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edição

ANO ABRIL
xXI 83 2014
ANO XXI - Abril 2014 - nº83

CAPA
FRAGMENTO ESTILIZADO
da HAGADÁ de Darmstadt
final do século 15, alemanha
Carta ao leitor

Pessach celebra o êxodo dos Filhos de Israel do Egito, por Moshé, que presenciou os milagres no Egito e a
início do processo que levou à constituição do Povo Judeu Revelação Divina no Sinai, relatou tais eventos a seus
como nação. Isso ocorreu 50 dias após a saída do Egito, filhos. Estes, por sua vez, transmitiram os relatos de
quando D’us Se revelou no Monte Sinai – um evento seus pais, que constavam na Torá, a seus filhos. Assim se
singular lembrado e celebrado na festa de Shavuot. iniciou um processo de transmissão que ocorre até hoje.
Portanto, não é apenas a Torá que preserva o judaísmo.
Essas duas festas marcam eventos históricos É o próprio Povo Judeu.
extraordinários: as maravilhas e os milagres realizados
por D’us no Egito, a abertura do Mar dos Juncos e, acima A responsabilidade de preservar e fortalecer o judaísmo,
de tudo, a Revelação Divina perante milhões de pessoas. ao difundi-lo e transmiti-lo às futuras gerações, não recai
apenas sobre rabinos, professores e líderes comunitários.
A Torá relata tais eventos e ordena sua transmissão É uma responsabilidade compartilhada por todos nós.
oral, de geração em geração, pois os assuntos de O Povo Judeu se originou de uma família – os filhos
importância fundamental para um povo não podem ser de Jacob, filho de Yitzhak, filho de Avraham. Passados
relegados apenas aos livros, nem mesmo aos sagrados. mais de três mil anos, ainda somos uma grande família,
Uma nação milenar tem a obrigação de celebrar seus constituída por milhões de pessoas que vivem em todos
grandes triunfos e lembrar suas maiores tragédias. os continentes habitáveis do planeta.
Caso contrário, gerações futuras podem vir a questionar a
veracidade ou a relevância de tais eventos. A responsabilidade de preservar e fortalecer o
judaísmo vale especialmente para os judeus da Diáspora,
Quase todos os meses o calendário judaico inclui cujo judaísmo é ameaçado pelo antissemitismo e
datas em que celebramos festas ou lembramos eventos pela assimilação. Há 21 anos, a revista Morashá tem
históricos. Os milagres de Chanucá e Purim, por exemplo, difundido o judaísmo no Brasil e em outros países
ocorreram há milênios, mas são celebrados ano após ano. de língua portuguesa.
De modo similar, o Templo de Jerusalém foi destruído
dois mil anos atrás, mas ainda lamentamos a sua queda Esta edição do Morashá, que, além do suplemento
como se a tivéssemos presenciado. para o Seder, aborda assuntos relacionados a Pessach
e Shavuot, entre outros, traz um novo design e uma
Quanto mais importante o evento, mais empenho nova diagramação. Esperamos que nossos leitores
exige em sua correta transmissão para que nunca seja apreciem o novo design desta publicação, que almeja
esquecido. Os mais importantes, na história judaica, servir como um elo entre as gerações passadas, a presente
foram o Êxodo e a Revelação Divina no Sinai. Marcaram e as futuras do Povo Judeu.
o nascimento da Nação Judaica e são de tamanha
importância que a Torá ordena que sejam lembrados não PESSACH CASHER V’SAMEACH!
apenas em Pessach e Shavuot, mas em todos os dias do
ano – manhã e noite, porque essa é a forma mais eficaz e
confiável de preservar a memória de eventos passados.

A Torá insiste que o judaísmo seja transmitido de


geração em geração. A geração de judeus liderada
TANACH

As Três Heroínas de Pessach


O Seder de Pessach é o mais comemorado dos rituais judaicos.
A Hagadá lida nessa cerimônia relata o nascimento do Povo
de Israel: a escravidão no Egito, o decreto de genocídio
contra os recém-nascidos judeus de sexo masculino,
as pragas e os milagres. A libertação de nosso povo, que é
o tema central da festa de Pessach, ocorreu graças aos
heroísmo e coragem de três mulheres.

A
história que a Hagadá transmite é relatada seria o libertador do Povo Judeu, mas que viria a falecer
pelo segundo livro da Torá, Êxodo. O relato “por meio da água”.
é bastante famoso: ao longo dos séculos,
serviu como fonte de inspiração para Isso, de fato, ocorreu: a porção de Chukat, no quarto
milhões de pessoas, judeus e não judeus. livro da Torá, Bamidbar - Números, relata o famoso
A história da escravidão e libertação do Povo Judeu toca incidente que selou a decisão do Eterno de que Moshé
a alma e gera grandes emoções – fascina e inspira. É uma não entraria na Terra de Israel. A Torá conta que, com
lição sobre sofrimento e esperança, desafios e triunfos, o falecimento de Miriam, D’us fez com que a Fonte
milagres e maravilhas, heróis e vilões. de Miriam desaparecesse para que os Filhos de Israel
percebessem que a milagrosa fonte da qual fluía água
Seus protagonistas são famosos: Moshé Rabenu – em abundância, e que os acompanhara, até então, em sua
o maior profeta e líder judeu de todos os tempos – longa caminhada pelo deserto, havia sido provida por
e seu irmão e companheiro, Aharon – o primeiro D’us, pelo mérito de Miriam.
Cohen Gadol, Sumo Sacerdote e pai de todos os Cohanim.
Há na história muitos heróis anônimos: líderes judeus Ao chegarem a Kadesh, no deserto de Zin, onde
que sofreram para proteger e preservar o Povo de Israel não há água, os Filhos de Israel, desesperados,
no Egito. clamam a Moshé. D’us então lhe ordena: “Toma o
cajado e reúne a congregação, tu e Aaron, teu irmão, e
Seus antagonistas são também lendários. O maior deles é falareis à rocha diante de seus olhos; e dará as suas águas,
o próprio rei do Egito, o Faraó. Mas ele não age sozinho. e tirareis para eles águas da rocha e dareis de beber à
Conta com poderosos feiticeiros e astrólogos e com congregação e aos seus animais”. A Torá relata que
conselheiros que o auxiliam na execução de seus planos Moshé tomou seu cajado e, com seu irmão Aaron,
malévolos: a escravidão dos judeus e, posteriormente, o congregou o povo diante da pedra. “E Moshé levantou
extermínio dos meninos e a assimilação das meninas. sua mão e feriu a rocha duas vezes com seu cajado,
e saiu muita água, e a congregação e seus animais
O decreto de atirar os recém-nascidos judeus no beberam”. Mas, a ordem que D’us dera a Moshé era
Nilo se deve a uma previsão feita por esses astrólogos. que falasse com a pedra, não que nela batesse. Por ter
Eles relataram a Faráo que nasceria um menino que violado tal ordem Divina, D’us decreta que ele e seu

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REVISTA MORASHÁ i 83

IluminUra da “seder hagadah shel pessach”, 1741, hamburgo. autor: yakov sofer ben yehudá leib SHAMASH DE BERLIM

irmão Aaron faleceriam no deserto, Segundo a Torá, “as parteiras A Torá nos revela que D’us as
não tendo, pois, o mérito de adentrar temeram a D’us e não fizeram recompensou por tal ato heroico
a Terra Prometida. conforme o que o rei do Egito lhes de desobediência: “D’us construiu
dissera, e elas causaram com que os Casas para elas”. O Talmud explica
Os astrólogos egípcios vislumbraram meninos vivessem” (Êxodo 1:17). que essas casas não foram habitações
a consequência de tal incidente. físicas, e sim, dinastias. Yocheved
Já que o calcanhar de Aquiles do A Torá relata que as duas parteiras se tornou a mãe dos Cohanim e
grande salvador dos judeus era a eram chamadas de Shifrá e Puá. Levi’im e um dos descendentes de
água, aconselharam o Faraó a lançar O Talmud revela suas verdadeiras Miriam foi o Rei David, o maior
todos os recém-nascidos judeus nas identidades: Yocheved, esposa de monarca judeu (Sotá, 11b). Além
águas do Nilo. Essa seria a única Amram, e sua filha Míriam, que, disso, foram recompensadas por meio
forma de garantir a morte do líder com apenas cinco anos, ajudava a mãe do nascimento de uma criança que
judeu, cujo nascimento era iminente. em seu trabalho. Conta o Midrash mudaria a história do mundo. Por ter
Faraó seguiu o conselho de seus que, ao ouvir a ordem do Faraó de salvado os filhos de outras famílias
astrólogos e conselheiros. Moshé que todo menino hebreu recém- judias, Yocheved deu à luz à maior
foi, de fato, jogado no Nilo, mas nascido devia ser jogado no Nilo, alma que já veio ao mundo: Moshé
sobreviveu ao decreto de genocídio e Míriam se revolta e diz: “Que rei Rabenu.
foi o agente Divino responsável pela mais malvado! Pobre de ti quando
redenção do Povo Judeu. D’us for te punir”. Só a insistência de Mas o nascimento do maior profeta
Yocheved em afirmar que Míriam era e líder judeu também se deve à sua
Na realidade, o processo de redenção apenas uma criança salvou sua vida irmã, Miriam. Quando o Faraó
de nosso povo se iniciou antes do da fúria do rei do Egito. decretou que todo recém-nascido
seu nascimento, por meio de três judeu seria atirado no Nilo, Yocheved
mulheres: Yocheved, Miriam e Bitia. Por “temer a D’us”, as parteiras e seu marido, Amram – líder do Povo
não só desobedecem as ordens Judeu à época –, se separaram, pois
O Livro de Êxodo conta que duas do rei como passam a acudir os decidiram que era preferível não ter
parteiras judias se recusaram a recém-nascidos, alimentando-os e mais filhos a arriscar que Yocheved
acatar o decreto genocida do Faraó. escondendo-os. desse à luz a um menino, que seria

7 abril 2014
TANACH

morto no Nilo. Foi Miriam quem É notável que Bitia não estivesse Ensinam nossos Sábios: o maior de
os convenceu do contrário, dizendo: só quando tomou essa decisão. Ela nossos profetas possuía vários nomes,
“Pai, seu decreto é mais severo do que se encontrava na companhia de sua inclusive aquele dado por seus pais
o do Faraó! Ele só decretou contra serva. Portanto, corria o risco de que quando nasceu, Tuvia. Mas, na Torá,
os meninos, seu decreto estende- seu ato se tornasse de conhecimento D’us sempre o chama de Moshé –
se a todas as crianças, meninos e público, chegando aos ouvidos reais. em reconhecimento à mulher que o
meninas”. Ela, que era uma profetiza, Mas nem isso a fez titubear. salvou e criou. É interessante que o
prometeu aos pais que eles teriam Livro das Crônicas se refere a Moshé
um filho que seria o salvador do Povo Após Bitia ter salvado Moshé do como “ben Bitia” – filho de Bitia. Isso
Judeu (Sotá, 12b-13a). Nilo, ocorre algo extraordinário. porque, apesar de não ter sido sua
Miriam, que havia profetizado mãe biológica, a filha do grande vilão
Mas há ainda uma terceira mulher que seu irmão seria o salvador dos da história, salvou, educou e amou
responsável pela redenção de nosso judeus, permaneceu às margens do Moshé.
povo. Seu nome: Bitia, a filha do Nilo, observando a cesta onde se
Faraó. A Torá relata que, no dia em encontrava a criança. Miriam sabia Em recompensa por seu heroísmo,
que Moshé foi posto em um cesto e que seu irmão não pereceria no Nilo. ela foi imortalizada pela Torá. Não
jogado no Nilo, Bitia foi banhar-se Quando ela vê que a filha de Faraó sabemos qual foi o nome dado a ela
no rio. Ela vê um cesto e um menino o recolhera, pergunta a Bitia: “Devo quando nasceu: a Torá a chama de
que se encontra nele, que chora. chamar uma mulher judia para Bitia, que significa “filha de D’us”,
Apesar de estar ciente de que se trata amamentar a criança para você?”. pois como ensina o Midrash: “D’us
de uma criança judia que havia sido “Vai”, responde Bitia. Miriam chama disse a ela: ‘Você adotou um filho e
lançada ao Nilo devido às ordens de Yocheved e a mãe adotiva da criança o chamou de Moshé, que significa
seu pai, a princesa o salva. Relata a diz à verdadeira mãe: “Leva esta ‘filho’ em egípcio. Eu farei o mesmo:
Torá: “Ela teve piedade dele e disse: criança e a amamenta para mim. Eu Eu a adotarei e a chamarei de Minha
‘Este é um dos meninos hebreus’ ” te pagarei por isso”. filha’”.
(Êxodo 1:6).
Tal episódio evidencia a fé e coragem Bitia foi a única egípcia a não ser
Salvar a vida da criança significaria de Miriam. Ela nunca perdeu atingida pelas Dez Pragas. Além
desobedecer a um decreto real. Isso as esperanças de que seu irmão disso, ela foi um dos pouquíssimos
é algo que se poderia esperar de um sobreviveria para salvar seu povo. seres humanos a adentrarem o
judeu, não de um egípcio – muito Miriam tem a audácia de propor Mundo Vindouro sem ter falecido.
menos de um membro da família real à própria filha de Faraó um plano Graças a seu heroísmo e generosidade,
– a própria filha de Faraó. para salvar um menino judeu. Ela além de ser chamada de “filha de
sugere que Yocheved, a verdadeira D’us” e ser considerada a mãe de
mãe de Moshé, aja como se estivesse nosso maior profeta, ela triunfou
amamentando uma criança egípcia sobre o maior desafio da humanidade
até que Bitia possa adotá-lo. Três – a morte. Tal graça Divina não foi
mulheres – Yocheved, Miriam e Bitia concedida nem mesmo a Moshé.
– conspiram para salvar a vida de
Moshé do decreto genocida de Faraó. O que Yocheved, Miriam
e Bitia nos ensinam
A Torá, então, nos conta que após o
período de amamentação, Yocheved A palavra Torá advém de Hora’á
“o trouxe à filha do Faraó e ele foi – ensinamento. A Torá não é um
para ela como filho...” (Êxodo, 2:10). livro de histórias, e sim, uma obra
Apesar das ordens do pai, o poderoso de autoria Divina que contém
rei do Egito, Bitia adota a criança e lições para todo o Povo Judeu, em
a cria no próprio palácio do Faraó todas as gerações. O heroísmo de
– o arqui-inimigo de nosso povo. Yocheved, Miriam e Bitia serve de
E o cria como filho. É ela quem exemplo para todos nós. A essas
encontrando moshé. hagadá dourada,
circa 1320, Espanha dá ao menino o nome de Moshé. três grande mulheres, nós, o Povo

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canção de miriam, a profetisa - william gale, séc. 19

Judeu, devemos nossa liberdade de nacionalidade, etnia ou religião. coragem se tornam mais aparentes.
e todas as bênçãos que advieram A salvação do Povo Judeu ocorreu Pessach é a festa da liberdade.
dela – a Revelação no Monte por meio de uma mulher que, além Ensina o judaísmo que o verdadeiro
Sinai, o recebimento da Torá e de egípcia – membro do povo que significado da liberdade é o livre
a Terra de Israel. Mas além de nos escravizava e nos assassinava arbítrio: o poder de escolher o bem e
terem desempenhado um papel –, era a própria filha do líder rejeitar o mal, independentemente de
fundamental na história de nosso antissemita da época. Foi a filha de qualquer fator ou circunstância.
povo e da humanidade, essas três um homem responsável por uma
mulheres ensinaram lições que, campanha de genocídio contra As três heroínas da história de
decorridos mais de três milênios, os judeus quem adotou, educou e Pessach não apenas corroboram
continuam a reverberar. Elas nos protegeu nosso maior líder e profeta o ensinamento de nossos Sábios
ensinaram que mesmo quando há – aquele que não apenas liderou a de que a redenção de nosso povo
escuridão e maldade no mundo, cabe libertação do Egito, mas trouxe a ocorreu graças às mulheres, mas elas
ao ser humano desafiá-las ao gerar Torá dos Céus à Terra e conduziu também personificam os temas da
luz e promover a bondade. nosso povo à nossa Pátria ancestral e festa mais celebrada pelos Filhos de
eterna – Eretz Israel. Israel: a liberdade, a desobediência
A coragem de Yocheved, Miriam ao mal, a coragem, a dignidade
e Bitia serve de argumento contra Há ainda outra lição a se aprender humana e a valorização da vida –
todos aqueles que alegaram ter de Yocheved, Miriam e Bitia: temas universais e atemporais, que
feito o mal porque não lhes foi a de que, cedo ou tarde, D’us permeiam o judaísmo e que há mais
dado escolha – porque tinham a recompensa abundantemente a de três milênios vêm influenciando a
obrigação de seguir ordens. O ato bondade, a coragem e a generosidade. humanidade.
de Bitia ao salvar Moshé Rabenu A Torá nos ensina que o Todo
rechaça os argumentos apresentados Poderoso tem grande afeto por
pelos nazistas nos Julgamentos de aqueles que cumprem Sua vontade, BIbliografia:
Nuremberg. apesar da oposição e das ameaças Rabi Sacks, Jonathan, Exodus: The Book of
daqueles que desejam disseminar o Redemption. Covenant & Conversation - A
Weekly Reading of the Jewish Bible, Maggid
Das três heroínas de Pessach, mal e a escuridão pelo mundo. Books & the Orthodox Union
Bitia é quem nos ensina mais lições, É nos momentos mais difíceis, de
entre elas, a de que não se deve julgar maior escuridão, que a luz brilha Rabi Munk, Elie,The Call of the Torah
outros seres humanos por motivo mais forte e que a bondade e a Rabi Weissman, Moshe,The Midrash Says

9 abril 2014
Nossas grandes festas

conhecimento e fé
“Não esqueças as coisas que os teus olhos viram e para que
não saiam do teu coração todos os dias da tua vida; e as farás
conhecer aos teus filhos e aos filhos de teus filhos – no dia
em que estiveste diante do Eterno, teu D’us, em Horeb, quando
o Eterno me disse: ‘Junta-me o povo e o farei ouvir as Minhas
palavras, para aprender a temer-Me todos os dias em que viver
na terra, e para que as ensinem a seus filhos’”.
(Deuteronômio 4:9-10)

A
história que leremos, a seguir, versa sobre e pergunta a ela: “Diga-me, como surgiu tudo isso?”.
Rabi Levi-Yitzhak de Berditchev, um dos A garota responde, sem hesitar: “D’us o criou, claro!”.
maiores mestres do Movimento Chassídico. “Você está dizendo que D’us existe?”, perguntou. “Claro
Logo após seu casamento, ele pediu que D’us existe!”, ela disse, olhando-o como se ele tivesse
permissão ao sogro para viajar a Mezeritch, perdido a razão.
onde queria estudar com o líder dos Chassidim, o Rabi
Dov Ber, conhecido como o Grande Maguid, o Grande Voltando-se para Rabi Levi-Yitzhak, o sogro diz: “Você
Pregador. O sogro negou-lhe a permissão, mas o Rabi está vendo, Levi? Ela não estudou em Mezeritch. Na
Levi-Yitzhak insistiu e perturbou-o até que ele cedeu, verdade, ela nunca frequentou uma Yeshivá aqui na
dando-lhe permissão de passar seis meses estudando em cidade, e ela sabe que D’us existe”. Rabi Levi Yitzhak
Mezeritch. volta-se para o sogro e, dessa vez, é ele quem sorri ao
falar: “Você não entende... Ela diz que D’us existe. Eu sei
Rabi Levi-Yitzhak viaja, então, para estudar com o que D’us existe”…
Grande Maguid. Ao voltar para casa, decorridos os
seis meses, o sogro o recebe com um sorriso zombador. A Verdade, segundo o Judaísmo
“Diga-me, Levi, o que foi que aprendeu em Mezeritch?
O que aprendeu com aquelas pessoas estranhas – os Esse relato representa a própria definição de religião de
Chassidim – que não pudesse ter aprendido aqui?”, acordo com o judaísmo. A religião não consiste em dizer
perguntou. Rabi Levi-Yitzhak volta-se para o sogro ou acreditar em certos fatos – mas em saber certos fatos.
e diz: “Agora sei que D’us existe”. Seu interlocutor fica Segundo o judaísmo, a religião é a busca da Verdade.
chocado com a resposta. Agora ele sabe que D’us existe? Religião e Verdade são sinônimos. D’us e Verdade são
Teria sua filha se casado com um ateu, um agnóstico? sinônimos.

O sogro chama, a seguir, uma mocinha que trabalhava A palavra hebraica para Verdade, Emet, é um dos nomes
em sua casa. Aponta para o céu, a grama, as árvores de D’us, e, como ensina o Talmud, é a própria chancela

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exodus. marc chagall, 1968

Divina. A busca por D’us, portanto, O judaísmo rejeita, categoricamente, D’us e Sua Sabedoria são Infinitos,
é a busca pela Verdade. essa visão. Proclama que D’us e nós, criaturas finitas, jamais O
Sua Torá – que é Sua Vontade e entenderemos ou a Sua Torá por
Segundo o Talmud, a grafia em si da Sabedoria – são a Verdade Suprema, completo. Isso, no entanto, não
palavra Emet define o que realmente e que se encontrarmos uma significa que não entendamos nada
constitui a Verdade. Essa palavra contradição entre a Torá e a Ciência, acerca d’Ele ou de Sua Sabedoria.
hebraica é formada por três letras: isso se deve ao fato de termos uma Fazendo uma analogia: há vários
Alef, Mem e Taf. Alef é a primeira compreensão errônea de uma das problemas na Matemática que não
letra do alfabeto hebraico, Mem é duas – ou de ambas. foram solucionados. Isso não significa
a letra do meio e Taf é a última. que nada saibamos sobre essa ciência.
A grafia de Emet nos ensina que Como veremos a seguir, a fé não Há uma diferença abismal entre não
a Verdade precisa ser consistente: significa o abandono da razão ou do saber tudo e não saber nada.
algo só é verdadeiro quando é conhecimento. O Talmud, espinha
consistentemente verdadeiro; quando dorsal da Lei e tradição Judaicas, Ser humano algum, nem mesmo
seu início, seu meio e seu fim são é quase inteiramente baseado no Moshé Rabenu, pode entender
verdadeiros. Algo que é uma meia- conhecimento e lógica. Rabi Shimon plenamente D’us e Sua Vontade.
verdade, incoerente ou inconsistente, Bar Yochai, o grande místico e Mas isso não significa que a Torá
não é Verdade. autor do Zohar, obra fundamental exige aceitação cega. Mesmo suas
da Cabalá, que também foi um dos leis conhecidas como Chukim,
Muitos julgam que a religião maiores Sábios do Talmud, defende popularmente definidas como
e a Verdade são nitidamente a ideia de que há um motivo racional as “leis não racionais”, não são
opostas. Acreditam que a religião para as leis da Torá. O conceito de dogmas. As Chukim não são ilógicas:
e o conhecimento são, em geral, dogma, de fé cega, de aceitação do simplesmente requerem um grande
contrários – que a religião exige que absurdo e do ilógico, é estranho cabedal de conhecimento e sabedoria
substituamos o conhecimento pela fé. ao judaísmo. É verdade que como para serem compreendidas.

11 abril 2014
Nossas grandes festas

Por exemplo, algumas pessoas creem Também empregamos a fé quando


que a proibição de comer carne e leite lemos o jornal e acreditamos
juntos seja ilógica – algo que pode no que lemos, mesmo sabendo
ser aceito apenas através da fé. Mas que os jornais são, geralmente,
para alguém que estudou o judaísmo subjetivos e, ocasionalmente, contêm
em profundidade e compreende o informações erradas. Exercemos a fé
funcionamento das Sefirot – e o que quando acreditamos no que nossos
a carne e o leite representam – as professores e livros de História nos
razões para a proibição de comê-los ensinam.
juntos ficam muito claras. O mesmo
se aplica a todos os mandamentos O que sabemos é, em maior ou
A festa de Shavuot da Torá. Nada é absurdo ou ilógico, menor extensão, baseado em Emuná,
celebra a Revelação mas algumas leis requerem muita porque não podemos ter certeza de
sabedoria e conhecimento para serem nada. Sequer podemos ter certeza
Divina no Sinai e a compreendidas. de que nosso mundo não é um
transmissão dos Dez mundo da fantasia, uma ilusão,
Qual seria, então, o papel da fé no como o creem os místicos orientais.
Mandamentos, que
judaísmo? Sem dúvida, um papel Diante da inexistência da prova
são o núcleo dos 613 central, mas não da maneira absoluta, temos que fazer uso da
mandamentos da Torá. como o crê a maioria das pessoas. Emuná; temos que presumir muitas
A palavra hebraica para fé, “Emuná” coisas e tentar buscar a verdade
não significa fé cega – a suspensão de forma honesta, o que significa
da razão e da lógica. Essa palavra ser intelectualmente honesto e
origina-se da raiz “Aman”, que consistente – sem empregar padrões
significa basear-se seguramente ou morais duplos – dois pesos e duas
confiar em algo. Segundo a Torá, medidas, ou utilizar argumentos
Emuná significa acreditar naquilo emocionais para tentar silenciar os
que é de confiança. O motivo racionais.
para a fé ter um papel central
no judaísmo é por desempenhar Conhecimento,
um papel fundamental na vida. Fé e Falácias
Quer o saibamos ou não, todos
os seres humanos – até os mais Para discutir adequadamente o
céticos – utilizam a Emuná. Nós a papel que o conhecimento e a
empregamos todos os dias, em cada fé desempenham no judaísmo, é
momento de nossa vida, consciente necessário primeiro reconsiderar
ou inconscientemente, ativa ou nossas definições de ambos os
passivamente. conceitos. A quase totalidade de
nosso conhecimento se baseia
Exercemos uma medida de fé em dois pontos: a probabilidade
mesmo quando estamos em casa, e a fé de que fatos históricos
sem fazer nada: temos fé que o teto foram corroborados por fontes
não vá ruir e que o edifício não vá independentes antes de serem aceitos
desmoronar-se, apesar de sabermos como verdadeiros. Quase todo o
que coisas assim acontecem. conhecimento científico se baseia
Exercemos a fé quando viajamos de em probabilidades – há poucos
avião: acreditamos que a aeronave fenômenos, se é que existe algum,
esteja funcionando adequadamente que sejam infalíveis.
e que o piloto saiba o que está
fazendo, apesar de não podermos Consideremos o seguinte
Hagadá de pessach garantir nenhuma das duas situações. cenário: um cassino é acusado

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REVISTA MORASHÁ i 83

Leões segurando as tábuas da Lei. Marcus Charles Illions (1865-1949), Brooklyn, EUA

de adulterar a roleta, mas se nega um trilhão não é a mesma coisa que Quando se trata de conhecimento
veementemente a admiti-lo. chance zero. No caso da roleta, não acerca de eventos, como sabemos
A roleta é dividida em 37 segmentos, há chance alguma de que pare no o que é ou não verdade? Como
numerados de 0 a 36. Suponhamos número 40, simplesmente porque sabemos que Hiroshima sofreu
que tenha girado 1.000 vezes e que este não é um de seus números. um ataque nuclear durante a 2ª
sempre pare no mesmo número. Mas sempre há uma chance, por Guerra Mundial e que o Rio de
Pode-se concluir daí que houve menor que seja, de que alguém possa Janeiro nunca foi atacado? Muitos
adulteração? Provavelmente – mas fazê-la girar indefinidamente e ela de nós não tínhamos nascido nessa
não há certeza. Estatisticamente, sempre pare no mesmo número. época; como saber, então, o que
não é impossível que a roleta pare realmente aconteceu? Baseamo-nos
no mesmo número 1.000 vezes Como no exemplo acima, quase no testemunho de terceiros. Quanto
seguidas. Na verdade, pode-se fazer todo o conhecimento científico é maior for a corroboração – quanto
girar a roleta de agora até o infinito, calcado em probabilidades – em mais testemunhas independentes
e a mesma poderia sempre parar no tentativa e erro. Qualquer cientista houver, reduzindo a possibilidade
mesmo número sem que estivesse honesto e competente pode de conluio – mais disposição
adulterada. As chances de tal fato confirmar que as Ciências se baseiam teremos para considerar o fato
acontecer são infinitesimais, mas em teorias – não em leis absolutas. como verdadeiro. Nenhum de nós
existem. Se afirmássemos saber que pode voltar no tempo ou estar
o cassino havia adulterado a roleta e A certeza absoluta não existe em mais de um lugar ao mesmo
o considerássemos responsável pela – nem mesmo no reino das tempo. Além do mais, não dispomos
fraude, estaríamos empregando uma “ciências exatas”. Exemplificando: dos recursos nem do tempo para
medida de fé – ou seja, apesar de não A Ciência pode mostrar-nos, na corroborar pessoalmente tudo o
estarmos absolutamente seguros do teoria e na prática, a razão pela qual que nos conta a imprensa escrita
que dizíamos, acreditávamos que a alguém que ande descalço sobre ou falada. Usamos de boa-fé ao
roleta estivesse adulterada em virtude brasas de carvão incandescente acreditar que as notícias transmitem
de ser muito pequena a probabilidade queima os pés. Contudo, há a verdade porque há fontes
de não o estar. pessoas que andam sobre brasas – o independentes – jornalistas que
fenômeno religioso praticado em trabalham em mídias concorrentes
No entanto, há uma enorme várias regiões do planeta, chamado – que se beneficiariam se pudessem
diferença entre algo improvável e de “Andar sobre fogo”– sem queimar desacreditar a concorrência. Mesmo
algo impossível. Uma chance em nem ferir os pés. se vivêssemos em um regime

