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A insuficiência renal aguda (IRA) é caracterizada por

uma redução abrupta da função renal que se mantém por


períodos variáveis, resultando na inabilidade dos rins em
exercer suas funções básicas de excreção e manutenção da
homeostase hidroeletrolítica do organismo. Apesar do
substancial avanço no entendimento dos mecanismos fisi-
opatológicos da IRA, bem como no tratamento dessa do-
ença, os índices de mortalidade ainda continuam excessi-
vamente elevados, em torno de 50%.

ETIOLOGIA
As causas de insuficiência renal aguda podem ser de
origem renal, pré-renal ou pós-renal. A IRA pré-renal é
rapidamente reversível se corrigida a causa e resulta prin-
cipalmente de uma redução na perfusão renal, causada por
uma série de eventos que culminam principalmente com
diminuição do volume circulante e, portanto, do fluxo sangüíneo renal, como por
exemplo desidratação (vômito, diarréia, febre), uso de diuréticos e insuficiência
cardíaca.
A IRA renal, causada por fatores intrínsecos ao rim, é classificada de acordo com o
principal local afetado: túbulos, interstício, vasos ou glomérulo. A causa mais comum
de dano tubular é de origem isquêmica ou tóxica. Entre-
tanto, a necrose tubular isquêmica pode ter origem pré-
renal como conseqüência da redução do fluxo sangüíneo,
especialmente se houver comprometimento suficiente para
provocar a morte das células tubulares. Assim, o apareci-
mento de necrose cortical irreversível pode ocorrer na vi-
gência de isquemia grave, particularmente se o processo
fisiopatológico incluir coagulação microvascular, como por
exemplo nas complicações obstétricas, picadas de cobra e
na síndrome hemolítico-urêmica.
As nefrotoxinas representam depois da isquemia a causa
mais freqüente de IRA (v. Cap. 24). Os antibióticos
aminoglicosídicos, os contrastes radiológicos e os quimio-
terápicos, como por exemplo a cisplatina, estão entre as
drogas que podem causar dano tubular diretamente, em-
bora também tenham participação substancial nas altera-
ções da hemodinâmica glomerular. Por outro lado, drogas
imunossupressoras como ciclosporina e FK-506, inibido-
res da enzima de conversão da angiotensina e drogas an-
tiinflamatórias não-esteroidais podem causar IRA por in-
duzir preponderantemente modificações hemodinâmicas
(v. Cap. 24). A IRA devida a nefrite intersticial é mais fre-
qüentemente causada por reações alérgicas a drogas (v.
Cap. 24). As causas menos freqüentes incluem doenças
auto-imunes (lúpus eritematoso) e agentes infecciosos.
Apesar da predominância de um mecanismo fisiopatoló-
gico, a insuficiência renal aguda por drogas nefrotóxicas é
freqüentemente causada por associação de um ou mais
mecanismos, conforme sumarizado no Quadro 21.1. Mais
ainda, a associação de isquemia e nefrotoxinas é comumen-
te observada na prática médica como causa de IRA, espe-
cialmente em pacientes mais graves.
A IRA pós-renal ocorre na vigência de obstrução do trato
urinário (v. Cap. 34). A obstrução das vias urinárias pode
ser conseqüência de hipertrofia prostática, câncer de prós-
tata ou cervical, distúrbios retroperitoneais ou bexiga neu-
rogênica (causa funcional). Outras causas de insuficiência
pós-renal incluem fatores intraluminais (cálculo renal bi-
lateral, necrose papilar, carcinoma de bexiga etc.) ou extra-
luminais (fibrose retroperitoneal, tumor colorretal etc.). A
obstrução intratubular também é causa de IRA e pode ser
conseqüência da precipitação de cristais como ácido úri-
co, oxalato de cálcio, aciclovir e sulfonamida, dentre ou-
tros. Vale salientar que a reversibilidade da IRA pós-renal
se relaciona ao tempo de duração da obstrução.

FISIOPATOLOGIA
A fisiopatologia da IRA isquêmica ou tóxica envolve al-
terações estruturais e bioquímicas que resultam basicamente
em comprometimento vascular e/ou celular, levando a va-
soconstrição, alteração de função e/ou morte celular, des-
camação do epitélio tubular e obstrução intraluminal, vaza-
mento transtubular do filtrado glomerular e inflamação.

