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Torres
Nelson Maldonado-Torres é presidente da Associação Caribenha de Filosofía.
Faz pouco mais de cinquenta anos que o grande pensador , veterano martiniques e
argelino Frantz Fanon escreveu: “ A explosão não terá lugar hoje.É muito
cedo…Ou muito tarde.” (1973:7). Fanon escreveu estas palavras após haver
participado junto à resistência francesa na Segunda Guerra Mundial, antes de
chegar na Argélia e unir-se à Frente de Libertação Nacional. Sua participação em
ambas guerras tinha algo em comum: sua oposição ao racismo, ao imperialismo,
ao colonialismo e à desumanização de uns povos por outros. Explosões houveram
por todas as partes durante estas guerras e, ainda assim, a persistência dos
problemas que Fanon confrontou naquele momento indicava que “a explosão” que
nos levaría a um final todavía não havia chegado.E que sua chegada tampouco era
certa.
Ainda hoje, cinquenta anos a partir de sua morte, em um certo sentindo nos
encontramos nestas mesmas condições existenciais e históricas. Embora seja certo
que as relações coloniais formais não são tantas nem tão óbvias como foram
naquele momento, é necessário admitir que ainda existe um padrão de poder
global e um universo de representações simbólicas fortemente enraizadas na larga
história das relações coloniais modernas, incluindo aqui, entre outros, o racismo, a
escravidão e o genocídio modernos. Na mesma linha de Fanón, o sociólogo
peruano Aníbal Quijano se refere a isto como a “colonialidade do poder” e a
pensadora jamaicana Sylvia Wynter o novo “propter nos”, o discurso civilizatório
da modernidade.
Embora Fanón tenha visto uma Europa que havia sido visitada
recentemente por excessos de colonialidade, manifestada na hybris imperialista e
racista hitleriana, hoje em dia, mais do que nunca, a Europa é frequentada por
sujeitos coloniais procedentes de regiões onde se construiram elementos cruciais
da colonialidade. E é em relação a estes sujeitos que a Europa continua
mostrando sua maneira usual de esconder os problemas que ela mesmo cria e que
outros sofrem, e de patologizar as comunidades e os movimentos que protestam
ou buscam mudanças. Algo parecido também ocorre nos Estados Unidos, com seu
ataque a migrantes de fala espanhola e outras comunidades que sofrem
preconceito , e não é raro encontrar atitudes parecidas entre as elites do Sul
Global.
Hoje, todavia mais que ontem, Fanón é relevante não apenas nas colônias, mas
também nas metrópoles. E é ali, na metrópole, onde se diz que não há racismo
porque somente existem cidadãos, enquanto “cidadão” significa somente um tipo
particular de ser humano que não admite nem aceita elementos fundamentais da
humanidade de comunidades e sujeitos que são percebidos como fora da norma. É
ali também onde a denúncia do racismo e a afirmação da humanidade completa
dos sujeitos excluídos e desumanizados leva a apelidá-los de essencialistas, quer
dizer, a repatologizá-los, ou a dizer que confundem o problema porque usam
tecnicismos particulares como “pós-colonialismo” e outros. Todavia hoje, na
metrópole como em outros lados, as direitas se unem mais às esquerdas na hora de
silenciar o racismo e na hora de deslegitimar grupos sociais que desafiam as
normas interpretativas modernas, quer sejam liberais, conservadoras, ou
marxistas, que presumem ditar o que é ação social e política. Não é estranho,
portanto, que à luz de tais afrontas estes sujeitos encontrem apoio em Fanon, e
sobretudo num Fanon que nunca colocou o método por cima das pessoas, e que
estava muito familiarizado com as tramas complexas do racismo e da
colonialidade.
Colocar em ação o pensamento de Fanon hoje significa não apenas celebrar suas
palavras e atos, e sim participar da descolonização e des-racialização da
sociedade, do Estado, do mundo em que se habita. E é este compromisso com os
condenados do presente, mais do que com uma futura possível ou impossível
“explosão” e menos ainda com a patologização ou re-patologização dos grupos
aos quais importa sua identidade cultural, que melhor reflete uma ação fanoniana
hoje. Os “condenados” também tem seus objetivos e o pensamento de Fanon
ajuda tanto a auto-crítica quanto a formulação de metodologías e estratégias para
construir laços entre comunidades distintas de condenados.
Do Caribe até a França, da França à Argélia, da Argélia ao resto da África e aos
Estados Unidos, dos Estados Unidos à America Latina e da América latina à Asia,
estas e muitas outras podem ser as conexões e trajetórias diversas da ação
descolonial. Ainda aqui, Fanón tem muito a nos dizer.
Frantz Fanon (1973) Pele Negra, Máscaras Blancas (Editorial Abraxas, Buenos
Aires).
Frantz Fanon (1977) Os condenados da terra (Fondo de Cultura Económica:
México)