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2. ed. rev. e atual.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Chagas, José Roberto O.


C433c Curso de capacitação teológica. 2. ed. rev. e atual. /José
Roberto O. Chagas. -- Campo Grande-MS: Kenosis, 2012.

412 p.
ISBN 978-85-64401-15-0

1. Teologia 2. Teologia - Prática cristã


3. Cristianismo 4. Bíblia I. Título

CDD 230.071

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mÓDulo 07:

HERMENÊUTICA:
SÍNTESE HISTÓRICA,
CRÍTICA E TEOLÓGICA DA
INTERPRETAÇÃO BÍBLICA
7.1. Desafios do Nosso
Tempo à Interpretação Bíblica

ij

A
religião judaico-cristã está sendo bombardeada veementemente
nesta era pós-moderna. É verdade que as adversidades sempre
fizeram parte da história da Igreja Cristã. Hoje, porém, elas
parecem mais sutis. De um lado, o externo, estão os pressupostos pós-modernistas
questionando a validade de doutrinas até então aceitas como verdadeiras; as
áreas ética, religiosa e teológica, para citar exemplos, sentem tais efeitos. Do
outro lado, o interno, a situação também é grave: a Igreja Evangélica Brasileira,
apesar de sua expansão numérica, tem demonstrado, através do ensino e prática,
suas deficiências bíblicas e teológicas. O descompasso entre a doutrina bíblica e
a vivência de muitos “cristãos”, líderes e liderados, tem resultado em alarmante
crise reputacional e amplificado as críticas de indivíduos hostis à fé cristã.
190

DesAFIo À HeRMenÊUTICA BÍBLICA nA PÓs-MoDeRnIDADe

Uma análise detalhada da realidade atual e do nosso próprio eixo contextual


é suficiente para identificar algumas ameaças à Igreja Evangélica Brasileira na
pós-modernidade. O problema da complexidade das demandas que estão sendo
gestadas no cenário pós-modernista e apresentadas à Igreja agrava-se ainda mais
ao percebermos que cristãos, de muitas congregações, têm dificuldades:
1. Na meditação frequente e na interpretação das Escrituras
2. Na assimilação, na sistematização e na atualização das reflexões bíblicas
3. Na vivência, isto é, na prática contínua das doutrinas bíblicas
4. Na transmissão/pregação/ensino do correto conteúdo das Escrituras

Entretanto, a Igreja Evangélica Brasileira não é uma potência numérica


mundial, como preconizam algumas pesquisas na atualidade? Sim! Mas é possível
que por detrás desse numericismo megalomaníaco, esteja também a manipulação
das Escrituras por parte de alguns líderes, isto é, objetiva-se com a leitura da
Bíblia obter proteção, prosperidade financeira, saúde, etc.1 Em outras igrejas fica
evidente que a Bíblia deixou de ser a única regra de fé e prática2 enquanto
experiências subjetivas e questionáveis, erroneamente atribuídas à manifestação
do Espírito Santo, são incentivadas e aceitas, principalmente nas comunidades
cuja liderança não tem nem procura ter preparo bíblico-teológico, mesmo que
no nível instrumental. Assim, conquanto gigantesca, a Igreja Evangélica no
Brasil exterioriza fragilidade teológica e doutrinária em suas práticas.3
E quais são alguns dos muitos desafios que estão sendo apresentados à Igreja
atualmente? Citarei sucintamente, apesar da existência de outros movimentos
igualmente importantes, especificamente o Pluralismo que certamente está
presente nos âmbitos intelectual, religioso, ético e teológico.

1
PROENÇA, Wander L. Magia, prosperidade e messianismo. Curitiba: Instituto Memória, 2009, p.53.
2
LOPES, Hernandes D. Morte na panela. São Paulo: Hagnos, 2007, p.19.
3
In: BARRO, Jorge H. [et al.]. Uma igreja sem propósitos. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p.47.
191

Afirmo, de antemão, que o mesmo constitui-se um notável desafio à Igreja


porque sua tônica é essencialmente discursiva. E, como parte notável da Igreja
Evangélica Brasileira tem dificuldades significativas na interpretação, assimilação
e instrução das doutrinas cristãs fundamentais, será que terá respostas coerentes
e convincentes para dar a tais movimentos? Sem uma mente iluminada pela
Bíblia como poderá defender-se? Sem saber a contento as “sagradas letras” (2
Tm 3.15) como guardará as verdades da fé cristã?

1o DesAFIo À HeRMenÊUTICA:
PLURALIsMo InTeLeCTUAL, ReLIGIoso e TeoLÓGICo

 1.Pluralismo Intelectual — O Cristianismo não é refratário à


racionalidade nem é irracional. Antes, seu sistema é perfeitamente coerente.
O que ele não legitima é a abordagem racionalista do mundo.4 E aqui entra o
pluralismo intelectual. Um dos principais nomes, nessa área, é Derrida.

Jacques Derrida (1930-2004), filho de pais judeus, nascido na Argélia, é


considerado o criador (ou sistematizador) do “desconstrucionismo” que, entre
outras finalidades, promove uma forma de leitura que pesquisa contradições
entre as intenções do escritor e o que o texto afirma de fato.5

A priori talvez não pareça que a interpretação e a autoridade da Bíblia serão


afetadas pela “hermenêutica da suspeição”. Trata-se apenas de desmontagem, de
decomposição dos elementos da escrita, do uso da reinterpretação como pilastra
fundante de um novo conhecimento. Será? Uma investigação minuciosa dos
passos para a abordagem desconstrucionista pode trazer esclarecimentos vitais
ao interessado no estudo e na prática das santas Escrituras.

4
MCGRATH, Alister. Apologética cristã no século XXI. São Paulo: Vida, 2008, p.84.
5
EVANS, C. Stephen. Dicionário de apologética e filosofia da religião. São Paulo: Vida, 2004, pp.40-41.
192

Os mesmos vão desde a descoberta das operações binárias que estruturam o


texto, articulação de comentários sobre valores, conceitos e as ideias que subjazem
a essas operações, subversão das operações existentes no texto, desconstrução
das concepções implícitas no texto, aceitação de outros níveis de significação e,
finalmente, contínua abertura à interpretação do texto, supondo-se o princípio
de que o significado é sempre móvel, múltiplo e ilimitado.
Em suma, será que é possível mensurar as consequências no meio evangélico
se cada cristão entender e aceitar que o processo de interpretação do texto — em
nosso caso, em especial, o texto bíblico —, não pode jamais chegar à conclusão?
Ou que o texto, mesmo o bíblico, sempre proporciona outras vinculações,
correlações e contextos, portanto, tem sempre o potencial para a produção de
mais significados?6

2. Pluralismo Religioso — A hermenêutica da suspeição, que sugere que


cada pessoa pode ter as suas próprias ideias com respeito ao texto lido e ninguém
pode reivindicar exclusividade de verdade na sua interpretação, pode ser danosa,
sendo mal aplicada. Mas o mesmo pressuposto também existe no pluralismo
religioso. Os pluralistas têm empregado uma parábola bem conhecida (aquela
dos seis cegos) para ilustrar a relação que tem havido entre o Cristianismo e as
outras religiões, não cristãs. Elas têm abordagens diferentes a respeito de Deus,
mas embora sob perspectivas diferentes, falam da mesma coisa; elas têm horizontes
de compreensão diferentes, contudo suas narrativas são sobre o mesmo Deus.
A Igreja Cristã pode afirmar que Jesus Cristo é Salvador, mas não pode afirmar
(como tem feito durante séculos), que Ele é o único caminho que conduz o ser
humano à salvação. Como no pluralismo não existe a verdade absoluta, nem
existe uma religião verdadeira, o pluralismo religioso cristão vigente em nossos
dias manifesta-se de várias maneiras práticas com relação às religiões não cristãs.7

6
GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo. São Paulo: Vida Nova, 2008, p.210.
7
CAMPOS, Heber Carlos. “O pluralismo do pós-modernismo”. Fides Reformata (02/01/1997).
193

3. Pluralismo Teológico — A Teologia deve manter um diálogo saudável e


construtivo com outras áreas do conhecimento humano,8 preservar o pensamento
teológico fiel à Bíblia, sem desprezar os outros saberes,9 que são importantes
na interpretação e na reconstrução do mundo. Precisa ainda, com mansidão
e prudência, instruir a Igreja a respeitar religiões diferentes e, se possível, por
causas verdadeiramente nobres, deixar sua parcela de contribuição à sociedade.
Mas o que deve fazer a Teologia quando verdades bíblicas imutáveis são
deturpadas ou excluídas em nome de mero sincretismo religioso? Deve ela
deixar que a verdade simplesmente seja assassinada para prover o banquete
de comemoração do casamento entre o céu e o inferno?10 Pois é exatamente o
que pretende o pluralismo religioso pós-moderno. A Teontologia clássica que,
entre outras doutrinas, preconiza que Deus, na consumação de todas as coisas,
abrirá os portais celestiais para receber o fiel que dedicou a vida para servi-lo
incondicionalmente e, ao mesmo tempo, lançará no suplício eterno quem decidiu
viver em desobediência à sua vontade, precisa ser revista. Deus não pode ser
tão duro com quem escolheu um modo de vida diferente.
A Soteriologia (estudo da salvação),11 historicamente aceita nas igrejas cristãs é
outra que carece de ajustes, sugere o pluralismo. Não me refiro a lendária discussão
presentes nas correntes históricas da doutrina da salvação;12 essas diferenças estão
sendo discutidas respeitosamente pelas partes. A proposta é mais grave. Calvinistas
e arminianos clássicos, divergentes em alguns pontos, concordam que Jesus Cristo
é o único caminho que reconduz o ser humano ao braço do gracioso Deus. Mas
na Soteriologia pluralista é inconcebível que Jesus Cristo seja o único Senhor e
Salvador. É privilégio demais para um único ser e uma exigência injusta para com
aqueles que têm outras preferências religiosas e querem, por razões válidas em
nosso tempo, prestar culto a outros deuses — ou a nenhum deus.

