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SABEDORIA E

Krish
J l D D U K R IS H N A M U R T I, teósofo hindu,
nasceu em M adras, ín dia, em 1895 (ou 1897,
segundo alguns historiadores). F o i educado na
Inglaterra, onde suas idéias despertaram grande
interesse. E m 1923, Annie B esant afirmou ser
ele o Mestre do M undo, organizando-se na E u ­
ropa a Ordem da Estrela do Oriente, com sede
em Ommen (H olan da) e seções nacionais, in­
clusive no B rasil (Instituição Cultural Krishna-
murti, R io de Jan eiro).
Krishnamurti viveu todo o período de agi­
tação do seu país, presenciando as lutas san­
grentas que dividiram a índia. Seu pensamento
revolucionário logo se impôs, atraindo multidões
para ouvir as suas conferências.
Krishnamurti com bate todas as religiões,
cultos e cerimônias, afirmando que não repre­
sentam a total Verdade, e que somente através
do pensamento lógico o ser humano pode atingir
um estágio elevado. Comprovando na prática
as suas teorias, dissolveu em 1929 a Ordem
da Estrela do Oriente, criada por seus seguido­
res e que pretendia apresentá-lo com o o Mestre
do Mundo.
Krishnamurti percorre o mundo, levando
sabedoria e conhecimento, pronunciando as cé­
lebres conferências que o tornaram uma das
maiores personalidades deste século.
Jiddu Krishnamurti

Morrer P ara
renascer

, Tradução de:
Hugo Veloso

Desenhos de Myoung Youn L ee baseados


em motivos de tapetes indianos.
Í ndice

A Busca da Fonte da F elicidade ......... 13

D ualidade e F rustração ....................... 37

A P rocura da V erdadeira A ç ã o ......... 59

O D escondicionamento da M ente ......... 75


Parte de um poema de Krishnamurti. Uma página do seu
caderno, escrita a lápis, em 1927.
Krishnamurti dissolvendo a Ordem da Estrela, no Campo
de Ommen, em agosto de 1929.
Morrer P ara
R enascer
A B usca da fonte
da F elicidade

S e pudéssemos encontrar, por inesgotável, de cujas águas


nós mesmos, uma fonte perene possamos viver e ser felizes e
de felicidade, de bem- criar. M as, essa fonte parece
áventurança, estariam esconder-se de nós. Estamos
resolvidos, parece-me, a sempre a perseguir um
maioria dos nossos problemas. fantasma e nunca temos a coisa
Andamos incessantemente em real. A meu ver, se refletirmos
busca dessa fonte, em todas as devidamente sobre o problema
nossas relações, em tudo o que da revolução religiosa e
fazemos, com motivo e, às soubermos promover essa
vezes, sem motivo algum. revolução, ela poderá levar-
nos àquela fonte e fazer surgir
A s coisas que acumulamos
em nossa vida açfüela bem-
como conhecimento e as coisas
aventurança. ■'
do coração e da mente,
constituem um seguro indício A revolução total depende de
de que ansiamos por um “processo”, uma
encocntrar aquela fonte progressão? Depende de

13
algum método? A revolução do atemporal. O necessário é
total não se opera através de morrer todos os dias para todas
nenhum processo, através de as coisas que sabemos, todas
ajustamentos graduais, as coisas que experimentamos,
| renúncias, resistência, tiido o que aprendemos. O
disciplina. A revolução total importante é o morrer todos os
está no momento. Qualquer dias, mas não com o morrer.
outra espécie de revolução ou
Antes de irmos por diante,
mudança, assim me parece, é
importa sobremodo averiguar-
“processo” de ajustamento a
se a maneira como escutamos.
determinado padrão, a um
Se uma pessoa é intelectual, se
i ideal, a uma Utopia, ou o que
leu muitos livros, se adquiriu
quiserdes; é um processo
muita erudição e tem o intelecto
gradativo; e tal processo, tal
; e a mente completamente
método de acesso gradual —
cheios, essa pessoa é capaz de
o chamado método evolutivo
escutar? Os seus
— não o considero religioso;
conhecimentos, justamente,
será científico, mas,
não colidem com as coisas que
fundamentalmente, não é, de
ouve dizer, impedindo-lhe o
modo nenhum, religioso.
descobrimento da verdade?
Afigura-se-me muito Pode o seu intelecto ser muito
importante compreendermos penetrante e capaz de exame
esse estado religioso para nos racional progressivo; mas,
acharmos nele e não para pode essa mente, a mente dita
chegarmos a ele. E essa intelectual, alcançar aquele
estado?
compreensão é impossível,
acho eu, se pensamos em Aquele estado, por certo, só
termos referentes ao tempo, pode existir depois de cessar
tais como: “alcançar, chegar, a atividade da mente. Não vos
praticar certo método, seguir parece importante, por
determinado caminho”, para conseguinte, que essa mente
termos a revelação daquela intelectual abandone, se
extraordinária ação criadora possível, todas as coisas que

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aprendeu, que estudou, que mediano anseia por um método
leu? Estou bem certo de que, de ação imediata; vendo-se
de outro modo, a mente tolhido pelas circunstâncias de
intelectual nunca encontrará uma vida que se tornou rotina,
aquilo que é real. A merite cheia de tédio e de frustração
intelectual é muito susceptível do seu “eu”, ele deseja saber
de ilusões; pelo processo da o que deve fazer. Não é muito
análise, ela exclui e elimina, e, importante, para a mente que
tendo medo à incerteza, apega- está sempre a lutar por um fim,
se a uma dada crença — como um resultado, um objetivo,
procede a maioria dos algo que lhe sirva de guia, não
intelectuais. é muito importante que essa
mente saiba escutar, já que
Não é importante que aqueles
estamos sempre traduzindo o
de nós que não somos muito
que ouvimos em termos de
intelectuais, saibamos escutar?
ação? — o que não significa
O indivíduo comum, que luta,
que a ação não seja
que se sente infeliz, tem o
importante. Em meu sentir o
sentimento de estar perdido;
homem feliz sabe viver, e viver
não sabe onde encontrar
é a sua ação; o homem infeliz,
conforto, onde achar a
porém, está perenemente em
compreensão, não sabe em
busca de um padrão de
quem confiar; porque todos os
ação.
políticos e os chamados guias
religiosos não o conduziram a
Sendo os mais de nós tão
parte alguma, a sua vida é de
infelizes, vivendo a lutar e a
confusão e contradição,
buscar um pouco de luz ou de
sempre crescentes. Com sua
felicidade, interessa-nos mais
mentalidade vulgar, medíocre,
escutar com o fim de^
vive numa luta incessante para
encontrarmos ^Igthn padrão de
ser alguma coisa. Não é muito
ação; estamos todo entregues
importante que ele aprenda a
a esta busca vã, do padrão de
escutar corretamente?
ação, e perdendo a arte de
O homem medíocre, o homem escutar — escutar tudo o que

15
E um fato óbvio que nós
morremos, que nosso corpo
está sofrendo constante
modificação; tanto tem fim
nobre quanto o ignóbil. A
mente, porém, recusa-se a
morrer para as coisas de
ontem.
nos cerca: o bramido do mar, E há, também, espíritos não
os cantos dos pássaros, os amadurecidos, que escutam
gritos das crianças, os livros como estudantes, i.e ., com o
que lemos. fim de aprender, de coligir
Não escutamos, porque nossa conhecimentos, para viverem
mente está toda ocupada e de acordo com eles; esses
querem exemplos, símiles,
nossas ocupações são triviais.
querem que se lhes ensine a
Mesmo a mente que se ocupa
maneira de agir e de escutar.
ou se interessa pela busca de
Deus é trivial, porque está O ra, todos esses espíritos —
ocupada. Só a mente livre, o estudante, o homem comum,
a pessoa dita intelectual —
tranqüila e desocupada
conhece a felicidade e tem estão ocupados; neles, não há
espaço, nenhum vazio onde se
espaço infinito; a essa mente o
possa descobrir algo de real ou
Eterno se apresenta.
de falso.
A mente cheia de inquietações,
preocupada com a salvação da Por certo, é necessário haver
humanidade, reformas sociais, algum espaço na mente, no
aquisição de conhecimentos, qual possa germinar uma
nunca será capaz de escutar, semente nova — a semente que
porque, nela, não existe se não obtém através de lutas,
espaço, não existe um vazio nem de um dado processo, nem
onde possa medrar uma coisa pela evolução deliberada do
nova, uma semente nova. imitador, nem por meio de
Parece-me muito importante, exercícios. E necessário haver
tenhais na mente um tal espaço aquele pequeno espaço, na
desocupado, tranqüilo, livre mente, por mais ocupada que
de lutas, uma luz a brilhar no ela esteja com outras coisas, e
meio da escuridão; mas não o aquele pequeno espaço deve
podemos ter, quando a nossa permanecer não perturbado,
mente está toda ocupada, não contaminado: lá poderá
perseguindo alguma coisa, brotar a fonte eterna da
pedindo, rogando. felicidade. Mas a criação

18
daquele espaço não depende radical. O que é capaz de
de nenhum ato volitivo. Não continuar não é revolução
se pode dizer: “como irei criá- religiosa. Só quando o
lo?” No momento em que se pensamento termina e não tem
pergunta “como-?” já a mente mais continuidade, pode haver
está ocupada. um morrer, para a mente, e
nesse morrer pode ocorrer a
Se se percebe a importância,
transformação radical.
a beleza pura, a necessidade
da quietude, haverá então Escutai, simplesmente, o que
aquele espaço; aquele espaço estou dizendo. Não digais:
significa o morrer para todas “Como poderei alcançar as
as coisas sabidas, todas as coisas de que estais falando?”
lembranças, todas as Eu não estou falando de coisa
experiências, todas as alguma; apenas descrevo o
acumulações de saber e estado da mente, desse
conhecimento. £ um fato óbvio mecanismo, desse organismo
que nós morremos, que nosso perpetuamente barulhento e
corpo está sofrendo uma que nunca é capaz de escutar
constante modificação; tanto o silêncio. Nossos pensamentos
tem fim o nobre como o ignóbil. estão em movimento constante;
A mente, porém, recusa-se a e o pensamento é a
morrer para as coisas de continuidade de ontem, ou seja
ontem. o processo do tempo, e no
processo do tempo jamais
Estamos transportando essas
haverá a possibilidade de
coisas de dia para dia, e esse
transformação radieál; nele só
transportar se efetua por meio
pode haver mucfánça, fuga,
da memória, que lhes dá essa
modificação, nunca, porém,
continuidade. Esperamos que,
revolução real, religiosa, em
dentro dessa continuidade,
que não existe processo algum,
desse contínuo aprender,
mas só ser.
adquirir, modificar, alterar
aqui e ah, operar-se-á uma Por exemplo: um homem que
revolução, uma transformação é ávido, por mais que se

19
exercite, se controle e discipline Por certo, religião é coisa
— e isso é o processo do tempo muito diferente da repetição do
— nunca chegará a uma que foi dito pelos antigos
condição onde possa achar-se instrutores, nos V edas ou nos
o estado de não avidez. A Upanishads; tudo isso tem de
libertação da avidez não é um acabar, consumir-se, no fogo
processo, mas um estado que do silêncio.
tem de acontecer; e esse
A dificuldade consiste em que
acontecimento só pode
nunca desejamos estar incertos
verificar-se pelo morrer;
e temos medo de perder tudo.
porque é só quando se chega
A mente, pois, vendo-se
a um fim, que algo novo pode
incerta, busca a certeza,
surgir.
criando assim o temor; do
temor nasce a imitação, o
Recusa-se a mente a findar,
estabelecimento da autoridade
porque a mente é resultado do
— política, religiosa, ou a da
tempo, de séculos de
própria volição — visto que a
compulsão, conformação,
mente exige um estado de
imitação; ela só conhece luta,
continuidade, onde esteja
julgamento, e os valores
certa. M as a mente que anda
baseados naquela luta; e,
em busca da certeza, nunca
tentando transformar-se pela
tem espaço onde seja possível
luta, diz ela: “tenho de
o aparecimento do Real.
transformar-me; é necessária
uma ação de minha parte, que Parece-me, por conseguinte,
produza a felicidade”. D aí as que vós que estais me
revoluções econômicas, escutando, não deverieis
científicas ou sociais, mas mostrar tanto interesse no
nunca a real revolução “como”, porém, antes, em
religiosa, a única revolução “ser” — ser, ter algum espaço
verdadeira. Religião não é na mente, onde não haja
adoração de ídolos, nenhum movimento de
observância de ritos, nem pensamento, uma vez que o
cultivo dos ideais da mente. pensamento é a continuidade

