros.

À frente do Instituto de Pesquisas e, mais tarde, do Departamento de


Antropologia da FFCL, José Loureiro Fernandes desenvolveu estudos sobre as
populações litorâneas paranaenses de praia de Leste e de Guaratuba e dedicou-se
à pesquisas de campo entre os índios Xetá18, no noroeste paranaense, e entre os
Kaingang19 de Palmas (PR) e de Xapecó (SC). Também se interessou em estudar

18
The Xetá : a dying people in Brazil. Separata de: Bulletin of the international Committee on Urgent
Anthropological and Ethnological Research, n.2,p.22-26, 1959.
Les Xetá et les palmiers de la forêt de Dourados: contribuition à l’ethnobotanique du Paraná. Separata de:
Congress International des Sciences Anthropologiques et Ethnologiques (11: Paris: 1960). Actes. Paris, 1960.
Le peuplement du nord-ouest du Paraná et les indiens de la Serra de Dourados”. Separata de : Boletim
Paranaense de Geografia, Curitiba, n.2/3,p.80-91, jun. 1961.
Os índios da Serra dos Dourados: estado atual das pesquisas. Separata de : Bulletin of the International
Comittee on Urgent Anthropological and Ethnological Research, n.5, p. 151-154, 1962.
19
Loureiro Fernandes, José. Notas hemato-antropológicas sobre os Caingangues de Palmas. Revista Médica do
Paraná, Curitiba, 8 (1/2), 1939. Os Caingangues de Palmas. Arquivos do Museu Paranaense. Curitiba, v.1,
p.161-209, 1941.Contribuição à antropometria e à hematologia dos Kaingang do Paraná. Congresso
Internacional de Americanistas (31.:1955 São Paulo). Anais. São Paulo, 1955.Contribuição à antropometria e à
hematologia dos Kaingang do Paraná. In Anais do 31º Congresso Internacional de Americanistas. São Paulo, 2,
1955.The Diego Blood factor in Brazilian Indians. Nature, v.177, p.41, jan.1956. FERNANDES, J. L &
JUNQUEIRA, P.C.; KALMUS, H. et al. P.T.C. thresholds, colour vision and blood factors of Brazilian Indians:
Kaingangs. Separata de Annals of Human Genetics, v. 22,p. 16-21, 1957.
20
Loureiro Fernandes, José. Notas para a Festa de S. Benedito – Congadas da Lapa. I Congresso Brasileiro de
Folclore. IBECC. Rio de Janeiro, 1951.
28

“processos de aculturação” e “sobrevivências culturais” entre descendentes de


africanos20 e de imigrantes portugueses21.

Em suas pesquisas, muitas vezes Loureiro Fernandes contou com a


participação de especialistas estrangeiros do Museu do Homem de Paris e da
Academia de Ciências de Praga, nas áreas de etnomusicologia, antropologia física e
lingüística. Também se valeu da colaboração de amigos e correspondentes, como
os antropólogos Paul Rivet (Museu do Homem de Paris), Jorge Dias (Universidade
de Coimbra) e Herbert Baldus (Museu Paulista) e do primeiro diretor do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rodrigo Melo Franco de Andrade (Garcia,
2000; Furtado,1999).

A arqueologia foi outra área a que Loureiro Fernandes se dedicou. A criação


do CEPA - Centro de Pesquisas Arqueológicas - , além do Museu de Arqueologia e
Artes Populares, em Paranaguá, constituem exemplos dessa dedicação. Resultado
de sua atuação nessa área também é o surgimento do PRONAPA, Programa
Nacional de Pesquisas Arqueológicas, um convênio entre o Smithsonian Intitution e
o CNPq, com o objetivo de estabelecer uma padronização metodológica nas
pesquisas arqueológicas brasileiras. (Chmyz, 2000; Souza, 1991).

Com seu trabalho pioneiro, José Loureiro Fernandes, foi o grande


incentivador dos estudos de arqueologia, etnologia indígena e cultura popular no
Paraná. A etnologia indígena foi uma das áreas em que mais se destacou. Seu
trabalho entre o grupo indígena Xetá alcançou grande repercussão na antropologia,
não só brasileira como também internacional. Se no contexto regional Loureiro
Fernandes é considerado o pai e fundador da antropologia paranaense, no cenário
nacional foi reconhecido pelo seu trabalho, tendo sido eleito, em 1958, presidente da
Associação Brasileira de Antropologia - ABA (Corrêa, 1988; 2003).
Grande parte das pesquisas de Loureiro Fernandes foram registradas em
filmes 16mm e em fotografias por Vladimir Kozák, engenheiro, fotógrafo e cineasta
de origem tcheca, funcionário contratado pelo Instituto de Pesquisas da FFCL e
responsável pela seção de audiovisual do Museu Paranaense. Além de cineasta e
fotógrafo, Vladimir Kozák era também artista plástico, tendo documentado os índios

21
Loureiro Fernandes, José. Sobrevivências de tecnologia arcaica portuguesa nas prensas de mandioca
brasileiras. Etnologia nº 1. Departamento de Antropologia.FFCL da Universidade do Paraná. Curitiba, 1964.
29

Xetá em aquarelas e crayons. Parte de seu trabalho constitui importante acervo


etnográfico de vários museus, entre os quais o Museu Paranaense, o Museu de
Arqueologia e Etnologia da UFPR e o Museu de Alberta no Canadá (Westphalen,
1988).
30

