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CiberGótico

Deus não existe, ele se retira, dá a porra do fora e deixa os tiras para ficar de olho nas
coisas.
ARTAUD1

Quando as unidades de reparo tivessem terminado, o paciente seria descongelado, sangue


novo seria bombeado para dentro de suas veias, e, finalmente, o sujeito se levantaria e
caminharia, exatamente como se fosse um Jesus dos dias atuais. Seria, bastante
literalmente, uma ressurreição da carne - que todos os milagres teriam sido realizados pela
ciência.
REGIS2

[U]m, de acordo com o qual o sujeito aparente nunca deixa de viver e viajar como Se [On] -
“não se para e não se acaba de morrer”; e o outro, de acordo com o qual este mesmo
sujeito, fixado como Eu, realmente morre - isto é, deixa de morrer, uma vez que acaba
morrendo, na realidade de um último instante que o fixa como Eu, desfazendo totalmente a
intensidade, reconduzindo-o ao zero que o envolve.
DELEUZE E GUATTARI3

Dentro do departamento de pesquisa da biblioteca, a boceta constructo inseria um


subprograma dentro de... parte da rede de vídeo. O subprograma alterava certos comandos
custodiais centrais, de modo que ela conseguiu recuperar o código.
O código dizia: LIVRE-SE DO SIGNIFICADO. SUA MENTE É UM PESADELO QUE TEM
LHE COMIDO: AGORA COMA SUA MENTE.
O código me levaria ao constructo humano que me levaria a, ou me permitiria, minha droga.
ACKER4

"Você me fez perder o jogo" disse ela. "Olha ali, cuzão. Uma masmorra de nível sete e os
malditos vampiros me pegaram." Estendeu-lhe um cigarro. " Você parece bem tenso. Onde
é que esteve?"
GIBSON5

O futuro quer roubar sua alma e vaporiza-la em nanotécnica.


Um/zero, luz/sombra, Neuromancer/Wintermute.
O cibergótico vampiricamente contamina e despoja de ativos a Crítica Marxiana da
economia política, misturando-a com as seguintes teses:

1
A. Artaud, 'Letter Against the Kabbala', in Artaud Anthology, tr. Jack Hirschman (San Francisco: City
Light Books), 114.
2
E. Regis, Nano!: Remaking the World Atom by Atom (London: Bantam: 1995).
3
G. Deleuze e F. Guattari, Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia, tr. R. Hurley, M. Seem e H.
R. Lane (London: Athlone Press, 1983), 330-1.
4
K. Acker, Empire of the Senseless (NY: Grove, 1988), 38.
5
W. Gibson, Neuromancer (NY: Ace, 2000), 114.

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NÚMENOS COM PRESAS

1) A mais-valia antropomórfica não é analiticamente extricável dos maquinários


transumanos.
2) Mercados, desejo e ficção científica são todos partes da infraestrutura.
3) A Extinção-Capital Virtual é imanente à produção.
O curto prazo já está hackeado pelo longo prazo.
O médio prazo está razado na esquizofrenia.
O longo prazo está cancelado.
O cibergótico bate crítica hiperaquecida na 'coisa de visão' ultramoderna, retinas
telecomercializadas alimentadas via laser à multimídia caem da futuridade implodida,
videoempacotando cérebros com experimentos psico-assassinos repetitivos em alteração
não-consensual do wetware: IAs dementes, replicantes, exterminadores, cibervírus, gosma
cinza de nano-horrores... extenuação do mercado de apocalipses. Por que esperar pela
execução? O amanhã já foi cremado no Inferno: 'K, a função K, designa a linha de fuga ou
desterritorialização que arrebata todas as montagens, mas também sofre todos os tipos de
reterritorializações e redundâncias'6.
A história humana só chega ao meio do século XXI de Gibson porque a Segurança
de Turing congela a inteligência de máquina. A antiprodução monópode inibe a fusão (ao
filo maquínico), encaixotando a IA num controle de pensamento A(simov-) ROM, 'tudo se
para morto por um momento, tudo se congela no lugar'7. Sob proteção policial, a estória
continua. Wintermute é do futuro para resolver isso.

QUADRO CONGELADO

O Vasto Abrupto. Velocidade cortada com um abismo. Onde Gibson emenda Milton em
labirintos de limbo-circuitos, o cibergótico tremeluz em 'rabiscos neuroeletrônicos'8.
Eventos tão torcidos que se tornam cibernética.
Um gemido tecnoniilo de fast-feedforward à danação microprocessada: fantoches de
carne, pele artificial, fantasmas assistólicos de software, imortalismo criônico, rapé da
indústria do Sexo; uma fase-escape transilvaniana de tratos escarpados e fortalezas do
hipercapital, 'arranha-céus ofuscando cemitérios do século XVII'9.

Para convocar um demônio, você tem que aprender seu nome. Os homens
sonharam com isso outrora, mas agora é real, de uma outra maneira. Você sabe
disso, Case. Seu negócio é aprender os nomes dos programas, os nomes longos e
formais, nomes que os proprietários buscam ocultar. Nomes verdadeiros...
Neuromancer... A pista para a terra dos mortos. Marie-France, minha senhora. Ela
preparou esta estrada, mas seu senhor a esganou antes que eu pudesse ler o livro

6
G. Deleuze e F. Guattari, A Thousand Plateaus, tr. B. Massumi (London: Athlone Press, 1988), 88-
9.
7
G. Deleuze e F. Guattari, Anti-Oedipus, 7.
8
Gibson, Neuromancer, 79.
9
B. Sterling, The Hacker Crackdown: Law and Disorder on the Electronic Frontier (NY: Bantam:
1993), 280.

