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RESUMO
Este trabalho analisa a base de cálculo “por dentro” e a substituição tributária “para
frente”, aplicadas ao ICMS, sob a ótica do Direito Constitucional Tributário, pretendendo abordar a
questão em tela, buscando estabelecer suas premissas e concluindo sobre a sua constitucionalidade
ou inconstitucionalidade. A metodologia adotada na elaboração deste artigo foram pesquisas
doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema, bem como a leitura de monografias e artigos que
tratam da matéria, os quais ajudaram na maior dinamicidade e discussão do mesmo. Neste estudo,
serão feitas as análises da base de cálculo “por dentro” e a da substituição tributária “para frente”
no ICMS, buscando aclarar seus fundamentos legais e concluindo acerca de sua viabilidade jurídica
ou não, pretendendo dar utilidade pública ao estudo desta matéria.
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Bacharel em Direito – Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, Especialista em Direito Tributário – Instituto Brasileiro de
Estudos Tributários/IBET, Mestrando em Direito Tributário – Pontifícia Universidade Católica/PUC SP. E-mail:
caplemesglo@yahoo.com.br
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INTRODUÇÃO
O tributo nasce por meio de uma elaboração legislativa que descreve um fato jurídico
determinável, com hipótese de incidência e fato gerador em abstrato, cuja subsunção do fato a
norma determina o surgimento de uma relação jurídico-tributária obrigacional, entre o sujeito ativo
e passivo, em que a obrigação tributária2 consiste na obrigação de pagar uma determinada quantia
em dinheiro.
Uma vez que é concretizada a incidência tributária, há necessidade de que sejam
estabelecidos critérios para a determinação da quantidade que deverá ser paga em moeda, pelo
contribuinte ao Fisco.
O critério quantitativo do tributo é estabelecido pela base de cálculo e pela alíquota,
servindo assim para medir o aspecto material da Regra Matriz de Incidência Tributária – RMIT.
Nas lições do eminente professor Roque Carrazza3:
“(...), a base de cálculo dimensiona o aspecto material da
hipótese de incidência tributária.”
Pretende-se abordar a questão da aplicação da base de cálculo “por dentro” no ICMS,
buscando estabelecer suas premissas e concluindo sobre a sua constitucionalidade ou
inconstitucionalidade.
Ainda, neste estudo, será feita a análise da substituição tributária “para frente” no ICMS,
analisando seus fundamentos legais e concluindo acerca de sua viabilidade jurídica ou não.
Ninguém pode ser compelido pela lei a pagar tributo sem que tenha participado, de
algum modo, da realização do fato imponível. A responsabilidade tributária, bem como o débito
tributário pode recair sobre quem não tem relação pessoal e direta com o fato imponível, desde que,
porém, vinculada de algum modo, a ele.
Ao legislador não é permitido onerar com carga econômica do ICMS quem não se
relacionou, de nenhum modo, com a prática da operação mercantil que fez nascer o tributo.
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Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas,
nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal
relativamente à penalidade pecuniária.
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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, fl. 333.
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O substituto tributário, embora não tenha realizado o fato imponível, é posto pela lei na
posição de verdadeiro sujeito passivo da obrigação tributária, respondendo integralmente pelo
adimplemento do débito tributário, bem como pelo cumprimento das obrigações acessórias (deveres
instrumentais tributários) do contribuinte.
Assim, na substituição tributária para trás o tributo será recolhido pelo substituto na
próxima operação jurídica, em nome do substituído, conforme dispõe o art. 155, § 2º, XII, “b”, da
CRFB/88, lei complementar federal disporá sobre matéria de substituição tributária.
Contudo, no caso da substituição tributária “para frente” será demonstrado que é
absolutamente inconstitucional.
As competências tributárias que as pessoas políticas receberam da CF, não podem ser
restringidas, nem ampliadas nem, muito menos, anuladas por meio de lei complementar a que alude
o art. 146 da CRFB/88.
Quanto aos fatos geradores possíveis de provocarem a incidência tributária do ICMS,
têm-se:
- As operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de
alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares, com intenção de realizar
atividade mercantil;
- Produção, circulação, importação, distribuição ou consumo de lubrificantes e
combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica;
- Extração, circulação, distribuição ou consumos de minerais;
- Importação de mercadorias ou de produtos submetidos a operações com mercadorias
no exterior;
- Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal, por qualquer via,
de pessoas, bens, mercadorias ou valores; e
- Prestações onerosas de Serviços de Comunicação, por qualquer meio, inclusive a
geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de
comunicação de qualquer natureza.
