Texto de apresentação da dissertação "Subvertendo a moralidade: contracultura e cinema marginal no Brasil (1960-1970)" à banca de defesa (Mestrado em História - Unimontes, 2017).
Original Title
Apresentação à banca de defesa (Mestrado em História)
Texto de apresentação da dissertação "Subvertendo a moralidade: contracultura e cinema marginal no Brasil (1960-1970)" à banca de defesa (Mestrado em História - Unimontes, 2017).
Texto de apresentação da dissertação "Subvertendo a moralidade: contracultura e cinema marginal no Brasil (1960-1970)" à banca de defesa (Mestrado em História - Unimontes, 2017).
A dissertação tem o título: “Subvertendo a moralidade: contracultura e cinema
marginal no Brasil (1969-1970)”. O objetivo geral foi o de analisar as representações da
contracultura veiculadas por três filmes do Cinema Marginal – A mulher de todos (Rogério Sganzerla, 1969); Meteorango Kid (André Luiz Oliveira, 1969) e Os monstros de Babaloo (Elyseu Visconti, 1970) – com vistas a um entendimento das estratégias estéticas e políticas e das tomadas de posição dos autores no campo artístico-cultural brasileiro na passagem da década de 1960 para 1970. O primeiro capítulo divide-se em três partes e busca, de modo geral, delimitar o contexto histórico que norteia a pesquisa e o objeto: a contracultura e suas representações fílmicas produzidas e veiculadas no período de maior violência da ditadura militar. A primeira parte é voltada para uma apresentação panorâmica da produção artística no país ao longo da década de 1960, centrada em três tópicos que consideramos de grande importância para a compreensão do período: a) o papel das esquerdas nas artes, sobretudo a concepção de arte submetida à revolução ou à transformação sociais, com base no ideário nacional- popular; b) a consolidação da indústria cultural no Brasil a partir do golpe de 1964 e c) a emergência, após 1968, de uma produção cultural marginal e marginalizada em que se inserem os filmes tomados como fontes. A segunda parte concentra a discussão em torno das duas tendências cinematográficas autorais de maior destaque nas décadas de 1960 e 1970: tentamos aqui relacionar o Cinema Novo e o Cinema Marginal, com a intenção de evidenciar suas diferenças, principalmente, mas, também, as semelhanças. Nesta parte, aprofundamos a discussão sobre conceito de representações, nas abordagens dos autores Roger Chartier e Denise Jodelet, que embasa a análise fílmica, isto é, atentamo-nos para o processo de percepção e reconstrução da realidade social mediante os filmes produzidos no âmbito dos dois movimentos cinematográficos. A terceira parte, por sua vez, debruça-se sobre o conceito de contracultura, partindo de sua acepção original, advinda da reflexão sobre os protestos e movimentos juvenis ocorridos nos EUA na década de 1960, e desembocando na influência desses movimentos contraculturais no Brasil, sobretudo nas artes, ainda na década de 1960. A relevância do terceiro subcapítulo reside na tentativa de compreender as particularidades da contracultura no país, ultrapassando a ideia de que a ação contestatória por parte de jovens artistas consistiu em mera apropriação, sem crítica ou filtros, do que vinha sendo realizado no hemisfério norte. No segundo capítulo iniciamos as análises dos filmes. Antes disso, porém, empreendemos uma discussão sobre a noção de marginalidade com base em autores como Jean Claude-Schmitt e Norbert Elias. O objetivo de retomar a categoria de “marginalidade” foi o de melhor compreender as razões e as formas de marginalização social, bem como suas representações em manifestações artísticas brasileiras entre meados das décadas de 1960 e 1970. É notável que a marginalidade serve, nesse período, tanto como identidade político-ideológica, assumida conscientemente a partir da intenção de um distanciamento dos “centros” culturais, políticos, econômicos e sociais, vistos através de uma ótica negativa, quanto como “matéria-prima” para as obras que visam a uma reflexão sobre as diversas marginalidades, que incluem desde as formas de marginalização urbana e social, a exemplo das favelas e guetos precarizados e considerados antros de degeneração, aos marginais da política, perseguidos, mortos e torturados sob o rótulo de terroristas. A segunda parte do segundo capítulo