20
de ontem. O pensamento A mente é resultado do tempo.
nunca produzirá um mundo Vos, como eu , como ego ,
novo. O intelecto nunca sois um produto da mente. O
produzirá um Estado novo. Só caráter, as tendências, as
quando termina o pensamento, diversas disciplinas, os
quando está morto para todos diferentes métodos de controle
os dias passados, só então e persuasão, tudo isso é
existe a possibilidade daquela resultado do tempo, produto
revolução religiosa, tão do tempo. A mente é tal como
necessária para a criação de a fez a natureza, o ambiente,
um mundo novo. através da cultura, do medo,
da imitação, da comparação,
Todos os deuses devem j da chamada educação; essa
desaparecer, para que o Deus mente, por mais que progrida
real apareça. Temos agora e por mais que lute, não pode
tantos deuses em nossa mente, em tempo algum promover uma
que se torna impossível o ação emanada daquela fonte
aparecimento do Deus real. de felicidade, derivada da
Percebei, simplesmente, a revolta para encontrar a
verdade ou a falsidade disto, Realidade.
escutai o fato, quer ele seja
Com efeito, é necessário
verdadeiro, quer não.
percebais a simplicidade dessa
Conhecer simplesmente o fato,
coisa — não a simplicidade
isto, em si, é libertação. Para
exterior, mas a simplicidade
se conhecer o fato, faz-se
daquele estado em que-não há
necessário o desaparecimento
esforço para chegar /em que
do ontem; as nossas não há luta para se ser algo,
lembranças, o enriquecimento
mas que equivale a ser “como
de nossas experiências, o saber
a flor”; a flor é ela própria
que cada um de nós busca,
perfume, beleza — não há
para estar sempre certo, tudo
esforço, nem luta.
isso tem de desaparecer;
porque todas essas coisas são A mente que luta para
de fabricação da mente. alcançar a eterna beleza

21
Em geral, temos tanta ânsia
de resolver o problema que
nos desafia, que desejamos
uma resposta imediata; essa
resposta é para nós
importantíssima, porquanto
pensamos que, tendo a
resposta, teremos resolvido o
problema.
daquele perfume, nunca será busca de uma resposta que nos
capaz de conhecê-la. A mente “abra a porta” do problema.
que luta, jamais pode conhecê- Estamos, pois, a procurar uma
la; todos os seus ritos, todas chave, em vez de darmos
as suas experiências, todos os atenção ao problema. A mente
seus sacrifícios são feitos em ocupada a respeito do
vão, porque lá está sempre problema não pode examinar
presente o “eu”, o centro de o problema.
todo o seu pensar. Para esse
pensar temos de morrer todos Temos tantos problemas na
os dias. O renascimento em vida, não só os problemas da
cada dia novo é a revolução superfície — econômicos e
religiosa. sociais — mas também os
problemas inconscientes,
Consideremos agora o
profundos, que governam e
problema do isolamento.
moldam os acontecimentos
Quando tendes um problema,
exteriores. Esses problemas
não vos isolais? Não estais em
são o resultado, o fruto da
comunhão, porque vossa mente
nossa confusão, da nossa luta
se acha tão peocupada a
interior. A mera alteração
respeito do problema e da
superficial das condições
solução, que ficastes fechado
econômicas, não pode quebrar
para a real compreensão do
aquela entidade interior que
problema. Ocupando-se com
molda as coisas a seu talante.
o problema, a mente se está
isolando. Não ponhais a mente Assim, para compreender
a trabalhar, mas vede o que realmente o problema, não
é que cria o problema. E a deve a mente estar ocupada
mente.
com ele. M as, em geral, temos
A mente, no seu isolamento, tanta ânsia de resolver o
naquele estado de não problema que nos desafia, que
comunhão, tem o seu desejamos uma resposta
problema, e, por essa razão, imediata; esta resposta é para
andamos a fazer perguntas, em nós importantíssima,

34
porquanto pensamos que, não sou capaz de fazê-lo, fico
tendo a resposta, teremos procurando a solução. Não
resolvido o problema. A mente posso atender ao problema, se
que busca a resposta é, com o condeno. E esta a
efeito, uma mente muito circunstância real, a
superficial, medíocre. circunstância básica que nos
impede a compreensão do
I odos somos educados para problema. Ele permanece,
acharmos respostas, para enquanto estamos julgando,
sermos ensinados, para condenando, comparando. Se
copiarmos e fazermos o que nos não condenais, se não julgais
mandam fazer. O ra, sem ou comparais, existe algum
dúvida, a vida é um “processo problema para a mente?
de viver dia por dia”, e o viver
A mente que condena, julga,
não contém respostas. A mente
que só está à procura de uma analisa, compara, cria o
resposta para o problema, problema. Não digais: “Como
achará essa resposta, mas o devo proceder?” Se
problema permanecerá e aprenderdes um método, ele
tornará a apresentar-se sob vos dominará a mente, e de
outra forma. novo lá estará o problema.
M as, se se perceber a verdade
Nessas condições, se eu for contida na asserção de que o
capaz de compreender o condenar, o julgar, o comparar /
problema, de prestar-lhe a é que cria o problema, poder-
devida atenção, o problema se-á então apreciar a inteira
estará resolvido. Mas, como significação do problema.

• P erceb o que fu i educado muito erradamente. Que posso


fazer? P o ss o reeducar-me, ou estou mutilado para o resto da vida?

Quando a mente está doente, achais? Mas nós somos entes


quando o cérebro está doente, humanos vivos, e em nós existe
é impossível a educação, não aquela qualidade, aquela

25
inteligência que pode ser asseverar que os mais de nós
despertada e que pode educar- fomos educados
se a si própria. Não há erroneamente.
entidade humana que esteja tão
Nossa educação, desde a
mutilada, que não possa
infância, foi sempre o cultivo
promover sua própria
do temor, e é só ele que
regeneração.
conhecemos. Sempre nos
criaram desse modo. Fazem-
E muito difícil
nos estúpidos, por meio dos
compreendermos que fomos
exames, da comparação com
educados erroneamente. Antes
o aluno inteligente, com o pai,
de dizerdes que tendes de
com a mãe, com o tio; pela
reeducar-vos, não deveis saber
compulsão, sob várias formas,
que fostes educados
por parte dos pais, dos
erroneamente? Ê tão fácil dizer
mestres, da sociedade; quer
que fomos educados
dizer, pelo cultivo do temor.
erroneamente! Isto é, podeis
Saindo do colégio, ajustamo-
ter sido educado para
nos a um falso padrão de vida,
exercerdes uma determinada
para fazermos o que nos
profissão técnica, e
mandam fazer.
descobrirdes que ela não
corresponde à vossa vocação, O medo determina o inevitável
mantendo-vos nela, curso da nossa vida; e, na
entretanto, por causa das medida em que crescemos, a
vossas responsabilidades. vida se torna mais sombria e
Abandonar aquela profissão confusa. Eis o que é a vossa
e adotar outra — isso é vida; mas os pais não
educação? Ou o aprender compreendem que o medo
outra língua, aprender outra destrói e que o medo não nasce,
técnica, é educação? Sem quando, desde a infância, não
dúvida, para se descobrir o se fazem comparações, não se
que é educação correta, fazem exames e, sim, somente,
requer-se muito percebimento observações e anotações a
e penetração. Não é tão fácil respeito de cada criança.

26
Toda a nossa educação, modos de ação do temor, e ser
religiosa, econômica, social, livre — não no fim da vida,
está baseada no cultivo do mas ser livre desde o começo,
temor. V ós desejais ser compreendendo o que é o
alguém; do contrário, não sois
temor — isto é que é a
ninguém; por isso, lutais,
verdadeira educação. Desde
competis e vos destruís. Só o
a meninice precisamos
homem que não tem medo é
compreender os modos de ação
ninguém. Ser ninguém é que é
do temor, para que,
a verdadeira educação. Há o
crescendo, saibamos enfrentar
espírito do anonimato nas
o temor e todos os problemas
grandes coisas da vida
criadora. A verdade é da vida; para que a nossa
anônima, não é vossa nem mente, ainda que encontre
minha. Não pode haver problemas contínuos, seja
anonimato, quando a mente sempre fresca, nova; e para
tem medo. que nunca haja fator algum de
deterioração, tal como a
Assim, pois, descobrir os memória de ontem.

• A oração não tem efi


mesma coisa que meditação?

A oração e aquilo que chamais


meditação são atos volitivos. de vontade. Quando orais, isso
Não é verdade isso? Sentamo- é obviamente um ato de
nos, dehberadamente, para vontade; vós desejais, rogais,
meditar, assumimos uma cçrta pedis; em consequência de
postura, concentramo-nos vossa confusão, vossa miséria,
para compreender. Nós vosso sofrimento, pedis a
oramos porque sofremos. alguém que vos dê luz,
A trás da oração e dos métodos conforto; e obtendes o
de meditação que conhecemos, conforto.

27
O cultivo da mente ou o
desenvolvimento da virtude
não é importante, pois não
constituem o esvaziamento da
mente, necessário para o
recebimento do Eterno. A
mente precisa estar vazia, para
receber o Eterno.
Quem pede, em geral, recebe verdade a respeito da
o que pede; mas o que recebe meditação. Para o meditar,
pode não ser a verdade, e faz-se necessária a
í geralmente não é a verdade. compreensão do meditador;
Não podeis chegar-vos à este é o primeiro requisito, e
verdade como um pedinte. Ela não o com o meditar. Porque
tem de vir a vós; só então se o “como meditar” implica
pode ver a Verdade, e não concentração, que é exclusão.
pedindo. Nós porém, somos Podeis absorver-vos
pedintes, e estamos numa completamente, na exclusão,
eterna busca de conforto, de mas isso não é meditação.
um estado em que nunca
Meditação é processo de
sejamos perturbados; pedimos
autoconhecimento, isto é,
a recompensa, e a obteremos;
conhecimento do meditador —
mas essa recompensa é morte,
não do “meditador superior”
estagnação.
que está meditando, do “eu
Não conheceis aqueles que superior” que está buscando.
desejam e pedem a paz? Eles Pensar no eu superior não é
a obtém, mas a sua paz é ; meditação. Meditação é estar
isolamento, repetição contínua cônscio das atividades da
das mesmas frases, aprendidas mente — da mente do
de cor. A mente os põe meditador, de como a mente
quietos. Isso é como água se divide em meditador e
estagnada coberta de limo — meditação, de como a mente
as palavras estão encobertas se divide em pensador e
pelas atividades da mente. A pensamento, o pensador
mente é posta num estado de dominando o pensamento,
embotamento. Isto, decerto, controlando o pensamento,
não é meditação. moldando o pensamento.

