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LATINO-AMERICANA
2 – Em que contexto histórico surgem as teorias geopolíticas? Por que é possível afirmar
que a teoria geopolítica do Estado Orgânico, formulada por Friedrich Ratzel é
fortemente comprometida com o projeto nacional e imperialista prussiano do final do
século XIX?
Vallaux pretende deixar clara a sua marca distintiva em relação a Ratzel, lembrando que
discorda deste pela sua "inspiração" e pelo "método, ao abordar a relação do Estado com o
solo, por isso se inicia com uma crítica às teorias sociológicas racionalistas e românticas
sobre o Estado, que segundo ele situa o seu processo de constituição e desenvolvimento no
plano exclusivo da inteligência e do espírito das coletividades, sem atentar para as condições
materiais da vida, incluindo aí o espaço geográfico.
Vallaux reconhece que é inevitável que a formação dos Estados passe necessariamente pela
definição da soberania de um povo sobre uma porção determinada do solo, definindo aí um
território, ou seja, um espaço de domínio político. Pelo fato de que esse processo independe
do grau civilizatório dos povos, resulta, para ele, que o Estado deve ser considerado como
"uma forma essencialmente geográfica da vida social". Em sua definição de tipos de Estados,
o autor reconhece dois principais: os simples e os complexos.
Durante todo o "diálogo" com Ratzel, o ponto de maior "fricção" entre os dois é, sem dúvida,
o que se refere ao conceito de espaço. Vallaux parte de uma ideia de espaço concreto, isto é,
uma "extensão determinada" que se apresenta em suas singularidades concretas (físicas e
humanas). Por isso não concorda com o conceito de "espaço abstrato", do "espaço em si" de
Ratzel, que para ele não passa de "uma entidade metafísica". Ele refere-se aí à idéia básica de
Ratzel de que o espaço possui um "valor absoluto" para as sociedades e os Estados, no
sentido de que haveria nestes uma aspiração "natural" por espaços e de que os povos
condenados a viver em pequenos. Vallaux também não vê consistência na chamada
"consciência coletiva do espaço", de que fala Ratzel. Para ele, a idéia de que "espaço é
poder" é um ponto de vista exclusivo daqueles que detêm o poder, quase não afetando o
cidadão comum. Por todas essas razões é que vê no conceito de espaço o ponto mais frágil da
geografia política de Ratzel, entendendo que, ao expressá-lo desse modo, o geógrafo alemão
teria "sacrificado a severidade do método científico sobre o altar da pátria alemã".
As famílias mais ricas de Florença em 1427 ainda hoje são as mais ricas: Estudo
conduzido por dois economistas italianos avaliou como os ricos se mantêm no topo da
pirâmide social por tantos anos.
Difícil de acreditar, mas, desde 1427 (589 anos atrás), as mesmas famílias de Florença,
na Itália, ocupam os postos de mais ricas da cidade. São quase seis séculos, o equivalente
a 18 gerações. A constatação é fruto da pesquisa de dois economistas italianos,
Guglielmo Barone e Sauro Mocetti, que compararam as declarações de impostos das
famílias de 1427 com aquelas de mesmo sobrenome em 2011. O estudo se aproveitou do
fato das declarações de renda, desde 1427, terem sido digitalizadas e disponibilizadas
online. Embora admitam a fragilidade em estabelecer essa relação de riqueza baseada
exclusivamente na perpetuação do mesmo sobrenome, os economistas destacam que os
nomes de famílias italianas são muito regionais e costumam ser passados de geração
para geração. O que mais impressionou os pesquisadores, na conclusão, é a forma como
os herdeiros foram capazes de manter as fortunas por tantos anos e perpetuar o status
de mais ricos da região por quase seis séculos. O dinheiro passou de geração em geração
sem que tivessem grandes perdas no patrimônio. O estudo traz novas evidências de
como os ricos têm conseguido ao longo da história se manter ricos. Na Inglaterra,
pesquisadores já haviam demonstrado como o status das famílias inglesas vem
perdurando há mais de oito séculos ou 28 gerações.
a) Como se originou este sistema interestatal-capitalista que sobrevive até os dias atuais,
segundo Arrighi?