8
DOWNS, Perry G. Introdução à educação cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p.14.
9
PASSOS, João Décio. Teologia e outros saberes. São Paulo: Paulinas: 2010.
10
SIDER, Ronald J. Cristianismo genuíno. Campinas, SP: United Press, 1999, p.103.
11
ERICKSON, Millard J. Dicionário popular de teologia. São Paulo: Mundo Cristão, 2011, p.184.
12
LOPES, Edson. Fundamentos da teologia da salvação. São Paulo: Mundo Cristão, 2009, pp.15-46.
194

2o DesAFIo À HeRMenÊUTICA:
seDUÇÃo DA “ReLIGIÃo De MeRCADo”

Pós-modernismo, secularismo, relativismo e pluralismo representam perigos


à propagação e à vivência autêntica das Escrituras nessa era turbulenta. Logo,
preocupações com as questões internas das igrejas não devem ser menor nem
desprezadas, como se não tivessem importância. Institucionalismos e dogmatismos
cegos ou inovações excessivas são ameaças atuais e reais.
No primeiro caso, Kivitz lembra que saímos do Cristianismo para a Cristandade,
da Cristandade para o Protestantismo, do Protestantismo para o Evangelicalismo,
do Evangelicalismo para o Denominacionalismo, do Denominacionalismo para
o “Comunidadismo” (fenômeno caracterizado pela infinidade de igrejas
independentes), do “Comunidadismo” para o Institucionalismo, cujos filhos são:
1) dogmatismo, 2) moralismo, 3) ritualismo, 4) tradicionalismo, 5) sectarismo e 6)
proselitismo.13 Foram (e são) esses alguns dos diferentes rostos da Igreja Cristã.
No segundo, outro desafio às igrejas do nosso tempo é o florescimento
do conceito de uma “Igreja pós-protestante”, ou seja, um movimento tanto de
contestação quanto de validação do Protestantismo. Embora questione e conteste
crenças, pensamentos, doutrinas e atitudes do Protestantismo institucionalizado
e hierarquizado, há quem diga que ele não é necessariamente antiprotestante
nem anticristão. Talvez por entender que o Cristianismo institucionalizado
está se tornando pouco relevante nesta era de impernanências e perturbação,
procura estabelecer diálogo com seu tempo, reinterpretando os textos bíblicos
com outras lentes e adotando posturas inovadoras, contrárias ao ortodoxismo.
No entanto, como outros teólogos de renome esclarecem, o movimento também
tem seus aspectos negativos que não podem ser ignorados.14

13
KIVITZ, Ed René. Outra espiritualidade: fé, graça e resistência. São Paulo: Mundo Cristão, 2006, pp.47,48
14
CARSON, D. A. Igreja emergente. São Paulo: Vida Nova, 2010.
Conf. MEISTER, Mauro. Artigo: “Igreja emergente, a igreja do Pós-modernismo? - parte 2”. Disponível em: <http://www.
teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=166>. Reacessado em 24/02/2012.
195

Uma análise livre, séria e profunda, sem policiamento ou imposição


denominacional, pode revelar que muitas igrejas em nosso País, realmente
caminham em descompasso com a pós-modernidade. Tais igrejas são incapazes
de interpretar as Escrituras e os seus próprios marcos temporal e espacial, o que
as torna irrelevantes e pouco eficientes e eficazes na transformação da realidade.
Em tais igrejas é premente introjetar uma nova reforma no afã de revitalizar o
dinamismo do Evangelho segundo a crença, a vivência, o ensino e o modo de vida
de Jesus Cristo, amando os inamáveis, aceitando os inaceitáveis, acolhendo os
desamparados, empoderando os fragilizados, denunciando indivíduos, sistemas e
instituições que favorecem o sistema de dominação e morte, e assim por diante.
Não raro essas igrejas, em vários aspectos, tem seguido os pressupostos da
sociedade pós-modernista. A pluralização, isto é, a expressão da liberdade de
opção das pessoas frente à ilimitada oferta de produtos e ideias, faz cada vez mais
adeptos entre o povo de Deus. A privatização também tem galgado seu espaço,
haja vista que preconiza que a criatura humana é livre para fazer o que quiser. 15
Outro perigo envolvendo a interpretação e aplicação da Bíblia é a sedução das
cifras. O numericismo megalomaníaco parece ter se tornado uma prova cabal para
legitimar o êxito da liderança e da igreja. Vale tudo para ter cifras: transformar
culto em show, igreja em empresa, crente em cliente, sacerdócio em negócio,
vocação em profissão, VERBO em verba, caráter em carisma... Não é sem motivo
que Eugene Peterson compara muitos pastores a meros gerentes de lojas!16 De
fato, o vergonhoso mercado religioso do sensacionalismo, do imediatismo e do
consumo da fé tem ditado nossos conteúdos, redesenhado nossas motivações
e metodologias e adulterado nossa pregação afastando-a da Palavra.17 O clima
de competição/concorrência nas instituições eclesiásticas, diz o Dr. Zabatiero,
favorece a mudança de motivação religiosa do povo.18

15
AMORESE, Rubem M. Icabode: da mente de Cristo à consciência moderna. Viçosa : Ultimato, 1998.
16
PETERSON, Eugene. Um pastor segundo o coração de Deus. Rio de Janeiro: Textus, 2000, p.2.
17
In: BARRO, Jorge H. [et al.], op. cit., p.94.
18
ZABATIERO, Júlio P. T. “Novos desafios da leitura bíblica no pastorado contemporâneo”. In: KOHL, M. W & Barro, A. C.
(orgs). Ministério pastoral transformador. Londrina: Descoberta, 2006, p.13.
196

CoMo eVITAR o CAos VInDoURo:


1. VoLTAnDo À I nTeRPReTAÇÃo FIeL DA PALAVRA!

Muitos desafios externos e internos estão diante da Igreja Evangélica no


Brasil. E para superá-los é mister uma volta urgente à Palavra de Deus. Sem sólida
fundamentação bíblica e teológica a Igreja dificilmente conseguirá confrontar
e vencer os vários e perniciosos pressupostos do pós-modernismo. E decerto
terá dificuldades para contornar suas crises e distorções internas, também
caracterizadas pela corrupção na motivação pessoal e ministerial de determinados
líderes evangélicos que, em nome da expansão numérica, deturpam os textos
sagrados para ancorar suas pregações e práxis espúrias, atrair o povo, mantê-lo
cativo e se apropriar de seus recursos. Tais desafios jamais serão superados se a
Igreja não se voltar à reflexão bíblico-teológico-prática. Enquanto não estiver
totalmente vinculada à Bíblia, ela sofrerá as influências danosas de seu eixo
contextual. Isso já está acontecendo em vários lugares.
Evidentemente o retorno proposto vai além de se ter uma Bíblia em casa;
ter a Bíblia e não lê-la, embora erro grave, constitui-se prática corriqueira entre
os evangélicos brasileiros! Charles H. Spurgeon declarou num sermão: “Não sois
leitores da Bíblia. Vocês afirmam que têm uma Bíblia em casa[...]. Porém, quando
foi a última vez que a leram? Como sabem que os óculos que perderam há três
anos atrás, não estão na mesma gaveta da Bíblia?”19 Não basta apenas ter a Bíblia
em casa, no carro, no trabalho... é mister conhecê-la e praticá-la fielmente!
A Bíblia ainda é o livro mais vendido no mundo. Isto não significa, porém,
que a civilização pós-moderna a conhece o bastante. Pesquisas confiáveis, para
nossa vergonha, revelam o contrário. Apesar de não existir no Brasil uma pesquisa
recente para averiguar o nível de nosso conhecimento bíblico é provável que
não somos leitores — e praticantes — exemplares da Bíblia!

FILHO, Moisés. “Disseminada, mas ainda desconhecida”. In: Revista Igreja. Atibaia/SP: Mensagens/OL, ano II, no 11,
19

agosto/setembro, 2007, p.27.


197

O nível de conhecimento não é precário apenas entre os fiéis; até os


responsáveis pela área da educação cristã da igreja empregam inadequadamente
as Escrituras, por desconhecer a origem do cânon bíblico, ausência de um
estudo apurado sobre a origem de cada livro da Bíblia, falta de domínio da boa
e correta interpretação dos fatos religiosos, históricos, sociais, econômicos e
políticos que deram origem aos textos das Escrituras, ausência de uma melhor
contextualização das mensagens centrais da Bíblia,20 etc.
Há cerca de dez anos a Sociedade Bíblica (SBB), num levantamento feito,
revelou: 60% dos evangélicos nunca leram o Novo Testamento integralmente!21
George Barna, célebre pesquisador, mostrou que a situação dos evangélicos
nos EUA não é diferente; numa pesquisa realizada em 2005 descobriu-se:

93% das residências pesquisadas possuem um ou mais exemplares da Bíblia.