A fim de facilitar a análise do objeto jurídico em estudo, propõe-se adoção da Regra
Matriz de Incidência Tributária – RMIT, conforme esquema abaixo.
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Feita esta breve abordagem didática da RMIT, são lançadas as bases metodológicas para
análise jurídica do objeto, bem como suas premissas elementares, permitindo o desenvolvimento
sobre o tema.
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CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário / Paulo de Barros Carvalho. 4ª ed., São Paulo, Saraiva,
1990, fl. 345-346.
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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, fl. 334.
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Do que até o presente foi exposto, bem como de análises subsequentes, restará
demonstrado que o montante do ICMS ao integrar sua própria base de cálculo, implica na cobrança
de imposto sobre imposto, afrontando o dispositivo constitucionalmente estabelecido.
Como visto, a lei complementar que tratar de base de cálculo dos “impostos
discriminados nesta Constituição” (art. 146, III, “a”), só poderá explicitar o que está implícito, não
poderá inovar, mas, apenas, declarar, tornando mais clara possível a base e cálculo dos impostos,
jamais desvirtuar os mesmos.
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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, fl. 348.
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real tem que coincidir com a alíquota legal.”. Mas, não é o que se verifica no caso da base de
cálculo do ICMS
A dita base de cálculo “por dentro” do ICMS leva tão somente ao enriquecimento sem
causa da Fazenda Pública, que se reflete na parêmia nemo cum alterius detrimento locupletari
potest.
Desta feita a base de cálculo “por dentro” do ICMS caracteriza um “sexto imposto”,
que se caracteriza por ser um imposto sobre o fato gerador de pagar o próprio ICMS, um completo
absurdo jurídico!!!!
Cabe salientar que art. 5º, §2º, da CRFB/88 prevê o “direito de resistência à
tributação indevida”, que confere ao contribuinte o direito de não pagar o tributo criado ou
lançado em desacordo com os ditames constitucionais, como é o caso da base de cálculo “por
dentro” do ICMS. A exclusão do ICMS de sua base de cálculo não configura nenhum ilícito, muito
menos crime de sonegação fiscal.
Apenas a guisa de fechamento das observações pertinentes a este tema, têm-se que a
Emenda Constitucional n° 33/2001 (“i”, XII, §2º, do Art.155), autoriza lei complementar a fixar
base de cálculo do ICMS - importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço, criando mais
instabilidade normativa ao sistema.
Portanto, se ainda não surgiu a obrigação tributária, o sujeito passivo não pode existir,
como seria possível presumi-lo, sem afrontar o postulado constitucional do não confisco?
Conforme dispõe o art. 150, IV da CRFB/88.
O Ministro do Egrégio STJ César Asfor Rocha no REsp 37.361-1-SP, DJU 23.05.1994,
afirma que o contribuinte só poderá substituir um outro se já estiver configurado como tal em
operação considerada, o que não é o caso da substituição tributária “para frente”.
Cabe destacar que as ficções e presunções operam no campo do direito, como no campo
da matemática, dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos, respeitando o alcance dos
direitos e das garantias fundamentais, garantindo ao contribuinte que somente será tributado após a
ocorrência do fato imponível.
Nenhuma lei dispõe de força normativa para impor que o recolhimento do imposto se
dará se forma antecipada, maculando, assim, os direitos fundamentais dos contribuintes.
Assim, a dita substituição tributária “para frente” é um falso problema de substituição,
pois é a exigência de um tributo sobre fato futuro, que por óbvio ainda não ocorreu e pode nem vir a
ocorrer, existente com base me mera suposição.
Ressalta-se que a substituição tributária “para frente” não deve ser confundida com a
figura jurídica da antecipação do pagamento do tributo. Na antecipação a obrigação tributária já é
existente, ao passo que na substituição tributária “para frente” ainda não há fato gerador, incidência
tributária e nem tampouco tributo a pagar.