O aspecto crucial desse sistema foi a oposição constante entre as lógicas capitalistas e
territorialistas do poder, bem como a recorrente resolução de suas contradições através da
reorganização do espaço político-econômico mundial pelo principal Estado capitalista de
cada época. Essa dinâmica entre capitalismo e territorialismo é anterior ao estabelecimento,
no século XVII, de um sistema interestatal pan-europeu. Suas origens residem na formação,
dentro do sistema medieval de governo, de um substistema regional de cidades-Estados
capitalistas no norte da Itália. À medida em que se acelerou a decadência do sistema de
governo medieval, o enclave capitalista da Itália setentrional organizou-se num subsistema de
jurisdições políticas separadas e independentes, unidas pelo princípio do equilíbrio do poder e
por densas e vastas redes de diplomacia com sedes permanentes. Constituindo um sistema
essencialmente capitalista do Estado de guerra.
Arrighi revisita o conceito de Hegemonia trazido por Gramsci segundo o qual afirma que
uma vez que a palavra hegemonia, em seu sentido etimológico de "liderança" e em seu
sentido derivado de "dominação", que se refere as relações entre Estados. Arrighi transpõe
esse conceito de hegemonia social de Gramsci das relações intra-estatais para as relações
interestatais. Explica que as hegemonias mundiais, como aqui entendidas, só podem emergia
quando a busca pelo poder pelos Estados interelacionados não é o único objetivo da ação
estatal. Na verdade, a busca do poder no sistema interestatal é apenas um lado da moeda que
define, conjuntamente, a estratégia e a estrutura dos Estados enquanto organizações. O outro
lado é a maximização do poder perante os cidadãos. Portanto, um Estado pode tornar-se
mundialmente hegemônico por estar apto a alegar, com credibilidade, que é a força motriz de
uma expansão geral do poder coletivo dos governantes perante os indivíduos. Ou,
inversamente, pode tornar-se mundialmente hegemônico por ser capaz de afirmar, com
credibilidade, que a expansão de seu poder com relação a um ou a todos os outros Estados é
do interesse geral dos cidadãos de todos eles.
Essas hegemonias tinham tendências centrantes, no que diz respeito as ondas de colonização
e descolonização. No auge das respectivas hegemonias mundiais dos governos britânicos e
norte-americano, fornecem uma vivida ilustração dos impulsos divergentes dessas duas
hegemonias. Se designarmos a hegemonia britânica como "imperialista" , não teremos
alternativa senão designar o impulso principal da hegemonia norte-americana como
"antiimperialista". O impulso "anti-livre-cambista" também é outro exemplo. O governo
norte-americano nunca chegou a considerar a adoção do tipo de comercio unilareral que a
Grã-Bretanha raticou desde a década de 1840 a 1931. O livre comércio ideologizado e
praticado pelo governo dos Estados Unidos, em todo período de seu domínio hegemônico
tem sido, antes, uma estratégia de negociação interestatal – bilateral e multicultural – sobre a
liberalização do comércio, visando basicamente abrir as portas das outras nações ao produtor
e as empresas norte-americanas.
Outra diferença muito fundamental entre a hegemonia norte americana e a britânica, tem
sido a tendência de "internacização" de uma parcela expressiva e crescente do comércio
mundial em empresas transnacionais de grandes dimensões e hierarquização vertical, parcela
esta que é administrada por elas. Esse aspecto da hegemonia norte-americana reflete a
centralidade do investimento direto e não do comércio, na reconstrução da economia
capitalista desde a Segunda Guerra. Há, no entanto, uma diferença fundamental entre as
companhias de comércio e a navegação do século XVII e XVIII, e as empresas
multinacionais do século XX, por outro. As primeiras eram organizações parcialmente
governamentais e parcialmente empresariais, que se especializavam territorialmente,
excluindo todas as outras organizações similares. As empresas multinacionais do século XX,
em contraste, são organizações estritamente comerciais, que se especializam funcionalmente
em múltiplos territórios e jurisdições, em cooperação e em concorrência com outras
organizações similares.
Marx considerava que forma do Estado, portanto emerge das relações de produção, não do
desenvolvimento geral da mente humana ou do conjunto das vontades humanas, assim, é
impossível separar a interação humana em uma parte da sociedade da interação em outra: a
consciência humana que guia e até mesmo determina essas relações individuais é o produto
das condições materiais - o modo pelo qual as coisas são produzidas, distribuídas e
consumidas. Essa formulação do Estado contradizia diretamente a concepção de Hegel do
Estado "racional", um Estado ideal que envolve uma relação justa e ética de harmonia entre
os elementos da sociedade. Para Hegel, o Estado é eterno, não histórico; transcende à
sociedade como uma coletividade idealizada. Assim, é mais do que as instituições
simplesmente políticas. Marx, ao contrário, colocou o Estado em seu contexto histórico e o
submeteu a uma concepção materialista da história. Não é o Estado que molda a sociedade,
mas a sociedade que molda o Estado. A sociedade, por sua vez, se molda pelo modo
dominante de produção e das relações de produção inerentes a esse modo.