13 abril 2014
Nossas grandes festas

totalitário, com controle da mídia, contra ele. Quando são milhares prático – libertar o Povo Judeu do
os oponentes internos ou externos de testemunhas, a probabilidade de Egito – mas não têm praticamente
do governo deixariam vazar a estarem enganadas no que viram influência alguma em nossas crenças.
verdade. Um governo pode mentir ou estarem conspirando, é muito
se assim o quiser, e pode controlar pequena – está praticamente além de A Torá nos ensina que a fé judaica
a imprensa e silenciar a oposição, qualquer dúvida. não é calcada em milagres. Quando
mas não pode forçar seu povo a D’us aparece, pela primeira vez, a
acreditar nas mentiras, nem, muito Mentiras e tramas conspiratórias Moshé, ordenando-lhe que volte
menos, a transmiti-las a seus filhos. que envolvam milhões ou mesmo ao Egito e informe ao Povo Judeu
O excelente romance político de milhares de pessoas têm vida curta que Ele os libertará da escravidão,
George Orwell, 1984, descreve o porque é enorme a possibilidade de Ele lhe diz: “Porque estarei contigo,
quão difícil é, mesmo para a mais vazamentos. Pois, como convencer e isto será para ti o sinal de que Eu
brutal das sociedades totalitárias, milhares de pessoas a contar uma te enviei; depois de haveres tirado
fazer lavagem cerebral em todo um mesma história deturpada? Como o povo do Egito, servireis a D’us
povo. Como o disse, brilhantemente, convencer todas essas pessoas a sobre este monte” (Êxodo, 3-12)”.
Abraham Lincoln: “Você pode nunca contar a verdade a ninguém – D’us informou a Moshé que o Povo
enganar uma pessoa por muito a nenhum amigo, nem a seus filhos Judeu acreditaria nele em virtude
tempo; algumas por algum tempo; ou netos? Os recentes escândalos da revelação que ocorreria “na
mas não consegue enganar a todas envolvendo Edward Snowden e a montanha”, o Monte Sinai, e não por
por todo o tempo”. Agência Nacional de Segurança dos causa dos milagres e maravilhas que
EUA (NSA) evidenciam que basta a antecederiam.
Um dia, a verdade vem à tona, um indivíduo vazar os segredos que
especialmente se o assunto diz envolvem um grande número de Maimônides ensina que a verdadeira
respeito a muitas pessoas. Fica pessoas. Nas palavras do próprio fé não pode basear-se em milagres
relativamente fácil corroborar sua Snowden: “… informar ao público porque sempre resta uma dúvida
veracidade. o que é feito em seu nome e o que é persistente de que tivessem sido
feito contra eles”. inventados ou realizados por outro
O que hoje é notícia, amanhã é meio que não a intervenção Divina.
história. Acreditamos que eventos Quanto maior a mentira, a Ele ainda explica que isso foi a
históricos importantes, que deturpação ou a conspiração, e base do temor de Moshé de que
envolveram um grande número quanto mais pessoas estiverem os judeus não acreditassem nele
de pessoas, realmente ocorreram envolvidas, mais fácil será refutá-la. mesmo se ele realizasse milagres
porque há muitas testemunhas para provar que D’us o havia
independentes que poderiam Revelação Pública: indicado como Seu agente. “E eles
confirmar sua veracidade e deixar a Base do Judaísmo não me crerão”, Moshé responde
vazar a verdade, no caso de uma a D’us, “nem ouvirão a minha voz,
deturpação da realidade. Muitos acreditam, erroneamente, pois dirão, ‘Não apareceu a você
que a fé judaica se baseia no Êxodo o Eterno’” (Êxodo, 4:1). Moshé
Quando alegamos saber algo, o do Egito – nas pragas e na divisão percebeu que nem mesmo a maior
que estamos realmente dizendo do Mar dos Juncos. Eles talvez das maravilhas poderia induzir à
é que a probabilidade daquilo ser argumentem que se esses fenômenos crença perfeita. Para refutar esse
verdade é indubitável, está além de pudessem ser racionalmente medo, D’us lhe assegurou que a
qualquer dúvida. Ser indubitável explicados, a veracidade do judaísmo Nação Judaica vivenciaria uma
é o padrão de evidência exigido seria questionada. Trata-se de uma Revelação Divina no Monte Sinai,
para validar uma condenação concepção muito errada – não apenas removendo-lhes qualquer dúvida.
criminosa. Se alguém é acusado de porque a fé judaica ensina que D’us A fé de Israel em Moshé e em sua
ter cometido um crime por uma opera através das leis da natureza que profecia não se basearia, então,
única testemunha, ele pode alegar Ele criou – mas porque, no que toca em fatos sobrenaturais, mas na
que a testemunha está mentindo. ao judaísmo, milagres e maravilhas experiência coletiva de milhões
Se houver mais testemunhas, ele pouco provam. As pragas e a divisão de pessoas no Monte Sinai, onde
pode alegar que estão conspirando do mar serviram a um propósito lhes ficaria indiscutivelmente

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REVISTA MORASHÁ i 83

claro que D’us falava com eles


(Hil. Yesodei Ha’Torá, 8:2). Os
milagres, independentemente de
quão numerosos ou assombrosos,
não podem ser fonte de crença para
ninguém – não apenas porque seja
controvertida a própria definição
do que é um milagre – mas porque
não apenas o verdadeiro profeta de
D’us tem a capacidade de realizar
atos sobrenaturais. Os feiticeiros
do Faraó, que eram idólatras,
conseguiram transformar cajados
em serpentes e as águas do Egito
em sangue. O profeta Bilaam, que
era o mais malvado e depravado dos
seres humanos, era um profeta tão
poderoso quanto Moshé.
A capacidade de prever o futuro
ou de realizar milagres – milagres
verdadeiros, não ilusões ópticas –
prova apenas uma coisa: que quem os
realiza possui um talento muito raro.

De fato, povos de quase todas as


religiões realizaram milagres. Se
os milagreiros comprovassem a
validade de sua religião, teríamos que
acreditar em quase todos elas, o que
seria um absurdo teológico e lógico, Miniatura que retrata Moshé recebendo as Tábuas da Lei. Museu Israel, Jerusalém
pois a maioria delas é mutuamente
exclusiva.
Moshé, mas porque acreditamos no
Acreditamos no judaísmo não por testemunho de milhões de judeus.
causa de Moshé, nem das pragas ou
da divisão do mar, mas porque D’us, O grande astrônomo judeu
Ele Próprio, Se revelou perante americano, Carl Sagan, disse certa
600.000 judeus e suas famílias, no vez que, “Alegações extraordinárias
Monte Sinai. A veracidade de um exigem evidências extraordinárias”.
evento público testemunhado por D’us optou por Se revelar ao Acreditamos no
milhões de pessoas é muito difícil de Povo Judeu inteiro porque o
judaísmo não por causa
ser refutada. O judaísmo baseia-se testemunho de milhões de pessoas
em um evento público que envolveu constitui evidência extraordinária de Moshé, nem das
uma miríade de pessoas, e não no que corrobora uma alegação pragas ou da divisão do
carisma de um líder, poderes da extraordinária. A palavra de um
fala, ou habilidades sobrenaturais. mar, mas porque D’us,
homem – independentemente de
O judaísmo não se baseia no que quão sagrado ou poderoso seja – não Ele Próprio, Se revelou
seu maior líder vivenciou, mas no constitui evidência extraordinária. perante 600.000 judeus
que toda a primeira geração de Tampouco o é o testemunho de um
judeus vivenciou. Nós acreditamos pequeno grupo de pessoas. Ainda e suas famílias, no
no judaísmo não por acreditar em que sejam verdadeiras, sempre é Monte Sinai

15 abril 2014
Nossas grandes festas

Dez Mandamentos
entalhados em painel
de madeira, Inglaterra,
início do séc. 19

possível que estejam enganadas um golpe de estado, não puderam bezerro de ouro, nunca tiveram a
acerca do que viram. No entanto, negar nem questionar a veracidade audácia de negar a veracidade da
é muito difícil que três milhões de da Revelação Divina no Sinai. Revelação Divina no Sinai.
pessoas fabriquem uma história ou
que estejam erradas no que viram, Fosse a Torá um livro de mitos ou É muito difícil de crer que milhões
ouviram e vivenciaram. uma combinação de realidade e de judeus tenham inventado a
ficção, poderíamos talvez argumentar história da Revelação ou concordado
À luz do que vimos acima, podemos que a Revelação Divina no Sinai em respeitá-la, sabendo que era
entender por que a Torá afirma fosse um de seus relatos ficcionais. uma falácia. É ainda mais difícil de
categoricamente que somente após Mas os judeus sempre insistiram acreditar que, fosse uma invenção,
a Revelação no Sinai o Povo Judeu que os eventos relatados nos Cinco ninguém a tivesse desmascarado e
acreditaria em Moshé para todo o Livros da Torá devem ser levados revelado a verdade. Contudo, de fato
sempre. Antes do Sinai, alguém o ao pé da letra. Portanto, há apenas não há prova absoluta que corrobore
poderia ter desmistificado como um duas possibilidades reais do que esta extraordinária alegação – assim
feiticeiro que derrotara os feiticeiros possa ter acontecido no Sinai: ou foi como não há prova absoluta de nada.
do Faraó. Poderia argumentar que uma Revelação Divina, como relata Pode-se sempre conjecturar que
as pragas no Egito e mesmo a a Torá, ou uma conspiração de massa, talvez o Povo Judeu tenha imaginado
divisão do mar foram coincidências: envolvendo milhões de pessoas ou sonhado sobre a Revelação.
aberrações estatísticas, que, como que fabricaram uma história, ou, Talvez tenham inventado a história
vimos acima, não constituem provas no mínimo, concordaram em levar e convencido outros milhões de
absolutas. Mas quando milhões de avante essa mentira, evitando, de pessoas, judeus ou não, sobre sua
pessoas viram-se diante de D’us, não alguma forma, que a verdade viesse à veracidade. Tudo é possível: às vezes,
houve mais lugar para especulação tona. Nenhuma dessas pessoas nem mesmo as mais improváveis teorias
ou para análise de probabilidades nenhum de seus filhos escreveu seu conspiratórias são comprovadas.
estatísticas. Mesmo os inimigos e relato pessoal, contradizendo a Torá. É aí que entra em cena a Emuná
adversários de Moshé, inclusive seu Até mesmo os inimigos de Moshé, – a fé verdadeira: quando optamos
primo Korach, que tentou organizar mesmo aqueles que adoraram o por acreditar porque há evidência

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REVISTA MORASHÁ i 83

monte sinai

suficiente para fazê-lo, ainda que não O judaísmo não exige fé cega, mas mandamentos da Torá. Shavuot é
haja certeza absoluta. não é justo exigir mais corroboração o momento propício do ano para
da Torá do que da História ou das que todos os judeus fortaleçam sua
A Emuná que o judaísmo espera Ciências. conexão com D’us e Sua Torá, não
dos judeus é a mesma exigida pelos por fé cega ou convenção social, mas
outros campos do conhecimento. O judaísmo é a busca da Verdade, e porque há evidências avassaladoras
Como o pilar do judaísmo foi por isso se iniciou da forma em que que atestam a veracidade do evento
um evento público que envolveu tudo ocorreu: para que nossa conexão mais extraordinário da História,
milhões de pessoas, trata-se de com D’us e Sua Torá não fossem ocorrido 50 dias após a libertação de
verdade histórica, não de fé cega. Isso produto da fé cega. D’us poderia ter- nosso povo do Egito.
significa que acreditar na Revelação Se revelado apenas a Moshé Rabenu
Divina no Sinai e, portanto, na e aos judeus que mais o merecessem,
verdade do judaísmo, não é um ato mas Ele optou por revelar-Se a todos,
de credulidade, mas sim de Emuná. desde o mais simples deles. Era a
única maneira de assegurar que nossa BIbliografia:
A verdadeira fé, do tipo que o fé em D’us e em Sua Torá não fossem Rabi Dr. Schochet, Jacob Immanuel,
judaísmo espera de cada um dos calcadas nos ensinamentos de um Epistemological Methodology in the Study
of Religion - www.torahcafe.com
judeus, é uma ponte pequena que indivíduo ou de um grupo de pessoas.
liga a probabilidade à certeza. Consequentemente, nós, judeus, não Rabi Dr. Schochet, Jacob Immanuel,
Precisamos da mesma porque, na acreditamos em D’us por acreditar What is Faith? - www.torahcafe.com
verdade, não podemos ter 100% de em Moshé, mas sim, acreditamos em Rabi Dr. Schochet, Jacob Immanuel,
certeza sobre nada. Moshé por acreditar em D’us. Did G-d really write the Torah?
www.torahcafe.com
Como na história sobre o Rabi A festa de Shavuot celebra a
The Stone Chumash - The Torah, Haftaros,
Levi-Yitzhak de Berditchev, há uma Revelação Divina no Sinai e a and Five Megillos with a commentary from
diferença abismal entre dizer que transmissão dos Dez Mandamentos, Rabbinic writings, Editada por Rabi
D’us existe e saber que Ele existe. que são o núcleo dos 613 Nosson Scherman, ed. Artscroll Mesorah

17 abril 2014
NOSSAS GRANDES FESTAS

OS FUNDAMENTOS DO JUDAÍSMO
“Rabi Yochanan ensinou: A maioria das leis da Torá é
fundamentada na transmissão oral e apenas a minoria nas
Escrituras. Pois está escrito: ‘Por meio da boca (palavras
transmitidas oralmente), Eu (o Eterno) fiz uma aliança contigo
e com Israel’ (Êxodo 34:27)”. Se a aliança de D’us com Israel foi
estabelecida por meio de leis que foram transmitidas oralmente,
isso significa que estas constituem a maioria da Torá”.
(Talmud Bavli, Gitin, 60b)

a
alegação extraordinária de que D’us sobre a terra... Se houve jamais uma coisa grande
Se revelou aos seres humanos baseia-se em semelhante a esta, ou se ouviu coisa igual a ela? Se um
extraordinária evidência: o testemunho povo ouviu a voz de D’us falar no meio do fogo, como
de uma geração inteira de judeus – cerca ouviste tu e ficaste vivo?” (Deuteronômio, 4:32–33)
de 3 milhões de pessoas. A Torá registra o
evento, mas o Povo Judeu também transmitiu oralmente, A Revelação Divina no Sinai é o princípio fundamental
de uma geração a outra, a noção de que, sete semanas do Judaísmo porque permitiu não apenas à geração
após o Êxodo do Egito, D’us abertamente Se revelou conduzida por Moshé, mas também a todas as
aos Filhos de Israel e proclamou os Dez Mandamentos, subsequentes gerações judias conhecerem, e não apenas
que são o núcleo das 613 mitzvot do Judaísmo. Ano acreditarem, que existe um D’us e que a Torá é a Sua
após ano, na festa de Shavuot, lembramo-nos e Palavra e Vontade. Nós acreditamos em Moshé porque
celebramos esse evento, o mais importante na história acreditamos em D’us – e não ao contrário. Essa distinção
da humanidade. é da maior importância. O judaísmo não se originou
com o homem. Nenhum dos três patriarcas – Avraham,
Milhões de judeus deixaram o Egito, o que significa Itzhak e Yaakov – nem Moshé e seu irmão Aaron,
que houve milhões de testemunhas independentes fundaram a fé judaica. O judaísmo começa e termina
para verificar ou negar o relato da Revelação Divina, com D’us.
especialmente durante as primeiras duas ou três gerações
após o fato ter ocorrido. Para lançar dúvidas sobre o A Revelação no Sinai é o pilar do judaísmo porque
evento, bastaria que um grupo de judeus contasse a seus fundamenta Moshé como porta-voz e agente Divino: um
filhos que era uma inverdade o relato da Torá acerca de canal confiável para a transmissão da chancela Divina no
D’us se ter revelado a todos os judeus que deixaram o mundo – a Vontade e a Sabedoria Divinas – que é a Torá.
Egito. A Torá está ciente de que é muito difícil negar Não há erro maior acerca do judaísmo do que a crença de
a veracidade histórica da Revelação Divina no Sinai e, que Moshé escreveu a Torá ou de que ele é o criador da
corajosamente, oferece este desafio a todos os judeus: Lei Judaica. Ele foi o maior dentre os profetas e líderes
“Podes perguntar, pois, pelos dias passados que te judeus: trouxe a Torá dos Céus à Terra e a ensinou a nosso
precederam, desde o dia em que D’us criou o homem povo – por esse motivo, é chamada de a Torá de Moshé –,

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REVISTA MORASHÁ
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I 83

Shavuot. Óleo sobre tela, Moritz Daniel Oppenheim, 1880

mas não escreveu uma única letra da mesma. Moshé Divina dá à Torá credibilidade como uma obra de
apenas transcreveu os Chamishei Chumshei Torá – os Divina autoria, ao passo que a Torá registra e comprova
Cinco Livros da Torá. Foi o copista, não o autor. A Torá é a veracidade histórica do evento mais extraordinário na
a palavra de D’us, não a de qualquer profeta, nem mesmo história humana.
do maior dos profetas de todos os tempos. A Revelação
Divina no Sinai não apenas removeu todas as dúvidas O processo de transmissão da Torá ao Povo Judeu se
sobre a Existência Divina e Seu interesse em Sua Criação. iniciou após a Revelação Divina e a proclamação dos Dez
Também corroborou o fato de Moshé ser um profeta Mandamentos. Ao longo da jornada de 40 anos no Sinai,
verdadeiro e fidedigno, e de que a Torá que ele trazia dos D’us transmitiu a Torá a Moshé, letra por letra. Moshé
Céus ser um livro de autoria Divina, não humana. as anotou, como um secretário o faria. Quando lemos a
Torá, portanto, estamos ouvindo a Fala Divina. Por vezes,
A Autoria Divina da Torá Ele fala na primeira pessoa e por vezes na terceira –
como quando fala através de Moshé, particularmente no
Nós, judeus, acreditamos na Torá devido à Revelação quinto livro da Torá –, mas é sempre Ele quem fala.
Divina no Sinai, mas também acreditamos na Revelação
por causa da Torá. O evento e seus relatos escritos e orais Além da Torá Escrita, D’us transmitiu a Moshé a Torá
se entrelaçam. Por um lado, a Revelação Divina evitou Oral. Ambas eram igualmente necessárias. Se D’us não
que o Povo Judeu duvidasse do papel de Moshé como lhe tivesse dado a Torá Escrita – se a tivesse transmitido
profeta e agente de D’us e de atribuir a ele a autoria apenas oralmente –, provavelmente sua transmissão
da Torá. Por outro, a Torá corrobora a veracidade da não seria tão límpida e imaculada; acabaríamos por
revelação explícita de D’us ao Povo Judeu. Ao afirmar enfrentar versões diferentes devido à má compreensão e
que a Revelação ocorreu perante milhões de judeus, a consequente transmissão errônea de Seus Mandamentos.
Torá se expôs ao desafio. Vimos no artigo Judaísmo, Um documento escrito ajuda a evitar que isso ocorra. Ao
Conhecimento e Fé que é praticamente impossível mesmo tempo, um documento escrito, especialmente se
sustentar uma alegação de tal magnitude a menos que contém conceitos e leis complexos, exige explicação oral,
seja verdadeira; portanto, temos boas razões para crer que pois é comum entendermos e interpretarmos errado o
a Torá diz a verdade. Em outras palavras, a Revelação que lemos. Em resumo, a Torá Escrita preserva a precisão

19 abril 2014
primeiros cinco livros, a Torá, e os demais.
Essa distinção tem importância capital. O judaísmo se
inicia e termina com os Chamishei Chumshei Torá.
É totalmente proibido extrair qualquer lei bíblica a
partir dos Profetas ou dos Escritos. A única fonte de Lei
Bíblica é a Torá. No judaísmo, os Profetas e os Escritos
podem apenas prover um suporte e corroboração – uma
Asmachtá – a uma lei da Torá. Nevi’im e Ketuvim são
livros sagrados, mas não podem agregar, subtrair ou
modificar qualquer verso ou lei dos Cinco Livros da Torá.
Somente leis rabínicas, como os mandamentos de Purim
(uma festividade rabínica) podem-se originar de Nevi’im
e Ketuvim. Leis bíblicas, como as de Yom Kipur, Shabat,
Cashrut, Tefilin, Mezuzá etc., são ditadas exclusivamente
pela Torá. Se alguém quiser ousar e argumentar que um
decreto rabínico é tão rigoroso quanto um bíblico, e que,
portanto, não deveria haver distinção entre a Torá e o
restante do Tanach, que esse alguém tente argumentar
que não ouvir a Meguilat Esther em Purim é tão grave
quanto não jejuar em Yom Kipur.

A regra essencial de que a Torá é o cerne do judaísmo


é de grande relevância para o Povo Judeu. O fato de a
Moshé recebe as Tabuas da Lei, Marc CHagall, 1950-52
Torá ser a primeira e a última palavra sobre o judaísmo
tem profundas ramificações: significa que a fé judia não
depende dos Nevi’im e dos Ketuvim. Nenhum profeta
da Torá Oral, ao passo que a Torá Oral explica e elucida a – nem Isaías, nem Jeremias nem Ezequiel – tinham
Torá Escrita, evitando que esta seja mal-entendida e mal autoridade de alterar a lei da Torá sob nenhum aspecto.
interpretada. Nenhum versículo do Livro dos Salmos pode ser usado
para contradizer um versículo da Torá. Se algum profeta
A Autoridade Suprema da Torá ousasse fazê-lo, seria considerado um falso profeta e
acusado de pecado capital, ainda que suas profecias se
Moshé foi o maior profeta judeu de todos os tempos. realizassem, que realizasse milagres extraordinários e
D’us e Moshé se comunicavam entre si como dois fosse carismático ou generoso. Os profetas não tinham
amigos, íntimos. Por isso foi possível a D’us transmitir a autoridade alguma de modificar permanentemente a lei
Torá, letra por letra, a Moshé enquanto estava desperto da Torá. Como os Cinco Livros da Torá foram escritos
e plenamente consciente. Outros profetas tiveram por D’us, nenhum ser humano, nem mesmo Moshé,
visões ou receberam mensagens Divinas durante seu poderia jamais revogar ou modificá-la de alguma forma.
sono ou em estado alterado de consciência. Tiveram,
pois, que descrever com suas próprias palavras o que Como vimos acima e no artigo Judaísmo, Conhecimento
viram ou ouviram. Nenhum profeta judeu, nem mesmo e Fé, a base do judaísmo é a Revelação Divina no
os Patriarcas, possuíram a visão profética clara e Monte Sinai. D’us, em Sua Plenitude, fez-Se ver a cada
transparente de Moshé. um dos judeus da geração que deixou o Egito e lhes
transmitiu os Dez Mandamentos, que são o núcleo dos
D’us transmitiu informações precisas a ele. Os Cinco 613 mandamentos da Torá. Se não tivesse havido essa
Livros da Torá não são apenas mensagens Divinas, mas Revelação – se Moshé ou os profetas posteriores tivessem
a fala Divina. Em contraste, as palavras gravadas no livro escrito a Torá – seria possível argumentar que eles teriam
dos Profetas (Nevi’im) são mensagens Divinas, mas não autoridade para modificá-la. No entanto, como foi
são palavras literais de D’us. Isso significa que apesar de repetidamente mencionado acima, Moshé não escreveu
todo o Tanach (Torá, Nevi’im, Ketuvim – Torá, Profetas a Torá – ele a transcreveu e a ensinou. D’us escreveu a
e Escritos) ser sagrado, não há comparação entre seus Torá – em sua íntegra. Ele é o único Legislador da Lei

20
REVISTA MORASHÁ I 83

Judaica. Os Profetas e os Sábios são o poder judiciário, nos desviar para outras fés. Além disso, como vimos
não o legislativo, do judaísmo. A própria Torá dá-lhes acima, os versículos e passagens de Nevi’im e Ketuvim
permissão de interpretar a Lei e mesmo de criar leis são irrelevantes para a Lei e prática judaicas. Sequer
rabínicas que servem de proteção para que as leis bíblicas importa de que forma tais passagens são interpretadas,
não sejam violadas. Contudo, nenhum ser humano, seja literalmente ou não.
independentemente de seu grau de inteligência ou
espiritualidade, pode criar, modificar ou revogar as leis da Se, por exemplo, o profeta Isaías dissesse ao Povo Judeu
Torá. Além disso, qualquer lei rabínica precisa ter alguma que as leis de Cashrut já não mais se aplicavam, não
base na lei bíblica. apenas não lhe faríamos caso, como o levaríamos à Corte
Suprema Judaica para ser julgado por ser um falso profeta.
Esse princípio fundamental do judaísmo é explicitamente Na verdade, é interessante observar que esse profeta
declarado no quinto livro da Torá. Pois está escrito: “Se foi acusado por seu próprio neto, o rei Menashé, de ter
um profeta, ou um sonhador, se levantar no meio de ti e feito declarações que contradiziam certos princípios da
te der um sinal do céu ou um milagre da terra, e realizar- Torá. O profeta foi julgado, condenado à pena capital
se o sinal ou o milagre de que te falou, e te disser: ‘Vamos e brutalmente executado. Se as intenções do Rei em
atrás de outros deuses, que não conheceste, e sirvamo-los! condenar seu avô eram maldosas e se as acusações eram
’ – não obedecerás às palavras daquele profeta ou daquele infundadas não é relevante para nossa discussão. O que é
sonhador; porque o Eterno, vosso D’us, vos está testando digno de nota é que o maior profeta desde Moshé foi
para saber se amais o Eterno, vosso D’us, com todo julgado e condenado à morte por ter feito declarações
vosso coração e com toda vossa alma. Após o Eterno, que alegadamente contradiziam certos princípios da Torá.
vosso D’us, andareis; a Ele temereis, Seus Mandamentos
guardareis e a Sua Voz ouvireis; a Ele servireis e a Não desejamos implicar que as palavras do profeta Isaías
Suas qualidades adotareis. E aquele profeta ou aquele ou de qualquer genuíno profeta judeu contradiga a Torá,
sonhador será morto, porquanto pregou falsidade em de alguma forma. De fato, o principal papel dos profetas
Nome do Eterno, vosso D’us, que vos tirou da terra era levar o Povo Judeu a fortalecer o seu cumprimento
do Egito e que vos redimiu da casa de escravos, para da Torá. Não é coincidência o fato de que o último
vos desviar do caminho que o Eterno, vosso D’us, vos dos profetas do Tanach, Malachi, conclua suas palavras
ordenou para andar nele; e eliminarás o mal do meio de proféticas com a seguinte mensagem Divina: “Recorda-te
ti” (Deuteronômio, 13:2-6). da Torá de Moshé, Meu servo” (Malachi 4:4).

