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Fı́sica Matemática I

Jorge L. deLyra

01 de Abril de 2010

13: Série de Laurent e Resı́duos


Como vimos, as séries de potências complexas nos fornecem uma importante representação
algorı́tmica das funções que são analı́ticas sem qualquer singularidades em uma determinada
região. Além disso, vimos que a construção de funções analı́ticas com uma singularidade
especı́fica, tal como
f (z)
g(z) = ,
z − z0
que é singular em z0 , tem grande utilidade, e codifica informação importante sobre a função
analı́tica f (z) usada na construção, obtenı́vel através de integrais de contorno fechado em
torno do ponto de singularidade. Assim, seria importante que tivéssemos uma representação
algorı́tmica também para funções com singularidades deste tipo, que chamamos de singu-
laridades isoladas ou polos. A série de Taylor nos dá uma representação algorı́tmica,

X f n′ (z0 )
f (z) = (z − z0 )n ,
n!
n=0

dentro do disco de convergência da série, mas apenas para funções que são analı́ticas, sem
tais singularidades. Se usássemos esta expansão em série para a função f (z) usada acima
na definição de g(z), podemos induzir que terı́amos para g(z) algo como
1
g(z) = f (z)
(z − z0 )

X f n′ (z0 )
= (z − z0 )n−1
n!
n=0

X f n′ (z0 )
f (z0 )
= + (z − z0 )n−1
z − z0 n!
n=1

f (z0 ) X f (m+1)′ (z0 )
= + (z − z0 )m ,
z − z0 (m + 1)!
m=0

que representaria a função dentro do disco de convergência da série original, mas fora do
ponto z0 . Assim, a expectativa é que, para poder representar uma função com um polo,
uma série de potências teria de começar com uma potência negativa suficientemente grande.
Vamos agora estender o conceito de série de Taylor, de tal forma que ele possa ser
aplicado a funções com uma ou mais singularidades pontuais dentro do disco. Considere
uma função f (z) que é analı́tica sobre dois cı́rculos em torno de z0 , bem como na região
anelar entre os dois cı́rculos, como ilustrado na figura que segue.

1
Fig. 1: O plano complexo com os dois cı́rculos C1 e C2 , a região anelar e o circuito C0 .

Vamos permitir que f (z) tenha singularidades, cuja natureza por ora não precisa ser espe-
cificada, estritamente no interior do disco interno, cuja borda é C2 . O ponto z0 é o centro
dos dois cı́rculos que definem a região anelar, e pode ser, mas não precisa ser, a localização
de uma das singularidades. Neste caso podemos usar a fórmula de Cauchy para escrever

1 f (z ′ ) ′
I
f (z) = dz ,
2πı C0 z ′ − z

onde z é um ponto interno ao circuito C0 , que está contido na região anelar, como mostrado
na figura. Usando o teorema de Cauchy-Goursat, podemos decompor os circuitos circulares
C1 e C2 como mostrado na figura seguinte, de tal forma que a integral sobre C0 pode ser
deformada em uma integral sobre C1 e C2 , através da anexação da região interior de C3 .

Fig. 2: O plano complexo com a região anelar e os circuitos C0 e C3 .

Basta considerar que, como a função f (z ′ )/(z ′ − z) é analı́tica em todo o interior de C3 ,


uma vez que o ponto z está fora do interior de C3 , e portanto que o denominador nunca se
anula dentro de ou sobre C3 , temos que

f (z ′ ) ′
I
dz = 0.
C3 z − z

Segue que podemos somar a integral sobre C3 à integral sobre C0 , obtendo assim a relação
I 
1 f (z ′ ) ′ f (z ′ ) ′
I
f (z) = dz + dz .
2πı C0 z − z