CAPITULO III – REGISTRANDO AS PESQUISAS DE CAMPO

3.1 O FILME COMO DOCUMENTO HISTÓRICO

A História como ciência social surgiu no século XIX, com uma influência
fortemente positivista, produzida a partir da perspectiva das classes dominantes.
Tratava-se de uma história nacional voltada para a construção da identidade dos
estados nacionais, que estavam consolidando-se na Europa naquele período. A
pesquisa baseava-se na análise de documentos históricos, os quais se restringiam
aos documentos oficiais produzidos pelos governantes.
No século XX a História até então oficial produzida de forma etnocêntrica pela
elite e para a elite começa a sofrer profundas transformações. Esta Nova escrita da
História ampliou sua perspectiva para a compreensão de contextos tanto mundiais
quanto regionais passando a se "interessar por toda a atividade humana, incluindo o
mundo da experiência comum" (Burke,1992; p.11; 23).
Buscando a interdisciplinaridade, a Nova História procurou estabelecer um
diálogo com outras áreas do conhecimento como a Antropologia, Sociologia,
Psicologia, História da Arte, Economia, entre outras. Como conseqüência deste
processo, novos sujeitos, objetos e temáticas foram introduzidos conferindo à
pesquisa histórica uma abordagem voltada para questões de ordem social, cultural e
do cotidiano das sociedades estudadas
Um dos conceitos fundamentais para esta mudança de paradigma é o
relativismo cultural. Tomado de empréstimo da Antropologia, este conceito permitiu a
compreensão de que a realidade social é culturalmente construída, o que implicou
diretamente na ampliação do universo das fontes de pesquisa do historiador
(Burke,1992).
Desta forma, a noção de documento histórico passou a ser muito mais
abrangente, incluindo outras tipologias de documentos escritos, como cartas,
testamentos, diários, receitas culinárias. Outros objetos como moda, arquitetura,
acervos museológicos e arqueológicos; além de imagens, como filmes, fotografias e
iconografia, passaram também a ser considerados documentos históricos. Para Le
Goff:
O escrito não é mais o único documento histórico. Toda uma parte dos
campos de pesquisa atuais, da civilização material aos diferentes domínios
31

da cultura ou das mentalidades populares, inscrevem-se assim como uma


tentativa obstinada para contornar o silêncio das fontes, a partir de meios
que ontem teriam sido considerados indevidos (1998; p.78).

A partir destas considerações teóricas passaremos a analisar a imagem


enquanto documento histórico, enfatizando o que nos interessa mais diretamente
nesta monografia - o objeto fílmico. Como trabalhar este objeto, como analisar este
documento onde o registro não é a escrita, mas a imagem?
Marc Ferro em artigo intitulado "O Filme. Uma contra-análise da sociedade?",
analisa esta questão do ponto de vista teórico-metodológico. Comenta que havia
uma certa relutância dos historiadores em trabalhar o documento fílmico, uma vez
que este não seria um registro imparcial da realidade, mas sim um fragmento
marcado pela subjetividade do olhar do cineasta. Dependendo da ideologia
dominante, o cinema serviria ora à industria dos sonhos no ocidente, ou estaria a
serviço do Estado enquanto propaganda do governo nos regimes ditatoriais.
Por um lado o filme parece suscitar, ao nível da imagem, o factual; por
outro apresenta-se, em todos os sentidos do termo como uma
manipulação. De que realidade o cinema seria verdadeiramente a imagem
(1974; p. 202).

Como resolver este impasse? De que forma trabalhar com esta diferente
linguagem? Partindo da imagem das imagens diz o autor.

Não procurar somente nelas exemplificação, confirmação ou desmentido


de um outro saber, aquele da tradição escrita . Considerar as imagens tais
como são, com a possibilidade de apelar para outros saberes para melhor
compreendê-las. Resta estudar o filme, associar ao mundo que o produz
(1974; p.203).

Em artigo sobre a história das imagens Gaskell (1992), reflete sobre a forma
de produzir conhecimento utilizando a arte como documento histórico. Uma das
questões abordadas é a análise da obra de arte a partir do contexto social e cultural
no qual foi produzida, caracterizando também o público consumidor para o qual a
obra foi destinada. Para Gaskel (1992; p.260) "a tarefa do historiador é recuperar a
visão do período, a maneira de ver culturalmente específica, peculiar".
No que se refere a documentação fotográfica e também porque não dizer
cinematográfica, é preciso compreender que a imagem produzida não equivale à
realidade, mas a uma construção intencional produzida pelo artista sobre esta
32

mesma realidade. Sendo assim, a câmera é sempre uma presença intrusa que
reflete um olhar desprovido de inocência (Gaskel,1992; p. 266).
Quando o historiador analisa um filme seu recorte não é a arte, nem história
do cinema. O filme é antes de tudo um testemunho de um momento histórico e deve
ser tratado como um produto socio-cultural, uma imagem-objeto. Constitui dados
para a análise teórica tanto o visível, quanto o invisível, ou seja o que o filme mostra
e o que ele omite propositadamente. O recorte do cineasta que delimita e exclui,
reflete o contexto em que o filme é produzido e a biografia do autor. Devemos
perguntar quem é o cineasta, para que e para quem o filme foi produzido.
Analisando desta forma o conteúdo da obra, assim como a realidade que ela
representa.
Desta forma:
A crítica não se limita somente ao filme, integra-o no mundo que o rodeia
e com o qual se comunica necessariamente. Analisar um filme: a
narrativa, o cenário, o texto, as relações do filme com o que não é o filme:
o autor, a produção, o público, a crítica, o regime. Pode-se assim esperar
compreender não somente a obra como a realidade que apresenta (1974;
p.203).

