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REALIDADES CONSTRUÍDAS

Cristine de Bem e Canto1

Resumo: Realidades Construídas analisa a questão da imagem fotográfica como documento do real e como representação
construída pelo fotógrafo e pelo processo de edição do fotojornalismo. Ao estudar os usos e funções da fotografia jornalística,
compreende-se sua construção midiática. O modelo analógico de expressão de verdade e realidade, intrínseco à fotografia de
imprensa, foi discutido e desmontado, dessa forma, tenta-se evidenciar a complexidade da fotografia ao ser considerada como
espelho do mundo e, ao mesmo tempo, uma interpretação-transformação do real.
Palavras chaves: Fotografia, Jornalismo, Realidade, Verdade e Representação

Abstract: Built Realities analyses the question of the photographic image as documentation and as representation built by the
photographer through the photojournalism editing process. While studying the uses and functions of photojournalism, its
mediatic construction becomes understandable. The analogical model to express the truth and reality, intrinsic to photos used
by the press, is discussed and deconstructed. This way, an attempt is made to show the complexity of photography, as
mirroring the world and, at the same time, being an interpretation-transformation of the real.
Keywords: Photography, Journalism, Reality, Truth and Representation

Fotografia: Documento e Representação

O objeto de estudo deste trabalho é a fotografia apresentada pela imprensa como espelho do mundo

e que, por isso, propõe uma leitura neutra da realidade. Ao explorar a automatização do aparelho

fotográfico no registro da imagem, o fotojornalismo apóia-se na possibilidade de captação da realidade.

Porém, ao examinar as imagens como produtos da tecnologia e de quem as manipula, percebe-se sua

construção. Por essa razão, é essencial investigar a fotografia não só como ícone, mas como símbolo e

índice em uma interpretação codificada do real.

1
Mestre em Ciências da Comunicação, ECA/USP, docente do Curso de Propaganda e Publicidade da
UNIBERO E FITO. Fotógrafa e artista plástica. Principais exposições: 1 Salão Aberto/ XXVI Bienal de São
Paulo, 23° Salão de Arte Contemporânea de Santo André, IX Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba, Corpo
Estranho- MIS/ Museu da Imagem e do Som, IX Salão Paulista de Arte Contemporânea, Estação Júlio
Prestes\São Paulo-SP.
Na história da fotografia, já em 1845, primórdios de sua descoberta, Talbot lança o primeiro livro

ilustrado chamado The Pencil of Nature, induzindo ser a fotografia espelho da natureza, sinônimo de

realidade e verdade. Mas por outro lado, segundo Annateresa Fabris (1998: 251), fotógrafos como

Hyppolyte Bayard, Oscar Rejlander e Henry Robinson, já em 1857, realizavam uma fotografia que

denunciava essa ilusão de captação da realidade. Para Rejlander, o truque era realmente importante para a

produção de uma foto natural, pois a especificidade do meio fotográfico era uma estranha mistura de

verdade e ficção. Já Bayard apresentava um auto-retrato sobre seu suposto suicídio, montando a imagem

com personagem e cenário. Conforme Annateresa Rejlander e Robinson, inventou-se a fotomontagem, na

qual podiam ser vistos, ao mesmo tempo, um céu e uma paisagem para corrigir a imperfeita focalização

de diversos planos e para substituir a impossibilidade de fotografar.

Da mesma forma, ao investigar a utilização da câmara fotográfica, percebe-se que antes de ser

uma imagem que reproduz a aparência de algo, a fotografia é fundamentada no princípio da perspectiva

da câmara escura. Conforme Jacques Aumont (1995: 216), seu código baseia-se em um sistema de
representação do espaço, conhecido como perspectiva artificialis, inventado no século XV. Ao refletir

sobre esses aspectos, compreende-se que a fotografia mesmo sendo vista como espelho do real é

construída pelas intervenções do aparelho e de quem o manuseia. O fotógrafo, através de suas escolhas,

ao registrar o assunto, selecionará seu ponto de vista, intervindo no resultado final da imagem.

