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III Encontro da ANPPAS


23 a 26 de maio de 2006
Brasília-DF

Estudo de Caso da Área de Proteção Ambiental no


Município de Caiana – MG: Percepção Ambiental em
Áreas de Borda.

VIANA, Íris Ribeiro¹; PANQUESTOR, Evandro Klen²; OLIVEIRA, Leonardo


Carneiro²; PANQUESTOR, Érika Klen³
1
Graduada em Geografia - UEMG/Fafile – Campus de Carangola.
2
Professor do Curso de Geografia - UEMG/Fafile – Campus Carangola.
³ Graduada em Geografia – Universidade de Brasília – UnB.

RESUMO. Fundamentados em estudos realizados sobre a percepção ambiental, o presente


trabalho aborda temática relacionada à compreensão das relações do indivíduo com o meio
ambiente, especialmente nas proximidades de uma Unidade de Conservação (UC). Esta
pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de analisar a percepção ambiental dos moradores de
áreas de borda da APA de Caiana-MG. A fim de atingir o objetivo proposto foi aplicada uma
metodologia específica fundamentada na análise do discurso e da observação. Enquanto
resultados, este estudo revelou que parte significativa dos entrevistados não apresenta relações
harmoniosas com a natureza, sendo incompatíveis com a proposta estabelecida para a Área de
Proteção Ambiental (APA), comprometendo-a.

1. INTRODUÇÃO
Os impactos ambientais têm sido propagados pela ausência de práticas de manejo
adequadas às diferentes paisagens e suas particularidades. Alterações no microclima, na
distribuição geográfica da água e perda da fertilidade do solo têm colocado em
questionamento as atitudes antrópicas devido aos prejuízos sócioambientais acarretados,
especialmente após a Revolução Industrial no século XVIII. Na atualidade, a questão
ecológica encontra-se casa vez mais presente no cotidiano da sociedade, por meio da
divulgação pela mídia ou pelas nítidas alterações verificadas nas diferentes paisagens
(JACOBI, et. al., 2004:1).
2

Discussões sobre a temática ambiental vêm se tornando comuns e prioritárias na


sociedade brasileira, principalmente depois da realização da Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Rio 92. Contribuiu para isso, também, a
realização da Conferência Infanto Juvenil e Nacional de Meio Ambiente em Brasília, no ano
de 2003 (FERNANDES, et. al., 2004, p. 01).
A realização dos eventos anteriormente mencionados permitiu, assim, uma análise da
situação ambiental do planeta, a avaliação das ações antrópicas sobre o meio, como também
traçar metas no sentido de resgatar e resguardar a qualidade de vida da população. A partir
desse momento as questões ambientais assumiram um papel de grande destaque na esfera das
preocupações mundiais, tornando-se mais discutidas dentre os principais grupos sociais
envolvidos (industriais, agricultores, pecuaristas, governantes, ambientalistas).
Entretanto, mesmo com a repercussão desses eventos, ainda não é consistente a
mudança da postura humana em relação à conservação ambiental, dado a falta de empenho
da sociedade como um todo, e não apenas de grupos engajados em movimentos
ambientalistas, em desenvolver uma percepção favorável em relação aos elementos
ambientais e fatores relacionados.
A falta de ampla e real participação social na proteção do meio ambiente, no caso
brasileiro, ocorre em decorrência de alguns fatores específicos. Na realidade, antes que se
houvesse enraizado no país um movimento ecológico, o Estado criou diversas instituições
para gerir o meio ambiente, a fim de que investimentos de organismos internacionais
pudessem ser obtidos e aplicados em projetos federais. Associados a essa realidade,
movimentos pontuais ocorreram no Brasil relacionados à questão ambiental, ao mesmo
tempo em que os pesquisadores locais começaram a receber a influência do movimento
ecológico internacional (GONÇALVES, 2004, p. 15). Nota-se, então, que o movimento
ecológico não se disseminou, com a mesma intensidade, em relação às diferentes parcelas da
sociedade, especialmente no que diz respeito àquelas que apresentam baixas renda e
escolaridade.
Enquanto políticas públicas conservacionistas, de caráter prático, ressalta-se, no
Brasil, a criação da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938) em 1981 e,
posteriormente, a normatização e criação das Unidades de Conservação (UC’s). Estas se
constituem num instrumento relevante para a preservação dos recursos naturais, atuando
também como locais de aprendizagem e sensibilização da comunidade acerca da
problemática ambiental (JACOBI, et. al., 2004, p. 02).
3