 12% dos entrevistados garantiram ler as Escrituras todos os dias.
 57% confessaram que passaram mais de uma semana sem ler a Bíblia.
 31% acreditam que o dito popular “Deus ajuda a quem cedo madruga”
está nas páginas da Bíblia.
 48% acreditam que o livro de Tomé - um texto apócrifo - é um dos 66
livros que compõe a Bíblia cristã.
 52% não sabiam que existe o livro de Jonas.
 58% desconhecem quem pregou o Sermão do Monte.
Larsen acrescenta outras observações interessantes: uma surpreendente
estimativa afirma que 61% da população norte-americana não consegue ler com
aproveitamento um livro texto-usado no ensino médio. Cita ainda uma afirmativa
de Allan Bloom: “Nos Estados Unidos, falando de maneira prática, a Bíblia era a
última cultura comum, aquela que unia o simples e o sofisticado, o pobre e o rico,
o jovem e o velho e [...] que deu o caráter de seriedade aos livros”.

20
CARVALHO, Antonio V. Teologia da educação cristã. 2. ed. São Paulo: Hagnos, 2006, pp.53,54.
21
FILHO, Moisés, op. cit., p.27.
198

Larsen menciona ainda George Steiner atônito diante do desaparecimento


do conhecimento da Bíblia em nosso tempo ao escrever seu lamento à revista
New Yorker. Depois, arremata:

 Apenas metade dos protestantes entrevistados foi capaz de citar até


quatro dos dez mandamentos.
 40% dos protestantes “nunca ou quase nunca” leem a Bíblia, apesar de
ter cerca de 500 milhões dela em circulação.
 Um estudo descobriu que, entre os protestantes entrevistados que
frequentam a igreja, 63% não conseguiam saber a diferença entre o Antigo e
o Novo Testamento.
 Poucos sabiam pelo menos alguma coisa sobre os profetas e menos ainda
conseguiam aplicar a história do bom samaritano à vida diária.
 Assuntos bíblicos como esse foram “apenas parcialmente compreendidos.22

Não intenciono pegar a Igreja norte-americana para ser bode expiatório.


Uma coisa, contudo, é certa: se a nação mais evoluída do planeta, singular
celeiro de grandes teólogos, reveladora de pregadores de renome internacional,
enfrenta dificuldades para meditar no Livro de Deus, imagina um país emergente
como o nosso, onde a população não ocupa posição privilegiada nos índices
educacionais; onde boa parte de nossa gente pobre e modesta sequer foi
alfabetizada; onde crianças, aterrorizadas pela fome devastadora, se veem
forçadas a deixar a escola e procurar trabalho ou morrem desnutridas com os
demais membros da familia; onde líderes de igrejas evangélicas visivelmente
despreparados combatem categoricamente a capacitação bíblica e teológica;
onde embusteiros, motivados pelo lucro fácil, abrem igrejas nas quais oferecem
em troca de dinheiro os favores que o sagrado pode propiciar — saúde,
felicidade e prosperidade econômica!

22
LARSEN, David L. Anatomia da pregação. São Paulo: Vida, 2005, pp.34-36.
199

Que a Palavra, como orientou Paulo, habite em nossos corações (Cl 3.16),
alegrando o nosso íntimo (Sl 19.8), orientando nossos passos (Sl 119.105),
iluminando nossa mente (Sl 119.130), sendo nossa fonte de meditação diária
(Sl 119.97), de nutrição (Jr 15.16), de purificação de intenções (Hb 4.12), de
renovação do nosso ser (Rm 12.2)...

Sim, a revitalização da Igreja Evangélica em nosso País passa pelo retorno


urgente e incondicional à Palavra de Deus e ao compromisso de vivenciá-la
persistentemente. Se as Escrituras não forem estudadas, interpretadas e praticadas
coerentemente pelos cristãos é bem possível que a derrocada reputacional da
Igreja Evangélica cresça ainda mais e os estragos sejam maiores.

CoMo eVITAR o CAos VInDoURo:


2. VoLTAnDo À PRÁTICA DA PALAVRA De DeUs!

Uma parte considerável da Igreja Evangélica, no Brasil, peca simplesmente


porque negligencia a leitura da Bíblia. Outra parte, por sua vez, repete erro
similar por não praticá-la assiduamente. É pecado ter a Bíblia e não conhecê-
la mesmo tendo condições para estudá-la. Contudo, também é pecado crasso
ter suficiente conhecimento bíblico e teológico e simplesmente não viver de
acordo com o mesmo.

Há um peso no comportamento escandaloso de quem ainda não conhece


a Palavra de Deus. Há, todavia, outro maior ainda quando se trata de alguém
que já teve a oportunidade de conhecer as “sagradas letras” e vive como se
elas não tivessem importância alguma! Portanto, esta importante disciplina de
noções de Hermenêutica Bíblica, tem como finalidades conceituá-la/defini-la
e, principalmente, mostrar que a interpretação correta da Palavra de Deus deve
desembocar na ação, não apenas na erudição.
200

Terá pouco proveito o(a) discente conhecer as doutrinas bíblicas e ignorá-


las! Será praticamente inútil estar a par da pessoa e obra de Deus e não amá-lo
e nem servi-lo!
Não basta conhecer a pessoa e obra de Jesus Cristo e não confessá-lo
como Senhor e Salvador! Terá valor ínfimo saber quem é o Espírito Santo e não
permitir que ele transforme-o num adorador, num proclamador, num edificador,
num agente de transformação social! Que esta disciplina leve-o à fonte... mas
não o deixe morrer... sedento! Deus, diz Tiago, não está interessado em meros
ouvintes; os tais enganam-se a si mesmos; deseja, sim, que cada crente tenha
o cuidado de atentar à lei perfeita e executar a obra, pois, doravante, será bem
aventurado no que realizar (Tg 1.22-25).

A Bíblia é a mensagem de Deus à humanidade. E meditar nela frequente


e corretamente é um privilégio. O mau uso da mesma (ensino e prática), por
outro lado, pode trazer consequências trágicas. A Igreja Cristã não pode se
afastar do Livro de Deus, pois em certa fase histórica foi rotulada de a religião
do livro! A Bíblia era sua fonte de: 1) direção, 2) segurança e 3) provisão.

Enquanto a Igreja era considerada a religião do Livro de Deus, tinha,


entre outras coisas, identidade, senso de destino e propósito, proteção diante
dos numerosos e nocivos ataques à fé cristã, alimentação às vidas que careciam
de Deus. Tudo passava por seu crivo: sua crença, sua prédica, seu padrão de
vida, suas (re)formas...

Hoje, porém, em algumas igrejas ditas evangélicas, o Livro de Deus, se


tornou apenas um ícone, um capital simbólico, mera fonte de legitimação do
conteúdo do sermão triunfalista que só sabe prometer prosperidade econômico-
financeira, sucesso pessoal/profissional/empresarial, felicidade, imunidade às
doenças e demais desgraças da vida.
201

oBJeTIVos DesTA InICIAÇÃo À HeRMenÊUTICA BÍBLICA

A finalidade deste prefácio à Teologia Exegética, com ênfase em


Hermenêutica Bíblica, é levar o(a) discente a ter algum contato, embora sucinto,
ou a rever (caso já tenha estudado tal disciplina) alguns conceitos importantes
da arte/ciência de interpretar os textos sacros - sua história, sua definição e
conceituação, sua relevância, seus métodos... Infelizmente, devido ao limite de
espaço, não será possível compartilhar muitas informações a respeito de cada
fase da historificação interpretativa da Bíblia.
Outro benefício desta disciplina ao(à) discente é a valorização da prática
correta das Escrituras. A interpretação é imprescindível à aplicação, isso na
totalidade da vida. A maneira, correta ou incorreta, de interpretar a Bíblia afeta
diretamente seu jeito de pensar, seu comportamento, suas próprias atitudes e,
por conseguinte, a vida de pessoas. A educação teológica transformadora deve
se empenhar em proporcionar o desenvolvimento do aprendiz como um todo,
de maneira integral, ou seja, ajudá-lo a crescer em todas as dimensões importantes
da vida, nos seus aspectos físicos, emocionais, espirituais, sociais... 23
Por essa razão, a Hermenêutica Bíblica preconizada neste modesto curso de
capacitação teológica não visa apenas a apurar o que o Livro de Deus diz sobre
determinadas doutrinas; antes, sim, inclui obrigatoriamente aplicação à vida,
em todas as suas dimensões. Afinal, de que adianta capacidade de interpretar
a Bíblia e não se comprometer com as suas verdades? Portanto, prepare-se para
crescer na graça, no conhecimento e... na prática da Palavra de Deus!
Ademais, uma grande obstrução ao crescimento integral da Igreja Evangélica
Brasileira é de cunho interpretativo, isto é, analfabetismo bíblico-teológico
e inaptidão na análise da realidade. O caminho para o crescimento saudável
e sustentável certamente passa pelo crivo das Escrituras e pelo necessário
conhecimento do eixo contextual remoto/imediato.