Em uma sociedade que, cada vez mais, a imagem está presente através de diferentes meios, é

importante diferenciarmos sua finalidade e utilização. A imagem veiculada na imprensa apóia-se na

semelhança que a fotografia apresenta com o real. Mas não se pode esquecer que essa imagem é

construída durante todo o seu processo. Ao representar um olhar tecnológico sobre um fragmento do real,

a fotografia constrói realidades a partir da programação do aparelho e processamento químico, e também

após sua obtenção na forma como for editada e exposta. Para compreender o discurso da fotografia nos

dias atuais, é essencial que se investigue sua natureza: a fotografia não pode ser apenas vista como

documento do real, mas como uma representação a partir do real.

Críticos e teóricos já discutiram, no decorrer da evolução da fotografia, as implicações da relação da

imagem fotoquímica com seu referente. Essas discussões nasceram com a descoberta da fotografia e

continuam presentes até os dias de hoje.

Philippe Dubois apresenta uma retrospectiva histórica sobre a questão do realismo na fotografia no

livro O Ato Fotográfico (1990: 26) e acentua a forma indiciativa da fotografia. Para Dubois, a fotografia,

entre as diversas posições defendidas no decorrer da história, apresenta três fases: a fotografia como

espelho do real, a fotografia como transformação do real e a fotografia como traço de um real.

A Fotografia como espelho do real

Em um primeiro momento, a fotografia apresenta-se como mimese, analogon. É percebida,

principalmente, pela semelhança que existe entre a foto e seu referente. Essa capacidade procede de sua

natureza técnica, sem que intervenha no processo a mão do artista. Uma imagem automática e mecânica,

segundo André Bazin no texto Ontologia da imagem fotográfica em 1945:


Pela primeira vez, entre o objeto inicial e a sua representação nada se interpõe, a não ser um outro objeto. Pela primeira vez,

uma imagem do mundo exterior se forma, automaticamente, sem a intervenção criadora do homem, segundo um rigoroso

determinismo.(1991, p.43)

Bazin explicita A gênese automática da fotografia e sustenta que a técnica fotográfica anula o lado

humano, a sensibilidade subjetiva de um artista.

Na análise da imagem jornalística utilizada na imprensa, percebe-se claramente a utilização da

fotografia como espelho da realidade.

Fotojornalismo

Inicialmente poderíamos dizer que o jornal é uma empresa prestadora de serviços, ou, mais

especificamente, uma indústria produtora de informação. Mas é prioritário compreender que o jornalismo

tem o poder de construir opiniões a respeito dos fatos. Dirige a atenção do leitor/espectador, envolvendo-

o em uma narrativa alimentada por escolhas administradas dentro da própria instituição. A partir das

construções narrativas, por meio de histórias, palavras e imagens que falam dos acontecimentos do dia,

proporciona-se a criação de um imaginário comum. Esse universo veiculado pelos jornais impressos,

revistas, canais televisivos influenciam nas decisões da sociedade.

Através da construção desse lugar configurado pela mídia, criam-se signos universais que

sustentam um espaço imaginário com os quais os indivíduos passam a se identificar. A fotografia de

imprensa, através de sua suposta objetividade, desempenha um papel fundamental na construção e difusão

desse espaço institucionalizado.

Por essa razão, devemos compreender a linguagem fotojornalística, primeira fonte a ser consultada

para a elaboração deste trabalho. Analisando suas características, constatamos que ela mostra-se

responsável pelos registros dos acontecimentos, oferecendo-os como recortes do mundo. Fotos de jornais

devem informar com clareza, sendo a objetividade a essência declarada de seu discurso.
Devido ao desenvolvimento do gênero reportagem, cresce a utilização da fotografia pelo

jornalismo. Por outro lado, os fotógrafos começaram a explorar mais a nova configuração do

equipamento dos anos 30, concretamente as possibilidades das câmaras rápidas de pequeno formato e da

película de rolo.

