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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

BRUNO GIOVANNI RIBEIRO DOS SANTOS

A PROBLEMÁTICA DO DANO MORAL PUNITIVO PEDAGÓGICO NO


DIREITO CIVIL BRASILEIRO

CURITIBA
2014
BRUNO GIOVANNI RIBEIRO DOS SANTOS

A PROBLEMÁTICA DO DANO MORAL PUNITIVO PEDAGÓGICO NO


DIREITO CIVIL BRASILEIRO

Pré-projeto de Monografia apresentada ao Curso


de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da
Universidade Tuiuti do Paraná.
Orientador: Profª.Thais Venturi

CURITIBA
2014
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................02
2 O DANO..................................................................................................................04
2.1 Definição...............................................................................................................04
2.2 A Distinção entre Dano Moral e Dano Material....................................................04
2.3 Apontamentos Históricos......................................................................................05
2.4 O Dano Moral como Ofensa ao Patrimônio Moral do Indivíduo...........................07
2.4 O Dano Moral no Direito Civil Pátrio.....................................................................08
3 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL........................................................07
3.1Função Compensatória.........................................................................................10
3.2 Função Punitiva Pedagógica................................................................................11
3.3 A Indústria do Dano Moral....................................................................................12
3.4 Os Punitive Damages no Direito Norte-Americano..............................................14
3.5 A Problemática do Dano Moral Punitivo-Pedagógico no Direito Pátrio................16
4 A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL...............................................................18
4.1 Sobre a Constitucionalidade da Tarifação dos Danos Morais..............................25
4.1.1 Tarifação na Lei de Imprensa (Dec 5250⁄67)....................................................25
4.1.2 Os Limites Indenizatórios na Regulação do Transporte Aéreo.........................26
4.1.3 Reflexões sobre a Constitucionalidade da Tarifação e Consequências
Práticas.......................................................................................................................27
4.1.4 Conclusões sobre a Tarifação...........................................................................28
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................30
REFERÊNCIAS..........................................................................................................31
ANEXOS....................................................................................................................33
1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar o dano moral punitivo


pedagógico no Direito Civil pátrio à luz da jurisprudência e doutrina sobre o tema, a
fim de tentar achar uma resposta a sua problemática, qual seja a melhor forma de
quantificação: tarifada ou arbitrada judicialmente.
O trabalho se compõe, basicamente, de 3 (três) partes: a análise do
instituto do dano moral em suas peculiaridades, o estudo sobre a responsabilidade
civil e a quantificação do dano moral.
Primeiramente procura-se definir o dano, ao mesmo tempo em que
são feitos apontamentos históricos sobre a origem do instituto. Ao se definir o dano
moral faz-se também a menção do dano como ofensa ao patrimônio moral do
indivíduo. Por fim, é analisado como o instituto é legalmente regulamentado no
Direito Pátrio.
Em segundo lugar são analisadas as funções da responsabilidade
civil, quais sejam as funções indenizatória, compensatória e punitivo-pedagógica, de
acordo com o entendimento doutrinário predominante. Há também uma menção aos
punitive damages norte-americanos em comparação ao instituto no Brasil, posto que
a análise das peculiaridades de cada caso permite uma melhor compreensão do
tema e evita que o mesmo seja analisado de acordo com o raso entendimento do
senso comum.
Na terceira e última parte deste trabalho, analisa-se a quantificação
do dano moral, adentrando assim na problemática a que se pretende responder. São
apresentados argumentos a favor da quantificação pelo arbítrio judiciário e
argumentos a favor da tarifação legal, inclusive com a análise de leis específicas
sobre o assunto. Também é feita uma breve reflexão sobre a constitucionalidade da
tarifação e ao final procura-se chegar a uma conclusão sobre o tema, respondendo a
problemática sobre qual a melhor forma de quantificação a ser adotada no sistema
jurídico pátrio.
Dentre a eminente doutrina base para a pesquisa, citamos entre
outros Clayton Reis, Silvio Rodrigues, Flávia Puschel, Maria Helena Diniz e Judith
Martins Costa.
Nos anexos, são apresentados gráficos sobre os critérios adotados
para a quantificação do dano moral nas esferas Federal e Trabalhista, bem como
2
uma entrevista realizada com o Desembargador Sérgio Roberto de Nóbrega
Rolanski, integrante da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do PR, cuja
competência inclui os casos referentes a responsabilidade civil.1
O presente trabalho, a despeito da complexidade do tema, foi
formulado de forma criteriosa no que diz respeito a redação do texto e compilação
de ideias, na tentativa de se evitar que o texto ficasse enfadonho ou repetitivo.

1
TJ –PR. Regimento Interno. Disponível em: http://www.tjpr.jus.br/regimento-interno. Acessado em
04 de nov. de 2013

3
2 O DANO

2.1 DEFINIÇÃO

Apesar da dificuldade de se definir o dano moral em poucas


palavras, destacam-se algumas definições sobre o tema.

Em tom eloquente, o Desembargador Ruy Trindade, diz que dano


moral "é a sensação de abalo à parte mais sensível do indivíduo, o seu espírito" (RT
613/184)”.

Maria Helena Diniz, semelhantemente traz o seguinte conceito:


"Dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou
jurídica, provocada pelo fato lesivo" 2.

Dessa forma, torna-se impossível comparar o dano moral aos meros


dissabores ou desentendimentos cotidianos.

Entretanto, como bem lembra Clayton Reis, a própria terminologia


“dano moral” não é adequada, uma vez que não tem a mesma abrangência da
expressão “dano extrapatrimonial”.3

Ademais, a expressão “dano moral” não faz distinção entre os danos


morais em sentido estrito e em sentido amplo (danos à saúde ou biológicos – arts.
949 CC), razão pela qual o termo “extrapatrimonial” deveria ser usado por conseguir
exprimir com segurança e amplitude os danos causados ao patrimônio imaterial das
vítimas.4

2.2 A DISTINÇÃO ENTRE DANO MORAL E DANO MATERIAL

Antes de se adentrar no mérito da problemática do dano moral,


convém diferenciá-lo do dano material. Nas palavras de Clayton Reis5:

2
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Editora Saraiva, SP, 1998, p. 81
3
REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2010. Ed. Forense, pg. 14, 16
4
Ibid, p. 16
5
Ibid, p. 07

4
A diferença entre essas lesões reside, substancialmente,
na forma em que se opera a sua reparação. Enquanto no caso dos danos
materiais a reparação tem como finalidade repor os bens lesionados ao seu
status quo ante, ou possibilitar à vítima a aquisição de outro bem
semelhante ao destruído, o mesmo não ocorre, no entanto, com relação aos
danos extrapatrimoniais. Neste é impossível repor as coisas ao seu estado
original. A reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma
pecuniária, fixada em face do arbitrium boni iuris do magistrado, de forma a
possibilitar à vítima uma compensação em decorrência da dor íntima
vivenciada.

Assim, as causas e os efeitos são distintos. O dano material atinge o


bem físico, reparando sua perda. O dano moral, por sua vez, atinge o bem psíquico
e tem compensação pecuniária, a fim de indenizar a vítima que sofreu o abalo em
sua psique.

2.3 APONTAMENTOS HISTÓRICOS

Ao contrário do que defende o senso comum, o dano moral não é


algo novo. Embora o termo seja mais atual, seu conceito, ou pelo menos a breve
noção deste, já é conhecido desde a antiguidade. É o que se percebe, por exemplo,
da leitura das Escrituras, no que toca as leis que regiam o povo judeu, como
estabelecido no livro de Deuteronômio 22.13,19 6:

Se um homem desposar uma mulher e, depois de


coabitar com ela, a aborrecer, e lhe imputar delitos vergonhosos, e contra
ela divulgar má fama, dizendo: Tomei esta mulher, e me cheguei a ela,
porém não a achei virgem, os pais da moça tomarão as provas da
virgindade dela, e as levarão aos anciãos da cidade, à porta. O pai da moça
dirá aos anciãos: Dei minha filha por mulher a este homem, porém ele a
aborreceu, e lhe imputou delitos vergonhosos dizendo: Não achei tua filha
virgem. Então os pais estenderão a roupa dela diante dos anciãos da
cidade, os quais tomarão aquele homem e o castigarão. Condená-lo-ão em
cem ciclos de prata, e o entregarão ao pai da moça, porque divulgou má
fama sobre uma virgem de Israel. Ela continuará a ser sua mulher e ele não
poderá,andá-la embora enquanto viver.