23
MOLOCHENCO, Madalena O. Educação cristã. São Paulo: Vida Nova, 2007, p.16.
202

Portanto, as igrejas evangélicas que querem crescer de maneira integral


sem aderir os pressupostos das igrejas de mercado, que crescem por outro viés,
precisam repensar o nível de seu conhecimento das Escrituras e do seu complexo
eixo contextual. Entendo que essas duas pilastras — conhecimento bíblico correto
e análise da realidade — podem caminhar — e devem — caminhar lado a lado.
Arraigado na Bíblia e ciente dos desafios e oportunidades do nosso
marco temporal e espacial, podemos evitar os erros crassos do cristianismo
excessivamente institucionalizado ou dos modismos, vivermos e anunciarmos
o evangelho todo numa linguagem decodificável, para o ser humano todo,
para todos os seres humanos, a fim de que sejam transformados em adoradores
genuínos, arautos entusiasmados, persistentes edificadores de vidas e agentes
de mudanças sociais significativas. No entanto, sem a correta interpretação das
Escrituras, tais ideais raramente serão atingidos. E nesse caso, muitos continuarão
entendendo a Bíblia de maneira errada e praticando-a equivocadamente.
Muitos conhecem a ilustração clássica do crente que, para descobrir a
vontade de Deus, abriu a sua Bíblia e colocou o dedo com os olhos fechados
na página aberta, e leu:
— “Judas[...] retirou-se e foi enforcar-se” (Mt 27.5).
Não satisfeito com esta “revelação de Deus”, decidiu testar de novo o seu
método. Na segunda tentativa, seu dedo caiu em cima da frase:
— “Vai e procede tu de igual modo” (Lc 10.37).
Achando impossível que Deus estivesse ordenando que se suicida, tentou
de novo. Desta vez caiu na frase:
— “O que pretendes fazer, faze-o depressa” (Lc 13.27).
Tão radical e improvável foi essa “ordem de Deus” que o irmão decidiu
tentar mais uma vez, mas agora para valer. Então leu o seguinte:
— “Por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos mando”? (Lc
6.46).24

24
SHEDD, Russel. Palavra viva: extraindo e expondo a mensagem. São Paulo: Vida Nova, 2000, pp.65,67).
7.2. Síntese de Alguns Princípios
que Regem a Interpretação Bíblica

ij

N
ão há mais tempo para a Igreja Evangélica Brasileira ficar
displicente quanto à sua capacitação bíblico-teológico-prática.
Os desafios, externos e internos, conforme alguns exemplos
expostos, são cada vez maiores e mais frequentes. São, na verdade, ameaças sutis
que, num futuro próximo, podem comprometer a relevância das comunidades
de fé. É necessário, portanto, um retorno contundente do Corpo de Cristo à
Palavra de Deus. E é neste ponto que tanto a Hermenêutica quanto a Exegese
Bíblica tornam-se ferramentas indispensáveis. Outrossim, numa época em que
a Bíblia está, pelo menos em nosso País, ao alcance da maioria dos cristãos,
deve-se estudá-la persistentemente, conhecê-la corretamente e praticá-la
alegremente.
204

Evidentemente não basta estudar a Bíblia de qualquer forma, desrespeitando


as regras legítimas que regem a prática interpretativa. Muitas heresias que
infelizmente grassam em denominações também rotuladas de “evangélicas”
procedem exatamente de interpretações equivocadas da própria Bíblia. Há quem
diga que a Bíblia, embora seja a verdadeira Palavra de Deus, pode ser comparada
ao veneno de uma víbora: na dose exata é remédio, entretanto, quando aplicada
fora da medida definida pelo Eterno, pode se tornar veneno letal. E quem presume
que o ser humano não é capaz de usar a Palavra para atingir os mais hediondos
objetivos, deveria estudar mais, por exemplo, História Eclesiástica.25

A mesma Bíblia que levanta alguns tem sido empregada erroneamente


e tem derrubado outros; a mesma Luz que arrancou milhares de vidas das
trevas, quando empregada indevidamente, é capaz de lançar no lago de fogo
outro tanto ainda mais expressivo. Por quê? Devido ao seu mau uso! É preciso,
então, que este retorno à Palavra de Deus seja seguido de cuidado especial com
a interpretação e aplicação da Bíblia, pois assim ela será fonte de bênção na
vida dos seres humanos.

As sAGRADAs esCRITURAs sÃo IneRRAnTes!


seUs InTÉRPReTes CRIsTÃos, enTReTAnTo, nÃo sÃo!

Há uma descrença da sociedade pela Igreja enquanto instituição que


representa Deus. Parte da falta de credibilidade tem a ver com a deficiência
bíblico-teológico-prática. Para reverter o quadro é mister corrigir tais distorções.
Ler mais a Bíblia e praticá-la. Mas não basta somente ler. A leitura bíblica mal
conduzida pode ser prejudicial.

Mas a Palavra não está imune a erros?

25
NICHOLS, Robert H. História da igreja cristã. 13. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.
205

A doutrina da infalibilidade bíblica é coerente e duradoura. Então onde está


o problema? Nos seus intérpretes! Os absurdos que são pregados nos púlpitos,
difundidos em algumas literaturas evangélicas, nos programas radiofônicos e
televisivos, etc., embora apresentem certos vestígios de textos bíblicos (não raro
são meros recortes arrancados de seus contextos originais) provam que nem
todos os pregadores estão interpretando a Bíblia com precisão.

O Dr. Archer já disse que é certo que por toda a história da Igreja tem
ficado claríssimo e bem entendido que a Bíblia, como Deus no-la concedeu,
está livre de erro, que as Escrituras eram dotadas de total autoridade e dignas de
confiança em tudo quanto afirmavam ser factual: Teologia, História, Ciência...
Afirmou Lutero: “Quando as Escrituras falam, Deus fala”. Até os oponentes
católicos romanos tinham essa convicção, embora tendessem a colocar a tradição
eclesiástica quase no mesmo nível de autoridade da Bíblia. Desde os dias dos
primeiros gnósticos, com quem Paulo contendeu, até o advento do deísmo, no
século XVIII, não se manifestavam dúvidas atinente à inerrância das Escrituras.26

O Dr. Ryrie lembra que a Teologia serve de alicerce para a vida cristã e de
motivação para a ação. O chamado para a consagração de nossa vida tem como
base a doutrina segundo a qual fomos crucificados com Cristo (Rm 6.1-13).
Sabendo que Deus não é parcial, não devemos dar tratamento preferencial nem
a ricos nem a pobres na igreja (Tg 2.1-4). A esperança na volta do Senhor deve
purificar nossa vida (1 Jo 3.3). É pelo amor de Cristo (o amor dele por nós e o
nosso por ele) que o deixamos controlar nossa vida (2 Co 5.14). Ao conhecer
a doutrina do julgamento futuro somos motivados a proclamar o Evangelho (2
Co 5.10). Todas essas responsabilidades cristãs importantes são baseadas em
verdades doutrinárias.27

26
ARCHER, Gleason L. Enciclopédia de dificuldades bíblicas. São Paulo: Vida, 1997, p.19.
27
RYRIE, Charles C. Como pregar doutrinas bíblicas. São Paulo: Mundo Cristão, 2007, pp.13,14.-
206

Partindo da afirmativa do Dr. Ryrie ratifico que a Igreja tem um desafio crucial
no que tange à Bíblia: precisa estudá-la, entendê-la e praticá-la corretamente.
Quando a crença é improcedente, a prática torna-se incoerente. Corrigindo a
reflexão há maior probabilidade de acertar a práxis. É óbvio que uma pessoa pode
ter informação e crença certas e agir em desarmonia. Há pessoa que conhece a
Palavra de Deus e não a coloca em prática; há descompasso entre saber e fazer.

O desafio, portanto, é agregar reflexão bíblica e teológica adequada no afã


de ter um estilo de vida que promova a glória de Deus e atraia outras pessoas
a Jesus Cristo. E, como a nossa teologia vai determinar nossa prática, é mister
conhecer a Bíblia corretamente; aqui entra a ciência de interpretação. Não basta
simplesmente ler a Bíblia; é preciso lê-la bem, de forma disciplinada, atenta e
criativa,28 justifica o Dr. Júlio Zabatiero.

E o que é essa ciência de interpretação? Qual é o significado de


Hermenêutica? A mesma é usada somente no âmbito bíblico-teológico ou está
presente em outra áreas do conhecimento? Há registro de seu uso na história
da religião judaico-cristã? Em qual periodização e por quais escolas?