Se alguém questionasse por que D’us daria poderes Judeu algum deve tentar abraçar outra religião ou filiar-
sobrenaturais a um ser humano que os usaria para se opor se a outro culto porque alguém realizou ou alegou ter
à Sua Vontade, a Torá prontamente dá a resposta: porque realizado milagres e maravilhas. Ademais, todos os
D’us está testando sua fé. judeus devem estar cientes de que o judaísmo não pode
ser ameaçado, de forma alguma, por interpretações de
D’us nos fez saber por meio de Sua Torá que nenhum outros credos de passagens dos Nevi’im ou dos Ketuvim.
ser humano – tem a autoridade de modificar ou revogar As palavras de um ser humano jamais poderá ou terá
a Lei Judaica. Um homem pode realizar os maiores precedência sobre as palavras de D’us, que constituem os
milagres – pode prever com precisão o futuro e fazer Cinco Livros da Torá.
do dia noite e da noite, dia. Mas mesmo assim estamos
proibidos de segui-lo se ele pronunciar uma única palavra A Torá Oral
contra a Torá.
D’us ditou a Torá Escrita a Moshé e o ensinou como
Durante milhares de anos, indivíduos, organizações deveria lê-la e elucidá-la – e como cumprir seus
e instituições religiosas tentaram converter os judeus, mandamentos. Esse “Guia Divino à Torá Escrita”,
alegando serem profetas ou fazedores de milagres ou transmitido a Moshé e ensinado subsequentemente
argumentando que certas leis da Torá já não se aplicavam. ao Povo Judeu durante sua longa jornada no deserto, é
Geralmente citavam passagens de Nevi’im ou Ketuvim conhecido como a Torá Oral.
para tentar corroborar suas crenças. Tais discussões, no
que concerne ao judaísmo, são fúteis, pois a própria Torá A Torá Escrita original transmitida por D’us a Moshé
nos alerta acerca de milagreiros e profetas que tentam foi uma longa sequência de letras sem divisão entre as

21 abril 2014
NOSSAS GRANDES FESTAS

mesmas. O Talmud a descreve como “fogo negro escrito não se torne Chametz, tampouco que devemos comê-la
sobre fogo branco”. A Torá Oral explica como as letras durante o Seder de Pessach. A Tora Oral é a única fonte
da Escrita deviam ser divididas, pronunciadas e lidas. desse conhecimento.
Sem ela, a Torá Escrita seria incompreensível – uma
longa lista de letras hebraicas – compondo um código A Torá Escrita transborda de leis e mandamentos, mas
indecifrável. não explica como cumpri-los. O Brit Milá, a circuncisão,
é um dos pilares da fé judaica – até o menos observante
Muitas das leis da Torá são muito complexas. Desde a dos judeus insiste em circuncidar seus filhos homens
Revelação no Sinai, inúmeros livros foram escritos sobre – mas, ainda assim, a Torá Escrita sequer menciona
a mesma – mesmo a Torá Oral foi transcrita – mas, ainda explicitamente em que órgão se pratica a circuncisão
assim, necessitamos de rabinos e professores para melhor nem como. Yom Kipur, dia mais sagrado do ano, é outro
entendê-la. pilar da fé judaica. A Torá Escrita diz que nos devemos
afligir no Dia do Perdão, mas não nos diz como. Não diz,
Mas não necessitamos de argumentos racionais para em parte alguma, que devemos jejuar. Como saber que
tentar provar a existência de uma Torá Oral. A Torá nos afligirmos em Yom Kipur significa jejuar? Afligir-nos
Escrita testemunha a existência de uma tradição oral, pode significar autoflagelo. Mas não é. Outro pilar do
pois se fôssemos ler os Chamishei Chumshei Torá sem judaísmo é o cumprimento do Shabat, mas a Torá Escrita
jamais ter praticado ou guardado os mandamentos não nos diz o que podemos e o que não podemos fazer
judaicos, entenderíamos muito pouco dos mesmos. Por nesse dia sagrado. Já a Torá Oral, esta nos fornece não
exemplo, quando lemos sobre a Matzá na Torá, sabemos apenas os detalhes, mas as explicações básicas de como
a que se refere – apenas porque a quase totalidade dos interpretar e executar os mandamentos transmitidos pela
judeus do mundo já o provaram ou viram. A Torá Escrita Torá Escrita.
não nos diz como produzir a Matzá, como assegurar que
A referência mais explícita feita pela Torá Escrita acerca
da Oral é encontrada em um versículo referente à
Shechitá – o abate casher de animais. Em nenhum lugar
da Torá Escrita ou outro livro do Tanach consta uma
explicação sobre como essa prática deve ser realizada.
Apenas está escrito: “... poderás degolar do teu gado e
do teu rebanho que o Eterno te deu, como te ordenei...”
(Deuteronômio, 12:21).

Através da História Judaica, muitas pessoas, judias ou


não, têm tentado negar a existência e autenticidade
da Torá Oral. Já que, como vimos acima, a Revelação
Divina no Sinai não pôde ser negada porque foi um
evento público que envolveu milhões de pessoas, quem
quisesse enfraquecer a existência ou o cumprimento do
judaísmo, tinha como objetivo a Lei Oral. Quando uma
nação ou uma organização tentavam extirpar o judaísmo,
escolhiam como alvo o Talmud, núcleo da Torá Oral.

É fácil entender por que aqueles que desejavam extirpar


o judaísmo sem sujar suas mãos baniam o estudo do
Talmud. Se nós, judeus, não podemos estudar a Torá
Oral, não podemos entender e seguir a Torá Escrita, e,
assim, não podemos cumprir os mandamentos.

Emet, a Verdade, como vimos no artigo já citado, é


porta da arca sagrada, cravovie, séc. 17.
definida pela Torá como honestidade e consistência
JERUsalém, Hechal shlomo, museu wolfSON intelectual. Uma meia-verdade não é a Verdade.

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REVISTA MORASHÁ I 83

Se alguém quer negar a existência e autenticidade da


Torá Oral, terá que negá-la totalmente. Não poderá
escolher aleatoriamente quais de suas leis atendem a seus
propósitos. Quem a nega, não pode alegar que o principal
mandamento de Yom Kipur é abster-se de comer e
beber porque em nenhum lugar da Torá Escrita isso está
ordenado. Não se pode negar a Torá Oral e tomar as
quatro espécies em Sucot, porque em nenhum lugar da
Torá Escrita suas identidades são reveladas. Finalmente,
aquele que nega a Torá Oral não deveria sequer ler um
Chumash ou um Sefer Torá, pois sem a Lei Oral não
saberíamos como dividir as letras, o que dizer, então, de
pronunciar suas palavras...

É importante observar, no entanto, que reconhecer a


autenticidade e a autoridade da Torá Oral não significa
que se alguém não segue todas as suas leis, não precisa
se preocupar em seguir nenhuma delas. O que se espera
de cada um dos judeus é honestidade e consistência
intelectual: ou se aceita que a Torá Oral é tão Divina
quanto a Escrita ou não. Não há outra opção. O que se
espera do Povo Judeu, acima de tudo, é que preserve os
fundamentos do judaísmo. O judaísmo autêntico é o
reconhecimento de que D’us Se revelou no Monte Sinai Iluminura Moshé recebendo as Tabuas da Lei,
e nos deu a Torá, de que a Torá é de Autoria Divina, e Hagadá de Sarajevo, Catalonia, século 14
que a Torá Oral tem igual importância à Escrita.
aplicada de forma leniente ou severa. A Escola de Hillel
Não surpreende que os judeus que não aceitaram ou não representava a Misericórdia Divina – e por essa razão
preservaram os princípios do judaísmo, acabaram por se suas sentenças tendiam a ser mais lenientes. A Escola de
assimilar. Ainda que acreditem em D’us, na Divina Shammai, por outro lado, refletia a Justiça Divina – por
Revelação no Sinai e na Divindade da Torá Escrita, isso a maioria de seus veredictos eram mais severos que
isso não é suficiente. É a Torá Oral que distingue o os da Escola de Hillel.
judaísmo das outras religiões, especialmente daquelas que
adotaram o Tanach. Na ausência da Torá Oral, não pode Em geral, a Lei Judaica sentencia segundo a Escola de
haver um judaísmo real. Hillel porque vivemos em um mundo imperfeito, onde
a Presença Divina é quase sempre oculta. Somos seres
A Eternidade da Torá humanos frágeis e necessitamos misericórdia e leniência.
Neste mundo de tantos desafios, é bastante difícil seguir
No Talmud, vemos diferenças de opinião em assuntos da a lei da Torá mesmo segundo os veredictos da Escola
Lei Judaica, especialmente entre as Escolas de Hillel e de Hillel. Contudo, quando Mashiach vier e o mundo
Shammai. O Talmud declara que ambas as Escolas estão for aperfeiçoado, seguiremos as sentenças da Escola de
corretas em suas sentenças; ambas refletem as Palavras Shammai – pois seremos, então, capazes de seguir a Torá
do D’us Vivo. Como poderiam ambas estar corretas? E de acordo a suas interpretações mais rígidas.
se a Escola de Shammai também estava correta em seus
veredictos, por que a Lei Judaica segue, em geral, os da Isso significa que contrariamente ao que muitos pensam,
Escola de Hillel? a Torá não será revogada quando o Mashiach vier. De
fato, como explicamos acima, nós a respeitaremos de
É possível haver diferenças de opinião em questões da uma maneira ainda mais rígida e completa. O conceito
Lei da Torá porque assim como D’us possui tanto o de uma “nova Torá”, tirado de um versículo de Isaías,
Atributo de Misericórdia como o de Justiça, também não significa que a Torá do Sinai foi ou será revogada
a Torá, que é a Sua Vontade e Sabedoria, pode ser na Era Messiânica. Pois, como vimos acima, nenhum

23 abril 2014
NOSSAS GRANDES FESTAS

foto: niels andreas


SEFER TORÁ DA SINAGOGA BEIT YAACOV. SÃO PAULO

profeta, nem mesmo Isaías, pôde mudar sequer um a Torá (Sanhedrin 99a). O Talmud vai mais adiante.
pingo na Torá. Ademais, a Torá Oral, que é uma parte Ensina que aquele que nega que a Torá Oral foi
indispensável para a compreensão da Torá Escrita, outorgada por D’us a Moshé é alguém que despreza a
explica que na Era Messiânica iremos observar a Torá palavra de D’us (ibid).
de acordo com Beit Shammai, a Escola de Shammai.
Portanto, o conceito de uma “nova Torá” significa uma Como a Torá é o plano-mestre de D’us para o mundo,
compreensão mais profunda dos ensinamentos da Torá e aquele que se empenha em fortalecê-la, fortalece o
o cumprimento mais rígido de seus mandamentos. mundo. Ele ajuda a levar bênçãos, proteção, paz e
prosperidade a toda a humanidade. Quem, por outro
A Torá não pode mudar porque é a Vontade e Sabedoria lado, enfraquece a Torá, faz exatamente o oposto.
de um Ser Infinito e Perfeito, que vive acima e além do
tempo e de qualquer outra limitação. Em determinados A festa de Shavuot, que ocorre sete semanas após
períodos no tempo, algumas das leis da Torá podem não Pessach, é a época mais propícia do ano para o Povo
se aplicar. Por exemplo, não podemos cumprir muitos Judeu fortalecer a Torá através da renovação de seu
de seus mandamentos na ausência do Templo Sagrado. compromisso de estudá-la e cumprir seus mandamentos.
Contudo, nenhum dos mandamentos foi ou jamais será Fortalecemos a Torá e trazemos bênçãos Divinas e
permanentemente revogado. plenitude ao mundo preservando os fundamentos do
judaísmo: o reconhecimento de que D’us Se revelou
A Cabalá ensina que a Torá é o projeto do mundo. ao homem, de que a Torá é Divina e, portanto, eterna
Como ensina o Zohar, “D’us olhou na Torá e criou o e imutável, e de que apoia-se em dois pilares: a Torá
mundo. O homem olha na Torá e o sustenta”. O Maharal Escrita e a Torá Oral. São esses os princípios que
de Praga, um dos maiores Sábios da história judaica, que definem o judaísmo autêntico.
ficou famoso por criar o Golem, perguntou, certa vez:
“Por que o mundo está-se perdendo?”. E ele respondeu:
“Porque a Torá foi abandonada”. E o que significa
BIbliografia:
abandonar a Torá? Significa não reconhecer que é Rabi Dr. Schochet, Jacob Immanuel, Judaism: Discourse - Questions
Divina e subestimá-la de alguma forma. O Talmud and answers with Immanuel Schochet - www.youtube.com
afirma enfaticamente que questionar a origem Divina Rabi Dr. Schochet, Jacob Immanuel, What the world doesn´t
de uma letra que seja ou de uma interpretação know about the Messiah - The Logical Foundation of Judaism
tradicionalmente aceita da Torá equivale a negar toda - www.youtube.com

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PERSONALIDADE

O LEGADO DE SHARON
POR ZEVI Ghivelder

O GENERAL ARIEL SHARON, SEMPRE CHAMADO DE ARIK,


DEIXOU UM LEGADO DEFINITIVO PARA O ESTADO DE ISRAEL:
SUA SOBREVIVÊNCIA. GRAÇAS À SUA ATUAÇÃO
NA GUERRA DO YOM KIPUR, O ESTADO JUDEU SE LIVROU DE
UMA CATÁSTROFE DE PROPORÇÕES INIMAGINÁVEIS.

E
m outubro de 1973, o Egito lançou uma formação de forças egípcias perto do canal de Suez.
bem sucedida ofensiva contra Israel, rompendo Arik percebeu de imediato que uma guerra estava para
uma linha de defesa concebida depois da estourar. Moshe Dayan, ministro da Defesa, recomendou,
Guerra dos Seis Dias, junto ao canal de Suez, sem maiores formalidades, que Sharon se reintegrasse ao
pelo general Bar Lev, então chefe do comando da frente sul.
Estado-Maior de Israel. Essa esteira de trincheiras e
casamatas de concreto, que recebeu seu nome, tinha como Quando os egípcios desfecharam seu ataque e
finalidade garantir a presença israelense na Península dominaram a Linha Bar Lev, eliminando dezenas de
do Sinai. Àquela altura, o general Sharon já havia sido soldados israelenses e fazendo mais de uma centena de
transferido para a reserva, amargurado por não ter sido prisioneiros, o comandante da região sul de Israel era
nomeado chefe do Estado-Maior conforme esperava. o general Shmuel Gonen. Pouco experiente, faltou-lhe
Por isso mesmo, permaneceu atuante na vida pública. a capacidade para uma reação imediata. A iniciativa de
Costumava declarar, em sucessivas palestras e entrevistas, Dayan de reconvocar Sharon provocou um conflito de
que a dita Linha Bar Lev era inútil e contrariava duas egos e rivalidades, como costuma acontecer em qualquer
sólidas doutrinas militares postas em prática pelo exército corporação. Quando ele chegou ao posto de comando,
de Israel desde a fundação do Estado – o fator surpresa e, ouviu o seguinte de Gonen: “Essa guerra terá o
em eventual combate, a rápida mobilidade. Tanto assim meu rótulo e não o seu”. Este desagradável entrevero
que, certa ocasião, bem antes da Guerra do Yom Kipur, não teve uma só testemunha. Foi-me narrado pelo
depois de inspecionar a Linha Bar Lev, Arik fixou um próprio Arik.
ponto na margem barrenta do outro lado do canal, com
cerca de um metro de altura, e disse para si mesmo: “Se Apegado à possível vulnerabilidade daquele ponto que
algum dia nós tivermos que atravessar tanques e tropas havia avistado do lado egípcio, começou a traçar um
para o lado de lá, aquele será o lugar ideal”. ambicioso plano que consistia em atravessar o canal
de Suez. A inusitada travessia, caso consumada, tinha
Na véspera de Yom Kipur do ano de 1973, Arik recebeu três finalidades. Primeira: surpreender os egípcios e
em sua casa, em Beersheva, a visita de um oficial da posicionar tropas e blindados na direção do Cairo.
Inteligência do exército que lhe mostrou uma série de Segunda: dobrar à esquerda e seguir rumo à cidade de
fotografias aéreas. As imagens revelavam uma compacta Suez para ocupá-la. Terceira: Israel ficaria na retaguarda

25 abril 2014
PERSONALIDADE

do terceiro exército egípcio conhecido por uma impetuosidade lugar assegurado no panteão de Israel
impedindo que este recuasse ou que muitas vezes beirava a por conta da decisiva batalha travada
avançasse pelo Sinai, permanecendo, insubordinação? A missão de no transcurso daquela noite”.
assim, estático em função do cerco ao dissuadir Sharon do projeto da ponte
qual estaria submetido. Em princípio móvel competiu a Bar Lev. Foi tensa Finda a Guerra do Yom Kipur,
parecia uma ideia estapafúrdia. e dramática a discussão entre os dois. Sharon esperava, e com toda a
Arik confidenciou-me que, em dado razão, que dessa vez fosse nomeado
Como atravessar o canal? Sharon momento, controlou-se para não chefe do Estado-Maior. Se isso
convocou engenheiros militares agredir Bar Lev fisicamente tal a sua tivesse acontecido, ele cumpriria um
e lhes pediu que elaborassem a frustração somada à indignação. mandato de dois anos no desejado
construção de uma ponte móvel cargo, após os quais provavelmente se
que se apoiaria sobre boias a serem O assunto voltou à consideração retiraria da vida pública. Entretanto,
colocadas nas águas do canal. de Elazar, ainda indeciso no tocante por causa das intrincadas injunções
à imprevisível travessia do canal políticas ocorridas dentro do
Entretanto, um deslocamento de de Suez. Por fim, com mão forte, majoritário Partido Trabalhista,
tamanha proporção e de sucesso entrou em cena Moshe Dayan. ele foi preterido e o posto coube a
duvidoso tinha que ser aprovado nas Ele foi ao encontro de Sharon, Mordechai (Motta) Gur, um dos
mais altas esferas de planejamento inteirou-se do planejamento da mais destacados comandantes na
estratégico. O plano de Sharon ponte e conseguiu convencer o Guerra dos Seis Dias. Fotografei
começou a ser avaliado por um grupo Estado-Maior de que, em face logo depois do conflito, as inscrições
de oficiais de altas patentes liderado da destruição da Linha Bar Lev, feitas a cal nos tanques e blindados
por David Elazar, chefe do Estado- da presença egípcia no Sinai e de e os grafites existentes em muros
Maior, e Chaim Bar Lev, outros tantos desdobramentos da de cidades israelenses nos quais se
que, apesar de estar ocupando na guerra, as Forças de Defesa de lia: “Arik, melech Israel (Arik, rei de
ocasião o Ministério do Trabalho, Israel só teriam como alternativa Israel)”.
voltara às fileiras do exército e tinha arriscar uma incursão no território
voz ativa, quase preponderante, nas inimigo. (Ao norte, felizmente, o Com o manto, mas sem o poder da
decisões militares. Todos foram exército israelense conseguia conter realeza, Arik recorreu a uma série de
contra a pretensão de Arik. Mas, a ofensiva da Síria nas colinas do empréstimos bancários e comprou
como levar a decisão a Sharon, Golan). Enfim, a ponte começou uma grande fazenda perto da cidade
a ser construída na décima noite de Ashkelon, ao sul de Israel, tendo
depois do início da guerra. Até então, como vizinho o Kibutz Bror Chail,
a sobrevivência de Israel era sombria fundado por jovens brasileiros nos
e imprevisível. anos 50. Dedicou-se a atividades
agrícolas dando prioridade para a
A implantação da ponte e a plantação e exportação de melões
consequente travessia dos tanques ao mesmo tempo em que a política
e demais blindados israelenses, sob começava a se infiltrar em sua vida
fogo egípcio incessante, foi a mais até então apenas dedicada à carreira
árdua e vitoriosa batalha travada pelo militar. Ele sentia que tinha contas a
exército de Israel em toda a história acertar com o establishment.
do país. O jornalista David Landau,
ex-editor do jornal Jerusalem Post Tal acerto resultou na formação
e um dos mais ácidos críticos de do Partido Likud, liderado por
Sharon ao longo dos anos, escreveu Menachem Begin, que chegou ao
em um livro há pouco publicado: poder nas eleições seguintes, devendo
“O êxito na travessia se deve à sua vitória em grande parte à
audácia, à tenacidade e à devoção popularidade de Arik, o número dois
de Ariel Sharon por ações ofensivas. da lista do partido. Suas decepções
conversando com ben gurion em visita
Sejam quais forem as controvérsias por jamais ter sido chefe do Estado-
a instalações militares de israel, 1971 em torno de seu nome, ele tem um Maior foram compensadas quando

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REVISTA MORASHÁ i 83

Ariel Sharon no kotel, fevereiro de 2001

Begin o nomeou ministro da com Israel. A primeira parte do O massacre de Sabra e Chatila
Defesa. Encontrei-me com ele em plano deu certo, obrigando Arafat ganhou tamanha dimensão que o
Nova York, em 1982, durante uma a procurar abrigo na Tunísia. Na governo de Israel decidiu instituir
visita oficial que fez aos Estados segunda parte, Bashir de fato subiu uma comissão de inquérito para
Unidos. Perguntou-me quando ao poder, no qual se manteve por apurar aquele trágico acontecimento.
eu iria de novo a Israel. Disse que apenas cinco dias: foi assassinado A propósito, o famoso jornalista
viajaria quando ali ocorresse algum aos 35 anos de idade e substituído italiano Arrigo Levi escreveu
evento importante. Respondeu-me por Amin, seu irmão, incompetente no jornal La Stampa, de Turim:
com um tom de seriedade: “Então e cético para incrementar os acordos “É muito difícil apontar outra
logo, logo, você virá”. Era a véspera anteriormente feitos por Bashir. nação que, em tempo de guerra,
da invasão do Líbano que Arik se submeta a uma autocrítica tão
comandaria naquele ano, mas eu No enorme tumulto reinante no severa e tão aberta”. A comissão foi
não tive a menor ideia de que ele Líbano naquelas semanas, presidida pelo juiz Itzhak Kahan, da
estivesse se referindo a uma ação um grupo de falangistas, disposto a Suprema Corte do país. Segundo o
militar. A invasão do Líbano acabou vingar-se dos muçulmanos por primeiro relatório da investigação,
se tornando um dos momentos causa do massacre sofrido anos antes quando as tropas israelenses
mais cruciais e controvertidos de por seus correligionários na cidade tomaram conhecimento do que
sua vida pessoal e de sua trajetória de Zahle, invadiu no dia 16 de havia acontecido, intervieram e
como soldado. Poucos sabem setembro os campos de refugiados obrigaram os falangistas cristãos a se
que muito antes da invasão, Arik de Sabra e Chatila e perpetrou retirarem dos campos de refugiados.
tinha mantido encontros secretos assassinatos contra a sua população. Receberam, inclusive, manifestações
com Bashir Gemayel, líder dos A culpa pelos crimes recaiu sobre de gratidão por parte da população
cristãos falangistas libaneses. Sharon, acusado por não ter evitado muçulmana libanesa.
Essa foi a estratégia que ambos que aquele massacre acontecesse.
desenvolveram: na ação militar, Arik Tratava-se de um argumento A opinião pública e a oposição ao
expulsaria a OLP do Líbano, uma subjetivo que logo contaminou a Likud exigiram que a investigação
permanência que desestabilizava opinião pública mundial e, inclusive, fosse aprofundada. No final, a
o país e confrontava o poder de estendeu-se à de Israel. Era, por comissão atribuiu a Begin e a Sharon
Bashir. Assim, sem a presença de absurdo, como se o próprio Arik “um certo grau de responsabilidade”
Arafat, Bashir assumiria o poder tivesse dado a ordem para o ataque pelo massacre, estendendo o
e o Líbano faria a paz definitiva contra os refugiados. mesmo conceito ao general Raphael

27 abril 2014
PERSONALIDADE

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1. com o então ministro da defesa de israel Shimon Peres, no front israelo-egípcio, em ras sudar. fim da guerra de yom kipur
2. com a mulher lily e dois filhos, na margem ocidental. 3. com Dayan festejando a travessia do canal de suez, 10º dia da
guerra de yom kipur, 1973

Eitan, chefe do Estado-Maior. eu soube do conteúdo da revista, da ordem de US$ 50 milhões e que
Enquanto os demais indiciados o primeiro pensamento que me também lhe custou uma fortuna
permaneceram em suas funções, ocorreu, foi uma referência às com despesas legais. O processo
Sharon anunciou que, para a infâmias contidas no livro apócrifo se alongou por três anos de forma
preservação de sua dignidade, Protocolos dos Sábios de Sion, passional e tumultuada, na corte
renunciaria ao cargo de ministro no qual os judeus são acusados de de Nova York, tendo à frente o juiz
da Defesa. Foi um exemplo, um promoverem rituais de sangue. Abraham Sofaer, por acaso judeu.
legado para os homens públicos de David Halevy, correspondente da
quaisquer países. A tal reportagem seguia o mesmo Time em Israel, foi chamado para
caminho, sujando minhas mãos com testemunhar e acabou confessando
Entretanto, muito mais do que o o sangue de inocentes”. O jornalista que a informação que transmitira à
relatório final da comissão, o que Uri Dan, já falecido, meu querido direção da revista não provinha de
de fato atingiu o brio de Sharon amigo e o mais leal escudeiro de uma fonte confiável.
foi uma reportagem publicada pela Sharon por mais de 40 anos, contou-
revista semanal americana Time me que estava presente na reunião Os jurados do caso concluíram que a
na qual se lia que, durante uma de Sharon com a família enlutada revista era inocente, mas Sofaer, em
reunião com a família Gemayel, de Gemayel. Conforme seu relato, sua sentença, optou por uma solução
Arik tinha incitado os falangistas a jamais houve, no dito encontro, a salomônica, ou seja, uma solução que
promoverem o massacre nos campos mais remota menção a um ato de atingia os dois lados da questão. Por
de refugiados como vingança pelo vingança ou a um incitamento um lado, julgou que Sharon de fato
assassinato de Bashir. Era uma para o massacre dos refugiados. tinha sido difamado; por outro, julgou
difamação sem nenhum fundamento que a revista agira sem intenção de
e da maior gravidade. Anos depois, Sharon decidiu processar a revista malícia. De qualquer maneira, ficou o
ouvi o seguinte de Sharon: “Quando Time, pedindo uma indenização legado de Sharon no sentido de que

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REVISTA MORASHÁ i 83

tal sórdida acusação jamais tornaria


a ser imputada a qualquer judeu em
qualquer parte do mundo.
Outro momento polêmico da
trajetória de Ariel Sharon foi a sua
visita, em setembro de 2000, ao
Monte do Templo, onde se situa
a mesquita de Al-Aksa, no lado
de Jerusalém com predominância
de população árabe. Cercado
por seguranças e hostilizado por
populares, Sharon ali permaneceu
por 45 minutos. Houve um
consenso na mídia internacional
de que aquele passeio de Sharon
configurava um intuito de
provocação e, portanto, teria dado
origem à segunda Intifada, ou seja,
sucessivos atos de violência contra
civis e militares israelenses. Foi uma
conclusão longe da verdade.