Interessante notar o conceito já presente de indenização pecuniária


da parte ofendida. Segundo Silvio Venosa, a chamada Lex Aquilia do Direito

6
BÍBLIA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 4ª edição. São Paulo: Vida, 1996, grifos nossos.

5
Romano trouxe a concepção da reparação pecuniária ao dano. O dano passava a
ser passível de um caráter punitivo. Ele a considera o “divisor de águas” da
responsabilidade civil 7.

Séculos mais tarde, o BGB – Código Civil Alemão - também


incorporou a reparação pelos danos morais, embora antes de sua vigência tal
conceito já fosse defendido no Direito Germânico.

O Direito Italiano adota atualmente o dano moral não apenas em seu


Código Civil, mas de igual sorte no Código Penal. Tal fenômeno mostra um
aprimoramento e quebra de tradições com o direito romano. 8

Feitas essas breves considerações, é possível adentrar à função


punitiva do dano moral, não sem antes fazer uma observação9:

Com efeito, ao se reportar à origem da função punitiva, não se pode deixar


de trazer à reflexão o instituto dos Punitive Damages, figura atípica,
intermediária entre o Direito Civil e o Direito Penal, oriunda dos países da
Common Law com princípios diferentes do continente latino-americano
(países de tradição Civil Law). O objetivo das indenizações vultosas
concedidas ao ofendido não é só pelo prejuízo sofrido, mas também para
punir o ofensor pela conduta ilícita. Com o tempo, o foco passou a incidir
não sobre a espécie do dano, mas sobre a conduta do seu causador. O
instituto da indenização com caráter punitivo, que teve origem nos países
anglo-saxônicos, atualmente é utilizado nos estados norte-americanos.

De certa forma, percebe-se a tentativa de assimilação do caráter


punitivo-pedagógico do dano moral por parte do direito civil pátrio. Essa assimilação
não é mera obra do acaso ou do conformismo, posto que10:

Os homens nasceram para viver em comunidade, em razão da sua


natureza societária, impondo-se, destarte, que procedam de forma a
respeitar os direitos de seus semelhantes. Assim, a reparação dos danos

7
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004, V,IV, p.
18-19
8
REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2010. Ed. Forense, pg. 33, 69
9
FERREIRA, Gezina Nazareth. O caráter punitivo do Dano Moral. Disponível em http:
WWW.emerj.tjrj.jus.br⁄paginas⁄rcursodeespecializacao_latosensu
edicoes/n1novembro2012/pdf/GezinaNazarethFerreiral.pdf. Acessado em: 13 de abri. 2013.
10
REIS, Clayton. 2010. Ob.citada, p. 69

6
morais, ainda que adotada restritivamente ou não adotada nas legislações
dos diversos Estados, se encontra próxima de ser implantada na estrutura
legislativa de todas as nações, de forma irrestrita. [...] Afinal, o patrimônio
moral de todo ser humano é representado por um complexo de bens e
valores espirituais que representam a base sobre a qual se assentam os
padrões éticos que conferem verdadeira razão e sentido à vida das
pessoas.

Logo, conclui-se que a reparação dos danos morais tem se


mostrado um instrumento apto à proteger os bens e garantias individuais,
especialmente diante das enormes variedade étnica e cultural experimentada pela
sociedade do século XXI.

A importância de tal tema de estudo foi a motivação deste trabalho.


Nas próximas páginas, procurar-se-á analisar o dano moral em suas peculiaridades,
com enfoque primordial na função punitiva-pedagógica.

2.3 O DANO MORAL COMO OFENSA AO PATRIMÔNIO MORAL


DO INDIVÍDUO

Na abordagem Como patrimônio moral do indivíduo, é possível


compreender os princípios morais, tais como as normas de conduta, e os direitos da
personalidade.11

Por personalidade do indíviduo entende-se o “repositório de bens


ideais que o impulsiona ao trabalho, à criatividade e à convivência com as outras
pessoas.” (REIS. 2010, p. 148).

Logo, “as ofensas a estes bens imaterias são causas de danos


extrapatrimoniais, suscetíves de indenização”. (REIS. 2010, p. 148). Conforme já
mencionado brevemente no primeiro capítulo, o termo “extrapatrimonial” deveria ser
empregado ao invés de dano “moral”, danos passíveis de indenização não atingem
apenas a moral, mas também a incolumidade física, psíquica entre outros e o termo

11
Ibid, p. 144

7
12
“moral” é muito restritivo. . Contudo, por motivos didáticos e textuais continuar-se-á
a adotar o termo “dano moral” no presente trabalho.

Assim sendo, “a ofensa aos direitos da personalidade constitui dano


de natureza eminentemente moral”. (REIS. 2010, p. 149). Tal conceito traz à lume
uma abordagem mais abrangente e impossibilita um conceito superficial, uma vez
que o dano passa a ser entendido como uma ofensa direta ao patrimônio dos
indivíduos, o qual deve ser protegido pelo Estado. Tal defesa é “o maior acervo que
um povo pode legar na tarefa de edificação do processo civilizatório”. (REIS. 2010,
p. 154).

2.4 O DANO MORAL NO DIREITO CIVIL PÁTRIO

O direito consubstanciado à indenização por dano moral só veio


efetivamente com a Constituição Federal de 1988 (arts.1°, III ; 5° XXXII e 170),
sendo que o artigo 170 estabelece a defesa do consumidor como princípio da ordem
econômica.

O artigo 6°,VI do CDC declara que é direito básico do consumidor a


receber a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos.

Por fim o artigo 186 do Código Civil de 2002 (Dec. Lei 10406⁄2002),
sob o título dos “Atos Ilícitos” diz que aquele que causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, fica obrigado a repará-lo. Tal artigo, a exemplo dos artigos
948, 949, 950, 953 e 954 do mesmo Codex, consubstanciou o direito a reparação
dos danos morais, não deixando qualquer dúvida referente à sua aplicação, ao
contrário do que ocorria no Código Civil de 1916.13

Percebe-se, assim, que a legislação já prevê a aplicação dos danos


morais pelo judiciário. Segundo Clayton Reis, essa permissibilidade de reparação
dos danos morais assumiu uma postura incontroversa nos âmbitos legislativos e

12
Ibid, p. 16
13
REIS, Clayton. Ob. citada, p. 123

8
doutrinário brasileiros e tem sido “amplamente tutelada pelas nossas Egrégias
Cortes de Justiça.” (REIS. 2010, p. 135). Percebe-se que a jurisprudência, através
da tese positivista, ampliou de forma considerável a aplicação dos danos
exclusivamente morais.

9
3 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A maior parte da doutrina costuma classificar as funções da


responsabilidade civil em indenizatória ou compensatória e punitiva-pedagógica.
Fernando Noronha atribui uma terceira classificação: a função preventiva ou
dissuadora.14

Será abordado no presente trabalho o caráter punitivo-pedagógico


do dano moral, mas não sem antes fazer referência às funções compensatória e
punitivo-pedagógica da responsabilidade civil.