C3 z − z

2
Examinando as combinações e os cancelamentos dos diversos segmentos dos circuitos, vemos
que esta soma de integrais pode ser escrita como uma soma de integrais sobre C1 e C2 ,
f (z ′ ) ′ f (z ′ ) ′ f (z ′ ) ′ f (z ′ ) ′
I I I I
dz + dz = dz − dz ,
C0 z − z C3 z − z C1 z − z C2 z − z
′ ′ ′ ′

onde o sinal do termo sobre C2 foi invertido devido à inversão da orientação daquele circuito.
Segue que podemos escrever que, para um ponto z interno à região anelar,
1 f (z ′ ) ′ 1 f (z ′ ) ′
I I
f (z) = dz − dz .
2πı C1 z ′ − z 2πı C2 z ′ − z

Esta fórmula é uma generalização da fórmula de Cauchy, que dá f (z) em termos de uma
integral de circuito fechado em torno de z, da qual deduzimos anteriormente a série de
Taylor. De fato, a fórmula de Cauchy é precisamente o primeiro destes dois termos. Como
o ponto z está dentro da região anelar e portanto fora de C2 , se f (z) for analı́tica dentro
de C2 então a segunda integral é nula, e voltamos portanto a ter a fórmula de Cauchy em
sua forma original.
Antes de continuarmos com o desenvolvimento, é interessante observar que até aqui
nada do que fizemos depende do fato de que escolhemos dois cı́rculos para construir a
região anelar. Tudo valeria igualmente para qualquer região conexa que tenha um único
furo interno, independentemente do formato preciso da região ou do furo. Como veremos
a seguir, e de forma análoga ao caso da série de Taylor, é apenas para a demonstração de
convergência, ou seja de que os restos vão a zero no limite de soma da série, que é preciso
que a região anelar seja constituı́da de dois cı́rculos.
Da mesma forma como usamos a fórmula de Cauchy para deduzir dela a série de Taylor,
podemos considerar a possibilidade de deduzir desta fórmula generalizada uma série para
representar algoritmicamente a função f (z), que será válida mesmo em casos nos quais f (z)
tem singularidades dentro do disco cuja borda é C1 . No caso da primeira integral podemos
proceder exatamente como fizemos no caso da série de Taylor, escrevendo o denominador
que aparece no integrando da forma

1 1 (z − z0 ) (z − z0 )2
= + + + ...
z −z
′ (z ′ − z0 ) (z ′ − z0 )2 (z ′ − z0 )3
(z − z0 )n−1 (z − z0 )n
+... + + ,
(z ′ − z0 )n (z ′ − z0 )n (z ′ − z)
onde o último termo é o que irá constituir o resto da série. Podemos portanto manipular a
primeira integral de forma a obter

f (z) = a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 )2 + . . . + an−1 (z − z0 )n−1 + Rn


1 f (z ′ ) ′
I
− dz .
2πı C2 z ′ − z

onde o resto Rn é o mesmo que foi deduzido anteriormente,


(z − z0 )n f (z ′ )
I
Rn = n (z ′ − z)
dz ′ ,
2πı C1 (z ′ − z 0 )

e onde os coeficientes an , n = 0, 1, 2, 3, . . . são dados, como antes, por


1 f (z ′ )
I
an = dz ′ .
2πı C1 (z ′ − z0 )n+1

3
São estas as fórmulas que anteriormente nos davam as n-ésimas derivadas de f (z) no ponto
z0 , mas note que não podemos mais escrever os coeficientes an desta forma, pois por hipótese
f (z) pode não ser analı́tica em todo o interior do circuito C, e a analiticidade em todo o
interior do circuito é essencial para que as fórmulas que associam estas integrais com as
derivadas tenha validade. Note entretanto que, se for verdade que (z − z0 )f (z) é analı́tica
em z0 , como em nosso exemplo inicial, ou seja que

h(z)
f (z) = ,
z − z0
onde h(z) é analı́tica em todo o interior, então podemos escrever que

1 h(z ′ )
I
an = dz ′ ,
2πı C1 (z ′ − z0 )n+2

e então podemos usar as fórmulas para as derivadas de h(z), obtendo assim

h(n+1)′ (z0 )
an = .
(n + 1)!