A Intifada já vinha sendo preparada


há algum tempo e se solidificou Sharon visita um mirante do exército em Tovlan, no vale do Jordão, janeiro de 2001

quando Arafat manteve, em julho,


uma negociação com Ehud Barak,
então primeiro-ministro de Israel,
mediada por Bill Clinton em Camp Elliot Abrams, especialista em “A esquerda não faria nada; a direita
David. Os radicais palestinos temiam assuntos do Oriente Médio, ele muito menos. Se eu não fizesse,
que Arafat ali fizesse concessões, que comentou: “Acima de tudo, sou um ninguém faria. E se eu fracassar nessa
na verdade não fez, e programaram judeu e sinto que carrego nos meus iniciativa, nunca mais alguém tentará
ações rebeldes que acabaram ombros a responsabilidade pelo coisa alguma”. Arik não fracassou,
eclodindo meses mais tarde. Por seu futuro do povo judeu. Não quero mas enfrentou uma feroz oposição
lado, Arik assim justificou a ida ao que o futuro do povo judeu interna, o que correspondia a uma
Monte do Templo: “Jerusalém é a dependa de ninguém, nem mesmo contradição: em todas as pesquisas
capital de Israel. Nenhum judeu pode dos nossos melhores amigos”. Mais de opinião pública a população
ser impedido de caminhar quando e um momento polêmico e controverso israelense afirmava com larga
como quiser na capital de seu país”. em sua vida: a retirada de Gaza, maioria que era a favor da paz. Pois
Note-se que Sharon sempre usou quando era primeiro-ministro. justamente quando Sharon deu um
muito mais o termo judeu do que a Enquanto tantos outros líderes passo concreto nesse sentido, sofreu
condição de israelense. sempre disseram almejar a paz, ele os mais inflamados ataques e críticas.
passou da retórica para a realidade. Com bom humor, disse a um amigo:
De todos os homens públicos ”Durante toda a minha vida achei
de Israel que tive o privilégio de A retirada unilateral de Israel de que devia proteger os judeus. Agora
conhecer pessoalmente, nenhum Gaza, em 2005, poderia causar- vejo que tenho que me proteger
deles avistou o povo judeu com a lhe enorme dano político no plano deles...”.
abrangência de Sharon. Ele não doméstico, já que a retirada implicava
gostava da palavra diáspora e via em desalojar daquela região centenas Ariel Sharon partiu sem concretizar
e sentia o povo judeu como uma de famílias de israelenses. Sempre o projeto que mais ambicionava.
só nação, uma só entidade. Numa pragmático, Arik analisou a questão Queria que as fronteiras de Israel
conversa com o diplomata americano de Gaza da seguinte forma: estivessem totalmente definidas

29 abril 2014
PERSONALIDADE

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1. com Tony Blair durante conferência em jerusalém, dez. 2004 2.com o então presidente George W. Bush em entrevista
coletiva à imprensa no rancho de bush, Texas, 2005 3. com bill clinton, jerusalém, nov. 2005 4. em visita aos eua
5. com shimon peres, então vice primeiro ministro, knesset 6. filho Gilad Sharon, netos e nora no túmulo de sharon

quando deixasse o posto de com a Cisjordânia. O mínimo que durante o conflito. Eram cerca de
primeiro-ministro. Segundo relato a mídia disse é que se tratava de 400 túmulos rodeados pelas famílias
do mesmo Abrams, quando Sharon uma réplica do muro de Berlim, dos soldados, a maioria jovens
sofreu um leve derrame, no dia um verdadeiro muro da vergonha. entre 18 e 30 anos de idade. Por
18 de dezembro de 2005, recebeu Arik nem ouviu. E o fato é que quanto tempo eu ainda viver, jamais
um telefonema do presidente naquela região o tão contestado muro esquecerei o som daquele Kadish
George W. Bush, ao qual disse: está contribuindo para diminuir o (oração pelos mortos) coletivo,
“Estou me sentindo bem. Vou terrorismo em pelo menos 90%. entoado por centenas de vozes
repousar alguns dias e em seguida Para quem imagina que o legado é soluçantes, enquanto Arik também
volto ao trabalho”. Bush respondeu: um conceito abstrato, fui testemunha chorava.
“Nós precisamos de você com de seu legado concreto.
saúde. Regule melhor suas horas de Na saída do cemitério, centenas de
atividades. Preste atenção na comida, Transcrevo, a seguir, o que escrevi pessoas se atiraram ao seu encontro
você precisa emagrecer”. aqui na revista quando Arik adoeceu para abraçá-lo e cumprimentá-lo.
de vez em janeiro de 2006. Repito Lembro bem de um judeu humilde,
Qual o legado de Ariel Sharon para a essência do texto porque qualquer decerto de procedência oriental,
o povo de Israel e para o povo judeu? acréscimo seria supérfluo. Na terceira aparentando uns sessenta e tantos
Não há um legado, há inúmeros semana de outubro, dias depois do anos, que parou à sua frente e disse:
legados, mas todos forjados na cessar-fogo, fui ao acampamento de “Arik, a guerra levou meus dois
mesma natureza: a sua inabalável e Arik do outro lado do canal de Suez. filhos. Mas, se foi para o bem de
constante defesa do Estado Judeu Dali embarcamos num pequeno Israel, que assim seja. Obrigado pela
desde os primeiros passos na carreira avião monomotor que nos levou até nossa salvação”.
militar e na vida política, sempre perto de sua casa, em Beersheva.
seguro de suas ações e sem temer Em seguida, rumamos para uma
objeções. Um exemplo eloquente: localidade próxima, Beeri, em cujo
a certa altura, decidiu começar a cemitério haveria uma cerimônia em ZEVI Ghivelder,
construir um muro na fronteira homenagem aos militares mortos ESCRITOR E JORNALISTA

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ATUALIDADES

A CRIMeIA e os judeus
POR JAIME SPITZCOVSKY

Pivô de uma das crises internacionais mais relevantes das


últimas décadas, a península da Crimeia, anexada em março
pela Rússia após seis décadas de controle pela Ucrânia,
evoca diversos momentos importantes da história judaica.

A
presença comunitária remonta ao Apesar da derrota, que diversos historiadores classificam
século I (EC), e a região representou abrigo como o início da decadência dos czares que levaria
para judeus que fugiam de pogroms da era à Revolução Bolchevique de 1917, o império russo
czarista, foi palco de projetos agrícolas de manteve a península da Crimeia sob seu domínio.
treinamento para o movimento sionista Na região de clima temperado, a presença judaica,
e serviu como pretexto para um dos momentos mais registrada há quase vinte séculos, passou a aumentar
dramáticos do antissemitismo soviético. O ditador depois de 1791, após a permissão czarista para o
Josef Stalin fabricou a paranoia de que a Crimeia serviria assentamento de judeus.
para a criação de um separatismo judaico, com apoio do
arqui-inimigo EUA. Os pogroms de 1881e 1882 em outras áreas do
império russo impulsionaram a chegada de judeus à
A Crimeia se notabilizou ao longo da história por Crimeia, atraídos também pela perspectiva da região
representar uma área estratégica. Trata-se de saída para se transformar num polo para produção e exportação
o importante mar Negro, cujas águas banham o litoral agrícola. A discriminação também era menos intensa
de dois gigantes, russos e turcos. Czares e sultões do que em áreas do império russo, como Ucrânia ou
travaram guerras para garantir também um território Bielorrússia, cenário histórico de shttels, a aldeia judaica
com solo cultivável. Em 1783, Catarina, a Grande, típica da Europa Oriental. A vida comunitária na
impôs o controle russo sobre a região, ao derrotar os península se intensifica a partir do final do século 19,
rivais otomanos. com a organização de vida religiosa e cultural. Em 1897,
contabilizavam-se lá mais de 28 mil judeus, cerca de 5%
Sete décadas mais tarde, eclodiu a Guerra da Crimeia, da população.
responsável por envolver o sul da Rússia e se estender
até os Bálcãs. Naquele conflito, o império russo tentou Nessa época, florescia o movimento sionista, que
ampliar sua hegemonia avançando sobre o decadente encontrou na Crimeia uma comunidade interessada
poder otomano, mas teve de enfrentar reação responsável em participar ativamente do sonho da reconstrução do
por unir britânicos, franceses, e italianos. O czar Estado judeu. Um dos personagens mais importantes da
Nicolau I testemunhou o fracasso da empreitada militar, história do sionismo, Joseph Trumpeldor, buscou aquelas
que se celebrizou como uma das primeiras “guerras terras às margens do Mar Negro para treinar jovens
modernas”, com uso intenso de estradas de ferro e interessados em aprender técnicas agrícolas que seriam
telégrafos. fundamentais para a criação das comunidades judaicas

31 abril 2014
ATUALIDADES

na Terra de Israel, então dominada remanescentes do czarismo não habitantes da região desde a invasão
pelo império otomano. Trumpeldor, significou estabilidade nos domínios mongol no início da Idade Média,
nascido na Rússia, morreu em 1920, bolcheviques, e muitos judeus do além de ucranianos e descendentes
na batalha pela defesa de Tel Hai, interior da Ucrânia buscaram refúgio de alemães, ensaiavam movimentos
comunidade pioneira localizada na na península meridional, à espera da nacionalistas e contrários ao poder
Galileia.Chamada muitas vezes de consolidação do regime comunista soviético. O poderoso Politburo,
“parte da Nova Rússia”, por ter sido ou na rota da aliá, aguardando a órgão máximo de decisões do Partido
conquistada pelo império apenas oportunidade de emigrar para a Comunista da URSS, aprovou, em
no final do século 18, a Crimeia Terra de Israel. Entre 1922 e 1929, a 1923, a criação da Região Autônoma
não escapou das turbulências e da parte norte da Crimeia abrigou três Judaica da Crimeia. Meses depois, a
violência que castigaram a região comunas judaicas. cúpula bolchevique reviu a decisão e,
durante a guerra civil ocorrida após para a “questão judaica”, optou por
a revolução bolchevique de 1917. A década de 1920 reservou desenhar uma região na longínqua
Comunistas liderados por Vladimir momentos fundamentais para a Birobidjan, próxima à Sibéria e à
Lênin enfrentaram a resistência do história judaica na península. O fronteira com a China.
antigo regime czarista, e a península norte-americano, agrônomo, Joseph
do Mar Negro testemunhou algumas Rosen, de origem judaica, propôs ao A Crimeia, no entanto, não saiu
das batalhas mais sangrentas. Houve governo soviético que reassentasse do mapa do Joint. A organização
também significativo êxodo de judeus atingidos por pogroms em angariou recursos junto a filantropos
população civil. Após ter chegado áreas da Ucrânia, no solo fértil e judeus, como Julius Rosenwald,
ao ápice demográfico, com 60 mil no clima mais ameno da Crimeia. empresário famoso por sua
integrantes, a comunidade judaica O Joint, organização judaica de participação na história da Sears,
viu seu tamanho se reduzir à metade, assistência humanitária, financiaria a Roebuck & Co., para viabilizar
quando do conflito final entre empreitada. fazendas coletivas judaicas em solo
vermelhos e brancos, em 1921. soviético. O censo oficial de 1939
O Kremlin aprovou a ideia. indicou mais de 65 mil judeus
O fim do enfrentamento representou Imaginava ganhar assim reforço em vivendo na península (quase 6% da
um novo impulso para a presença bolsões de resistência anticomunista população), dos quais 20 mil em
judaica na Crimeia. A derrota dos na Crimeia, onde os tártaros, colônias agrícolas.

Os nomes das iniciativas revelavam


a riqueza linguística e diferentes
influências ideológicas que
conseguiram conviver em meio
à agitação dos anos 1930. Havia
Pobeda (vitória, em russo), Fraylebn
(vida livre, em iídiche), e Yidendorf
(vilarejo judaico, em iídiche), rótulos
mais inspiradores para os judeus
comunistas do que os nomes Achdut
(unidade, em hebraico) e Herut
(liberdade, em hebraico), certamente
mais apreciados por aqueles que
sonhavam em fazer aliá.

Professor da Universidade de
Michigan, Jeffrey Veidlinger,
lembrou, em texto recente publicado
no site Tablet Magazine, que uma
das canções em iídiche mais famosas
Os líderes aliados: Winston Churchill (Inglaterra), Franklin Roosevelt (EUA)
e Joseph Stalin (URSS). Yalta, Crimeia, 1945 do período soviético começa com

32
REVISTA MORASHÁ i 83

Agricultores de uma comuna judaica na Crimeia celebram a pedra fundamental de uma nova escola. 1927

o verso “A caminho de Sebastopol, francês. Interessados na agricultura manteve restrições a seu retorno à
não muito longe de Simferopol”, da Ucrânia e no petróleo do Cáucaso, península. Tais limites duraram até
referências a duas das mais fundamentais para a estratégia bélica os últimos dias da União Soviética,
importantes cidades da Crimeia. de Berlim, os hitleristas rasgaram que se desintegrou em 1991.
A música celebra uma fazenda o pacto e mergulharam no solo do
coletiva judaica na localidade de império fundado por Lênin. No período stalinista, a Crimeia
Dzhankoy e fala das “conquistas também esteve presente numa
da sovietização”, além de destacar A aproximação da barbárie tragédia para o povo judeu. O
a transformação de judeus nazista levou judeus a buscarem capítulo começa quando o líder
comerciantes em agricultores. A refúgio em paragens no leste da Salomon Mikhoels, do Comitê
propaganda do Kremlin buscava URSS, chegando, por exemplo, Judaico Antifascista, se reuniu com
alicerçar as bases de um regime ao Cazaquistão e ao Uzbequistão, o chanceler soviético, Vyacheslav
imposto pelo stalinismo. na Ásia Central. Reorganizaram Molotov, para resgatar a ideia de
lá suas fazendas coletivas. Muitos criar uma região de autonomia
De Moscou, o ditador Josef Stalin retornaram ao front, para combater judaica na Crimeia do pós-guerra.
preferia a opção de Birobidjan para a no Exército vermelho. Em 1944, Mikhoels havia retornado de uma
“questão judaica”. Mas, na Crimeia, os nazistas foram derrotados na viagem aos Estados Unidos, onde,
os judeus comunistas não desistiam península da Crimeia, depois do a mando de Stalin, esforçou-se para
de trazer para a península a proposta massacre de cerca de 40 mil judeus arrecadar fundos para o esforço de
de uma região em que ganhassem na península. guerra do Kremlin.
autonomia, ainda que debaixo do
guarda-chuva vermelho. A vitória sobre o nazismo significou Expoente do teatro iídiche, Mikhoels
o início de uma nova etapa de foi ao encontro com Molotov
Em 1941, para surpresa de Stalin, atrocidades na região. O regime acompanhado do poeta Yitzik
os nazistas invadiram a URSS, stalinista deportou 180 mil tártaros Fefer, integrante do Comitê Judaico
rompendo um pacto de não-agressão da Crimeia para a Ásia Central, Antifascista. Os dois saíram da
que havia sido assinado dois anos acusados de colaborar com o invasor reunião convencidos do apoio de
antes. Adolf Hitler desejava manter a hitlerista. Na punição coletiva, Molotov à ideia, que tinha respaldo
frente oriental em silêncio, enquanto calcula-se que quase 50% das vítimas do Joint. Em seguida, enviaram a
avançava sobre o oeste da Europa. O morreram de fome e de doenças proposta por escrito a Josef Stalin.
ditador soviético avaliou que poderia durante o deslocamento. Apenas em
dividir com seu inimigo ideológico 1967, o Partido Comunista da URSS Cometeram um equívoco trágico.
o espólio dos impérios britânico e reabilitou a população punida, mas O ditador soviético nutria a paranoia

33 abril 2014
ATUALIDADES

Manifestações na Crimeia, 2014

de que poderiam ser espiões os soviéticos que Os acusados foram então libertados. No ano
haviam entrado em contato com o inimigo. seguinte, Nikita Khruschev, successor de
Mikhoels se encaixava na categoria, devido Stalin, transferiu o controle da Crimeia da
à viagem aos EUA. Além disso, o popular Rússia para a Ucrânia. À época, pareceu uma
ator e diretor havia ousado desenhar uma mudança cosmética, já que o fim da União
proposta para a “questão judaica” com o apoio Soviética não despontava no horizonte.
da comunidade judaica norte-americana. Ao contrário. O regime comunista parecia
Stalin, logo após a Segunda Guerra Mundial, reforçar seu controle sobre os solos russo e
manifestou a crença de que um conflito armado ucraniano, vindo, a mão-de-ferro, de Moscou.
com os Estados Unidos seria inevitável e num
futuro próximo. E, na visão stalinista, “os judeus Porém, em 1991, a URSS se desintegrou,
conspirariam a favor do inimigo”. e o império criado por Lênin deu lugar a
15 países independentes, entre eles a Rússia,
Uma onda de antissemitismo varreu a o maior de todos, e a Ucrânia. E, em março
URSS. Salomon Mikhoels foi assassinado em de 2014, o presidente Vladimir Putin, após a
12 de janeiro de 1948. Seu corpo foi colocado Ucrânia iniciar o afastamento da órbita
sob um carro, para simular atropelamento. de influência de Moscou, reanexou a península
A sanha stalinista prendeu o poeta Fefer. da Crimeia, sob o argumento de que 60%
Foi executado em 1952, na prisão de Lubyanka, dos habitantes são russos e que “corrigia o erro
sede da NKVD, a antecessora da KGB. histórico de Khruschev”. Atualmente,
vivem na península cerca de 17 mil judeus.
Naquele 12 de agosto, que entrou para a E que assistem, preocupados, às turbulências
história como a Noite dos Poetas Assassinados, da região e às ameaças antissemitas.
foram também mortos mais doze intelectuais
judeus, como Dovid Hofshteyn, Benjamin Recentemente, antes da anexação russa, a
Zuskin, Peretz Markish e Leyb Kvitko. sinagoga de Simferopol amanheceu pichada,
A perseguição seguiu com outra fabricação do com a inscrição “Morte aos judeus”. Putin
JAIME SPTIZCOVSKY, stalinismo: o Complô dos Médicos. afirmou que vai combater o antissemitismo
foi editor O Kremlin acusou diversos médicos, em sua e outras formas de intolerância na Crimeia.
internacional e
correspondente maioria judeus, de tentar envenenar lideranças Importantíssimo acompanhar, com atenção,
da Folha de S.
Paulo em Moscou
soviéticas. Stalin morreu em 5 de março de uma região com um histórico longo de guerras,
e em Pequim. 1953, antes do final do julgamento-farsa. tragédias e mortes.

34
PERSONALIDADE

STANLEY FISCHER: O PROFESSOR


DOS PROFESSORES
Aos 70 anos, é considerado um dos mais importantes
presidentes de Bancos Centrais ainda atuantes no
sistema financeiro mundial. Seu currículo é extraordinário,
com uma longa lista de realizações acadêmicas e
profissionais. Economista brilhante, é um dos pais da
Nova Economia Keynesiana1.

A
favor da abertura de mercados, Fischer possui alunos. Entre outras importantes instituições de ensino,
ampla experiência em lidar com economias foi professor e diretor do Departamento de Economia
em crise. Seu grande conhecimento de do MIT (Massachusetts Institute of Technology,
Economia e sua inteligência rara lhe Instituto de Tecnologia de Massachusetts), em Boston.
permitem destrinchar os assuntos mais
complexos. No seio da comunidade financeira mundial Detentor de dupla cidadania, americana e israelense, em
é respeitado tanto por seu trabalho acadêmico quanto janeiro deste ano de 2014 foi nomeado, pelo presidente
por sua atuação na área de políticas econômicas. Como Barack Obama, vice-presidente do Federal Reserve dos
um dos principais economistas do Fundo Monetário Estados Unidos. Sua indicação deve ser confirmada
Internacional (FMI), ajudou a conduzir a economia pelo Senado. Segundo o presidente dos EUA, ele é
global ao longo da crise financeira mundial de 1997- “uma das mentes principais e mais experientes em
1998, que atingiu a Ásia, América Latina e Rússia. política econômica, no mundo”. Se confirmado no cargo,
Posteriormente teve um alto cargo no Citigroup e, de Fischer substituirá Janet Yellen, atual presidente do Banco
2005 a 2013 foi presidente do Banco de Israel, sendo Central dos EUA. Trabalharão juntos para garantir a
considerado, no país, uma espécie de super-herói. recuperação e o crescimento da economia americana.

Calmo, cordial e objetivo, Fischer é cuidadoso e Sionista confesso, tem uma profunda ligação com o
analítico em situações de crise, mas, sempre que lhe Estado Judeu. Quando foi chamado a ajudar o país,
pareceu necessário, demonstrou a coragem de tomar fez aliá com a esposa Rhoda, com quem teve três filhos,
decisões controversas e arriscadas. Apesar de seus e dedicou anos de sua vida a Israel.
extraordinários dons intelectuais, quem o conhece afirma
que não é pretensioso, mas homem humilde, dono Sua vida
de uma capacidade singular de ouvir aqueles que não
concordam com ele. Descendente de uma família lituana, Stanley Fischer
nasceu em Zâmbia, em 1943. Passou sua infância em
Ensinou durante muitos anos nas mais renomadas Mazabuka, uma cidade no nordeste da Rodésia – atual
universidades e é respeitado e amado pelos seus ex- Zâmbia, onde sua família gerenciava uma loja de

35 abril 2014
PERSONALIDADE

Binyamin Netanyahu (D) com o governador do Banco de Israel, Stanley Fischer

produtos diversos. Era difícil a vida Formação acadêmica


na África Central. A casa na qual
cresceu, que ficava atrás da loja de Fischer estudou na London School of Economics de 1962-
seus pais, não tinha água corrente e 1966, obtendo o bacharelado e o mestrado em Economia.
a energia elétrica era pouca. Quando Em seguida, estudou em Boston, no MIT, então na
ele tinha 13 anos, os Fischer se vanguarda do desenvolvimento de uma abordagem
mudaram para o sudeste da Rodésia, rigorosamente matemática da Macroeconomia. Obteve
atual Zimbábue. seu doutorado em 1969 e, no ano seguinte, começou a
trabalhar como assistente do professor de Economia na
Fischer tornou-se membro ativo do Universidade de Chicago.
movimento sionista juvenil Habonim
e visitou Israel pela primeira vez em Interessante notar que, em sua carreira, Stanley Fischer
1960, num programa de liderança transitou em ambos os lados das duas principais
juvenil. Estudou hebraico no Kibutz vertentes no campo da teoria econômica – ensinou na
1
A nova economia Magaan Michael. Para Fischer e Universidade de Chicago, conhecida por sua defesa dos
keynesiana é Rhoda Keet, então sua namorada e livres mercados e laissez-faire econômico, e no MIT, onde
uma corrente com quem viria a se casar, a viagem os acadêmicos defendiam a teoria econômica keynesiana
de pensamento
econômico nascida marcou o início de um profundo e a da intervenção do Estado na economia.
nos anos 1980. comprometimento com Israel.
Fischer retornou, em 1973, para o MIT como professor
2
Maynard Keynes Fischer foi introduzido nas teorias associado do Departamento de Economia. Em 1976,
(1883-1946), de John Maynard Keynes2 durante naturaliza-se americano. No ano seguinte, tornou-se
economista um curso de Economia no ensino professor de Economia. Foi professor visitante na Hoover
britânico de grande
influência apoiava
médio. Decidiu estudar essa ciência. Institution, em Stanford, e na Universidade Hebraica
a intervenção Segundo ele, foi “fisgado” ao tomar de Jerusalém. Durante duas décadas foi membro do
do governo na conhecimento de que, durante a Conselho de Governadores da Universidade Hebraica.
economia e o Grande Depressão de 1929, “o
aumento do
consumo público mundo como o conhecíamos quase Considerado o professor dos professores, ao longo de
para evitar o desmoronou” e que foi salvo pelas sua carreira acadêmica ele moldou algumas das mais
desemprego. ideias de Keynes. brilhantes mentes do universo econômico. Muitos de

36
REVISTA MORASHÁ I 83

seus alunos se transformaram em A inflação despencou de 450% 2001. Seu mandato chegara ao fim
economistas proeminentes, chegando, para 20% no decorrer de um ano. sem que se tivesse concretizado sua
alguns, a presidentes de vários bancos Segundo Peres, atual presidente de aspiração de presidir a instituição.
centrais. Entre seus alunos estão o ex- Israel, “Ninguém poderia ter-nos
presidente do FED norte-americano, orientado melhor”. No ano seguinte, aceitou a vice-
Ben Bernanke, o presidente do Banco presidência do Citigroup, sua
Central Europeu, Mario Draghi, o De 1988 a 1990 foi economista- primeira atuação no setor privado.
ex-presidente do Conselho Nacional chefe do Banco Mundial. Lá teve a Deixou a instituição em 2005 e,
de Economia na gestão de Barack chance de trabalhar e lidar com um em maio daquele ano, tornou-se
Obama, Lawrence Summers, e Greg leque maior de políticas econômicas. presidente do Banco de Israel,
Mankiw, assessor econômico do ex- Durante sua permanência à frente instituição semelhante ao Banco
presidente George W. Bush, entre do Banco Mundial, concentrou-se Central brasileiro. Ficou no cargo até
muitos outros. Bernanke sempre na importância da criação de um 30 de junho de 2013.
considerou Fischer, orientador de ambiente macroeconômico estável
sua tese no MIT, um dos professores e instituições financeiras sólidas Stanley Fisher em Israel
mais influentes que teve. como elementos-chave para atingir
objetivos de longo prazo, como Desde a sua primeira visita ao
Ao longo de sua carreira Fischer crescimento e desenvolvimento país, em 1960, ele sempre teve
publicou várias obras; entre elas: econômico. Por ter crescido numa uma profunda conexão com
Macroeconomics, em parceria com região pobre do mundo, sempre se Israel, costumando visitar o país
Rudi Dornbusch, e Lectures in interessou pelo desenvolvimento anualmente. Ele diz gostar das
Macroeconomics, com Olivier econômico dos países. celebrações pelo Yom Haatzmaut,
Blanchard. Frequentemente usados pois o que mais o toca é “o fato deste
como livros-texto em universidades Ao deixar o Banco Mundial, país existir!”.
americanas, as duas obras tiveram um Fischer retornou ao MIT e à vida
papel-chave na mudança do estudo acadêmica e, em 1993, tornou- Durante um ano lecionou na
da Macroeconomia. se diretor do Departamento de Universidade Hebraica de Jerusalém.
Economia da instituição. Deixou o No final da década de 1970 foi
Formulador de cargo no ano seguinte, quando se consultor do Banco de Israel e,
políticas econômicas tornou Vice Presidente do FMI, como vimos acima, em 1985, um dos
o segundo cargo em importância arquitetos do plano de estabilização
Fischer começou a se envolver na na instituição. Ao longo dos sete da economia do país. Ao longo
política econômica em 1985. O anos seguintes, teve que lidar com dos anos continuou prestando
então secretário de Estado dos EUA, as crises econômicas enfrentadas, consultoria a autoridades israelenses,
George Shultz, o convidara para entre outros, pelo México, Rússia, à distância. No final de 2005 recebeu
ajudar o governo israelense a lidar Argentina e Turquia, além de vários a surpreendente oferta para assumir
com uma inflação de três dígitos, países da Ásia. No Brasil, teve uma o cargo de presidente do Banco de
reservas cambiais que minguavam atuação muito próxima ao então Israel. Houve quem estranhasse
e um lento crescimento econômico. ministro da Fazenda, Pedro Malan a oferta, pois Fischer não era
Juntamente com seu colega Herbert e a equipe e ministério do governo israelense, mas apenas judeu.
Stein, Fischer conclui que os de Fernando Henrique Cardoso,
problemas econômicos israelenses com grande influencia nas decisões A decisão de mudar para Israel
eram o resultado de gastos excessivos sobre a politica econômica no não foi fácil, disse certa vez em
do governo. Sugeriu cortes drásticos país. Também esteve envolvido no uma entrevista a uma emissora do
nas despesas governamentais, aconselhamento às “economias em país. Seus três filhos e vários netos
ressaltando que tal redução também transição” – ou seja, as economias viviam nos EUA. Mas resolveu
diminuiria a dependência do país dos países do antigo bloco soviético aceitar o convite e, em 2005, ele
de ajuda externa. Shimon Peres, – no tocante ao ritmo e tipo de e a esposa fizeram aliá. Antes de
então Primeiro Ministro, seguiu as reformas que deveriam implementar emigrar para Israel, estudou hebraico,
diretrizes de Fischer e a economia para a transição do comunismo ao pois queria a certeza de possuir a
israelense melhorou drasticamente. capitalismo. Deixou o FMI em fluência necessária para não ter que

37 abril 2014
PERSONALIDADE

Sua gestão à frente do Banco


não esteve livre de controvérsias.
A principal queixa era a de que,
para ajudar os exportadores
israelenses, ele manteve o valor do
shekel relativamente baixo, reduzindo
as taxas de juros e comprando
tantos dólares que as reservas de
Israel chegaram à colossal soma de
US$ 70 bilhões. Os investidores
só conseguiam obter um retorno
significativo nas aplicações em
imóveis. Consequentemente, o preço
dos imóveis disparou, tornando-
os inacessíveis para a maioria da
população israelense, principalmente
os jovens.