DeFInIÇÃo PAnoRÂMICA De HeRMenÊUTICA

Hermenêutica deriva do grego hermeneutikós — ”intérprete”—, do verbo


hermeneuo e significa: “a prática” ou a “disciplina de interpretar”.29 Teologicamente,
a Hermenêutica Bíblica, é a “disciplina que estuda os princípios e as teorias de como
os textos devem ser interpretados. (...)se preocupa com o entendimento dos papéis
e dos relacionamentos singulares entre o autor, o texto, o público-leitor original e
posterior”.30

28
ZABATIERO, Júlio P. T. Manual de exegese. São Paulo: Hagnos, 2007, p.13.
29
STEIN, Robert H. Guia básico para a interpretação da Bíblia. 9. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2008, pp.19,20.
30
GRENZ, Stanley [et al.]. Dicionário de teologia. São Paulo: Vida, 2002, p.66.
207

A Hermenêutica está presente nas áreas de natureza bíblica, filosófica,


jurídica,31 etc. Além disso, as ciências sociais são consideradas por especialistas
mais vinculadas à hermenêutica do que certas ciências naturais, afinal utilizam-
se de processos quantitativos e de observação.32
O termo Hermenêutica decerto originou-se na mitologia grega clássica.
Teria se derivado de Hermes, filho de Zeus e Maia, cujo ofício era mensageiro
dos deuses.33 Ele teria sandálias com asas, um chapéu de abas largas, e segurava
uma vara (caduceu) na qual duas serpentes se enrolavam.

Para saber mais sobre Hermes basta pesquisar Mercúrio, seu simulacro
em Roma, uma divindade que tinha a incumbência de levar as mensagens de
Júpiter (em latim, Iuppiter, o deus romano do dia, equivalente ao deus grego
Zeus). Mercúrio difere pouco de Hermes, haja vista que também possuiria uma
bolsa, sandálias e um capacete com asas, uma varinha de condão e o caduceu;
também o deus da eloquência e da inteligência, do comércio, dos viajantes e
dos ladrões. Há, inclusive, um episódio em Atos no qual “aparecem” Júpiter
e Mercúrio:34 Barnabé foi chamado de Júpiter — o deus pai — e Paulo, de
Mercúrio — o mensageiro (At 14.12). Esta palavra bíblica nos primeiros séculos
do Cristianismo corroboram a probabilidade de Hermenêutica ser proveniente
do deus grego/romano.

A eVoLUÇÃo HIsTÓRICA DA I nTeRPReTAÇÃo BÍBLICA

A ciência/arte de interpretar textos bíblicos não é novidade nem invenção


de teólogos pós-modernos. Ela sempre esteve presente na história do povo de
Deus, conforme síntese a seguir.

31
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico conciso. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p.387.
32
VASCONCELOS, Ana. Manual compacto de sociologia. São Paulo: Rideel, 2010, p.12.
33
MORAES, Elias S. Dicionário de nomes bíblicos. 6. ed. Londrina: Descoberta, 2006, p.86.
34
YOUNGBLOOD, Ronald [et al.]. Dicionário ilustrado da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 2004, p.408.
208

Devido o restrito espaço disponível, presumo ser mais apropriado iniciar


a historificação da ciência interpretativa a partir da era neotestamentária,
mencionando-a laconicamente em algumas periodizações específicas.

1. Judeus Palestinos — Os famosos escribas devotavam o mais profundo


respeito à Bíblia da sua época (o Antigo Testamento) como a infalível Palavra
de Deus. Consideravam sagradas até as letras, e é sabido que os seus copistas
tinham inclusive o hábito de contá-las, a fim de evitar qualquer omissão no
ato da transcrição. O ponto de vista negativo da Hermenêutica dos judeus
palestinos, é que exaltava a Lei Oral, consistindo de milhares de tradições
verbais acumuladas ao longo dos séculos, e desprezava a Lei Escrita, por isso
Jesus os condena em Marcos 7.13.

 2. Judeus Alexandrinos — A interpretação bíblica dos judeus


alexandrinos era, de certa forma, determinada pela filosofia predominante na
grande cidade de Alexandria, no Egito. Eles adotavam o princípio fundamental
de Platão, segundo o qual ninguém deve acreditar em algo que seja indigno de
Deus. Desse modo, quando encontravam alguma coisa no Antigo Testamento
que discordava da sua filosofia e ofendia a sua lógica, recorria às interpretações
alegóricas.

3. Judeus Caraítas — A seita dos judeus caraítas foi fundada por Anan
ben David, cerca de 760 da nossa era. Historicamente eles são descendentes
espirituais dos saduceus, cujas informações estão disponíveis nos Evangelhos.
Representam um protesto contra o rabinismo, parcialmente influenciado pelo
maometismo. Os caraítas (filhos da leitura), eram assim chamados porque seu
princípio fundamental era considerar a Escritura como a única autoridade em
matéria de fé. Sua exegese, como um todo, era mais correta do que a dos judeus
palestinos e alexandrinos.
209

4. Judeus Espanhóis — No período que vai do século doze ao quinze,


desenvolveu-se um método mais sadio de interpretação das Escrituras entre
os judeus da Espanha. Quando a Exegese da Igreja Cristã estava em situação
periclitante, e o conhecimento do hebraico estava quase nulo, alguns judeus
instruídos da Península Perenaica restauraram o interesse por uma Hermenêutica
Bíblica sadia. Algumas de suas interpretações ainda hoje são citadas como fonte
de referência.

5. Período Patrístico — No mesmo, o desenvolvimento dos princípios


hermenêuticos dependiam dos três principais centros de atividades da Igreja:
Alexandria-Egito; Antioquia-Síria e Ocidente. Nessa periodização, apesar das
numerosas limitações no que tange à construção e socialização do saber bíblico-
teológico, é indiscutível a contribuição interpretativa dos Pais da Igreja. Cada
escola, de alguma forma, contribuiu nessa área.

5.1. A Escola de Alexandria. No começo do século III d. C., a interpretação


bíblica foi influenciada especialmente pela escola catequética de Alexandria,
centro cultural e religioso do Egito; a religião judaica e a filosofia grega se
encontraram e mutuamente se influenciaram. Os principais representantes dessa
escola foram, Clemente e seu discípulo Orígenes. Clemente, um dos renomados
pensadores da época, foi o primeiro a aplicar de forma efetiva o método alegórico
na interpretação do Antigo Testamento.

5.2. Escola de Antioquia. Supõe-se que a escola catequética de Antioquia


tenha sido fundada por Doroteu e Lúcio, no final do terceiro século (para outros
foi Diodoro). Diodoro escreveu um tratado sobre princípios de interpretação
bíblica. O seu maior feito, porém, é constituído de dois discípulos seus — Teodoro
de Mopsuéstia (o Exegeta) e João Crisóstomo (conhecido como Boca de Ouro),
um dos grandes referenciais quando se trata do tema ora em foco.
210

5.3. Escola Ocidental. A Igreja do Ocidente desenvolveu uma exegese


que era um misto do que esposavam a escola de Alexandria e a de Antioquia.
Seu aspecto mais característico encontra-se no fato de haver acrescentado outro
elemento que até então ainda não havia sido considerado, a saber, a autoridade
da tradição e da Igreja na interpretação da Bíblia. Além disso, atribuiu valor
normativo ao ensino da Igreja no campo da exegese.

6. Período Medieval — Durante a Idade Média muitos cristãos (e


clérigos) ironicamente viviam em profunda ignorância quanto à Bíblia. Naquele
período o quádruplo sentido da Escritura (literal, tropológico, alegórico e
analógico) era, geralmente, aceito e foi então estabelecido que a interpretação
bíblica tinha de adaptar-se à tradição e à vontade da Igreja. Interpretavam a
Bíblia partindo dos escritos dos pais da Igreja. Apesar da Teologia constituir-se
o arcabouço ordenador de todo o saber humano, por outro lado, imperava a
falta de conhecimento quanto às Escrituras.

7. Período da Reforma Protestante — O período renascentista que


preparou a Europa e o mundo para a Reforma Protestante chamou a atenção
para a necessidade de se estudar a Escritura, recorrendo aos originais como
forma de achar o seu verdadeiro significado. Era a posição dos reformadores,
que não é a igreja que determina o que as Escrituras ensinam; antes, são elas
que determinam o que a Igreja deve ensinar.

Martinho Lutero defendeu, com intrepidez, o direito do juízo privado;


salientou rigorosamente a necessidade de se considerar o contexto e as
circunstâncias históricas de cada livro, etc.
Já Melanchton, seu companheiro, seguiu preferencialmente o princípio
de que as Escrituras devem ser entendidas gramaticalmente antes de serem
entendidas teologicamente.
211

João Calvino, na opinião de muitos estudiosos, o maior exegeta da Reforma,


considerava como “primeiro dever de um intérprete, permitir que o autor diga
o que realmente diz, ao invés de lhe atribuir o que pensamos que devia dizer”.