Este é precisamente o resultado que obtemos manipulando diretamente a série da função


analı́tica e a singularidade explı́cita, como fizemos logo no inı́cio desta seção. Ou seja, neste
caso particular o coeficiente an da série de f (z) é de fato igual ao coeficiente an+1 da série
de h(z).
No caso da segunda integral, podemos fazer manipulações semelhantes àquelas feitas
para a série de Taylor, mas é preciso lembrar que o papel dos pontos z e z ′ em relação ao
circuito muda neste caso. Para o circuito externo C1 , z está dentro do circuito e z ′ sobre
ele, de forma que temos a desigualdade |z − z0 | ≤ |z ′ − z0 |. Para o circuito interno C2 ,
por outro lado, o ponto z está fora do circuito, o que inverte a desigualdade, que passa
a ser |z ′ − z0 | ≤ |z − z0 |. Assim, devemos esperar que as diferenças (z − z0 ) e (z ′ − z0 )
trocarão seus papéis, de forma que neste caso manipulamos o denominador que aparece no
integrando, incluindo o sinal, da seguinte forma,
−1 1
=
z′−z (z − z0 ) − (z ′ − z0 )
1 1
=
(z − z0 ) (z ′ − z0 )
1−
(z − z0 )
1 ′
(z − z0 ) (z ′ − z0 )2 (z ′ − z0 )n−1 (z ′ − z0 )n
= + + + . . . + + ,
(z − z0 ) (z − z0 )2 (z − z0 )3 (z − z0 )n (z − z0 )n (z − z ′ )

onde o último termo irá constituir o resto desta nova série, e pode-se observar que de fato
as variáveis z e z ′ trocaram de posição em relação ao desenvolvimento usado para a série
de Taylor. Usando esta expansão na segunda integral, obtemos agora para a expansão
completa de f (z) dentro da região anelar em torno de z0 ,

f (z) = a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 )2 + . . . + an−1 (z − z0 )n−1 + Rn


b1 b2 bn
+ + 2
+ ... + + Qn ,
(z − z0 ) (z − z0 ) (z − z0 )n

onde o resto Rn é o mesmo de antes, e o resto Qn é dado por

4
1 (z ′ − z0 )n f (z ′ ) ′
I
Qn = dz ,
2πı (z − z0 )n C2 (z − z ′ )

e onde os coeficientes bn , n = 1, 2, 3, . . . são dados por


1
I
bn = (z ′ − z0 )n−1 f (z ′ ) dz ′ .
2πı C2

A demonstração de que Rn → 0 quando n → ∞ procede como antes, e a partir deste ponto


é necessário que a região anelar tenha como borda externa um cı́rculo. Desta vez obtemos,
em termos do raio r1 do cı́rculo externo,
 n
r r1
|Rn | ≤ fM1 ,
r1 r1 − r

onde fM1 é o máximo do módulo de f (z) sobre o circuito externo, o que implica que Rn → 0
quando n → ∞, pois r/r1 < 1, uma vez que z está dentro da região anelar e portanto dentro
de C1 . Para o caso de Qn , a demonstração se processa de forma semelhante, e exige que a
borda interna da região anelar também seja um cı́rculo. Em termos do raio r2 do cı́rculo
interno, obtemos
 r n r
2 2
|Qn | ≤ fM2 ,
r r − r2
onde fM2 é o máximo do módulo de f (z) sobre o circuito interno. Assim, temos também
que Qn → 0 quando n → ∞, pois r2 /r < 1, uma vez que z está dentro da região anelar e
portanto fora de C2 . Desta forma, estamos autorizados a escrever que
∞ ∞
X X bn
f (z) = an (z − z0 )n + ,
(z − z0 )n
n=0 n=1
1 f (z ′ )
I
an = dz ′ ,
2πı C1 (z ′ − z0 )n+1
1
I
bn = (z ′ − z0 )n−1 f (z ′ ) dz ′ .
2πı C2