Fischer anunciou que se afastaria


da função em 30 de junho de 2013,
Presidente Peres recebe relatório de 2012 do governador do Banco de Israel
dois anos antes do término de
sua segunda gestão de cinco anos.
utilizar o inglês para se expressar. Ele adotou uma série de medidas Na ocasião o jornal Haaretz disse
Em Israel, tanto no exercício de sua para estimular a economia que marcava a partida de um “super-
função como em conversas privadas interna, em que se incluíam o herói” que servira admiravelmente
e entrevistas à imprensa, usou enfraquecimento do shekel para não apenas como Presidente do
exclusivamente o hebraico. manter a competitividade das Banco Central, mas também,
exportações. Enquanto outros países por vezes, como o “ministro não
A situação econômica que Fischer ainda lutavam contra recessões oficial do exterior da Economia de
encontrou no país, em 2005, era profundas, Fischer elevou as taxas Israel. Era Fischer que acalmava
bem melhor do que a vigente em de juros em Israel em 2009, os investidores estrangeiros,
1985. A inflação era baixa e o país se sinalizando ao mercado que o país assegurando-lhes que a economia
recuperava de uma recessão. Quando, já superara a crise. Sua atuação estava em boas mãos”.
em outubro de 2008, estourou a foi fundamental para que Israel
crise mundial, Fischer cortou a taxa fosse aceito pela Organização para Dirigentes de bancos centrais,
israelense de juros um dia antes de Cooperação e Desenvolvimento devido à natureza de seu trabalho,
uma política similar ser adotada Econômico (OCDE). Ainda em em geral não são populares.
pelo FED, pelo Banco da Inglaterra 2010, a Lei do Banco de Israel foi Esse não é o caso de Fischer.
e pelo Banco Central Europeu. aprovada pelo Knesset. Nenhum dos que o antecederam no
Fischer se sobressaiu como dirigente cargo gozou do reconhecimento e
máximo do Banco Central de Israel. Para Fischer, esta foi uma de suas total confiança que ele teve, nem do
São dele os créditos por ter salvado principais realizações, pois essa lei governo nem do público. Ele conta
a economia do país durante a crise aumentou a autonomia do Banco em que quando corria na praia,
financeira global, pois a economia determinar a política monetária ao em Israel, as pessoas o paravam
israelense praticamente se manteve passo em que diminuiu os poderes de para lhe dar conselhos de como
estável durante o difícil período. seu presidente, criando um Comitê se desincumbir à frente do Banco
Fischer guiou a economia do país Monetário com sete membros. de Israel. Após renunciar, disse
através da crise, com pouco dano, estar comovido pelo carinho dos
enquanto os Estados Unidos e Naquele ano, ele foi eleito pela israelenses, que, ao reconhecê-lo,
Europa se digladiavam na esteira dos revista Euromoney o “Presidente costumavam agradecer-lhe pelos
problemas. de Banco Central” do ano. serviços prestados ao país.

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REVISTA MORASHÁ I 83

1 2

3 4

1. chanceler Angela Merkel, da alemanha, com Stanley Fischer, fev. 2011, 2. com o presidente do fed Ben Bernanke,
3. com a esposa, rhoda fischer, jan. 2005 4. com Christine Lagarde, diretora-gerente do fmi, abr. 2011

Ao término de sua gestão em Israel, em relação à paz, mas, com a paz, a outras causas, a qualidade de
ele se mudou para Nova York. em vez de ter um crescimento de vida poderia melhorar de forma
Ao partir, revelou que sentiria falta 4% a.a., o país poderia crescer a significativa.
do povo de Israel. taxas de 5% - 6%. E em uma ou
duas décadas, Israel seria uma A serviço do povo
Sobre a paz das economias mais avançadas do judeu
mundo”. Explica Fischer que
Para Fischer, os principais desafios Israel paga, de juros, cerca de duas Fischer é a prova de que um
econômicos de Israel são acelerar o vezes a média do que pagam os judeu pode chegar ao topo da sua
crescimento e diminuir a pobreza. países da OCDE, devido aos carreira e ser um sionista fervoroso,
Enquanto esteve à frente do Banco, prêmios de risco. Mesmo com um sem perder o respeito e a admiração
abordava a questão da paz com os nível razoável de dívida, é um dos de seus colegas. Com seu exemplo,
palestinos e outros países árabes países que paga o mais alto prêmio mostrou que um judeu pode servir
através de uma visão econômica. de risco, no mundo, sobre seus o Estado de Israel e seu povo,
Como economista, ele acredita que títulos de dívida, em virtude da mesmo tendo crescido e sido educado
Israel poderia beneficiar-se muito instabilidade geopolítica. fora de Israel. Quando foi chamado
com a paz; que o país poderia ser um A diferença equivale a um terço do para servir o Estado, Fischer utilizou
dos líderes da economia mundial se orçamento da Defesa. toda sua experiência e anos de
a paz fosse de fato estabelecida no estudo e se dedicou, por oito anos,
Oriente Médio. Apesar de que o percentual do ao Estado de Israel. Abrindo mão
PIB gasto com a Defesa ser o de muito e, com total senso
Em 2007 chegou a afirmar: mais baixo em 50 anos, caindo de de dever, dedicou-se ao seu povo.
“Com seu dinamismo e criatividade, quase 30%, no início da década de Seu exemplo pode encorajar
a economia israelense poderia 1970, a apenas 6% - mesmo assim, outros judeus, com carreiras bem-
crescer muito mais rapidamente é o maior entrave no orçamento, sucedidas e posições de destaque,
se conseguíssemos firmar a paz ano após ano. Ele acrescenta que a irem a Israel, por alguns anos, e
com nossos vizinhos. É claro que se Israel pudesse direcionar alguns enriquecerem o país com seu talento
podemos crescer mesmo sem avançar pontos percentuais de seu PIB e suas realizações.

39 abril 2014
PERSONALIDADE

arik: UM GUERREIRO DE ISRAEL


Em 11 de janeiro deste ano Israel perdeu um de seus grandes
líderes. Figura lendária e controvertida, Ariel Sharon
personifica, para muitos, o destino de Israel. Mesmo seus
adversários o comparam aos heróis bíblicos. De militar
a político, foi um defensor corajoso e intransigente da
segurança de Israel. A história de sua vida está intimamente
ligada à existência do Estado Judeu.

a
rik, como é chamado no país, é o arquétipo Israel era o que mais almejava. É essa parte da vida de
do ideal sionista, do sabra, do agricultor- Sharon que pretendemos esboçar nessa matéria.
guerreiro, profundamente ligado à Terra O destemido “rebelde” do Tzahal, Forças de Defesa de
de Israel. Lutou em todas as suas guerras Israel (FDI), considerado um dos maiores estrategistas
sempre na frente da batalha. E, após entrar militares do mundo, obteve vitórias espetaculares e sofreu
na política, defendeu seu povo e sua Terra com igual derrotas, mas nunca seu espírito guerreiro se deixou
coragem e determinação. Tendo ocupado praticamente abater, jamais deixando de crer que Israel sairia vitorioso.
todos os altos postos do governo, inclusive o de primeiro-
ministro, em janeiro de 2006 sofreu um grave derrame do Sua juventude
qual nunca se recuperaria.
Arik nasceu Ariel Scheinerman, em 26 de fevereiro de
Muitas vezes descrito como um “falcão” de linha-dura, 1928, no Moshav Kfar Malal, a 25 km de Tel Aviv. Seus
suas ações e decisões, tanto militares quanto políticas, pais – Samuel e Vera Scheinerman – haviam fugido da
sempre foram guiadas por um único parâmetro – a Rússia e desembarcado no porto de Tel Aviv em 1922.
segurança e sobrevivência de seu povo. Acreditava O sionismo e o amor a Eretz Israel corriam nas veias de
que o Povo Judeu, “tantas vezes vítima de injustiça Samuel, líder do Partido Poalei Zion e agrônomo recém-
e perseguições, deve ter um Estado em que pode ser formado. Após a Revolução Russa de 1917, Samuel sabia
independente e livre, sem medo de ninguém e igual a que seria preso por suas atividades sionistas. Vera, mulher
todos os outros”. de uma imensa força interna, abandonou tudo para se
casar e embarcar com ele para a então Palestina. Algum
Mas é a imagem do guerreiro, do comandante destemido, tempo após sua chegada, o casal filia-se ao Moshav que
do herói de guerra, que permanece na memória de passaria a se chamar Kfar Malal. Lá nascem seus dois
toda uma geração de judeus que viu Israel lutar por sua filhos, Dita e Ariel. Os primeiros tempos foram difíceis,
sobrevivência. Para o próprio Sharon, como revela o mas o casal era persistente e dotado de uma vontade de
título de sua autobiografia, Warrior1, ser um guerreiro de ferro, duas qualidades que Arik vai incorporar.

45 abril 2014
PERSONALIDADE

ariel sharon

O futuro general cresce solitário, pois havia 1941, cresce na então Palestina a ansiedade
uma constante tensão entre seus pais e outros por uma possível invasão nazista e os conflitos
membros de Kfar Malal. Sendo todos eles entre árabes e judeus também se tornam ainda
sionistas trabalhistas que haviam ido a Eretz mais violentos. Com apenas 13 anos, Sharon já
Israel para estabelecer uma sociedade socialista monta guarda no Moshav com um cassetete e
em seu Lar Nacional, não viam com bons um punhal, presente do pai no seu bar-mitzvá.
olhos o individualismo de Samuel e Vera. Durante as noites de guarda solitária aprende a
tomar decisões.
1
As citações Em Kfar Malal a tensão era constante; os
utilizada nessa árabes haviam praticamente destruído o Sharon começou sua carreira militar no
matéria foram Moshav em 1921 e os judeus viviam sob Gadná2. E, aos14 anos, se une à Haganá, que,
tiradas de Warrior:
an autobiography. A a ameaça de um ataque. Mas, como relata prevendo a luta que os judeus teriam que
obra, de autoria do Sharon, mesmo em 1936 quando começou enfrentar, intensifica os treinamentos. Arik
próprio Sharon e a chamada Revolta Árabe, “Nunca percebi torna-se instrutor, insiste em treinar os jovens
David Chanoff, foi medo neles. Ninguém tinha uma dúvida sequer a seu modo, autorizando ações que outros
publicada em 1989.
sobre seu direito àquela Terra. (...). Ninguém não permitiam, como, por exemplo, enviá-
2
Gadná - programa ia forçá-los a abandoná-la”. Arik cresce los em operações noturnas para patrulharem
militar israelen- apreciando música e literatura russa, mas é um vizinhanças hostis. É nessa época que ele muda
se que prepara
os jovens para o
aluno medíocre; prefere trabalhar com o pai e de sobrenome, adotando “Sharon”, o nome da
serviço militar nas sonha em um dia ser fazendeiro. Mas os pais planície ao norte de Tel Aviv.
FDI. Este serviço querem que ele tenha uma boa educação e o
foi criado antes da enviam para o Liceu Geula, em Tel Aviv. Ele tinha 17 anos quando termina a
fundação do Estado
e passou a ser sus-
2ª Guerra Mundial. Apaixonado por uma
tentado por lei em Na época, os olhos do Ishuv estavam voltados judia romena, Margalit Zimmerman, “Gali”,
1949. para a Europa e para a Alemanha nazista. Em estava ansioso para começar uma vida a dois;

46
REVISTA MORASHÁ I 83

mas teria que esperar. Enquanto depressão no terreno lhes deu certa
nas esferas políticas, os sionistas proteção contra o fogo jordaniano,
se mobilizam para estabelecer um mas a situação era crítica. “Todas
Estado Judaico na então Palestina, os as nossas forças tinham batido em
acontecimentos no Oriente Médio retirada. Eu temia que os habitantes
sinalizavam que, para estabelecer das aldeias árabes viessem matar os Sharon começou sua
seu Lar Nacional, os judeus do Ishuv feridos, como era seu costume”.
teriam que enfrentar os exércitos de carreira militar no
seis países árabes. Arik vê seu pelotão sendo dizimado Gadná. E, aos 14 anos,
e ele é gravemente ferido no ventre, se une à Haganá que,
Guerra da mas consegue arrastar-se, com a
Independência ajuda de dois companheiros, até as prevendo a luta que
linhas israelenses. É imediatamente os judeus teriam que
Israel nasceu à meia-noite do dia levado para o hospital. Recuperado
enfrentar, intensifica
15 de maio de 1948. Horas depois, em alguns meses, volta à linha de
foi atacado pelos exércitos do Egito, frente. Em julho de 1949 é assinado os treinamentos.
Arábia Saudita, Síria, Líbano, Iraque um armistício entre Israel e seus
e Jordânia. inimigos.

Quando a Guerra de Independência Os erros cometidos em Latrun e


eclodiu, Sharon, então com apenas a morte de seus homens deixam
19 anos, comandava um pelotão de profundas marcas no futuro general:
50 homens da Brigada Alexandroni, “Se ao menos, não tivéssemos sido
das recém-criadas FDI. Destemido e abandonados... Se houvesse alguém
ousado, seus superiores sabiam que, lá para tomar a decisão”...
apesar de jovem, possuía a presença
física e as qualidades necessárias para Muitas de suas atitudes futuras iriam
liderar homens em combate. ser moldadas pelas lições apreendidas
em Latrun, principalmente a
Arik participa de inúmeros embates, necessidade de sempre haver um
mas o mais difícil e que lhe deixaria oficial comandante no teatro de
marcas profundas seria a batalha operações, capaz de tomar decisões
por Latrun. Essa colina estratégica de acordo com o desenrolar da
controlava a estrada de Tel Aviv situação. E a obrigação de que
a Jerusalém e estava em mãos da nenhum soldado de Israel, ferido ou
Legião Árabe Jordaniana. Sitiados aprisionado, seja deixado para trás.
pelos jordanianos, os judeus na “Todo soldado deve saber que seus
Cidade Velha de Jerusalém estavam companheiros farão o humanamente
sem água e alimentos. Para que possível para resgatá-lo.”
um comboio de suprimentos
conseguisse chegar até eles, a estrada Na primavera de 1953, Sharon deixa
precisava estar em mãos das FDI. o serviço ativo nas FDI e se casa
Repetidamente atacado por Israel, com Gali. O casal se muda para
Latrun tornou-se o campo de Jerusalém e Sharon passa a estudar
batalha mais sangrento da Guerra de na Universidade Hebraica. Escolhe
Independência. História do Oriente Médio. Pela
primeira vez na vida sentiu-se feliz,
O pelotão de Sharon participou no deleitando-se com a experiência de
primeiro ataque, em 26 de maio. ser apenas um jovem universitário.
Tudo deu errado. Seus homens foram Mas, no verão de 1953, o dever o
apanhados em campo aberto. Uma chama. na haganá

47 abril 2014
PERSONALIDADE

Unidade 101
O terrorismo já se havia tornado
um instrumento da política árabe,
e fedayin vindos de Gaza e das
áreas controladas pela Jordânia
infiltravam-se pelas fronteiras de
Israel, para atacar. Em 1951, 137
israelenses foram assassinados;
em 1952, 162; e, em 1953, foram
registrados mais de 3 mil ataques
terroristas e 160 mortes. O Alto
Comando das FDI decidiu então
criar uma unidade especial antiterror
– a 101, a primeira unidade de elite
para operações especiais atrás das
linhas inimigas.

Sharon foi convocado e aceita a


incumbência, pois acreditava que Ben gurion e sharon no front israelense, no canal de suez. guerra de atrito, 1971

Israel não podia aceitar que os


ataques fossem “parte inevitável de fosse necessário, sob as mais originadas em Gaza e na Cisjordânia.
nossas vidas”. Para ele, o Estado adversas condições. Nos cinco meses Em julho, Gamal Abdel Nasser, que
Judeu, com sua pequena população em que atuou, a 101 se tornou uma assumira a presidência do Egito em
e recursos limitados, não podia lenda. Teve um impacto fundamental 1954, nacionaliza o Canal de Suez.
criar um equilíbrio de poder que no esforço do país em sua luta Vendo seus interesses econômicos
permitisse a coexistência com contra o terrorismo, pois os ameaçados, ingleses e franceses se
seus inimigos. A única alternativa israelenses provaram a seus inimigos, unem a Israel para derrubar Nasser.
era convencer os árabes de que e aos amigos também, que eram Os três países elaboram um plano:
qualquer agressão militar contra capazes de encontrar os responsáveis Israel atacaria de surpresa o Egito e,
Israel lhes traria apenas humilhação pelos ataques e atingir alvos muito quando suas tropas se aproximassem
e destruição. Era preciso criar nos além das linhas inimigas. Nesse do Canal de Suez, ingleses e
árabes a “psicologia da derrota”: período, Arik se torna cada vez mais franceses fariam um “apelo” para
vencê-los tão arrasadoramente, a próximo de David Ben-Gurion, que cessar os combates. Contando com a
cada vez, até ficarem convictos de tem grande admiração pelo jovem recusa de Nasser, Inglaterra e França
que jamais poderiam vencer. oficial. entrariam na guerra.

Sharon reuniu 45 jovens para Em 1954, Moshe Dayan, então chefe Sharon recebe um papel importante
executar operações rápidas de do Estado-Maior das FDI, integra na execução do plano. Em 28 de
retaliação através da fronteira. a Unidade 101 a um grupo de outubro, paraquedistas de sua brigada
paraquedistas, criando a 202. Sharon, saltam no lado oriental da Passagem
Treinou-os até o esgotamento e ainda no comando, faz dela uma de Mitla4, na parte oriental do Sinai.
inculcou-lhes a confiança de que unidade de elite pronta para reagir de Liderando uma brigada de tanques,
poderiam atuar onde quer que imediato e implementar com sucesso ele segue para lá para se unir aos
qualquer ação militar. paraquedistas e assegurar o controle
da passagem. Em 24 horas derrotou
4
Mitla é uma passagem de 32 km no A Campanha do Suez os egípcios e chegou a Mitla. Pede a
Sinai, entre as cordilheiras ao Norte e Sul, Dayan permissão para atacá-la, mas
localizada a cerca de 50 km a leste de Suez. O ano de 1956 foi difícil para Israel,
É famosa por ter sido o local de importantes
seu pedido é negado. Obtém, porém,
batalhas entre as forças egípcias e israelenses com a escalada militar egípcia e a permissão de enviar um pelotão de
em 1956, 1967 e 1973. intensificação das ações terroristas verificação, mas é alertado para não

48
REVISTA MORASHÁ I 83

realizados pela OLP de Arafat com


bases na Jordânia e no Líbano.

A situação torna-se ainda mais tensa


no início de maio de 1967. Após
receber informações falsas da União
Soviética sobre uma concentração
de forças israelenses nas fronteiras,
Nasser concentra tropas no Sinai. E,
no dia 21, proíbe todos os navios com
destino ou provenientes de Israel de
passarem pelo Estreito de Tiran. Para
Jerusalém, é um ato de guerra. Àquela
altura, já havia 100 mil soldados e
mil tanques egípcios no Sinai. Israel
mobiliza seus reservistas. E, um dia
após o avanço egípcio, Sharon já
estava com a sua Divisão no Neguev.
primeiro ministro Menachem Begin e ministro Ariel Sharon, 1977
Pessimistas, Yitzhak Rabin, chefe
de Estado-Maior, e o primeiro
iniciar um embate. Após adentrar a ser uma grande influência na vida de ministro Levi Eshkol hesitam em
passagem, surpresos por intenso Sharon. lançar uma operação preventiva.
fogo egípcio, seus homens ficam Mas, assim como outros generais,
presos. Sharon decide atacar e, em A carreira de Arik, que havia Sharon tinha total confiança na
24 horas, o inimigo é derrotado – mas sido posta na “geladeira” após a vitória. Ele sempre acreditou que a
38 israelenses são mortos e muitos Campanha do Sinai, volta a avançar melhor forma de defesa era o ataque
ficam feridos. Dayan fica furioso quando, em 1963, Yitzhak Rabin se e, ao ser consultado por Eshkol,
com Sharon. Para seus superiores, torna chefe do Estado-Maior das responde: “Esta guerra está sendo
a atuação e obstinação de Arik nas FDI. Após certa hesitação, Rabin forçada sobre nós, e nossa situação
batalhas beiravam a insubordinação. ofereceu-lhe o cargo de chefe do está-se tornando mais perigosa a
Entretanto, a Campanha do Suez se Comando Norte. Quatro anos mais cada minuto... A única opção é atacar
transformara em crise mundial e a tarde, após se formar em Direito, e, neste momento, somos capazes de
ONU exige o imediato cessar-fogo. Sharon é promovido a general, derrotar todo o exército egípcio”.
Pressionado pelos Estados Unidos, recebendo o comando de uma
Israel concorda em sair do Sinai; Divisão de Reserva de Blindados. Os dias de espera enchem o país
não podia ficar isolado na arena de inquietação. No dia 1º de junho
internacional. Guerra de 1967 é formado um novo governo de
União Nacional e Moshé Dayan é
Logo após o término da guerra, em Considera-se o dia 5 de junho de nomeado ministro da Defesa. No
dezembro de 1956, Gali dá à luz 1967 como sendo a data do início dia 4 é tomada a decisão de atacar
a seu primeiro filho, Gur. Mas a da Guerra dos Seis Dias. Mas, na preventivamente. No dia seguinte,
felicidade do casal dura pouco. Em realidade, ela se iniciara dois anos e dia 5 de junho de 1967, às 7h44min,
maio de 1962 Gali morre em um meio antes, quando Israel colocou um 300 aviões israelenses atacam bases
acidente de carro. Lily, sua irmã mais ponto final no projeto árabe de desvio aéreas egípcias e sírias. Em três horas,
nova, vai morar com Sharon para de dois afluentes do Rio Jordão – os árabes perdem cerca de 80% de
cuidar do pequeno Gur, com quem o Hasbani e o Banias. Nos anos seus aviões. Em seguida, Israel ataca
era muito ligada. Um relacionamento seguintes cresce a tensão na região. por terra.
estreito nasce entre Sharon e a A partir do Golã a artilharia síria
cunhada. Acabam se casando e têm bombardeia kibutzim e vilarejos e Na Guerra dos Seis Dias, a mais
dois filhos, Omri e Gilad. Lily vai cresce o número de ataques terroristas decisiva campanha militar dos

49 abril 2014
PERSONALIDADE

tempos modernos, Sharon teve ficou desesperado. Ele escreveu: Acreditava que no caso de ataque
um papel crucial. Sua Divisão “Pela primeira vez na minha vida, os israelenses deveriam lutar em
de Blindados avança no Sinai eu me senti diante de algo que não profundidade. Sua defesa deveria
rapidamente, conquistando duas conseguia superar, e ao qual não basear-se na linha natural das colinas
passagens-chave, Mitla e Gide. conseguiria sobreviver”. e dunas que correm em paralelo ao
Sua missão era tomar a estrada que canal, e, numa segunda linha a ser
levava de Beersheva a Ismailia, mas A linha Bar-Lev criada a cerca de 25 km do canal, que
para tanto precisaria tomar as bases serviria de base para forças móveis
egípcias de Abu Agheila e Kusseima. Logo após o término da Guerra que iriam circular ao longo do canal.
Os analistas militares de Israel e os dos Seis Dias, forças israelenses ao Sharon abandona a reunião após
estrategistas do mundo todo dão o longo do Canal de Suez passam a qualificar a decisão de adotar a
crédito a Sharon por ter concebido ser alvo de ataques egípcios. Certo proposta de Bar-Lev de “perigosa e
e executado o mais espetacular de que o Canal se tornaria uma estúpida”. O chefe do Estado-Maior
plano de batalha da história militar frente de batalha ativa, Israel precisa decide, então, afastá-lo.
israelense, a batalha noturna por Abu traçar uma estratégia de defesa.
Agheila. Sharon e Bar-Lev, então chefe do Aturdido, ele precisa pensar no
Estado-Maior, apresentam soluções futuro. Quer continuar a servir a seu
A batalha foi decisiva, pois, ao diferentes. O general Bar-Lev país e sente-se atraído pela política.
saber da queda de Abu Agheila, queria a construção, na margem Sharon sonda o terreno, não no
o Egito ordenou a retirada, em oriental do Canal, de uma maciça Partido Trabalhista do qual faz parte
um único dia, das forças egípcias parede de areia apoiada por outra praticamente todo o exército, mas
para a margem ocidental do de concreto e, imediatamente atrás, no campo adversário, no partido
Canal. No dia 8 de junho, a maior postos fortificados com guarnições. nacionalista Herut de Menachem
parte do Sinai já estava em mãos Estrategista nato, Sharon era Begin. Mas, é tempo de eleições e os
israelenses e a Divisão de Sharon totalmente contrário, pois acreditava trabalhistas não querem perder um
foi a primeira a chegar ao Canal que tal solução tornaria as posições trunfo eleitoral como Sharon e fazem
de Suez. Simultaneamente, outras de Israel alvos estáticos apenas a com que o exército volte atrás da
forças israelenses haviam derrotado 300 metros das posições egípcias. decisão de afastá-lo.
os exércitos da Jordânia e da Síria,
conquistando toda Jerusalém e as A Guerra de Atrito
Colinas do Golã. As FDI estavam
a caminho de Damasco quando, no A chamada Guerra de Atrito
dia 10 de junho, entrou em vigor um entre Israel e Egito está no auge
cessar-fogo. quando, em 1969, Sharon assume o
Comando Sul. Israel não pode ficar
A rápida vitória deixou toda Israel parado diante dos ataques egípcios.
eufórica. Mas para Sharon o Sharon decide instalar novos postos
sentimento durou pouco. Apenas de observação, cria patrulhas que
quatro meses mais tarde, dia 4 de circulam ao longo do Canal, e
outubro, Rosh Hashaná daquele intensifica também a ação do Tzahal
ano, a tragédia o atinge. Ele estava e da aviação israelense, que já vinham
em casa enquanto seu primogênito, efetuando ataques em território
Gur, brincava com amigos do lado egípcio. O recado de Sharon para
de fora. Sharon não sabia que Nasser é claro: “Israel pode atacar os
estavam com um antigo rifle que pontos vitais do Egito”.
ele recebera de presente. Um dos
garotos apontou a arma para a cabeça Em agosto de 1970, após 17 meses
de Gur e disparou. Ao ouvir o tiro de combates diários, entra em vigor
Sharon correu e encontrou seu filho um cessar-fogo. Passado um mês,
gravemente ferido. O menino morreu morre Nasser. Anwar el-Sadat é o
a caminho do hospital. Sharon sucessor.

50
REVISTA MORASHÁ I 83

Sharon aproveita o cessar-fogo


para voltar suas atenções à Faixa de
Gaza e inicia uma verdadeira caçada
a terroristas e à OLP de Arafat.
Traça planos e prepara pontos de
travessia ao longo da Linha Bar-Lev
para que, em caso de uma ofensiva
egípcia, Israel tivesse condições
de, rapidamente, contra-atacar e
atravessar o Canal.