8. Período Histórico-Crítico — Divergentes pontos de vista foram


expressos a respeito do texto sagrado, negando a inspiração verbal e a infalibilidade
da Escritura. Dentre as principais teorias expostas nesse período e que merecem
investigação por parte dos estudantes de Teologia, destacam-se:
• 1. Teoria da Inspiração Natural Humana.
• 2. Teoria da Inspiração Divina Comum.
• 3. Teoria da Inspiração Parcial.
• 4. Teoria do Ditado Verbal
• 5. Teoria da Inspiração das Ideias.35

A IMPoRTÂnCIA DA HeRMenÊUTICA nA

IGReJA eVAnGÉLICA BRAsILeIRA PÓs-MoDeRnA

Há quem logo desista de estudar a Hermenêutica Bíblica porque ela


supostamente requer um bom conhecimento das línguas originais usadas na
Bíblia (hebraico, aramaico e grego), além dos significados originais dos escritos
vistos dos ângulos dos seus escritores originais, do pano de fundo histórico, do
meio ambiente literário, da história do pensamento religioso e dos pontos de
vista científicos dos tempos antigos.36 Ora, tais exigências não devem servir para
inibir as pessoas mais simples no que tange à pesquisa. Pelo contrário. Deve
ser, antes, uma tarefa prazerosa para cada cristão que ama a Palavra de Deus.
Logo, no próximo capítulo, procurarei responder algumas indagações
indispensáveis sobre esta disciplina, entre elas:

OLIVEIRA, Raimundo Ferreira. Princípios de hermenêutica. 3. ed. Campinas/SP: EETAD, 1997, pp.5-12.
35

MLANARCZYKI, Cleison. Hermenêutica e interpretação bíblica. Apostila de hermenêutica (Seminário Teológico Sul
36

Americano, Campo Grande/MS), p.1.


212

• Qual é a importância do estudo da Hermenêutica Bíblica, principalmente


em nossos dias?
• Aliás, o que significa realmente a Hermenêutica Bíblica?
• Se ela é uma “ciência”, quais são suas principais atribuições?
• E quais os métodos de interpretações das Escrituras mais confiáveis e
coerentes atualmente?
• Há algum princípio de interpretação mais aceito que outros?

Cada disciplina teológica, por certo, tem sua importância. Quando se


trata da Hermenêutica não é diferente. Ela sempre desempenhou um papel
crucial na religião cristã; hoje, porém, devido a numerosos fatores, ela tornou-
se indispensável.
O Cristianismo tem sido pressionado de todos os lados e a única maneira
de preservar sua crença e prática em harmonia com os ensinamentos de Jesus,
dos apóstolos, dos reformadores, entre outros líderes influentes na história da
Igreja, é conhecer e cumprir a Bíblia; a igreja que fracassar na interpretação,
fracassará em sua práxis!
Apesar de ser tarefa árdua, é hora da Igreja entender e viver o que lê (At
8.30,31). Nem todos os fiéis dominarão delimitação de perícope, gênero/estilo
literário, estrutura, narrador, personagem, espaço, tempo, figuras e temas,
argumentação, polissemia, vozes discursivas, etc., mas mesmo assim devem
esmerar-se no estudo da Bíblia.

sÍnTese De PRInCÍPIos HeRMenÊUTICos

Apenas “ler” a Bíblia não é suficiente para o desenvolvimento de uma


compreensão saudável e de uma espiritualidade autêntica. É necessário ainda
estudá-la, conhecê-la, ensiná-la e praticá-la de maneira correta. Esse é um
grande desafio.
213

Desde os judeus palestinos (deixando de fora os intérpretes e instrutores


das leis de Deus no AT) até os dias da Reforma Protestante (e nos séculos mais
recentes), vários métodos interpretativos foram utilizados no afã de se entender
a Bíblia com mais exatidão. E há, também, altercações calorosas quanto à
metodologia interpretativa bíblica. Mas as mesmas foram úteis porque, entre
outras vantagens, possibilitaram a construção de várias propostas acadêmicas
para facilitar o estudo, o entendimento e a prática da Palavra de Deus.

Hoje, graças ao trabalho de vários estudiosos, durante séculos, finalmente


há, à disposição dos cristãos, vastos materiais de pesquisas na área interpretativa
para auxiliar a Igreja na nobre e prazerosa tarefa: meditar no Livro de Deus!

Quanto à importância da Hermenêutica Bíblica no estudo da Bíblia


sintetizarei a justificativa de dois estudiosos cristãos conceituados.

IMPoRTÂnCIA DA HeRMenÊUTICA BÍBLICA

O Dr. E. Lund e P.C. Nelson fizeram um estudo relevante a fim de justificar


a importância do estudo hermenêutico.

1. Os estudiosos supracitados justificam que uma das primeiras ciências


que os pregadores devem conhecer é a Hermenêutica, parte da Teologia Exegética,
pois trata da reta inteligência e interpretação das Escrituras.
2. Pedro disse que nas cartas de Paulo há coisas difíceis de entender as
quais os ignorantes e instáveis deturpam, como fazem com as demais Escrituras,
para a própria perdição (2 Pe 3.16); a seguir recomenda a igreja a crescer na
graça e no saber (v.18) a fim de evitar ser enganada pelos homens perversos e
perder a firmeza (v.17); estes ignorantes nos conhecimentos hermenêuticos se
apresentam como doutos, torcem as Escrituras e arrastam multidões à perdição.
214

3. Os pretensos doutos sempre se têm constituído em heresiarcas ou


falsos profetas da antiguidade e até papistas da era cristã; a arma principal
do soldado de Cristo é a Escritura, e se desconhece seu valor e ignora seu uso
correto, que soldado será?
4. A Bíblia é o livro mais perseguido pelos inimigos e mais torturado
pelos amigos devido à ignorância da sadia regra de interpretação; quem a usa
a seu próprio gosto, mutilando-a, tergiversando ou torcendo-a, o faz para a
própria perdição.
5. Como as circunstâncias que concorreram para a sua produção foram
variadas cabe ao expositor estudá-la pacientemente, de acordo com os relevantes
e úteis princípios da hermenêutica.
5.1. Escritores: Entre eles estão sacerdotes (como Esdras), poetas (como
Salomão), profetas (como Isaías), pastores (como Amós), estadistas (como
Daniel), eruditos (como Paulo), etc.
5.2. Tempo: Moisés, o primeiro escritor, viveu a 400 anos do cerco de
Tróia e pelo menos 300 anos antes de aparecerem os mais antigos sábios da
Grécia e Ásia: Tales, Pitagorás, Confúcio, etc.; já João, o último escritor bíblico,
viveu pelo menos 1500 anos depois de Moisés.
5.3. Lugar: Os escritores estavam nos desertos, outros nos pórticos do
Templo, outros nas escolas dos profetas (em Betel e Jericó), outros nos palácios
da Babilônia, etc.; cada lugar tinha figuras, costumes e culturas peculiares que
influenciou na linguagem bíblica.37

Há mais elementos que justificam o estudo da Hermenêutica Bíblica que


não foram citados pelos notáveis teólogos. Esse esboço, porém, já é suficiente
para alertar o cristão que não se pode pegar o texto bíblico e aplicá-lo sem um
mínimo de reflexão. É certo que estudar a Bíblia corretamente não é mais tarefa
impossível; sobram ferramentas sobre o assunto ora em foco.

37
LUND, E. & NELSON, P. C. Hermenêutica. São Paulo: Vida, 2002, pp.7-12.
215

A Hermenêutica/Exegese Bíblica está ao alcance de todos praticamente;


ela até pode ser um pouco exaustiva, principalmente para quem não a estuda
regularmente, mas não é impraticável; outrossim, depois de tantas altercações,
apareceram vastas ferramentas sobre o assunto.
O Dr. Zabatiero reitera que a diversidade literária, social, cultural e religiosa
da Bíblia gerou, em meios acadêmicos, amplas e detalhadas pesquisas, e constituiu
um campo de estudos composto por várias disciplinas acadêmicas: geografia
e arqueologia bíblicas, introdução aos escritos bíblicos, história dos tempos
bíblicos, estudo dos idiomas bíblicos, teologia bíblica, exegese e hermenêutica
bíblica. Portanto, as riquezas da pesquisa acadêmica da Bíblia não podem ser
desperdiçadas, mesmo quando não seguimos seus métodos, não concordamos
com seus resultados ou simplesmente quando nossos interesses na leitura das
Escrituras são distintos dos interesses acadêmicos.38

DeFInIÇÃo DA HeRMenÊUTICA BÍBLICA

E o que é Hermenêutica Bíblica? E Exegese Bíblica? Quais são os princípios


importantes quanto se trata de interpretar a Palavra?

A Hermenêutica, diz o Dr. Ryrie, é o estudo dos princípios de interpretação.39


Para Raimundo F. de Oliveira é “a arte de interpretar os livros sagrados e os
textos antigos”.40
Esdras Costa Bentho a definiu: “É a disciplina da Teologia Exegética que ensina
as regras para interpretar as Escrituras e a maneira de aplicá-las corretamente”, é
“a ciência da compreensão de textos bíblicos”; como ciência, ela é: 1) objetiva, 2)
racional, 3) analítica, 4) explicativa.41

38
ZABATIERO, Júlio P. T., 2007, p.20.
39
RYRIE, Charles C. Teologia básica ao alcance de todos. São Paulo: Mundo Cristão, 2004, p.123.
40
OLIVEIRA, Raimundo F. op. cit., p.1.
41
BENTHO, Esdras C. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, pp.55,56.
216

Louis Berkhof acrescenta ainda que Platão foi o primeiro a usar hermeneutike,
subentendo-se a palavra techne, como um termo técnico, e podemos defini-la
como “a ciência que nos ensina os princípios, as leis e os métodos de interpretação”.42
Henry Virkler reitera que hermenêutica, em seu sentido técnico, é “a ciência
e arte de interpretação bíblica”; então, em seguida, complementa:

Considera-se a hermenêutica como ciência porque ela tem


normas, ou regras, e essas podem ser classificadas num sistema
ordenado. É considerada como arte porque a comunicação é
flexível, e portanto uma aplicação mecânica e rígida das regras
às vezes distorcerá o verdadeiro sentido de uma comunicação.
Exige-se do bom intérprete que ele aprenda as regras da
hermenêutica bem como a arte de aplicá-las.43

Também é oportuno responder a pergunta...