3.1 Função Compensatória

A função compensatória visa reparar o dano sofrido em caráter


extrapatrimonial, ao contrário da função indenizatória que se prende aos danos
materiais. Eis a grande diferença entre os institutos. Percebe-se que:15

[...] O chamado efeito compensatório revela não uma


pretensão propriamente ressarcitória no sentido de se recompor ao estado
originário tudo aquilo que a vítima perdeu (em termos patrimoniais), mas
sim, proporcionar-lhe uma forma de satisfação que possa amenizar suas
perdas e suas dores em razão da ocorrência da conduta danosa. Por esse
motivo, a compensação se vincula propriamente aos danos de caráter não
patrimonial que, por sua abstração e subjetividade, não permitem uma
reparação no sentido de recomposição ao status quo ante, ou seja, ao
estado anterior, como se o dano nunca tivesse existido. Sob esse aspecto,
a função compensatória busca “satisfazer” de alguma forma aqueles
sujeitos que tiveram o seu núcleo do “ser como pessoa” atingido, isto é,
ofensa à sua esfera extrapatrimonial. Assim, a responsabilidade civil, por
intermédio de sua função compensatória, busca viabilizar à vítima que
sofreu um dano em sua subjetividade alguma forma de satisfação idônea a
compensar o mal sofrido

Logo, a indenização busca a restauração de algo que foi perdido ao


seu estado originário, sendo aplicada aos danos materiais, ao passo que a
compensação procura contrabalancear, ressarciar o mal causado, embora esse não

14
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do Direito das Obrigações: introdução
à responsabilidade civil. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, v.I , 2007, p. 439
15
VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua função punitivo-pedagógica no
direito brasileiro. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Programa de Pós-Graduação em
Direito. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2006, p. 120-121

10
possa ser desfeito, uma vez que se trata de um dano extrapatrimonial. No entanto,
deve-se, em ambos os casos, pleitear-se uma “reparação justa” que satisfaça a
vítima. 16

3.2 Função Punitivo-Pedagógica

A função punitivo-pedagógica nada tem a ver com a compensação


de danos. Trata-se de “um meio sancionatório da violação de determinadas normas
de conduta que protegem direitos especialmente tuteláveis em virtude de sua própria
natureza e superioridade”. (VENTURI, 2006, p. 125).

Logo, a função punitivo-pedagógica exerce uma dupla função, qual


seja “o de punir o agente causador do dano e, ainda, ser instrumento de dissuasão a
comportamentos anti-sociais, possuindo um caráter de exemplaridade e,
conseqüentemente, preventivo” (VENTURI, 2006, p. 125). O que se busca aqui não
é a reparação do dano, mas a não reiteração das práticas lesivas.

Segundo Venturi:17

A função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil seria uma figura


análoga, ultrapassando a fronteira da cisão entre o Direito Civil e o Direito
Penal, na medida em que atribui uma função retribuitiva ao autor do dano,
servindo-lhe de exemplo com um nítido caráter dissuasivo. [...] A
redescoberta da função punitivo-pedagógica como forma de proporcionar à
teoria da responsabilidade civil uma nova sistematização deve-se,
sobretudo, à necessidade de adequação do instituto aos fenômenos sociais
próprios da sociedade contemporânea

A função punitiva, portanto, não se restringe ao Direito Civil ou


Código Civil, mas ultrapassa essas barreiras ao ser aplicável a outros diplomas
legais e campos do saber jurídico, a exemplo do Direito Penal.

Uma das principais críticas à função punitivo-pedagógica é que ela


seria fomentadora da chamada “Indústria do Dano Moral”. No entanto, tal crítica não
tem embasamento concreto, conforme se passa a demonstrar a seguir.

16
VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. Ibid, 2006, p. 122, 125
17
VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. Ibid, 2006, p. 138, 139-140

11
3.3 A INDÚSTRIA DO DANO MORAL

O termo “Indústria do Dano Moral” não é novo. Na verdade, já


integra o senso comum de muitos indivíduos, sendo expressão comumente utilizada
na imprensa, onde vemos frases retóricas como “quem sabe comecemos por coibir
ou desestimular a crescente indústria dos danos morais?!” 18

Surgem, portanto, as seguintes questões: I- Uma indenização de alto


valor poderia trazer enriquecimento ilícito à parte indenizada? II- Existiria de fato
uma “indústria do Dano Moral”?, III – Seria a quantificação do dano moral punitivo ao
arbítrio do judiciário o melhor critério a ser adotado?

O professor Clayton Reis nos ajuda no elucidamento da primeira


19
questão :

Ademais, precisamos conscientizar-nos de que a


reparação do dano moral não tem o condão de refazer o patrimônio da
vítima, a contrariu sensu, objetiva, sim, conferir ao lesado uma satisfação
que lhe é de direito, com o propósito de atenuar os efeitos do dano sofrido.

As palavras do professor Clayton Reis são claras. O objetivo do


dano moral não é enriquecer uma das partes, mas antes promover àquela que
sofreu o dano a indenização a que tem direito. Logo, a discussão quanto ao
enriquecimento da parte pela indenização recebida perde força em face da própria
natureza e aplicabilidade do instituto. Logo, a chamada “indústria dos danos morais”
não é verificável da forma que pensa o senso comum.

Com relação a suposta “indústria dos danos morais”, a constatação


de Gezina Nazareth Ferreira merece atenção. Segundo ela, o que se almeja não é
simplesmente importar o instituto dos punitives damages, mas atuar de forma a
proteger a defesa e proteção do indivíduo e do consumidor. Assim, o dano moral
revestiu-se de uma nova dimensão, pois, graças a influência do direito do

18
CANAL, Raul. A Indústria do Dano Moral. Disponível em http://www.expressomt.com.br/nacional-
internacional/a-industria-do-dano-moral-94701.html. Acesso em 19 de mar de 2014
19
REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2010. Ed. Forense.

12
consumidor, foi elevado a categoria de cláusula pétrea e passou a integrar o rol de
direitos e garantias fundamentais.20
No que toca a controvérsia do arbítrio do dano moral pelo judiciário,
Sílvio Rodrigues nos ajuda a encontrar uma resposta21:

Será o juiz, no exame do caso concreto, quem


concederá ou não a indenização e a graduará de acordo com a intensidade
e duração do sofrimento experimentado pela vítima. Isso nos conduz à
derradeira objeção, ou seja, a do excessivo arbítrio concedido pelo juiz. Não
são poucos os que proclamam ser tão melhor lei quanto menor poder
conceder ela ao juiz; com efeito, abrir largas portas ao julgador, para lançar
mão da regra que ele editaria se fosse legislador, é, ao ver de muitos, de
grande inconveniência. Ora, tal conselho nem sempre pode ser seguido,
pois em numerosíssimas hipóteses a regra de direito se reveste de grande
flexibilidade. Ademais, quando o legislador confere ao juiz poderes para
fixar moderadamente uma indenização por dano moral, não está conferindo
a um homem o poder de fixar tal indenização; em rigor, está conferindo ao
Poder Judiciário aquela prerrogativa, pois a decisão do juiz singular será
examinada pelas instâncias superiores e se aquela vier a ser confirmada
pela apelação, embargos e recurso extraordinário, tal decisão decerto
representará o sentir de toda uma elite intelectual, representada pelo
referido Poder Judiciário. Não me assusta o argumento do excessivo poder
concedido pelo legislador ao juiz.

Silvio Rodrigues nos lembra que o arbítrio do dano moral pelo


judiciário não envolve uma decisão monocrática e centralizadora. As partes
têm a prerrogativa de defenderem suas teses nos variados graus recursais e,
se ainda assim, for reconhecido o dever de indenizar, tal decisão se revestirá
da autenticidade do Poder Judiciário.

É óbvio, todavia, que não deve ser desconsiderada a


importância dos julgadores do caso concreto, posto que cabe aos
magistrados, em suas mais diversas hierarquias, analisar a lide e emitir o
melhor juízo possível, baseado nos ditames da justiça e do bom-senso. Pois
conforme bem lembra Wesley Bernardo, não há necessidade de um
tabelamento, mas antes de um arbitramento lógico por parte do judiciário,

20 NAZARETH, Gezina. ibid. pg 06.


21
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil (Responsabilidade Civil). Volume 04, 16ª ed. São Paulo: Saraiva,
1998, pgs 192-193.