Assim, a fotografia cria uma nova visão de mundo, constrói um imaginário a partir da memorização

dessas imagens bidimensionais. Com a consolidação do fotojornalismo, que nasce dentro do marco das

indústrias editoriais e de comunicação, essa nova imagem é produzida. Utilitarista por responder a

requisitos do editorial e inovadora no momento em que tenta captar o instantâneo. Na reportagem, a

composição restringe-se à dinâmica do enquadramento. Segundo Lee Friedlander (1977, p. 221) , o

fotógrafo possui “a consciência do caçador” na mirada inquieta de “um gato de um olho só”. Para o

fotojornalismo, a construção compósita da imagem sacrificava-se na medida do fluxo dos

acontecimentos. Era prioridade investir na aplicação dos meios fotográficos como a velocidade do

obturador, a abertura do diafragma e o visor retangular.

Primeiramente analisaremos os mecanismos do obturador. Esse dispositivo tem a sua própria forma

de tornar visível o referente, bastante diferente da maneira como o olho humano vê. Ele é uma fenda que

se move em alta/baixa velocidade, expondo em diversos momentos a superfície do filme. Em uma longa

exposição o referente torna-se borrado, já em um tempo curto a imagem é imobilizada. Na utilização

dessas novas possibilidades da técnica alcança-se uma nova maneira de enxergar o mundo, toda uma

dimensão “invisível” da experiência óptica aflora. Quanto à questão da utilização do visor da câmara

fotográfica para recortar o visível, é importante perceber a possibilidade de seleção de um determinado

espaço/tempo. Limitada pelo enquadramento, a foto isola um pequeno espaço organizando o visível:

separa o que interessa do que é naquele instante supérfluo. Na determinação do ângulo de tomada, ou

seja, na posição que o olho/sujeito ocupa em relação ao objeto fotografado já se estabelece uma

hierarquia. Certas pessoas/objetos encontram-se em primeiro plano, em uma posição privilegiada,

ganhando destaque; outras estarão no fundo do quadro vistas em um tamanho reduzido e perdendo
importância. Como último recurso técnico explorado neste parágrafo, tem-se o diafragma. Na imagem

fotográfica tradicional busca-se simular uma continuidade no espaço, desde o primeiro plano até o ponto

de fuga. Porém, nem sempre a técnica permite alcançar esses objetivos. Um dos principais responsáveis

por essa quebra do espaço é o foco. Para estabelecer a profundidade de campo em foco da cena, ou seja, a

zona de nitidez da imagem, um dos recursos utilizados é a abertura do diafragma. Controlando a

profundidade de campo na procura de uma imagem mais realista, opta-se por uma menor abertura do

diafragma. Na utilização de uma abertura maior, o foco vai abrangendo um campo cada vez menor, isto é,

uma menor profundidade de campo. Pode-se perceber que, devido tanto à posição da câmara na escolha

de determinado ângulo, quanto à seleção de diferentes aberturas do diafragma (planos em foco),

instituem-se hierarquias que proporcionam um poderoso mecanismo construtor de sentido.

Para atender às necessidades do fotojornalismo (que queria captar o mais real possível), uma série

de recursos técnicos foram desenvolvidos: câmaras de pequeno formato, filmes em rolo, aumento da

velocidade do obturador, lentes mais luminosas, etc., o que acabou gerando uma nova forma fotográfica.

Essa nova forma libertou a fotografia das matrizes da pintura, que seria um direcionamento para a

realidade. No entanto, as possibilidades técnicas acrescentaram ainda mais distanciamento do real.