3.2 A COLEÇÃO CINEMATOGRÁFICA DE VLADIMIR KOZÁK: O AUTOR E A


OBRA

Vladimir Kozák nasceu em 1897, em uma pequena vila rural na Morávia,


antiga Tchecoslováquia. Formou-se em engenharia mecânica e veio para o Brasil
em 1923, passando a trabalhar em empresas multinacionais no Espírito Santo, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro e Curitiba.
Possuindo o mesmo espírito de deslumbramento dos viajantes do século XIX,
Kozák em suas horas livres, passou a registrar a exuberância da paisagem
brasileira, através da pintura, da fotografia e em filmes 16mm, coloridos em sua
grande maioria.
Em 1946 recebeu o convite do Diretor do Museu Paranaense, o antropólogo
José Loureiro Fernandes para coordenar a Seção de Cinema Educativo da
instituição, onde permaneceu até 1963. Na mesma época, também foi contratado
para atuar como técnico em cinema na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras do
Paraná.
33

Através destas duas instituições participou de diversas pesquisas de campo


ao interior e litoral do Paraná, registrando aspectos históricos, antropológicos e
ambientais. Paralelamente às suas atividades profissionais, empreendeu diversas
viagens para o norte e centro-oeste do país, onde documentou em filmes, fotografias
e desenhos diversos grupos indígenas brasileiros.

Figura 09 - Kozák entre os índios do Xingu, década de 1950. Acervo Secretaria de Estado
da Cultura/ Museu Paranaense.

Vladimir Kozák foi ao mesmo tempo idealizador, roteirista, produtor,


cinegrafista, diretor e editor dos filmes que produziu. Depois de artesanalmente
editados em uma mesa de corte improvisada em sua casa, os filmes eram revelados
nos EUA. Seus filmes podem ser classificados enquanto documentários, pois
possuem a preocupação com a narrativa das imagens. Produzidos a partir de um
roteiro minucioso e didático, é uma constante a presença de títulos e legendas
explicativas (Trevisan, 1979).
34

Tabela 2 - Documentários de Vladimir Kozák sobre o Paraná. Acervo: Museu Paranaense.


Título Data Duraçã Síntese
o
Araras I e II 1948 Parte I Viagem pelo Alto rio Paraná, partindo de Guaíra com destino
– ao Mato Grosso. Trajeto: Ilha Grande, Porto Felipe, Barra do
45 min. Rio Ivaí, atingindo o Mato Grosso pelo rio Ivinhema. Retorno:
Parte II Alto rio Paraná, Guairá, Porto Mendes e Foz do Iguaçu. Em
– Foz do Iguaçu: cidade, cataratas, marco das três fronteiras e
45 min. aspectos da vida rural.

Aves 5 min Diversas espécies de aves


Borboletas I e II s/data 208 Diversas espécies de borboletas e lagartas
min.
Caminhos da Floresta s/data 45 min. Interior do Paraná, catedral de Barro Preto, corte de madeira,
confecção e transporte de barricas de madeira em carroças.
Cenas em um sítio: debulhando milho, criação de porcos,
estrada para as usinas Hidrelétricas de Castelhanos e
Chaminé.
Cactos e outras flores s/data 13 min. Várias espécies de cactos e outras flores
Curitiba/ Visita do cardeal, 1952 20 min. Curitiba: transportes (carros, bondes elétricos) Universidade
do Paraná, catedral, correio. Visita do cardeal, procissão,
parada militar e desfile escolar.
Fim da Guerra 1941 44 min. Fim da Segunda Guerra Mundial, comemorada em Curitiba
com fogos de artifício e desfile militar. Em Ponta Grossa:
arenitos de Vila Velha e Usina de Chaminé. Serra do Mar e
Morretes.
Fazenda Paraíso 1945/ 13 min. Criação de gado na fazenda Paraíso, Município de Bela Vista
1946 do Paraíso.
Iguaçu partes I e II 1947 68 min. Imagens aéreas e terrestres das Cataratas do Iguaçu, Sete
Quedas de Guairá. Desfile cívico e militar na cidade de Foz
do Iguaçu.
Ilha dos Currais/ Carnaval 51 min. Descida de trem pela Serra do Mar em direção a Paranaguá.
em Paranaguá e Matinhos. Paranaguá : Igreja do Rocio, Colégio dos Jesuítas e
Carnaval. Atividades dos pescadores na praia de Matinhos.
Travessia para a Ilha dos Currais.
Índios Kaingang 1952 Área indígena Mangueirinha. Mulheres moendo milho,
preparando farinha de mandioca em um pilão e trançando
cestos. Homens secando e malhando folhas de erva mate.
Índios Xetá. Partes 1 a 7 Atividades cotidianas dos índios Xetá. Confecção de
utensílios e adornos. Obtenção e preparo de alimentos.
Rituais de cura. Ritual do Urubú-rei. Pintura facial.
Modelagem de möus.
Cana de Açúcar s/data 8 min. Litoral do Paraná, engenho de açucar.

Morretes e Praia Deserta Morretes: Rio São João, Rio Nhundiaquara, Igreja Nª Srª do
(Superagui) Porto, produção de carvão vegetal. Viagem à Guaraqueçaba
e Superagui
Congadas 1953 50 min. Congada na Lapa. Imagens da cidade da Lapa : Memorial do
Cerco da Lapa e Gruta do Monge.
Orquídeas 1 e 2. 1938 25 min. Diversas espécies de orquídeas.

Paraná grutas calcárias 1940 6 min. Grutas: Fadas e Campinhos.