Depois de 25 anos de uma


fulgurante carreira militar, após ter-
se tornado evidente que ele não iria
ser indicado para o cargo de chefe
do Estado-Maior, Sharon deixa a
farda, passando para a reserva com
a patente de general. É indicado
comandante da 143ª Divisão Reserva O então primeiro-ministro israelense Ariel Sharon, em 2005
de Blindados, apesar da oposição
do então chefe do Estado-Maior, o
general Elazar. Sharon contou com a eclosão do conflito, perante as sobre o desenrolar dos eventos: os
o apoio de Dayan, que acreditava alarmantes notícias sobre a situação que antecederam a eclosão da guerra
que era melhor ter um general das forças israelenses no Canal e no e sobre as duas frentes de batalha -
por demais agressivo do que um Golã, Zeev Amit, melhor amigo e Golã e Sinai.
que não fosse agressivo o bastante. irmão de luta de Sharon, chega a lhe
Um dia antes de seu desligamento, perguntar: “Como vamos sair dessa?” Às 3h de domingo, 7 de outubro,
Sharon pede a Dayan que o deixe Sharon respondeu: “Nós vamos viajando em uma pick-up emprestada,
mais um ano como comandante atravessar o Canal de Suez e a guerra Sharon estava à caminho de sua
do Comando Sul, dizendo-lhe terminará lá”. quarta guerra no deserto. Antes de
que era grande a possibilidade de seguir viagem passara pelo quartel-
uma guerra com o Egito e que sua A ousada travessia do Canal de Suez, general de sua Divisão, a 143ª Divisão
experiência em batalhas no Sinai não por Sharon, em outubro de 1973, é Reserva de Blindados, para ordenar a
devia ser desprezada. Mas Dayan foi bem conhecido por todos, mas algo todas as unidades que seguissem para
categórico: “Não haverá guerra no precisa ser dito sobre seu impacto o Sinai o mais rápido possível.
próximo ano”. na Guerra do Yom Kipur. Não resta
dúvida de que seus preparativos A mera presença física de Sharon
Nos três meses seguintes, Sharon para um contra-ataque através do tinha o poder de eletrizar, incutir
entra na politica e é a força motora Canal do Suez, quando ainda era confiança e respeito entre soldados
por trás da formação do novo comandante geral do Comando e oficiais. Sempre na frente das
partido de direita, o Likud, liderado Sul, sua habilidade intuitiva de batalhas, onde quer que fosse, os
por Begin. E, enquanto aguarda as rapidamente avaliar complexas homens sob seu comando iam atrás
eleições legislativas, realiza um velho situações militares e sua atitude dele, nas mais audaciosas batalhas
sonho comprando uma fazenda determinada e confiante durante a da história militar de Israel. Apesar
abandonada no norte do Neguev. guerra foram fundamentais para a de não ser mais o comandante-geral,
vitória israelense. quando, após chegar a Refidim,
Guerra de Yom Kipur a principal base no Sinai, Sharon
Nessa matéria vamos apenas pincelar entra na sala de guerra subterrânea,
Às 14 horas do dia 6 de outubro os acontecimentos da Guerra de instintivamente, todos os presentes
de 1973, Yom Kipur, Egito e Síria Yom Kipur, pois, nas últimas duas se levantaram como se ele, e não o
atacam Israel. Algumas horas após edições, Morashá trouxe artigos general Gonen que o substituíra,

51 abril 2014
PERSONALIDADE

fosse o seu chefe supremo. Ao vê- Ainda no dia 8 uma informação egípcio. Para o Alto Comando, a
lo, o próprio General Avraham o anima. Homens de sua divisão fase da guerra de sobrevivência já
Mendler, comandante da única haviam esbarrado sobre uma “fenda” terminara para Israel.
Divisão de Blindados do Sinai, entre o Segundo e o Terceiro
sente-se aliviado. Ao ouvir o relato Exércitos. A área permitiria sua Após a ponte rolante pré-fabricada,
de Mendler, Sharon se deu conta de divisão avançar até o Canal sem medindo 200 metros, ficar
que seus piores pesadelos se haviam ter que abrir caminho através das operacional nas primeiras horas do
concretizado. Os egípcios haviam cabeças-de-ponte egípcias. Por dia 19, a travessia toma novo ímpeto,
conseguido penetrar rapidamente sorte, a “fenda “ chegava até o Forte pois as FDI decidiram deslocar para
pelas trincheiras de areia e Matsmed, onde Sharon, enquanto a África todas as forças de combate
concreto da Linha Bar-Lev e já se comandante-geral, preparara uma disponíveis. Depois de ter cruzado o
encontravam a oito quilômetros a área para uma travessia do Canal. Canal, a Divisão de Sharon dirigiu-
leste do canal. Israel sofrera pesadas Conhecido como o “Pátio”, o local se ao sul em paralelo à de Adan, para
baixas. Grande parte de seus tanques havia sido adequado para abrigar os depois atacar ao norte. Ainda no dia
haviam sido atingidos. equipamentos pesados e volumosos 19, duas divisões dos generais Adan e
das pontes que seriam utilizadas para, Magen iniciam seu avanço para isolar
Sharon sabia que o fator psicológico a travessia. o Terceiro Exército egípcio enquanto
é fundamental na guerra. Era brigadas da Divisão de Sharon
evidente que o desânimo e choque Após Israel vencer a Batalha do prosseguem para o norte, ao longo
haviam tomado conta do Gabinete Sinai, no dia 14 de outubro, o da margem ocidental do Canal, para
da Golda Meir e do Alto Comando. general Elazar deu o sinal verde isolar o Segundo Exército.
E, nos soldados, ele percebia que para a travessia do Canal. A divisão
havia “não medo, mas perplexidade... de Sharon vai liderar a operação: O resto da história é conhecido.
Pela primeira vez em sua vida um tomar o Pátio, proteger o local e Quando o cessar-fogo entrou em
exército israelense estava sendo abrir as estradas de acesso até então vigor, o Terceiro Exército estava
obrigado a recuar e os soldados não em mãos egípcias para que as pontes cercado no Sinai pelas FDI. Uma
conseguiam entender o que estava necessárias para a travessia possam importante realidade estratégica
acontecendo”. Era vital contra- chegar até lá. tinha sido imposta ao front egípcio,
atacar com força total e alterar com implicações de longo alcance.
imediatamente o andamento da Na noite de 15 para 16 de outubro, Para Israel era uma reafirmação de
guerra e de suas perdas iniciais. enquanto brigadas de sua divisão força após o mais severo teste de sua
travavam violentos embates para história.
Era vital as forças israelenses abrir as estradas, Sharon ordena ao
reassumirem a iniciativa. Era coronel Dani Matt que atravesse Ao término da guerra, enquanto
necessário devolver aos israelenses com seus homens o Canal de Suez. Golda Meir e Moshe Dayan são
sua confiança na vitória e tirar dos Vendo que nem a ponte rolante pré- alvos de uma série de acusações
egípcios o gosto do sucesso. fabricada, idealizada para a travessia e vários generais são destituídos,
do Canal, nem as pontes de pontões Sharon é aclamado como herói e em
A esperança de mudar rapidamente chegariam a tempo, Sharon mandara todo Israel vê-se escrito em tanques
o rumo da guerra foi por terra trazer botes anfíbios. e muros : “Arik, melech Israel (Arik, rei
após o fracassado contra-ataque de Israel)”.
israelense realizado no dia seguinte, À 1h35, já do lado egípcio do Canal,
8 de outubro, pela manhã. Sharon Matt transmite pelo rádio uma única Após o término da Guerra, Sharon
acreditava que era possível vencer palavra: “Acapulco”, o código para deixa o exército e lança sua carreira
os egípcios, mas precisaria de uma “sucesso”. Logo após, blindados política. Nessa nova fase de sua
ação radical. Acreditava ainda que da Divisão de Sharon juntam-se a vida terá que enfrentar novas
a única forma de garantir a derrota eles para dar início a uma ousada lutas, conseguirá inúmeras vitórias
dos Segundo e Terceiro Exércitos operação militar para liberar os céus e algumas derrotas. Vai ocupar
egípcios era cruzar o Canal, e ele para a aviação israelense. Antes do praticamente todos os ministérios:
passa a pressionar incansavelmente o amanhecer do dia 18, duas brigadas em 1977 da Agricultura; de 1981
Alto Comando. do general Adan estavam no lado até 1983 da Defesa; em 1984 da

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REVISTA MORASHÁ I 83

ariel e lily sharon em casa, 1989

Indústria e Comércio; de 1990 até e criativo, que inspirava suas tropas verdadeiro Guibor Israel – um herói
1992, da Construção e Habitação, e podia interpretar uma batalha à dos Filhos de Israel. Um homem
e faz parte da comissão ministerial medida que a mesma se desenvolvia. que não temia nada nem ninguém,
para Imigração e Integração dos um guerreiro que encarou a morte
novos imigrantes; em 1996, da Mas, Sharon não foi apenas um diversas vezes sem sequer piscar.
Infraestrutura e, em 1998, das comandante militar. Foi um Mas, acima de tudo, foi um judeu
Relações Exteriores. Em fevereiro grande líder que deixou sua marca que amava seu povo. Shimon Peres,
de 2001 Sharon torna-se primeiro na história. Esteve envolvido em atual Presidente de Israel e amigo
ministro de Israel. Em 4 de janeiro de praticamente tudo de importante pessoal de Ariel Sharon, resumiu sua
2006, o então premiê sofre um grave que ocorreu no Estado Judeu. Lutou vida com as seguintes palavras: “Arik
derrame cerebral permanecendo em as guerras, derrotou os inimigos, amava seu povo e seu povo o amava”.
coma profundo até vir a falecer no dia cultivou a terra, desenvolveu a
11 de janeiro de 2014, um Shabat, aos agricultura, construiu casas, fechou Arik, que sua memória seja
85 anos de idade. acordos diplomáticos, traçou novas abençoada para sempre – você, que
fronteiras e, finalmente, liderou o foi nosso maior general e o mais
Um Guibor Israel – país. Nenhuma outra figura israelense valente, temido e destemido filho do
um herói dos Filhos fez tanto, por tanto tempo, pela Povo de Israel.
de Israel Mediná.  E, como todo grande líder,
tomou decisões difíceis – muitas
Ariel Sharon foi uma lenda viva, delas polêmicas e impopulares. Bibliografia:

uma figura Bíblica moderna, um Mas mesmo seus maiores críticos e Sharon, Ariel e Chanoff, David, Warrior:
inimigos não têm como negar seu An Autobiography, Kindle edition
herói destemido sempre pronto a se
levantar para proteger nosso povo de papel fundamental – seu heroísmo e Dan,Uri, Ariel Sharon: An Intimate Portrait,
nossos inimigos. Mesmo seus mais brilhantismo – em defender o Povo e Ed. Palgrave Macmillan, 2007
ferrenhos oponentes concordam o Estado de Israel Eytan, Freddy, Sharon, o braço de ferro,
que era um comandante de campo Ed. Barcarolla
excepcional – o melhor que Israel A memória de Arik está gravada no Worth, Richard, Ariel Sharon
já teve, um estrategista nato, ousado coração de nosso povo. Ele foi um (Major World Leaders), Kindle edition

53 abril 2014
SHOÁ

AS 20 CRIANÇAS DE HAMBURGO
POR IRENE Gebhardt Freudenheim

No dia 20 de abril de 1945 um decrépito Adolf Hitler completava


56 anos, no seu bunker em Berlim. O exército inglês estava
nas imediações de Hamburgo, os russos e americanos perto
de Berlim. A história seguiria seu rumo, para os nazistas havia
chegado a hora de queima de arquivos. Os especialistas da SS
encarregaram-se dessa urgente missão.

E
m Hamburgo, no campo de concentração de bactérias de TBC para provocar tuberculose no pulmão.
Neuengamme, 20 crianças judias e seus quatro Georges-André Kohn, menino francês de 12 anos,
cuidadores ainda estavam vivos. As crianças, ficou tão debilitado que a partir desse momento não
10 meninas e 10 meninos arrebanhados de conseguiu mais ficar em pé. Em começos de dezembro
Auschwitz, na Polônia, em novembro de 1944, de 1944, as crianças estavam alojadas no barracão
tinham entre 5 e 12 anos. Haviam sido escolhidas a 4A da Enfermaria do Campo de Concentração de
dedo para serem submetidas a pseudo-experimentos Neuengamme, de onde não podiam sair de modo algum.
médicos. O Dr. Kurt Heissmeyer, médico pneumologista Ficavam sob os cuidados de dois prisioneiros holandeses,
integrante da SS, queria finalmente se tornar professor. que haviam sido capturados por distribuir panfletos
Para tal, precisava apresentar sua tese. Depois que contra os invasores nazistas. Os dois, Anton Hölzel e
experimentos sigilosos com prisioneiros adultos não Dirk Deutekorn (este, enfermeiro), em pouco tempo
deram o resultado desejado, ele decidira requisitar 20 se converteram em pais substitutos para as pequenas
crianças para desenvolver sua vacina contra a tuberculose. vítimas. Eles tinham como obrigação não só cuidar
  das crianças, mas também de porquinhos-da-índia,
O Dr. Heissmeyer fazia cortes histológicos no peito das instalados em gaiolas no mesmo barracão, nos quais
crianças e, na incisão de 10 a 20 centímetros, inoculava Heissmeyer também realizava experimentos quando ia
bactérias vivas de TBC. Os meninos e meninas logo até Neuengamme – experimentos tão sem sentido
apresentavam um quadro febril e abscessos no lugar do quanto os realizados com seres humanos. Mais tarde,
corte. As glândulas linfáticas se inchavam fortemente, perante um Tribunal de Justiça britânico, em 1946,
pois é nessa região que se concentram os anticorpos que Heissmeyer declararia que, para ele, não havia qualquer
protegem o organismo de infecções. Algumas semanas diferença entre usar cobaias animais ou crianças judias
mais tarde, Heissmeyer mandava extirpar as glândulas em seus experimentos.
embaixo das axilas. Verificava-se, a seguir, se nas  
glândulas havia-se desenvolvido algum tipo de material Poucas semanas após sua chegada, em dezembro de
de defesa contra o TBC. Esses experimentos causavam 1944, todas as crianças estavam gravemente doentes.
muito sofrimento às crianças. Um dos procedimentos Anton e Dirk tentavam conseguir alimentos melhores
mais dolorosos era a introdução, pela boca e traqueia, para elas. No dia de Natal houve gestos significativos
de um tubo de borracha que ia até o pulmão. Por ele, de solidariedade. Apesar da severa proibição de se
o médico injetava (ou mandava injetar) meio copo de aproximarem dos pequenos presos do barracão 4A,

54
REVISTA MORASHÁ i 83

A escola no Bullenhuser Damm

vários prisioneiros foram visitar Petersen. Ele parou em frente à porta


as crianças, levando presentes. do barracão 4A. Eram 22 horas.
Roupinhas confeccionadas com O SS Dreimann havia ordenado
retalhos e trapos, carrinhos de aos cuidadores holandeses que
madeira, arremedos de berços para acordassem e vestissem as crianças.
bonecas. O menino polonês Marek Dois médicos franceses, também
James, de 6 anos, que era míope, até presos, Florence e Quenoille, foram
ganhara óculos. Infelizmente não chamados para ajudar nessas tarefas,
serviram. No entanto, os ingleses com a finalidade de abreviar os
estavam a cada dia mais perto de “procedimentos”.
Hamburgo. Em 20 de abril de 1945
veio a ordem de Berlim: eliminar as As crianças estavam cochilando,
crianças. mas quando lhes foi dito que se
reuniriam com seus pais, rapidamente
O Dr. Heissmeyer já não aparecera se levantaram. Alvoroçados com a
em Neuengamme desde o começo ideia do reencontro, os mais velhos se
de março. No mesmo dia em que vestiram sozinhos. Porém, Georges-
as crianças seriam assassinadas, André estava tão fraco que os dois
4.224 debilitados prisioneiros médicos tiveram que carregá-lo até
escandinavos, judeus e não judeus, o caminhão. Todos levaram seus
foram resgatados do campo de pertences; os menores, seus toscos
concentração de Neuengamme, após brinquedos. No caminhão já estavam
longas negociações entre Himmler seis prisioneiros de guerra russos,
e o conde Folke Bernadotte. que também seriam executados nessa
Após o último ônibus da Cruz noite. Ninguém sabe seus nomes até
Vermelha dinamarquesa partir de hoje.
Neuengamme, chegou um caminhão  
cinza, completamente vedado, Todos foram levados a um prédio
dirigido pelo SS Hans Friedrich que havia servido de escola, a uns dr. kurt Heissmeyer

55 abril 2014
SHOÁ

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1. Prisioneiros de guerra russos em trabalho de limpeza em Hamburgo 2. Georges-André Kohn 3. Ruchla Zylberberg

Estes são os nomes das 20 crianças assassinadas


em 20 de abril de 1945, no Bullenhuser Damm, Hamburgo:
• Mania Altmann, 5 anos,  polonesa • Leika Birnbaum, 12 anos,  polonesa • Surcis Goldinger,  11 anos, polonesa
• Riwka Herzberg,  7 anos,  polonesa • Alexander Hornemann, 8 anos,  holandês • Eduard Hornemann,
12 anos,  holandês • Marek James,  6 anos,  polonês • W. Junglieb,  12 anos, iugoslavo* • Lea Klygermann,
8 anos, polonesa • Georges-André Kohn,  12 anos, francês • Blumel Mekler,  11 anos,  polonesa • Jacqueline
Morgenstern,  12 anos, francesa • Eduard Reichenbaum,  10 anos, polonês • Sergio de Simone,  7 anos, 
italiano • Marek Steinbaum,  10 anos,  polonês • H. Wassermann,  8 anos,  polonesa* • Eleonora Witonska, 
5 anos, polonesa  • Roman Witonski,  7 anos, polonês  • R. Zeller,  12 anos,  polonês* • Ruchla Zylberberg,
10 anos, polonesa                   

* não se sabe seu primeiro nome

15 minutos de distância, no um dos homens da SS e ordenou mais fácil de ser reconstruída. No dia
Bullenhuser Damm. Depois de um que tirassem a roupa, porque 17 de agosto de 1944, uma semana
bombardeio, a escola passou a ser seriam vacinadas contra a febre antes da libertação de Paris, partia
mais um centro de torturas da SS. tifóide. A fictícia vacina era na a última leva de deportados judeus
Só que então, nesse 20 de abril de realidade uma injeção de morfina. franceses em um trem de Drancy,
1945, o local estava deserto. Os dois Elas foram chamadas uma a uma. rumo a campos de concentração
médicos franceses e os carinhosos Depois de semi-anestesiadas, eram na Alemanha e Polônia. Eram
cuidadores holandeses foram levados levadas para outro cubículo, onde as seis vagões. Três deles continham
ao porão e enforcados. esperava a forca. Georges-André, o armamentos (Flakgeschütze). No
  menino francês de 12 anos e o mais quarto viajavam agentes da Gestapo,
As crianças não tinham ideia do que debilitado do grupo, foi o primeiro a com seu chefe, Alois Brunner,
ocorria e esperavam, ansiosamente, ser carregado até lá. Vamos falar um comandante das tropas de assalto
rever seus pais. De pronto entrou pouco dele, porque sua história é a da SS e chefe do Sonderkommando

56
REVISTA MORASHÁ i 83

encarregado da deportação de judeus. Em maio de 1946, durante o guerra na União Soviética. Sua
No quinto, membros da Polícia processo contra os principais esposa Fajga e a filhinha Esther
Verde alemã que operava na França. criminosos de Neuengamme, Johann haviam sido enviadas diretamente à
No último vagão, que normalmente Framm, um SS subalterno, ao ser câmara de gás quando chegaram a
transportava gado, se acotovelavam interrogado pelo oficial britânico Auschwitz.
de cócoras 51 judeus franceses. Entre Anton Walter Freud (neto de  
eles, os sete membros da família Sigmund Freud) declarou sobre a A irmã de Blumele Mekler,
Kohn. Armand Kohn era o diretor morte das pequenas vítimas: de 5 anos, Shifra, salvou-se porque a
do maior hospital judaico da França, “As crianças tiveram que tirar a mãe gritou, desesperada, ao perceber
o hospital Rothschild de Paris. Ele roupa num quarto no porão, depois que estavam sendo encurraladas:
sabia das constantes deportações e foram levadas a outro, onde o “Corre Shifra! Corre!”. Uma família
o nome Auschwitz lhe era familiar. Dr. Trzebinski lhes aplicou uma polonesa a acolheu e escondeu. Pola
Mas pensava que os judeus só seriam injeção para que dormissem. As Altman, mãe de Mania, de 5 anos,
internados até o fim da guerra, não que continuavam vivas foram morreu em 1971, em Chicago, sem
exterminados. Seu filho Philippe, transportadas para outra sala, e com saber do destino de sua filha.
de 18 anos, discordava e disse que uma corda no pescoço dependuradas  
decidira fugir. Rosemarie, a irmã de na parede, como se fossem quadros. Em 20 de abril de 1979, pela
22, decidiu acompanhar o irmão. Em Pesavam tão pouco...”. primeira vez, parentes das crianças
vão o pai tentou convencer os seus a assassinadas vieram de várias partes
ficarem juntos, dizendo que só assim Na mesma noite, os quatro do mundo até o Bullenhuser Damm.
sobreviveriam. verdugos ainda tiveram de encarar Quando depositaram a coroa de
outra “missão”: enforcar mais de flores com os dizeres “Amadas
O trem já estava rodando fazia três 20 prisioneiros de guerra russos. crianças, vocês não serão esquecidas”,
dias, quando, em 21 de agosto, às Citando o SS Frahm: «Às 6:00h haviam-se juntado a  eles dois mil
2 da madrugada, os dois jovens da manhã todos os russos estavam moradores de Hamburgo. Em 20
conseguiram quebrar a grade da mortos e eu, finalmente, fui dormir”. de abril de 1985, 40 anos após a
janelinha do vagão. Rosemarie pulou Uns poucos dentre os pais e mães tragédia, nasceria um jardim de
primeiro, machucando-se ao cair. destas crianças sobreviveram. A mãe roseiras no lugar onde o martírio dos
Philippe caiu no trilho sem se ferir e do italianinho Sergio de Simone, de 20 inocentes havia terminado.
correu para socorrer a irmã. Nápoles, Gisela Perloff, sobrevivente  
de Auschwitz, somente em 1983, O Memorial do Bullenhuser
Os dois conseguiram esconder-se 37 anos depois do assassinato Damm converteu-se em um local
e sobreviveram. O resto da família de seu filho, veio a saber como de peregrinação e algumas ruas
ficou no trem: o Dr. Armand ele havia sido morto, aos 7 anos circundantes receberam os nomes das
Kohn, sua esposa Suzanne, a filha de idade. Rucza Witonski, de pequenas vítimas.
Antoinette, de 19 anos, o caçula, Radom, Polônia, mãe de Roman,
Georges-André, de 12, e a avó, de 6 anos, e de Eleonora, de 5,
Marie-Jeanne, de 80. No dia 25 estava trabalhando no laboratório Irene Gebhardt Freudenheim,
de agosto de 1944 o trem chegou do infame Josef Mengele, em É pesquisadora de tópicos
relacionados com o nazi-fascismo
ao campo de concentração de Auschwitz, na mesma hora em e o antissemitismo. 
Buchenwald, próximo à cidade de que seus filhos eram enviados de
Weimar, na Alemanha. Nesse lugar, Auschwitz a Neuengamme, com Bibliografia:
foram todos separados brutalmente os outros 18 meninos e meninas. Günther Schwarberg Der SS-ARZT
do pai. A mãe e Antoinette foram Após a libertação, ela começou uma und die Kinder vom Bullenhuser Damm
(O Médico da SS e as Crianças do
forçadas a seguir para Bergen-Belsen, infrutífera busca pelos seus filhos,
Bullenhuser Damm)
a avó e o menino, para Auschwitz. que se estendeu até 1982. Nesse
A avó foi imediatamente enviada à ano ela recebeu a notícia, através da nota:
câmara de gás. Georges-André foi Cruz Vermelha francesa, de como e Günther Schwarberg e sua colaboradora
Barbara Hüsing dedicaram-se durante
poupado temporariamente. Havia quando Roman e Eleonora haviam anos a pesquisar minuciosamente este caso,
um projeto especial esperando por sido mortos.  O pai de Ruchle, recebendo o Prêmio Anne-Frank-Preis em
ele; por ele e mais 19 crianças. Nison Zylberberg, sobreviveu à 1988

57 abril 2014
ARTE

Moacyr Scliar: Escritor,


médico, judeu e gaúcho
por H. James Kutscka

Quando se pensa em literatura brasileira, nomes como Machado


de Assis, Castro Alves, José de Alencar, Mario de Andrade e mais
contemporâneos como Érico Veríssimo, Jorge Amado, Vinícius
de Morais, Moacyr Scliar e tantos outros, imediatamente nos
surgem na memória. Todos indiscutivelmente grandes em sua
arte, mas nem todos foram honrados com uma cadeira na
Academia Brasileira de Letras. Não é à toa que os membros da
ABL são conhecidos como “Imortais”. Scliar é um deles.

E
ntusiasma a oportunidade sobre nosso povo e nossa gente, como e faltam adjetivos para fazer justiça
de poder escrever sobre um o fez em seus livros O Exército de à dedicação com que se entregou a
conterrâneo admirável, que, Um Homem Só, O Ciclo das Águas,  ambas.
através de suas crônicas A Estranha Nação de Rafael Mendes e 
e livros, influenciou toda O Centauro no Jardim, sendo o último Na medicina formou-se médico
uma geração de escritores e continua sobre o tema de suas raízes judaicas. sanitarista e fez pós-graduação em
influenciando até hoje. Israel. Foi Doutor em Ciências pela
Escreveu com tal propriedade sobre Escola Nacional de Saúde Pública
Embora tenha nascido na capital os dois povos, suas alegrias e suas e professor do curso de Medicina
gaúcha, a tradição judaica russa mazelas, que foi merecedor de se e Comunidade da Universidade
permaneceu viva em sua casa, tornar o sétimo escritor a ocupar a Federal de Ciências da Saúde
mas, como seria de se esperar, o cadeira de número 31 da Academia de Porto Alegre. Na literatura
chá do Samovar, depois de algum Brasileira de Letras, sucedendo o teve publicados mais de 70 livros
tempo, começou a dividir o espaço mineiro Geraldo França. Tornou-se traduzidos para 12 idiomas.
com o chimarrão, assim como as um “Imortal” (maneira com que
lembranças que seus pais tinham nos referimos aos membros da Entre as obras traduzidas está
do shtetl, na Rússia, começaram Academia), mas talvez não seja O Centauro no Jardim, livro que foi
a ceder ou compartilhar o espaço esse um adjetivo que se acomode considerado pelo National Yiddish
com lembranças já adquiridas aqui, ao inquieto Scliar. “Saudoso” talvez Book Center, nos Estados Unidos, um
passando a dar espaço para o escritor defina melhor o sentimento que a dos 100 melhores livros de temática
que, com olhar multicultural, escrevia ausência dele nos causa. judaica nos últimos 200 anos.
sobre temas brasileiros e judaicos
com a mesma desenvoltura. No entanto, que dizer sobre ele que No Brasil fez jus a três Prêmios
de alguma forma ainda não tenha Jabuti, em 1988, 1993 e 2009.
Um admirável porto-alegrense que, sido dito? Nas duas atividades que Nesse mesmo ano (2009) recebeu
sem perder o sabor de suas raízes escolheu exercer durante a vida os prêmios da Associação Paulista
mais profundas, conseguiu escrever (medicina e literatura), foi mestre dos Críticos de Arte e o Casa

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REVISTA MORASHÁ i 83

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1. NA INFÂNCIA 2. Casamento de Scliar com Judith Vivien Oliven, em 1965 3. O escritor, Judith, e seu filho, Roberto em Jerusalém

das Américas. Pensei, então, em papel servia como suporte para grafar que seria impossível ter sido posto
apresentá-lo aos que, por desventura, o que vinha da imaginação do autor. no papel, não fosse a veneração pela
não conheçam sua obra literária, Esses documentos de seu dia a dia palavra escrita que condiciona os
usando suas próprias palavras: nos dão uma visão de um cérebro rumos do judaísmo.
“Há um momento na vida de quem em constante ebulição e explicam a
escreve em que os livros começam voracidade com que escrevia. Eram Como não viveu os acontecimentos
a correr atrás dos autores”. Esta frase tantas histórias a serem contadas e narrados, eles devem ter-lhe chegado
foi dita por ele em um contexto tão pouco tempo para fazê-lo. Daí ao conhecimento através de histórias
muito diferente do qual a estou minha interpretação pessoal do texto contadas em casa e livros que
emprestando nesse artigo. sobre a história procurar o autor, ajudaram a manter vivas as tradições:
Se levarmos em conta uma que, no caso original, fora usada
declaração de Judith Scliar (sua referindo-se a escritores que nos “Para nós, ocidentais, o russo é um
mulher) — “Moacyr escrevia muito, encontros de literatura o procuravam idioma difícil; poucas são as palavras
e escrevia rápido”. para presentear seus novos livros. que nesta língua conhecemos. Mas
Moacyr era um para-raios atingido há um termo – ai, Rússia! – que
Originais e recordações que cobrem o constantemente por descargas de foi incorporado ao vocabulário
período de 1937 a 2011 poderão ideias e histórias. Era necessário universal. Pogrom: a palavra evoca
brevemente ser consultados pela escrevê-las antes que se perdessem cossacos bêbados, enlouquecidos,
internet. Mais de 8.600 páginas entre tantas outras. invadindo aldeias, nos seus cavalos
de manuscritos e datiloscritos do – e matando, violando, queimando,
escritor que estão sob os cuidados da Minha intenção com este artigo é destruindo. Balta, 1882; Restov, 1883;
PUCRS, para serem adicionados ao mostrar o homem por trás das letras, Ekaterinoslav, 1883; Gomel, 1903…”.
arquivo. Na coleção de documentos mas, até para isso, Scliar foi especial, As terríveis notícias que nos chegam
que estão sendo digitalizados pois podemos desvendá-lo em suas da Rússia, a espada suspensa sobre a
encontram-se bilhetes de aeroporto, próprias palavras. De seu conto “Ai, cabeça de nosso povo…”, escreveu, em
recibos de postos de gasolina, folhas Rússia, Rússia. Ai, Rússia”, tomo a 1906, aquele que viria a ser o primeiro
pautadas e blocos de nota. Qualquer liberdade de transcrever um trecho presidente de Israel, Chaim Weizmann.