Esta série generalizada é a série de Laurent. Ela nos fornece uma representação da função
f (z), tão fiel quanto a de Taylor, que vale na região anelar na qual a função é analı́tica.
Esta representação envolve agora tanto potências positivas quanto negativas. É interessante
observar que as demonstrações de convergência não exigem que os dois cı́rculos que definem
a região anelar sejam concêntricos. Basta que tenhamos dois cı́rculos, um contido dentro
do outro, de tal forma que f (z) seja analı́tica na região anelar entre os dois. A função do
cı́rculo interno é a de efetivamente retirar do interior da região os pontos onde a função tem
singularidades.
Note-se que, se f (z) for analı́tica dentro de todo o disco externo de borda C1 , então todas
as integrais que aparecem nas expressões dos coeficientes bn se anulam devido ao teorema
de Cauchy-Goursat, enquanto as integrais que aparecem nas expressões dos coeficientes an
passam a dar as derivadas de f (z) no ponto z0 , de forma que neste caso a série generalizada
que obtivemos se reduz à série de Taylor. Note-se também que o coeficiente b1 tem um
caráter um tanto especial, sendo dado em termos de f (z) por uma integral envolvendo
apenas esta função, sem potências adicionais explı́citas de (z ′ − z0 ),

5
1
I
b1 = f (z ′ ) dz ′ .
2πı C2

Observe-se ainda que, devido mais uma vez ao teorema de Cauchy-Goursat, os coeficientes
an e bn podem ser escritos não apenas em termos de integrais sobre C1 e C2 , como mostrado
acima, mas de fato em termos de integrais sobre qualquer circuito C, não necessariamente
circular, que dê exatamente uma volta dentro da região anelar entre C1 e C2 , como mostrado
no diagrama que segue.

Fig. 3: O plano complexo com os dois cı́rculos C1 e C2 , a região anelar e o circuito C


contido dentro dela.

Desta forma, vemos que podemos escrever a série de Laurent de forma unificada e mais
sucinta,

X
f (z) = An (z − z0 )n ,
n=−∞
1 f (z ′ )
I
An = dz ′ ,
2πı C (z ′ − z0 )n+1
onde para n ≥ 0 temos que An = an e para n < 0 temos que An = b−n . Assim como
fizemos no caso do disco de convergência da série de Taylor, podemos pensar em estender
a região anelar de convergência da série de Laurent, tanto para fora quanto para dentro.
Em cada caso, podemos variar os raios, aumentando r1 e diminuindo r2 , até que a primeira
singularidade de f (z) seja atingida, em cada uma das duas direções. Entretanto, diferente-
mente do que acontecia no caso da série de Taylor, no qual os coeficientes eram escritos em
termos dos valores da função e de suas derivadas num único ponto, o ponto z0 , em nosso
caso aqui os coeficientes são escritos como integrais de circuito, de forma que não é preciso
que o ponto z0 seja mantido fixo durante este processo. Vemos aqui, mais uma vez, que
os dois cı́rculos não precisam ser concêntricos. Assim, podemos variar livremente o cı́rculo
interno, variando tanto o seu raio quanto o seu centro, desde que ele não deixe de conter
todas as singularidades internas. Da mesma forma, podemos variar o raio e o centro do
cı́rculo externo, desde que ele não passe a conter nenhuma singularidade externa.
Em relação aos pontos de singularidade internos, há um caso especial que é particular-
mente importante. Se a função f (z) for analı́tica em todo o interior de C1 exceto por um