Terra roxa, café e litoral 36 min. Produção de café em Morretes e no norte do Paraná:
colheita, seleção dos grãos, preparo do pó de café utilizando
pilão e peneira e torrefação.
Parada Velha, Serra do 1948 40 min. Centro de Curitiba: catedral, Universidade e Praça
Mar, Paranaguá Tiradentes. Serra do Mar, estrada de ferro e carnaval em
Paranaguá
35

Apesar não terem sido exibidos em circuito comercial, os filmes de Kozák


eram relativamente conhecidos no meio acadêmico da época. O antropólogo José
Loureiro Fernandes, organizava projeções para os alunos da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, para os membros do Círculo de Estudos Bandeirantes e para os
colégios católicos como Santa Maria e Bom Jesus. Também eram realizadas
projeções nas casas de políticos, autoridades religiosas e para a equipe de
pesquisadores que participava das viagens de campo.
A excelência de seu trabalho não garantiu que Kozák recebesse o merecido
reconhecimento. Diversas vezes, queixava-se da forma com que os professores da
FFCL apropriavam-se de seus filmes. A formação européia e a constante
atualização com o que se produzia nos Estados Unidos, na área de documentário
para cinema, fez com que Vladimir Kozák fosse um homem moderno demais para a
Curitiba da década de 1950.
Após a sua morte em 1979, seu acervo particular foi inventariado, passando a
pertencer ao Estado do Paraná, aos cuidados do Museu Paranaense. Este acervo
compreende 36 horas de filmes em 16 mm, não sonorizados, sendo a maior parte
coloridos, além de fotografias, aquarelas, esboços, óleos sobre tela e uma rica
documentação manuscrita como correspondências, cadernetas de campo e esboços
de roteiros.

3.3 CONTEXTUALIZANDO AS IMAGENS

Grande parte dos filmes de Kozák, os quais pertencem ao Museu


Paranaense, foram produzidos entre 1938 e 1960 e registram pesquisas de campo
realizadas no Paraná. Como se trata de filmes sem sonorização, poucas
informações existem sobre os mesmos. As informações disponíveis constam das
legendas dos próprios filmes e da listagem do inventário da herança jacente de
Vladimir Kozák. Este inventário reúne algumas informações sobre os filmes tais
como: título, duração, data e informações técnicas (metragem e se o filme é colorido
ou preto e branco).
Em nossas pesquisas encontramos apenas uma bibliografia de Vladimir
Kozák, de autoria de Edilberto Trevisan, publicada em 1979 pelo Boletim do Instituto
36

Histórico Geográfico e Etnográfico Paranaense. Neste artigo, Trevisan faz um


levantamento dos filmes de Vladimir Kozák classificando-os em três categorias:
Filmes documentários e de Etnologia, Filmes documentários de viagens e Filmes
sobre tradições folclóricas. Cada categoria abrange uma listagem de filmes
acompanhados das seguintes informações: título, informações técnicas, além de um
resumo sintético do conteúdo. Este resumo na maioria das vezes limita-se a
algumas palavras-chaves.
Depois de assistir a 17 horas de filmes e reunir todas as informações
disponíveis, percebemos que o que tínhamos era muito pouco para fazer a
contextualização dessas imagens. Passamos então a pesquisar a documentação
manuscrita e datilografada de Vladimir Kozák, que compreende os seguintes itens:
cadernetas de campo, correspondências, roteiros de filmes e relatórios de
atividades. Infelizmente, a maior parte deste material refere-se aos registros de
Kozák sobre os grupos indígenas do Brasil central e da Amazônia.
Entretanto, fazendo uma verdadeira escavação em um arquivo com 04
gavetas repletas de documentos, encontramos algumas preciosidades como:
a) Uma listagem manuscrita contendo a agenda de Vladimir Kozák entre
1947 e 1948. Este documento reúne informações sobre os locais de
projeção dos filmes de Kozák, além de datas e informações sobre as
pesquisas de campo realizadas no litoral e na região oeste do Paraná.
b) Um texto que relata as dificuldades da atividade cinematográfica
enfrentadas por Vladimir Kozák, durante as viagens de pesquisa de
campo.
c) Roteiro detalhado da viagem ao alto rio Paraná que resultou na produção
de quatro filmes: Araras partes 1 e 2 e Iguaçu partes 1 e 2.
d) Roteiro de viagem a Ilha dos Currais contendo as legendas do filme “Ilha
dos Currais e Carnaval em Paranaguá”
e) Legendas e comentários sobre os filmes Praia Deserta e Terra Roxa-Café.
f) Texto sobre a Congada da Lapa
g) Cadernetas de campo com informações sobre o registro cinematográfico
dos índios Xetá.
A partir da análise preliminar desta documentação percebemos que apenas
alguns dos filmes de Vladimir Kozák possuíam as informações necessárias que
37

permitisse a sua contextualização. Desta forma, tivemos que restringir nossa análise
para 15 filmes, que compreendem um total de 08 horas de projeção:
- Araras parte 1 e 2
- Iguaçu parte 1 e 2
- Ilha dos Currais, Matinhos e Carnaval em Paranaguá
- Praia Deserta
- Terra Roxa-Café
- Congada da Lapa
- Xetá partes 1 a 7
Analisando a listagem de atividades de Kozák no período de 1947-48,
observamos que além do cronograma de projeções de filmes, estão registradas
também algumas pesquisas de campo, denominadas na época de “excursões de
campo”. A primeira destas excursões foi realizada pelo Museu Paranaense no
período de 15/02 a 20/03/1948 e teve como destino o alto rio Paraná. Além de
Kozák e sua irmã Karla, fizeram parte da equipe o geólogo e geógrafo José Bigarella
e o naturalista Carlos Gofferjé.
Esta expedição multidisciplinar tinha como objetivo o registro fotográfico e
cinematográfico da região, além da coleta de rochas e espécimes da fauna para
enriquecer as coleções do Museu Paranaense.
Partindo de avião de Curitiba a equipe chegou a Guaíra e já no dia seguinte,
continuaram a viagem em um trem de barcaça pelo rio Paraná, em direção ao Mato
Grosso.
Depois de passar pela Ilha Grande, o grupo acampou em Porto Felipe no rio
Paraná. Seguindo viagem subiram o rio Ivaí através de florestas virgens onde
acamparam novamente. Deste ponto, atravessaram o rio Paraná em direção ao
Mato Grosso e seguiram pelo rio Ivinhema, onde visitaram a aldeia de índios
Guarani Caiuá. Kozák filmou os índios confeccionando arcos e flechas.
38

Figura 10. Trem de Barcaça navegando no rio Paraná. Foto: Vladimir Kozák, 1948.