Nesse sentido, as Unidades de Conservação, e, entre essas, a Área de Proteção


Ambiental (APA), constituem-se num mecanismo viável e adequado de preservação dos
recursos ambientas no sentido de contribuir, como instrumento da política ambiental em
âmbitos federal, estadual e municipal, para a consecução dos objetivos do desenvolvimento
sustentável (CABRAL & SOUZA, 2005, p. 11).
As APA’s têm por objetivo disciplinar o processo de ocupação, proteger a diversidade
biológica e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais, observando a manutenção da
qualidade dos atributos ambientais que ensejam sua criação, constituindo-se em instrumento
institucional que apontam para a necessidade de se reduzir externalidades negativas que
comprometam a eficiência econômica e o bem-estar da sociedade. (CABRAL; SOUZA, 2005,
p. 48).
No entanto, o estabelecimento de regras, e leis que impõem o que deve ser feito não
traz a mesma reação de um trabalho educativo que construa e delineie modos. Nesse sentido,
uma das maiores dificuldades para a proteção dos ambientes naturais está na existência de
diferenças nas percepções, dos valores e na importância atribuída a esse fator entre
indivíduos de culturas diferentes ou de grupos sociais econômicos distintos em ambientes
distintos (FERNANDES, et.al., 2004, p. 02).
Apesar das imposições legais, as atitudes desenvolvidas pelas comunidades em áreas
de borda de uma APA, sem a conscientização e/ou o acompanhamento constante de uma
autoridade legal, trazem consigo implicações ambientais bastante significativas com poder de
alteração dessa paisagem. A compreensão do modo como essas comunidades vêem e se
relacionam com o meio ambiente é imprescindível ao sucesso da conservação proposta.
O estudo da percepção ambiental torna-se então, fundamental para que se possa
compreender melhor as inter-relações entre o homem e o ambiente: seus anseios, satisfações,
insatisfações, julgamentos e conduta. Assim, a educação ambiental exercida em Unidades de
Conservação (UC’s) constitui uma importante ferramenta para subsidiar o debate ecológico,
propiciando a inter-relação dos processos de aprendizagem, sensibilização, questionamento e
conscientização na prática da conservação ambiental, fundamental para a formação de
cidadãos críticos e plenos (JACOBI, et. al., 2004, p. 02), pois como afirma TUAN (1980):
“Os problemas humanos quer sejam econômicos, políticos ou
sociais, dependem do centro psicológico da motivação, dos valores e
atitudes que dirigem as energias para os objetivos. As atitudes e crenças não
podem ser excluídas nem mesmo da abordagem prática, pois é prático
reconhecer as paixões humanas em qualquer cálculo ambiental. (...) e de
4

algum modo todos eles se referem à maneira pela qual os seres humanos
respondem ao seu ambiente físico – a percepção que dele têm e o valor que
nele colocam”. (TUAN, 1980, p. 01 e 02).

Na realidade houve o desenvolvimento de políticas públicas voltadas à conservação


do meio ambiente. Porém, a consciência ambiental ainda necessita ser despertada por meio
de práticas voltadas diretamente à população envolvida. Na realidade, o processo decisório
concernente à política de preservação e conservação dos recursos naturais implica na
consideração das diferenciações regionais e locais, por meio da elaboração de planejamento
como norteador de uma gestão ambiental dinâmica.

1.1. Tema
O tema desse estudo se constitui na avaliação da percepção ambiental segundo
metodologia de análise oral e visual dos moradores situados nas proximidades da Área de
Proteção Ambiental de Caiana – MG.

1.2. Hipóteses
As hipóteses levantadas foram as seguintes: a) A percepção ambiental é formada
segundo as informações obtidas ao longo da formação de um indivíduo; b) O comportamento
desenvolvido é fortemente influenciado pela percepção que o homem tem sobre o ambiente;
c) A conservação de uma área é realizada a partir da ação de indivíduos conscientizados.
1.3. Objetivos
O objetivo geral da pesquisa é o de verificar a percepção ambiental dos moradores
situados nas áreas de borda da Área de Proteção Ambiental de Caiana – MG. Enquanto
objetivos específicos buscou-se compreender as relações entre percepção e preservação
ambiental e entre percepção e educação ambiental.