Fatores Vasculares e Hemodinâmicos


A vasoconstrição intra-renal é causada por um desequilí-
brio entre os fatores vasoconstritores e vasodilatadores resul-
tantes da ação tanto sistêmica como local de agentes vasoati-
vos. Assim, ocorrem modificações importantes na hemodi-
nâmica glomerular e intra-renal, como conseqüência natural
desse desequilíbrio. Esse mecanismo fisiopatológico é parti-
cularmente importante na IRA por drogas nefrotóxicas. Di-
versas nefrotoxinas são capazes de modificar o ritmo de fil-
tração glomerular por induzir alterações em vários dos de-
terminantes da filtração glomerular, de maneira geral medi-
adas por hormônios, com ativação de hormônios vasocons-
tritores (angiotensina II, endotelina etc.) e/ou inibição de
vasodilatadores (prostaglandinas, óxido nítrico etc.). Esse
desequilíbrio resulta em vasoconstrição das arteríolas aferente
e eferente e contração da célula mesangial, levando à redu-
ção do coeficiente de ultrafiltração glomerular (Kf).
Conforme referido, as alterações hemodinâmicas são, na
maioria das vezes, mediadas por ação predominante de
hormônios vasoconstritores; entretanto, a via final comum
pela qual estes hormônios realizam suas ações envolve a
elevação do cálcio intracelular (Ca) tanto em células da
vasculatura como em células mesangiais.
Nesse sentido, vários estudos experimentais mostram
que o cálcio é um dos mediadores mais importantes da va-
soconstrição intra-renal. O aumento do cálcio livre no citos-
sol de células da musculatura lisa eleva o tônus vascular e
contribui para a vasoconstrição, a qual pode ser revertida
ou minimizada pela utilização de bloqueadores de canais de
cálcio. Antagonistas de cálcio reduzem, por exemplo, a ação
vasoconstritora da ciclosporina, minimizando seus efeitos
sobre a hemodinâmica glomerular, bem como previnem a va-
soconstrição associada aos contrastes radiológicos.
Outra participação importante do cálcio na cascata fisi-
opatológica da IRA, envolvendo a hemodinâmica renal,
relaciona-se com a contração da célula mesangial. O au-
mento do Ca é geralmente iniciado pela interação de
hormônios vasoconstritores com seus receptores ou pela
ação direta de toxinas. Em recente estudo foi demonstra-
do que o agente imunossupressor FK-506 provoca aumento
na concentração de Ca em células mesangiais em cultu-
ra, desencadeando eventos cujo efeito biológico final é a
contração destas células, levando à redução do Kf, dimi-
nuição da área glomerular disponível para a filtração e,
portanto, ao declínio do ritmo de filtração glomerular.
Lesão Tubular
Uma das características mais marcantes da IRA isquê-
mica e nefrotóxica é o dano às células tubulares, com con-
seqüências devastadoras sobre o epitélio tubular, levando
à necrose tubular aguda. Assim, os eventos agressores
podem variar de intensidade, causando graus variáveis de
lesão celular, ou seja, modificações reversíveis das funções
fisiológicas da célula ou irreversíveis, podendo culminar
com a morte celular. A reversibilidade do dano celular
dependerá da intensidade, do tempo de duração e do tipo
de evento desencadeador.
Um dos eventos mais precoces resultante da isquemia
ou mesmo na vigência de uma nefrotoxina é a redução dos
níveis intracelulares de ATP e, portanto, das porções do
néfron que possuem alta taxa de reabsorção tubular com
gasto de energia, como o túbulo proximal e a alça ascen-
dente espessa de Henle, que são particularmente mais sus-
cetíveis à isquemia por apresentarem elevado consumo de
ATP. Os efeitos imediatos da depleção de ATP são: redu-
ção da atividade ATPase da membrana citoplasmática,
desequilíbrio nas concentrações intracelulares de eletróli-
tos como Na , K e Ca
e edema celular. Esse desarranjo
desencadeia, por sua vez, uma série de eventos, incluindo
desestruturação do citoesqueleto, perda da polaridade ce-
lular, perda da interação célula-célula, produção das espé-
cies reativas de oxigênio (altamente tóxicas para a célula)
e alterações do pH intracelular, que podem culminar com
a morte da célula.
Um fator agravante na fisiopatologia da IRA, particu-
larmente nas situações de IRA isquêmica, é a dificuldade
em distinguir os danos causados pela isquemia per se da-
queles causados pela reperfusão. Isso ocorre porque os
efeitos da reoxigenação súbita podem produzir danos adi-
cionais à célula, por mecanismos que envolvem a forma-
ção de espécies reativas de oxigênio, aumento do influxo
de cálcio e reversão abrupta da acidose intratubular.
Por outro lado, apesar da gravidade dessa doença, a IRA
é na maioria das vezes um evento transitório e reversível
que causa graus variáveis de lesão celular, em especial ao
epitélio tubular renal, podendo, entretanto, tornar-se irre-
versível. Esse fenômeno é causado pela capacidade de re-
generação e diferenciação das células tubulares, restabe-
lecendo um epitélio íntegro e funcionante. Mesmo em si-
tuações mais graves, nas quais 90% das células epiteliais
do túbulo proximal são destruídas, os 10% das células re-
manescentes são capazes de entrar em processo de proli-
feração estimulado por hormônios e fatores de crescimen-
to, recompondo o epitélio tubular.