A técnica evoluiu tanto que ultrapassou as capacidades do homem. O olho humano não consegue

imobilizar o instante como a máquina consegue. A tecnologia se sobrepôs à verdade da vida humana. Em

vez de buscar o real, ela buscou mais que o real. De tão real, ficou mais irreal.
O jornalismo, muitas vezes, vende a foto como espelho da realidade. Manuais de empresas

jornalísticas defendem que uma foto não pode ser montada. Recentemente, a Folha de São Paulo, foi

criticada por causa de uma foto publicada na capa da edição SP, 19 de junho de 2001, em que mostra um

homem supostamente se protegendo do frio sob um relógio de rua da avenida Paulista. Para o

ombudsman Bernardo Ajzenberg essa foto é uma fraude. A foto não foi "espontânea", não houve

flagrante, mas interferência "artificial" do fotógrafo. O fotógrafo criou um fato chamando um conhecido e

pedindo para o mesmo ficar ali sob o relógio. Para Ajzenberg/ Folha de S. Paulo, esse procedimento é

condenável. Ele justifica que essa construção pode ter a ver com as artes plásticas, mas não com o

jornalismo. Dessa maneira a credibilidade do jornal se abala. Porém chega a ser ingênua essa colocação,

pois, se na obtenção de uma fotografia, há várias construções, por que seria essa a mais

criticável?

Seria necessário perguntar por que uma fotografia é considerada jornalística. Como meio

privilegiado de apresentar o real, a fotografia busca a possibilidade de imobilizar o momento no tempo.

Nasce então a relação fotografia/tempo/real. Ao colecionar imagens do mundo, a câmara apresenta-se

como um aparelho que retém a imagem em um determinado instante: o momento em que registra o

referente junto com o tempo em que o fotógrafo apertou o disparador. Obtém-se assim uma prova da

realidade que, após os procedimentos químicos, transformam essa imagem latente em imagem real. As

imagens impressas no jornal trabalham seqüências no tempo e sobrevivem ao desenvolver um embrião

narrativo que apela para as imagens guardadas em nossa memória. Na relação fotografia/tempo, constrói-

se uma ligação com o real. Ao imobilizar o tempo, o jornalismo utiliza-se das fotografias para concretizar

uma verdade. É uma forma de a foto atestar o texto, ou seja, o que está escrito é comprovado pela

imagem. Mas sem uma análise de todo o processo que envolveu o ato fotográfico, a única verdade que

temos é o momento em que a foto foi tirada, isto é, quando aconteceu determinada cena. O fotojornalismo

utiliza-se desses indícios que o processo fotográfico oferece, esquecendo-se que, entre o ato fotográfico e

a utilização dessas imagens, outro tempo transcorreu. As imagens podem adquirir diferentes funções
conforme o tempo, o espaço, a maneira e o motivo pelo qual serão usadas. Dessa forma, desmontamos a

crença de que o fotojornalismo é o congelamento da realidade e discutimos a credibilidade que

depositamos em coberturas jornalísticas, questionando o fato de as fotografias jornalísticas serem fontes

de verdade.

A Fotografia como transformação do real

Posteriormente, no século XX, desenvolve-se a idéia de transformação do real pela foto. Vive-se

um movimento crítico do “efeito do real” que podemos acompanhar pela leitura de textos da teoria da

imagem inspirados na psicologia da percepção de Rudolf Arnheim. Contra o discurso da mimese e da

transparência, firma-se que a foto é eminentemente codificada em seus aspectos culturais, técnicos,

sociológicos e estéticos. Como foi discutido anteriormente, entre as diferenças que a imagem apresenta

em relação ao real quando isolamos um ponto preciso no espaço-tempo estão: ângulo de visão escolhido,

distância do objeto, enquadramento e redução da tridimensionalidade a uma imagem bidimensional.

Segundo os escritos de Arnheim, a desconstrução do realismo fotográfico baseia-se na observação da

técnica fotográfica e de seus efeitos perceptivos. As análises de caráter mais sociológico de Pierre
Comentário: A oração não
Bordieu (1965) discutem a neutralidade da câmara e insistem na concepção do espaço convencionalpossui
da o primeiro verbo!

câmara escura guiada pelos princípios da perspectiva renascentista. Por essa razão, seria esclarecedor

comentar a respeito do espaço perspectivo da câmara escura.