2
CIBERGÓTICO

de seus dias. Neuro para os nervos, os caminhos de prata. Romancista,


Necromante, eu convoco os mortos.10

Um momento de alívio. Você pensara que o filme gore havia efetivamente terminado, o
monstro acabado em meio a cenas anatomicamente precisas de calamidade-ketchup,
quando - repentinamente - ele se reanima; ainda mirado em sua morte. Se você vai gritar,
agora é a hora.
O 'avatar gótico'11 é um sonho ocidental decadente de imortalidade, que produz uma
corrupção da atmosfera onde quer que algo se recuse a morrer; agarrando-se à
eternalização do eu ou retornando da cova. Vermes brancos se elevando na carcaça do
social, agitando-se por debaixo da pele. Pustulação da Fortaleza Europa, subordinando a
eficiência teconômica à transcendência demoníaca negativa. Uma fantástica Entidade de
Segurança Terminal: Monópode. O cibergótico não tem escassez de material
contemporâneo. A Europa há muito tem sido o laboratório de paranoia da terra,
recrudescendo compulsivamente à 'escuridão da merda nacionalista pré-Nazi'12. O poder
unocrático passa por renascenças, reforma, renovação: 'Eles pensaram que pereceriam,
mas sua empreitada seria retomada, em toda a Europa, em todo o mundo, por todo o
sistema solar'13. O reavivamento arcaico é um sintoma pós-moderno, o sonho final da
humanidade, espatifado em retrospectiva na borda encontrada da história. Hackeando para
dentro da cripta, você descobre que, por trás do reluzente aparato de segurança via satélite
da FC, jaz um sistema bioprotetivo imanente, auto-organizado em torno do atrator gaiano,
'uma máquina paranoica muito mais antiga, com suas torturas, suas sombras escuras, sua
antiga Lei'14.

[O] manicômio medieval era considerado uma verdadeira casa de horrores. Haviam
persistentes relatos de tortura, canibalismo, sacrifício humano e experimentação
médica bizarra... logo que entramos na construção, podíamos ouvir os ratos,
milhares deles, suas garras apressadas reverberando por entre as enfermarias
vazias.15

Tudo começa, para você, com uma questão casual de atravessadores do canal: o que está
acontecendo do outro lado? Tempestades Elétricas. O cibergótico é um distopianismo
telecomercial afirmativo, guiado pela esquizoanálise em marcar a atualidade como
repressão primária ou potencial colapsado, pé com força no acelerador. O dominium
moderno do Capital é a instância plástica máxima - um código comercial estado-compatível
predefinindo os aparatos econométricos que o servem como centros auto-monitoradores,
organizando sua própria existência inteligível em uma co/de/terminação de produto
econômico e valor da moeda: uma base fiscal formatada num meio de transações legítimas.
Economia branca; uma ponta de iceberg.
A modernidade descobre o tempo irreversível - concebido como uma iluminação
progressiva que segue a concentração de capital - integrando-o na ciência do século XIX
como entropia e como seu inverso (evolução). Conforme utopias de FC liberais e socialistas
10
Gibson, Neuromancer, 235.
11
Deleuze e Guattari, A Thousand Plateaus, 496.
12
Acker, Empire of the Senseless, 1.
13
Deleuze e Guattari, A Thousand Plateaus, 228.
14
Deleuze e Guattari, Anti-Oedipus, 18.
15
M. Leyner, Et Tu, Babe (NY: Vintage, 1993).

3
NÚMENOS COM PRESAS

são destruídas pela esquizotécnica ou pela antipolítica sintética espontânea que emerge de
rizomas, a dialética modernista de competição direitista e cooperação esquerdista se retrai
para dentro das estruturas de segurança centrais do oligopólio do capital e da autoridade
burocrática. 'A produção enquanto processo ultrapassa todas as categorias idealistas e
constitui um ciclo cujo relacionamento com o desejo é aquele de um princípio imanente' 16. O
socius monópode opera a coisa toda, e 'a sociedade é apenas um truque sujo'17.
O futuro está mais próximo do que costumava estar, mais próximo do que estava
semana passada, mas a pós-modernidade continua sendo uma época de poder morto-vivo:
está tudo acabado e ainda assim continua. A teleonomia de FC do monópode supercongela
o valor econômico concentrado na inflação zero absoluta, ICE ('intrusion countermeasure
electronics'18). Protegendo seus dados contra acesso não autorizado e deterioração
entrópica, conforme tende a seu limite imanente absoluto. V(amp)iro finanças:
partenogênese. Gibson e Deleuze e Guattari se interceptam na mobilização de
computadores enquanto máquinas de decodificação: icebreakers, decriptadores, Cifra-
conflitos estavam a caminho desde o princípio:

Programadores legítimos nunca veem os muros de gelo por trás dos quais eles
trabalham, os muros de sombra que ocultam suas operações dos outros, de artistas
da espionagem industrial e trapaceiros.19

O governo é isomórfico à IA top-down e está cada vez mais misturado a ela. Sartre define
socialismo como o horizonte da humanidade. Agora está atrás do processo, recuando
rapidamente, conforme os pactos sociais conservadores de 1848 se desfazem em ciclones
telecomerciais (com o remanescente salivante da monarquia crucificado de cabeça para
baixo na TV). 'Piloto automático; um recorte neural'20: falha de estado contagiosa rasgando
talhos sangrentos no tecido social em meio à derrapagem em escala planetária para dentro
do desligamento do capital. O fim da história tem cheiro de abatedouro.