Há necessidade premente da aplicação do princípio da segurança jurídica, em que só
pode haver exigência de pagamento de tributo em razão de obrigação tributária de fatos jurídicos
tributários concretamente realizados, e nunca de fatos geradores presumidos ou fictos.
A Emenda Constitucional 3/1993 acrescentou um § 7.º ao art.150 da CRFB/88, qual
seja:
“A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação
tributária a condição de responsável pelo pagamento de
imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer
posteriormente, assegurada a imediata e preferencial
restituição da quantia paga, caso não se realize o fato
gerador presumido.” (grifos meus)
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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, fl. 361.
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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, fl. 361.
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contribuinte estará sujeito ao confronto de débitos e créditos (§ 2º do art. 10). Fica evidente que a
restituição não é nem imediata nem preferencial.
Cabe salientar que a restituição em dinheiro do ICMS pago a maior será sempre negada
pela Fazenda, pela simples falta de disponibilidade de numerário.
O eminente professor Sacha Calmon9 disserta sobre os três direitos que a lei deve
garantir àqueles que são alvo de tributação antecipada:
1) imediata recuperação no caso do suposto fato gerador não se realizar;
2) compensação imediata se o valor da operação, antes suposta, for menor que o valor
retido;
3) direito de o adquirente do substituído – se contribuinte for - de aproveitar o crédito,
do imposto pago pelo substituto – princípio não cumulatividade.
A previsão legal prevê que a devolução ocorra em prazo razoável, observadas as
cautelas mínimas, para que a Fazenda possa averiguar se a verdade dos fatos não está sendo
falseada pelo contribuinte.
Contudo, o art. 150, § 7º, da CRFB/88 dispõe que a restituição do indébito deve ser
imediata.
Já o disposto no art. 10, da Lei 87/1996, não garante a “restituição”, mas apenas o
direito do contribuinte lançar na escrita fiscal os créditos do ICMS recolhidos a maior.
Registre-se que comumente a utilização destes créditos é demorada ou impossível,
como exemplo do caso das empresas exportadoras, que não tem como utilizar estes créditos, pois já
os tem de sobra.
Sem dúvida há um significado mínimo da expressão imediata e preferencial restituição,
que não pode ser esgarçada pelo Fisco em desfavor do contribuinte que se encontra em posição de
desvantagem nesta relação jurídica tributária.
Como exemplo da obrigação acessória imposta ao contribuinte, cita-se o Decreto
Paulista 41.835/1997 – art. 2º, redação ao art. 244 do RICMS, que prevê o lançamento no livro
registro de apuração do ICMS, no quadro Débito do Imposto, no campo outros débitos, com o título
“Complemento de Substituição Tributária”. Desta feita, o art. 2º exige o pagamento do
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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, fl. 363.
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complemento do imposto, quando o valor final da operação ou da prestação, for maior que do que a
base de cálculo utilizada para a retenção do ICMS, em flagrante inconstitucionalidade.
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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, fl. 369.
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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, fl. 370.
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CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 15ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, fl. 372.
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O art. 155, I, “b” da CRFB/88, dispõe que a saída da mercadoria representa o aspecto
temporal da hipótese e incidência do ICMS, se não ocorrer este aspecto da norma, não estará
configurado o fato gerador do tributo.
Contudo o próprio STJ voltou atrás nesta orientação decidindo ser constitucional a
substituição tributária “para frente” (REsp 56.666-3-SP).
No STF, RE 213.396-5-SP – Rel. Min. Ilmar Galvão (atender necessidades de política
tributária); RE 269.572-6-MG – Rel. Min. Marco Aurélio, ambos julgados declararam a
constitucionalidade da substituição tributária “para frente”
- RE 593849 – STF – alteração de posicionamento
Destaca-se alguns pontos relevantes do voto do Ministro Luís Roberto Barroso no
julgamento conjunto com as ADI’s 2.675 e 2.777.
“É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária progressiva ou “para frente”,
quando a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.
Na aplicação da técnica da substituição tributária progressiva, há duas presunções: a da
própria ocorrência do fato gerador futuro e também da sua dimensão econômica (base de cálculo).
A despeito da necessidade de fazer tais presunções para aplicação dessa técnica de tributação, não é
razoável entender que o montante presumido da operação prevaleça sobre o montante real, quando
seja possível, do ponto de vista prático, promover tal ajuste.