6
único ponto, que se constitui portanto como uma singularidade isolada, então o raio r2 do
cı́rculo interno pode ser tornado tão pequeno quanto se queira, desde que o centro z0 deste
cı́rculo se aproxime indefinidamente da singularidade. Para simplificar um pouco as coisas,
podemos de fato simplesmente escolher a singularidade como o centro z0 do cı́rculo interno,
e portanto o circuito C pode estar arbitrariamente próximo da singularidade, que passa a
estar localizada em z0 . Assim, vemos que os coeficientes da série passam a ser escritos de
tal forma que fica evidente que eles dependem apenas do comportamento da função nas
imediações da singularidade. Quando f (z) tem apenas uma tal singularidade isolada em
z0 , dizemos que o coeficiente b1 = A−1 é o resı́duo de f (z) naquele ponto singular.
Para enfatizar a importância deste resı́duo, ou seja deste coeficiente particular da série,
basta observar que a integral da função f (z) em um circuito que dá uma única volta em
torno do ponto de singularidade z0 e não contém mais nenhuma singularidade é dada de
forma muito simples por 2πı b1 , ou seja apenas pelo termo b1 . Se escrevêssemos esta integral
integrando a série de Laurent de f (z) termo-a-termo, as integrais de todos os outros termos
se anulariam, de forma que restaria apenas o termo com o coeficiente b1 . Mais uma vez
isto pode ser compreendido de forma geométrica, se pensarmos na integral complexa como
um par de integrais de linha. Como já vimos antes, há uma espécie de ressonância entre as
voltas do vetor w ~ I em torno de si mesmo e a volta em torno do ponto z0 , que faz com que
apenas a integral do termo com 1/(z − z0 ) seja diferente de zero. Assim, vemos que o valor
de integrais de circuito fechado da função f (z) estão intimamente relacionados com os seus
resı́duos em pontos de singularidade.
A questão restante é a de como se calcular os coeficientes da série de Laurent, e em
particular o coeficiente b1 que nos dá o resı́duo no caso de uma singularidade isolada. No
caso da série de Taylor este problema é tornado trivial pelas fórmula de Cauchy para as
derivadas múltiplas da função, através dos quais os coeficientes podem ser escritos em
termos das derivadas da função no ponto z0 . No caso da série de Laurent um método geral
tão simples quanto este não está disponı́vel. Entretanto, em muitos casos os coeficientes
ainda podem ser determinados de forma simples. Note-se que em muitos casos, incluindo
a maior parte dos casos de maior interesse para nós, muitos dos coeficientes bn podem ser
nulos, e de fato é muito comum que apenas um número finito deles seja diferente de zero.
Por exemplo, a função
1
f (z) =
(z − 1)2

já está na forma de uma série de Laurent, com z0 = 1, A−2 = 1 e An = 0 para n 6= −2.
Em muitos casos os coeficientes an , bn ou An podem ser encontrados por outros meios
que não o uso direto das expressões em termos de integrais. Muitas vezes é possı́vel obter
os coeficientes combinando duas séries de Taylor ou de Maclaurin, ou através de simples
mudanças de variáveis. Por exemplo, a partir da série de Maclaurin da exponencial podemos
deduzir de imediato que

ez 1 1 1 z z2
= + + + + + ... ,
z2 z 2 z 2 3! 4!
o que nos dá de forma muito fácil a série de Laurent desta função. Um exemplo menos
trivial é, a partir da série de Taylor da exponencial e de uma mudança de variáveis, escrever
que