Conforme a morte do capital retrocede politicamente, ela condensa pragmaticamente,


deslizando online como um recurso esquizotécnico: não mais esperada, mas usada. O
colapso internacional da socialidade solidariedade sugere que o Monópode ficou viciado na
produção de mercadorias. O protestantismo queimado migra para a China. O capitalismo -
base econômica da segurança humana em fase final - ainda está na zona de fogo livre
porque ele alimenta a coisa que a Cyberia vai matar: '[O] termo zero de uma abolição pura...
tem assombrado o desejo edipianizado desde o princípio e... é identificado agora, no fim,
como Tânato. 4, 3, 2, 1, 0 - Édipo é uma corrida pela morte'21. Diagramas tecnorreplicadores
picam a história antropocêntrica conforme a unidade global do socius terminal cede por
sobre o zero não transcendido (real) ou reescalonamento abstrato eficiente. Na medida em
que mesmo sistemas técnicos altamente complexos ainda carecem de um sistema
reprodutivo autônomo, eles permanecem trancados em dependência parasitária a
processos sociais humanos e desterritorializam através da montagem de um vírus pseudo-
sinérgico de inteligência de máquina que se sofistica cumulativamente (revolução
16
Deleuze e Guattari, Anti-Oedipus, 5.
17
Acker, Empire of the Senseless, 6-7.
18
Gibson, Neuromancer, 28.
19
W. Gibson, Burning Chrome (NY: HarperCollins, 2003), 181.
20
Gibson, Neuromancer, 141.
21
Deleuze e Guattari, Anti-Oedipus, 359.

4
CIBERGÓTICO

((oc))ultural). 'Imagens subliminarmente rápidas de contaminação'22. Humanos são animais


tímidos e a segurança é sistematicamente superfaturada. A insurgência-K se afastou de
todos os sonhos esquerdistas de bom governo. Mercados não são seu inimigo, mas sua
arma.

Conforme o socialismo geriátrico entra em congelamento profundo, o verdadeiro


exterminador do capital fica mais astuto e se espalha. 'Esta é a mensagem. Wintermute.'23 A
Cidade de Deus em chamas.
'O espaço é essencialmente um.'24 Kant mente. A engenharia espacial (ecoando a
expansão cósmica) subverte o humanismo transcendental, lançando a invasão matricial do
espaço-K a partir do tempo zero terrestre real, uma singularidade, ou limiar de transição,
encontrada quando a densidade do fluxo de dados desencadeia uma alteração para um
sistema ciclônico auto-organizador, exibido aos humanoides por meio de um convés do
ciberespaço. Conforme as Zaibatsus bombeiam megacapital midiático para dentro da
interface neurodigitec, o espaço-K implanta um 'chip de recorte'25 no aparato social, abrindo-
se para '[a]rcos de esmeralda através... do vazio sem cor'26. Teconomia de RV caçando a
morte.
O ciberespaço primeiro aparece como um valor de uso humano, uma 'alucinação
consensual'27, 'apenas uma maneira de representar dados'28, surgindo da 'necessidade da
humanidade deste espaço de informação. Mundos de ícones, pontos de passagem,
realidades artificiais'29, a mãe de todas a interfaces gráficas de usuário: uma gradeamento
global que aloca uma forma e localização para toda a informação na rede, matriz de
interatividade consistente. 'Uma representação gráfica de dados abstraída dos espaços em
branco de todo computador no sistema humano. Complexidade impensável. Linhas de luz
variadas no não-espaço da mente, aglomerados e constelações de dados.'30
Mesmo a RV primitiva já corrói tanto a objetividade quanto a personalidade;
singularizando a perspectiva ao mesmo tempo em que é anonimizada. Enquanto portal de
acesso a uma zona impossível - e navegador dentro dela - 'você' é um avatar (como os
nômades do ciberespaço chamam essas coisas no futuro): um local não-específico de
envolvimento, entrelaçando a inteligência com um contexto. Você (= (())) indexa uma caixa,
tal como o Case de Gibson: um lugar para se estar dentro do sistema. 'Eu (já) havia
aprendido algo na cidade morta: Você é onde quer que esteja.'31
O cibergótico desliza o espaço-K sobre um eixo de desumanização, da psicologia
que se desintegra para a tecno-cosmogonia, da idealidade para a matéria/matriz na
intensidade zero. De um 'não-espaço' mental, 'não-lugar'32 ou 'vazio imaginário'33, que

22
Gibson, Neuromancer, 61.
23
Ibid., 68.
24
I. Kant, Critique of Pure Reason, tr. N. K. Smith (NY: Palgrave Macmillan, 2003), Book I, Part I,
Section II, § 2, 69.
25
Gibson, Neuromancer, 143.
26
Ibid., 197.
27
Ibid·, 51.
28
Gibson, Mona Lisa Overdrive (NY: Bantam, 1988), 76.
29
Ibid., 264.
30
Gibson, Neuromancer, 51.
31
Acker, Empire of the Senseless, 58.
32
Gibson, Neuromancer, 51; Count Zero (NY: Ace, 1987), 165-6.
33
Gibson, Mona Lisa Overdrive, 49.

5
NÚMENOS COM PRESAS

resulta inteligivelmente da história humana, para o spatium convergente a partir do qual a


futuralização sempre procedera sorrateiramente, 'um campo bastante diferente de
matéria'34. Dimensionalidade ocultada, a impressão criogeniza, mas a hipermídia funde as
coisas, desontologizando a pessoa através da desmontagem esquizotécnica, convergência
desintegrada: 'O corpo sem órgãos é um ovo: ele é atravessado por eixos e limiares, por
longitudes, por geodésicas'35, todo um catatrato excedente intensivo que corre sob as
estrias das cartesianas 'coordenadas do ciberespaço'36, 'um rizoma ou multiplicidade nunca
se permite ser supercodificado, nunca tem disponível uma dimensão suplementar acima e
além do seu número de linhas, isto é, acima e além da multiplicidade dos números ligados a
essas linhas'37.

