You are on page 1of 15

A APROPRIAÇÃO PELO CAPITAL DO TRABALHO INFORMAL FEMININO

NA VENDA DIRETA DA EMPRESA AVON

Maria da Conceição Silva Felix – UFCG – conceicaofelix@oi.com.br.

Ana Cristina Brito Arcoverde – UFPE – ana.arcoverde@gmail.com.

RESUMO

O presente artigo, parte da pesquisa de doutoramento em Serviço Social, ainda


em curso, da Universidade Federal de Pernambuco, tem por objetivo analisar o
trabalho das mulheres, revendedoras, na atividade de venda direta da Avon.
Procura-se, assim, compreender, a partir das discussões de Lobo (2011),
Bruschini (1990), Nogueira (2004), entre outros, como e por que estas se
submetem a uma atividade altamente precarizada, desprotegida quanto aos
seus direitos trabalhistas e que não lhes garante uma perspectiva de futuro. A
metodologia utilizada até aqui foi o levantamento bibliográfico e aproximações
com alguns sujeitos da pesquisa para conhecermos mais de perto esta
atividade. Para o capital, a venda direta é uma das modalidades do trabalho
informal utilizada para subsumir as atividades que ainda estavam fora de seu
processo de acumulação, assim como para camuflar o desemprego. Para as
mulheres, a venda direta tem sido uma forma de “driblar” a falta de emprego
para suprimento de suas necessidades que são negligenciadas pelos seus
maridos/companheiros, reforçada pelo fato de o trabalho doméstico da mulher
não ter uma retribuição em dinheiro. Como resultados parciais, pode-se afirmar
que a facilidade de inserção nesta atividade é um dos pontos fundamentais
para o crescimento desse mercado e é nesse segmento que muitas mulheres
vêm se engajando, pois o trabalho é desenvolvido em horários flexíveis, o que
facilita muito para as donas de casa, mães, etc., já que têm que dividir seu
tempo com as atividades domésticas, atividades que, historicamente ficam sob
sua responsabilidade.

Palavras – chave: Trabalho informal. Venda direta. Mulheres. Avon.


1 Introdução

Neste trabalho intitulado “a apropriação pelo capital do trabalho informal


feminino na venda direta da empresa Avon” propomo-nos a analisar o trabalho
das mulheres, revendedoras, na atividade de venda direta da Avon.

O interesse pela temática surgiu diante da observação no cotidiano do


grande número de mulheres que estão inseridas no mercado de trabalho
informal, na cidade de João Pessoa-PB, através da venda direta, como
revendedoras dos produtos de beleza da empresa Avon, cuja distribuição
desses produtos é feita diretamente ao consumidor.

A pertinência em analisar o trabalho desenvolvido por mulheres como


revendedoras das empresas de venda direta, em especial a Avon na fase atual
de globalização foi a comprovação de que esse setor tem demonstrado um
crescimento incessante nos últimos vinte anos e vem se apresentando como
um promissor mercado de trabalho e de consumo, tendo quadruplicado de
tamanho, segundo levantamento da Associação Brasileira de Venda Direta –
ABEVD. O faturamento deste setor segundo esta associação, no Brasil,
ultrapassou R$ 5,3 bilhões em 2000 e passou para R$ 21,9 bilhões em 2009.

A Avon é uma empresa americana de capital aberto fundada em 1886, e


no Brasil, o trabalho de venda direta da empresa teve início em 1958. Desde
sua fundação, cerca de 40 milhões de mulheres já revenderam os produtos da
marca. Só em 2010 a empresa alcançou um faturamento líquido de
aproximadamente US$ 10.9 bilhões, tendo os Estados Unidos, Brasil, México,
Rússia e Inglaterra como principais mercados no mundo. Um dado
apresentado pela Associação de Venda Direta – ABEV demonstra o poder de
venda da Avon: a cada três segundos um batom da marca é vendido em algum
lugar no mundo. A empresa possui mais de vinte fábricas espalhadas em
quinze países e além de produtos de beleza, a Avon vende roupas, livros,
bijuterias, produtos para casa, produtos infantis entre outros.

A venda direta, um sistema de comercialização de bens de consumo e


serviços diferenciados, baseado no contato pessoal, entre vendedores e
compradores, fora de um estabelecimento comercial fixo, hoje atinge
dimensões globais envolvendo os mais diversos setores da economia e de
modalidade de produtos.