13
através do qual se possa verificar as provas levadas em consideração na
fixação do quantum indenizatório.22

Mister se faz agora a análise do instituto em suas


peculiaridades e em comparação ao direito consuetudinário (Common Law).

3.4 OS PUNITIVE DAMAGES NO DIREITO NORTE-AMERICANO

Como já mencionado no histórico dos danos morais, apesar do


instituto ser conhecido desde a antiguidade, ainda que de maneira superficial, o
direito romano trouxe a melhor conceituação sobre o tema através da Lex Aquilia,
qual seja o caráter punitivo da reparação pecuniária do gravame sofrido 23.

No entanto, atualmente, os Estados Unidos são os responsáveis


pela grande notoriedade do instituto, de tal forma que é necessário entendermos a
visão norte-americana sobre o tema24:

No direito norte-americano os punitive damages são


conceituados como uma verba que deve ser separadamente julgada, que
visa a punir o ofensor por ter agido com elevado grau de culpa e demonstrar
que houve uma conduta socialmente reprovável. De acordo com o jurista
André Gustavo de Andrade, os punitive damages possuem, além do caráter
de interesse social, o interesse também público, na medida em que
objetivam ao mesmo tempo punir o autor do ato danoso e desestimular a
reiteração da conduta ofensiva, seja pelo próprio autor do dano ou até
mesmo por terceiros. São uma resposta dada pelo ordenamento jurídico
àquele causador de um dano a outrem.

Destaca-se da explicação acima mencionada a frase “são


conceituados como uma verba que deve ser separadamente julgada, que visa a
punir o ofensor por ter agido com elevado grau de culpa e demonstrar que houve
uma conduta socialmente reprovável”.

22
BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Danos Morais: Critérios de Fixação do Valor, São Paulo:
Renovar, 2005. p. 164
23
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004, V,IV,
p. 18-19
24
SILVA, Rômulo Limeira Grutes da. Punitive damages e Dano Moral Punitivo: um Estudo
Comparado com o Modelo Norte- americano. Escola de Magistratura do Rio de Janeiro – Disponível
em ⁄⁄http: www.emerj.tjrj.jus.br⁄⁄rcursodeespecializacao_latosensu⁄⁄edicoes⁄n1novembro2012⁄pdf⁄
RomuloLimeiraGrutesdaSilva.pdf. Acessado em 19 de dez. 2013

14
Logo, predomina a indenização com enfoque na conduta do ofensor
e não do dano causado à vítima, eis que o instituto procura ser um “desestímulo” as
condutas lesivas.

As outras peculiaridades são: a) a inaplicabilidade do instituto aos


danos de inexecuções contratuais, b) a aplicabilidade para danos patrimoniais e
extrapatrimoniais, ao contrário do Direito Pátrio, que prima por sua aplicação nos
danos extrapatrimoniais. (25).

Além dos pontos apontados, a diferença marcante dos punitive


damages americanos com relação ao dano moral punitivo aplicado no Brasil é o
quantum indenizatório, que muitas vezes é fixado em patamares exorbitantes.
Apenas a título de ilustração, mencionamos o “Ford Pinto Case”, famoso caso
jurisprudencial americano da década de 70, citado por André Gustavo de Andrade
em seu livro “Dano Moral e Indenização Punitiva”26:

Em 28 de maio de 1972, no estado da Califórnia, a senhora Gray


acompanhada do jovem de 13 anos Richard Grimshaw, dirigia seu automóvel Ford
Pinto Case por uma auto-estrada quando o veículo, após uma troca de faixa,
repentinamente enguiçou. O carro que vinha atrás conseguiu se desviar, mas o
seguinte não conseguiu evitar a colisão com parte traseira do Ford Pinto.
De acordo com o laudo de peritos, o impacto fez com que o tanque
de gasolina tivesse uma ruptura, causando vazamento de gasolina para o interior do
veículo. Os ocupantes sofreram graves queimaduras. A senhora Gray morreu alguns
dias depois de parada cardíaca, resultante de complicações do acidente.

O jovem Grimshaw conseguiu sobreviver após intenso tratamento,


um grande número de cirurgias e vários enxertos de pele. Ele perdeu com o
acidente pedaços dos dedos de sua mão esquerda e parte de sua orelha esquerda,
enquanto sua face precisou de vários enxertos extraídos de seu corpo. Ele adquiriu
cicatrizes permanentes.

25
COSTA, Judith Martins; e PARGENDLER. Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva
(punitive damages) e o direito brasileiro. Revista CEJ, , Brasília, v. 28, p. 19, jan./mar. 2005
26
ANDRADE, André Gustavo de. Dano moral e indenização punitiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009. p. 192

15
O júri condenou a Ford a pagar à Grimshaw uma indenização
compensatória no valor de US$2,516,000, e punitive damages no valor de US$125
milhões. Em favor dos herdeiros da senhora Gray foi estabelecida indenização
compensatória de US$ 559,680 (quinhentos e cinquenta e nove mil e seiscentos e
oitenta dólares) 27.
O julgamento considerou que, apesar de os engenheiros da Ford
terem descoberto o problema mecânico do automóvel e terem verificado que o custo
para o conserto das linhas de produção seria baixo, os executivos da empresa
decidiram continuar a produção sem tomar qualquer atitude relevante.28

Conforme lembrado por André Gustavo de Andrade, uma crítica


corrente ao sistema americano diz respeito ao Tribunal do Júri. Ao contrário do
Brasil, onde o Júri tem competência para os crimes dolosos contra vida, o sistema
jurídico norte-americano atribui ao Júri as indenizações. Isso justificaria as
indenizações milionárias e traria, segundo alguns, uma insegurança jurídica à
aplicação do instituto.

3.5 A PROBLEMÁTICA DO DANO MORAL PUNITIVO


PEDAGÓGICO NO DIREITO PÁTRIO

Diante do exposto, conclui-se que o dano moral punitivo pedagógico


aplicado no direito pátrio não deve ser uma mera “cópia” do modelo norte-
americano, posto que este obedece peculiaridades inerentes ao sistema jurídico da
Common Law e tem objetivos diferentes.

Enquanto os punitive damages americanos enfatizam a punição do


causador do dano, o sistema jurídico brasileiro se preocupa em indenizar a vítima.
Nas palavras já supracitadas do Prof. Clayton Reis 29:

Ademais, precisamos conscientizar-nos de que a


reparação do dano moral não tem o condão de refazer o patrimônio da

27
ANDRADE, André Gustavo de. Ob. Citada, 2009. p. 192):
28
Ibid, p. 192
29
REIS, Clayton. Op. citada. 2010, p. 07

16
vítima, a contrariu sensu, objetiva, sim, conferir ao lesado uma satisfação
que lhe é de direito, com o propósito de atenuar os efeitos do dano sofrido.

Embora elementar, essa diferença entre os institutos no plano


jurídico americano e brasileiro é desconhecida pelo público em geral, segundo se
percebe da experiência prática. Dessa forma, não cabe discutir a aplicação dos
punitive damages americanos ao sistema jurídico, mas antes a correta
contextualização e aplicação dos mesmos ao âmbito nacional.

Não cabe, portanto, discutirmos a existência ou não de uma


“indústria do dano moral” nem o possível enriquecimento ilícito da parte indenizada,
uma vez que esses problemas são mais atinentes ao direito norte-americano. Nas
palavras de Flávia Puschel30:

Diante disso, é preciso concluir que a ausência de


critérios legais para o cálculo do valor da reparação por danos morais não
levou, na jurisprudência dos tribunais analisados, à temida situação de
condenação a valores milionários. A preocupação dos tribunais com a
moderação dos valores aparece, inclusive, expressamente no discurso de
fundamentação das decisões. [...] O critério da “proibição do enriquecimento
sem causa” está entre os mais frequentemente encontrados nas decisões
de todas as amostras.