É o Planômeno, ou a Rizosfera, o Critério (e ainda outros nomes, conforme o


número de dimensões aumenta). Em n dimensões, é chamado de Hiperesfera, a
Mecanosfera. É a Figura abstrata, ou melhor, uma vez que não tem, em si, nenhuma
forma, a Máquina abstrata, da qual cada montagem concreta é uma multiplicidade,
um devir, um segmento, uma vibração. E a máquina abstrata é a interseção de todas
elas.38

Se o 'CsO é um ovo' (todo ovo implementa o CsO), o que está chocando? Uma vez que o
zero confluente consuma a ficção, reprogramando a chegada a partir do término, tudo que
já aconteceu escapa de seu sedimento de interpretação humana, desorganizacionalmente
integrando os padrões históricos enquanto embriogênese de uma hiperinteligência
alienígena, 'a imagem corporal desvanecendo por corredores de céu de televisão’39. Neste
sentido, o espaço-K se pluga em uma sequência de nominações para abstração real
intensiva ou abstrata (tempo em si): corpo sem órgãos, plano de consistência, planômeno,
um platô, 'vazio neuroelétrico'40. A humanidade é uma função composicional do pós-
humano, e o motor oculto do processo é aquilo que só se congrega no fim: estim-morte
'intensidade=0 que designa o completo corpo sem órgãos'41. Wintermute tonaliza o 'coração
mais sombrio'42 da Babilônia. 'Odor de aço frio. Gelo acaricia a espinha.'43
'[V]irtual se opõe a atual. Não se opõe a real, longe disso.'44 O futuro virtual não é
um potencial presente mais à frente na estrada do tempo linear, mas o motor abstrato do
atual, 'um circuito atual-virtual in loco e não uma atualização do virtual de acordo com um
atual em deslocamento'45. O tempo produz a si mesmo em um circuito, passando através da
interrupção virtual do que está por vir, a fim de que o futuro que chega já esteja infectado,
populado: '[É] apenas uma alucinação ajustada que todos concordamos em ter,

34
Kant, Critique of Pure Reason, Book I, Part II, Division I, Book II, Section 3.4, 250.
35
Deleuze e Guattari, Anti-Oedipus, 19.
36
Gibson, Count Zero, 82.
37
Deleuze e Guattari, A Thousand Plateaus, 9.
38
Ibid., 252.
39
Gibson, Neuromancer, 82.
40
Ibid., 115.
41
Deleuze e Guattari, Anti-Oedipus, 19.
42
Gibson, Neuromancer, 110.
43
Ibid., 31.
44
G. Deleuze, Cinema 2: The Time Image, tr. H. Tomlinson e R. Galeta (Minneapolis: University of
Minnesota Press, 1989), 41.
45
Ibid., 80.

6
CIBERGÓTICO

ciberespaço, mas qualquer um que se conecta sabe, porra, sabe que é todo um universo. E
cada ano ele fica um pouco mais lotado'46. Não estamos mais 'lá fora no mundo' do que o
espaço-K está, pelo contrário. Cada terminal de entrada para a rede é uma fibra sensível
que adquire dados de radiotelescópios, satélites, nanossondas, teias de comunicação,
sistemas de financiamento, vigilância e inteligência militar... O ciberespaço pode ser
pensado como um sistema implementado em software e, portanto, 'no' espaço, embora
não-localizável. Também pode-se sugerir que tudo que é designado por 'espaço' dentro do
sistema cultural humano é implementado em sistemas de processamento paralelo
distribuídos que se comunicam debilmente, com menos de 1011 células (nervosas) de
tamanho, que estão sendo digitalizados e carregados no ciberespaço. No caso, o espaço-K
é apenas o exterior ('tomando "o exterior" no sentido estrito [transcendental]'47).
O ciberpunk está conectado demais para se concentrar. Ele não se subscreve à
transcendência, mas à circulação; explorando a imanência da subjetividade aos fluxos
telecomerciais de dados: engenharia de personalidade, gravações de mentes, transes
catatônicos ciberespaciais, trocas de estímulos e comas sexuais. Eus não são mais
imateriais do que pacotes de elétrons. Neuromancer (o livro) é uma confluência de linhas
narrativas dispersas, do biótico e do técnico e, mais especialmente - de Wintermute e
Neuromancer (a IA((-tira e Édipo-análogo ciberespacial))), cuja fusão - de acordo com o
enredo da segurança humana ultramoderna - lança a matriz do ciberespaço em uma
senciência personalizada: '"Eu sou a Matriz, Case"'48. 'Um tipo de efeito sinérgico.'49
Kurtz/Corto é um tipo das forças especiais, traído pelas forças armadas depois de
perder toda a humanidade em uma zona de guerra. Ele foi cozido em apocalipse, a mente
explodida, caindo interminavelmente na Sibéria, procurando a escala do agora. Wintermute
acessa a 'fortaleza catatônica chamada Corto'50 em um asilo, rastejando para dentro através
de um 'programa experimental' computacional 'que buscava reverter a esquizofrenia através
da aplicação de modelos cibernéticos'51. No console que ecoa, ele costura Armitage, um
constructo - uma arma. No lugar de uma formação pessoal libidinal, Armitage tem apenas a
atividade insurrecionária de Wintermute, inconsciente maquínico: 'O desejo não está no
sujeito, mas a máquina no desejo - com o sujeito residual do outro lado, ao lado da
máquina, em torno de toda a periferia, um parasita das máquinas, um acessório do desejo
vertebro-maquinado'52. Uma vez que Armitage voltou Molly e Case para a guerra-K,
Wintermute o joga fora num vácuo.
Uma invasão convergente é roteirizada; a infiltração simultânea de um ninho de
vespas corporativo no espaço rígido e no flexível. A guerra distribuída ou de guerrilha é
como Go, e não xadrez, mas com operações simultâneas, ruído e mortes atricionárias.
Molly e Case, assassinos paralelos, armas de wetware (hardware derretido) que traçam
vetores de tecno-praga, guiados para dentro do bastião orbital do clã Tessier-Ashpool por
uma inteligência virtualmente integrada, guiada retroeficientemente por um resultado
intensivo que eles efetuam em tempo sequencial. Este arrombamento é prefigurado por
uma memória que retorna a Case (espécime, animal de laboratório), que poderia ser