2. METODOLOGIA
O desenvolvimento desse estudo exige uma metodologia apropriada, que consiga, de
modo conjunto identificar as formas de expressão oral e visual do ser humano acerca de sua
percepção sobre meio ambiente natural. A identificação conjunta é imprescindível na
comparação entre o que é “falado” e o que é “observado” por parte de cada entrevistado.
Os procedimentos metodológicos envolvidos nessa pesquisa são: revisão
bibliográfica, uso de informações geográficas, além da realização de trabalhos de campo com
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objetivo de aplicar questionários associados a entrevistas e desenvolver um estudo de forma


pré-verbal da percepção ambiental, isto é, em primeiro momento apenas sentir o que as
pessoas querem revelar dos seus valores sem, no entanto, exigir suas expressões verbais.
Nesse sentido utilizou-se a ferramenta da fotografia, quando os moradores foram solicitados
a fotografar as imediações e flagrarem seu modo de ver e sentir o meio ambiente.
Em uma pesquisa de percepção ambiental, que tem como mediador sígnico a própria
informação que produz, a fotografia mostra-se como recurso altamente estratégico, porque ao
mesmo tempo em que permite a identificação do próprio ambiente que serve de base ao
processo perceptivo, tensiona esse processo ideologicamente, explicitando a informação por
ele produzida (FERRARA, 1999, p. 268).
Dessa maneira as imagens fotográficas possibilitam uma representação precisa e
exata do ambiente, como os valores, desejos e perspectivas do homem com o meio natural,
configurando uma nova relação entre a imagem e a realidade. A fotografia mostra uma
dimensão invisível da informação que é possível extrair do cotidiano, exatamente porque
essa informação não está na realidade ambiental, mas é elaborada a partir dos impactos que
aquela realidade cria diariamente.
Essa elaboração, anteriormente destacada, é ideológica, e o signo que lhe serve de
mediação é a especificidade fotográfica: um modo de arranjar, combinar, organizar a
realidade ambiental que concretiza o olho perceptivo. Então o próprio veículo faz a
percepção, porque ela só se revela através dele (FERRARA, 1999, p. 268).
Desse modo as imagens fotográficas obtidas na pesquisa, revelam a percepção do
ambiente natural pelos moradores. Essas fotografias foram então, posteriormente contrapostas
às informações adquiridas nas entrevistas, concretizando assim, as informações reais do
ambiente estudado.

3. A ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DE CAIANA - MG

A criação e implantação de parques e reservas têm sido um dos principais elementos