A meditação é algo de todo Existe, pois, em todos nós, o


diferente, não é? Tende a pensador separado do
i bondade de seguir o que estou pensamento; o pensador se
i dizendo, para verdes a tornou o “eu superior”, o “eu

30
mais nobre”, o atman, etc., pensamentos estão
inas isso, sem embargo, é ainda condicionados, porque pensais
a mente dividida em pensador como hinduísta, considerais a
<■pensamento. A mente, vendo vós mesmo como uma mente
<|ue o pensamento é fluido, separada, um estado
impermanente, cria o pensador separado, o pensador.
como entidade permanente, o Enquanto houver um
nlman permanente, absoluto, experimentador
infinito. experimentando, não pode
haver a verdadeira meditação.
Quando a mente cria o “eu M as o descobrimento de que
superior” ou atman, esse “eu o experimentador é a
superior”, sem embargo, é experiência, esse
ainda uma coisa do tempo; está descobrimento é meditação.
ainda na esfera da memória,
é uma invenção da mente, uma Pode alguém descobrir por si
ilusão criada pela mente, com mesmo — não de acordo com
uma finalidade. Isto, quer vos o que disse Sankara ou Budha
agrade, quer não, é um fato — pode alguém perceber por /
psicológico, podeis resistir-lhe, si mesmo a verdade de que o ,
chamá-lo uma inovação experimentador e a experiência
extravagante, e alegar que o são uma só coisa, que
que está dito nos Upanishads, pensamento e pensador são um
no Gita, é contrário ao que todo integral? Isso eu só posso
estou dizendo. M as, se descobrir pelo processo da
realmente examinardes esse meditação, que é:
fato bem de perto, sem medo compreender o que está
<■sem resistência, vereis que só realmente sucedendo, observar
existe pensamento, o qual cria o funcionamento da minha
o pensador, e não: primeiro o mente.
pensador e depois o Não é preciso aprender
pensamento. nenhuma técnica especial para
Não pensais em que sois se descobrir que o
ninguém. Porque os vossos experimentador e a experiência

31
S e minha mente puder dar
toda a atenção ao que é sem
criar o oposto, descobrirá
então o que é o amor — não
o amor como oposto do
ódio.
----------------------------— "
são uma só entidade. Esta experiência cria o pensador, o
verdade não pode ser repetida “recordador”, que diz “quero
facilmente, superficialmente, mais”, perpetuando-se desse
porque isso não tem modo a si próprio. T a l é o
significação alguma. M as no processo do tempo.
momento em que, pela
reflexão, eu a percebo, nesse A mente está sempre a
momento começa a meditação; procurar uma experiência, uma
a meditação já não é, então, experiência mais rica, mais
uma dada postura, durante ampla, mais nobre, mais
uma hora, mas um estado que profunda, mais pura — e
se prolonga pelo dia todo; portanto a recebe. Entretanto,
porque a mente se acha então esse recebimento mesmo, é a
num estado de percebimento criação das cadeias que
— não como experimentador prendem a humanidade. A
a experimentar e portanto a memória é o “eu” — o
julgar, pesar, avaliar, excluir; experimentador. Desse modo,
pois, afinal de contas, as quando eu, como
experiências criam o experimentador, procuro
experimentador, os Deus, quando procuro a
pensamentos criam o Verdade, que irei conhecer e
pensador, constroem o da qual receberei socorro,
pensador. minha mente se está movendo
do conhecido para o
Vede o que acontece ao terdes conhecido, do tempo para o
uma experiência qualquer: tempo; e esse processo é
vossa mente a registra chamado meditação. Mas
imediatamente, dela se constitui ele uma prática nociva
recorda. A lembrança da e não é, absolutamente,
experiência é a criação do meditação e, sim, tão-só, a
experimentador, que afirma, perpetuação do “eu” de
então, dever repeti-la ou evitá- diferente maneira. Não há
la. Observai a vossa própria meditação, no sentido mais
mente e vede como toda profundo da palavra, quando

34
I existe experimentador e mente precisa estar vazia, para
1 experiência. receber o Eterno.
K necessário o O imensurável só pode surgir
desaparecimento do por si, pois não pode ser
experimentador e da chamado; e só surgirá se a
experiência, das coisas de que mente não estiver exigindo mais
o experimentador se recorda, nada, não estiver mais
que reconhece; o que significa rezando, pedindo, suplicando;
que deve haver um estado em quando estiver livre, livre do
que não há reconhecimento. E pensamento. O cessar do
isso significa morrer para cada pensamento é a peculiar função
experiência, não se deixando da meditação. Precisamos
criar o experimentador. Se estar livres do conhecido, para
escutardes realmente e que possa existir o
perceberdes a verdade ou a desconhecido.
falsidade disso, sabereis o que
Isto é meditação, e não se
6 meditação — o que não
consegue por meio de nenhuma
significa saber com o se deve
técnica ou exercício.
meditar, mas perceber o pleno
Exercício, disciplina,
significado da meditação.
repressão, renúncia, sacrifício,
A virtude, afinal, é ordem. A tudo isso serve apenas para
verdade real é uma coisa pura, fortalecer o experimentador,
mas não constitui um fim em dar-lhe o controle de si mesmo;
si. O que se põe no quarto é mas esse controle destrói.
mais importante do que o Nessas condições, só quando
estado de limpeza do quarto. a mente não tem
Por conseguinte, o cultivo da experimentador nem
mente ou o desenvolvimento da experiência se apresenta
virtude não é importante, pois aquela felicidade que é, que
não constituem o esvaziamento não pode ser procurada, e que
da mente, necessário para o só pode surgir estando a mente
recebimento do Eterno. A silenciosa e livre.

35
D ualidade e
F rustração

-A xho que, se pudermos talento, mas uma ação


compreender o problema da totalmente diversa.
frustração, teremos uma
Se pudermos esclarecer esta
mentalidade que não será
questão da dualidade e do
meramente intelectual, mas
conflito entre “o que é” e “o que
uma atividade “integrada”.
deveria ser”, talvez então
Nossas religiões, nossas
compreendamos a mente que
atividades sociais estão
é sem raiz, pois a mente da
baseadas na frustração e no
maioria de nós tem raiz.
sofrimento. Se pudermos
compreender esta questão da A própria existência da mente
frustração, que é realmente o indica — não é verdade? —
problema da dualidade, talvez pensamento com raiz no
possamos, por nós mesmos e passado. Esta raiz é que cria
como indivíduos, chegar a dualidade. E possível não
àquela ação criadora que não dar continuidade a essa raiz,
é uma simples capacidade ou no presente ou no futuro? Só

37
a mente sem raiz pode ser própria mente, desde o começo
verdadeiramente religiosa e, de minha descrição ou
portanto, capaz da “verbalização”, isso será então
transformação radical que uma experiência direta e,
possibilitará o despontar da portanto, muito mais vital e
realidade. significativa do que o mero
descobrimento, em todos nós,
Desejo examinar esta questão,
de um processo dual, apontado
aparentemente um pouco
por algum filósofo, algum
difícil; mas, se pudermos fazê-
instrutor religioso ou algum
lo de maneira simples, não
livro.
filosoficamente, então talvez
estejamos aptos a apreciá-la e Entretanto, a dificuldade é que
compreendê-la por nós os que estão me escutando já
mesmos. Mas a dificuldade chegaram a alguma conclusão
consiste em que nós, em geral, ou já ouviram o que eu disse
já lemos tanta coisa sobre este antes e sua mente, por
problema da dualidade; conseguinte, está cheia das
conhecemos o problema de cinzas da memória das minhas
acordo com alguma filosofia, afirmações; por essa razão,
algum instrutor, não o não haverá uma experiência
conhecemos diretamente, nova, uma coisa real, viva.
porém, sem que nos tenham
Os que me ouvem pela
chamado para ele a atenção.
primeira vez só poderão achar
Se pudermos examinar o enigmático o que estou
problema da dualidade, não dizendo, pois é provável que
intelectual ou filosoficamente, eu empregue palavras com um
mas observando as atividades significado diverso daquele a
de nossa própria mente, talvez que estão habituados. Mas,
então possamos apreciar o conhecendo-se todas as
problema de maneira dificuldades suscitadas pelas
diferente. Se puderdes escutar, cinzas da memória, pela
não a descrição que eu faço, experiência e pelo
mas as atividades de vossa conhecimento prévios, bem

38
como pela circunstância de se processo, descobriremos o que
estar pela primeira vez, é a verdadeira liberdade.
ouvindo coisas tão altamente
“filosóficas” e difíceis — e
portanto repelindo-as — temos O mais importante é que se
de escutar com uma mente tenha a revolução religiosa,
nova. E não pode nascer essa uma transformação religiosa
mente nova, se não radical, fundamental, porque
observardes o vosso próprio todas as outras modificações
processo de pensamento, desde são sem significação, todas as
o momento em que eu começo outras revoluções só redundam
a falar a respeito deste em novos sofrimentos. Se
problema da frustração e da pudermos perceber a verdade
dualidade. desta asserção, perceber a
importância de uma revolução
religiosa radical, e que só ela
Não vos estou dizendo coisas poderá promover uma
e, sim, apontando fatos. Vós modificação nas nossas
e eu podemos compreender o relações com todos os homens,
fato, apreciá-lo sem então minhas palavras não
condenação, sem julgamento, serão um simples meio de
observá-lo com simplicidade, excitamento ou divertimento
e estar inteiramente cônscios intelectual ou emocional, mas
dele — não como o observador algo de verdadeira significação
a observar, mas percebendo o em nossa vida diária. Por
que de fato está acontecendo, conseguinte, temos de ouvi-las
“experimentando” realmente o como se fosse a primeira vez
processo pelo qual a mente cria que as ouvimos, isto é, num
a dualidade e faz nascer a “estado de novo”; esse “estado
frustração, processo em que de novo” não poderá existir se
estão baseadas nossa cultura, não observardes a vossa
nossas religiões, nossas própria mente, desde o
atividades sociais. Se momento em que eu começo a
pudermos compreender esse penetrar o problema.

39
"V ir a ser" é enraizar-se —
numa idéia, numa pessoa, num
objeto. Quando a mente se
enraiza, surge o problema:
"Como poderá ela libertar-
se?" A sua libertação assume
então a forma do oposto e daí
resulta a luta para achar a
maneira como libertá-la.
O problema é o problema da | chama amor. Eu não conheço
luta, do conflito, da luta o amor, mas a minha mente
incessante entre “o que eu sou” está perseguindo o que ela
e “o que deveria ser”, o conflito pensa ser o amor, e que é só
entre “o que é” e “o que poderia uma idéia, o oposto daquilo
ser”. A mente está sempre e que eu sou. A projeção de uma
sempre a forcejar, a lutar, idéia do que seja o amor não
acomodar, ajustar, controlar, é o amor e, sim, uma reação
em conformidade com “o que daquilo que eu sou, que é: “eu
deveria ser”. Isto é tudo o que odeio”.
j sabemos. “O que deveria ser”
Na minha luta para apoderar-
! é para nós mais importante do
me daquele amor, eu sou
que “o que é .” Temos esses
violento e tenho a idéia da não
padrões ideológicos a que o
violência; e, assim, faço
espírito se está constantemente
exercícios, disciplino,
ajustando.
controlo, moldo a minha vida,
Esse ajustamento é ação da segundo aquela idéia, aquele
vontade, mediante compulsão, padrão, mas nunca chego a
persuasão. E daí resulta luta, preencher o padrão. Isso
e a luta produz frustração. Isto acontece porque, quando o
não é simplificação exagerada, alcanço, logo a minha mente
é o que de fato acontece com inventa outro padrão. E assim
cada um de nós: “eu sou isto, prossegue, a mudar de padrão
e no futuro deverei ser aquilo”. continuamente. Por essa
Mas o futuro, o que deveria razão, a minha vida é uma série
ser, o ideal, é um oposto, uma de frustrações, sofrimentos e
contradição do que é. lutas por uma coisa após outra.
E , pois, a minha vida uma
A mente percebe que eu odeio
sucessão de lutas e desditas,
e diz “devo amar” ; a mente,
que é só o que eu conheço.
por isso, fica perenemente
ocupada em ajustar-se, forçar- O importante não é “o que
j se, disciplinar-se, para deveria ser” mas “o que é”. “O
alcançar um estado a que ela que é”, o que eu conheço, este

42
é que é o fato. A outra coisa razão, cria o oposto; isto é,
não existe. Se minha mente condena o fato, criando,
puder dar toda a atenção ao assim, o oposto.
que é, sem criar o oposto,
descobrirá então o que é o Essa condenação é justamente
amor — não o amor como o processo de criação da
oposto do ódio. Mas o dualidade. M as se eu puder
problema de compreender o perceber que a minha mente
que é o ódio requer condena e que pela condenação
percebimento sem condenação. eu crio o oposto e, portanto,
Porque, no momento em que dou origem à luta, essa própria
o condeno, estou odiando, já compreensão do fato de que a
criei o oposto. Espero esteja condenação cria o oposto e,
expondo a questão com clareza conseguintemente, o conflito,
e simplicidade. Quando se esse próprio percebimento põe
pode ver essa coisa, isto, com fim ao processo da condenação
efeito, é uma extraordinária — não pela compulsão, mas
libertação de todas as simplesmente pelo
frustrações que temos criado. percebimento do fato. Tenho,
pois, diante dos olhos só o fato
Somos um povo infeliz; nossa de que odeio, sem nenhuma
religião é infeliz, sendo produto projeção mental do oposto.
da infelicidade, da luta, da
frustração; nossos deuses e até Compreendeis que liberdade
a nossa cultura resultam dessa extraordinária é esta, quando
frustração. Temos, pois, de não temos nenhum oposto?
compreender, não apenas Pode-se então apreciar o fato.
verbalmente, intelectualmente, E então a coisa que eu
mas mui profundamente o fato chamava “ódio” — visto que
que diz respeito ao que “eu não a condeno mais — já não
sou”, “o que é”. O fato é este: é ódio. M as eu condeno o ódio
“eu odeio; eu sou violento” — e desejo transformá-lo em
só isso. Mas a mente não quer amor, porque minha mente tem
aceitar esse fato e, por essa sua raiz cravada no passado.