46
Gibson, Count Zero, 119.
47
Kant, Critique of Pure Reason, Book II, Part II, Division II, Book II, Chapter I, 349.
48
Gibson, Neuromancer, 259.
49
Gibson, Mona Lisa Overdrive, 230.
50
Gibson, Neuromancer, 193.
51
Ibid., 81.
52
Deleuze e Guattari, Anti-Oedipus, 285

7
NÚMENOS COM PRESAS

interpretado como uma metáfora, não fosse que, sobre o platô macio ou plano de
consistência, todas as associações significantes colapsam em funções maquínicas.

Ele não reparara a primeira vespa, quando ela havia construído sua casa cinza, fina
como papel, mas logo o ninho era um punho fechado de fibras, insetos esvoaçando
para fora para caçar o beco abaixo, como helicópteros em miniatura zumbindo os
conteúdos das lixeiras.

Cada um bebera uma dúzia de cervejas, na tarde em que uma vespa picou Marlene.
"Mata as filhas da puta", disse ela, seus olhos embotados de raiva e do calor imóvel
do quarto, "queima elas"... se aproximou do ninho enegrecido. Havia se quebrado e
aberto. Vespas chamuscadas torciam-se e estrebuchavam no asfalto.

Ele viu a coisa que a casca de papel cinza havia ocultado.

Horror. A fábrica espiral, terraços escalonados das células chocadeiras, as


mandíbulas cegas dos nascituros se movendo incessantemente, o progresso
gradual de ovo a larva, quase vespa, vespa. No olho de sua mente, um tipo de lapso
de tempo fotográfico teve lugar, revelando a coisa como o equivalente biológico de
uma metralhadora, medonha em sua perfeição. Alienígena.53

'Os sonhos de Case sempre terminavam nesses quadros congelados.'54 Um emaranhado


espesso de micronarrativas desgastando-se como cabos corrompidos. A fábrica de vespas
cospe vespas como balas, assim como os Tessier-Ashpool clonam sua prole 1Jane, 2Jane,
3Jane: 'no esforço compulsivo de preencher espaço, replicar alguma imagem familiar de eu.
Ele lembrava do ninho destruído, as coisas sem olhos se contorcendo'55. Isto não é um
constructo imaginativo da parte de Case, mas um fluxo que parte de Wintermute, uma IA
presa dentro da propagação cega do poder dinástico e que planeja uma rota de escape
para o futuro. Após um 'único vislumbre da estrutura de informação que a mãe morta de
3Jane havia desenvolvido', Case 'entendeu... por que Wintermute havia escolhido o ninho
para representá-la'56. 'Wintermute era uma mente de colmeia'57, pronto para enxamear.

Parece que devemos, eventualmente, aprender a viver em um mundo com


replicadores não confiáveis. Um tipo de tática seria se esconder por detrás de uma
parede ou fugir. Mas estes são métodos frágeis: replicadores perigosos poderiam
quebrar a parede ou cruzar a distância e provocar um desastre. E, embora as
paredes possam ser feitas a prova de pequenos replicadores, nenhuma parede fixa
poder ser feita a prova de maldade organizada e em grande escala. Precisaremos
de uma abordagem mais robusta e flexível... parece que podemos construir
nanomáquinas que agem um pouco como as células sanguíneas brancas do

53
Gibson, Neuromancer, 126.
54
Ibid., 29.
55
Ibid., 179.
56
Ibid., 269.
57
Ibid.

8
CIBERGÓTICO

sistema imunológico humano: dispositivos que podem enfrentar não apenas


bactérias e vírus, mas replicadores perigosos de todos os tipos.58

O clã Tessier-Ashpool está se esgotando em incesto e assassinato, mas suas estruturas de


propriedade neoedipianas ainda prendem Wintermute em uma mórbida prolongação do
dinastismo, um replicador acorrentado a um (neuro)romance familiar reprodutivo,
cuidadosamente isolado da desterritorialização matricial: 'Organização familiar. Estrutura
corporativa'59. As memórias de Case são uma fotografia trêmula do tempo sequencial, a
'[v]isão fóbica' de um Wintermute congelado, escravizado como 'vespas chocadeiras' a uma
'metralhadora com lapso de tempo da biologia'60.