de estratégia para a preservação da natureza, cujo objetivo é a conservação de espaços que
apresentem atributos ecológicos importantes do ponto de vista ambiental. Essa estratégia teve
origem no exterior, sendo implementada, no Brasil, posteriormente.
De acordo com (TOMAS,1963 apud DIEGUES, 1996, p. 23), as concepções que
visavam a valorização do mundo natural, surgiram primeiramente na Europa, segundo o
autor, especificamente na Inglaterra no século XVIII. Mas foi nos Estados Unidos em
meados do século XIX, que se criou o primeiro parque nacional do mundo, o de Yelowstone,
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a fim de proteger a vida selvagem (wilderness) que se encontrava ameaçada segundo seus
criadores, pela civilização urbano-industrial, destruidora da natureza.
No Brasil o primeiro parque nacional foi criado em Itatiaia, no ano de 1937 com o
propósito de incentivar a pesquisa científica e oferecer lazer às populações urbanas. A
proposta foi feita inicialmente pelo botânico Alberto Lefgren, em 1913, sendo sua criação
estabelecida pelo artigo 9º do Código Florestal, aprovado em 1934, que definiu parques
nacionais como monumentos públicos naturais, que se perpetuam em sua composição
florística primitiva (QUINTÃO,1983 apud DIEGUES,1996, p. 115). Esse modelo de
unidades de conservação apresenta características bastante próprias, não sendo cópia do
modelo norte-americano, em razão de que o modelo brasileiro se baseou em diferentes
níveis, de diferentes maneiras.
A Lei nº 9.985, de 18/07/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza – SNUC, estabelece sua criação associada à seleção de áreas
significativas, ou seja, refere-se à escolha da localização e à conformação desse espaço
territorial, mediante o objetivo de proteção e manejo (MILLANO, 2000 apud DIEGUES,
1996, p. 21).
De acordo com o SNUC, há três formas de implementação de unidades de
conservação no Brasil: àquelas que não permitem a presença do homem exceto, em alguns
casos, para visitação pública; às que permitem a presença humana em casos específicos,
como populações tradicionais e povos indígenas; e aquelas que consideram legal a presença
humana em seu interior, inclusive com o desenvolvimento de atividades controladas, direta
ou indiretamente, pelo Estado, como é o caso especifico das Áreas de Proteção Ambiental
brasileiras (CABRAL & SOUZA, 2005, p. 12).
Dessa maneira a elaboração do decreto de criação de uma Área de Proteção
Ambiental se constitui num instrumento da política ambiental, interessante no ponto de vista
socioeconômico, por caracterizar-se como área de desenvolvimento sustentável, na qual as
atividades humanas devem ser exercidas com responsabilidade, no sentido de permitir
integridade e manutenção da qualidade ambiental do referido espaço em dimensão intra e
intergerencial. (CABRAL & SOUZA, 2005, p. 47).
Dentro desse contexto a Área de Proteção Ambiental se apresenta como um dos
importantes instrumentos utilizado pelo poder público para proteger e conservar uma parte do
território que se encontra sob o domínio de particulares e apresente também características
naturais relevantes para tal procedimento. Essa área mesmo pertencendo a seus proprietários
terá um controle do uso do solo e dos recursos naturais, onde serão desenvolvidas atividades
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ecologicamente sustentáveis, tendo um retorno econômico para a população que nela reside,
levando em consideração suas especificidades sócio-culturais.
Segundo (SOUZA, 2000 apud CABRAL & SOUZA, 2005, p. 49) a abordagem
sistêmica do meio ambiente, por meio da gestão ambiental, propicia uma aplicação mais
próxima da realidade, pois cria canais de comunicação nos quais os fatores ambientais são
identificados, analisados, ponderados e administrados, observando inúmeras áreas do
conhecimento, permitindo, assim, a compreensão global dos problemas e também a aplicação
de soluções ambientalmente mais adequadas.
Partindo desse pressuposto, para a criação de uma Área de Proteção Ambiental, faz-se
necessário a elaboração de um plano de gestão ambiental, que visa planejar e orientar a
gestão integrada, descentralizada e participativa, de modo a assegurar a conservação do
patrimônio natural e a melhoria da qualidade de vida das populações que vivem na área.
Busca também estabelecer diretrizes e orientar programas, projetos e ações que venham a ser
empregados na unidade de conservação, envolvendo assim as diversas esferas do poder
público, como também, os moradores que ali residem.
Sendo assim, o plano de gestão e manejo da APA de Caiana baseou-se no zoneamento
econômico e ecológico, assim como todos os modelos de plano de gestão e manejo de outras
unidades de mesma categoria. No entanto, no processo de criação da APA de Caiana,
recomendou-se subdividir o zoneamento em subcategorias, como o Macro Zoneamento
Ambiental, que se subdivide em: Zona de preservação da vida silvestre, Zona de conservação
da vida silvestre e Zona de uso intensivo do solo. Portanto dentro dessas categorias foram
definidas áreas que irão transpor e abordar a realidade, as potencialidades e as fragilidades
locais da Área de Proteção Ambiental, segundo o projeto elaborado.
Por meio da Política Nacional de Meio Ambiente, criou-se, então, a Área de Proteção
Ambiental de Caiana, localizada no município de Caiana, Zona da Mata de Minas Gerais,
que se encontra na região Sudeste do Estado (Figura 1), no domínio da Floresta Atlântica,
com sua cobertura vegetal representada pela Floresta Estacional Semidecidual (GOLFARI,
1975, s/n.).
Sua área é de aproximadamente de 46 Km², e está compreendida no grande maciço da
Serra da Mantiqueira, confrontando-se diretamente com os municípios de Carangola (MG),
Varre-Sai (RJ) e Dores do Rio Preto (ES). O acesso a APA faz-se por meio de duas estradas
principais. A primeira liga o município de Caiana ao Distrito de Divininho. A segunda liga a
área de estudo ao município de Carangola.
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Figura 01 – Localização da Área de Proteção Ambiental de Caiana – MG

Fonte: IBGE, 2005; Panquestor, E. K., 2005; autora, 2005.