59 abril 2014
ARTE

Papai tinha pouca instrução; contudo, Os Scliar se estabeleceram em Porto


não duvidou do que diziam os anúncios. Alegre, capital do estado daquela
Possuía uma crença ilimitada na boa cidade onde os porcos comiam
fé dos homens. Daí porque leu e releu, laranjas caídas do pé.
com crescente interesse, os folhetos de
propaganda. E acabou entusiasmando- Em outra passagem do mesmo
se vivamente com a descrição da nova conto, ainda falando sobre a Rússia
terra. Sobretudo, com a ilustração e os judeus, mostra a intimidade que
colorida da capa. tinha com o tema e com as letras
para poder escrevê-lo com segurança,
A capa dos prospectos ostentava mesmo tendo nascido na capital
uma singela paisagem da vida rural gaúcha em um bairro de classe média
brasileira. Sob um céu límpido e onde a maior parte da comunidade
distante, dum azul muito doce, judaica da cidade fora residir: o
um lavrador, chapéu de abas 12 Bomfim.
largas, camisa branca arremangada,
empunhava, encurvado, as rabiças dum “Uma luta que, diga-se de passagem,
arado, puxado por uma junta de bois, não envolveu violência. Não por parte
revolvendo a terra virgem. Um pouco dos judeus. Protesto, sim; mas não
mais longe, no fundo, o ouro vegetal de violência. A nostalgia do shtetl pesa,
extensos trigais maduros. Mais além, não é mesmo? E o resultado é uma
A espada suspensa sobre a cabeça do azulados pela distância, coqueiros, forma de resistência à qual não falta
povo, que espada era essa? Não só a do palmeiras e florestas misteriosas, e, no o sentimento, e até mesmo o humor. O
bandido, era, também, a espada de czar: primeiro plano, destacando-se em cores humor que satiriza um governo que não
pois, para descarregar a crescente revolta vivas e fortes, um enorme pomar em resolveu os problemas de seu povo, mas
popular, o governo não apenas tolerava que predominavam laranjeiras, a cuja dá-se ao luxo de ser antissemita; como
os pogroms, como até os fomentava. sombra, porcos comiam lindas laranjas naquela história que conta da longa fila
caídas no chão”. formada à porta de um supermercado, à
“Numa clara manhã de abril do ano espera da carne. Aparece o gerente e diz:
de 19… quando a estepe começara À eficiência dessa peça de ‘A carne vem vindo, mas não será
a reverdecer a entrada alegre da propaganda que caiu na mão suficiente para todos, de modo que os
primavera, apareceram espalhados de algumas pessoas na Rússia, a judeus podem ir embora’. Os judeus se
em Zagradowka, pequena e risonha literatura brasileira deve a existência vão. Meia hora depois, volta o gerente
aldeia russa, da província de Kersan, de um de seus maiores representantes. anunciando que a carne está chegando,
lindíssimos prospectos, com ilustrações Essa é uma curiosidade que descobri mas não haverá para todos, de modo
coloridas, descrevendo a excelência quando de minhas pesquisas para que os que não são membros do Partido
do clima, a fertilidade da terra, a esse texto, que achei não faria mal podem se retirar. Vai-se um grande
riqueza e a variedade da fauna, a compartilhar com os leitores. Minha grupo. Finalmente, depois de meia
beleza e exuberância da flora, dum família é de Boa Vista do Erechim hora, o gerente aparece, confessa que não
vasto e longínquo país da América, (que na língua dos índios Caingangue há carne alguma e que os camaradas
denominado Brasil, onde uma empresa da região significa campo pequeno também podem ir. Ao que diz um
colonizadora israelita, intitulada porque ficava na cordilheira da membro do Partido a outro: ‘Você viu?
“Jewish Colonization Association”, Serra Geral num espaço cercado Viu como os judeus têm privilégios?’
mais conhecida por JCA, proprietária de árvores). Talvez alguém que
duma grande área de terras duma desconheço de meu passado tenha Este humor chegou a criar um
fazenda chamada “Quatro Irmãos”, visto o mesmo folheto e vindo personagem típico: Abram Rabinovich,
situada no município de Boa Vista do para Quatro Irmãos, na época uma sempre às voltas com o serviço secreto
Erechim, Estado do Rio Grande do Sul, próspera comunidade judaica quase soviético. Que o encontra nos lugares
oferecia colônias, mediante vantajosas bairro de Erechim, e, posteriormente, mais imprevistos: por exemplo, no
propostas, a quem se quisesse tornar se estabelecido na cidade, na qual parque, onde ele está estudando hebraico
lavrador. vivem até os dias de hoje. num manual de bolso. O agente lhe diz

60
REVISTA MORASHÁ i 83

que tal é proibido, porque faz supor sem ser pedante; que compreendesse um ensaio seu que demonstra essa
que a pessoa quer ir para Israel. Eu não que literatura, música e pintura devem simbiose que sempre existiu entre
quero ir para Israel, diz Rabinovich, tornar as pessoas melhores – não escritores judeus e os grandes da
estou-me preparando para ir para o céu, superiores – que sentir é tão importante literatura de nosso País.
onde, como é sabido, só se fala hebraico. como saber. Gostaria que ele aprendesse
E se você for para o inferno, pergunta o a chorar como só os judeus sabem chorar, Em Machado de Assis e os judeus,
agente. “Aí não tem problema, replica e a rir como nós: aquele nosso meio afirma, com orgulho: “Quem
Rabinovich, porque russo eu já sei”. sorriso, meio amargo, meio filosófico. se debruça sobre a Torá, onde se
concentra a doutrina judaica, adquire
Herdeiro desse humor judaico que Gostaria que o meu filho não fosse um conhecimentos que representam
até hoje faz sucesso em Hollywood e sectário: que não colocasse, em polos verdadeiras pérolas de sabedoria”.
na TV, é dele a seguinte frase irremediavelmente opostos, judeus Niskier é outro escritor que nunca
maravilhosamente iconoclasta: e árabes, israelitas e palestinos. Que esqueceu suas raízes judaicas e,
“Eu sou aquele cujo verdadeiro nome soubesse que neste mundo há lugar através de sua obra, difundiu suas
não pode ser pronunciado. Admito, para todos, é só uma questão de ajuste. tradições e estreitou laços culturais
contudo, ser chamado de Jeová”. Que soubesse que, de cada vez que há entre o Brasil e Israel.
uma guerra, alguém lucra com isso.
Em seu livro A Face Oculta, o humor Não sei se é pedir demais em troca Clarice Lispector, nascida na
vem envolto em seus conhecimentos da mensalidade escolar. Mas, afinal, Ucrânia, naturalizada brasileira.
médicos:“Esquecimento é quando a gente a educação tem uma componente de Nome do mais alto respeito na
não sabe onde deixou a chave do carro. sonho enxertado na dura realidade literatura brasileira e mundial que
Alzheimer é quando a gente encontra a quotidiana. E sonhar não é proibido”. inspirou muitas jovens de nosso
chave, mas não sabe para que serve”. No lugar de me limitar a tecer loas País a se dedicarem à literatura.
a Moacyr Scliar, optei por deixar Chegou ao Brasil com um ano e dois
Certa ocasião, em Porto Alegre, em que o leitor o conhecesse através meses para se tornar romancista,
uma reunião de pais e mestres, foi de pequenos trechos de milhares
interrogado durante uma palestra que poderia haver selecionado de
para a qual fora convidado por sua própria obra e, assim, despertar
um dos participantes, se seu filho, a curiosidade sobre o resto. Além Escritor toma posse
como membro da Academia
na época com dois anos, viria a dos óbvios livros, de suas crônicas, Brasileira de Letras
frequentar a mesma escola judaica contos, peças teatrais e adaptações
que ele frequentara, respondeu: para o cinema, tanto de longa quanto
de curta metragem.
“Eu gostaria que o meu filho tivesse
acesso à cultura judaica, tanto por Como diria um gaúcho verdadeiro:
ela ser judaica como por ser cultura. agora que puxei bastante brasa pro
Gostaria que ele tivesse o mesmo meu assado, não custa nada cuidar do
prazer e a emoção que eu sinto ao ler os assado dos outros.
contos de Scholem Aleichem, Mendele
e Peretz; as histórias de Isaac Babel Seria injusto não mencionar aqui
e Michael Gold; os livros de Bellow, outros judeus que influenciaram a
Malamud, Bashevis Singer e Philip nossa literatura de modo definitivo
Roth. Gostaria que ele ficasse extasiado como:
diante dos quadros de Chagall, que
gostasse de música iídiche, das canções Arnaldo Niskier, titular da cadeira
hebraicas, da dança de Israel. Gostaria, 18 da Academia Brasileira de Letras
modestamente, que ele lesse o que eu (a qual presidiu), com vasta obra
escrevi e que sentisse o judaísmo nos dedicada à educação, ensaios
meus próprios livros: gostaria disto, históricos, literatura infanto-juvenil
como pai e como judeu. Gostaria que o e obras didáticas. Seria um crime
meu filho tivesse bagagem intelectual deixar de citar aqui uma parte de

61 abril 2014
ARTE

lembranças de perseguições e fugas


de um passado que se recusava
(embora não inteiramente vivido )
a ser esquecido. O exílio é um tema
recorrente em sua obra.

O Muro de Pedras, onde discorre


sobre o existêncialismo é seu livro
mais conhecido e louvado pela
crítica. Foi merecedora dos prêmios
José Lins do Rego (1963) e Coelho
Neto da Academia Brasileira de
Letras (1964).

Seus primeiros contos foram


publicados apenas em 1970 com o
livro Sangue no Sol; voltou em 1977
com Inventário e O Tigre de Bengala,
scliar durante evento
em 1985. Sua última coletânea de
contos ganhou o prêmio Pen Clube,
escritora, contista, colunista, cronista Tal cartomante lhe assegura um em 1986. Morreu em 1989, no Rio
e jornalista. Amiga de nomes futuro feliz, que viria através de um de Janeiro, onde vivia.
como Fernando Sabino, Lúcio estrangeiro loiro que ela encontraria
Cardoso, Rubem Braga, Santiago ao sair de sua casa. Homem com Para finalizar, outro grande que
Dantas e Samuel Wainer, acabou quem casaria. também brotou para o mundo na
conhecida como “a grande bruxa da distante Ucrânia: Pedro Bloch.
literatura brasileira” por seu costume Não seria um romance de Clarice Ele se criou no Brasil, onde mais
de se vestir de preto. Referindo-se Lispector se assim acontecesse. Na tarde se naturalizou. Aqui se formou
a ela e à importância de sua obra verdade, a pobre Macabéa, ao sair da médico foniatra para depois exercer
para a literatura brasileira, seu amigo cartomante, é atropelada por uma o jornalismo, ser compositor, poeta,
Otto Lara Resende disse em tom de Mercedes amarela guiada por um dramaturgo e, ainda, encontrar
elogio: “Não se trata de literatura, homem loiro, e cai morta no asfalto. tempo nos intervalos para escrever
mas de bruxaria”. Puro Clarice. mais de cem livros.

Teve nove romances publicados, Dizia-se brasileira. De acordo com Da mesma forma que Scliar,
entre eles, A Hora da Estrela, que suas próprias palavras e referindo-se são todos expoentes das letras
narra a história de uma moça cheia à sua terra Natal (Ucrânia): “Naquela deste País, e orgulho tanto para a
de esperanças, recém-chegada ao terra eu literalmente nunca pisei: fui comunidade judaica, como para
Rio de Janeiro, vinda do Nordeste carregada de colo”. homens e mulheres interessados em
(como ela própria, que veio do cultura na nossa terra. Pessoas que
Recife). Depois de a personagem Não podemos esquecer também de influenciaram mentes, enriqueceram
perder o namorada para uma amiga, Elisa Lispector, irmã de Clarice, nossa literatura e ajudaram a erigir
filha de um açougueiro, que aos autora que garantiu seu lugar na com letras a história de nossa nação e
olhos do moço poderia lhe dar uma literatura de nosso País com uma de seus antepassados.
oportunidade de ascensão social, escrita intimista, que explorava
na sequência, Macabéa (esse era mais as dúvidas existenciais de H. James Kutscka
o nome da personagem principal) seus personagens, desnudando suas é publicitário, pintor e autor de
inúmeros artigos e livros.
descobre estar com tuberculose (na fraquezas e agruras. Seu primeiro
época, uma quase sentença de morte) romance foi Além da Fronteira, de Meus agradecimentos à minha filha,
e procura uma cartomante para lhe 1945, e abriu as portas para uma a historiadora Kim Kutscka,
ler a sorte. série de outros livros recheados de pela revisão deste artigo.

62
PEQUENOS MILAGRES REVISTA MORASHÁ I 83

A VERDADE SEMPRE LIBERTA


Solomon Schwarz tinha uma união muito feliz, ele e sua esposa
Minnie eram parceiros de verdade, apenas algo faltava para
completar sua felicidade, um filho. Entretanto de repente suas
vidas saíram de seu controle e tomaram um rumo inesperado.

A
mavam-se profundamente, compartilhavam Judeu. Se sua esposa é estéril há mais de dez anos, a Torá
os mesmos valores e ideais e desfrutavam diz que você deve divorciar-se”.
de um companheirismo fora do comum.
Havia apenas algo que faltava em sua vida a “Não”, gritou Solomon, sem acreditar no que ouvia.
dois para torná-la completa – um presente “É a Lei”, afirmou duramente seu tio. “Não é possível
de D’us, um filho. Mas o casal tinha certeza de que esta que a Torá quisesse dissolver um casamento amoroso –
espera seria temporária. com filhos ou sem filhos”. O tio, por sua vez, acrescentou:
“Se você não acredita em mim, pergunte ao seu rabino...
Ano após ano eles aguardavam, pois a legião de médicos De qualquer maneira, eu já tomei a liberdade de falar
que haviam consultado garantira que não havia nada com a Minnie e lhe explicar a situação. E ela é uma
de errado com ambos e que, com certeza, teriam filhos. mulher de grande valor: concordou em não atrapalhar
Conforme o tempo passava, era cada vez mais difícil sua felicidade e cumprir os mandamentos. Ela não quer
para Minnie ver uma mãe empurrando, radiante, um impedi-lo de ter filhos com outra mulher. Ela vai lhe
carrinho de bebê pelas ruas, sem derramar uma lágrima. conceder o divórcio sem qualquer problema ou discussão.
Um nó formava-se em sua garganta cada vez que ouvia o Ela o ama e lhe deseja o melhor”.
inconfundível choro de um recém-nascido. No passado,
ela costumava parar diante das vitrines de lojas infantis “Quem é você para decidir o que é melhor para mim?”,
acariciando, com os olhos, os delicados lacinhos nas Solomon perguntou, furioso. “Minha esposa Minnie, a
roupas e acessórios. Agora, no entanto, quando passava quem amo. Ela é o melhor para mim. Ela é todo o meu
em frente a uma dessas lojas, apressava o passo e seguia mundo. Não vou me divorciar. Não acredito sequer que
em frente. tal lei exista de fato. Provavelmente é você quem está
inventando tudo isso”.
Os Schwartz já estavam casados há 12 anos quando
o patriarca da família, seu tio mais velho, Posteriormente, no entanto, quando Solomon foi
inesperadamente, chamou Solomon para uma conversa. averiguar pessoalmente junto a um rabino que era seu
“Você sabe que uma das mais importantes mitzvot amigo, ouviu as seguintes palavras: “Tal lei existe, de fato.
da Torá é o mandamento de pru urevu - frutificai e Em outras épocas, as pessoas seguiam rigorosamente
multiplicai-vos. Trazer filhos ao mundo não é apenas este mandamento. Atualmente, porém, os rabinos estão
um prazer, mas uma obrigação. Somos os responsáveis mais tolerantes em sua interpretação e a maioria não
pela perpetuação das espécies, pela perpetuação do Povo recomenda o divórcio. No seu caso, como Minnie e

63 abril 2014
PEQUENOS MILAGRES

você têm um lindo relacionamento “Será que ninguém pode fazer


e um amor especial, poucos o nada?”, perguntou, alquebrado, no
aconselhariam a tomar uma medida gabinete de estudo de um rabino,
tão drástica. Esqueça a conversa com certo dia. O rabino teve vontade
seu tio e siga com sua vida”. de lhe dizer que seu pedido era
impossível. Que nenhum estudioso
Mas as coisas já haviam tomado tal que seguisse a Halachá seria capaz
rumo que não havia nada mais a de encontrar uma solução para ele.
fazer. A situação saíra de controle. No entanto, ele se viu dizendo: “Por
Tendo sido convencida de que era a que você não vai se aconselhar com o
causa da infelicidade de seu marido Lubavitcher Rebe?”
e do drama das futuras gerações dos
Schwartz, Minnie não permitiria que lubavitcher rebe O Lubavitcher Rebe era um sábio
nada a detivesse e estava determinada muito conceituado em Crown
a seguir em frente com o processo de Heights, no Brooklyn. Tinha
divórcio. explicou-lhe: “Solomon, meu filho, milhares de discípulos – seguidores
você é um Cohen, pertencente à e admiradores mundo afora, que
Ao conversar com Solomon, ela disse, casta dos Sumos Sacerdotes que acreditavam fervorosamente na
entre lágrimas: “Tenho sido egoísta serviram no Templo. Um Cohen está inspiração Divina de sua sabedoria
durante todos esses anos. Com outra sujeito a leis mais rigorosas do que e inteligência, bem como nos
esposa você terá a chance de ter os descendentes das outras tribos. pressentimentos e poderes de consolo
muitos filhos. Não posso ficar no Um Cohen, sinto muito em lhe dizer, e cura desse homem santo. Muitos
seu caminho. Eu o amo demais para não pode se casar com uma mulher afirmavam que ele realizava milagres
privá-lo desta bênção”. Quanto mais divorciada. E Minnie, agora, pertence e salvava vidas. Para uma multidão
o marido argumentava, protestava e a este grupo”. de pessoas, judeus e não judeus,
tentava fazê-la raciocinar, mais ela ele era a última chance, a última
permanecia irredutível. Seu maior “Mas eu me divorciei dela, ela parada, o último tribunal de apelação.
sacrifício, seu derradeiro ato de amor era minha esposa”, retrucou. Era pleno de amor e aceitava
seria entregar seu amado marido “Tecnicamente, não faz diferença. incondicionalmente cada judeu,
para outra. Quando ele lhe entregou Ainda assim, ela é uma mulher independentemente de sua tendência
o guet (divórcio judaico), Solomon divorciada e você ainda é um Cohen. religiosa. Não era raro que judeus
se ajoelhou desesperado e com o Não vejo como vocês podem se casar seculares fizessem peregrinações
coração partido afirmou: “Eu amarei novamente”, afirmou o tio. até seu famoso endereço - 770
você para sempre”. Em resposta, ela Eastern Parkway - e dali saíssem
sussurrou, condoída: “Eternamente”. Solomon estava chocado. Minnie, reconfortados.
seu grande amor, sua preciosa esposa,
Duas semanas depois, ela lhe estava finalmente grávida e eles não Solomon Schwartz era observante
telefonou para contar que estava poderiam se casar novamente? Não o suficiente para desejar cumprir
grávida. Em resposta, ele disse: era possível, era? Infelizmente, todos a lei, mas não era um Lubavitcher.
“Vamos nos casar novamente. Tenho os rabinos consultados sobre o tema Vivia na Califórnia e nunca tinha
certeza que será permitido. Vou concordavam com a informação dada sido atingido pelo carisma do Rebe.
perguntar ao meu tio”. Quando o pelo tio. Ele era um Cohen, ela era Ainda assim, as histórias sobre ele
sobrinho lhe falou sobre as novidades, divorciada, não havia o que discutir. corriam pelo país e ele já havia
o patriarca deu a seguinte resposta: ouvido falar sobre os milagres do
“Bem, sim, em casos normais o casal “Não há nada que possa ser feito? Rebe. Então, quando o último rabino
pode casar novamente... Mas, este Uma dispensa, uma anulação? Não que consultara lhe sugeriu que se
não é um caso normal”. há nenhuma filigrana legal que vocês consultasse com o Lubavitcher Rebe,
possam encontrar para fazer com que sentiu que poderia ser uma opção.
Impaciente, Solomon perguntou: a lei seja interpretada a meu favor?” Disseram-lhe que o Rebe abria suas
“O que você quer dizer com este não Não havia brechas, todos respondiam portas ao público aos domingos e
é um caso normal?”. O tio, então, com tristeza. que os interessados em uma consulta

64
REVISTA MORASHÁ I 83

com ele eram recebidos de acordo


com a ordem de chegada. Quando
Solomon chegou ao Brooklyn, no
domingo de manhã cedo, a fila de
pessoas que esperavam para ver o
Rebe era muito grande e espalhava-
se como uma serpente ao redor
da Eastern Parkway e pelas ruas
próximas. Centenas de judeus de
todas as correntes atraídos ao local
em busca de seu milagre pessoal.
Solomon não pregara o olho durante
o vôo noturno de sábado à noite.
Esperando na interminável fila,
estava irritado e impaciente. Ainda
faltavam horas para chegar a sua vez, Sentia-se enganado, traído. No E por causa de tanta narishkeit -
mas consolava-se dizendo que talvez final das contas, o Rebe não era um tanta besteira... Venha para a cozinha.
a espera valesse a pena. homem santo. Era um charlatão, Tenho café fresco e acabei de fazer
um logro, uma fraude. “Vá falar com folheados de queijo, ainda estão
Mas não valeu. Cinco horas haviam sua mãe”. Que espécie de conselho quentinhos! Onde está Minnie?”.
transcorrido quando finalmente era esse? Ainda assim, ele parou
chegou sua vez. Ele sussurrou para reconsiderar o que ouvira. Era Então ele lhe contou tudo: a
sua triste história e a imposição interessante como o Rebe parecia intervenção do patriarca da família, a
da Halachá no ouvido atentos do estar certo de que ele tinha mãe e insistência de Minnie em se divorciar
Rebe. O que ele esperava ouvir que ela ainda estava viva. E como para que ele pudesse ter filhos com
daquele homem conhecido por seu sabia que ele não falava com ela há outra mulher; a repentina alegria
brilhantismo e sabedoria era, quem muito tempo? por causa da gravidez inesperada e
sabe, algo inédito, quem sabe uma a busca por uma brecha na Halachá.
brecha na Halachá que pudesse Ao longo dos anos, infelizmente, Finalizou aquela litania dizendo:
libertá-lo. Ou, no mínimo, uma eles haviam-se distanciado. Tinham “Mãe, você poderia imaginar
bênção que aliviasse o seu coração. tido muitas discussões que haviam tamanho problema?”.
Ao invés disso, o Rebe simplesmente desgastado seu relacionamento, e
analisou Solomon por uma fração de a reaproximação jamais ocorrera. Então, vagarosamente, sua mãe
segundo, perfurando sua alma com Haviam-se passado meses desde a começou a falar, olhando fixamente
uma ardente intensidade, e disse: “Vá última vez que conversaram e ela em seus olhos: “Não há problema
falar com sua mãe”. desconhecia os últimos eventos algum! Eu nunca consegui lhe contar
graves que tinham ocorrido em sua antes, mas, chegou a hora de fazê-lo.
Atônito, Solomon gaguejou, entre vida: o divórcio, a gravidez de Minnie É verdade que seu pai era um Cohen,
frustrado e desesperado: “O quê???”. e sua busca frenética por uma brecha portanto, naturalmente, você supôs
“Vá falar com sua mãe”, repetiu o haláchica para que pudessem casar-se que também fosse, pois passa de pai
Rebe. Foi aí que o rapaz estourou: novamente. para filho. Mas você não é Cohen
“Eu viajei três mil milhas para o de fato e, portanto, está livre para se
senhor me dizer para falar com “Vá falar com sua mãe”, dissera o casar novamente com Minnie...O
minha mãe? Isto é tudo que o senhor Rebe. Solomon não sabia o que Rebe estava certo quando lhe disse
tem para me dizer?”, falou já alterado, o sábio quisera dizer com essa para falar comigo...Sabe...você foi
descrédito. Pela terceira vez, o Rebe mensagem enigmática, mas talvez adotado”.
repetiu: “Vá falar com sua mãe”, e fez fosse o momento de ver sua mãe,
sinal para que ele saísse. de qualquer maneira. Seu rosto se
Extraído da coletânea Small
iluminou quando ela abriu a porta e Miracles for the Jewish Heart –
Solomon andou pelas ruas de Crown o envolveu em um forte abraço. “Há Extraordinary Coincidences from
Yesterday and Today, de Yitta
Heights; era o desconsolo em pessoa. quanto tempo”, ela chorou. Halberstam e Judith Leventhal

65 abril 2014
COMUNIDADES

judeus no méxico
Apesar da presença judaica no México datar dos primórdios
da conquista espanhola, no século 16, a atual comunidade
judaica data do final do século 19 e início do
século 20, quando chegaram ao país diferentes levas de
imigrantes judeus oriundos do Império Otomano e da Europa.

E
m 1492, ano em que os judeus foram Montezuma crê que Cortés era a personificação dessa
definitivamente expulsos da Espanha, Cristóvão divindade. Envia-lhe, então, presentes em ouro e prata
Colombo desembarcava nas Índias Ocidentais. de grande valor, o que iria atiçar ainda mais a cobiça
Sabe-se que havia conversos1 integrando essa espanhola.
expedição, assim como em outras que foram até
o Novo Mundo, muitas vezes até financiando tais viagens. Em novembro, Cortés chega a Tenochtitlan,
Nas décadas seguintes, quando centenas de aventureiros capital do Império, localizada onde atualmente
espanhóis foram para as Américas, não houve um barco é a Cidade do México. Montezuma recebe-os
que não levasse consigo cristãos novos, como eram amigavelmente, mas, dias depois, é feito prisioneiro.
também chamados os conversos. Ao se tornar evidente que estes não eram deuses, os
astecas se revoltam. Montezuma acaba sendo morto
Eles também faziam parte da expedição de Hernán e seu sucessor, Cuauhtémoc, resiste ferozmente aos
Cortés, que, em fevereiro de 1519, saiu de Cuba e invasores. Mas, em meados de 1521, após um longo
desembarcou na ilha de Cozumel, situada perto da costa sítio, as tropas de Cortés tomam Tenochtitlan.
da Península de Iucatã, localizada no sudeste do território É o inicio do Período Colonial, que durou até 1810.
do atual México. Iucatã havia sido descoberta dois Durante este período, o território do atual México fazia
anos antes por uma expedição espanhola liderada por parte do vice-reinado da Nueva España, cuja capital era a
Francisco Hernández de Córdoba. Cidade do México. Incluía, também, as ilhas espanholas
do Caribe, a América Central descendo até a Costa Rica,
As notícias da existência de ouro em Iucatã eram inclusive, e o sudoeste dos Estados Unidos.
um grande estímulo para os homens de Cortés. Para
conquistar a região, eles não temem o enfrentamento A estrutura do império espanhol nas Américas tomou
com o Império Asteca, poder dominante da região, que forma em 1533 e manteve sua estrutura até o final
atingira o apogeu sob o imperador Montezuma. do século 18. Colônia de exploração, a economia da
Além de uma tecnologia militar superior – armas de ferro Nueva España era baseada na exploração das minas de
e aço e cavalos – uma casualidade ajudou os espanhóis prata e ouro, e o comércio estava sob rígido controle
a derrotar os temidos astecas. De acordo com antigos monopolista. A Igreja, rica e poderosa, dona de
mitos, Quetzalcóatl, um de seus deuses, estava por grandes extensões de terra, vai desempenhar um papel
regressar. Ao ser informado da chegada dos espanhóis, preponderante durante o Período Colonial.