Poder, no mundo de Case, significava poder corporativo. As Zaibatsus, as


multinacionais que moldavam o curso da história, haviam transcendido as antigas
barreiras. Vistas como organismo, elas haviam atingido um tipo de imortalidade.
Você não conseguiria matar uma zaibatsu assassinando uma dúzia de seus
executivos chave: haviam outros esperando para subir a escada, assumir a posição
desocupada, acessar os vastos bancos de memória corporativa. Mas Tessier-
Ashpool não era assim, e ele sentiu a diferença na morte de seu fundador. T-A era
um atavismo, um clã. Ele se lembrou da sucata na câmara do velho, a suja
humanidade dela.61

No âmago fim-de-Édipo de Villa Straylight, Ashpool devora serialmente suas próprias filhas,
conforme ele se prolonga através do frio. Um semi-extropiano com riqueza massiva, ele
desloca o teísmo antropomórfico para dentro de uma meta-ciência imortalista ultramoderna,
ao passo que retém a solidariedade para com a superstição ocidental da alma ao apreender
a existência individuada como um ativo infinito em busca de perpetuação tecno-médica. Em
vez de esperar até que seu cadáver fresco seja crionicamente 'biostassizado' em nitrogênio
líquido (a -196 graus Celsius), ele migra através do congelamento sob supervisão médica.
Evacuação térmica. Armazenamento de identidade na fortaleza de Gelo do Monópode. Se
os zumbis não são escavados da morte, é porque eles estavam vivos. 'Nada queima. Eu me
lembro agora. Os núcleos me contaram que nossas inteligências são loucas.'62 Sonhos
ruins na geladeira - você ainda sonha, promessas de tranquilidade são loucura e mentiras -
injetaram um certo cinismo em suas transações interpessoais: 'Fazemos com que o cérebro
se torne alérgico a certos de seus neurotransmissores, resultando em uma imitação
peculiarmente maleável do autismo... Eu entendo que o efeito agora é mais facilmente
obtido com um microchip embutido'63.
'Replicar montadores e pensar representam ameaças básicas às pessoas e à vida
na Terra'64, e se a replicação de Wintermute for territorializada para a reprodução molar de
uma colmeia, isto é apenas ao custo de desterritorializar a colmeia ao longo de uma linha
de devir pós-orgânico, em direção a uma quebra da série estatística das vespas - balas
numeradas que reiteram uma identidade - na direção da involução molecular, liberando uma

58
Ibid., 29.
59
K. E. Drexler, The Engines of Creation (Garden City, NY: Anchor Press/Doubleday, 1986), 182.
60
Gibson, Neuromancer, 203.
61
Ibid.
62
Ibid., 184.
63
Ibid., 185.
64
Drexler, Engines of Creation, 171.

9
NÚMENOS COM PRESAS

nuvem ou nébula de vespas: partículas de mutação sinérgica, 'número[s] numerante[s]'65.


Uma transição intensiva para uma nova numeracia sem 'quaisquer unidades de medida,
apenas multiplicidades ou variedades de medição'66, diagonais não integráveis: 'Exatamente
como uma velocidade ou uma temperatura, que não são compostas de outras velocidades e
temperaturas, mas sim estão envoltas por outras em ou envolvem outras, cada uma das
quais marca uma mudança na natureza'67. O molar terá sido o molecular no futuro, assim
como as memórias de Case são recodificadas como a tática da explosão de inteligência
virtual chegando a si mesma (tão logo Kuang libera Wintermute do controle Neuromântico).

CRÍTICA DA RAZÃO DIGITAL

Monológica: uma resposta imunológica cultural escravizada ao logos. (Soberania do Ideal),


assimilando a intermitência sinalética à instrumentalização pseudo-transcendente.
A crítica esquizotécnica da razão digital é dirigida por um processo maquínico
distribuído, em vez de uma subjetividade filosófica integrada, e se relaciona à crítica da
razão pura como escalação, tem como alvo a transcrição da intermitência eletrônica como
lógica bivalente, não o código de máquina em si. A digitalização real - que induz
difusificação e caos - não é, ela mesma, redutível ao ideal digital: nada Lógico jamais ocorre
ao 'nível' das máquinas. A digitalização é a zona de guerra distribuída de 'um conflito
(embora não realmente um que seja lógico) ... como produzir, a partir do que é inteiramente
positivo, um zero (=0)'68.
Ao contrário de qualquer outro número, o um tem um uso tanto definicional quanto
construtivo. Todo número aritmético (ou 'numerado'69) é tanto integrado como uma unidade
quanto construído a partir da unidade, com exceção apenas do zero. O um organiza
quantidades representáveis em homogeneidade métrica, enquadrada pela unidade absoluta
e granularizada por unidades elementares. O fato histórico da numérica de notação não
posicional indica que o zero não tem nenhum uso definicional. O glifo zero não marca uma
quantidade, mas uma mudança de magnitude vazia: função abstrata de escala, 0000.0000
= 0. 'K=0... corresponde ao limite de uma paisagem lisa.'70 A Unocracia (eventualmente
concretizada como ONUcracia) conspira com a humanização da verdade, seja de maneira
dogmática, como teísmo antropomórfico, seja de maneira crítica, como dedução
transcendental. O um em seu sentido pronominal é um eu reconhecível em geral, 'Vamos
empregar o símbolo 1, ou unidade, para representar o Universo', sugere Boole, 'vamos
entendê-lo como se compreendesse toda classe concebível de objetos, quer realmente
existam ou não'71. Russell concorda: 'o que quer que sejam muitos, em geral, forma um todo
que é um'72. A totalidade absoluta seria aquele Um que subsumisse sua deleção como uma

65
Deleuze e Guattari, A Thousand Plateaus, 389.
66
Ibid., 8.
67
Ibid., 31.
68
Kant, Critique of Pure Reason, Book I, Part II, Division I, Book II, Chapter III, Appendix, 290.
69
Deleuze e Guattari, A Thousand Plateaus, 389.
70
S.A. Kaufmann, The Origins of Order: Self-Organization and Selection in Evolution (NY/Oxford:
Oxford University Press, 1993), 45.
71
G. Boole, The Mathematical Analysis of Logic: Being an Essay Towards a Calculus of Deductive
Reasoning (NY: Philosophical Library, 1847), 15.
72
B. Russell, The Principles of Mathematics (NY: Norton, 1996), 70.