43
Essa avaliação é o julgamento fim; ele é a continuidade de
proveniente do passado; e com meu condicionamento, do meu
esse “fundo” é que eu aprecio “fundo”, estendida para o
o ódio e desejo transformar futuro; e por essa razão não há
esse ódio naquilo que chamo liberdade. Estou procurando
amor; isso produz conflito, averiguar se é possível a mente
luta, com todas as suas achar-se num estado em que se
disciplinas, controles e não esteja enraizando mediante
supostas meditações. as experiências. Sem se achar
naquele estado, a mente não
O ra, pode haver um estado
é livre, vendo-se sempre em
livre do passado? Pode haver
conflito.
um estado livre do pensamento
que se projeta no futuro? Eu Por conseguinte, para a mente
odeio; esse ódio é o resultado que tem raiz, há sempre
do passado, uma reação; e o frustração; e, não importa qual
pensamento, então, o condena, seja a sua atividade — social,
e o projeta no futuro, assim cultural, religiosa — essa
formulado: “devo amar”. Eis atividade é sempre produto da
como o pensamento se enraiza frustração; não é, por
no passado e no futuro, conseguinte, a verdadeira
tornando-se contínuo; e nessa transformação religiosa, em
continuidade há a luta para que há a cessação de todas as
prosseguir, na forma do projeções do pensamento que
oposto. se enraizam na mente.
O que estou procurando Pode a mente existir, sem raiz
averiguar é se a mente pode em alguma? O mais que se pode
algum tempo ser totalmente fazer é averiguar, ver se a
livre, e não ter raiz alguma. mente pode existir sem raiz —
Quando a mente tem raiz, ela viver, existir, como o mar, sem
tem de “projetar-se”, estender- raiz alguma, sem estar firmada
se; esse estender-se é o oposto; num determinado lugar, numa
por isso o pensamento é determinada experiência, num
contínuo, nunca chega a um determinado pensamento. Só

44
a mente que não tem raiz pode para se tornar não violenta;
conhecer o Real. Porque, no esta só está vivendo na luta do
.momento em que a mente oposto. E só a mente
experimenta e instala a verdadeiramente religiosa que
experiência na memória, esta não tem o conflito do oposto;
memória se torna a raiz, o ela não conhece a frustração;
passado; e esta memória, não luta para se tornar alguma
então, fica a pedir mais e mais coisa; é “o que é”. Com a
experiências; por esta razão, compreensão do que ela
há a constante frustração do realmente é, a mente já se não
presente. está enraizando na memória.

A frustração implica — não Tende a bondade de prestar


é verdade? — a condenação atenção às minhas palavras,
do estado da mente, tal como não importa se verdadeiras ou
ela é. A mente, tal como é, está falsas — procurai descobrir o
cheia da tradição, do tempo, fato por vós mesmos. A mente
de lembranças, ódio, ciúme. que tem continuidade na
Pode-se compreender essa memória, estará sempre
mente, sem condenação — isto frustrada, estará sempre a
é, sem se criar o oposto? No lutar para ser algo. “V ir a ser”
momento em que condenamos é enraizar-se —- numa idéia,
u ✓ »> -
o que e , nao o numa pessoa, num objeto.
compreendemos. A Quando a mente se enraiza,
compreensão do que é só pode surge o problema; “Como
ocorrer quando não há poderá ela libertar-se?” A sua
condenação; só então se pode libertação assume então a
estar livre do que é. forma do oposto, e daí resulta
a luta para achar a maneira
Para mim, a mente que não
com o libertá-la.
tem a luta da dualidade é que
é a mente verdadeiramente Se se perceber, porém, se se
religiosa, e não a que está compreender, se se estiver
lutando para vencer a cólera, cônscio de como a mente está
não a mente que está lutando sempre a enraizar-se em cada

45
Nenhum valor tem estar-se
informado sobre o que os
outros disseram, porque cada
um tem de descobrir por si
mesmo o processo de sua
própria mente.
experiência, em cada reação, felicidade e bem-aventurança;
então, nesse percebimento, não e essa felicidade e bem-
há escolha, não há aventurança não é o oposto do
condenação, pòr conseguinte sofrimento, da desgraça ou da
não há a criação do oposto, frustração. Isto não são meras
conseqüentemente não há luta. palavras; falo de estados
Então, a mente não tem diretos de que a mente se
nenhuma raiz, mas está viva; apodera, instalando-se na
não tem continuidade, mas se experiência; estados que, com
acha num “estado de ser” em efeito, não podem ser
que não existe o tempo. conhecidos por uma mente que
Parece-me importante luta para se tornar o oposto.
compreender isto, não apenas
verbal ou intelectualmente, Tudo isso requer — não é
mas vendo, de fato, como a verdade? — o percebimento
mente está criando a luta e o do processo mental. Refiro-me
processo dual. ao percebimento do processo
total da existência: sofrimento,
dor, amor, ódio, sentimento,
A ação da mente sem raiz é
ilusões — pois tudo isso
criadora, porque essa mente já
não se acha num estado de constitui a mente. Não é, pois,
importante ver como a vossa
frustração, de onde pinta,
escreve, ou busca a Realidade. mente funciona, ver como
opera, como “projeta”, como
Essa mente não busca; o
se apega ao passado, à
buscar supõe a dualidade; o
tradição, às inumeráveis
buscar é luta, é estender o
experiências, impedindo assim
pensamento do passado para
a experiência da Realidade?
o futuro e deixá-lo firmar-se na
raiz do futuro. Se a mente Estar cônscio disso tudo não
puder perceber esse fato, estar é saber o que dizem os
cônscia desse fato, dar-se-á modernos ou antigos
uma extraordinária libertação instrutores, ou os psicólogos,
ou os gurus.
de tudo quanto é luta; por
conseqüência, haverá Nenhum valor tem estar-se

48
informado sobre o que outros a experiência real. Só esta
disseram, porque cada um tem mente é capaz de ver e
de descobrir por si mesmo o conhecer aquilo que é eterno.
processo de sua própria mente.
Esse descobrimento não é Observai a vossa própria
possível se nos retiramos para mente criando a dualidade.
uma caverna nas montanhas, Vede como a mente espera
mas sim no viver de dia para uma resposta. Ela faz uma
dia. E preciso também pergunta por causa de sua
perceber que aquilo que própria frustração, de seu
descobrimos já se pode ter sofrimento, de suas tribulações
tornado a raiz que determina e confusão. Faz a pergunta e
as nossas ações; isto é, temos a converte num problema, e
de descobrir como a mente fica à espera de uma resposta.
pode servir-se dos seus A o receber a resposta, diz:
próprios descobrimentos como “como posso chegar lá?” O
uma experiência que determina como é a luta — a luta entre
o que ela pensa, de modo que o problema e a solução, entre
essa experiência se torna o o que e e o que deveria ser .
nosso obstáculo, levando-nos O método é o com o, o método
à frustração. V er tudo isso é é luta; o método, por
percebimento. conseguinte, pela sua própria
natureza, produz a frustração.
Esse percebimento só pode E , portanto, o mais estúpido
ocorrer quando não há dos espíritos aquele que diz:
condenação — o que, com “como posso fazer isso?”,
efeito, significa a quebra “como posso chegar lá?”, “Eu
completa de todo o sou isto e desejo ser aquilo, mas
condicionamento da mente, como?”
para que a mente possa achar-
se num estado em que já não O importante é “o que é”, não
crie raízes, sendo por “o que deveria ser”. A
conseguinte uma mente sem compreensão do que é requer
âncora e havendo, portanto, a cessação da condenação, e

49
nada mais. Não digais “como portanto, a dualidade, e
posso deixar de condenar?” — portanto a luta em direção ao
porque então vos vereis de oposto. Vede isso,
novo dentro do mesmo antigo simplesmente, percebei
processo. M as vede a verdade simplesmente o fato; ocorre
contida na asserção de que o então a revelação do é, que é
condenar produz a luta e, o problema.

• E u conheço a solidão, mas existe um estado denominado


“estar s ó ”. S ão estados idênticos?
Conhecemos a solidão, não é o que estou dizendo — não as
verdade? — o medo, o palavras mas a sua aplicação,
sofrimento, o antagonismo, o observando a vossa própria
verdadeiro terror em que se solidão.
acha a mente que percebe a sua
Quando cônscia da sua
própria solidão. Todos nós
solidão, a mente foge, evade-
conhecemos esse estado, não
se. A fuga para a
é? Esse estado de solidão não
contemplação religiosa, ou
é estranho a qualquer de nós.
Podeis ter todas as riquezas, para o cinema é a mesma fuga
— fuga ao que é. O homem
todos os prazeres, ter muita
que foge por meio da
capacidade e felicidade; mas,
lá dentro, está sempre embriaguez não é mais imoral
emboscada a sombra da do que o homem que foge por
solidão. O homem rico, o meio da adoração de Deus; os
homem pobre e que luta, o dois são iguais, ambos estão
fugindo.
homem que escreve, que cria,
o homem que adora — todos Se, ao observardes o fato de
eles conhecem essa solidão. que estais na solidão, não
Quando se vê nesse estado, houver fuga e, portanto, não
que faz a mente? Liga o rádio, houver luta na direção do
abre um livro — foge do que oposto, então, em geral, a
é para algo que não é. Segui mente tende a condenar o fato,

50
pela medida do seu isolamento. Precisamos estar
conhecimento. M as, se não há sós, é necessário esse “estar
condenação, nesse caso a só”, no sentido que lhe damos.
atitude da mente com relação A solidão é um estado de
à coisa a que chama “solidão”, frustração, o “estar só”, não
passa por uma'transformação é; mas “estar só” não é o oposto
completa, não é verdade? da solidão.

A solidão, afinal, é um estado


de auto-isolamento, porque a Por certo, senhores,
mente se fecha e segrega de precisamos estar sós,
todas as relações, e de todas desacom panhados, de todas as
as coisas. Nesse estado, ela influências, todas as
conhece a solidão; mas se, sem compulsões, todas as
condenar a solidão, a mente exigências, ânsias, esperanças.
ficar vigilante, então, sem Porque, então, a mente já não
dúvida nenhuma, a solidão estará entregue às atividades
sofre uma transformação. Essa conducentes à frustração.
transformação poderá chamar-
se “estar só” — mas pouco Esse “estar só” é uma coisa
importam as palavras que essencial, uma coisa religiosa.
empregamos. Nesse “estar só” Mas a mente não pode
não há temor. A mente que se alcançá-lo, sem compreender,
sente solitária porque se isolou no seu todo, o problema da
por meio de várias atividades solidão. Quase todos nós
teme aquela solidão. estamos solitários, todas as
Entretanto, se há um nossas atividades são
percebimento completamente atividades conducentes à
isento de escolha — o que frustração. O homem feliz não
significa: isento de condenação é um solitário. A felicidade é
— então a mente já não está “desacompanhada”, é a ação
solitária, porém “só”, estado inerente ao “estar só”, ação
em que não há corrupção e não totalmente diversa das
há nenhum processo de auto- atividades da solidão.