Trata-se de uma forma de atividade majoritariamente realizada por


mulheres, que almejam um rendimento financeiro para satisfazer as
necessidades materiais de seu cotidiano.

Neste estudo concebemos a venda direta como um caso de trabalho


informal, porque não existe um vínculo empregatício, em que se utiliza de
catálogos ou outros meios, para a realização das vendas. A relação ocorre
mediante um contrato comercial de compra e venda de produtos, que se
estabelece entre a indústria e o revendedor autônomo.

A autonomia, para muitas delas, é assegurada pelo trabalho, e este visto


como meio de liberação da mulher. Daí a importância que adquiria a atividade
da venda direta.

Mas é possível perceber então que essas “novas” modalidades de


trabalho, ao invés de significarem alguma autonomia ou liberdade mediante os
ditames do capital, na verdade elas se devem em grande parte ao aumento do
número de trabalhadores desprotegidos socialmente, que devido às elevadas
taxas de desemprego, têm sido obrigados a aceitar formas de trabalhos
precarizado que estão sendo recriados constantemente pelo capital com o
principal objetivo de obter maiores taxas de lucros para o conjunto da classe
capitalista.

Na atual etapa de acumulação o capital para dar respostas a sua crise,


apresenta algumas características, como a flexibilidade dos processos de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo; surgimento de serviços
financeiros e novos mercados; manutenção de taxas altamente intensivas de
inovação comercial, tecnológica e organizacional e valorização do trabalho no
setor de serviços, são exemplos de algumas dessas características.

Nossa pesquisa trata de uma “nova-velha” modalidade de trabalho em


atividades de serviços no setor do comercio, o das revendedoras de produtos
das empresas Avon, conhecida como venda direta. Após as primeiras
aproximações com a temática a partir da revisão da literatura ligada a temática
de gênero (Elisabeth Lobo, Helena Hirata, Claudia Mazzei, Heleieth Saffiotti,
Alexandra Kolantai), entendemos que o trabalho nestas atividades de serviço
está interligada com as mudanças ocorridas no mundo da produção e do
trabalho a partir da Reestruturação Produtiva, desencadeada a partir da crise
global do capitalismo desde meados da década de 70 do século XX e cujas
consequências são distintas para homens e mulheres.

Uma das mudanças significativas no mundo do trabalho diz respeito ao


aumento da informalidade do mercado de trabalho tendo em vista que como as
atividades ligadas ao setor informal são mais flexíveis, as mulheres tendem a
adaptar-se melhor, principalmente por possibilitarem a conciliação entre as
funções domésticas e as profissionais, já que estas atividades permitem
horários flexíveis e a possibilidade de serem executadas em casa. E essa
polivalência própria do trabalho feminino que as mulheres trazem tanto no
trabalho produtivo como no reprodutivo, e do sentido de empreendedor a elas
atribuído, o capital tem se apropriado.

Esse cenário, apoiado a divisão sexual do trabalho, continuará sendo


explorado pelo capital, desde que essas habilidades e diferenciação forem
fonte de lucros e diante de um mundo de serviços, os consumidores atuais
prezam pelo atendimento personalizado, relacionamento individual e empatia,
características que são identificadas como genuinamente femininas e que são
reforçadas pelas empresas de venda direta, no momento do treinamento de
seus revendedores.

Este fenômeno conhecido como divisão sexual do trabalho, é


considerado como a forma de divisão do trabalho social decorrente das
relações sociais de sexo, adaptada historicamente e a cada sociedade, tendo
como características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e
das mulheres à esfera reprodutiva.

Essas empresas cresceram em virtude de sua capacidade de resolver


dois problemas: permitir aos empresários capitalistas o acesso a um grande
número de trabalhadores sem custos substanciais de manutenção de uma
relação empregatícia, e permite a esses trabalhadores, uma oportunidade de
trabalho e de renda.

O capital, por sua vez, se utiliza da venda direta para reduzir seus
custos, podendo desta forma, ser considerada uma forma mais sofisticada de
subordinação do trabalho ao capital, e hoje a subordinação é mais sutil e
refinada.