Em suas anotações, Kozák fez diversas observações sobre esta expedição


descrevendo a fauna, a paisagem, os aspectos econômicos da região e as
atividades desenvolvidas pela equipe.
No Alto Rio Paraná ainda existem imensas florestas ao longo de suas
margens. Enormes florestas espalhadas ao longo das barrancas do alto
rio Paraná até o posto comercial de mate em Guayra. A beleza das
cachoeiras está entre as maiores do mundo, mas é o comércio do mate
que faz com que o relógio trabalhe em Guayra, a estação de carga de
mate. A madeira também faz a sua parte. Mulas treinadas e a “alça
prema”, imensas rodas que transportam grandes troncos da floresta. O
transporte dos troncos requerem algumas técnicas florestais e a alça
prema com sua roda imensa dá conta deste trabalho. Neste canto do
mundo a madeira é a único combustível para as locomotivas, riverboats
ou casas.
O porto de Guayrá está sempre ocupado com o descarregamento de
“herva matte” que vem do Mato Grosso. Nós deixamos Guayra de trem
de barcaça em direção ao Mato Grosso. O progresso dos barcos ao
longo da Ilha Grande é lento. Esta ilha fluvial tem mais de 70 milhas de
comprimento.Durante o lento percurso do barco ao longo das 70 milhas
de Ilha Grande, a tripulação secou a carne para o restante da viagem e o
cozinheiro indígena preparou o almoço... e que almoço!
39

Figura 11. Alça prema, utilizada no transporte de toras de madeira, região oeste do Paraná. Foto:
Vladimir Kozák, 1948.

Alcançando Porto Felipe no dia seguinte nos continuamos a subir o rio


Ivahy através de florestas virgens por todo o caminho. Onde nós
acampamos haviam enxames repletos de abelhas e borboletas faziam
brilhantes manchas coloridas. Nós atiramos em jacutingas para a panela
e para coleta, e tivemos um trabalho difícil para prepará-la no calor. O rio
é a casa de pequenos peixes ferozes, as piranhas, e as barrancas
estavam vivas com sinais sonoros (ticks), os quais logo nos fariam
prosseguir viagem.
Atravessando o rio Paraná nós entramos no rio Ivinhema o lar dos
poucos remanescentes de índios cayuá. Eles ainda fazem e usam seus
próprios arcos e flechas e cujo cacique invoca bons espíritos os quais
chocalham e atravessam. Ali vive somente um único colono, e foi lá que
nós acampamos.Era um extraordinário local para observar nuvens de
borboletas voando em volta, e mesmo as galinhas as apreciavam....para
a sobremesa.
No alto paredeão de granito denominado Paredão do Veado um alto
paredão de arenito, as araras estão em casa. Sua beleza está além da
imaginação, são pássaros muito tímidos. Eles apresentam o mais
magnífico espetáculo, voando, lutando e brincando juntas ao por do sol.
No nosso novo acampamento pescar não é tarefa difícil, além disso,
cervos, javali selvagem, aves domésticas faziam a variedade do menu e
mantinham o nosso cozinheiro do acampamento ocupado. Mas toda a
água potável tinha que ser levada por barco do Córrego do veado. José
estava ocupado preparando e secando carne de peixe para vender, o
geólogo estava também muito ativo, e o naturalista coletava espécimes.
Tivemos que tentar nos despedir das araras e entrar na barcaça
carregada de mate com destino a Porto Mendes.
O chá mate em seu caminho para a Argentina passa por Porto Mendes.
40

A última aventura da nossa viagem, foi o inesquecível esplendor das


cataratas do Iguaçu”
.

Figura 12. Cataratas de Foz do Iguaçu. Foto: Vladimir Kozák, 1948.

De volta a Guairá, a equipe ainda explorou a região rural nas proximidades,


registrando o desmatamento e o corte de madeira. Troncos de árvores enormes
eram transportados em uma espécie de carreto com rodas gigantes denominada
alça prema. Registraram também a Sete Quedas e continuaram viajando de trem,
desviando desta forma, as corredeiras até Porto Mendes, atual município de
Marechal Cândido Rondon.
41

Figura 13. Transporte de madeiras pelo Rio Paraná. Foto: Vladimir Kozák, 1948.

Em Porto Mendes, Kozák filmou o transporte da erva mate procedente do


Mato Grosso com destino à Argentina. Assim, como na expedição, a erva mate,
devido às cachoeiras de Sete Quedas, chegava em Guaíra pelo rio Paraná e era
desembarcada, seguindo por trem até Porto Mendes. Neste porto as sacas desciam
até as barrancas do rio Paraná, em uma estrutura formada por vagonetes e trilhos
denominada zorra. A carga então seguia viagem para a Argentina em um navio a
vapor. Juntamente com o mate, os integrantes desta expedição embarcaram no
navio Cruz de Malta, continuando a viagem até Foz do Iguaçu.
Em Foz do Iguaçu novas imagens foram gravadas. Além das cataratas, Kozák
registrou o marco das três fronteiras e um desfile cívico militar realizado no dia
14/03, em comemoração a emancipação do município de Foz do Iguaçu.
Na zona rural Kozák e Gofferjé visitaram o sítio do colono Serafim, onde filmaram
a produção artesanal de erva mate. Há cenas do corte das folhas, do sapeco da
erva e do grupo de pesquisadores e colonos consumindo o chimarrão. Em uma
42

conversa animada, porém silenciosa, Serafim conta suas histórias e é ouvido


atentamente pelos pesquisadores e pelas crianças da região. Em outra cena
Gofferjé e Serafim simulam uma caçada de onça, junto ao Salto Vossoroca. O
naturalista exibe uma pele de onça e dá algumas explicações sobre a anatomia
do animal para Serafim. O filme termina com imagens do Salto Chaminé.

