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Previdência Social: o que é, como funciona,

e o que é a reforma
Italo Cunha, Ivanildo Santos Terceiro, Lucas Bellinello, Nicholas Leviski, e Raphael Ryutaro
Sakamoto | 29 de janeiro, 2018
Em época de debates sobre a previdência, ainda há pouca informação sobre o tema
condensada em um único lugar. Muitas pessoas tendem a olhar a ideia com certa estranheza e
até fazem-se irredutíveis, adotando premissas como “nenhum direito a menos” ou “não abro
mão de um direito fundamental”. No entanto, é preciso analisar o problema de forma ampla,
entender o que é a previdência atualmente, o por quê de uma reforma, e as opções que estão
além do sistema.

Como funciona a previdência social no Brasil


A Constituição estabelece no Art. 201 que:
A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;


II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de
baixa renda;
Assim, a previdência social é um seguro público, coletivo e compulsório. Deste modo, todos
os trabalhadores economicamente ativos são obrigados a aderir ao sistema de maneira
forçada, sob pena de crime de suprimir ou reduzir a contribuição social previdenciária,
tipificado no Código Penal no Art. 337-A, com pena de dois a cinco anos, além de multa e do
pagamento da quantia principal devida.
A Previdência Social está inserida dentro do Sistema de Seguridade Social brasileiro, também
responsável por programas de assistência social (como o Bolsa Família) e voltados à saúde
pública (como o SUS). O custo do sistema de seguridade social brasileiro é composto por
receitas provenientes da (I) União, (II) de Contribuições Sociais e de (III)outras fontes.
As contribuições sociais são bancadas por empregados (por meio de contribuição sobre a sua
renda, variando entre 7,65% a 20% do salário-de-contribuição, de acordo com o tipo de
segurado) e empregadores (através de uma série de tributos, como CSLL, COFINS, e uma
contribuição previdenciária de ao menos 20% sobre o valor total da folha de pagamento).
Constituem outras fontes de financiamento 40% (quarenta por cento) do resultado dos leilões
dos bens apreendidos pelo Departamento da Receita Federal, 50% do arrecadado com bens
expropriados por crimes ligados ao tráfico de drogas e trabalho escravo, a renda líquida das
loterias, excetuando-se o destinado a programas de crédito educacional como o FIES, além de
fontes previstas em leis específicas.
Apesar do Orçamento da Seguridade Social poder ser gasto quase que integralmente no
custeio da Previdência, esta seria uma medida que diminuiria os valores gastos em áreas como
assistência social e saúde pública. De fato, como discutiremos ao longo do texto, a
necessidade ou não de uma Reforma da Previdência passa pela discussão de quanto estamos
dispostos a cortar de outras áreas a fim de manter o funcionamento do nosso sistema
previdenciário.
Por fim, além do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), para os trabalhadores do setor
privado; a União também é responsável por administrar o Regime Próprio de Previdência
Social (RPPS), destinado aos funcionários públicos federais, e gerenciar as contribuições para
o sistema de pensões das Forças Armadas.

A previdência social é um esquema de pirâmide?


O Brasil adota um sistema previdenciário de repartição simples, isto é, os atuais contribuintes
pagam o prêmio dos que já estão aposentados, na expectativa que no futuro haja outros
contribuintes para pagarem por seu prêmio. Em resumo, quem entra no sistema paga o
investimento de quem é mais antigo e está no topo dele.
Curiosamente, montar um sistema parecido, mas privado, seria crime em nosso país. Um
arranjo em que quem está entrando agora só receberá se mais pessoas entrarem e o
empurrarem para o topo da “pirâmide” é crime de acordo com a Lei Contra a Economia
Popular (Lei nº 1.521/51), assim disposto:
Art. 2º. São crimes desta natureza:
IX – obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de
número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos
fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros
equivalentes);

O porquê de uma reforma?


