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Em seu Seminário 19, Lacan tecerá uma série de considerações em sobre o termo

“Um”, bem como o uso de tal termo no campo da psicanálise, precisamente, no discurso
da psicanálise. Amparado em Parmênides e na teoria dos conjuntos de Cantor, nosso autor
tem por intenção definir um conceito que opere por meio da repetição e como um conjunto
de demais elementos. Esse conceito será o de significante-mestre, grafado 𝑆1, e as
elaborações sobre o “Um” darão forma ou especificarão as características desse
significante, cujo subscrito é 1.

A teoria dos conjuntos versa sobre a possibilidade de qualquer elemento poder ser
reunido em um conjunto. É desde esse princípio que Lacan lerá o conceito freudiano de
associação livre: “Naturalmente, a associação não é livre. Se fosse, não teria nenhum
interesse. (...) A tagarelice em questão, como não qualquer um que fala, e sim o Um
(Lacan, 2012, p. 126). Desse modo, o Um é uma espécie de ordenador do discurso, é
aquilo a que está compreendida a associação-livre do analisando. Contudo, nada nos
garante que há esse Um; parte-se da hipótese de que o discurso é ordenável sob um
determinado significante, mas, a princípio, nada se sabe sobre esse significante, nem o
momento em que ele aparecerá, nem se, quando aparecer, se trata de um desvelamento
ou de uma criação. Deduz-se daí que é pela falta do Um, por sua não existência ou
suposição que é possível trazer o Um à tona, ou, fazê-lo existir. Concluirá Lacan a sua
nona aula do Seminário 19 dizendo que o Um é “O que só existe ao não ser” (Id, p. 131).
Vê-se, assim, que o Um “surge como que do efeito da falta” (Id, p. 152).

Notemos aí o duplo aspecto do Um. Se por um lado ele é aquele que se produz
numa análise, por outro, ele é aquele que fala. Tendo em vista essa consideração, Lacan
observa a psicanálise como reproduzindo uma “produção de neurose” (Id, p. 145), com a
diferença que se o psicanalista reproduz a neurose “o pai ou mãe traumáticos a produzem
inocentemente” (idem). Assim, se na produção inocente da neurose pelos pais traumáticos
o que se coloca ao sujeito é um comportamento repetitivo ordenado por um Um
inconsciente, isto é, a fala do sujeito falada pelo Um, na psicanálise, trata-se de
“desrrecalcar” esse Um. Esse desrrecalcamento reproduz a neurose numa dinâmica
diferente. Enquanto o sujeito encontra-se determinado por um discurso inconsciente (ou
por um Um inconsciente) ele repete esse discurso cujo efeito é o gozo, entretanto, ao
repetir esse discurso em análise é esse próprio discurso que se dissolve, o Um inconsciente
se sustenta com a condição de não ser explicitado; tão logo seja simbolizado, ou que se
suspenda o recalcamento, o gozo subjacente ao discurso inconsciente deixa de agir. Desse
modo, na medida em que o Um que fala é trazido à tona, ou ainda, produzido numa
análise, é esse mesmo Um que, passando a uma existência simbólica, perde sua
efetividade real, atrelada ao gozo.

Diante desse cenário, coloquemos a pergunta: o que o sujeito repete?, ou ainda, o


que é a repetição em análise? O sujeito repete um significante ausente, um significante-
mestre não simbolizado, ou mesmo, um significante que insiste em se inscrever mas que,
contudo não se inscreve – salvo quando produzido pela análise. Assim:

A teoria analítica vê despontar o Um em dois de seus níveis. Primeiro


nível: o Um é o Um que se repete. Está na base de uma incidência no
falar do analisando, que ele denuncia por uma certa repetição em
relação a uma estrutura significante. Por outro lado, ao considerar o
esquema que dei do discurso analítico, que é que se produz a partir da
instauração do sujeito no nível do gozo de falar? O que se produz no
chamado estágio do mais-de-gozar é uma produção significante, a do
𝑆1 . Outro nível do Um, cuja incidência me imponho o dever de fazê-los
perceberem. (158-159).

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