Figura 14. Naturalista Carlos Gofferjé exibe peles de onça, caçadas para a coleção zoológica do
Museu Paranaense. Foto: Vladimir Kozák, 1948.

Nesta expedição de 35 dias ao Rio Paraná, Kozák gravou 02 horas e 30


minutos de imagens coloridas que resultaram na produção de 04 filmes: Araras e
Iguaçu, ambos divididos em parte 1 e 2.
Voltando a listagem de atividades de Kozák nos deparamos com o
cronograma de outras expedições desta vez com destino ao litoral do Paraná. A
primeira delas realizada em fevereiro de 1948 resultou na produção do filme “Ilha
dos Currais”. Nesta viagem Kozák acompanhou José Loureiro Fernandes e sua
equipe, com destino a Paranaguá, Matinhos e Ilha dos Currais. A viagem começou
com a descida da Serra do Mar de trem até Paranaguá. Na cidade, Kozák registrou
alguns dos imóveis que representam o patrimônio arquitetônico local como: as
Igrejas do Rosário e de São Benedito, a Casa Brasílio Itiberê, a Fonte da Gamboa e
o Colégio dos Jesuítas, hoje Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR.
43

Em seguida, Kozák filmou o carnaval de rua em Paranaguá. Neste desfile


participaram diversos blocos como o Bloco do Rocio composto por palhaços e índios
carijós. Outros blocos eram formados por foliões vestidos de belzebus e diabos.
Desfilaram os grupos folclóricos locais representando o boi-de-mamão e a dança da
balainha. Um carro alegórico conduziu o rei Momo e a rainha do Carnaval. Outro
com motivos egípcios trazia um faraó e as pirâmides.
Novamente o trem descendo a Serra do Mar indica a mudança de cenário, e a
chegada em Matinhos.

Figura 15. Trem descendo a Serra dos Mar. Foto Vladimir Kozák, 1948.
44

Nesta “vila de pescadores”, a ênfase das filmagens recai sobre as atividades


de trabalho da comunidade, como o processo de confecção de redes de pesca e a
limpeza dos peixes. Um grupo de pescadores retorna do mar e é recebido pela
comunidade local, que se aproxima das canoas para comprar peixe.
Loureiro Fernandes e os demais pesquisadores contratam um pescador como
guia, e partem em uma canoa para a Ilha dos Currais. Lá observam os ninhos dos
albatrozes. Enquanto o grupo observa as aves, os pescadores mantêm-se ocupados
pescando diversas variedades de peixes e tartarugas. O filme termina com o grupo
retornando para Matinhos.
Para este filme, Kozák inseriu diversas legendas que descrevem de forma
poética e bem humorada suas impressões sobre a Ilha dos Currais.
1. A poucas milhas da costa de Paranaguá, situa-se a Ilha dos Currais.
2. Descendo nós vamos através da Serra do Mar para a terra baixa, ou
seja o litoral.
3. E aqui em Paranaguá o carnaval estava no auge...
4. A vila de pescadores de Matinhos parece ser o melhor ponto para
começar uma aventura
5. Aqui os pescadores estão ocupados fazendo seus utensílios e limpando
os peixes.
6. ... e logo a canoa estava preparada
7.. Uma vez em mar aberto as ilhas foram alcançadas em umas poucas
horas
8. Pássaros desfilavam no céu dando boas vindas aos visitantes
9. Os pescadores estão ocupados todo o tempo enquanto visitamos a ilha
10. Eles pescam cações, robalos, arraias e tartarugas
11. Albatrozes marrons são os colonos permanentes. Alguns estão
chocando ovos, outros cuidando dos filhotes.
12. E as garças brancas luminosas como flores. Algumas pontilham as
árvores, elas são gentry da localidade
13.Todavia o albatroz é o príncipe das espécies, a mais interessante de
todas
14. Os albatrozes durante a estação do acasalamento inflam seu papo
exibindo um grande balão.
15. O retorno a Matinhos, foi uma emocionante experiência e o fim da
aventura!

A segunda excursão ao litoral do Paraná realizada em 1948, teve como


destino a Ilha de Superagüi, município de Guaraqueçaba. Com o título “Praia
Deserta”, Kozák filmou a expedição da equipe de Loureiro Fernandes que partindo
de barco de Paranaguá, viajou pelos canais até Guaraqueçaba, atingindo seu
destino final em Superagüí.
Ao longo da viagem, Kozák registrou as vilas de pescadores com suas casas
nas margens dos canais. Em Guaraqueçaba, além da magnífica paisagem natural,
45

destaca-se também a arquitetura colonial da cidade, a exemplo do casario, da fonte