Formulada na primeira metade do século XX pelo demógrafo americano Frank Notestein para
renater, com um método lógico, a teoria Malthusiana, a teoria da transição demográfica.
afirma que o crescimento populacional ocorre em ciclos e de acordo com os estudiosos da
teoria, cada ciclo consiste de quatro fases:
•1ª fase (pré-transição): há um certo equilíbrio entre as taxas de natalidade e
mortalidade, porém ambas com números muito altos. Essa fase geralmente é notada em
países com baixo desenvolvimento econômico e social.
•2º fase (aceleração): aqui ocorre o crescimento acentuado da população, por um
aumento na expectativa de vida e redução da taxa de mortalidade, dados por questões
sociais como melhor acesso à saúde, saneamento básico, acesso à água potável etc.
•3º fase (desaceleração): redução da natalidade, por uma intensa urbanização,
planejamento familiar, inclusão da mulher no mercado de trabalho, estima-se que o Brasil
viveu essa fase a partir da década de 70.
•4º fase (estabilização): a taxa de natalidade e mortalidade se equilibram em números
muito baixos.
Desde o início da década de 70, o Brasil passou a viver sua fase de desaceleração, e agora se
encontra no início da sua fase estabilização com uma taxa de natalidade menor que o
necessário para manter o crescimento populacional, isto é, acima de dois filhos por mulher.
Em um país com um sistema previdenciário de repartição simples, a estabilização
populacional pode ser um grande problema. O número de aposentados subirá enquanto o de
contribuintes diminuirá, gerando déficits e a necessidade para que cada vez mais dinheiro seja
gasto apenas com o pagamento de aposentadorias.
Em uma tentativa de contornar o problema, o Governo Federal continuamente vem
apresentando proposta de Reforma da Previdência. Fernando Henrique Cardoso, Lula, e
Dilma Rousseff realizaram em seus governos alterações no sistema previdenciário brasileiro
dificultando as regras para aposentadoria. De fato, alguns meses antes do seu impeachment,
Dilma sinalizou à sua base que proporia uma profunda reforma na previdência brasileira.
Desta vez não foi diferente e ainda em 2017, o governo anunciou mais uma tentativa de
reformar a previdência. Em seu discurso, o Ministro da Fazenda Henrique Meirelles
demonstrou preocupação com a transição demográfica, afirmando: “No atual ritmo, em 2060,
vamos ter apenas 131 milhões de brasileiros em idade ativa (hoje são 141 milhões). No
mesmo período, os idosos crescerão 263%”.
Permanecendo nesse ritmo, num futuro não tão distante haverá uma severa crise econômica,
fazendo a população economicamente ativa pagar uma carga tributária maior que atual, mas
apenas para sustentar a população de aposentados, sem nenhum tipo de assistência social,
saúde, segurança, ou qualquer outra coisa!
O economista do Insper Marcos Lisboa estima que em 2060, se nada for feito, 1 em cada R$ 4
produzidos no Brasil será gasto apenas com aposentadorias e pensões. Para ele, a gravidade
desta conta se esconde nos detalhes. Com toda a renda sendo consumida em aposentadorias e
pensões, não sobraria dinheiro para fazer investimentos e aumentarmos nossa produtividade,
nos tornando mais pobres. Além disso, problemas como greves por atrasos de salários – como
realizada no Rio Grande do Norte – e incapacidade de fazer frente ao crime organizado por
falta de orçamento se tornariam cada vez mais frequentes.
Ainda assim, vale salientar, que a reforma proposta pela equipe do governo não resolve o
problema, nem torna a previdência superavitária. Neste momento, ela apenas dá um alívio nas
contas públicas de alguns anos, tempo que os economistas acreditam ser suficiente para
criação das condições políticas para uma ampla reforma.

E como é a proposta de reforma do governo?


O atual texto da Reforma da Previdência mantém o tempo mínimo de contribuição de 15 anos
(180 meses) para os futuros aposentados pelo INSS, mas a eleva para 25 no caso dos
funcionários públicos. A medida pode corrigir uma distorção no atual sistema. Dado que
trabalhadores da iniciativa privada sofrem com o desemprego e a informalidade, tendo por
diversas vezes suas contribuições não recolhidas ao INSS, algo inexistente no caso do
funcionalismo público.
Além disso, a idade mínima será de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres, com
exceções para professores (60 anos para ambos os sexos), policiais (55 para ambos os sexos),
e o segurado especial (55 para mulheres e 60 para homens).
A transição prevê idade mínima de 53/55 anos para o INSS e 55/60 para servidores em 2018.
As idades sobem um ano a cada dois anos (54/56 anos em 2020 no INSS, por exemplo),
alcançando o previsto legalmente em 2028 para os funcionários públicos homens e apenas em
2038 para os homens do setor privado.
Antes com alterações profundas, a aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada
(que, em tese, pagaria um salário mínimo a idosos e pessoas com deficiência pobres, mas foi
desvirtuado de acordo com técnicos do governo) foram excluídos do texto da reforma.
A nova legislação também proíbe o acúmulo de pensões somada a aposentadoria acima de
dois salários mínimos e prevê que as contribuições sociais deixem de ficar submetidos à
Desvinculação de Receitas da União (DRU).

O que significa não fazer uma Reforma na Previdência?


Na última década, os gastos da Previdência Social cresceram fortemente ano após ano.
Segundo os dados do Anuário Estatístico da Previdência Social, o crescimento anual médio
desse gasto de 2005 a 2015 foi de 5,3%, mais do que o dobro do crescimento do PIB no
período, de 2,5%, como mostra o Gráfico 1, abaixo. Esse crescimento fez com que o peso da
Previdência sobre o orçamento chegasse a mais de 40%, limitando a possibilidade de redução
de impostos ou investimentos em áreas mais prioritárias, como educação e saúde.

Isso decorre de um rápido envelhecimento populacional, que leva a um aumento contínuo da


parcela de aposentados, pressionando os gastos previdenciários. O Gráfico 2, abaixo, expõe a
razão de aposentados sobre população por faixa de idade. Ademais, a população mais idosa
tende a crescer cada vez mais rápido, de 8% da população total em 2015 para cerca de 20%
em 2060.

Analisando cada despesa da Previdência Social, percebe-se que, de 2005 a 2015, os benefícios
que mais cresceram foram os ligados à idade avançada, principalmente os considerados
assistências. Entre os que cresceram acima da média do gasto total, foram: a aposentadoria
por idade, aposentadoria rural e os benefícios assistenciais do LOAS.
Com isso, percebe-se que uma reforma da previdência se torna absolutamente urgente, tendo
em vista as projeções de crescentes gastos para o futuro. E, como se viu pela composição dos
gastos previdenciários, essa reforma deve se concentrar principalmente sobre as
aposentadorias por idade, as aposentadorias rurais e o LOAS/RMV, que concentram a maior
parte do crescimento do peso da Previdência Social sobre as contas públicas.

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