X 1
e1/z = 1 + .
n! z n
n=1

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Como é verdade que a série de Laurent de uma função, assim como era o caso para a série
de Taylor, é única, qualquer destas manipulações lı́citas produz como resultado a série de
Laurent da função em torno do ponto z0 . De fato, todas as propriedades importantes das
séries de potências positivas, como a série de Taylor, podem ser generalizadas para as séries
de Laurent, dentro dos seus domı́nios de convergência.
É interessante fazer aqui alguns comentários de caráter mais geral, antes de continuar
com nosso desenvolvimento. Pode-se usar as séries de Taylor e Laurent para demonstrar
muitos fatos importantes sobre as funções analı́ticas. Por exemplo, um teorema importante
que se relaciona com elas é o teorema da continuação analı́tica (ou extensão analı́tica).
Segundo este teorema, se duas séries de potências, uma em torno de z0 e outra em torno
de z1 , têm discos de convergência que se intersectam em mais de um ponto, e as duas
séries coincidem (têm os mesmos limites em cada ponto) dentro do domı́nio comum de
convergência, então elas são as representações (únicas, cada uma relativa ao seu ponto)
de uma mesma função analı́tica, cada uma dentro do seu domı́nio de convergência. Desta
forma, vemos que através do uso de séries de potências com discos de convergência que
se intersectam, é possı́vel estender a definição de uma função analı́tica, de forma única e
consistente, de qualquer região do plano complexo para qualquer outra região conectada
com a primeira, na qual ela exista.
Outro exemplo é que pode-se usar este fato, ou a série de Taylor diretamente, para
mostrar que os zeros de uma função analı́tica que não seja identicamente nula são isolados,
ou seja, existe um disco aberto em torno de cada um deles dentro do qual não há outro zero.
Isto tem uma certa importância para nós porque os zeros de uma função analı́tica definem
as singularidades de uma função racional na qual ela apareça em denominador e, como
vimos, singularidades isoladas têm uma importância particular para o cálculo de integrais.
Entretanto, ao contrário do caso dos zeros, em geral as singularidades de funções analı́ticas
não são necessariamente isoladas. Vamos terminar esta palestra usando a série de Taylor
para mostrar que os zeros de funções analı́ticas são sempre isolados. Consideremos portanto
uma função f (z) que seja analı́tica num ponto z0 . Segue que existe um disco centrado em
z0 dentro do qual a função é representada por sua série de Taylor,

X
f (z) = an (z − z0 )n
n=0

X f n′ (z0 )
= (z − z0 )n .
n!
n=0

Imaginemos que f (z) tem um zero em z0 . É claro que, em torno de qualquer ponto no qual
f (z) tenha um zero e seja analı́tica, podemos construir uma série de Taylor. Neste caso,
f (z0 ) = 0 implica que a0 = 0. Agora, pode acontecer também que a função tenha derivada
nula neste ponto, e portanto que a1 = 0. Entretanto, a menos do caso no qual a função é
identicamente nula dentro do disco de convergência da série, não pode acontecer que todas
as derivadas sejam nulas em z0 . Isto é verdade porque a série de Taylor de uma função em
torno de um ponto dado é única, de forma que a série de Taylor da função identicamente
nula é a única que tem todos os coeficientes nulos.
Assim, se a função tem um zero em z0 mas não é identicamente nula, segue que tem
de haver algum coeficiente am que não é nulo. Quando todos os coeficientes até am são
nulos, mas am 6= 0, dizemos que a função tem um zero de ordem m em z0 . Assim, a série
de Taylor desta função em torno de z0 pode ser escrita como

X
f (z) = an (z − z0 )n
n=m

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X
m
= (z − z0 ) ak+m (z − z0 )k
k=0
= (z − z0 )m g(z),

onde g(z) é uma função analı́tica, uma vez que é representada por uma série de potências,
que não tem um zero em z0 . Imaginemos que haja um ponto z1 6= z0 dentro do disco de
convergência da série de f (z) no qual f (z1 ) = 0. Como temos que (z1 − z0 ) 6= 0 segue que
(z1 − z0 )m 6= 0, de forma que se f (z1 ) = 0 é necessário que g(z1 ) = 0. Se este for o único
outro zero de f (z) dentro do disco centrado em z0 de raio |z1 − z0 |, então segue que existe
um disco em torno de z0 onde não há nenhum outro zero de f (z), e portanto que o zero de
f (z) em z0 é um zero isolado. De fato, se há um zero de g(z) que é aquele que está mais
próximo de z0 dentre todos os zeros de g(z), e ele estiver num ponto z1 6= z0 , então segue
que o zero de f (z) em z0 é um zero isolado.
Assim, a única forma do zero de f (z) em z0 não ser isolado é que existam zeros de g(z)
que estejam arbitrariamente próximos de z0 , ponto no qual g(z) não tem um zero, uma
vez que temos que g(z0 ) = am 6= 0. Entretanto, é fácil ver que esta situação violaria a
continuidade de g(z) em z0 . Como g(z) é analı́tica em z0 , segue em particular que g(z) é
também contı́nua naquele ponto, ou seja, que o seguinte limite existe e tem o valor mostrado,