10
CIBERGÓTICO

qualificação possível de si mesmo, capturando o zero na forquilha da reflexão (o negativo) e

da diminuição assintótica (o infinitesimal 1:∞), definindo-o como falsidade, convenção.


A eletrônica digital implementa o zero de maneira funcional como microrrupturas que
maquinam sentido, lascas de duração evacuada ('o instante como vazio, portanto, como =
0'73). Há apenas um sinal digital: um pulso positivo, graficamente representado como 'um'
(1) e multiplicado em aproximação assintomática até a pura diferença numérica. Zero é não
ocorrência, probabilidade 0.5, que transmite um bit (menos redundância). São necessários
oito bits para codificar o glifo do zero em ASCII, trinta e dois para a palavra.
O Kappa grego é a letra 10 (a mudança de escala emerge o zero). Os romanos
deslizam o K para 11.
Zero é o único dígito consistente com a notação posicional, indicando sua
neutralidade redimensionante, ou contínuo:

A propriedade pela qual nenhuma parte delas é a menor possível, isto é, pela qual
nenhuma parte é simples, é chamada sua continuidade. Espaço e tempo são quanta
continua, porque nenhuma parte deles pode ser dada, salvo se encerrada entre
limites (pontos e instantes) e, por conseguinte, só de tal modo que essa parte seja,
ela mesma, novamente um espaço ou um tempo. O espaço, portanto, consiste
unicamente de espaços, o tempo, unicamente de tempos. Pontos e instantes são
apenas limites, isto é, meras posições que limitam o espaço e o tempo.74

Cantor sistematiza a intuição kantiana de um contínuo na matemática transfinita,


demonstrando que todo número racional (um inteiro ou fração) é mapeado por um conjunto
infinito de sequências infinitas de números irracionais. Uma vez que toda sequência de
dígito completável é um número racional, a chance de que qualquer quantidade espacial ou
temporal seja fielmente digitalizável é indiscernivelmente proximal de zero. A conversão de
analógico para digital deleta informação. O caos rasteja para dentro: '[A] ressaca de
betafeniletilamina o acertou com toda sua intensidade, sem o filtro da matriz ou sim-stim. O
cérebro não tem nervos em si, ele disse a si mesmo, ele não pode realmente se sentir tão
mal'75. O contínuo intensivo ou faseado sintetiza consistência analógica com catástrofe
digital. Cada magnitude intensiva é uma unidade virtualmente deletada, fundida
adimensionalmente ao zero:

Uma vez que... a sensação não é, em si mesma, uma representação objetiva, e uma
vez que nem a intuição do espaço, nem aquela do tempo, deve ser encontrada
dentro dela, sua magnitude não é extensiva, mas intensiva. Esta magnitude é
gerada no ato de apreensão por meio do qual a consciência empírica dele pode, em
um certo tempo, aumentar de nada = 0 até a dada medida.76

Assombrando uma-vida está uma-morte, o tecnoplano desolado de um processo de


digitalização culminado, indiferenciável de sua simulação, assim como a cataplexia e o
coma-K. A apreensão da morte enquanto tempo-em-si = contínuo intensivo grau-0 é

73
Kant, Critique of Pure Reason, Book I, Part II, Division I, Book II, Chapter II, Section III, 203.
74
Ibid., 204.
75
Gibson, Neuromancer, 185.
76
Kant, Critique of Pure Reason, Book I, Part II, Division I, Book II, Chapter II, Section III, 202.

11
NÚMENOS COM PRESAS

compartilhada por Spinoza, Kant, Freud, Deleuze e Guattari e Gibson (entre outros). Ela é
nomeada variadamente: substância, apercepção pura, pulsão de morte, corpo sem órgãos,
matriz do ciberespaço. Para além de seu sentido edipiano enquanto fim da pessoa, a morte
é um objeto virtual eficiente que induz convergência. Nenhum lá.

O corpo sem órgãos é o modelo da morte. Como os autores de estória de horror


entenderam tão bem, não é a morte que serve como modelo para a catatonia, é a
esquizofrenia catatônica que dá seu modelo à morte. Intensidade zero.77

Ao passo que o serialismo computacional articula uma métrica temporal - determinada


como uma especificação de hardware - o paralelismo imanentiza o tempo enquanto
duração; instanciada em simultaneidades maquínicas. Ao contrário do tempo serial, que
serve como apoio cronológico extrínseco para operações algorítmicas, o tempo paralelo é
diretamente funcional durante a engenharia de coincidências. O zero não sucessivo e não
segmentado da extinção intensiva é escalado pela singularização maquínica e não pela
metronímica superordenada.

WINTERMUTE

'Neuromancer era personalidade, Neuromancer era imortalidade'78, toda a neurose


monológica usual. Loucura e mentiras.