Câmara Escura

O desejo de capturar a imagem especular é tão antigo quanto a humanidade. A câmara obscura foi

o primeiro passo para a invenção da fotografia: era um sistema óptico que proporcionava a cópia da

natureza. Segundo pesquisas do artista David Hockney (2001: 131), muitos pintores renascentistas

aperfeiçoaram a utilização de lentes na obtenção da imagem e utilizavam com freqüência esses aparelhos,

pois conseguiam capturar a projeção da realidade externa, enquanto que ao artista cabia somente sua

cópia com o pincel. É fácil deduzir que a fotografia nasceu, pelo menos em sua parte física, a partir da
descoberta da câmara obscura, gerando, portanto, em um código de representação criado por Leo Batista

Alberti (1435-1436:23), a perspectiva artificialis. Para a sociedade da época, a perspectiva artificialis

significou o descobrimento de um sistema de representação objetivo, fiel ao espaço real visto pelo homem

(até o nome das lentes que constituem o olho fotográfico chamar-se-ão objetivas). Mas o que se

conquistava naquele momento era um espaço fictício condicionado historicamente, fruto das atitudes

científicas e reformas sociais e políticas que vinham ocorrendo no século XV. Pela câmara obscura, a

visão se dá através de um único olho correspondente a um único ponto de fuga, diferentemente de nossa

percepção tridimensional de nossos dois olhos que vêem partes diferentes dos objetos permitindo-nos

enxergar volume e profundidade.

A perspectiva carrega, ainda hoje, o pressuposto de configurar o espaço tal qual os olhos o

percebem. Na definição de perspectiva no Dicionário de matemática (1999) de Imenes e Lellis

encontramos: “Técnica de desenho que permite retratar os objetos da forma como são vistos pelo olho

humano na realidade ou em uma fotografia”. Mas, na verdade, o que se esquece de ensinar é que a

perspectiva traduz-se por ser um sistema ficcional de construção da realidade condicionado por

conquistas históricas, ideologicamente comprometido com as descobertas da ciência, comportando os

anseios econômicos e políticos de uma época.

A fotografia surge para assegurar a continuidade de uma visão sustentada por um sistema de

representação perspectivo, uma vez que serve como base para a estruturação da câmara fotográfica. Ao

olharmos um quadro construído em perspectiva, o espectador parece ver o reflexo da própria realidade,

mas na verdade esse quadro já foi visto por um olhar que dá direção. A subjetividade de uma visão

particular aparece como objetiva, porém não podemos esquecer que antes de passar por nossos olhos a

imagem foi submetida a um primeiro olhar sistematizado pelo código da perspectiva.


A Fotografia como traço de um real

Após apresentar a foto como espelho do mundo e a foto como transformação do real, vamos

expor a fotografia como traço de um real, última concepção de Dubois em relação ao realismo na

fotografia.

Dubois (1994) faz uma relação com a semiótica de Charles Sanders Peirce ao definir três

possibilidades da evolução do pensamento fotográfico no decorrer da história. Relação que abrange as

três categorias que Peirce chama de ícone (representação por semelhança), símbolo (representação por

convenção geral) e índice (representação por contigüidade física do signo com seu referente). Como

mostra Dubois, a imagem indiciária é dotada de um valor todo singular ou particular, pois é determinada
Comentário: Não encontrei no
unicamente por seu referente e só por este: traço de um real. E segundo ele, para que a pregnância dodicionário.
real

na fotografia fosse trabalhada de uma forma positiva, seria necessário passar por uma fase negativa de

desconstrução do efeito do real e da mimese. Ao voltar à questão do realismo referencial sem a obsessão

do mimetismo, a fotografia anuncia reflexões sobre esse objeto captado que irresistivelmente retorna. Por

essa razão, não poderíamos deixar de citar os últimos escritos de Roland Barthes em A Câmara Clara

(1980). Esses escritos trouxeram diversas reflexões teóricas e filosóficas em relação à fotografia. Barthes

considera a imagem fotográfica como uma emanação do real que carrega consigo o referente.