ALTERAÇÕES
HIDROELETROLÍTICAS E
ENVOLVIMENTO SISTÊMICO
Balanço de Água
Normalmente, as perdas de água atingem 0,5 a 0,6 ml/
kg/h no indivíduo adulto (850 ml/dia). Considerando a
produção endógena de água decorrente da oxidação de
proteínas, gorduras e carboidratos como sendo de 450 ml/
dia, a ingestão de água no paciente oligúrico deve perma-
necer ao redor de 400 ml/dia, acrescida de volume igual à
diurese emitida. Para prevenir a hiponatremia dilucional
por excessiva oferta hídrica, o peso do paciente deve ser
mantido igual ou com perda de até 300 g/dia (v. Cap. 9).
Balanço de Sódio
Durante a fase oligúrica, um balanço positivo de sódio
pode levar a expansão de volume, hipertensão e insufici-
ência cardíaca (v. Cap. 10). Por outro lado, uma menor ofer-
ta de sódio, principalmente na fase poliúrica, pode provo-
car depleção de volume e hipotensão. Estes últimos podem
retardar a recuperação da função renal. Acredita-se que,
durante a fase oligúrica, a oferta de solução salina isotôni-
ca (300 ml/dia) associada a controle rigoroso de peso é
suficiente para equilibrar o balanço de sódio. Paralelamen-
te, na fase poliúrica, a monitorização hídrica e eletrolítica
é necessária para a adequada reposição desses elementos.
Balanço de Potássio
A hipercalemia é a principal causa metabólica que leva
o paciente com IRA ao óbito. Considerando que somente
2% do potássio corporal total se encontra fora da célula,
pequenas alterações no conteúdo extracelular de potássio
provocam profundos efeitos na excitabilidade neuromus-
cular. A elevação do K sérico pode ocorrer na IRA por
aumento do catabolismo endógeno de proteínas, por dano
tecidual, sangramento gastrointestinal, bem como por
movimentação do K do intra- para o extracelular pelo
mecanismo-tampão de estados acidóticos (v. Cap. 12). A
mais temível complicação da hipercalemia é sua toxicida-
de cardíaca, manifestada por alterações eletrocardiográfi-
cas. Inicialmente, há surgimento de ondas T pontiagudas,
seguindo-se de alargamento do complexo QRS, alargamen-
to do intervalo PR e desaparecimento de onda P. Seguem-
se, então, arritmias ventriculares que, se não são pronta-
mente corrigidas, podem levar rapidamente ao óbito. Por
essa razão, é necessário rigoroso controle eletrocardiográ-
fico e de K sérico no paciente com IRA.
Na presença de alterações eletrocardiográficas ou de
grave hipercalemia (K 6,5 mEq/L), algumas medidas
terapêuticas devem ser utilizadas. A administração endo-
venosa de gluconato de cálcio a 10% (10 a 30 ml) pode re-
verter prontamente as alterações verificadas, porém com
duração de poucos minutos. Se houver necessidade de efei-
to protetor mais prolongado, deve-se utilizar bicarbonato
de sódio, caso esteja ocorrendo concomitantemente um
estado acidótico. Adicionalmente, resinas trocadoras de K
(Kayexalate ou Sorcal) e/ou solução polarizante contendo
200 a 500 ml de solução glicosada a 10% com uma unida-
de de insulina simples para cada 5 g de glicose podem ser
utilizadas. A solução polarizante aumenta a captação de
K pela célula e reduz seu nível plasmático. Assim, exceto
as resinas trocadoras, Kayexalate (troca K por Na ) ou
Sorcal (troca K por Ca
), todas as demais medidas te-
rap êuticas resultam apenas no remanejamento do potássio
extracelular para o intracelular, sem contudo diminuir o K
.
A hemodiálise e a diálise peritoneal, isoladas ou em associ-
ação com as medidas acima referidas, são freqüentemente
necessárias para melhor controle eletrolítico e efetivamente
diminuir o conteúdo corporal total de K (v. Cap.

PATOLOGIA
Os rins na IRA tendem a ser maiores e mais pesados em
decorrência do edema intersticial e do aumento do conteú-
do de água. Os capilares glomerulares podem apresentar-
se levemente congestos no início do processo, porém ha-
bitualmente os glomérulos não mostram alterações estru-
turais. Ocasionalmente, depósitos de fibrina e plaquetas,
sugerindo trombose intraglomerular, podem ser visualiza-
dos no espaço capsular. Aumento no volume citoplasmá-
tico de células epiteliais e endoteliais tem sido descrito.

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