2 A importância do trabalho informal feminino para o capital

A adaptação das empresas aos novos tempos se tornou um caminho


sem volta, uma questão de sobrevivência. Os novos tempos exigiram delas o
desenvolvimento de ideias inovadoras e eficazes para enfrentarem a
concorrência, pois com a recessão deflagrada na década de 1970 (1973)
houve uma ruptura com o fordismo, levando-as a adotarem um sistema
produtivo mais racional (principalmente a necessidade de corte de pessoal) e a
introduzirem novas formas de gestão do trabalho, o que comumente é
chamado de modelo flexível, que veio para confrontar a rigidez do fordismo e
se baseia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de
trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo.

A busca por mão-de-obra barata, junto com a flexibilização da legislação


trabalhista, encontrou um terreno fértil em vários países e regiões incentivada
pelas desigualdades sociais (classe, raça e gênero), para atrair investimentos
diretos, sendo funcional para a produção globalizada.

Em meados dos anos de 1970, a economia mundial passou por uma


fase de profundas transformações, entre outros fatores, - na esfera econômica,
no plano macroeconômico -, devido à queda da lucratividade do capitalismo
nos países centrais, o choque do petróleo gerado pelo súbito aumento nos
preços pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em
1973 e 1979, a recessão cíclica1 de 1972-1975, a crise fiscal do Estado de
Bem-Estar que, segundo Pereira (2004, p.113) “foi causada não só pelo
aumento das medidas de compensação ao desemprego – que se tornou
elevado –, mas também pelo fato de que o desemprego tinha um impacto
multiplicador sobre uma ampla gama de gastos sociais”.

Trata-se, segundo Antunes (2003), de uma crise mundial que vai além
do âmbito do processo de trabalho para se inserir em todas as esferas da
produção, colocando em xeque as formas de regulação baseadas no modelo
fordista/keynesiano, e que se configura como uma crise estrutural do capital e
da produção de mais-valia, principal objetivo do modo de produção capitalista.

Diante da crise, o modelo fordista de organização do processo de


trabalho tornou-se ineficiente como mecanismo de aumento de lucratividade do
capital, sendo viável a introdução de algumas medidas que fossem capazes de
recuperar suas taxas de produtividade, sem aumentar o volume de produção,
baseado na introdução de novas tecnologias, tendo como desafio aumentar a
produtividade do trabalho num quadro econômico recessivo, marcado pela
necessidade de redução da produção de mercadorias e de estoques.

Para responder à crise, inicia-se, pelo capital, um processo profundo de


reestruturação da nova forma de organização do processo de produção de
mercadorias.

Desta forma todas essas mudanças só puderam ser efetivadas graças a


um conjunto de políticas estatais que flexibilizaram os obstáculos ao livre
mercado, tendo como base os ajustes nos gastos públicos, afetando as
políticas sociais e a classe trabalhadora, eliminando sistematicamente as
regulamentações protetoras de direitos básicos.

Isso gera novos tipos de relação (no mercado de trabalho) entre capital e
trabalho, criando novas modalidades de “relações trabalhistas”, como: trabalho
autônomo, de tempo parcial, temporário, a domicílio e o trabalho informal.

1 O ciclo econômico consiste na aceleração e desaceleração sucessivas de acumulação


(MANDEL, 1985, p. 75).
Embora os operários formem um grupo mais atingido pela redução e
precarização dos empregos e que este movimento atinge o conjunto de
trabalhadores assalariados, as mulheres constituem a categoria que
majoritariamente permanece mais vulnerável a esse fenômeno.

Para as mulheres, esta conjuntura, aliada a sua condição de


desigualdade nas sociedades, sobretudo as de capitalismo tardio, enfrentam
com mais dificuldades os processos de globalização e de liberalização da
economia, pois quando se inserem no mercado de trabalho são contratadas
com salários inferiores aos dos homens, e em condições precárias.

Para a classe trabalhadora feminina, a adoção de novas formas de


trabalho, dentre elas o trabalho informal, teve o efeito de acentuar a
precarização das relações e condições de trabalho, com a ampliação do
trabalho assalariado sem carteira assinada, e do trabalho independente (por
conta própria), bem como a ausência de contribuição à Previdência Social e,
portanto, sem direito à aposentadoria, além da perda dos benefícios sociais
legalmente assegurados.

O crescimento da informalidade deve ser compreendido no contexto do


mercado de trabalho, onde prevalecem altas taxas de desemprego e baixa
geração de postos formais de trabalho.

