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No quadro negro, com letras garrafais, aparece a escrita ASA NISI MASA, um
enigma que faz rea orar na mente de Guido uma série de ashbacks relativos à YOUTUBE
sua infância.
Cada detalhe da cena contribui para recriar o ambiente do calor doméstico, INSTAGRAM
E-MAIL
Indo um pouco além de uma investigação lexical, me interessa evidenciar o
aspecto lúdico, o jogo de palavras que está na base da aprendizagem da língua,
P R O F I S S ÃO
principalmente na primeira fase, quando cada som e ritmo encanta as crianças
antes do próprio signi cado, e lhes desperta o interesse de transformar ou
inventar novas palavras. ASSINAR
são capazes de abrir as portas mágicas do mundo infantil, com rapidez e ajude a mantê-lo
e cácia. Aquele mundo em que as palavras, antes de terem um signi cado, vivo!
guardam em si a mágica de um som que acaricia e diverte, e estabelecem um
vínculo entre quem nutre e quem é nutrido. Entre quem vem ao mundo e quem Em breve!
o coloca em relação com os outros e com uma realidade de possibilidades
in nitas.
Era briluz.
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21/04/2017 As palavras inventadas: a brincadeira, o inesperado e o maravilhamento | Revista Emília
A maior parte das palavras presentes nesse pequeno poema é fruto da invenção
de Carroll, e muitas entram na categoria palavras-valise, portmanteau-word em
inglês, do francês porte-manteau, que se refere a uma mala grande com dois
compartimentos. Em alemão, Ko erwort, palavra-mala. As “palavras-valise” são
neologismos obtidos colando a cabeça de uma palavra à cauda de uma outra, e
é o próprio Humpty Dumpty, um gorducho em forma de ovo que, explicando à
Alice as estranhas palavras contidas no Jaguadarte, explicita seu mecanismo:
Bem, “lesmas” são “moles”. Esses seres “lesmais” são “escorregadios”. É como
uma palavra-valise… uma palavra com dois signi cados dentro dela..
(Lewis Carroll, Alice através do espelho e o que ela encontrou lá, tradução
Alexandre Barbosa de Souza, São Paulo, Cosac Naify, 2015, p. 116).
O próprio Carroll não se limitou a usar tais palavras apenas no poema citado,
usou-as também em abundância em A caça ao Snark e explicou o mecanismo
em um capítulo de Através do Espelho, como vimos acima. Todavia Carroll, em
algumas de suas cartas e prefácios, oferece versões ligeiramente diferentes,
tentando explicar a origem de uma in nidade de outras palavras possíveis.
Pois bem, alguns pais teriam essa reação, lendo sobre “texugolesmais” e
“vagramas”. Eu não! A mim faz rir, morrer de rir! E nem dou conta de lê-lo em voz
alta sem titubear. Absurdo demais, divertido demais!
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Então se leio a meu lho, tento ser sério e marcar cada palavra, como se o
“TRUGON” fosse verdadeiro. Ou melhor, porque o “TRUGON” é VERDADEIRO!
Estas são palavras-objeto, são sons concretos que caem em cima das crianças.
E o bonito é que não escorregam, mas permanecem dentro, em um vocabulário
pessoal cheio de palavras livres, um precioso instrumento para desenvolver a
linguagem e renomear o mundo à própria imagem e “LOUCURA”.
Alguém poderia discordar, a rmando que, nos livros para os primeiros leitores, é
necessário prestar atenção ao uso de palavras difíceis, imagine as palavras
inventadas, que não fazem outra coisa a não ser confundir ainda mais a criança
em seus primeiros passos de leitura.
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21/04/2017 As palavras inventadas: a brincadeira, o inesperado e o maravilhamento | Revista Emília
Se nos perguntarmos o que será daquela criança que um dia escutou a história
de um gato amarelo que escorregou numa pedra, foi mordido por uma codorna
penosa, por um pinço ou um pinçoso, que decide ir pra um lugar onde o azar
não existe, o País do Solla Sollew.
O que será daquelas crianças fascinadas por descobrir que a bruxa Etrusca
Cruscòn, para descansar bem, precisava de colchões cheios de “espumachão”,
um estranho galináceo com duas “belas e longas asas” incapazes de alçar voo,
que se encontrava no jardim do rei?
(Os livros citados, na ordem: I had trouble in getting to Solla Sollew [Foi difícil
chegar a Solla Sollew], de Dr. Seuss; Píppi Meialonga, de Astrid Lindgren; A
cavalo della scopa [Acavalo na vassoura], de Bianca Pitzorno.)