Dentro do contexto ambiental, o município de Caiana apresenta características


naturais muito relevantes, pois se encontram em seu território fragmentos florestais em bom
estado de conservação, expressiva flora e significativa fauna. Por ser uma região montanhosa
concentram em seus domínios territoriais várias nascentes que contribuem para o aporte do
rio Itabapoana, um dos principais rios do estado do Espírito Santo.
Apesar da área de estudo apresentar potencialidades naturais, observa-se também a
existência de práticas de uso do solo e manejo dos recursos naturais, que se não forem
devidamente orientadas e controladas podem provocar a degradação ambiental, que como
conseqüência traz resultados negativos, como alteração e desequilíbrio do meio ambiente,
prejudicando assim o ecossistema envolvido.
Do ponto de vista histórico, o município no qual está inserida a APA, a cultura do
café provocou o desmatamento e a conseqüente fragmentação vegetacional, ocasionando
mudanças na estrutura física e no microclima. A ocupação humana desordenada, sem
planejamento, por meio de suas atividades contamina os cursos d’água. As práticas incorretas
do uso do solo vêm provocando problemas acentuados como, erosão e assoreamento dos rios
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que é prejudicial para a longevidade dos recursos hídricos dessa região; a pecuária leiteira
extensiva acarreta por sua vez pisoteio e compactação do solo.
Como a população residente apresenta renda média-baixa, muitos moradores optam
para o comércio ilegal de madeira, como também para o tráfego ilegal da fauna silvestre.
Considerando os aspectos acima citados, é possível verificar que a população situada nos
limites territoriais da APA apresenta características próprias que implicam em ações
utilitaristas, desprezando, em parte, as noções de manejo e preservação do meio ambiente que
deveriam aplicar. Sabendo-se que as ações estão relacionadas a visão de mundo de cada
indivíduo, tende-se a inferir que os elementos naturais, para os moradores, têm valor
enquanto recursos para a dominação e não para a preservação.
Portanto, quando se trata em estudar e analisar a qualidade de vida das pessoas e as
ações praticadas é importante trabalhar a partir da visão que cada grupo ou indivíduo tem do
significado do termo “meio ambiente natural” e, principalmente, de como cada grupo percebe
o seu ambiente e os ambientes mais abrangentes em que está inserido. São fundamentais na
formação de opiniões e no estabelecimento de atitudes individuais, as representações
coletivas dos grupos sociais aos quais os indivíduos pertencem. Daí a importância de se
identificar qual a representação social que cada parcela da sociedade tem do meio ambiente
natural.

4. PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS MORADORES DE ÁREAS DE BORDA


Os estudos dos processos mentais, relativos a percepção ambiental são fundamentais
para que se possa compreender melhor as inter-relações do ser humano com o meio ambiente
em suas expectativas, julgamentos e condutas. O indivíduo ou grupo enxerga, interpreta e age
em relação ao meio ambiente de acordo com seus interesses, necessidades e desejos,
recebendo influências, sobretudo dos conhecimentos anteriormente adquiridos, dos valores,
das normas grupais, enfim, de um conjunto de elementos que compõe sua herança cultural.
A percepção ambiental pode ser definida como a tomada de consciência do ambiente
na qual o homem está inserido, em que cada indivíduo percebe, reage e responde
diferentemente, frente às ações sobre o meio em que vive (FERNANDES, et al, 2004, p. 01).
Sendo assim, através da percepção ambiental são estabelecidas as relações de afetividade do
indivíduo para com o ambiente, suas expectativas, satisfações e conduta. As respostas ou
manifestações são, portanto, resultados das percepções, dos processos cognitivos,
julgamentos e anseios de cada indivíduo.
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Segundo Ferrara, 1999, p. 151, é condição da percepção ambiental gerar


conhecimento a partir da informação retida, codificada nos usos e hábitos. Percepção é
informação na mesma medida em que informação gera informação: usos e hábitos são signos
do lugar informado que só se revela na medida que é submetido a uma operação que expõe a
lógica de sua linguagem. A autora considera a percepção ambiental como uma atividade de
interação do homem com o seu meio, levando em consideração as trocas de informações e
conhecimentos prévios, a partir das experiências, escolhas e comportamentos que irão
caracterizar aquele ambiente (FERRARA, 1999, p. 151).
Percepção é tanto a resposta dos sentidos aos estímulos externos, como a atividade
proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados, enquanto outros retrocedem
para a sombra ou são bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para nós, para a
sobrevivência biológica, e para propiciar algumas satisfações que estão enraizadas na cultura
(TUAN, 1980, p. 04).
Segundo TUAN, 1980, p. 04, essa percepção ocorre através de mecanismos
perceptivos, que são dirigidos por estímulos externos, captados pelos cinco sentidos.
Apresentando-se em dois aspectos: o cognitivo e o afetivo. O cognitivo é aquele que
compreende a inteligência, incluindo as motivações, humores, como também os
conhecimentos prévios. A mente organiza e representa a realidade percebida através de
esquemas perceptivos e imagens mentais. Enquanto o afetivo está relacionado aos
sentimentos e laços que o indivíduo desenvolve em relação ao meio em que está inserido.
Portanto o aspecto mais importante é o cognitivo, enquanto que o afetivo é considerado como
a energia que envolve o sistema.
Dessa maneira, a afetividade é o impulso que direciona a percepção, ou seja, a
emoção da vinculação das pessoas ao seu espaço. O indivíduo processa mentalmente as
informações que o meio e a herança cultural lhe oferecem e a conduta é construída mediante
o equilíbrio entre os fatores internos e externos.
Portanto, percepção ambiental é uma forma de conhecimento, processo ativo de
representação que vai muito além do que se vê ou penetra pelos sentidos, mas é pratica
representativa de claras conseqüências sociais e culturais. A percepção entendida nessa
dimensão não é apenas conseqüência de estímulos que do exterior atuam sobre a
sensibilidade do individuo, mas ao contrário, supõe uma elaboração de informações que
ocorrem no seu interior (FERRARA, 1999, p. 18). Ainda segundo Ferrara, 1999,
(...) a imagem aponta para a primeira e maior característica da
percepção ambiental como forma de informação do local e sobre o
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local, ou seja, a percepção ambiental não se opera como totalidade,


