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ETIOLOGIA
As causas de insuficiência renal aguda podem ser de
origem renal, pré-renal ou pós-renal. A IRA pré-renal é
rapidamente reversível se corrigida a causa e resulta prin-
cipalmente de uma redução na perfusão renal, causada por
uma série de eventos que culminam principalmente com
diminuição do volume circulante e, portanto, do fluxo sangüíneo renal, como por
exemplo desidratação (vômito, diarréia, febre), uso de diuréticos e insuficiência
cardíaca.
A IRA renal, causada por fatores intrínsecos ao rim, é classificada de acordo com o
principal local afetado: túbulos, interstício, vasos ou glomérulo. A causa mais comum
de dano tubular é de origem isquêmica ou tóxica. Entre-
tanto, a necrose tubular isquêmica pode ter origem pré-
renal como conseqüência da redução do fluxo sangüíneo,
especialmente se houver comprometimento suficiente para
provocar a morte das células tubulares. Assim, o apareci-
mento de necrose cortical irreversível pode ocorrer na vi-
gência de isquemia grave, particularmente se o processo
fisiopatológico incluir coagulação microvascular, como por
exemplo nas complicações obstétricas, picadas de cobra e
na síndrome hemolítico-urêmica.
As nefrotoxinas representam depois da isquemia a causa
mais freqüente de IRA (v. Cap. 24). Os antibióticos
aminoglicosídicos, os contrastes radiológicos e os quimio-
terápicos, como por exemplo a cisplatina, estão entre as
drogas que podem causar dano tubular diretamente, em-
bora também tenham participação substancial nas altera-
ções da hemodinâmica glomerular. Por outro lado, drogas
imunossupressoras como ciclosporina e FK-506, inibido-
res da enzima de conversão da angiotensina e drogas an-
tiinflamatórias não-esteroidais podem causar IRA por in-
duzir preponderantemente modificações hemodinâmicas
(v. Cap. 24). A IRA devida a nefrite intersticial é mais fre-
qüentemente causada por reações alérgicas a drogas (v.
Cap. 24). As causas menos freqüentes incluem doenças
auto-imunes (lúpus eritematoso) e agentes infecciosos.
Apesar da predominância de um mecanismo fisiopatoló-
gico, a insuficiência renal aguda por drogas nefrotóxicas é
freqüentemente causada por associação de um ou mais
mecanismos, conforme sumarizado no Quadro 21.1. Mais
ainda, a associação de isquemia e nefrotoxinas é comumen-
te observada na prática médica como causa de IRA, espe-
cialmente em pacientes mais graves.
A IRA pós-renal ocorre na vigência de obstrução do trato
urinário (v. Cap. 34). A obstrução das vias urinárias pode
ser conseqüência de hipertrofia prostática, câncer de prós-
tata ou cervical, distúrbios retroperitoneais ou bexiga neu-
rogênica (causa funcional). Outras causas de insuficiência
pós-renal incluem fatores intraluminais (cálculo renal bi-
lateral, necrose papilar, carcinoma de bexiga etc.) ou extra-
luminais (fibrose retroperitoneal, tumor colorretal etc.). A
obstrução intratubular também é causa de IRA e pode ser
conseqüência da precipitação de cristais como ácido úri-
co, oxalato de cálcio, aciclovir e sulfonamida, dentre ou-
tros. Vale salientar que a reversibilidade da IRA pós-renal
se relaciona ao tempo de duração da obstrução.
FISIOPATOLOGIA
A fisiopatologia da IRA isquêmica ou tóxica envolve al-
terações estruturais e bioquímicas que resultam basicamente
em comprometimento vascular e/ou celular, levando a va-
soconstrição, alteração de função e/ou morte celular, des-
camação do epitélio tubular e obstrução intraluminal, vaza-
mento transtubular do filtrado glomerular e inflamação.