51
o homem que foge por meio
da embriaguez não é mais
imoral do que o homem que
foge por meio da adoração de
Deus; os dois são iguais,
ambos estão fugindo.
cCb cft?T;3 ^
Tudo isso requer a solidão, o desespero e as
percebimento, um esperanças estão sempre a nos
percebimento total do nosso ser frustrar a atividade superficial.
completo, consciente e E importante, pois,
inconsciente. Como nós, em compreender a existência total
geral, vivemos somente na da nossa mente; e essa
consciência superficial, no compreensão nos é negada, se,
nível superficial da mente, as no percebimento, há escolha,
forças subterrâneas profundas, condenação.

• Com certeza, apesar de ido o que temos ouvido a respeito


do seguir, temos consciência de le estamos continuamente seguin-
do. Com o agir a esse respeito, já je isso é um mal?

Nós sabemos que seguimos: Visto que exige a certeza, a


seguimos o guia político, mente está criando a
seguimos o guru, seguimos um autoridade — política,
padrão ou uma experiência. religiosa, ou a autoridade
Toda nossa cultura e educação própria — e está sempre a
está baseada na imitação, na copiar; por conseguinte está
autoridade, no seguir. Afirmo lutando incessantemente. O
que todo o seguir é um mal, seguidor jamais conhece a
inclusive o seguir a mim liberdade que há em não
próprio. O seguir é uma coisa seguir. Só se pode estar livre,
maligna, destrutiva; e, havendo incerteza e, não,
entretanto, a mente segue, não quando a mente está a
é verdade? Ela segue Budha, perseguir a certeza.
segue Cristo, segue uma idéia,
uma Utopia perfeita — A mente que está seguindo,
porque a mente se acha num está imitando, está criando a
estado de incerteza, e quer a autoridade e, portanto, com
certeza. O seguir é uma medo. Este é que é realmente
exigência de certeza. o problema. Todos nós

54
sabemos que seguimos, todos morte; tenho medo da solidão;
aceitamos certas teorias, certas medo de não alcançar, de não
idéias, alguma Utopia ou outra conhecer a felicidade nesta
coisa qualquer, porque, muito vida, de não conhecer Deus,
profundamente, no consciente a verdade, etc. O medo, pois,
e bem assim no inconsciente, está sempre em relação com
lá está o temor. A mente que alguma coisa.
não teme não cria o oposto e
não tem o problema do seguir; Que é esse medo? Se pudermos
não tem guru, não tem padrão; compreender a questão do
desejo, o problema do desejo,
ela está viva.
poderemos, suponho,
A mente se acha num estado compreender o temor e ficar
de temor — medo da morte, livres dele.
medo de alguma coisa; e para
ser livre entrega-se ela a várias “Eu desejo ser alguma coisa”
— eis a raiz de todos os
atividades que conduzem à
frustração; e surge, então, o temores. Quando desejo ser
problema: “pode a mente ficar alguma coisa, meu desejo de
ser essa coisa e o fato de que
livre do temor?” (não “com o”
não sou essa coisa criam o
ficar livre?). “Como ficar
temor, não só num sentido
livre?” é uma pergunta de
restrito, mas também no mais
colegial. Desta pergunta
amplo sentido. Nessas
resultam todos os problemas
condições, enquanto existir o
— a luta, a consecução de um
fim e, por conseguinte, o desejo de ser algo, tem de
conflito dos opostos. Pode a haver temor.
mente ficar livre do temor?
Estar livre do desejo não é a
Que é o temor? O temor só projeção mental de um estado
existe em relação com alguma que o meu desejo me diz ser o
coisa. Tenho medo da opinião estado em que devo achar-me.
pública, tenho medo de meu Temos de ver, com toda a
patrão, de minha mulher, de simplicidade, o fato do desejo,
meu marido; tenho medo da temos de estar simplesmente

55
S ó quando estivermos livres
de toda e qualquer cultura,
estaremos aptos a ver com
clareza. Entretanto, se
aceitamos uma cultura,
oriental ou ocidental, ela atua
como um veneno.
cônscios dele — como vemos
de “vir a ser alguma coisa”. É
num espelho, sem deformação,
por causa dele que seguimos e
a nossa imagem, o nosso rosto,
que temos gurus. Todos os
tal como é e não como
livros sagrados vos levam à
desejamos que seja. O reflexo
confusão, porque vós os
da vossa imagem no espelho é
interpretais de acordo com o
muito exato; se puderdes estar
vosso desejo e, por
cônscio do desejo em igual
conseguinte, só enxergais o
sentido, sem condenação; se
reflexo dos vossos próprios
j simplesmente o observardes
temores e ansiedades, nunca a
vendo-lhe todas as facetas,
Verdade. Assim, pois, só a
todas as atividades, vereis,
mente que se acha num estado
então, que o desejo tem um
sem desejo algum, só essa
significado inteiramente
mente é que não segue e não
diverso.
tem guru. Ela está totalmente
O desejo da mente é de todo cônscia de qualquer
diferente do desejo em que não movimento; só então pode
há escolha. O que combatemos manifestar-se a bem-
é o desejo da mente — o desejo aventurança do real.
A P rocura da
Verdadeira Açâo

D e s e jo tratar de um problema Tanto o reformador como o


um pouco difícil, e espero radicalista nos prometem
escuteis com interesse, não pelo resultados. Os dois estão muito
resultado final, mas desde o seguros dos seus resultados;
começo. dizem eles não serem entes
confusos; e tudo lhes está muito
Parece-me, nem o reformador
claro, no seu padrão de ação
nem o radicalista, têm a
e de vontade.
solução real do problema. Suas
ações nascem da confusão. Pretendo, agora, falar sobre
O ra, os mais de nós estamos um modo de proceder, que não
vivamente interessados na é ação, absolutamente. A ação
ação; queremos fazer alguma que conhecemos nasce da
coisa, queremos alterar escolha, da determinação.
radicalmente a ordem social. Como sabemos, como
Nossa perspectiva, nossa observamos, no mundo, a ação
avaliação das coisas estão tem várias formas; aceitação
sempre baseadas no resultado. da autoridade, liquidação,
redistribuição, a ação produtiva da incerteza;
descentralização, etc. Mas eu porque, basicamente, todos
acho que existe uma ação que estão confusos.
absolutamente não é ação nem
tão pouco reação. Conhecemos Acho ser muito importante
admitirmos que estamos
a ação que vem da escolha, da
determinação, do desejo de confusos. Mas ninguém quer
admiti-lo. O reformista e o
resultado, de uma Utopia; mas
radicalista asseguram que
tal não é a ação verdadeira,
sabem e que estão lúcidos; e
porque leva ao conflito, à luta
sua ação, por conseguinte,
entre o homem e o homem.
nascida que é da confusão,
Cumpre-nos, pois, descobrir produz inevitavelmente
um estado de onde brote ação destruição e incerteza.
que não seja reação ou
resultado da ação de um O ra, em geral, nós sabemos
reformador ou radicalista. que estamos confusos, não
Considero muito importante numa só camada da
descobrirmos se estamos consciência, porém
confusos ou não, porque a ação completamente, das camadas
resultante de um estado conscientes às camadas
confuso não é ação inconscientes, mas não temos
verdadeira. a coragem de admiti-lo. Se
procurarmos compreender
Todos sabemos que estamos realmente a questão da ação,
confusos. Se não estivéssemos examinando-a, não
confusos, nossa ação poderia verbalmente, não
ter sido uma ação verdadeira. intelectualmente, teremos de
Nós, porém, não estamos
admitir que estamos confusos;
certos. Nenhum ente humano e é o próprio percebimento
— nem o capitalista, nem o dessa confusão que produz
comunista, nem o socialista — uma ação que não é da
está bem lúcido. M as, todos mente.
querem estar lúcidos e esse
próprio desejo de clareza cria Iniciamos todas as nossas ações

60
na suposição de que sabemos. porém de um modo real,
Mas só dizemos que sabemos. perceberemos que o resultado
Afora isso, sabemos alguma de toda ação dessa natureza
coisa? O reformista e o tem de ser, necessariamente,
radicalista dizem que sabem, confuso.
e impelem a outros para o seu
Cada um de nós tem de ver que
padrão de ação, padrão que,
todos basicamente estamos
com efeito, nasceu da
confusos. Mas é muito difícil
confusão. Toda ação
admiti-lo. O ra, se estamos
proveniente de uma mente
confusos, podemos dizer que
confusa há de ser,
devemos agir? Se eu estou
forçosamente, uma ação
confuso e percebo que estou
confusa.
confuso, o que aconteceria é
que a minha confusão
Estou confuso, e nesse confuso
produziría a sua ação própria,
estado mental me persuado de
que é a incerteza. Julgo
que devo aceitar determinado
importantíssimo compreender
modo de agir; mas,
isto, porque então a ação se
basicamente, eu estou confuso
encarregará de si mesma. Por
| e de dentro desta confusão
enquanto, não estou
procuro criar a certeza, certeza
interessado na ação.
que, essencialmente, é uma
“certeza confusa”. Atribuo- Acho necessário estabelecer-se
lhe, porém, um nome e um uma relação entre vós e mim.
padrão, e algumas pessoas me Não creio na ação do
seguem. Entretanto, o fato é reformista ou radicalista; o que
que tanto essas pessoas como
me interessa é só a confusão.
eu estamos todos confusos. Por conseguinte, minha atitude
Vós e eu estamos confusos. é de humildade e não de
Nossos guias políticos, sociais asserção.
e religiosos estão todos
confusos. Se pudermos admitir Vejamos agora o que acontece
esse fato, não meramente de à mente que sabe que está
maneira intelectual ou verbal, confusa. Ela não tem guia

61
O amor náo conhece o
amanhã. O amor não é produto
da mente. Como só estamos
cultivando a mente, não
sabemos amar; e a
continuidade que damos à
memória impossibilita
qualquer forma de amor.
algum, porque escolher um pensar por vós mesmos, para
guia quando se está em verdes se estais ou não
confusão é uma ação que confusos, e, se estais, deveis
redunda em confusão. ver se a vossa conclusão a
Evidentemente, ter uma teoria, respeito do que é certo e do que
um plano, um padrão de ação é errado tem alguma
nascido da confusão, é significação.
continuar na confusão. Por
O ra, se o mundo inteiro se acha
favor, não digais: “que vamos
num estado de confusão, vós
então fazer?” Se admitis
também estais confusos, visto
estardes confusos, isso significa
serdes uma parte do mundo.
que nada sabeis. Por
Assim, se estais realmente
conseguinte, seria fútil
cônscio de que vos achais
seguirdes qualquer autoridade,
confuso, qual será a vossa
qualquer livro, qualquer guia,
ação? Vossa ação não será
ou qualquer padrão de ação
nem a ação do reformador nem
relativo ao que é bom, ao que
a do radicalista. Que fazeis,
é mau, ao que é certo, ao que
então? Quando não há
é errado.
escolha, quando não há guia,
quando não se segue nenhuma
Um homem confuso não sabe
o que é certo nem o que é autoridade — pois sabeis que
errado. Ele não tem guia. Não a escolha nascida da confusão
é ainda confusão — que fazeis?
conhece nenhuma autoridade,
Que acontece à vossa mente?
nenhum livro em que possa
estribar-se, porque a sua mente Um homem que está confuso
está fundamentalmente e sabe que está confuso, não
confusa. Não se acha, sabe o que deve fazer,
portanto, num estado em que porquanto está incerto. M as
possa ler um livro ou seguir os nossos guias sociais,
uma autoridade. Não vos políticos e religiosos acham
estou hipnotizando, para que, se nos disserem que estão
fazer-vos admitir que estais confusos, nós poderemos
confusos. M as vós tendes de abandoná-los, e por esta razão

