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CRÍTICA À METODOLOGIA POLÍTICA DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA

ESCOLA

RESUMO: Trata-se de discutir panoramicamente a realidade escolar,


especificamente, a forma como o trabalho é organizado pelas equipes gestoras,
bem como as concepções políticas que orientam o desenvolvimento das atividades
de administrativas na escola, objetivando a qualidade. Entende-se que a concepção
do idealismo se sobrepõe à do materialismo na organização do trabalho escolar,
inviabilizando o esclarecimento das formas e métodos para orientar ações de
transformação profunda da sociedade e, em decorrência desse processo, também,
obstruindo a transformação profunda da escola e da gestão escolar.
Palavras-chaves: escola, gestão escolar, materialismo, idealismo.

INTRODUÇÃO

A experiência organizativa de qualidade se dá no próprio processo da ação


organizativa, isto é, a partir dos recursos e meios existentes num dado contexto
escolar pode-se chegar a determinados fins através das atividades das pessoas
envolvidas.
No entanto, para se fazer desta qualidade algo real, seria insuficiente
observar a gestão escolar e imaginá-la como um mero movimento administrativo
arrumado por ideias, das quais, independentemente de qual seja o seu caráter ideal,
não estabeleceria uma correlação entre o pensamento sobre a qualidade
organizativa e o seu fundamento material. Através da apresentação de uma das
possíveis abordagens de planejamento, Gadin expressa a base de raciocínio que
estão assentadas as ideias das quais estamos nos referindo:

“O planejamento participativo pretende ser mais do que uma


ferramenta para a administração; parte da ideia que não basta uma
ferramenta para ‘fazer bem as coisas’ dentro de um paradigma
instituído, mas é preciso desenvolver conceitos, modelos, técnicas,
instrumentos para definir ‘a coisa certa’ a fazer, não apenas para o
crescimento e a sobrevivência da entidade planejada, mas para a
construção da sociedade; neste sentido, inclui como sua tarefa
contribuir para a construção de novos horizontes, entre os quais
estão, necessariamente, valores que constituirão a sociedade.”
(GADIN, 2001, p.87 ).

Os conceitos, os modelos, as técnicas e instrumentos para guiar o trabalho


da gestão escolar não são imperativos morais capazes de constituir ou orientar a
sociedade a novos horizontes, pois, a sociedade é regida pelas suas próprias leis e
a história da educação, bem como a escola atual, evidenciam por meio da
experiência prática que as leis da sociedade influenciam o interior da escola mais do
que eventos de especulação de ideias, partindo da escola para a sociedade,
influenciam a sociedade e mesmo a própria escola, isto é, essa perspectiva
apresenta um déficit problematizado por Karl Marx ao criticar o idealismo do seu
tempo: “Na medida em que Feuerbach é materialista, não aparece nele a história e,
na medida em que toma a história em consideração, não é materialista.
Materialismo e história aparecem completamente divorciados nele” (MARX, 1986, p.
40). Falaremos mais sobre essa questão nos tópicos posteriores.

A GESTÃO ESCOLAR DAS IDEIAS

Assim, entende-se, a concepção de qualidade, para além das técnicas, que


considera de importância primeira a luta contra as expressões que anulam a
possibilidade de se realizar a qualidade e os direitos dos estudantes e trabalhadores
pertencentes ao espaço escolar. A defesa dessa perspectiva dá-se, também, em
função da inserção de outros profissionais na área da educação. Situação essa que
faz parte da luta contra o desmonte da educação pública e da falácia de que o
profissional adequado para ocupar a função do gestor de escola seria o
administrativa de empresas, que não constituiu até então um história consistente de
atuação rumo ao progresso da educação, assim como Anísio Teixeira colocou:

“A função de administrador é função que depende muito da pessoa


que a exerce; o administrador depende de quem êle é, do que tenha
aprendido e de uma longa experiência. Tudo isto é que faz o
administrador. E, é comum, entre nós, pensar que aquilo que não se
aprende senão em muitos anos, não se precisa aprender. Daí, não
se precisar de preparar o administrador. O Brasil é talvez um país
dos mais excepcionais neste assunto. Não me consta que os
administradores se preparem no Brasil. Parece que não há
administração no Brasil no sentido real de algo que se possa
aprender e, muito menos, em educação, onde, ao que parece, nunca
houve busca de administradores para as escolas. (TEIXEIRA, 1961,
p. 84)”

Também, não seria suficiente analisá-la dentro de uma lógica empresarial


competitiva voltada para o cálculo: meta-resultado. Vejamos, essa ideia, ao ser
realizada, constata-se a existência de contradições e inconveniências que
bloqueiam a possibilidade de realização plena das garantias de direitos dos usuários
das unidades públicas de ensino, uma vez que, as garantias de direitos seriam algo
secundária na prática dos modelos técnicos-administrativos de muitas das grandes
empresas e corporações ao atrelam suas ações única e exclusivamente para a
obtenção do lucro se utilizando de disciplinaridades peculiares, ou seja, “uma
anatomia política que faz com que não exista poder sem uma forma de regulagem
dos corpos e de seus regimes de desejo (SAFATLE, 2015, p. 194)”, sendo que
características dessa mesma lógica são, sistematicamente, repetida no interior das
escolas, pois, tal dinâmica teria objetivos incompatíveis com os das escolas
públicas. Essas concepções que têm como questão central as ideias não
fundamentadas em práticas reais, fora dos objetivos capitalistas, e outros mais, que,
também, apresentam-se nas escolas clássicas de administração científica, humana,
behaviorista e estruturalista, insistem na utilização do método invertido. Analisando
as práticas de gestão escolar das quais se toma conhecimento através da vida
cotidiana na escola, observa-se que essas ideias que por lá circulam não permitem
a realização de uma luta real pela qualidade, e isso se dá por elas não
considerarem a realidade tal como ela, essas ideias, por vezes, concebem a escola
como se se tivesse vida própria e não necessitasse da participação das pessoas
interessadas por ela, como se a unidade de ensino pudesse se ajustar
espontaneamente a partir da vontade do pensamento da comunidade escolar.
Nesse sentido, defendemos a tese de que esta concepção de organização é
algo a se superar, juntamente com a luta de classes, e quando superada as idéias
subjetivas de qualidade, podemos ir para além de uma prática de gestão pautada na
tentativa e no erro com o objetivo de alcançar a qualidade e pode-se passar para o
ato, isto é, o ato de organizar deve ter uma referência, um marco inicial de atuação,
uma base orientada por experiências reais que tenham ou tiveram concepções
políticas das quais o critério de qualidade seja as possibilidades de atuação na
realidade objetiva enquanto campo de contradições sociais, por vezes reproduzidas
e reatualizadas no interior da escola e, sobretudo, que se tenha, insistimos, como
critério de qualidade os direitos, mas lançamos mão da perspectiva dos direitos
enquanto forma de reivindicação legal das demandas escolares, em uma palavra: o
critério material de qualidade não é o direito em si, mas a ação orienta das pessoas,
como elas agem no interior da escola, guiando-se por um método que possa
articular teoria e práxis, isto é, o método materialista histórico-dialético, ou seja, “é o
materialismo histórico, uma das componentes fundamentais da filosofia marxista-
leninista, que elabora a teoria geral e o método de conhecimento da sociedade
humana como sistema, estuda as leis da sua evolução e a sua utilização pelos
homens.” (SPIRKINE; YAKHOT, 1975b, p. 10)