ALTERAÇÕES
HIDROELETROLÍTICAS E
ENVOLVIMENTO SISTÊMICO
Balanço de Água
Normalmente, as perdas de água atingem 0,5 a 0,6 ml/
kg/h no indivíduo adulto (850 ml/dia). Considerando a
produção endógena de água decorrente da oxidação de
proteínas, gorduras e carboidratos como sendo de 450 ml/
dia, a ingestão de água no paciente oligúrico deve perma-
necer ao redor de 400 ml/dia, acrescida de volume igual à
diurese emitida. Para prevenir a hiponatremia dilucional
por excessiva oferta hídrica, o peso do paciente deve ser
mantido igual ou com perda de até 300 g/dia (v. Cap. 9).
Balanço de Sódio
Durante a fase oligúrica, um balanço positivo de sódio
pode levar a expansão de volume, hipertensão e insufici-
ência cardíaca (v. Cap. 10). Por outro lado, uma menor ofer-
ta de sódio, principalmente na fase poliúrica, pode provo-
car depleção de volume e hipotensão. Estes últimos podem
retardar a recuperação da função renal. Acredita-se que,
durante a fase oligúrica, a oferta de solução salina isotôni-
ca (300 ml/dia) associada a controle rigoroso de peso é
suficiente para equilibrar o balanço de sódio. Paralelamen-
te, na fase poliúrica, a monitorização hídrica e eletrolítica
é necessária para a adequada reposição desses elementos.
Balanço de Potássio
A hipercalemia é a principal causa metabólica que leva
o paciente com IRA ao óbito. Considerando que somente
2% do potássio corporal total se encontra fora da célula,
pequenas alterações no conteúdo extracelular de potássio
provocam profundos efeitos na excitabilidade neuromus-
cular. A elevação do K sérico pode ocorrer na IRA por
aumento do catabolismo endógeno de proteínas, por dano
tecidual, sangramento gastrointestinal, bem como por
movimentação do K do intra- para o extracelular pelo
mecanismo-tampão de estados acidóticos (v. Cap. 12). A
mais temível complicação da hipercalemia é sua toxicida-
de cardíaca, manifestada por alterações eletrocardiográfi-
cas. Inicialmente, há surgimento de ondas T pontiagudas,
seguindo-se de alargamento do complexo QRS, alargamen-
to do intervalo PR e desaparecimento de onda P. Seguem-
se, então, arritmias ventriculares que, se não são pronta-
mente corrigidas, podem levar rapidamente ao óbito. Por
essa razão, é necessário rigoroso controle eletrocardiográ-
fico e de K sérico no paciente com IRA.
Na presença de alterações eletrocardiográficas ou de
grave hipercalemia (K 6,5 mEq/L), algumas medidas
terapêuticas devem ser utilizadas. A administração endo-
venosa de gluconato de cálcio a 10% (10 a 30 ml) pode re-
verter prontamente as alterações verificadas, porém com
duração de poucos minutos. Se houver necessidade de efei-
to protetor mais prolongado, deve-se utilizar bicarbonato
de sódio, caso esteja ocorrendo concomitantemente um
estado acidótico. Adicionalmente, resinas trocadoras de K
(Kayexalate ou Sorcal) e/ou solução polarizante contendo
200 a 500 ml de solução glicosada a 10% com uma unida-
de de insulina simples para cada 5 g de glicose podem ser
utilizadas. A solução polarizante aumenta a captação de
K pela célula e reduz seu nível plasmático. Assim, exceto
as resinas trocadoras, Kayexalate (troca K por Na ) ou
Sorcal (troca K por Ca
), todas as demais medidas te-
rap êuticas resultam apenas no remanejamento do potássio
extracelular para o intracelular, sem contudo diminuir o K
.
A hemodiálise e a diálise peritoneal, isoladas ou em associ-
ação com as medidas acima referidas, são freqüentemente
necessárias para melhor controle eletrolítico e efetivamente
diminuir o conteúdo corporal total de K (v. Cap.
PATOLOGIA
Os rins na IRA tendem a ser maiores e mais pesados em
decorrência do edema intersticial e do aumento do conteú-
do de água. Os capilares glomerulares podem apresentar-
se levemente congestos no início do processo, porém ha-
bitualmente os glomérulos não mostram alterações estru-
turais. Ocasionalmente, depósitos de fibrina e plaquetas,
sugerindo trombose intraglomerular, podem ser visualiza-
dos no espaço capsular. Aumento no volume citoplasmá-
tico de células epiteliais e endoteliais tem sido descrito.