64
ninguém se acha disposto a que me acho confuso; por
admitir que está confuso. M as, conseguinte, há um estado de
uma vez admitamos que humildade. Não me tornei
estamos confusos, todo o nosso humilde, mas há um estado de
padrão de ação estará humildade, e esse próprio
destruído. A própria confusão estado é ação, e essa ação é
mental produz uma ação que ação real.
não é uma reação da mente,
Porque reconheço que estou
mas uma ação de incerteza; por
confuso, os guias perdem toda
conseguinte, não há nenhuma
a importância; não seguirei
Utopia, nenhum guia, nenhum
ninguém e minha mente estará
instrutor.
tranqüila. Minha mente já não
No vosso estado de completa estará certa; achar-se-á num
confusão, tentais descobrir o estado de humildade. O ser
que é verdadeiro. Muitos que é realmente humilde acha-
outros se acham como vós num se num estado de amor. Esse
estado de confusão, num amor não é uma coisa
estado de incerteza, e todos vos susceptível de cultivar-se. Sem
juntais. M as como vos esse amor, não tem a vida
encontrais todos num estado de nenhum significado.
confusão, num estado de
O ra, os mais de nós andamos
incerteza, há pouca
preocupados com problemas e
cooperação entre vós.
as respectivas soluções.
O ra, o homem que diz que Deveriamos, porém, estar
sabe, está na verdade se sempre interessados na
recusando a admitir que se compreensão e esclarecimento
acha confuso. Mas aquele que do problema, a fim de não
admite que está confuso e, por criarmos mais problemas.
conseguinte, é incapaz de saber Nossa solução de um problema
alguma coisa, é um homem serve apenas como raiz do
sincero. Quando digo que não problema futuro. Podeis achar
sei, no sentido mais profundo uma solução para o problema
da palavra, estou admitindo de hoje; mas essa solução é de

65
tal natureza que transporta o Como posso eu, como pode a
problema para amanhã e dá mente deixar de dar raiz ao
nascimento a outros problema de amanhã?
problemas, amanhã; quer Compreendeis o que estou
dizer, não há uma solução real, dizendo? Se puderdes
absolutamente. realmente compreender isto,
vereis que não há mais
Pois bem, tendes vários problema nenhum. Tendes
problemas. Tendes o hoje um problema porque o
problema da morte, tendes o estivestes fabricando nos
problema da frustração. Se últimos dias; a vossa mente,
transportardes para amanhã o por conseguinte, não é nova;
problema da frustração, vós está sempre vivendo no
lhe aumentareis a força. passado, que já é morto. M as,
Compreendei, por favor, a se compreendermos realmente
significação de tudo isso e a um problema e não plantarmos
necessidade de se não criar a as raízes de nossos problemas
raiz de nenhum problema de amanhã, não haverá mais
futuro. problema algum.

• Tenho a paixão da beh, S ei que a disciplina e o aulocon-


trole não poderão salvar-me. C o posso então ficar livre do vício
de beber?

H á muitas razões pelas quais esta: Como deixar de beber?


uma pessoa bebe. A A mera análise — análise da
frustração, a constante luta frustração, análise das vossas
pela vida, a luta entre marido preocupações — poderá
e mulher, as preocupações libertar-vos do hábito de
domésticas; e, desejando fugir beber? Quando souberdes por
dessas coisas, um homem dá que tendes uma frustração,
para beber. O ra, a questão é quando estiverdes cônscio

66
disso, então esse próprio rotina do puja ou da leitura de
percebimento, sem escolha, livros sagrados, constitui um
agirá e o hábito hábito. Dir-se-á que é um
desaparecerá. hábito bom e respeitável e que
V ede, por favor, a um outro dado hábito é um
importância do que estou hábito nocivo. M as,
dizendo. Vós conheceis os psicologicamente, as duas
efeitos do beber. Suponhamos coisas são hábitos. Se desejais
que, reconhecendo as ficar livres desses hábitos,
conseqüências do beber, deveis penetrá-los até às
decidais deixar o hábito raízes. Se compreenderdes
amanhã; nesse caso, estareis realmente que não há nenhum
criando um problema para método, nenhum sistema de se
amanhã. A s vezes, também, deixar um hábito, vereis então
a verdade; e essa verdade
acontece que, para
atuará em vós; não tereis de
abandonardes um hábito,
atuar sobre a verdade.
adotais um método; mas esse
próprio método se torna novo
Os mais de nós desejamos
hábito.
atuar sobre a verdade; mas, se
Nessas condições, a mente deixamos a verdade atuar
nunca está verdadeiramente sobre nós, ela produzirá então
livre do hábito. Mesmo a sua ação própria.

• Sou hinduísta, e vós convidais a deixar o hindu-


ísmo. P osso ficar livre do hinduíi p

Esta questão é muito tradições do hindu ísmo. O ra,


complexa. Temos de examiná- se desejais descobrir a
la com todo o cuidado, para verdadeira significação do
a compreendermos. Ora bem, seguir, se desejais descobrir se
vós vos dizeis hinduísta e, por o seguir é, ou não, coisa
conseguinte, desejais seguir as nociva, tendes de ver se é

67
S e a mente puder libertar-se
do seu condicionamento, dos
seus desejos, de todas as
disciplinas, padrões,
acidentes, haverá então o
libertar da mente do passado.
Dessa liberdade virá o silêncio,
a tranqüilidade mental.
realmente necessário seguirdes todos nós; a falar verdade,
a vossa experiência, as vossas achamo-nos num estado de
tradições e a vossa cultura. confusão. Só quando
M as, para poderdes vê-lo, estivermos livres de toda e
precisais estar completamente qualquer cultura, estaremos
livre. aptos a ver com clareza.
Entretanto, se aceitamos uma
O ra, quando dizeis que sois
cultura, oriental ou ocidental,
hinduísta, que quereis dizer
ela atua como um veneno.
com isso? Pode alguém dizer
que é um hinduísta puro ou um
Se desejamos ver claramente
ariano puro? T al pessoa não
e compreender a verdade real,
existe, porque nós somos
torna-se necessária uma lucidez
também uma mistura da
completa da mente; e isso só
cultura de outros. Os mais de
pode ocorrer quando não
nós temos o fundo do
pertenço a nenhuma sociedade.
hinduísmo e mais um certo
A verdade só atuará sobre vós
condicionamento ocidental. De
quando a vossa mente estiver
modo que não somos nem uma
completamente livre, e só
nem outra coisa. Mas a mente
poderá vir essa liberdade
quer ter raiz em alguma coisa
quando não pertencerdes a
e, quando acha que estará em
nenhuma comunidade.
segurança na cultura ocidental,
Significa isso que, só quando
ela larga a cultura oriental e
a mente não tem medo e não
vice-versa.
tem nenhum fundo, nenhuma
E isto exatamente o que está raiz, só então se pode ver o que
acontecendo com respeito a é a Verdade.

• Fisicamente, o tempo não tem dimensão. M as temos ou ­


vido a respeito do tempo psicológico, distinto do tempo crono­
lógico. O tempo é inexistente ou tem existência fenom enal?

Isto não é uma questão sentido de teórica ou verbal,


filosófica — filosófica no Esta pergunta implica que o

70
tempo tem existência estúpido. O meu ser estúpido
fenomenal. Haverá um é um fato. No momento,
amanhã e houve um ontem. porém, em que digo dever
Temos, pois, o tempo tornar-me inteligente, estou
cronológico, que é um fato. condenando a minha estupidez
Mas há diferença entre o e introduzindo o fator tempo.
tempo psicológico e o tempo M as, se não condeno o fato de
cronológico. que sou estúpido, não há mais
então a idéia do tempo. Mas,
H á um tempo estabelecido no momento em que decido
pela mente, o tempo como tornar-me inteligente,
distância que me separa do que introduzo o tempo. O ra, minha
serei, que me separa da idéia, mente é resultado do tempo,
da morte, do futuro, que me e, por meio da mente, vou
separa, como ente mortal, do conseguir o que desejo. Minha
ente imortal que me tornarei. mente, pois, é equivalente ao
H á um largo intervalo entre o tempo. M as só há um único
que sou e o que serei. Não se fato e este fato é: o que eu sou
pode negar o tempo fenomenal. hoje.
M as o tempo que a mente cria,
esse tempo tem realidade? H á Consideremos, agora, a coisa
o que é. Penso que eu deveria de outro modo. A mente é o
ser uma outra coisa diferente resultado do pensamento de
do que sou. H á a distância ontem, de hoje, e daquilo que

entre o que eu sou e o que eu ela será amanhã. A mente é
serei, conforme o meu desejo resultado dos pensamentos,
de me tornar imortal, etc. H á, das tradições, das idéias, dos
aí, duas coisas: o que é e o que séculos de existência do
deveria ser. No momento em homem. A mente é o E U . O
que introduzo o fator do desejo futuro é o desconhecido; e a
! de modificação, introduzo o mente, resultado do conhecido,
tempo. está tentando alcançar o
desconhecido. A mente nunca
Suponha-se que eu seja pode estar livre do passado.

71
A mente cheia de
inquietações, preocupada com
a salvação da humanidade,
reformas sociais, aquisição de
conhecimentos, nunca será
capaz de escutar, porque nela
não existe espaço onde possa
medrar uma semente nova.
M as, se examinardes a questão com toda a precisão, o passado
com muita atenção, se se reduzirá a cinzas. Vereis
puderdes realmente examiná-la então a Verdade.
o
DESCONDICIONAMENTO
da Mente

A vida é cheia de acidentes, gênero, e nossos corações vão


que deixam em nossa mente definhando, com o sentimento
muitas cicatrizes. A medida da frustração, do medo e da
que vamos envelhecendo, a sombra, sempre presente, da
acumulação de acidentes e solidão. Bem poucos de nós
experiências, a constante somos felizes e conhecemos o
batalha da vida, deixam sentimento criador. Tendo
muitas cicatrizes na mente. Só sido postos numa rotina, torna-
conhecemos sofrimentos e raras se muito difícil curarmos a
alegrias, e os nossos problemas nossa mente, para ela ser, de
crescem continuamente; tal novo, fresca e sem mácula. E ,
parece ser a sina de quase na procura dessa felicidade,
todos nós, por maior que seja desse sentimento, andamos a
a nossa capacidade intelectual, perseguir tantas coisas, temos
científica, etc. tantos desejos não preenchidos
e preenchidos!
Parecemos carregar a nossa
mente com atividades de todo E a nossa sociedade, a nossa

75
cultura, os nossos pais, os vereis ser essa vontade o
nossos vizinhos, maridos, produto de inumeráveis
esposas, estão-nos a todas as desejos, de muitas formas de
horas assaltando a mente, frustração e medo; e que essas
moldando-nos, frustrações, temores, desejos
condicionando-nos, de modo são o produto do nosso
que quase já não somos condicionamento, nosso
indivíduos, embora tónhamos fundo.
um nome próprio e uma
Nessas condições, quando
fisionomia especial. Se temos
escolhemos nunca somos livres.
boa sorte, possuímos uma casa
A escolha, em si, indica falta
e um pequeno depósito no
de liberdade. Um homem
banco, bem como uns poucos
realmente livre não faz escolha;
predicados, ou seja o que
ele é livre, não para fazer isso
chamamos individualidade.
ou aquilo, mas para ser.
Mas, afora o nosso nome e
Enquanto fazemos escolha,
apoucadas qualidades e
não somos verdadeiramente
aquelas “águas estagnadas”
livres e não somos indivíduos
que chamamos nossa mente,
reais.
nós não somos, de modo
nenhum, indivíduos; somos Muito importa compreender
entidades condicionadas, com isso, porque, em geral,
muito pouca liberdade. vivemos escolhendo — uma
virtude, uma pessoa, uma ação
Pensamos que somos livres, — e a escolha conduz
quando escolhemos; mas não invariavelmente ao sofrimento;
somos livres, somos? Onde há não há boa escolha e má
escolha não há liberdade, escolha. Só a mente livre da
porque a escolha, justamente, escolha é capaz de perceber o
resulta do nosso estado que é verdadeiro. A verdade
condicionado. Pensamos ter não vem através da escolha. A
uma vontade própria, que verdade não vem em virtude
exercemos, na escolha. da capacidade de escolher
Entretanto, se observardes entre isto e aquilo, entre o certo