d’água, da Igreja de Bom Jesus dos Perdões fundada em 1838, e do sobrado que
abriga atualmente a sede da Estação Ecológica administrada pelo IBAMA.
Antes de chegar a Superagüí, a equipe desembarca em uma praia para
observar as conchas de um sambaqui. Mais a frente, o grupo desembarca
novamente para almoçar e aproveita para conversar com os pescadores. Registram
a confecção de uma rede de pesca e o trançado de balaios de taquara e de um tipiti.
Kozák aproveita também para filmar a fauna aquática : camarões, águas vivas,
baratas d’água. Na praia os pescadores mostram o resultado da pesca, segurando
um golfinho, um tubarão e uma arraia.
Atravessando pelos canais a equipe chega ao extremo norte da Ilha de
Superagüi, atingindo a Praia Deserta. Após desembarcar almoçam em uma cabana
de pescadores. Um pescador enquanto conversa com os pesquisadores, entalha na
madeira uma gamela. Após observar uma grande quantidade de biguás nas pedras,
o grupo volta para o barco, iniciando a viagem de retorno.
Também encontramos nas anotações de Kozák informações sobre o filme
“Terra Roxa, Café e Litoral do Paraná”. Este filme datado de 1945, registra a
produção de café tanto em sua forma artesanal, quanto a produção em larga escala
em uma fazenda na região norte do Paraná.
As primeiras cenas são rodadas em Morretes, em uma pequena propriedade
rural. Duas mulheres colhem os grãos de café, acondicionando-os em um cesto
trançado. Em seguida este cesto é transportado até as margens de um rio onde os
grãos são lavados. Após a secagem os grãos são então manualmente moídos em
um pilão e posteriormente abanados com o auxílio de uma peneira. O café é então
sapecado em uma panela e novamente moído.
Na continuidade há uma mudança de cenário, a câmara focaliza uma estrada
com placas indicando Londrina há 500km e outra apontando para a Fazenda
Paraíso. Diversas cenas da cidade de Londrina são registradas. O movimento na
estação ferroviária e na rodoviária, a chegada de ônibus da empresa Garcia e as
charretes de aluguel que conduzem os passageiros até seu destino final na cidade.
No centro da cidade destacam-se a catedral e o movimento de charretes, caminhões
e ônibus.
Uma nova mudança de cenário conduz o observador para a região rural do
norte do Paraná, onde estava ocorrendo um intensivo processo de desmatamento.
46

Dois homens derrubam gigantescas perobas com o uso de um machado. Em uma


seqüência de imagens didáticas vê-se: a derrubada de enormes árvores, o fogo, as
queimadas, nove parelhas de bois transportando as toras e o beneficiamento nas
serrarias. O filme também registra, outra atividade econômica como a produção de
tijolos e telhas em pequenas olarias.
Por último, Kozák e Loureiro visitam as fazendas, Bela Vista do Paraíso e
Santa Rosa. Na primeira, registram a criação de gado zebu e o cotidiano da fazenda:
um peão tocando o berrante e conduzindo o gado, um carro de bois, cavalos
bebendo água em um coxo, os bezerros no pasto, a criação de porcos, etc...
Uma legenda onde se lê café escrito com os próprios grãos, indica a chegada
a Fazenda Santa Rosa. Nesta fazenda onde era praticada a monocultura do café,
percebe-se a preocupação de Kozák com a documentação de todo o processo
produtivo. Em seus esboços para o roteiro do filme, encontramos as seguintes
observações:
O que você sabe sobre a sua xícara de café?
Onde há alguns anos atrás era uma densa floresta surgiram grandes
assentamentos.
Novas plantações substituíram as primitivas florestas.
O gado é fundamental em uma fazenda de café.
Carros de boi fazem o transporte do café.
O café lavado é naturalmente seco nos terreiros ou em fornos mecânicos.
O café seco é limpo, descascado e separado para exportação ou para o
mercado.
E tudo isso, porque você e seus amigos, apreciam uma xícara de café!.

Desta forma, este documentário sobre o café inicia com a abertura e


demarcação de covas para o plantio, registra a florada do café, a colheita utilizando
escadas para subir nos pés e o transporte dos sacos de café nos carros de boi.
Em seguida o café é colocado no terreiro para secar, sendo frequentemente
revolvido com uma espécie de pá. O café então é transportado em cestos e
abanado. Diversos trabalhadores estão engajados nesta atividade. O filme termina
com os proprietários bebendo café com Loureiro Fernandes.
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Figura 16. Fazenda Santa Rosa. Secagem do café. Foto: Vladimir Kozák, 1945.

O próximo filme a ser comentado é “o Pilgrien, Lapa, Congadas”, produzido


em 1953. Neste filme Kozák registra o auto da Congada da Lapa para as pesquisas
de Loureiro Fernandes.Conforme as anotações de Kozák:
São Benedito foi cultuado pelos escravos negros por séculos e séculos.
Este culto e veneração, sobreviveu aos nossos dias, e os homens livres
até hoje promovem festas em honra a este santo negro. Mas estes
festivais mesmo raramente são ocasionalmente realizados na Lapa.
Neste lugar histórico, as Congadas tem sido realizadas somente uma vez
a cada dez anos. As Congadas da Lapa, são uma estranha mistura, da
religião católica africana, européia e portuguesa, formando um folclore
único.
A história desenvolve-se a partir de um fato histórico a conquista do
território de Angola na África pelos portugueses. E apresenta a história de
como a rainha africana Ginga a soberana de Angola enviou embaixadores
ao rei do Congo, o poderoso naqueles dias Zumbi Gonaiama.
Mas os embaixadores foram feitos prisioneiros por Zumbi Gonaiama, mais
tarde é claro eles foram perdoados e retornaram com uma mensagem do
rei negro para a rainha Ginga.
Este é o final feliz deste espetáculo alegórico tal qual foi encenado em 06
de maio de 1951 na Lapa.
Como é bom se tornar um rei, mesmo que seja em um sonho...