versa, enfim, sobre as representações do Brasil nos três filmes tomados como fontes. Interessou-nos, nesse aspecto, o modo como a sociedade brasileira – suas hierarquias e formas de organização históricas –, a economia modernizada autoritariamente e a política atravessada por discursos moralistas e impactada pela ditadura foram (re) criados nas esferas fictícia e imagética. As análises apontam para uma percepção extremamente negativa sobre o Brasil, representado ora como “paraíso tropical”, ora como “república das bananas”, ora ainda como um grande centro urbano, caótico e desordenado, mas sempre marcado pela violência, paranoia, boçalidade, sujeira. No tocante aos aspectos estéticos, notamos que os filmes, em gradações variadas, são pontuados pelo apelo aos elementos grotescos e aberrantes e pela displicência quanto a falhas técnicas. As falhas, o mau acabamento e a pobreza em geral são assumidos como condições incontornáveis, o que possibilita aos cineastas a crítica ao cinema brasileiro e à cultura burguesa, com suas noções de refinamento e bom gosto. O terceiro capítulo, por fim, abarca as análises dos filmes a partir de certas aspectos associados historicamente à contracultura. Divide-se em duas partes, sendo a primeira dedicada às representações da família nos filmes, o que permitiu-nos identificar a presença de crises e conflitos decorrentes da emancipação feminina – notável, sobretudo, em A mulher de todos – e choques geracionais – em Meteorango Kid, principalmente. Em contraposição a discursos conservadores da época, incluindo os do general Emílio Garrastazu Médici, que elegiam a família como espaço de amor, união, trabalho, sustentáculo da nação, as representações veiculadas pelos filmes apresentam famílias em ruínas, nas quais os valores morais burgueses são encenados com cinismo. De diferentes modos, os filmes debocham da instituição familiar, questionando a autoridade masculina sobre a esposa e os filhos e ridicularizando a respeitabilidade atribuída à configuração da família nuclear burguesa. Na segunda parte do capítulo, empreendemos uma análise acerca do “desbunde”, entendido como um conjunto de práticas e representações que visa a uma valorização do prazer e do corpo, em contraste com as posturas de rigidez e disciplina associadas tanto aos militares instalados no Estado quanto aos militantes ortodoxos da esquerda. No nosso entender, com base nas análises dos filmes e de posicionamentos dos sujeitos que adeririam ao desbunde, mesmo quando práticas hedonistas, como o sexo e o uso de drogas alucinógenas, têm como objetivo a fuga da realidade, o caráter contestatório à uma ordem moral é reafirmado, uma vez que tais atos contradizem os ideais sociais tidos como nobres e desejáveis, identificados nos discursos e representações oficias sobre a nação. Nesse sentido, se a sociedade comemora efusivamente o consumismo e o milagre econômico e fecha os olhos ou mesmo incentiva as políticas de extermínio perpetradas pelo Estado, e se ambos, sociedade e Estado, zelam cuidadosamente pelos valores morais que contribuem para a grandiosidade da pátria, o desbunde, sem propor um projeto coletivo para a superação das crises e problemas sociais, revela-se, sim, um ato de resistência. Assim, nota-se que os atos de seleção e classificação que operam na construção de uma realidade social, no caso dos cineastas marginais, deram origem a representações que delimitaram um lugar específico para um grupo de pessoas inconformadas e ávidas de renovação nas formas de comunicação artística, embora, comparativamente, os filmes apresentem diferenças em sua estética e abordagem temática. Esse lugar, arquitetado por meio de “práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social” (CHARTIER, 1991, p.183), é identificável por sua marginalidade autoafirmada de diferentes perspectivas: comercial, estética, política e ideológica. O Cinema Marginal, exemplificado nos três filmes que tomamos como fontes, possibilitou uma recusa dupla: aos projetos hegemônicos e conservadores, aliados ao regime militar e seus valores, e, também, à militância à esquerda, cujo projeto de sociedade, aos olhos da contracultura, parecia fadado ao fracasso, seja pela sua ineficiência, seja pela pretensão de conquista dos instrumentos tradicionais do exercício do poder.