Marx e Engels viam duas faces na questão da democracia, coerentemente com seu conceito
da natureza de classe do Estado, mas a ambigüidade está justamente na duplicidade desta
questão. Marx e Engels sugeriram a noção do Estado democrático e popular, ainda que o
Estado burguês fosse antipopular. Colocado de outro modo, o caráter de classe da sociedade,
para Marx e Engels, permeia cada um de seus aspectos, incluindo as formas democráticas. Do
mesmo modo, as necessidades sociais não podem ser satisfeitas sem passar pelas instituições
políticas de uma sociedade condicionada pelas classes. O Estado age no interesse da classe
dominante, subordinando todos os outros interesses aos dessa classe. Não são, porém, as
formas que necessariamente têm caráter de classe, mas o antagonismo de classe, inerente à
sociedade, que anima as formas. De acordo com a natureza da luta de classes, aquelas
mesmas formas podem ser uma ameaça ao domínio da burguesia. Portanto, há, para Marx e
Engels, dois níveis da autonomia do Estado. No primeiro - a condição "normal" - a
burocracia do Estado tem alguma autonomia frente à burguesia devido a aversão inerente da
burguesia em atuar diretamente no aparelho do Estado e devido aos conflitos entre os capitais
individuais (exigindo uma burocracia independente que pode atuar, como executora, para
toda a classe capitalista). Assim, nas condições normais do Estado burguês, a burguesia
atribui a tarefa de gerenciar os negócios políticos da sociedade a uma burocracia (que não é a
burguesia ou os capitais individuais), mas esta burocracia - em contraposição às primeiras
formações sociais - está subordinada à sociedade e à produção burguesas. Todavia, Marx e
em particular Engels consideravam definitivamente a essência do Estado burguês normal,
como determinada pelas condições materiais e suas relações sociais afins; o Estado representa
os interesses de uma classe específica, mesmo quando ele se posiciona acima dos
antagonismos de classe; e o principal meio de expressão do Estado é o poder coercitivo
institucionalizado.
Lenin desenvolveu uma análise muito mais detalhada do Estado burguês, em termos do seu
papel no processo revolucionário. Para Lenin, assim como para Marx e Engels, o interesse no
Estado centrava-se na estratégia revolucionária, numa teoria de traI:1sformação do
capitalismo para o comunismo. O fundamental para Lenin era que o Estado é um órgão de
dominação de classe e que, embora o Estado tente conciliar o conflito der classes (nas
palavras de Engels [1968, 155], "um poder aparentemente colocado acima da sociedade
tornou-se necessário para o objetivo de moderar o conflito"), esse conflito é irreconciliável.
Embora a democracia burguesa pareça permitir a participação e, até mesmo, o controle das
instituições políticas (e econômicas) pela classe trabalhadora (se ela opta por exercer esse
poder político) e, portanto, pareça produzir um aparelho de Estado com o resultado da
reconciliação de classes, Lenin defende que "de acordo com Marx, o Estado não poderia nem
surgir nem manter-se, se fosse possível reconciliar as classes... Segundo Marx, o Estado é um
órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra; é a criação da
'ordem' que legaliza e perpetua essa opressão, ao moderar o conflito entre as classes". (Lenin,
1965, 8) Na interpretação leninista de Marx, a necessidade de um Estado, uma vez que ele é o
aparelho repressivo de uma classe dominante, só existe porque está presente um conflito de
classes. Sem esse conflito, não há necessidade de Estado. O reverso dessa interpretação
parece óbvio: "Se o Estado é o produto da irreconciliabilidade dos antagonismos de classe, se
ele é um poder colocado acima da sociedade e cada vez mais alienado desta logo... a
liberação da classe dominada não é possível, a não ser com o recurso a uma revolução
violenta, e também com a destruição do aparelho de poder do Estado, que foi criado pela
classe dominante e que é a corporificação dessa alienação". (Lenin 1965, 9). Pode-se dizer
que o principal objetivo de Lenin em O Estado e a Revolução não era descrever a essência do
Estado burguês em si, mas estimular uma estratégia específica para a revolução socialista.