76
e o errado; pelo contrário, toda da vida, com uma profunda
escolha resulta de nosso atenção interior, ver-se-á então
condicionamento, que se surgir a liberdade, apesar de
baseia no temor e na avidez. todos os acidentes que ocorrem
Nós, vós e eu, nos dizemos à mente, apesar de todas as
indivíduos, mas, de fato, não frustrações, apesar de todas as
somos indivíduos. Só quando estúpidas atividades que a
estamos livres do fundo, do nenhuma parte nos
condicionamento, existe a conduzem.
verdadeira individualidade; e
E possível à mente que está
isso requer muita reflexão e
acumulando tanto saber, que
investigação.
tem tido tantas experiências,
Falemos, agora, acerca da através de séculos, e na qual
criação, que acho tão essencial cada acidente deixa um resíduo
neste mundo tão cheio de que se chama memória, é
confusão, onde a mente se vê possível à mente ficar livre de
avassalada pelos sistemas, tudo isso, de modo que se torne
pelos métodos e está, a todas rejuvenescida, fresca? A meu
as horas, em busca da certeza, ver o problema real
através dos métodos, da ação concernente a todos nós é o de
e, por conseguinte, impedida renascer e nunca deixar espaço
de ser livre, para ser criadora, para a memória, para o
para compreender o que é amanhã.
aquela realidade criadora.
Acho de suma importância
Infelizmente, a maioria de nós compreender este ponto,
nunca experimenta diretamente porquanto a vida de quase
uma coisa verdadeira, porque todos nós é uma série de
temos lido muito e ouvido continuidades, sempre
muitas conferências e quebradas e de novo
acumulado muitos recomeçadas. Nossa vida
conhecimentos; e, porque diária de rotina, de ganhar o
lemos, comparamos. Se se sustento, de desenvolver
souber escutar a todas as coisas atividades sociais, é, todavia,

77
Tem os tantos problemas na
vida, não só os problemas da
superfície — econômicos e
sociais — mas também os
problemas inconscientes...
Esses problemas são o
resultado, o fruto da nossa
confusão, da nossa luta
interior.
uma continuidade, sempre na homem feliz não tem problema
mesma direção. Não há jamais algum. E o homem infeliz, o
uma libertação dessa homem frustrado que busca a
continuidade, porque a mente ação, para vencer a sua
teme viver de maneira nova, frustração.
sem saber nada, pois, sem
dúvida, está sempre E possível a cada um de nós
procurando a certeza no “ser apagar o passado, dar-lhe fim,
alguma coisa”. não através de um processo
gradual, mas eliminando-o de
Nosso problema é que
um golpe? Temos de fazer esta
desejamos ser algo; cada um
pergunta a nós mesmos, sem
de nós, tanto o santo como o
nos preocuparmos com o resto.
pecador, deseja ser alguma
Porque, se dizemos “como
coisa; e, desse modo,
fazer isso?” destruímos a
cultivamos a memória e, por
possibilidade de fazê-lo,
conseguinte, nunca há um
porque o “como” perpetua a
findar. Nessas condições,
memória da mente.
nunca há um descobrimento
real; só há acidentes e a escolha
Parece-me verdadeiramente
dos acidentes. Eis o que é a
importante viver
nossa vida. Permeando toda
completamente cada dia, com
esta confusão, toda esta
tanta plenitude, tão
exigência de ação, está sempre
criadoramente, tão ricamente,
o temor.
que nunca tenhamos um
Podemos livrar-nos do am anhã. Isso, afinal, é amor,
passado, e renascer com uma não achais? O amor não
mente renovada? Pode-se conhece amanhã. O amor não
viver feliz, sem os trabalhos da é produto da mente. Como só
busca intelectual, viver estamos cultivando a mente,
plenamente cada dia, cada não sabemos amar; e a
minuto, todo devotado a esse continuidade que damos à
minuto? Se isso for possível, memória impossibilita
a vida será simples, porque o qualquer forma de amor; e esta

80
é uma das nossas resusltado do conhecido; minha
dificuldades. mente só pode funcionar dentro
do conhecido; e meu problema
Só conhecemos infelicidade,
é este: como pode a mente,
sofrimento e frustrações; e daí
resultado do tempo, deter o seu
parte a nossa ação, criando
próprio movimento? Como
mais infelicidade e mais
pode o pensamento cessar?
sofrimento. Portanto,
certamente, precisamos estar O pensamento é resultado ou
livres do conhecido, para que reação do conhecido, de
o desconhecido possa ser. “O ontem, de todas as
conhecido” é a mente e suas acumulações, das feridas, dos
ocupações. A mente só é capaz acidentes, das frustrações, dos
de raciocinar, e a razão é temores. Como pode cessar
produto da memória, do ; esse pensamento? A mente não
conhecido. A razão não pode pode fazê-lo cessar. A mente
conduzir ao desconhecido, por não pode dizer “vou pôr fim
mais ativos que estejamos — ao pensamento”, porque neste
praticando o perdão, caso, o pensamento estaria
sacrifícios, ritos, meditação. separado da entidade que diz
Enquanto a mente tiver suas “vou pôr fim”. A entidade que
raízes no “conhecido”, não deseja esse findar é produto do
poderá existir o pensamento.
desconhecido.
Por favor, prestai atenção a
Por conseguinte, o nosso esse extraordinário mistério,
problema é realmente o de que a mente é incapaz de
libertarmos a mente do sondar. Existe o assombroso
conhecido. A mente não pode mistério do desconhecido; e se
libertar-se do conhecido, não permitimos que ele opere,
porque ela própria é o a nossa vida é sem significação.
conhecido, já que é resultado Podeis ser muito inteligentes,
do tempo. Qual é, então, o i possuir a mais maravilhosa das
problema? Entendeis esta mentes; mas, se não houver a
pergunta? Minha mente é compreensão daquele

81
desconhecido, se aquele escolha é produto do nosso
desconhecido não puder fundo (background). A
manifestar-se, nossa vida será libertação da mente desse
sem significação. Não fundo, a libertação da mente
conheceremos senão de todo condicionamento é o
sofrimentos, perigos, verdadeiro libertar.
frustrações.
O processo pelo qual a mente
Nessas condições, se
se liberta do desejo de ser
pudermos ver que a mente não
alguma coisa, esse processo é
pode em tempo algum achar o
meditação. Nele, dá-se a
desconhecido; que, sem o
libertação da mente do
desconhecido, nenhuma
conhecido; então a mente se
significação tem a vida, que é
torna tranquila. O ra, essa
só tortura, sofrimento, dor; e
quietude, essa tranqüilidade
que a mente nada pode fazer,
da mente não é uma coisa que
porque todo movimento da
se possa conhecer ou
mente é produto do conhecido,
experimentar, sem se
movimento do conhecido; se a
“descondicionar” a mente.
mente perceber tudo isso, ela
Não é uma coisa que se possa
se tornará tranquila.
procurar. Se a procurais, essa
A compreensão de que todo procura será apenas uma outra
movimento da mente é produto forma de auto-hipnotismo,
do conhecido, essa uma ilusão, sem nenhuma
compreensão é meditação. Há realidade.
necessidade de meditação, na
vida — não da estúpida Se a mente puder libertar-se
meditação ortodoxa, que não do seu condicionamento, dos
é meditação, mas auto- seus desejos, de todas as
hipnose; precisamos estar disciplinas, padrões,
cônscios de todo o processo do acidentes, haverá então o
viver, todo o processo da libertar da mente do passado.
escolha, de como a escolha Dessa liberdade virá o silêncio,
nega a liberdade, visto que a a tranqüilidade mental.

82
Essa tranquilidade não pode fugir. E necessário passarmos
ser feita, mas ocorre quando por essa solidão, para
a mente é livre. Ê a alcançarmos a tranqüilidade;
tranqüilidade do movimento então, por certo, se
extraordinário, em que não se manifestará a ação criadora da
visa a coisa alguma. Não há Verdade.
busca, nessa placidez, que não
Esta questão não requer um
resulta de nenhuma frustração,
empenho contínuo. Tudo o que
experiência ou desejo. O que
é contínuo é produto de uma
está num movimento
mente que está determinada, da
extraordinário, numa
mente que diz “eu serei”, e
velocidade extraordinária, está
perpetua, por conseguinte, a
quieto. E dessa tranqüilidade
memória de si mesma. Mas a
surge o mistério da criação,
qualquer momento em que se
aquela verdade não
sinta um empenho sério,
mensurável pela mente; e, sem
momento que poderá durar só
essa verdade, a vida só pode
meia hora — e tanto basta —
significar mais sofrimento, mais
nesse momento existe a
malefícios, mais frustração.
percepção sem escolha, o
percebimento de nós mesmos
Somos infelizes seres humanos,
como num espelho, sem
que queremos escapar da nossa
deformação, o percebimento
infelicidade por meio de
da coisa exatamente como é.
atividades de toda ordem;
Esse próprio percebimento do
somos entidades solitárias, e
fato produz a libertação, a
queremos encher a nossa
liberdade.
solidão com conhecimentos,
atividades, divertimentos, Quando, porém, no espelho do
Escrituras; mas esse vazio não percebimento vos vendo assim
pode ser preenchido e só será como sois, condenais e desejais
possível acabar com ele modificar essa imagem,
quando a mente compreender reformá-la, dar-lhe um certo
que está solitária, e não tentar nome, desse modo, lhe conferis
disfarçar a sua solidão ou dela uma continuidade. Mas, se

83
Q uem pede, em geral recebe
o que pede; mas o que recebe
pode não ser a verdade, e
geralmente não é a verdade.
Não podeis chegar-vos à
verdade como um pedinte.
ficardes simplesmente cônscio mesmo, tão logo ele surja, com
da imagem refletida naquele o não deixá-lo enraizar-se —
espelho, vereis desaparecer o que significa; não apreciar
tudo o que fo i; e esse nem condenar; e isso, com
percebimento traz a liberdade, efeito, significa possuir a
uma quietude da mente em que extraordinária qualidade da
há felicidade. humanidade.
O importante é não dar-se raiz A mente trivial tem sempre
a nenhum problema. Nós algum problema; a mente
temos problemas, eles existem. pequenina está sempre
Todo acidente é um problema; ocupada, e essa ocupação
mas não lhe darmos um futuro, prossegue dia por dia. A
não lhe concedermos um mente trivial nunca é capaz de
minuto em que ele possa resolver o problema, porque
enraizar-se, tal é o problema tudo o que ela resolve, tudo o
— não aquele que estamos que ela pensa a respeito do
carregando, em nossa mente. problema, é sempre trivial,
Quanto mais a mente pensa limitado, confuso. O mais que
num problema, tanto mais está a mente trivial pode fazer é não
preparando o solo para ele dar ao problema um futuro.
enraizar-se.
Se a mente tem um problema
O problema não é o de saber e não lhe dá um futuro, ela já
como resolver um problema, não é trivial, porque não está
mas como não dar ao problema ocupada; a mente ocupada é
que tenho, uma continuidade. que é trivial. A mente não
E a continuidade — e não o ocupada se assemelha a um rio,
problema de ontem — que cria que tudo recebe, os esgotos da
o problema. Se conheço, se cidade, cadáveres, coisas boas
percebo a verdade disso, e coisas más; e, uma vez que
ocupar-me-ei, então, com o está em movimento constante,
problema de modo já não é água estagnada, mas
inteiramente diferente; darei uma torrente viva; nela, tudo
cabo do problema, em mim vive; ela não está morta.

86
Assim, pois, a mente que tem observardes como a vossa
um problema e está ocupada, mente gosta de dar
não pode compreender o seu continuidade a um problema,
próprio problema; o que pode dia após dia. Vossa mente está
fazer é só dar fim à sua ocupada com alguma coisa —
continuidade e nunca com o que diz o vizinho, ou o
proporcionar solo propício ao Livro, ou com a finalidade da
problema, no amanhã da sua vida — traçando perenemente
memória. as suas próprias rotinas. A
mente ocupada é uma mente
Tudo isso pode parecer muito trivial, e a mente trivial há de
difícil; mas não é, se realmente ter sempre problemas.