QUesTÕes QUe A HeRMenÊUTICA enGLoBA e ABoRDA

A Bíblia demanda estudo minucioso, pois trata de temas que abrangem


céu e terra, tempo e eternidade, visível e invisível, material e espiritual, foi
escrita: 1) por pessoas de variadas naturezas, 2) em épocas remotas, 3) em
países distantes entre si, 4) em meio a pessoas e costumes diferentes, 5) e em
linguagem tão simbólica que para a reta inteligência é crucial o conselho e
auxílio da Hermenêutica.44 Portanto, com o auxílio do Espírito Santo, deve
o cristão estudá-la sistemática e prazerosamente, fazer coerente exegese dos
textos para, então, aplicá-la de maneira apropriada. Desta maneira, a igreja
será alimentada e os desvios serão, pelo menos, atenuados.

42
BERKHOF, Louis. Princípios de interpretação bíblica. 3. ed. rev. São Paulo; Cultura Cristã, 2008, p.26.
43
VIRKLER, Henry. Hermenêutica avançada. São Paulo: Vida, 2007, p.9.
44
LUND, E. & NELSON, P. C., op. cit., pp.11,12.
217

A Hermenêutica Bíblica engloba vários motes cruciais: a inspiração da Bíblia,


análise do texto bíblico (recursos literários — figuras, parábolas, tipos, etc.), métodos
de estudos bíblicos (analítico, sintético, temático, biográfico), princípios de interpretação
(princípios gramaticais, históricos, teológicos...). Recebe, assim, auxílio da filologia,
linguística, gramática normativa, histórica e comparada...45
A Hermenêutica Bíblica, como já mencionado em uma definição nesta
matéria, sobretudo aborda os papéis e relacionamentos entre o autor, o texto, o
público-leitor original e o posterior,46 precisa de ciências afins. Uma delas é a Exegese.

o QUe É eXeGese?

A Exegese, que expressa a ideia literal de “arrancar do texto”, mediante os


princípios, regras e métodos hermenêuticos, auxilia no entendimento correto do
sentido literal do texto em foco, sem inserir nele as próprias ideias do pesquisador.
Fee e Stuart esclarecem que “Exegese é o estudo cuidadoso e sistemático da
Escritura para descobrir o significado original que foi pretendido”. 47 Para Bentho,
“é o capítulo da Teologia que estuda a interpretação, utilizando-se de modos formais
de explicação, que podem ser aplicados a alguma passagem das Escrituras a fim de
compreender o seu sentido”.48
Afirma-se que a Exegese pode ser distribuída em pelo menos 5 categorias
basilares:
 1. Exegese Estrutural — Doutrina que sustenta que o significado do
texto bíblico está além do processo de composição e das intenções do autor.
 2. Exegese Gramático-Histórica — Princípio de interpretação bíblica que leva
em conta apenas a sintaxe e o contexto histórico no qual foi composta a Bíblia. Tal
método, apesar de seus elevados méritos, parece tirar dela seu significado espiritual.

45
ANDRADE, Claudionor C. Dicionário teológico. 11. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2002, p.173.
46
GRENZ [et al.], op. cit., p.66.
47
FEE, Gordon D. & STUART, Douglas. Entendes o que lês. 2. ed. 1997. São Paulo: Vida Nova, p.19.
48
BENTHO, Esdras C., op. cit., p.66.
218

 3.Exegese Teológica — Princípio de interpretação bíblica que se orienta


pelas doutrinas sistematizadas pelos doutores da Igreja. Neste caso, a Bíblia é
submetida à doutrina; corre-se o risco de valorizar mais a forma que o conteúdo.49
Destaca-se ainda a Exegese Protestante e Exegese Católica. A última tinha
como alicerce os escritos dos Pais da Igreja, e usava-os como ponto de partida
reflexiva para a Bíblia, sobretudo durante a Idade Média. A Exegese Protestante
ressaltou-se a partir da Reforma, quando Lutero ratificou os princípios da “sola
scriptura” e o sacerdócio universal de todos os crentes.50 Calvino é outro nome
crucial na sistematização bíblica e teológica protestante.

o MÉToDo e A I nTeRPReTAÇÃo DAs esCRITURAs

A ciência interpretativa, mesmo aplicada à Bíblia, depende de metodologias.


A Teologia Cristã, aliás, foi elaborada a partir de métodos específicos. Os teólogos
Ferreira e Myatt explicam que a questão da metodologia, em especial na área
teológica, é tema sério. Através dos séculos houve um desenvolvimento de métodos
e estilos de se fazer Teologia. E, sintetizando, as divisões entre o protestantismo e
o catolicismo têm muito a ver com os diversos métodos empregados na construção
da teologia.51 W. A. Henrichsen mostra o perigo do mau uso da Bíblia quando se
rejeita a sistemática e a metódica maneira de estudá-la e aplicá-la:

A Escritura pode ser mal aplicada quando você ignora o que ela diz sobre
determinado assunto.
 A Escritura pode ser mal aplicada quando você toma um versículo fora do
seu contexto.
 A Escritura pode ser mal aplicada quando você lê uma passagem e a impele
a dizer o que ela não diz.

49
ANDRADE, Claudionor C., op. cit., p.150.
50
In: HORTON, Michael S. [et al.]. Religião de poder. São Paulo: Cultura Cristã, 1998, pp.252-254.
51
FERREIRA, Franklin & MYATT, Alan. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2007, p.2.
219

 A Escritura pode ser mal aplicada quando você dá ênfase indevida a coisas
menos importantes.
 A Escritura pode ser mal aplicada quando você a usa para tentar levar Deus
a fazer o que você quer, em vez daquilo que Ele quer que seja feito.52

Método é “todo processo racional usado para se chegar a determinadas


conclusões válidas”; refere-se às regras ou técnicas usadas para chegar ao
conhecimento do significado original do texto; maneira de proceder.53 É “a
maneira ordenada de fazer alguma coisa, um procedimento seguindo passo-a-
passo, destinado a levar o estudante a uma conclusão”.54 É uma palavra de origem
grega que significa “caminho certo para chegar a um determinado objetivo”.55
Os métodos de interpretação da Bíblia são vários.56 A quantidade, porém,
não significa que as normas e práxis interpretativas sejam todas corretas. No
entanto, a eficácia do método, assevera o Dr. Zabatiero, depende da pessoa que
o utiliza. No caso da interpretação da Bíblia, mais importante que o método
que usamos são: os conhecimentos que temos da própria Bíblia e do mundo
no qual foi escrita; os conhecimentos que temos da história da interpretação
da Bíblia e seu uso nas igrejas e academias; os conhecimentos que temos de
nosso mundo e de nós mesmos nesse mundo; os hábitos que já desenvolvemos
e as certezas que já temos. Ainda acrescenta que, além desses conhecimentos,
os sentimentos e as ações interferem na leitura da Bíblia; a disposição ética, a
espiritualidade e os relacionamentos também afetam a maneira como usamos os
métodos; há ainda a imaginação e a criatividade, pois ler é criar um novo texto
a partir do antigo, é imaginar uma nova realidade a partir das palavras que nos
desafiam. Tudo isso influencia muito mais a leitura do que o próprio método.57

52
HENRICHSEN, W. A. Métodos de estudos bíblicos. São Paulo: Mundo Cristão, pp.8,9.
53
BENTHO, p.56.
54
OLIVEIRA, p.65.
55
MOSCONI, L. Para uma leitura fiel da Bíblia. São Paulo: Loyola, 1997, pp.101-109.
56
RYRIE, Charles C., op. cit., 2004, pp.123-128.
57
ZABATIERO, Júlio, op. cit., 2007, pp.27,28.
220

CoMo InTeRPReTAR e PRATICAR A BÍBLIA CoRReTAMenTe?

Parte da Igreja Evangélica não estuda a Bíblia como deveria. Por quê? As
razões são várias. Rick Warren aponta pelo menos três: 1) as pessoas não sabem
como estudar, 2) elas não são motivadas, 3) elas são preguiçosas — estudar
a Bíblia é trabalho árduo, e não há atalhos; é como qualquer outra coisa na
vida que valha a pena!58 E, como a inconstância é uma das características de
muitos brasileiros, o estudo da Bíblia fica para depois ou é realizado por razões
e meios errados. Ora, a Bíblia tem 1) autoridade, 2) clareza, 3) suficiência e é 4)
indispensável59 à criatura humana, que almeja conhecer e relacionar-se com Deus.
Nesta disciplina tenho afirmado que um dos responsáveis pela má
interpretação das Escrituras é o pouco caso de muitos crentes para com a leitura
prazerosa e frequente das Escrituras. Doravante, para superar esse descaso, é
preciso formar o leitor, ou melhor, investir no letramento da congregação. No
âmbito pedagógico, “letramento é o conjunto de informações que um leitor tem a
partir de sua formação pessoal de leitor”. Essa é outra tarefa laboriosa, afinal se
uma pessoa, mesmo sendo letrada, não tem o hábito de ler textos sempre, ler
jornais diariamente (ou várias vezes na semana), ver/ouvir noticiários para se
informar sobre a realidade do seu país e do mundo, etc., ela não terá letramento. 60
Como então estudar corretamente a Bíblia?
Henrichsen sugere quatro partes vitais. Confira:

oBseRVAÇÃo — que responde à pergunta: “Que vejo?” Aqui o


estudante da Bíblia aborda o texto como um detetive. Nenhum
pormenor é sem importância; nenhuma pedra fica sem ser virada.
Cada observação é cuidadosamente arrolada para consideração
e comparações posteriores.