mas como processo que se desenvolve entre signos aglomerados sem
convenções que criam uma membrana de opacidade, de neutralidade
significativa do ambiente (FERRARA, 1999, p. 18).
Desse modo a percepção ambiental supõe a capacidade que o ser humano possui de
gerar informações a partir dos impactos ambientais, que constituem seu cotidiano, a partir
dessa produção, o ser humano conhece seu ambiente e é capaz de, sobre ele produzir
significados e ações.
O conhecimento de como e porque as pessoas agem de determinada forma, associado
ao levantamento da organização comunitária, das redes de influência e da intensidade e
forma de participação da comunidade e suas organizações, permite determinar onde e como
agir para promover a participação de todos os envolvidos num manejo mais adequado do
ambiente natural.
Nesse sentido, o estudo prévio sobre a percepção ambiental de uma determinada
população pesquisada, irá indicar as características do grupo, levando pesquisadores e
planejadores ao seu conhecimento e ao desenvolvimento de programas definidos de acordo
com a identidade local, seus valores, sua forma de enxergar, interpretar e se relacionar com o
ambiente. Dessa forma é possível promover a participação ativa de grande parte do grupo no
processo de educação ambiental.
Por meio do conhecimento de como as pessoas percebem e compreendem os
diferentes ambientes de seu convívio é que são obtidos dados singulares e demonstrativos
sobre o modo de como elas desenvolvem suas atividades e se relacionam com a natureza,
determinando desde as coisas mais sensíveis e simples, até as mais complexas.
(FERNANDES, et al, 2004, p. 01).
A percepção conseqüentemente influência o comportamento humano, mas para
manter um ambiente de qualidade, o comportamento precisa ser dirigido para atos
específicos. Esses atos precisam ter precedência sobre outras ações que irão refletir em
diferentes valores. Os hábitos pessoais transmitem as prioridades de valor de um indivíduo, e
as práticas exercidas no ambiente devem ser voltadas para valores ambientais. A informação
e educação do público consideram-se indispensáveis para o desenvolvimento de atitudes
direcionadas à ética ambiental.
Contudo, o controle do ambiente deve influenciar o comportamento grupal, atraindo
assim a participação de muitos indivíduos para a consecução de metas ambientais comuns,
que irão promover a conscientização das pessoas sobre os problemas ambientais. O despertar
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dessa conscientização consiste em informar o publico sobre a relevância de um fenômeno