• N ã o basta as pessoas ouvirem. P ara compreenderem o


que lhes é ensinado, devem elas ser nutridas e educadas num estudo
cuidadoso e na exploração dos ensinamentos e por meio de livros
relativos ao assunto, bem com o pela organização de grupos de
estudo. Só assim haverá compreensão. Tenho ou não razão?
Esta pergunta supõe o intermediário, sacerdote.
intermediário, o intérprete, o M as, se eu não a compreendo
sacerdote, não achais? “Eu recorro a alguém, para que me
compreendo, mas outros não explique, e esse alguém a
compreendem.” “Compreendo explicará de acordo com o seu
um pouco e quero partilhá-lo” condicionamento, conforme a
— e isso é coisa muito sua aptidão. Crio, assim, o
diferente. Investiguemos pois, intérprete, o sacerdote, o sub-
cabalmente, esta questão. instrutor. Sou indolente, não
estou cônscio de mim mesmo
Quem é qüe cria o intérprete, — que é um fato tão simples:
o intermediário? V ós mesmo. não preciso ler livros a esse
Quando se compreende uma respeito, pois o fato é tão claro!
coisa diretamente, não se Estar cônscio de vós mesmo em
necessita de intérprete, todas as coisas que fazeis,

87
observardes a vós mesmos — vez que cria a autoridade e cria
não de acordo com um dado o seguidor.
padrão, pois isso não é
observar — observardes a vós A mente que diz: “Eu não sei,
próprios quando falais, ao mas vós sabeis; explicai-me
jantar, à mesa, no escritório; pois, dai-me um lugar
observardes e vedes como garantido no céu” — essa
condenais, como sois cruel; mente cria os intermediários,
observardes tudo, com os intérpretes, os sacerdotes —
simplicidade, observardes sem que irão agir para vos salvar.
fazer escolha; para isso não se Os guias políticos, os
precisa de intérpretes e sacerdotes, os comissários ou
intermediários. os pobres padres católicos,
todos são iguais, porque os
Saberdes, simplesmente, o que seus seguidores dizem “nós não
está acontecendo na vossa sabemos”.
mente, saberdes, por vós
Escutai, por favor; ainda que
mesmo — e não de acordo com
já tenhais ouvido isto muitas
outra pessoa — como a vossa
vezes, escutai-o como se fosse
mente funciona, isto não é
a primeira vez. Se o escutardes
difícil; não se necessita, para
como se fosse a primeira vez,
isso, de intérpretes ou
isto terá significação e terá
intermediários. Mas
profundeza. M as, se dizeis,
necessitais de intérpretes e
“já ouvi isto centenas e milhares
intermediários se estais
de vezes, pois vos acompanho
assustado, se não conheceis a
há vinte e cinco anos, e sei o
vós mesmo e por isso recorreis
que ides dizer”, não estais
a alguém. Não há um seguir
experimentando diretamente o
bom e um seguir mau; quer
que digo e, por conseguinte,
estejais seguindo
o vosso mero escutar das
politicamente, religiosamente,
palavras não tem
quer estejais seguindo vossas
significação.
próprias experiências ou
ideais, todo seguir é mau, uma Enquanto a mente busca a

88
certeza, tendes de ter queremos é a ajuda que um
intérpretes; a mente que está cego dá a outro cego. Mas
buscando a certeza nunca é existe uma ajuda, que vem
livre e está sempre assustada; quando sei que estou confuso,
a própria exigência de certeza incerto, e permaneço nesse
a respeito de alguma coisa — estado. Saber que estou
um ideal, uma relação, uma incerto, saber que estou
verdade que se quer saber ao confuso, saber que nada sei,
certo — supõe que tendes este próprio estado é um estado
necessidade de um de humildade, não achais? —
intermediário, de alguém que um sentimento profundo de
possa ajudar-vos. Se, porém, humildade, que cria sua ação
aquilo que ouvistes for verdade própria. Um homem que é
para vós — não de acordo com “nada” (ele não diz
alguém, mas se for realmente intelectualmente que é nada,
verdadeiro para vós — falareis mas o sabe, interiormente,
então corretamente, dançareis sabe que no estado de incerteza
corretamente, vivereis, um homem só pode ser nada)
amareis, criareis; não precisais esse homem não necessita de
então de criar autoridade nenhum intérprete.
alguma, não tereis de seguir
ninguém, não pertencereis a Cuidado com os intérpretes,
nenhuma sociedade. guardai-vos deles! Os
intérpretes só vos podem dar
A dificuldade, porém, é que certeza, não podem dar-vos
a maioria de nós está tão liberdade. A liberdade só
incerta e tão confusa, em nós aparece no meio do
mesmos, que precisamos de percebimento completo do
ajuda; mas a ajuda que processo total do viver.

• Um homem precisa morrer para renascer; no findar há


um começar. M as, para nós, todo findar é sofrimento, seja o findar


O problema não é o de saber
como resolver um problema,
mas como não dar
continuidade ao problema. É
a continuidade — e não o
problema de ontem — que cria
o problema.
da vida, seja o findar de uma experiência rica e feliz. C om o posso
perceber a verdade a respeito desse findar?

O que vedes é só o fato de que percebimento, o próprio


tudo o que tem continuidade, reconhecimento do fato, sem
tudo o que prossegue no escolha, sem condenação, é o
tempo, está sempre em findar em que há renovação.
sofrimento. Só conheceis esse
Entretanto, não queremos o
fato, não é verdade? — com
novo, não queremos renascer.
ocasionais e raros momentos de
O que queremos é só que nos
deleite, de alegria; mas, em
ponham certos. Afinal, o que
geral, o que conheceis é só
queremos é a permanência,
sofrimento. O sofrimento vem
uma continuidade para nós
junto com as inumeráveis
mesmos, com os sinais do
aptidões do “eu”, do “ego”.
permanente — uma casa
Tendes de perceber, tendes de
permanente, uma relação
compreender que tudo o que
permanente, um nome
continua, psicologicamente,
interiormente, traz permanente, uma família
permanente, uma continuidade
sofrimento.
de atividade, de sucesso — é
Não sabeis que aquilo que tem só isso que queremos.
fim, tem sempre frescor, tem
sempre um novo começo? Se Não queremos revolução
eu não termino os meus nenhuma, não queremos
pensamentos de hoje, se não os morrer cada dia para todas as
completo, se não os levo até ao coisas; queremos é perpetuar
fim, hoje mesmo, transportarei a memória; eis por que nos
esses pensamentos para exercitamos e disciplinamos e
amanhã; e, nisso, não há resistimos, pois a mente tem
frescor, uma coisa nova; a tanto horror a qualquer estado
mente se torna morta. Mas se de incerteza. E só a mente
vejo simplesmente esse fato, incerta que pode descobrir, e
tanto basta. O próprio não a mente certa. Só a mente

92
que sabe que está confusa, e verdade não tem continuidade
que, nessa confusão, se no tempo. O que continua,
mantém quieta, só essa mente acha-se num estado de
é capaz de descobrir. A permanência, reconhecível
mente, porém, que está certa, pela mente; portanto, a mente
a mente que tem continuidade, que tem continuidade, que tem
que tem uma série perpétua de associação, que é processo de
lembranças, essa mente nunca reconhecimento, essa mente
pode descobrir a verdade. nunca pode achar o que é real.
Só a que percebe a falácia de
Nessas condições, só a mente tudo isso e, por conseguinte,
que chega a um fim, em cada sem fazer qualquer escolha,
dia, pode encontrar, cada dia, chega a um fim, só essa mente
a Verdade. A verdade é uma pode ser criadora; só ela pode
coisa que se precisa descobrir receber a força criadora da
momento por momento; a Verdade.

• Qual a relação entre mim e ( minha mente?

Examinemos esta questão de momento, isto é


modo que vós e eu autoconhecimento; e esse
experimentemos diretamente o autoconhecimento só pode
que se está dizendo. Isto é um nascer pela meditação.
processo de meditação, e sem Meditação é estar cônscio de
meditação não há sabedoria. todos os conflitos, no espelho
A sabedoria nasce com o das minhas atividades, das
autoconhecimento. Quando minhas relações, dos meus
conheço a mim mesmo tal como estados. Investiguemos, pois,
soú — e não de acordo com esta questão: a relação que há
o que outros instrutores entre mim e a minha mente.
disseram, ou outra pessoa
qualquer disse — quando sei A mente difere de mim? Eu sou
o que sou, momento por diferente, o observador, o

93
pensador, é diferente do Paramatman — cada vez mais
pensamento? alto — mas isso, não obstante,
é coisa que a mente “projeta”;
Digo: “Eu penso”. O
a mente se dividiu em “eu” e
pensamento é diverso da
“pensamento”.
entidade que diz: “estou
pensando”? Dizemos que as Afinal, que é a mente? A
duas coisas são separadas, que mente, por certo, é tanto o
o “eu” pensa ser diferente do consciente como o inconsciente.
pensamento. Presumimos que O mar não é só a superfície das
o “eu” vem em primeiro lugar; águas, que se vê brilhar ao sol,
o “eu”, o “ego” é o pensador; cheio de vida; é toda a
primeiro este, depois o profundidade das águas que
pensamento, a mente. faz o mar. Identicamente, a
Separamos, pois, o “eu” e a nossa mente é todo o conteúdo,
mente. M as, isto é um fato? quer estejamos cônscios dele,
Podeis dividi-lo, mas, na quer não. Está a mente tão
realidade, o “eu”, o pensador, ocupada, tão cheia de
difere da consciência que diz atividades e problemas, que
que pensa, que existe? Pode-se nunca tem tempo para indagar,
retirar as qualidades do investigar, descobrir, “pescar”
diamante e dizer que o restante no inconsciente.
é diamante? O “eu” tem muitas
Sabemos o que é o
qualidades, muitas memórias,
inconsciente; ele é muito
muitas atividades,
simples. Nossos “motivos”,
experiências, temores,
nosso saber acumulado, nossa
frustrações, que são, todas
coleção de experiências e
elas, produto da mente, não é
temores, esperanças, ânsias,
verdade?
frustrações — tudo isso é a
Retirem-se todas as vossas nossa consciência; o desejo de
qualidades — existe então Deus e a criação de Deus —
“vós”? A mente é o “eu”. tudo isso é a consciência.
Pensa a mente que há o “eu Assim, pois, a separação do
superior” o Atman, “eu” e da mente não

94
corresponde a nenhuma pode por acaso estar quieta.
realidade. M as, quando se está cônscio
de todo esse processo, sem se
Por favor, vede bem isso,
fazer escolha, quebra-se esse
compreendei-o. A totalidade
padrão de consciência e pode-
da consciência é o “eu” — o
se então perceber uma placidez
“eu” que tem um emprego; o
real na totalidade da
“eu” que tem mulher, que tem
consciência. Isso é algo que
marido; o “eu” que é invejoso,
está muito além dos limites da
ambicioso, ávido; o “eu” que
mente.
avalia; o “eu” que tem uma
tradição; o “eu” que quer achar
Mas o querer-se alcançar o que
a Realidade, Deus; o “eu” que
está além dos limites da mente,
é trivial, ambicioso — tudo
nenhuma significação tem. O
isso é a mente, tudo isso é a
que eu digo ou o que outro diz
consciência. Essa consciência
nada significa. Significativo é
— podeis guindá-la às maiores
que se tenha o percebimento
alturas, chamá-la atman,
completo dessa consciência e
paramatman, ou seja o que for
de todas as suas numerosas
— essa consciência é sempre
camadas. Esse percebimento
produto do tempo, é sempre
não pode ser aprendido pela
a consciência. O ra, com essa
análise; a coisa pode ser
consciência, desejais encontrar
conhecida, totalmente, pela
algo situado além dos limites
observação.
da mente; mas nunca
encontrareis esse algo.
Conhecer o processo integral
Podeis ter tranquilidade, da mente — todas as suas
ocasionalmente, quando a inclinações, “motivos”,
consciência total está propósitos, seus talentos, suas
tranquila, de alto a baixo; e exigências, seus temores,
podeis sonhar com algo frustrações e êxitos felizes —
inimaginável, imensurável, conhecer todas essas coisas
porque no sonho a vossa significa estar tranqiiilo e não
mente, a vossa consciência, permitir que elas atuem. Só

95
O ra, o homem que diz que
sabe, está na verdade se
recusando a admitir que se
acha confuso. Mas aquele que
admite que está confuso e, por
conseguinte é incapaz de
saber coisa alguma, é um
homem sincero.
então pode manifestar-se o que Como a nossa busca se origina
se acha além da mente. E essa da frustração, a mente que
coisa só pode manifestar-se busca, nunca achará. Só a
quando não é chamada; só mente que compreende o
pode manifestar-se quando não processo total, pode receber as
é procurada. bênçãos do Real.

98
jfcpORIA E PENSAM ENT

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