lim g(z) = g(z0 ) = am 6= 0.


z→z0

Formalmente, o que isto quer dizer é que, dado um número real positivo ǫ, é sempre possı́vel
achar um número real positivo δ tal que, para todo z dentro do disco de raio δ centrado
em z0 , é verdade que

|g(z) − g(z0 )| < ǫ.

Entretanto, se existirem pontos z1 arbitrariamente próximos de z0 nos quais g(z1 ) = 0,


então o limite não existe. Para ver isto, basta escrever formalmente a condição do limite,
escolhendo um valor de ǫ real e positivo tal que ǫ < |am |. Fica claro então que não existe
nenhum disco de raio δ centrado em z0 , para nenhum valor real positivo de δ, tal que
|g(z) − g(z0 )| seja menor do que ǫ para z dentro do disco, pois não importa quão pequeno
seja δ, existe um ponto z1 dentro do disco no qual g(z1 ) = 0 e portanto no qual

|g(z1 ) − g(z0 )| = |g(z0 )| = |am | > ǫ.

Vemos portanto que se o zero de f (z) em z0 não for isolado, a função g(z) não pode ser
contı́nua em z0 . Entretanto, a função g(z) é manifestamente contı́nua, e de fato analı́tica,
em z0 . Segue que o zero de f (z) em z0 é necessariamente isolado. Como tudo o que foi
feito aqui vale para qualquer zero de qualquer função analı́tica que não seja identicamente
nula, segue que uma função analı́tica tem sempre todos os seus zeros isolados, a menos que
ela seja identicamente nula.
Como a função identicamente nula é um caso particular da função constante, e ambas
são de fato analı́ticas sobre todo o plano complexo, a combinação do teorema demonstrado
acima com o teorema de continuação analı́tica, que foi mencionado anteriormente, nos leva
a consequências interessantes. Em primeiro lugar, uma função analı́tica que tenha um
zero não isolado é sempre identicamente nula sobre todo o plano complexo. Além disso,
uma função analı́tica que não é identicamente constante não pode ser constante sobre uma
curva ou região bidimensional do plano complexo. Se uma função f (z) é uma constante A
sobre algum segmento de curva, então a função analı́tica g(z) = f (z) − A tem zeros sobre

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este segmento, e segue que é a função identicamente nula sobre todo o plano complexo.
Segue então que f (z) = A sobre todo o plano complexo. Finalmente, podemos ver que
se duas funções analı́ticas f1 (z) e f2 (z) coincidem sobre um segmento de curva, então elas
são idênticas. Isto é verdade porque neste caso a função analı́tica g(z) = [f1 (z) − f2 (z)]
tem zeros sobre o segmento, e segue que é a função identicamente nula sobre todo o plano
complexo, ou seja, f1 (z) = f2 (z).
Em conclusão, como uma função analı́tica tem sempre seus zeros isolados, uma função
que tenha singularidades devido ao fato de ter uma função analı́tica em denominador tem
as singularidades geradas deste modo igualmente isoladas. Apesar de que é possı́vel que
uma função analı́tica tenha singularidades que não são isoladas, na maior parte dos casos
de interesse elas serão isoladas, e estaremos portanto em condições de tratar cada uma delas
de forma isolada, e de considerar os seus resı́duos para o cálculo de integrais complexas de
circuito fechado.

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