66
Sinagoga Abu Attie, Comunidade Maguen David

Presença judaica conversos a procurar meios para se fixaram no território do atual


embarcar para o Novo Mundo. México, vindos principalmente
Em 1502, antes mesmo de o de Madri e Sevilha e de Portugal.
México ter sido descoberto, a Coroa Nem todos os conversos que vieram Vinham como soldados,
Espanhola outorgara uma lei que para o Novo Mundo mantinham- conquistadores e colonizadores. No
fechava os domínios espanhóis nas se fieis à fé de seus ancestrais, mas, ano de 1536 já havia comunidades
Américas para os cristãos novos. De mesmo os que haviam abraçado de conversos em Tlaxcala e Mérida.
acordo com a lei, apenas cristãos o cristianismo, eram visados pela Com o surgimento de novos centros
velhos poderiam integrar-se às Inquisição e não estavam a salvo. de mineração, havia conversos,
expedições. Eram, portanto, excluídos Reservava-se maior hostilidade aos entre outros, em Taxco, Zacualpan,
judeus, conversos, os que possuíam chamados “judaizantes”, cristãos Zumpango del Rio, Espírito Santo
sangue judeu entre seus ancestrais novos suspeitos de continuarem e Tlalpujahua. No final do século
e qualquer pessoa que tivesse sido praticando o judaísmo em segredo, 16, surgiram pequenos núcleos em
processada pela Inquisição, bem ou, pior ainda, de levar outros Guadalajara, Puebla, Querétaro,
como os mouros. cristãos novos de volta ao judaísmo. Oaxaca e Michoacan, entre outras
áreas. Sabe-se que, no início do
Mas, as notícias das riquezas das Como vimos acima, havia conversos século 17, havia pelo menos um
Américas, aliadas à possibilidade na expedição de Cortés, que, em grupo de conversos em cada cidade.
de viver longe da intolerância e do 1519, desembarcou em Cozumel.
ódio e, principalmente, das garras Sabe-se também que participaram Sua ativa participação na vida
da Inquisição, levaram milhares de ativamente do processo de ocupação econômica e comercial leva-os
e colonização das principais áreas a prosperar, mantendo relações
da Nova Espanha. Em 1528, quatro comerciais com conversos da
1
Na Espanha, após os pogroms de
1391 e até o Édito de expulsão de 1492, deles foram acusados de serem Espanha, de Portugal, Inglaterra,
milhares de judeus foram obrigados, na “judaizantes”, dois foram queimados Holanda e do Império Otomano.
ponta da espada, a renunciar à sua fé e vivos. Mas, a sociedade colonial os via com
abraçar o cristianismo. Ficam conhecidos
como conversos, cristãos novos ou,
antipatia e desprezo e a Inquisição
pejorativamente, marranos. Na literatura No mesmo período, aumentou era uma ameaça constante em sua
judaica são chamados de anusim. o número de cristãos novos que vida. Os conversos mantinham

67 abril 2014
COMUNIDADES

missa especial, e ali ouvir o “édito”


da Inquisição que condenava, além
do judaísmo, várias outras heresias.
Os que se julgavam culpados de
“contaminação” deviam apresentar-
se e confessar dentro de um
período estipulado, sem incorrer em
penitências sérias. Eram obrigados,
porém, a denunciar outros supostos
culpados. Na verdade, esse era o
requisito crucial para poder escapar
Navio com imigrantes judeus chega a Vera cruz, 1923
sem nada mais severo que uma
penitência. Os acusados podiam
ficar encarcerados durante anos,
estreitos laços entre si e procuravam onde ele e vários membros da família sem ao menos saber a transgressão
casar seus filhos entre os membros do viviam, na Cidade do México, no de que se dizia serem culpados,
grupo. Apesar dos perigos, reuniam- bairro Santiago Tlatelco, era uma nem quem os denunciara. A prisão
se para rezar em quartos secretos, nas sinagoga e um lugar de refúgio. era invariavelmente seguida do
casas de líderes comunitários, que, El Mozo foi preso pela Inquisição imediato confisco de todos os seus
muitas vezes, atuavam como rabinos. em duas ocasiões e morreu na pertences, desde a casa até as roupas,
fogueira em 8 de dezembro de os pratos e panelas. Não foram
A família Carvajal 1596. Após sua última prisão, foi poucas as vezes em que acusações
cruelmente torturado até denunciar eram fabricadas, visando obter os
A família Carvajal escreveu um 21 pessoas, incluindo sua família bens e propriedades do indivíduo,
capítulo importante na história imediata, apesar de ter repudiado sua que jamais eram devolvidos, mesmo
dos judeus no México. Em 1579, confissão, posteriormente. Deixou sendo o acusado inocentado.
o converso Don Luís de Carvajal significativo material escrito, que
y de la Cueva, El Viejo (o Velho) ficou escondido nos arquivos da A Inquisição estabeleceu seu próprio
foi indicado pela Coroa espanhola Inquisição Mexicana durante mais tribunal no México em 1570, na
como governador de um distrito de 300 anos antes de serem liberados. Cidade do México. A Igreja fazia do
no México. Como agradecimento Luis de Carvajal é reconhecido, hoje, Auto-de-fé um grande espetáculo e
por sua indicação, colonizou uma como o primeiro autor judeu no a cidade se preparava como para uma
extensa área com recursos próprios. Novo Mundo. festa, sendo convidados à cidade para
Denominou sua jurisdição de a ocasião dignitários provinciais.
Nuevo Reino de Leon. O território A inquisição no México O primeiro Auto-de-fé foi realizado
incluía uma porção significativa do quatro anos mais tarde. No dia 28 de
México atual, bem como partes do A Inquisição chegou às Índias fevereiro de 1574, era protestante a
Texas e do Novo México. A Coroa Ocidentais por volta de 1519, maioria dos 74 prisioneiros levados
deu-lhe a permissão de trazer da exatamente quando Cortés iniciava a julgamento. Estima-se que entre
Espanha 100 famílias, a maioria a conquista do México. Em 1527, 1574 e 1603, mais de 115 conversos
delas de conversos. Uma década após foram nomeados os primeiros bispos tenham sido condenados.
seu estabelecimento, já eram uma do México, com autorização para
comunidade significativa. Mas suas atuar como inquisidores. Um dos O ponto alto da Inquisição no
expectativas de conseguir escapar principais alvos da Inquisição eram México veio com o Grande Auto
das perseguições foram frustradas, os “judaizantes” – conversos que de 11 de abril de 1649. Anunciado
pois muitos deles, acusados de serem retornavam ao judaísmo. de antemão por trombetas e
“judaizantes”, foram punidos. tambores por todo o México, atraiu
Assim como em todos os lugares as multidões que começaram a
Outra figura importante foi Luis de onde atuavam, os inquisidores chegar à Cidade do México duas
Carvajal, El Mozo (o Jovem), neto escolhiam um dia em que todos semanas antes do acontecimento.
de Luis de Carvajal y Cueva. A casa eram obrigados a assistir a uma No dia anterior ao “evento”, muitos

68
REVISTA MORASHÁ i 83

espectadores chegaram à praça sangrenta luta entre forças liberais país. Ademais, até 1860, quando
onde se realizaria o Auto-de-fé, e conservadoras que dominaram o então presidente liberal Benito
permanecendo a noite toda para a história do país no século 19. Juaréz instituiu a liberdade religiosa,
não perder os lugares ou a visão Enquanto os conservadores queriam o catolicismo era a única religião
dos acontecimentos. No total, um governo de centro, eventualmente oficial do Estado. E ainda era grande
foram julgados e condenados 109 uma monarquia sob os Bourbon, em o preconceito e desconfiança do povo
prisioneiros, dos quais apenas um não que Igreja e militares mantivessem em relação aos judeus, uma herança
era cristão novo. Representavam “a seus poderes tradicionais, os liberais da Inquisição e do fato do México ser
maior parte do comércio do México”, queriam um governo federalista e um país de grande devoção católica.
pois os conversos dominavam o a limitação da influência da Igreja
comércio entre a Espanha e suas Católica e dos militares sobre o país. O número de judeus foi aumentando
colônias. Dos 109 prisioneiros, Para os liberais, o poder da Igreja era após o México fechar acordos
13 foram sentenciados à estaca o maior entrave para qualquer avanço comerciais com empresas europeias
e 20 queimados em efígie – não político ou econômico. que pertenciam a judeus e alguns
estando de corpo presente. Desses de seus representantes passarem a
20, alguns haviam escapado da No decorrer do século 19, governos viver no país. Em 1861, já havia uma
prisão, outros morreram sob tortura liberais são derrubados por forças comunidade judaica organizada.
e dois deram fim à vida. militares conservadoras e vice-versa. Na ocasião, a mídia judaica londrina
O resultado foi um período de publicara que “100 famílias judias
Os confiscos relacionados ao grande instabilidade política e caos planejam construir uma sinagoga
Grande Auto trouxeram aos cofres econômico. A pobreza e as doenças na Cidade do México”. Muitas,
da Inquisição um total de três tomaram conta do país. Na Europa, porém, acabam por deixar o país em
milhões de pesos. Essa quantia teria dizia-se que “no México, se não se decorrência da violência das revoltas
bastado para construir mais de 238 morre de epidemia, morre-se por e contrarrevoltas.
grandes prédios municipais. Entre causa das guerras internas”.
1646 e 1649, com seus confiscos a As lutas internas acabam com uma
Inquisição obteve renda suficiente Como foi mencionado acima, não intervenção francesa e a formação
para se manter por 327 anos. havia praticamente judeus no país do Segundo Império Mexicano. Em
no final do século 18. As antigas 1864, Maximiliano de Hamburgo
A incansável atuação da Inquisição comunidades de conversos haviam torna-se imperador do México. Ele
e a violência dos Autos-de- desaparecido e apenas uma dezena traz consigo 100 famílias judias da
fé semearam o medo entre os de judeus se aventurara a entrar no Bélgica, França, Áustria e Alsácia.
cristãos-novos e, gradativamente, Abastados e com estreitas ligações
as comunidades conversas foram com a aristocracia, chegaram a
desaparecendo. Já no século 18 há cogitar a possibilidade de construir
poucos indícios da presença judaica uma sinagoga, mas nada foi feito
na região. nesse sentido. Em 1867 as forças
liberais derrubam o império e
prendem Maximiliano, que é fuzilado
Século 19 – da
Independência a 1900 em junho desse ano.

A luta pela independência A maioria dos judeus deixa


mexicana teve início em 1810 o México e, na década seguinte,
e prolongou-se até 1821. A guerra a vida comunitária judaica quase
civil deixou o México destruído, desaparece. Em 1879 havia
sua economia arruinada e uma apenas 20 famílias na Cidade
imensa dívida externa. Em 1823 do México, a assimilação atingira
nasce um novo país, independente: níveis altíssimos e eram frequentes
os Estados Unidos Mexicanos. os casamentos mistos. Com a
A guerra da independência foi subida ao poder de Porfirio Diaz,
um dos episódios da longa e Golda Meir na Cidade do México em 1876, o país entra em um

69 abril 2014
COMUNIDADES

período de estabilidade política


e desenvolvimento econômico.
Investidores estrangeiros passam a
ver a nação como uma opção para
seus negócios. Ainda era pequeno
o número de judeus que vivia
na Cidade do México, mas este
foi crescendo com a chegada de
correligionários europeus.

Entre os representantes de
companhias estrangeiras que
passaram a investir no país havia
inúmeros judeus, ainda que não
se identificassem abertamente
como tal. Abastados, assimilados uma das primeiras diretorias da unión sefaradi
eram oriundos de vários países –
França, Áustria, Alemanha, Itália,
Bélgica, Estados Unidos e Canadá. oriundos do Império Otomano e chegaram, também, ao México,
Mas, apesar de não quererem se da Europa. Durante o governo de judeus dos Bálcãs e da Turquia.
envolver em assuntos da comunidade Porfirio Diaz a imigração judaica
judaica local, eles cooperaram era incentivada, pois era vista como Paralelamente, os asquenazitas
economicamente em situações de muito positiva para a nação. tentavam organizar uma vida
crise, como na época dos pogroms de A deterioração da qualidade de comunitária. Em 1904, um grupo
1881, na Rússia. vida dos judeus no Império Turco- chamado “El Comité” organizou
otomano, além das novas leis de os serviços de Rosh Hashaná num
Apesar do seu pequeno número, alistamento obrigatório, levaram Centro Maçônico. Quatro anos mais
não foi desprezível a participação jovens judeus a deixarem seus países tarde é estabelecida a “Sociedad
dos judeus na vida econômica de origem para se estabelecer em de Beneficencia Monte Sinai”.
e política do México, e grandes terras com melhores condições A criação dessa comunidade se deu,
empreendimentos foram fundados econômicas. em grande parte, graças aos esforços
nesse período por eles, entre os do rabino Martin Zielonka, enviado
quais, o Palácio de Hierro e o Banco Os primeiros judeus sírios vindos ao México pela União Americana
Nacional do México. de Damasco e Alepo chegaram ao das Congregações Hebraicas. Essa
México em 1899. Eles vão ser os organização decidira incentivar
No início do século 20 começou a primeiros a tentar reconstruir sua a formação de uma comunidade
exploração petrolífera no país. Ainda vida no país, pois até então o México judaica para evitar a emigração ilegal
que as concessões tenham sido era visto como paragem transitória. de judeus para os Estados Unidos.
entregues a companhias estrangeiras, Sem recursos financeiros, sem A nova sociedade beneficente
a exploração levou o país a uma conhecer o país e nem falar o idioma, não teve vida longa. Entre outros,
industrialização. Os judeus vão a maioria começou trabalhando inúmeros asquenazitas deixaram o
participar ativamente desse processo. como vendedores ambulantes, na país quando eclodiu a Revolução
esperança de conseguir os meios Mexicana de 1910, considerada o
As bases da atual financeiros para mandar buscar toda acontecimento político e social mais
comunidade a família. A comunidade judaica importante do século 20 no México.
síria foi-se formando, pois, de modo
As bases da atual comunidade geral, havia entre eles estreitos O conflito revolucionário resultou
judaica mexicana foram criadas laços familiares. Tradicionalistas e na diminuição da população judaica.
no final do século 19 e início do religiosos, reuniam-se para as preces Mas, apesar da violência e da falta
século 20, quando chegaram ao país diárias e festas religiosas em casas de alimentos, os judeus oriundos do
diferentes levas de imigrantes judeus particulares. Nesse mesmo período Império Otomano e da Rússia lá

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REVISTA MORASHÁ i 83

permaneceram. Além de não terem


meios financeiros para voltar para
suas cidades, não tinham para onde
voltar. O que os esperava não era
melhor do que a situação reinante.
Em 1912 é, então, criada na Cidade
do México a “Alianza Monte
Sinai”, a AMS, por iniciativa de
um judeu de Salônica, Isaac Capon.
A nova entidade reuniria judeus
de todas as nacionalidades. Uma
das primeiras medidas tomadas
foi o estabelecimento de um
cemitério judaico. Graças ao bom
relacionamento entre Jacobo Granat,
um dos dirigentes da Alianza, Casamento realizado na Sinagoga Rodfe Sedek
com Francisco I. Madero, líder
revolucionário que assumira
a presidência mexicana, a AMS as novas disposições, são definidas inglês, YMHA), que funcionava
teve autorização para adquirir um novas relações de trabalho, mais como um clube e se dedicava à
terreno para o primeiro cemitério humanizadas. É também reafirmada promoção da cultura e do esporte.
judaico do país. a liberdade religiosa e definida A YMHA tornou-se um ponto
uma nítida separação entre Estado de encontros sociais e auxílio
Em 1918, compraram uma casa no e Igreja. Esta última, assim como econômico para os novos imigrantes
centro da Cidade do México, que outras entidades religiosas, devia asquenazitas.
viria a ser a primeira sinagoga da submeter-se às leis constitucionais.
comunidade judaica mexicana. A década de 1920
O dia em que o presidente A chegada de novos
Venustiano Carranza assinou a imigrantes Esses anos foram decisivos para a
autorização da nova sinagoga consolidação da comunidade judaica
tornou-se uma data memorável, Em 1912, a população judaica local. Em 1921 o México passa a
pois foi a primeira vez em que a do México era de 12 mil pessoas, ser o segundo produtor mundial de
comunidade judaica foi reconhecida aproximadamente, representando petróleo e a nação está em franco
por lei. cerca de 0,1% da população mexicana processo de reconstrução econômica.
que então somava 12 milhões.
Apesar de altos e baixos, a AMS A imigração tanto sefaradita quanto É, também, no início da década de
conseguiu manter-se unida por uma asquenazita, principalmente da 1920 que começa uma imigração
década, durante a qual a instituição Europa Oriental, continuou nas maciça de judeus vindos de todas as
realizava serviços religiosos e oferecia primeiras décadas do século 20. partes do mundo, mas principalmente
assistência aos novos imigrantes, Curiosamente, os primeiros da Europa Central e Oriental.
incluindo aulas de hebraico, refeições imigrantes judeus da Europa Somente no ano de 1920 chegaram
casher e serviços de mohel. Havia, Oriental chegaram em 1917, aproximadamente 9 mil ashquenazim
também, uma mikvê. através dos EUA. Esse país entrara e 6 mil sefaradim, elevando o número
na 1ª Guerra Mundial e esses de judeus no México ao total de
Após anos de lutas internas e imigrantes não queriam servir no 21 mil pessoas. A grande maioria
penúria, os políticos mexicanos exército americano. Eram homens estabeleceu-se na Cidade do México.
convenceram-se da necessidade jovens que falavam russo e iídiche. Para muitos, o país era apenas uma
de uma nova constituição. Ela vai Sionistas, fundaram na Cidade do escala em sua jornada rumo aos
ser outorgada em 1917. O objetivo México a primeira organização EUA. Mas, com o estabelecimento
era a independência econômica e cultural judaica do país: a Associação de cotas de imigração por parte
o desenvolvimento do país. Entre Hebraica de Homens Jovens (em das autoridades americanas, em

71 abril 2014
COMUNIDADES

1921, que se tornaram mais rígidas Em 1940 a Fraternidad, integrou-se a aquisição de máquinas para a
em 1924, grande contingente à Buena Voluntad e ao movimento indústria têxtil e outros segmentos,
dessas famílias ficou no México. juvenil Unión y Progreso, criando ajudando os judeus a abrirem
Para a comunidade asquenazita, a Unión Sefaradi. Judeus de Alepo seus próprios negócios. Em 1931
a nova onda migratória foi muito também se separaram da AMS para foi criada a Câmara Israelita de
significativa, pois até então mais da criar o que é hoje a comunidade Indústria y Comércio com o objetivo
metade da população judaica era Magen David (antiga Sedaká u de coordenar o esforço judaico para
sefaradita. Marpé). Na realidade, mesmo antes se organizar economicamente e
da construção de sua primeira representar a comunidade junto às
Nessa década, a comunidade sinagoga, em 1931, a Rodfe Sedek, os autoridades.
passou por uma reestruturação. judeus alepinos tinham seus próprios
As diferenças de língua, rituais locais de reza, escolas e instituições Política imigratória e
religiosos e até hábitos do beneficentes. A AMS passou a ser antissemitismo
cotidiano, especialmente entre liderada pelos damascenos, que, em
os que vinham da Europa e do 1935, mudaram seu estatuto e seu No final da década, há uma mudança
Oriente Médio, levaram diferentes nome, passando a ser conhecida na política mexicana em relação à
grupos ao estabelecimento de como a comunidade Monte Sinai, imigração, que até então mantivera
comunidades separadas. Cada uma que reunia os judeus de Damasco. uma postura aberta. Antes da
ergueu suas sinagogas, mantendo Revolução Mexicana não havia
casas de estudos, organizações O sionismo sempre teve grande praticamente uma regulamentação
beneficentes, escolas e até cemitérios apelo entre os judeus mexicanos legal desta questão e, durante toda
individualizados. e, em 1925, foi criada a Federação a década, o governo convidara os
Sionista. Mas, por não se sentirem judeus a imigrarem para o México.
A separação dos ashquenazim da confortáveis nas reuniões nas quais
AMS se deu em 1922, quando a língua predominante era o iídiche, No final dos anos 1920, porém, a
este grupo decidiu realizar serviços os sefaraditas fundaram sua própria situação mudou. O nacionalismo
religiosos independentes e criou a organização sionista, a Bnei Kedem. ocupa um lugar central no projeto
Nidje Israel (Consejo Comunitario político de reconstrução nacional.
Askenazi). Em 1924 foi a vez dos A década de 1920 viu prosperarem Uma nova política migratória
judeus da Turquia, Grécia e dos os judeus do México e participarem seletiva vai ser o resultado da
Bálcãs – que falavam o ladino – ativamente no processo de busca de um desenvolvimento
separarem-se da AMS, fundando a desenvolvimento e industrialização econômico autônomo e de um perfil
sua própria organização e associação do país. O Banco Mercantil, fundado populacional próprio. Esse perfil seria
de assistência social, a Fraternidad. pelos judeus, passou a financiar o resultado da homogeneização da

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1. Comitée do Macabi, novembro de 1936 2. moshe dayan na Cidade do México

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REVISTA MORASHÁ i 83

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1. Casa da família Carvajal 2. Sinagoga Rodfe Sédek, congregação Maguen David 3. Sinagoga Rodfe Sédek, congregação
Maguen David 4. Sinagoga Adat Israel, Consejo Comunitario Askenazi 5. Sinagoga Monte Sinai 6. Sinagoga Shaar Hashamaim
Comunidade Unión Sefaradi

população através da “mestiçagem”, por ano para poloneses e romenos. os judeus às esferas mais altas da
entendida como fusão, assimilação Entre 1933 e 1945, o México recebeu sociedade mexicana. Novos ventos
e dissolução de grupos étnicos. apenas 1.850 judeus. sopram, provocando uma mudança
Além de critérios, também o positiva definitiva no relacionamento
viés econômico passa a orientar O suposto “interesse nacional” foi entre as comunidades judaicas e
a política migratória. A partir de também utilizado internamente o Estado, em 1992. Desde 1940
1927 o Congresso aprova uma como estratégia discriminatória. Na as relações entre Estado e Igreja
nova legislação para a imigração década de 1930 há um aumento do baseavam-se no acordo segundo
baseada em critérios éticos-raciais, antissemitismo, expresso através de o qual o Governo não interferia
a capacidade de assimilação dos ataques dos grupos fascistas locais, nas questões da Igreja em troca
imigrantes e sua contribuição entre os quais, o “Camisas Doradas” do reconhecimento da Igreja da
para o desenvolvimento do país. e o Comitê Pró-Raça, que buscou hegemonia sociopolítica do Estado.
expulsar do país os estrangeiros Esta equação aplicava-se em relação
Em 1936, a Lei Populacional já residentes. Em maio de 1931, a a qualquer grupo religioso. Os judeus
estabelece diferentes cotas de população judaica fica chocada com haviam-se adaptado, registrando
imigração e elabora tabelas com a expulsão de 250 comerciantes suas congregações e sinagogas como
restrições a determinados grupos de judeus do mercado La Lagunilla. associações civis. Mas, com a reforma
estrangeiros. Os grupos objeto de Determinados a resistir a tais constitucional de 1992, há um
maior hostilidade foram os chineses situações, as inúmeras entidades reconhecimento legal das instituições
e os judeus. judaicas mexicanas se unem para religiosas e de suas atividades
criar o Comité Central Israelita do comunitárias.
Apesar dos intensos esforços feitos México.
pelos judeus locais e das pressões A ligação entre os judeus do México
internacionais, os judeus alemães Segunda metade e Israel sempre foi forte, mas,
e austríacos que haviam fugido do século 20 apesar dos esforços, não consegue
da Alemanha nazista tinham mudar, em várias ocasiões, a política
dificuldades para entrar no país, e o Na segunda metade do século 20 antissionista do governo mexicano.
governo concedia apenas dez vistos a ascensão socioeconômica alçou Na histórica votação das Nações

73 abril 2014
COMUNIDADES

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1. Sinagoga Rabi Yehuda Halevi, Unión Sefaradi. 2. Sinagoga Nidje israel, Consejo Comunitario Askenazi ortodoxo

Unidas que, em 29 de novembro de mistos passou de 50%, no México Ali é realizado, anualmente, o mais
1947, decidiu a Partilha da Palestina, apenas 6% dos casamentos são de importante Festival de Dança e
o México se absteve. E só reconheceu judeus com não-judeus. Há cerca de Música Judaica da América Latina.
o Estado de Israel em abril de 1952. 30 sinagogas na Cidade do México e A rede judaica de educação conta
Mas, o momento mais grave se deu número igual de locais menores para com 16 escolas na Cidade do
em 1975, quando o então presidente orações e estudos e cerca de 20 locais México. Segundo as estatísticas, mais
do México, Luis Echeverria, propôs à adicionais alugados para os serviços de 90% das crianças judias estudam
Assembleia Geral das Nações Unidas durante as Grandes Festas. Duas em estabelecimentos da comunidade,
que o sionismo fosse considerado sinagogas são conservadoras e as da pré-escola ao ensino médio.
uma forma de racismo. A Resolução demais, ortodoxas.
acabou sendo aprovada e as relações Há, ainda, 16 movimentos juvenis
diplomáticas entre Israel e o México Cerca de 95% dos judeus na Cidade com aproximadamente 2 mil
ficaram tensas. O México mudou sua do México estão diretamente membros, a maioria dos quais
posição em 1992, quando o então afiliados à alguma comunidade ou identificados com o Estado de
presidente Carlos Salinas propôs e ao renomado Centro Desportivo Israel. Anualmente, milhares de
conseguiu a revogação da Resolução Israelita (CDI). Cada comunidade jovens judeus mexicanos visitam o
de 1975, na ONU. fornece praticamente todos os Estado Judeu através de programas
serviços do ciclo de vida de seus organizados pelas escolas.
Século 21 membros – desde o nascimento ao
falecimento. Isso abrange os âmbitos
De acordo com dados publicados pelo religioso, educacional, social, cultural
World Jewish Congress, atualmente e assistencial. BIbliografia:

a comunidade judaica mexicana soma Los Judios de Alepo em México, coordenação


Liz Hamui de Halabe , ed. Maguen David
40 mil a 50 mil membros, dos quais O Centro Desportivo Israelita
cerca de 37 mil vivem na Cidade do (CDI), fundado em 1950, tem Unikel-Fasja, Monica, Sinagogas de México
México. Há, também, comunidades atualmente mais de 28 mil membros. Perez de Cohen, Rosalynda, Levy de Behar,
em Guadalajara, Monterrey, Além de uma infraestrutura Simonette , Bejarano de Goldberg, Sophie,
Tijuana, Cancun e San Miguel. excelente para a prática de esportes, Sefarad de ayer ou i manyana, Presencia
Sefaradí em México
Diferentemente de outros países possui, também, uma galeria de arte,
onde a percentagem de casamentos um teatro e um salão para eventos. Cincuenta Años del Centro Deportivo Israelita

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