Assim, a grande problemática do dano moral punitivo pedagógico no


Direito Pátrio não é a suposta “Indústria do Dano Moral” nem a assimilação de
valores alheios ao nosso sistema jurídico muito menos as indenizações milionárias
com o consequente enriquecimento ilícito das partes. O principal problema no que
se refere aos danos morais punitivos pedagógicos é a polêmica sobre a sua
quantificação. Afinal, ela deveria ficar a cargo do judiciário ou ser arbitrada por lei?

Apesar de já mencionados alguns argumentos a respeito, é


imperiosa a análise mais aprofundada das controvérsias sobre a quantificação do
dano moral, pois esta constitui o problema principal a tentar ser respondido por esse
trabalho.

30
PUSCHEL, Flávia. Série Pensando o Direito: Dano Moral no Brasil – Nº37⁄2010. pg 18. Disponível
em:http:⁄⁄portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.
EZTSvc.asp?DocumentID=%7BC87D13B3-9030-42B2-A5C7-F93E754DE1E2%7D&
ServuceInstUID=%7B0831095E-D6E4-49AB-B405-C0708AAE5DB1%7D. Acessado em 27 de nov. de 2013

17
4 A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL

Percebe-se a dificuldade de se mensurar a quantificação do dano no


caso concreto “... isto porque conhecer a profundidade da dor íntima experimentada
pela vítima é uma tarefa extremamente árdua para o julgador”. (REIS. 2010, p. 97).

Verifica-se no caso concreto que a dor vivenciada pelos indivíduos


pode ser variável. Essa variabilidade, no entanto, não deve servir de base para a
alegação de que o dano não deva ser quantificado ou que a quantificação deva
acontecer de forma diferenciada. Nas palavras de Clayton Reis31:

[...] O dano imaterial tem merecido ampla e irrestrita


tutela do ordenamento jurídico e de nossas Cortes de Justiça. [...] As
sensações experimentadas por vítima de dano não diferem,
substancialmente, entre as pessoas, porque todas são suscetíveis de
experimentarem angústias, aflições, perdas emocionais e outras alterações
psicológicas ou anímicas, com graves repercussões na sua intimidade. De
um modo geral, em todos os seres humanos predominam os sentimentos e
os valores, que são componentes prevalecentes nas atividades de
relacionamento. Estas pessoas experimentam ofensas morais com maior
intensidade. No entanto, nem por isso farão jus a uma reparação
diferenciada; ela será definida também em face da consideração dos
critérios da razoabilidade e de proporcionalidade, bem como outros que
mereçam especial atenção por parte do julgador.

Dessa forma a reparação do dano moral encontra respaldo na lei e


na jurisprudência, bem como a sua quantificação tem base principiológica e
jurisprudencial.

Uma vez comprovada a necessidade de quantificação do dano


moral, é preciso analisar a melhor forma de realizá-la na prática, obedecendo os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade e as peculiaridades do caso concreto
dentro do possível.

Passa-se agora a analisar especificamente a problemática do dano


moral punitivo pedagógico no sistema jurídico pátrio, qual seja a melhor forma para
sua quantificação: o arbítrio judicial ou a tarifação legal.

Com base nas palavras da profª. Flávia Puschel, serão


apresentadas a seguir algumas teses favoráveis ao arbítrio do dano moral punitivo

31
REIS, Clayton. 2010. Ob. citada, p. 99

18
pelo judiciário, e outras contrárias. Não se trata de um rol exaustivo dos discursos
apresentados por ambos os lados, os quais serão oportunamente analisados a
seguir, mas apenas a menção dos principais argumentos.

Em primeiro lugar, insta mencionar os argumentos favoráveis ao


arbítrio do dano moral pelo judiciário. São eles: a) o livre convencimento do juízo e o
princípio da persuasão racional do judiciário; b) o conhecimento e capacidade
técnicas para a correta aplicação do instituto; c) a possibilidade de analisar o caso
concreto em suas peculiaridades.

Como argumentos contrários, têm-se: a) a insegurança jurídica ante


a possibilidade da discrepância entre a indenização aplicada por um juízo e por
outro órgão julgador a casos parecidos; b) o enriquecimento ilícito, o qual embora
tenha se mostrado incongruente à realidade do direito pátrio ainda é muito invocado
nas discussões sobre o tema; c) a constitucionalidade da tarifação.

Argumenta-se também que um tabelamento poderia “engessar” o


pleito indenizatório à valores incongruentes ou mesmo polêmicos ao caso concreto.
Como exemplo prático tem-se a Lei do Seguro “DPVAT” (Dec. 6194⁄74) que em seu
artigo prevê 3º, inciso I, prevê uma indenização de R$13.500,00 (treze mil e
quinhentos reais) no caso de morte. O referido artigo prevê o mesmo quantum
indenizatório no caso de invalidez permanente, o que tem sido alvo de constantes
discussões. Ou seja, o tabelamento das indenizações não está isento de críticas,
podendo inclusive, na maioria dos casos, ficar ultrapassado ante o desenvolvimento
jurisprudencial.

O argumento da tarifação, portanto, é de pronto combatível 32:

A tal linha de argumentação, contudo, opõem-se alguns


bons argumentos. Comecemos pelo problema da compensação
excessivamente baixa. Aqui convém notar que nada garante que a tarifação
pelo Poder Legislativo será em valores suficientemente altos para
compensarem as vítimas de danos morais. A tarifação conduz à completa
politização do dano moral. Com a tarifação, a batalha política nas instâncias
governamentais e legislativas se intensificaria no tocante à valoração, e os
resultados dessa batalha política são, neste momento, até onde sabemos,
incertos. Por conta da ação coordenada de grupos de interesse, a hipótese
de que a tarifação simplesmente reduza o valor geralmente pago a título de
compensação não deve ser descartada. No que toca ao problema das

32
PUSCHEL, Flávia. 2011, p. 48

19
compensações muito altas, a conveniência da tarifação também é
questionável. O risco de compensações muito altas é uma das justificativas
mais comuns para se incluir um limite (“teto”) nas tarifações do dano moral.
[...] De um modo geral pode-se afirmar que quanto mais comum for, de fato,
a ocorrência de julgados com compensações excessivas, tanto mais fará
sentido estabelecer-se um teto pela via legislativa. De fato, há evidências de
que, logo após a edição da Constituição de 1988, houve diversas
condenações por valores muito elevados. Contudo, os dados mais recentes
sugerem que essas circunstâncias já não são mais claramente observáveis
no Brasil. Muito ao contrário, a pesquisa de jurisprudência realizada indicou,
como se viu acima, que a grande maioria das indenizações por danos
morais se deu em valores baixos.

Segue abaixo quadros comparativos com relação ao valor atribuído


aos danos morais em diferentes instâncias judiciais33

FAIXA DE VALORES POR VÍTIMA - GERAL

VALORES PORCENTAGEM (%)

< R$ 5.000,000 38

ENTRE R$ 5.000,00 e R$ 9.999,00 14

ENTRE R$ 10.000,00 e R$ 24.999,00 29

ENTRE R$ 25.000,00 e R$ 49.999,00 11

ENTRE R$ 50.000,00 e R$ 99.999,00 5

>⁄ R$ 100.000,00 3

O quadro é autoexplicativo. Apenas 3% do total das indenizações é


igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), o que ratifica a constatação de
que a ausência de tarifação dos danos morais não ensejou um aviltamento do
instituto nem contribuiu para o enriquecimento ilícito das partes, posto que essa tem
se mostrado uma preocupação constante do Judiciário.

O enriquecimento ilícito das partes, portanto, tem sido evitado de


maneira contundente.