Este filme, com duração de 50 minutos, tem início com um mapa do Paraná
onde está localizada a cidade da Lapa. Em seguida legendas apresentam os
principais personagens e os interpretes da Congada da Lapa de 1953: guias,
músicos, porta-bandeiras, duque, chefe, embaixador, nobre, marquês, secretário,
príncipe, rainha do Congo e rei do Congo.
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Antes da realização do auto, a câmera apresenta os guias do filme: um


homem e um menino negro. Conversando e comendo caquis, os guias caminham
pela zona rural da Lapa, apresentando aos poucos os componentes da Congada.
Em sua primeira parada, um grupo de músicos, limpa seus instrumentos de
percussão. Continuando a caminhada, encontram alguns artesãos confeccionando
carrinhos de madeira. Alguns homens manuseiam espadas e uma coroa de papel.
Em sua caminhada, os guias apresentam o centro histórico da Lapa onde
visitam o Memorial do Cerco da Lapa. Sobem o morro e chegam à gruta do monge.
Na zona rural, inicia-se o auto da Congada. Os componentes trajados
dirigem-se a casa do rei e da rainha. O séqüito desfila pelas ruas da cidade até o
local de realização do auto, onde já está montado um altar improvisado. Ao som de
instrumentos como a rabeca, o tambor e o acordeom o auto se desenvolve com
danças e encenações. O filme termina com o guia acordando em um campo de
araucárias, como se o auto, fosse apenas um sonho.

Figura 17. Personagens da Congada da Lapa. Da esquerda para direita: o príncipe, o rei, o
reizinho e o embaixador. Ao fundo estão os músicos. Foto: Vladimir Kozák, 1951.
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Enquanto Kozák registrou em filmes, fotografias e desenhos a Congada da


Lapa de 1951, Loureiro Fernandes desenvolveu pesquisas de campo entre esta
comunidade coletando os textos e descrevendo a seqüência coreográfica do auto.
Os registros antropológicos de Loureiro foram publicados nos Anais do Congresso
Brasileiro de Folclore, realizado no Rio de Janeiro em 1951. Somente em 1977,
Loureiro reuniu as fotografias de Kozák às suas pesquisas sobre a Congada, em
artigo publicado nos Cadernos de Folclore.
Entre 1956 e 1961 Vladimir Kozák registrou as expedições de contato e de
pesquisa entre os índios Xetá, no noroeste do Paraná, mais precisamente na região
da Serra dos Dourados. Trata-se de 07 filmes que correspondem a horas de
gravações. Estes filmes constituem o único registro deste grupo indígena, que após
10 anos de contato já se encontrava praticamente extinto. São cenas que retratam
atividades cotidianas como a obtenção e o preparo dos alimentos, a confecção de
utensílios e a prática de rituais.

Figura 18. Grupo Indígena Xetá. Serra dos Dourados-PR. Foto: Vladimir Kozák

Este material cinematográfico e também fotográfico foi produzido para as


pesquisas que o Prof. José Loureiro Fernandes já estava desenvolvendo entre os
índios Xetá, desde 1955. A exibição destes filmes em congressos científicos no
50

Brasil e no exterior, trouxe grande notoriedade para Loureiro Fernandes. Em 1960 o


próprio Loureiro produziu um documentário sonorizado de 40 minutos a partir dos
filmes de Kozák. Com o título “Os Xetá na Serra dos Dourados”, este documentário
foi editado na França, pelo Museu do Homem de Paris.
Além dos filmes, fotografias e desenhos os quais constituem os únicos
registros imagéticos dos Xetá, Kozák também reuniu um rico material de anotações
em cadernetas de campo. Juntamente com pesquisadores do Museu de História
Natural de Nova Iorque, publicou em 1972 no periódico desta instituição suas
observações e registros fotográficos dos índios Xetá. Este artigo foi traduzido e
publicado em 1978, pelo Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico
Paranaense com o título “O índios Hetá: peixe em lagoa seca.
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CONCLUSÃO

Vladimir Kozák morreu em 03 de janeiro de 1979, sozinho em sua casa na


Vila São Paulo, em Curitiba. Após um processo de herança jacente o Museu
Paranaense tornou-se o gestor oficial de seu acervo particular. Como esta instituição
não possuía reserva técnica climatizada, o acervo cinematográfico de Kozák foi
transferido para a Cinemateca Brasileira em São Paulo, onde permaneceu até o
início de 2006.
Telecinados e transpostos para DVD e VHS, o rico acervo cinematográfico de
Vladimir Kozák encontra-se atualmente no Museu Paranaense a disposição dos
pesquisadores. Às 17 horas de filmes sobre o Paraná entre as décadas de 1940-
1950, constituem um registro único do início do desenvolvimento das pesquisas de
campo nas áreas de antropologia, história, geografia, geologia, zoologia e botânica.
Ao registrar cenas do homem, do território e da paisagem paranaense,
Vladimir Kozák deu continuidade a uma tradição regional, voltada para a construção
de uma identidade para o Paraná.
Esta preocupação teve início no Paraná Província através da participação em
exposições nacionais e internacionais e pela fundação de instituições culturais, a
exemplo do Museu Paranaense em 1876.
Com a República, a necessidade de construir uma identidade para o Paraná
ganha força com o movimento paranista e com seu principal articulador, o historiador
Romário Martins. Enquanto diretor do Museu Paranaense, Romário Martins
transformou a instituição em um organismo de divulgação do ideário paranista,
através da exposição de objetos e documentos que expressavam as características
do homem, do território e da paisagem paranaense.
Finalmente, no final da década de 1940 o Museu Paranaense, em parceria
com a recém criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras daria início a uma
série de pesquisas de campo voltadas para o conhecimento das diversas regiões do
Paraná. Os filmes de Kozák, além de documentar os aspectos antropológicos,
históricos, geográficos e biológicos, constituem por si só um documento histórico
que merece estudos mais aprofundados.
52

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