Essa estratégia tinha duas partes: a primeira, a derrubada do Estado burguês; e a segunda, a
transição ao socialismo. O que Lenin antevia era a reação da burguesia a um regime
revolucionário: uma vez que, a partir da perspectiva da classe trabalhadora, os capitalistas
não são essenciais à economia proletária, a revolução para a burguesia significa o fim de sua
posição privilegiada (sua única alternativa é tornarem-se trabalhadores comuns) e, desse
modo, ela está disposta a lutar contra o novo regime com tudo o que esteja à sua mão. Lenin
argumentava que a abolição da burguesia como classe exigia um Estado operário todo-
poderoso, pronto para eliminar aquele grupo coercitivamente. Assim, para Lenin, a ditadura
da burguesia é substituída pela ditadura do proletariado, durante a transição do capitalismo
para o comunismo. E quanto ao famoso argumento de Engels segundo o qual, sob o
socialismo, o Estado "se extinguirá"?3 Lenin discute essa questão detalhada mente (1965, 17-
25), porém, para nossos objetivos, seu ponto mais importante é aquele onde Engels fala da
extinção do Estado, ele "refere-se sem nenhuma ambiguidade possível ao período posterior à
‘apropriação dos meios de produção, por parte do Estado em nome de toda a sociedade’, isto
é, posterior à revolução socialista. Todavia, em sua discussão sobre a democracia e o Estado
democrático; Lenin distingue muito claramente entre uma democracia burguesa e uma
democracia operária (que pode se extinguir uma vez subjugada a oposição burguesa). Lenin,
concordando com Marx e Engels, considerava o aparelho do Estado como um "produto e
manifestação da irreconciliabilidade dos antagonismos de classe". Lenin parece ratificar um
Estado revolucionário baseado no conceito de "democracia operária", uma democracia
ampliada, além da mistificação do parlamentarismo burguês, até a participação do povo, em
todas as instituições sociais.
b) Seguindo esta perspectiva, em sua opinião, é possível afirmar que o território não tem
o mesmo significado dependendo da sua posição social e de seu lugar no território?
Na minha opinião o território, quer seja o território dos Estados Nacionais, como a relação
regional com o território é atravessada por relações de poder que, a meu ver estão introjetadas
na ideia de Sistema Mundo e a divisão racial do trabalho. Além das questões de classe
perpassa por questões de gênero e raça.
c) Como o exemplo das famílias ricas das famílias ricas de Florença, discutidas na
reportagem acima, e o trecho do documentário Expedição Namíbia que vimos em classe,
corroboram a ideia de que o território não é o mesmo para cada pessoa, grupo, família e
classe social?
Para Henry Lefebvre "A produção de um espaço, o território nacional, espaço físico,
balizado, modificado, transformado pelas redes, circuitos e fluxos que aí se instalam:
rodovias, canais, estradas de ferro, circuitos comerciais e bancários, autoestradas e rotas
aéreas etc.". O território, nessa perspectiva, um espaço onde se projetou um trabalho, seja
energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder. O
espaço é a "prisão original'', o território é a. prisão que os homens constroem para si. Para
Raffestein, o espaço não tem valor de troca, mas somente valor de uso, uma utilidade. O
espaço é, portanto, anterior, preexistente a qualquer ação. O espaço é, de certa forma, "dado"
como se fosse uma matéria-prima. Preexiste a qualquer ação. "Local" de possibilidades, é a
realidade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática dos quais será o
objeto a partir do momento em que um ator manifeste a intenção de dele se apoderar.
Evidentemente, o território se apoia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção, a partir
do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num
campo de poder. Produzir uma representação do espaço já é uma apropriação, uma empresa,
um controle portanto, mesmo se isso permanece nos limites.de.um conhecimento. Qualquer
projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de um
território, de um local de relações. Ajuda a compreender como a representação de um espaço
no território sempre é marcada por relações de poder. Faz pensar nas malhas que os impérios
tecem, os Estados modularam suas políticas segundo uma axiomática não claramente
assumida, mas bem presente e bem real. É simples: desde que o jogo estrutural funcione, a
ação coordenada, bem preparada sobre o plano, não pode ter o caráter sistemático da
geometria, pois intervêm então os dados reais do contexto espaço-temporal.