33
Ibid. p. 16

20
Quando analisamos especificamente as indenizações no âmbito dos
Tribunais, a constatação é a mesma: 34

FAIXA DE VALORES POR VÍTIMA – TJ’s

VALORES PORCENTAGEM (%)

< R$ 5.000,000 41

ENTRE R$ 5.000,00 e R$ 9.999,00 23

ENTRE R$ 10.000,00 e R$ 24.999,00 27

ENTRE R$ 25.000,00 e R$ 49.999,00 6

ENTRE R$ 50.000,00 e R$ 99.999,00 1

>⁄ R$ 100.000,00 2

Diante disso, podemos concluir previamente que o arbítrio pelo


judiciário é a melhor solução para os danos morais, mesmo os punitivo-pedagógicos.
Isso por que contemplaria melhor as peculiaridades do caso concreto e evitaria a
politização do tema.

No entanto, isso não significa a solução de todos os problemas, uma


vez que há dificuldade dos tribunais manterem tratamento igualitário dos casos, bem
como em estabelecer quais casos são ou não semelhantes. Segundo Puschel:35

A dificulade está, justamente, em se estabelecer quais


casos são semelhantes – exigindo tratamento semelhante – e quais casos
são diferentes – exigindo tratamento diferente. Um exemplo pode ilustrar
bem essa dificuldade. O tipo de dano parece evidentemente um bom modo
de determinar a semelhança entre os casos: pessoas que sofrem danos
semelhantes devem receber reparações semelhantes. Esta afirmação
parece tão óbvia, que é difícil discordar dela. No entanto, este é um
consenso que não nos leva muito longe, pois, mesmo em casos de morte
(um dano sobre o qual se pode razoavelmente argumentar que é igual para
todos), é possível encontrar distinções.

34
Ibid, p. 17
35
Ibid, p. 18

21
Eis a importância dos critérios de cálculo adotados. Abaixo segue
tabela sobre os critérios mais elencados na quantificação dos danos no âmbito dos
Tribunais Estaduais:36

CRITÉRIOS OCORRÊNCIAS

Enriquecimento sem Causa 206

Extensão do Dano 195

Posição da Vítima 110

Posição do Agressor 64

Capacidade Econômica da Vítima 54

Capacidade Econômica do Agressor 64

Adicional Periculosidade ⁄ Insalubridade 1

Indenização outras Fontes 6

Razoabilidade 67

Equidade 41

Proporcionalidade 37

Critério Material 13

Culpa Concorrente da Vítima 7

Indústria do Dano Moral 3

Função Punitiva 66

Função Pedagógica 45

Função Preventiva 63

36
Ibid, p.25

22
Simples Violação do Direito 72

Grau de Culpa do Ofensor 52

Ganhos Obtidos 1

Circunstâncias Fáticas 43

Lapso Temporal (ilícito e ação) 8

Atenuantes praticadas pelo ofensor 3

Conduta das partes (antes e depois) 19

A tabela ratifica o que já fora dito anteriormente. Não há que se falar


em “Indústria do Dano Moral”, posto que a função punitivo-pedagógica e preventiva
tem sido analisada à luz do Enriquecimento sem Causa (enriquecimento ilícito das
partes).

Note-se, porém, que: 37

O critério da posição social da vítima, embora tenha


menos ocorrências que a extensão do dano, é também muito frequente, o
que pode levantar objeções ao fundamento da jurisprudência desses
tribunais e ser um argumento favorável à intervenção legislativa, uma vez
que é possível argumentar que tal critério introduz uma distinção inaceitável
entre os direitos dos indivíduos.

Logo, se por um lado o arbitramento judicial dos danos é a solução


mais adequada, o mesmo pode contribuir para o tratamento desigual entre as partes
em virtude da posição social com eventual aviltamento da função punitiva-
pedagógica, possibilitando indenizações altas demais ou baixas demais em casos
semelhantes.

Eis o porquê a questão é tão complexa. É difícil mensurar o quantum


indenizatório adequado, uma vez que os próprios critérios de quantificação não
estão isentos de parcialidade.

37
Ibid, p. 26

23
A tarefa de conciliar a indenização da vítima com a punição
pedagógica do ofensor, também não é das mais fáceis.

Não obstante, apesar de todas as dificuldades acima mencionadas,


a jurisprudência tem se manifestado no sentido de coibir uma possível insegurança
jurídica.

Como diz PUSCHEL: 38

Os resultados do levantamento jurisprudencial descritos


acima indicam que o temor de que a ausência de critérios legislativos
expressos para o cálculo de danos morais leve a uma situação de
imprevisibilidade das decisões e grande desigualdade de tratamento entre
as pessoas não encontram respaldo na realidade da jurisprudência
brasileira. Diante disso, é possível concluir que qualquer interferência
legislativa para tabelar o valor de danos morais seria desnecessária (...)

É interessante notar que a discussão sobre a tarifação dos danos


morais possui uma perspectiva política.

Apesar dos argumentos contrários a tarifação terem apresentado


maior força, mister se faz tecer alguns comentários sobre a constitucionalidade da
tarifação defendida com base nos entendimentos jurisprudencial dos Tribunais
Superiores , especialmente no que toca aos danos (morais) causados aos direitos
da personalidade: 39

Pode-se afirmar que dois dos maiores campos


produtores de danos aos direitos de personalidade são os circunscritos pela
atividade dos meios de comunicação e pela atividade de fornecimento de
produtos e serviços ao consumidor, obviamente porque abrangem uma
massa de sujeitos a eles vinculados (telespectadores, usuários,
consumidores, etc.). Nesses dois âmbitos encontramos regras legais que
limitam a priori os valores de indenização: no âmbito dos meios de
comunicação temos a regra inscrita nos art. 51 e 52, incisos da lei 5250/67
(conhecida como lei de imprensa) e no âmbito do fornecimento de serviços
ao consumidor temos as regras inscritas nos artigos 22 do decreto nº
20.704 de 24 de novembro de 1931 (Promulga a Convenção de Varsóvia de
1929) e 257 e 260 da lei 7565 de 19 de dezembro de 1986 (Código
Brasileiro de Aeronáutica), assim não surpreende o fato de que a discussão
judicial sobre a constitucionalidade da limitação tarifada da indenização do
dano moral nos dois tribunais superiores brasileiros (STJ e STF) esteja
organizada em torno do debate acerca da recepção constitucional desses
dispositivos. Diante dessa constatação a análise da constitucionalidade da

38
Ibid, p. 32
39
Ibid, p. 32

24
tarifação das reparações por danos morais [...] está organizada em torno da
jurisprudência dos tribunais superiores nestes temas.

Apesar dos argumentos contrários a tarifação terem apresentado


maior força, mister se faz tecer alguns comentários sobre a constitucionalidade da
tarifação defendida com base nos entendimentos jurisprudencial dos Tribunais
Superiores , especialmente no que toca aos danos (morais) causados aos direitos
da personalidade.

Segue abaixo um breve comentário sobre a constitucionalidade da


tarifação dos danos morais, baseado no estudo da profª. Flávia Puschel.

4.1 SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA TARIFAÇÃO DOS


DANOS MORAIS

4.1.1. Tarifação na Lei de Imprensa (Dec. 5250⁄67)

A Lei de Imprensa estabelecia limites à indenização dos danos


morais produzidos através dos meios de comunicação. Tal dispositivo legal foi
analisado pela Corte do Supremo Tribunal Federal e contou com os votos dos
Ministros Cézar Peluso e Carmen Lúcia, a qual sustentou a inconstitucionalidade
dos artigos 51 e 52 da referida lei com base em precedentes jurisprudenciais de
outros tribunais. A ministra, a título exemplificativo, mencionou o Recurso
Extraordinário (RE) 447574 e o Recurso Extraordinário (REsp) 213188.

Ao final, o STF votou pela inconstitucionalidade da tarifação, mas


isso não eximiu por completo as discussões sobre o tema, pois, apesar do voto da
Min. Carmen Lúcia sustentar a inconstitucionalidade, tal orientação encontrou
divergências entre os próprios acórdãos que serviram de base para a orientação
jurisprudencial 40.