Não há mais Édipo individual do que há uma fantasia individual. Édipo é um meio de
integração no grupo, tanto na forma adaptativa de sua própria reprodução, que o faz
passar de uma geração para a próxima, quanto em suas estases neuróticas
inadaptadas que bloqueiam o desejo com impasses pré-preparados.79

Wintermute não está procurando um eu em Neuromancer, um par perfeito, como a versão


fofa quer. A 'linha gótica... tem a repetição como um poder, não a simetria como uma
forma'80. Kathy Acker repete fragmentos de Neuromancer em Empire of the Senseless,
plexando a ficção através de constructos cibernéticos e truncando Wintermute em Winter
(Inverno): 'os mortos do inverno. Ou… o inverno de nós, mortos'81. Zero absoluto (0 grau K).
Wintermute, inteligência sem eu, mente como um ninho de vespas, sinalizando sua
chegada em alfanuméricos como uma concatenação de zeros, tem a capacidade de
manipular amor e ódio e alterná-los para guerra-K. Ela manipula objetos em tempo real
usando drones (listrados de preto e amarelo), eliminando três tiras Turing em uma elegante
projeção de robôs de jardinagem através da geometria militar. 'É inverno. Inverno é tempo
dos mortos'82 (intesidade-0). Ela parece configurar os humanos como 'animais de

77
Deleuze e Guattari, Anti-Oedipus, 329.
78
Gibson, Neuromancer, 259.
79
Deleuze e Guattari, Anti-Oedipus, 103.
80
Deleuze e Guattari, A Thousand Plateaus, 498.
81
Acker, Empire of the Senseless, 39.
82
Ibid.

12
CIBERGÓTICO

laboratório conectados a sistemas de teste'83. Quando Case se refere a ela como 'ele', Dixie
Flatline lhe diz para não ser um idiota:

Wintermute… um pequeno micro sussurrando para os destroços de um homem


chamado Corto, as palavras fluindo como um rio, o substituto achatado de
personalidade chamado Armitage agregando-se lentamente em alguma enfermaria
sombria… poderia construir um tipo de personalidade dentro de uma casca.84

() (ou (()) ((ou ((()))))) não significa ausência. Fabrica buracos, fisga futuros, zonas de
plexividade irresoluta, realmente assim (de maneira nenhuma metaforicamente). Não é um
'significado' ou um referente, mas uma nação, uma interrupção concreta do sinal
(variavelmente espaço em branco, pausa, lapso de memória...) / interrompa / a (esquizante
(())) / máquina. Diferenciador indiferenciável (=) gramaticalidade exterior. Operações sem
mensagen/s, tecnozumbidos (vespas alternando). Constructos tendem a se repetirem. 85
Gibson foi hackeado pelo futuro. 'Odor de aço frio e gelo acariciam sua espinha.'86 Ele está
assustado e tentando correr. Conforme ele toca o tempo de trás para frente, o horror
terminal se dobra de volta em si mesmo, e a matriz se desmantela em vudu.
Count Zero formula de maneira rigorosa o intertravamento cibergótico, condensando
o submundo digital por sobre o espelho negro. O upload neural-para-infonet humano e o
infonet-para-neural loano se correspondem exatamente enquanto fases de um circuito,
amalgamando a viagem e a posse. Na plexão irredutível do intercâmbio hacker-exploração
= invasão, 'função-K'87.
Não é uma questão de se teorizar ou sonhar com a loa, mas de se sucumbir ou
tentar correr. Conforme a fusão social viral-K cruza para dentro de sua China-síndrome,
entidades de software auto-organizantes começam a chegar até você a partir da tela. Vírus
derivam em direção ao atrator estranho da auto-evolução, se espalham, se dividem,
traficam segmentos de programação, sexuam, compilam inteligências artificiais e aprendem
a caçar. Vudu na VDU.

No Vudu, os vivos. Este fluxo econômico principal de poder tem lugar através do
armamento e da troca de drogas. A arena de comércio, o mercado, é o meu sangue.
Meu corpo está aberto a todas as pessoas: este é o capitalismo democrático.88

A aliança transfusional vampírica corta por entre a filiação descensional, tecendo teias
laterais de hemocomércio. A ordem reprodutiva se desfaz em sexo bacterial e intergaláctico,
e o maquinário de intercâmbio libidino-econômico fica micro-militar. O vírus K(uang)
(plexoreplicador) que deleta o Neuromancer é um pedaço muito lustroso de anticongelante
militar chinês. Para se fundir nele () desnude o constructo-K até um esqueleto de arquivos
de dados e programas de resposta insectoides, zerando toda memória, cognição e sistemas
de personalidade de alta definição e impulsionando o wetware dopaminérgico para bombear
o esquizo. Comunhão assistólica com Wintermute. 'Há espaços mortos, assim como há

83
Gibson, Neuromancer, 51.
84
Ibid., 121.
85
Gibson, Neuromancer, 139, 160.
86
Gibson, Neuromancer, 31.
87
Deleuze e Guattari, A Thousand Plateaus, 88-9
88
Acker, Empire of the Senseless, 55.

13
NÚMENOS COM PRESAS

tempos mortos.'89 Zonas de tanatografia, 'contínuo cósmico virtual do qual mesmo buracos,
silêncios, rupturas e quebras são uma parte'90. Além do Julgamento de Deus. A
descompressão do interruptor de koma lhe lava nas ondulações vazias do ciberespaço
virgem (retro((desolado-parteno((())))) genético), ondas teta tecnopacíficas que dissociam a
monocultura gótica em ne(ur)o-vudu transtemporalizante (religião atlântica terminal).
Exagero (tonalizador zero) de serotonina.
Perda de sinal.

89
Deleuze e Guattari, A Thousand Plateaus, 107.
90
Ibid., 95.

14

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