58
WARREN, Rick. 12 maneiras de estudar a Bíblia sozinho. São Paulo: Vida, 2003, pp.12,13.
59
GRUDEM, Wayne. Entenda a fé cristã. São Paulo: Vida Nova, 2010, pp.13-22.
60
CARVALHO, Audrey. Formando o leitor. São Paulo: Rideel, 2010, pp.20,21.
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InTeRPReTAÇÃo — que responde à pergunta: “Que significa?”


Aqui o intérprete bombardeia o texto com perguntas como:
“Que significavam estes pormenores para as pessoas às quais
foram dados? (Por que o texto diz isto?)” Qual é a principal
ideia que ele está procurando comunicar?”

CoRReLAÇÃo — que responde à pergunta: “Como isto se


relaciona com o restante daquilo que a Bíblia diz?” O estudante
da Bíblia deve fazer mais do que examinar somente passagens
individuais. Deve coordenar o seu estudo com tudo mais que
a Bíblia diz sobre o assunto. A precisa compreensão da Bíblia
sobre qualquer assunto leva em conta tudo que a Bíblia diz
sobre aquele assunto.

APLICAÇÃo — que responde à pergunta: “Que significa para


mim?” Esta é a meta dos outros três passos. Um especialista nessa
área disse-o sucintamente: “Observação e interpretação sem
aplicação é aborto” (...) A Bíblia é Deus falando. Sua Palavra
exige resposta. Essa resposta tem de ser nada menos do que a
obediência à vontade de Deus revelada.61

Quais outros princípios são confiáveis para guiar o súdito de Cristo à


interpretação mais fiel da Bíblia? Estudiosos sugerem:

1. Estude a Bíblia partindo do pressuposto de que ela é a autoridade suprema


em questão de religião, fé e doutrina. Em assunto de religião, fé e doutrina, o
indivíduo se submete à tradição, à razão, ou às Escrituras. A autoridade a que
ele se submeter, há de determinar o tipo de crença que possa esposar.

61
HENRICHSEN, Walter. A. Princípios de interpretação da Bíblia. São Paulo: Mundo Cristão, 1997, pp.8,9.
222

2. Não esqueça de que a Bíblia é a melhor intérprete de si mesma. A Bíblia


interpreta a própria Bíblia. Esta norma é universalmente conhecida. Mas não
poucos leitores a desprezam. A Bíblia possui o melhor e mais profundo comentário
sobre si mesma.62 Portanto, deve o estudioso da Bíblia evitar a omissão — investigar,
ensinar e vivenciar só a parte que lhe interessa — e adição — acrescentar, por
razões e preferências particulares, doutrinas que vão além do que a Palavra de
Deus realmente ensina, não permitindo que ela fale por si mesma.

3. Dependa do Espírito Santo na nobre tarefa de interpretação da Escritura. O


diabo tentou o Cristo no deserto, no monte e no templo. No deserto, tentou-o a
ceder à gula; no monte, tentou-o a se deixar levar pela ambição; e, no templo,
interpretando mal a Palavra. O Diabo cega o entendimento dos incrédulos (2
Co 4.4), obstruindo sua conversão (Mt 13.15). No caso da Igreja, a induz a má
interpretação. Doravante, é necessário total dependência do Espírito Santo
também na investigação do Livro de Deus (Jo 16.13).

4. Interprete a experiência pessoal à luz da Escritura, e não a Escritura à luz


da experiência pessoal. A Bíblia é um livro de causas e efeitos, assim, experiências
pessoais do cristão com o sagrado são inevitáveis. O que não se pode é usar a
experiência como regra nem colocá-la acima da Bíblia. E na pós-modernidade,
como já estudamos, há um predomínio nocivo da experiência sobre a razão.

5. Os exemplos bíblicos somente têm autoridade prática quando homologados


por ordens imutáveis. O fato de Noé plantar uma vinha e depois se embriagar com
o vinho do seu fruto (Gn 9.20,21), não indica que você deva fazer o mesmo. O
fato de Jesus ter mandado dizer a Herodes: “ide dizer a essa raposa” (Lc 13.32),
não nos autoriza a afrontar as autoridades. A narrativa bíblica que menciona
Pedro negando Jesus não é para ser imitado.

62
CARVALHO, Antonio V. Introdução ao estudo da Bíblia. São Paulo: Hagnos, 2003.
223

6. O principal propósito da Escritura é transformar radicalmente a nossa


vida, e não simplesmente multiplicar nossos conhecimentos. Estude a Bíblia com
motivação correta: acentuar o seu saber bíblico-teológico e, sobretudo, o prático;
a Bíblia deve iluminar a nossa mente e aquecer o nosso coração, deve nos levar
à reflexão mas também à ação.

7. Todo cristão tem o direito e a responsabilidade de interpretar pessoalmente


a Escritura. A Bíblia não é particularidade de uma pessoa nem de alguma
instituição religiosa. Ela é propriedade de Deus. Logo, quem desejar, poderá
lê-la, conhecê-la, amá-la e, sobretudo, praticá-la! Esta foi uma das maiores
vitórias da Reforma Protestante: aproximar a Bíblia do povo, sem a mediação
do clero, que não raro a manipulava em benefício próprio. Mas esse privilégio
deve ser seguido de responsabilidade, afinal nenhum cristão está autorizado a
interpretar a Bíblia do jeito que bem quiser.

8. Apesar da importância da história da Igreja, ela não chega a ser decisiva na
fiel interpretação da Escritura. Apesar de reconhecermos os méritos da história
da Igreja, por ela registrar o denodo e a bravura com que os princípios sagrados
foram defendidos e mantidos, devemos afirmar que a Igreja não determina o
que a Igreja ensina; antes, a Bíblia é quem determina o que a Igreja ensina. A
história, aliás, serve também para revelar as periodizações nas quais a Igreja se
afastou da Bíblia e suas trágicas consequências.

9. O Espírito Santo quer aplicar as promessas divinas preconizadas na Escritura,


na vida do cristão, em todos os tempos. Todavia o estudioso da Bíblia deve tomar
cuidado para não convertê-la em mero compêndio de promessas triunfalistas,
centradas na geografia pessoal e na dimensão material da vida; ela é mais que
isso... ela é a gloriosa Palavra de Deus... não mero livro de autoajuda ou de
legitimação do projeto de vida boa das pessoas.
224

O Dr. Augustus N. Lopes reitera que o fato da Bíblia ter sido escrita por
diferentes pessoas em diferentes épocas, línguas e lugares, alerta-nos para o
que alguns estudiosos têm chamado de distanciamento — temporal, contextual,
cultural, linguístico, autorial e também natural, espiritual e moral. Em seguida, para
minimizar, no nível humano, os erros que possam advir das nossas interpretações,
compartilha alguns princípios basilares, embora não sejam eles exaustivos e
nem absolutos.

• 1. Quem escreveu/falou a passagem e para quem era endereçada?


• 2. O que a passagem diz?
• 3. Existe alguma palavra ou frase nesta passagem que precise ser examinada?
• 4. Qual é o contexto imediato?
• 5. Qual é o contexto mais amplo exposto no capítulo e no livro?
• 6. Quais são os versículos relacionados ao assunto da passagem e como eles
afetam a compreensão desta?
• 7. Qual é o fundo histórico e cultural?
• 8. Qual a conclusão que eu posso tirar desta passagem?
• 9. As minhas conclusões concordam ou discordam de áreas relacionadas nas
Escrituras ou com outras pessoas que já estudaram esta passagem?
• 10. O que eu posso aprender e aplicar à minha vida?63

Concluindo, a Hermenêutica Bíblica está diante de novos desafios, internos


e externos; novos rumos, benéficos e nocivos, estão sendo propostos.64 Mas o
certo é que precisamos conhecer palavras, frases, versículos, capítulos, livros e,
enfim, a Bíblia inteira.65 E isso apenas ainda não basta; é preciso, sobretudo
praticá-la corretamente e desfrutarmos dos seus benefícios decorrentes.

63
LOPES, Augustus N. Princípios de interpretação da Bíblia - parte I - Por que precisamos interpretar a Bíblia. Disponível em:
<http://www.monergismo.com/textos/hermeneuticas/hermA_02.pdf>. Reacessado em 28/02/2012.
64
ZABATIERO, Júlio [et al.]. Para uma hermenêutica bíblica. São Paulo: Fonte Editorial/Faculdade Unida, 2011.
65
OLIVEIRA, Raimundo. Como estudar e interpretar a Bíblia. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
225

MInHAs AnoTAÇÕes
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