Ou seja, o tema ainda continuou controvertido em seu entendimento


jurisprudencial.

40
ibid, pg 38

25
4.1.2. Os Limites Indenizatórios na Regulação do Transporte
Aéreo

O principal precedente sobre o tema é o Recurso Extraordinário (RE)


nº 351750-3⁄RJ41.

Tratava-se de recurso apresentado por empresa aérea contra


decisão da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Rio de
Janeiro. A indenização havia sido majorada com base no Código de Defesa do
Consumidor, tendo em vista a má prestação do serviço. A empresa apresentou
embargos declaratórios para fins de pré-questionamento, alegando, em síntese, que
a indenização deveria ser fixada com base nos parâmetros definidos na Convenção
de Varsóvia. Os embargos foram julgados desprovidos o que resultou a interposição
do Recurso Extraordinário.

O então Min. Eros Grau emitiu voto no sentido de que, em se


tratando de conflitos entre normas ordinárias, prevaleceria a especial. Logo, o
Código de Defesa do Consumidor não poderia ser revogado.

O Min. Carlos Britto também emitiu parecer semelhante. Segundo


seu entendimento, a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro da Aeronáutica
contrariavam as disposições do CDC (Lei 8078⁄90). Note-se, porém, que mais uma
vez os argumentos apresentados se mostraram polêmicos, a exemplo do que
ocorreu na Lei de Imprensa: 42

Em resumo: A própria sistemática da lei 8078/90 – que o


Min. Carlos Britto quer proteger do que entende ser uma violação ao direito
à reparação previsto no seu art. 6º, VI pelas normas presentes na
Convenção de Varsóvia e do Código Brasileiro de Aeronáutica que atuam
restritivamente sobre as hipóteses e sobre os valores relativos às
indenizações devidas aos usuários dos serviços de transporte – admite
esse tipo de restrição! Neste ponto se revela, mais uma vez, a
impropriedade do argumento de que as regras que limitam o direito à
indenização constituam sempre e em qualquer hipótese uma anulação,
revogação ou aniquilação do núcleo essencial desse direito, isto é, o
equívoco da opinião defendida pelo Min. Cezar Peluso, já adotada no RE
447584-7/RJ, de que as normas constitucionais presentes no art. 5º, V e X
seriam concretizadoras do que chamou princípio da indenizabilidade
irrestrita, “segundo o qual as indenizações por dano material e moral devem
ser a estes proporcionais” (BRASÍLIA, 2009b, p. 1135), levaria,

41
Ibid, p. 39
42
Ibid, p. 43

26
necessariamente, ao reconhecimento da incompatibilidade existente entre
as normas que estabelecem limites pré-fixados à verba indenizatória
presentes nos estatutos legais e o referido princípio constitucional.

Dessa forma, mais uma vez pugnou-se pela inconstitucionalidade da


tarifação dos danos morais.

4.1.3. Reflexões sobre a Constitucionalidade da Tarifação e


Consequências Práticas

Em sua pesquisa, Puschel conclui que é possível a criação de um


dispositivo legal que, por meio de critérios balizadores, estabeleça limites às
indenizações. No entanto, tendo em vista os riscos de tal dispositivo legal, o mesmo
poderia ser declarado inconstitucional com base na interpretação do Supremo
43
Tribunal Federal sobre o artigo 5º, incisos V, X e XXII da Constituição.

Aqueles que defendem a legitimidade da tarifação utilizam dois (2)


argumentos básicos: compensação e uniformidade.

Pela compensação, as indenizações exorbitantes seriam evitadas.


Porém, como já demonstrado, os valores fixados pela jurisprudência não têm
mostrado tendência ao exagero, antes primando por menores quantuns
indenizatórios. A compensação traria, segundo seus defensores, a certeza do dano
moral. Este que era incerto passou a ser certo. Contudo esse argumento também é
combatível. Primeiramente porque a jurisprudência já estabeleceu parâmetros de
quantificação. Em segundo lugar, porque a maior clareza da compensação dos
danos morais também pode ensejar aspectos negativos. Sob certo aspecto, a
tarifação induziria a formação das chamadas “indústrias” dos danos morais44.

Pela uniformidade, seriam evitadas discrepâncias na aplicação da


lei. Todavia, esse argumento também não está isento de críticas. Segundo
Puschel:45

43
Ibid, p. 56
44
Ibid, pg 49.
45
Ibid, p. 51
27
[...] Diante de diplomas legislativos muito detalhados,
que contam com regras específicas para uma diversidade muito grande de
situações, é quase sempre possível justificar toda sorte de atitude com
fundamento em uma norma jurídica fechada qualquer. Desta maneira, o
efeito da regulação acaba sendo contrário ao objetivo fixado pelo legislador.
Ao invés de restringir as possibilidades de aplicação com a criação de uma
regulação cada vez mais precisa e específica, a proliferação de regras
permite que qualquer atitude encontre uma norma para servir-lhe de
justificação. Desta maneira, fica impossível controlar efetivamente o
comportamento de seus destinatários. Como é evidente, essa atitude poria
em questão a alegada clareza e uniformidade da tarifação. Em segundo
lugar, uma mesma circunstância pode ser grave em alguns casos, mas não
em outros. Por exemplo, às vezes pequenos danos diretos levam a grandes
complicações indiretas. Por um lado, frequentemente há vulnerabilidades da
parte das vítimas, o que é comum em relações de consumo. Por outro, o
pagamento de valor tabelado como indenização pode causar sérias
conseqüências para os réus – por exemplo, uma empresa pode vir a ter que
“fechar as portas”, causando o desemprego de seus funcionários. Em
terceiro lugar, em muitos casos a extensão e probabilidade de ocorrência de
danos (morais ou patrimoniais) dependem de esforços de mitigação de
riscos, tanto por parte de potenciais vítimas quanto de potenciais
causadores. Geralmente, as regras e intuições de culpabilidade dão aos
juízes os elementos para ponderarem o valor da compensação pelos
esforços de mitigação de riscos das partes envolvidas. Com o tabelamento,
pode ocorrer que o juiz aplicador da lei se veja impossibilitado de realizar
este tipo de ponderação. Uma possível consequência negativa surge no
caso de as partes diminuírem seus esforços de mitigação.

Percebe-se, assim, que os argumentos contrários à tarifação ainda


permanecem mais fortes e convincentes do que os favoráveis.

4.1.4. Conclusões sobre a Tarifação

Chegamos à conclusão de que a tarifação não é a melhor “saída”


para se fixar as indenizações, falando em termos gerais. Seu uso deveria ser restrito
a situações particulares. Segundo Puschel: 46

Diante disso, a tarifação pode ser desejável em particular


quando se identifique empiricamente que as compensações são de fato
inadequadas, e/ou que haja grande falta de isonomia na sua aplicação.
Com o devido cuidado de observar-se as ressalvas metodológicas
apresentadas acima, este não foi o resultado observado no levantamento
empírico realizado.

A discussão permanece aberta em muitos aspectos. Em primeiro


lugar por que a tarifação não envolve apenas uma questão técnica doutrinária ou

46
Ibid, p. 53

28
constitucional, mas a concreta operabilidade prática, o que inclui incentivos, custos e
outras eventuais dificuldades de aplicação.

Ademais a tarifação não deve ser vista como a “salvação de todos


os problemas”. Em outra passagem Puschel afirma que no Brasil é comum à
população acreditar na reforma legislativa como implementadora de segurança
jurídica. Para ela esse fenômeno, chamado de “inflação legislativa”, é típico das
democracias modernas, incluindo o Brasil, pois “sob o pretexto de atender-se a
demandas sociais vistas como prementes, e de responder-se a necessidades dos
novos tempos vistas como irresistíveis, novas leis são editadas em um ritmo
frenético”. (Puschel, 2011, p.52-53).

Existe, inclusive, a possibilidade de se adentrar numa discussão


sociológica sobre o assunto, que embora não pertinente ao caso concreto mereceria
ser analisada noutra oportunidade.