É verdade que se pode fazer muito para promover a leitura, para apaixonar e
contagiar as crianças, porém é também verdade que, se a experiência de leitura
com um livro não é positiva, qualquer esforço nesta direção será em vão.
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Penso nas alusões, nas paródias, nos jogos de palavras, nos neologismos
presentes nos livros da saga de Harry Potter, de J.K. Rowling, a riqueza narrativa
e linguística que não me parece ter desencorajado nem os leitores mais
relutantes, ao contrário, criou uma verdadeira geração de apaixonados que ainda
hoje contabiliza para grande parte do que o mercado editorial infantojuvenil
fatura. Uma das características que tornam um livro envolvente é a presença de
neologismos, palavras que muitos autores utilizam nas obras para impressionar,
dar mais cor, como elemento subversivo.
Imagine a sua reação: é impossível não ter provado um prazer delicado, seja
pela surpresa ou pela genialidade da invenção.
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É uma árdua tarefa tornar compreensíveis, entre falantes de uma mesma língua,
vocábulos di cilmente traduzíveis: de um lado, de fato, é preciso permanecer o
mais el possível ao texto original, de outro, o tradutor se encontra realizando
um verdadeiro ato criativo, não muito diferente do processo da criança,
enriquecido, porém, de competências linguísticas e lológicas que façam as
“palavras novas” serem perfeitamente adequadas à cultura, à língua e à
realidade de destino.
Muitos dos neologismos criados por Rowling são palavras-valise, que oferecem
informações sobre personagens e sobre palavras.
Animago, por exemplo, combina as palavras “animal” e “mago” para criar uma
palavra que de ne bruxas e magos que podem se transformar em animais. Além
disso, inúmeras palavras fundem termos de línguas como o latim e o francês, e é
muito divertido pesquisar o signi cado escondido em cada uma delas.
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como é o caso das línguas faladas por comunidades imaginárias, como as dos
elfos e outras criaturas no Senhor dos anéis de Tolkien.
Para se ter uma ideia mais ampla das línguas imaginárias, aconselho a consulta
ao Dizionario delle lingue immaginarie [Dicionário das línguas imaginárias], de
Paolo Albani e Berlenghiero Buonarroti (Bologna, Zanichelli, 2011). Um guia
documentado que provoca a curiosidade e a fantasia e ao qual os autores
aconselham uma aproximação com “espírito lúdico”, a ser lido como um
romance incompleto.
O BGA, de Roald Dahl, ilustração Quentin Blake, São Paulo, editora 34, 1999
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a porta, apanhou uma garrafa de vidro que devia ter uns dois metros de altura.
Dentro dela havia um líquido verde claro, e a garrafa estava pela metade.
(Roald Dahl, O BGA, ilustração Quentin Blake, São Paulo, editora 34, 1999, p. 84).
‑ E tem vez que quando um serumano escuta uma música que é do jeito que ele
gosta muito, ca todo arrepiado, correto ou torto?
‑ Correto.
‑ Então aquela música disse uma coisa para ele. Mandou uma mensagem. Eu
pensa que o serumano nem sabe muito bem qual é essa mensagem, mas gosta
de todo jeito.
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‑ Mas aí, por causa dessas orelhonas de abano que eu tem, eu não só escuta a
música que os sonhos faz, mas também entende o que quer dizer.
O BGA olhou-a muito sério. – Você vai me dar uma desculpa – disse – mas eu
acha que os serumanos pensa que é muito esperto, mas não é nada. Eles é
quase tudo bobalhudo e bocozildo.
(Ibidem)
‑ Luminosa?
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Uma palavra não inventada, porém nova para a menina, uma palavra difícil e
atípica, tão bela ao ponto de fazer que Almond exclame através da boca de
Mina:
En m, tentarei dar um jeito para que as minhas palavras escapem das gaiolas da
tristeza para que cantem de alegria.
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Uma palavra tão bonita que nos convida a olhá-la, escutá-la, a lê-la em voz alta,
experimentando aquele gosto estético das palavras para além de seu
signi cado.
Uma palavra nova que, como as palavras inventadas, abre as portas do mundo
das maravilhas e das in nitas possibilidades de criar e recriar.
Em The true tale of the monster Billy Dean [A verdadeira história do monstro Billy
Dean], livro dedicado a um público de jovens leitores e adultos, David Almond
experimenta uma escrita nova, que empresta os movimentos da língua oral,
criando uma linguagem sem gramática, baseada na fonética.
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‑ Dizem que aprenderei a escrever esta istória quando vou escrevendo ela. Uma
palavra dipois da outra e umoutra ainda. Diz qui é só movimentar u lápis.. É
avançá como passo na pueira, deixandopra trás seus traços. É só deichar pra trás
us sinais como os pássaros e animais deixam no barro suas pegadas misteriosas.