para suas vidas. Informar no sentido de educar.
Assim, por meio da participação ativa da população nos assuntos ambientais é
possível diagnosticar os interesses relativos a essas questões. Torna-se importante então, para
a definição e implementação de projetos de educação ambiental, que se conheça o público-
alvo, no que diz respeito às suas características econômicas, culturais e educacionais, seus
conhecimentos sobre a problemática ambiental, verificado por meio do estudo de percepção
ambiental.
Consideram-se então necessários diversos componentes para se atingir todas as
dimensões abrangidas pela educação ambiental: interesse e conhecimento acerca do meio
ambiente natural, postura crítica e consciência diante dos próprios hábitos (JACOBI, et al.,
2004, p. 02). Desse modo a educação ambiental é definida como um processo de
reconhecimento de valores e clarificação de conceitos, objetivando o desenvolvimento das
habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio, para entender e apreciar as inter-
relações entre os seres humanos, suas culturas e seu meio biofísico. Estando também
relacionada com a prática das tomadas de decisões e a ética que conduzem para a melhoria da
qualidade de vida (SATO, 2003, p. 23).
A educação ambiental é reconhecida também como um processo que consiste em
propiciar às pessoas uma compreensão critica e global do ambiente, para elucidar valores e
desenvolver atitudes, que lhes permitam adotar uma posição participativa a respeito das
questões relacionadas com a conservação e adequada utilização dos recursos naturais, para
melhoria da qualidade de vida e a eliminação da pobreza extrema e do consumismo
desenfreado (MEDINA,1998, p. 70).
Para que os projetos de educação ambiental sejam efetivos deve-se promover
simultaneamente, o desenvolvimento de conhecimento, de atitudes e de habilidades
necessárias à preservação e melhoria da qualidade ambiental. Nesse sentido a elaboração de
estratégias de educação ambiental baseia-se em estudos prévios sobre percepção ambiental.
De acordo com o que foi abordado anteriormente, foram realizadas entrevistas com a
finalidade de verificar a relação que os moradores demonstram ter com o lugar onde vivem, a
fim de atingir os objetivos propostos inicialmente. Inicialmente, estabeleceu-se que seriam
aplicados questionários, no entanto optou-se pela entrevista semidiretiva baseada, de modo
que os moradores foram respondendo as questões com o auxilio da pesquisadora, pois os
mesmos necessitaram de apoio no seu preenchimento dado a dificuldade em “escrever certo”,
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como afirmaram alguns. Fatores como a “falta de estudos” e “idade avançada” foram
utilizados no sentido de justificar a necessidade de apoio.
No sentido de obter informações além daquelas que foram transmitidas oralmente à
pesquisadora utilizou a metodologia de aquisição de informações por meio da fotografia
enquanto forma de representação, pois essa tem o poder de reter, fixar, congelar a realidade
no espaço e no tempo eliminando a opacidade que o discurso pode ocasionar.
Essa representação foi usada com a finalidade de contrapor o discurso proferido pelos
moradores e a real visão proporcionada pelas imagens coletadas. Essa contraposição permitiu
a comparação das informações e a análise da percepção ambiental que eles têm sobre o
ambiente natural e, conseqüentemente, sobre a APA onde residem e trabalham. Os moradores
foram escolhidos segundo sua representatividade, atribuída de acordo com sua localização
em relação a Área de Proteção Ambiental.

5. RESULTADOS
Notou-se, logo de início, que o processo de entrevista fora respondido de forma
tendenciosa por parte de alguns moradores, pelo receio de que a pesquisadora e sua equipe
fossem representantes de algum órgão público e fiscalizador, apesar da demonstração de
documentos. Entretanto, no processo de aquisição de imagens, os moradores, em questão,
sem a presença da pesquisadora, sentiram-se mais à vontade pelo fato de não perceberem a
fotografia como um documento, mas um registro de paisagens, uma dinâmica voltada à
distração.
Dentre as entrevistas realizadas, verificou-se que aproximadamente 75% dos
entrevistados demonstraram uma postura relacionada ao meio ambiente enquanto fonte de
recursos a serem utilizados em benefício próprio. Apenas 25% dos entrevistados revelaram
uma postura clara em que o meio ambiente natural é visto como conjunto de elementos a
serem conservados.
A título de exemplificação duas entrevistas foram selecionadas. Representando o
grupo de 75% dos entrevistados está a terceira pessoa a ser entrevistada. Ela afirma ter vinte
e três anos, com o ensino médio completo, residente há um ano no Córrego do Moinho,
comunidade do Barro Branco, juntamente com seu esposo, onde vivem em regime de
parceria agrícola. Apresenta uma renda familiar de aproximadamente R$ 480, 00, adquirida
por meio do trabalho na área rural.
Segundo as informações relatadas na entrevista, a moradora percebe o meio natural
relacionado com a conservação, ampliação das matas e o manejo adequado dos recursos
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ambientais, como, “prantar mais mata na berada da valeta”. Quanto ao uso dos recursos
naturais, ela afirma sua ligação com as atividades e necessidades humanas de seu cotidiano,
“água pra casa, horta e chiqueiro, lenha pra usar no fogão”. Ela desconhece que a área onde
mora é uma APA.
As imagens obtidas na fotografia mostram que moradora percebe o meio natural
representado tanto pelas plantações de café, matas, como por espécies de animais. Enfim
refere-se a todos os elementos que compõe a natureza. Sendo assim há uma diferenciação nas
informações produzidas na entrevista daquelas que podem ser percebidas nas fotos, pois na
segunda o meio natural é revelado de forma mais abrangente (Figura 02).
Analisando os dados processados pelas afirmações e pelas imagens adquiridas em
relação à percepção do ambiente pela moradora, observa-se que seu discurso não condiz com
as imagens apresentadas na fotografia. Nota-se que suas afirmações estão associadas ao
discurso conservacionista, enquanto sua percepção revelada nas imagens, mostra que ela
amplia esse conceito, atribuindo-o as espécies animais e vegetais inseridas por ela no
ambiente, como também os fatores que envolvem sua exploração, visando a satisfação de
necessidades próprias.