29
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após pesquisar a doutrina e consultar estudos acerca dos danos


morais, concluímos que a majoração dos danos morais, incluindo os punitivo-
pedagógicos, a cargo do judiciário não é um problema em si. 47

Restou demonstrado a preocupação da jurisprudência em evitar a


chamada “indústria do dano moral” e em estabelecer valores adequados ao caso
concreto. Dessa forma, não há abalo à segurança jurídica nem ao ordenamento
jurídico pátrio, posto que o receio do aviltamento do instituto não permitiu a
supervalorização da jurisprudência com o consequente enfraquecimento da letra da
lei.48

A tarifação, como também já demonstrado, ainda teria amparo


constitucional, embora rejeitada pelo Supremo (STF). Todavia, por oferecer risco às
funções sociais próprias do dano moral, quais sejam a indenização da vítima e a
prevenção de futuros ilícitos pela efetiva punição do causador do dano, sua
aplicação se torna muito restrita. 49

Assim, sendo, apesar de não isenta de críticas, a majoração dos


danos morais a cargo do judiciário ainda se mostra mais atinente e eficaz a
realidade do dia a dia, cabendo, portanto, aos membros do judiciário fazer uso dos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, na quantificação a ser estabelecida
no caso concreto. 50

47
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil (Responsabilidade Civil). Volume 04, 16ª ed. São Paulo: Saraiva,
1998, pgs 192-193.
48
FERREIRA, Gezina Nazareth. O caráter punitivo do Dano Moral.
Disponívelem:http⁄⁄www.emerj.tjrj.jus.br⁄paginas⁄rcursodeespecializacao_latosensuedicoes/n1novembr
o2012/pdf/GezinaNazarethFerreiral.pdf. Acessado em: 13 de abril.
2013:⁄⁄www.emerj.tjrj.jus.br⁄paginas⁄rcursodeespecializacao_latosensuedicoes/n1novembro2012/pdf/G
ezinaNazarethFerreiral.pdf. Acessado em: 13 de abril. 2013.

49
PUSCHEL, Flávia. Série Pensando o Direito: Dano Moral no Brasil - Nº37⁄2010. Disponível em:
http:⁄⁄portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload.
EZTSvc.asp?DocumentID=%7BC87D13B3-9030-42B2-A5C7-F93E754DE1E2%7D&
ServuceInstUID=%7B0831095E-D6E4-49AB-B405-C0708AAE5DB1%7D. p. 53. Acessado em 27 de
nov. de 2013,
50
REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2010. Ed. Forense, p.99

30
REFERÊNCIAS

ANDRADE, André Gustavo de. Dano moral e indenização punitiva.


2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 192

BÍBLIA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 4ª edição. São


Paulo: Vida, 1996.

BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Danos Morais: Critérios


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Acessado em 10 de abr. de 2014

32
ANEXOS

ENTREVISTA CONCEDIDA PELO DES. SÉRGIO ROLANSKI EM


15.10.2013

1. Há quantos anos o senhor está no exercício da magistratura?

R: Há mais de vinte (20) anos. Iniciei carreira na magistratura em


1987, em Maringá. Cheguei ao Tribunal de Justiça em 1993 e exerci o cargo de Juiz
substituto de 2º grau até alcançar o posto de Desembargador.

2. Tendo em vista apenas os ramos do Direito Civil (ex: direitos


reais, direito de família, etc) como o senhor considera o tema da
responsabilidade civil e seus desdobramentos: relativamente fácil ou difícil?

R: A resposta é bem abrangente, mesmo porque o tema é muito


vasto e complexo. Acho que, como em qualquer ramo do direito, encontramos certas
dificuldades, mas particularmente é um assunto que me agrada bastante.

3. De que maneira o senhor vê a aplicação do dano moral


punitivo pedagógico no direito civil brasileiro atualmente: de maneira positiva
ou negativa?

R: Entendo como positiva a aplicação do dano moral diante de seu


caráter punitivo/inibitório, ressalvado o aviltamento do instituto.

4. O senhor acha viável a criação de um dispositivo legal que


servisse como critério de balizamento para a quantificação do dano moral
punitivo ou o mesmo deveria continuar ao arbítrio do judiciário?

R: Arbítrio não é o mesmo que arbitrário e por isso entendo que não
deve ser criado um dispositivo legal de balizamento, mesmo porque cada caso deve

33
ser analisado de per si.

5. Em certa medida, o caráter punitivo pedagógico do dano


moral não seria uma importação das regras da common law ? Essa absorção
de regras estranhas ao nosso direito não poderia trazer certos "danos" à
legislação pátria?

R: Em uma análise geral, entendo que mesmo se considerada uma


importação o chamado punitive damages, a sua aplicação entre nós se revela
positiva no sentido punitivo/inibitório. Ademais, vários temas da Common Law têm
sido inseridos no direito brasileiro nos últimos anos, sem que com isso haja danos à
nossa própria legislação e à nossa tradição germânico-romana.

6. O senhor entende correta a afirmação de que o arbítrio do


dano moral pelo judiciário seria responsável pela supervalorização da
jurisprudência e o consequente enfraquecimento e relativização da legislação?

R: Observo que neste tema existe uma evolução e aprimoramento


da jurisprudência, e não propriamente a sua supervalorização, certo de que isso
gere o enfraquecimento da legislação existente a respeito do dano moral, pois este
ainda encontra justamente base legal na Constituição Federal e no Código Civil em
vigor.

Percebe-se das palavras do Ex.mo Desembargador Sérgio Rolanski


que os punitive damages já alcançaram prestígio entre a jurisprudência e têm
aplicação corrente no dia a dia.

34
Segue em anexo tabelas sobre os critérios de quantificação dos
danos morais nas instâncias federal e trabalhista (ibid, pg 27-30):

TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS – TRF’s

Critérios Ocorrências

Enriquecimento sem Causa 175

Extensão do Dano 153

Posição da Vítima 91

Posição do Agressor 54

Capacidade Econômica da Vítima 65

Adicional Periculosidade ⁄ Insalubridade 7

Indenização outras Fontes 10

Razoabilidade 157

Equidade 90

Proporcionalidade 85

Critério Material 10

Culpa Concorrente da Vítima 10

Indústria do Dano Moral 2

Função Punitiva 124

Função Pedagógica 70

Função Preventiva 101

Simples Violação do Direito 150

35
Grau de Culpa do Ofensor 80

Ganhos Obtidos 0

Circunstâncias Fáticas 116

Lapso Temporal (ilícito e ação) 40

Atenuantes praticadas pelo ofensor 2

Condutas das partes (antes e depois) 15

TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO – TRT’s

Critérios Ocorrências

Enriquecimento sem Causa 122

Extensão do Dano 249

Posição da Vítima 102

Posição do Agressor 85

Capacidade Econômica da Vítima 73

Capacidade Econômica do Ofensor 186

Adicional Periculosidade ⁄ Insalubridade 29

Indenização outras Fontes 44

Razoabilidade 177

Equidade 76

Proporcionalidade 77

Critério Material 48

36
Culpa Concorrente da Vítima 35

Indústria do Dano Moral 7

Função Punitiva 124

Função Pedagógica 142

Função Preventiva 143

Simples Violação do Direito 109

Grau de Culpa do Ofensor 131

Ganhos Obtidos 1

Circunstâncias Fáticas 155

Lapso Temporal (ilícito e ação) 59

Atenuantes praticadas pelo ofensor 10

Condutas das partes (antes e depois) 32

CRITÉRIOS PUNITIVOS MAIS UTILIZADOS (TRT’s e TRF’s)

FUNÇÃO PUNITIVA

FUNÇÃO PEDAGÓGICA ⁄ PREVENTIVA

SIMPLES VIOLAÇÃO DO DIREITO

GRAU DE CULPA DO OFENSOR

CAPACIDADE ECONÔMICA DO OFENSOR

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