Deve só preencher as páginas. Uma palavra um sinal uma palavra um sinal.
(David Almond, The true tale of the monster Billy Dean, Massachusetts,
Candlewick, 2011, tradução livre)
Enquanto ele nos conta a sua história, lançando no papel palavras que se
transformam em frases, capítulos que viram livros, nós aprendemos a decifrar
esta nova linguagem ou, se quiserem, a escutar o som, bem como o próprio Billy
Dean nos sugere no início do livro:
(David Almond, The true tale of the monster Billy Dean, Massachusetts,
Candlewick, 2011, tradução livre)
Bibliogra•a
Gianni Rodari, Gramática da Fantasia, Summus editorial, São Paulo, 1982.
Rita Valentino Merletti, Leggimi forte. Accompagnare i bambini nel grande universo della lettura. Milão:
Salani, 2011.
Lewis Carroll, Jabberwocky, ilustração Raphaël Urwiller, tradução Masolino D’Amico. Roma: Orecchio
Acerbo, 2012.
Lewis Carroll, Jaguadarte, tradução Augusto de Campos, ilustrações Rita Vidal. São Paulo: Nhambiquaras,
2014.
Lewis Carroll, Alice através do espelho e o que ela encontrou lá, tradução Alexandre Barbosa de Souza. São
Paulo: Cosac Naify, 2015.
Giuseppe Caliceti, In ogni Pinocchio, ilustração Gaia Stella. Milão: Topipittori, 2016.
Dr. Seuss, Il Paese di Solla Sulla, tradução Anna Sarfatti. Milão: Giunti Junior, 2005.
Astrid Lindgren, Píppi Meialonga, tradução Maria de Macedo. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2014.
Bianca Pitzorno, A cavallo della scopa, ilustração Anna Curti. Milão: Mondadori, 1999.
Astrid Lindgren, Sorellina tuttamia, ilustração Hans Harold, tradução Roberta Colonna Dahlman, I classici
moderni per bambini. Milão: Il gioco di leggere, 2010.
David Grossmann, La lingua speciale di Uri, tradução Bianca Pitzorno, ilustração Manuela Santini. Milão:
Mondadori, 2011.
Claudia Cataldo, C’è più gusto. Far crescere e stimolare il piacere della lettura. Roma: Armando
http://revistaemilia.com.br/aspalavrasinventadasabrincadeiraoinesperadoeomaravilhamento/ editore, 15/18
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Claudia Cataldo, C’è più gusto. Far crescere e stimolare il piacere della lettura. Roma: Armando editore,
2009.
Ilaria Katerinov, Lucchetti Babbani e Medaglioni Magici. Harry Potter in italiano: le sɂde di una traduzione.
Monselice: Camelozampa, 2012.
Paolo Albani e Berlenghiero Buonarroti, Aga magéra difúra. Dizionario delle lingue immaginarie. Bolonha:
Zanichelli, 2011.
Roald Dahl, O BGA, ilustração Quentin Blake, tradução Angela Mariani. São Paulo: 34, 1999.
David Rudd, ‘Don’t Gobblefunk Around With Words’: Roald Dahl and Language, em Roald Dahl, organização
Ann Alston e Catherine Butler. Nova York: Palgrave Macmillan, 2012.
Roberto Piumini, Lo Stralisco, ilustração Cecco Mariniello. Turim: Einaudi Ragazzi, 1993.
Andrew Clements, Drilla, tradução Beatrice Masini, ilustração Brian Selznick. Milão: Bur ragazzi, 2016.
Peter Ranscombe, Roald Dahl and the big friendly neuroscientist, The Lancet Neurology, Volume 14,
Numero 12, p. 1159, dez. 2015. < http://www.thelancet.com/pdfs/journals/laneur/PIIS1474-
4422(15)00180-5.pdf>, consultado em 10/03/2017.
Roald Dahl, O vigário de Mastigassílabas, ilustração Quentin Blake, tradução Alexandre Cataldi. São Paulo:
34, 2016.
David Almond, The true tale of the monster Billy Dean. Massachusetts: Candlewick, 2011.
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SOBRE OS AUTORES
Alessandra Starace
Nasceu em Roma. É livreira e biblioterapeuta,
com promoção de leitura e educação de
crianças e jovens, conduzindo grupos de leitura
para adultos sobre literatura infanto-juvenil.
Depois da graduação em Letras e Filoso a
especializou-se em distúrbios especí cos da
aprendizagem, em particular na dislexia.
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