É dever da Administração Tributária cobrar os tributos na mais próxima medida da
capacidade econômica efetivamente demonstrada pelos contribuintes, o que faz da utilização de
presunções a exceção e não regra. Ausentes as condições práticas e de justiça fiscal que
recomendavam a tributação com base em mera estimativa, deve-se reconhecer aos contribuintes o
direito de serem tributados na real medida do fato gerador praticado.
A par disso, o direito à restituição de tributo pago cujo fato gerador não ocorreu, ou
ocorreu a menor, é direito inerente à aplicação da técnica da substituição tributária “para frente”, tal
como explicitado pelo próprio legislador constituinte derivado na parte final do §7º do art. 150, da
Constituição.
Recurso extraordinário a que se dá provimento, fixando a seguinte tese de repercussão
geral: “É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
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Serviços - ICMS pago a mais no regime de substituição tributária pra frente, quando a base
de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.
(...)
A substituição tributária é uma técnica de tributação adotada por motivos
essencialmente práticos, que possibilita um controle mais eficiente por parte do ente tributante em
situações que, de outra forma, não conseguiriam ser fiscalizadas e tributadas de maneira adequada.
Em suma, possibilita maior segurança na arrecadação e efetivo combate à sonegação. No caso
discutido no presente processo, discute-se o direito a restituição do imposto pago a maior na
modalidade de substituição tributária progressiva ou “para frente”.
Portanto, resta à Corte definir se irá romper ou não com o entendimento consagrado na
ADI 1.851. Desde logo, ressalto que ainda que seja necessário presumir um quantum para viabilizar
a antecipação dos pagamentos, não é razoável entender que o montante presumido da operação
prevaleça sobre o montante real, quando seja possível, do ponto de vista material, aferir o valor real
da base de cálculo do fato gerador efetivamente ocorrido. É o que passo a demonstrar.
DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA
RAZOABILIDADE À HIPÓTESE.
Primeiro, penso que a lógica de se consentir inicialmente com a impossibilidade
material de devolução do valor do imposto quando o fato gerador ocorresse a menor decorria do
estágio da capacidade de fiscalização à época em que o entendimento foi firmado pelo Supremo.
Naquele momento, em 2002, houve um juízo de ponderação que, a luz das condições fáticas,
concluiu ser constitucional a técnica, a despeito da impossibilidade de devolução nas hipóteses em
que o fato gerador ocorresse a menor. Entendeu-se que tal exigência poderia colocar em risco a
própria dinâmica da substituição progressiva, que se mostrava fundamental para efetiva fiscalização
de ciclos econômicos longos e, por vezes, com a etapa final pulverizada. Hipóteses que, sem essa
técnica, simplesmente não teriam como serem atingidas de forma efetiva pela tributação.
Ocorre que, a partir do momento em que diversos estados começam a prever em suas
legislações a devolução em tais hipóteses e efetivá-la, o argumento prático que autorizava a
tributação com base em uma presunção absoluta quanto à base de cálculo do fato gerador
presumido cai por terra.
Assim, acredito que permanecer com o entendimento atual do Supremo em tais
hipóteses viola a dimensão objetiva da capacidade contributiva, aplicável também aos tributos
indiretos, já que se autoriza que o tributo incida onde, em verdade, sabidamente não há
manifestação de riqueza. Esse mandamento constitucional também se aplica a norma.
Nesse sentido é o pensamento de Ricardo Lodi Ribeiro para quem qualquer tributo deve
respeitar, ainda que apenas na eleição da hipótese de incidência um fato economicamente
apreciável, a capacidade contributiva. Em suas próprias palavras: “Em resumo, em seu aspecto
objetivo, a Capacidade Contributiva funciona como fundamento jurídico do tributo e como diretriz
para eleição da hipótese de incidência. Em sua dimensão subjetiva, como critério de graduação do
tributo e limite à tributação.” In: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2010, p. 163. Ver também Lapatza, José Juan Ferreiro. Curso de Derecho Financiero
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Español – Instituciones. Madrid: Marcial Pons, 2006, pp. 283-284. No mesmo sentido STF 2ª
turma: “AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE
VEÍCULOS AUTOMOTORES. IPVA. PROGRESSIVIDADE. 1. Todos os tributos submetem-se
ao princípio da capacidade contributiva (precedentes), ao menos em relação a um de seus três
aspectos (objetivo, subjetivo e proporcional), independentemente de classificação extraída de
critérios puramente econômicos. 2. Porém, as razões não deixam entrever a má utilização de
critérios como essencialidade, frivolidade, utilidade, adequação ambiental etc. Considerado este
processo, de alcance subjetivo, a alegação de incompatibilidade constitucional não pode ser
genérica. 3. Em relação à fixação da base de cálculo, aplicam-se os mesmos fundamentos, dado que
o agravante não demonstrou a tempo e modo próprio a inadequação dos critérios legais adotados.