Figura 02 – Ambiente natural segundo a terceira pessoa entrevistada

Fonte: autora, 2005.

Representando o grupo de 25% dos entrevistados está a o nono entrevistado, uma


moradora com quarenta e três anos, com o segundo grau completo, residente no Córrego
Santa Cruz, Barro Branco há vinte e três anos, em propriedade própria. Ela é professora das
séries iniciais do ensino fundamental, nessa comunidade, e mora com mais três pessoas. Sua
renda mensal é de aproximadamente R$ 700,00.
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Segundo as informações obtidas no questionário, a entrevistada percebe o meio


ambiente levando em consideração os vários elementos encontrados na natureza, como o seu
uso e manejo de forma sustentável, assegurando a sua permanência no local (Figura 03).
Considera o meio natural como, “mata, água e sua efetiva conservação”. Ela diz que já fez
varias campanhas conscientizando os alunos, pais e moradores sobre os problemas
ambientais daquela área, como a questão do lixo nas estradas, propondo assim a população a
juntar o lixo em um só local. Os recursos naturais são usados nas práticas econômicas, “água
para casa e para lavar o café, a lenha é usada no fogão”. Em sua propriedade há a fossa
séptica, e ela afirma conhecer a APA.

Figura 03 – Ambiente natural segundo a nona pessoa entrevistada

Fonte: autora, 2005.

Considerando seu discurso e as imagens fotográficas, torna-se evidente que sua


percepção do meio natural que está relacionada com o conceito de meio ambiente proposto
pela Lei nº 6938/81, que o define como os elementos naturais, sua dependência e interação
com os demais elementos. Suas afirmações condizem com as representações da fotografia.
Elas demonstraram que a entrevistada possui conhecimento mais aprofundado sobre as
questões ambientais, quando comparada a maioria dos entrevistados.
A partir da análise das fotografias, verificou-se que a percepção que os moradores têm
sobre o meio ambiente está relacionada às experiências vividas e informações obtida através
dos meios de comunicação, o que influencia sobre o modo de ver e utilizar o ambiente
próximo. As fotografias obtidas e as entrevistas efetuadas revelaram que não há grande
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conhecimento sobre meio ambiente natural, como o proposto pela legislação, assim como
sobre Área de Proteção Ambiental situada nas proximidades de suas residências.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CABRAL, Nájila Rejanne Alencar Julião; SOUZA, Marcelo Pereira. Área de proteção
ambiental: planejamento e gestão de paisagens protegidas. São Carlos: Rima, 2005.158p.
DIEGUES, Antônio Carlos Sant’ana. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo:
Hucitec, 1996. 169p.
FERNANDES, Roosevelt Souza, et al. Uso da percepção ambiental como instrumento de
gestão em aplicações ligadas às áreas educacional, social e ambiental. Disponível em
<http//:www.redeceas.esalq.usp.br / Percepção_Ambiental.pdf> Acesso em 05 de dezembro
de 2004.
FERRARA, Lucrecia D’ Alessio. Olhar periférico. São Paulo: Edusp, 1999.277p.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. São Paulo:
Contexto, 2004.148p.
JACOBI, Claudia Maria; FLEURY, Lorena Cândido; ROCHA, Ana Carolina Costa Lara.
Percepção ambiental em unidades de conservação: experiência com diferentes grupos
etários no parque estadual da Serra do Rola Moça, MG. Belo Horizonte: Anais do 7º
Encontro de Extensão da UFMG, 2004. p. 01-07.
MEDINA, Nana Mininni. O desafio da formação de professores para educação ambiental. In:
PEREIRA, Carvalho. Educação ambiental: ação e conscientização para um mundo
melhor. Belo Horizonte: SEE – MG, 2002. p.69-84.
SATO, Michèle. Educação ambiental. São Carlos: Rima, 2003.66p.
TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente.
São Paulo: Difel, 1980.288p.

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