“Com efeito, uma determinada foto não se distingue nunca do seu referente (daquilo que representa), perceber o significante

fotográfico não é impossível, mas requer um segundo ato de saber ou de reflexão(...). A fotografia pertence a essa classe de

objetos folheados onde não é possível separar duas folhas sem as destruir, eu não sabia ainda que dessa teimosia do referente

em estar sempre presente iria surgir a essência que eu procurava. Esta fatalidade, não há foto sem alguma coisa ou alguém”.

(1980, p. 18)

A presença do referente funciona como justificativa maior para o fotojornalismo e Barthes

complementa:
"Chamo referente fotográfico não a coisa facultativamente real para que remete uma imagem ou um signo, mas a coisa

necessariamente real que foi colocada diante da objetiva sem a qual não haveria fotografia. Na fotografia não posso negar

nunca que a coisa esteve lá. Há uma dupla exposição conjunta de realidade e de passado. E, uma vez que esse constrangimento

só existe para ela devemos tomá-la por redução, pela própria essência, o noema da fotografia”. (Ibid., p. 109)

A fotografia não pode mentir sobre a existência do objeto, negar que ele esteve lá.

O referente fotográfico é necessariamente real: estava diante da objetiva quando a foto foi captada.

Diferente da pintura, na fotografia (analógica), não se pode simular a realidade do referente. Ao ser o

passado congelado, a realidade torna-se uma prova, uma verdade. Toca-se na essência da fotografia o isto

foi de Barthes que nos faz confundir em uma única emoção a realidade e a verdade. Porém, conforme

mostra Philippe Dubois (1990), o princípio da impressão natural só funciona em toda a sua pureza entre

esse o antes e esse depois, durante a única fração de segundo em que se opera a própria transferência

luminosa. É somente nesse momento infinitesimal que a foto é puro ato-traço, co-presença real. E é

somente durante esse relâmpago instantâneo que a foto pode ser chamada de mensagem sem código

(Barthes, 1988), por que é aí, e somente aí, entre a luz que emana do objeto e a impressão que deixa na

película, que o homem não intervém sob pena de modificar o caráter fundamental da fotografia. A partir

disso, a foto é imediatamente reinscrita nos códigos. Portanto, acreditar que a fotografia seja um atestado

de veracidade é uma crença ingênua; as imagens fotográficas comportam um sistema de signos, uma

linguagem com a qual reinterpretamos o mundo através do aparato técnico. Perceber a realidade e a

impossibilidade de captá-la é compreender a incapacidade do registro da realidade pela fotografia.

Segundo Ferreira (1975, p.1191 e 1451), real/realidade é aquilo que existe efetivamente, que existe de

fato, que diz respeito a coisas e opõe-se a tudo que é fictício e ilusório. Já a verdade aparece como o que

tem conformidade com o real, o que é exato, a verdade do ocorrido, representação fiel de alguma coisa da

natureza. Refletir sobre essas definições é atestar a impossibilidade da captação da realidade pela

fotografia.
Dessa forma, ultrapassa-se o realismo fotográfico, ou seja, a mimese não resiste em termos de uma

ontologia. Considerar não o produto icônico concluído, mas seu processo de produção, abre caminho a

uma verdadeira análise da condição da imagem fotográfica. Interessa-nos a natureza técnica do processo,

o princípio da impressão luminosa, regido pelas leis da física e da química, o que faz ser a fotografia

traço, marca, aproximando-se da questão da sombra (indício de uma presença). A conseqüência dessa

imagem indiciada encontra-se em testemunhar somente sua existência em uma fração de segundo e nunca

de atestar um sentido de realidade.

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