Agravo regimental ao qual se nega provimento. (RE 406955 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM
BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 04/10/2011, DJe-203)
A incidência que cria o fato gerador presumido, que deve permitir que ele se abra, como
regra, à confrontação com a realidade havida em contrário (presunção relativa). Hipóteses de
presunção absoluta, como a que foi admitida pelo Supremo no julgamento da ADI nº 1.851 no que
diz respeito a base de cálculo, são excepcionalíssimas e apenas se justificam como última medida
para garantir a efetividade da tributação, combater a sonegação e garantir a tributação de
manifestações de riqueza quando de outro modo não seja possível fazê-lo. Tal conclusão, por óbvio,
depende da existência de condições fáticas que justifiquem essa medida extrema. Se elas estavam
presentes em 2002, hoje isso não mais ocorre, como demonstram as diversas legislações estaduais
autorizando a devolução.
Dessa forma, insistir nesse entendimento violaria também a razoabilidade na sua
dimensão de congruência. Por essa ideia, exige-se a presença de uma relação harmônica entre as
normas e as suas condições externas de aplicação, impedindo que o intérprete possa basear-se em
uma realidade fática inexistente. Pois bem, caso não se supere o precedente existente sobre a
matéria será exatamente isso o que ocorrerá: o Supremo irá consagrar uma interpretação a partir de
uma realidade fática que não mais existe, o que viola a razoabilidade como congruência e vai contra
as condições práticas de aplicação da norma que prevê a restituição, em flagrante prejuízo aos
contribuintes.
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CONCLUSÃO
As duas questões abordadas neste artigo seja a base de cálculo “por dentro”, bem como
a substituição tributária “para frente”, aplicadas ao ICMS, tratam-se de ficções jurídicas.
Quanto à base de cálculo “por dentro”, a tese ainda continua sendo defendida pela
abalizada jurisprudência, apesar de ser totalmente inconsistente admitindo que o valor do imposto
devido de ICMS pode integrar a base de cálculo do mesmo, conforme ataca a doutrina majoritária.
Já quanto à substituição tributária “para frente”, destaca-se que a tese da
inconstitucionalidade acabou por ser admitida pelo STF, pela mudança de seu posicionamento que
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aderiu o da doutrina, modulando os efeitos de sua decisão. Neste caso, fica patente que ainda há
espaço para discussão e aperfeiçoamento das teses jurídico-tributárias, que buscam revisar
entendimentos outrora consolidados com base em argumentos jurídicos frágeis.
A reunião destes dois temas em um mesmo estudo busca apresentar pontos de
similaridade entre eles, augurando que em um futuro não tão distante a jurisprudência possa evoluir
também na questão da base de cálculo “por dentro”, revendo seu posicionamento e banindo esta
excrecência do ordenamento jurídico pátrio, assim como ocorreu na substituição tributária “para
frente”.
ABSTRACT
This paper analyzes the "inside" calculation base and the "forward" tax substitution,
applied to ICMS, from the point of view of the Constitutional Tax Law, aiming to address the issue
on the screen, seeking to establish its premises and concluding on its constitutionality or
unconstitutionality. The methodology adopted in the elaboration of this article was doctrinal and
jurisprudential research on the subject, as well as the reading of monographs and articles that deal
with the subject, which helped in the greater dynamicity and discussion of the same. In this study,
the analysis of the "inside" calculation base and the "forward" tax substitution will be done in the
ICMS, seeking to clarify its legal grounds and concluding about its legal feasibility or not, intending
to give public utility to the study of this matter.
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