QUALIDADE EM GESTÃO ESCOLAR

Desenvolver o progresso e a igualdade de condições de homens e mulheres


para que possam intervir em suas próprias histórias e na história social das
atividades de trabalho das quais estão envolvidos, não é uma tarefa individual que
dependa apenas da boa vontade. “Os homens fazem sua própria história, mas não
a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquela com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”
(MARX, 1985, p.1). A sociedade é regida pelas suas próprias leis, que independem
de projetos sociais que busquem reconciliar núcleos da sociedade que
historicamente estabelecem entre si relações em que um extrato social explora e o
outro é explorado.
A ação pedagógica e da gestão deve ser orientada por uma experiência
anterior a ela, que siga os mesmos aspectos característicos das concepções
políticas da escola e que sirvam como orientação para a organização de suas
atividades. Desse modo, a orientação por meio de outras experiências anteriores às
da unidade de ensino também deve ter seus imperativos morais, isto é, os valores
da escola do presente são os valores do presente. O conceito de qualidade em
educação e gestão, ainda que muito amplo, não é em si um imperativo moral.
Organizar o trabalho escolar de modo que essa atividade ultrapasse os muros das
escola, ultrapasse a relação professor aluno e ganhe ares de uma relação escola-
comunidade e que, com isso, dê visibilidade às questões, aos problemas e saberes
acercas das reais forças que bloqueiam a realização da experiência social
educativa, é um imperativo moral. Imperativo esse que se dá na libertação dos
homens daquilo que os impedem de ser, assim afirma Freire a respeito da
libertação:

“O empenho dos humanistas, pelo contrário, está em que os


oprimidos tomem consciência de que, pelo fato mesmo de que estão
sendo ‘hospedeiros’ dos opressores, como seres duais, não estão
podendo ser. Esta prática implica, por isto mesmo, que o
acercamento às massas populares se faça, não para levar-lhes uma
mensagem ‘salvadora’, em forma de conteúdo a ser depositado,
mas, para, em diálogo com elas, conhecer, não só a objetividade em
que estão, mas a consciência que tenham desta objetividade; os
vários níveis de percepção de si mesmo e do mundo em que e com
que estão.”(FREIRE, 1970, p. 119)

Com isso, embora a experiência organizativa escolar e de qualidade se


realize em sua própria prática, o problema da participação das pessoas para a
construção de um projeto educacional de gestão escolar implica, de fato, a luta
constante para a resolução das atuais questões políticas e econômicas, que são a
base da formação econômica-social, para superar esse estágio da história da
humanidade.

CONCLUSÃO

Os rítmos progressistas da sociedade não cessam, constituem um


movimento incessante do qual a escola, sobretudo, a escola pública, necessita
acompanhar essas transformações estabelecendo como ordem prioritária o
alinhamento às lutas sociais fora da escola, instaurando a tendência de um
movimento social no interior dos estabelecimento de ensino com o intuito de
promover a informação e formas de organização pautadas no engajamento para a
libertação e não simplesmente na técnica administrativa, isto é, “propõe-se, por isto,
como ferramenta para que as instituições, grupos e movimentos que para isto
existem, e, obviamente, para os governos e seus orgãos, porque para isto existem,
possam ter uma ação e um ser direcionados a influir na construção externa da
realidade, ou seja, eles mesmos, apenas meios para a busca de fins sociais
maiores” (Gandin, 2001, p. 82-83).

Referência bibliográfica:
Currículo sem fronteiras, v.1, n.1, pp. 81-95, Jan/Jun 2001.
FREIRE, P. (1998). Pedagogia do Oprimido. 25 ª ed. (1ª edição: 1970). Rio de
Janeiro: Paz e Terra.
MARX, Karl. A ideologia alemã (I- Feuerbach). São Paulo: Hucitec, 1986. MARX,
Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
MARX, Karl; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
SAFATLE, Vladimir. Circuito dos Afetos: Corpos políticos, Desamparo, Fim do
Indivíduo. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
SPIRKINE, A. YAKHOT, O. Princípios do Materialismo Histórico. S. São Paulo:
Estampa, 1975b.
TEIXEIRA, Anísio. Que é administração escolar? Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.36, n.84, 1961. p.84-89.

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