O trabalho informal sendo fruto das mudanças


macroeconômicas, sendo as mais importantes: a abertura
comercial, a integração regional, as privatizações, a
desregulamentação financeira e a estabilização monetária, em
que estas últimas levaram à redução de empregos e salários,
muitas empresas buscaram a redução de custos pela
precarização dos vínculos informais de trabalho o que piora as
condições dos empregos remanescentes debilitando os
mecanismos legais e sindicais de regulação do uso do trabalho
(RODRIGUES, 2005, p. 30).

Concentrando-se cada vez mais na racionalização dos custos, o capital


vai construindo um padrão de reestruturação em que a desregulamentação do
trabalho é ponto fundamental para que as empresas se adaptem à nova ordem
mundial de competitividade, utilizando-se do trabalho informal, por ser um
instrumento que predomina nas relações de trabalho precárias (sem proteção
social).

Nogueira (2004) constata que dentre todas as metamorfoses que vêm


ocorrendo no mundo do trabalho nos últimos tempos, talvez seja a sua
"feminização", uma das mais importantes. Ao analisar o processo dialético da
crescente inserção da mulher no setor produtivo, a autora observa tratar-se de
mais um movimento contraditório dentro da lógica da relação capital-trabalho,
pois, se permite avançar no difícil processo de emancipação feminina e, desse
modo, minimizar as formas de dominação patriarcal no espaço doméstico.
Essas transformações também vêm agravando significativamente a
precarização da mulher trabalhadora.

Para Oliveira (2007), tratar da temática do trabalho, segundo uma


perspectiva de gênero, implica em utilizar a terminologia "trabalho da mulher" e
não "trabalho feminino". Tal distinção é crucial para o entendimento das
características do trabalho da mulher que engloba, tanto a participação na
produção social como o trabalho reprodutivo exercido no espaço privado da
família.

Apesar de o número de mulheres chefes de família vir aumentando, na


sociedade brasileira essa demanda ainda gera conflitos e cobranças. O
sucesso profissional e financeiro do homem é culturalmente associado a
virilidade e à masculinidade (questão de ser o provedor), e embora as mulheres
ocupem e disputem com competência o mercado de trabalho, ainda é cobrada
delas a eficiência na gestão do espaço doméstico, de cuidado com a família e
de realização da vida amorosa a partir do casamento.

O IBGE (2005) mostra que a crescente participação das mulheres no


mercado de trabalho não reduziu a jornada delas com os afazeres domésticos.
Pelo contrário, na faixa etária de 25 a 49 anos de idade, onde a inserção das
mulheres nas atividades remuneradas é maior, e que coincide com a presença
de filhos menores, o trabalho doméstico ocupa 94,0% das mulheres.
Segnini (1998, p.178) revela que os espaços privados e as tarefas
domésticas passam a ser um elemento qualificador, pois possibilitam à mulher
desenvolver habilidades requeridas e valorizadas para a realização do trabalho
flexível, como destreza, tarefas repetitivas, paciência e atenção.

Para Lobo (2001), no caso da divisão sexual de funções e tarefas


incidem tanto estratégias de utilização (apropriação) do corpo, através de suas
“qualidades” naturais ou sociais, como representações de qualidades. Assim, a
paciência, os dedos ágeis e a resistência à monotonia, são considerados
próprios da força de trabalho feminina. Segundo a autora, vários autores
observam que a própria qualificação é sexuada, e reflete critérios diferentes
para o trabalho realizado por homens e mulheres, ocorrendo frequentemente
uma desqualificação do trabalho feminino, assimilado a dons naturais,
desconsiderando-se o treinamento informal.

Algumas atividades requerem qualidades femininas, como é o caso da


venda direta. Dentre essas qualidades encontram-se, o sentido prático, a
empatia, conhecimento do produto (pois geralmente são também
consumidoras) e eficiência no uso do tempo, pois são acostumadas com a
dupla jornada de trabalho.

O capital tem tirado proveito do acirramento da polivalência e das


características próprias do trabalho feminino; das experiências que as mulheres
adquirem tanto no trabalho produtivo como no doméstico (reprodutivo), e do
sentido empreendedor a elas atribuído. Isto está relacionado à divisão sexual
no âmbito da própria família.

A forma como o capital incorpora o trabalho feminino, cujas


características, como a polivalência e a multiatividade, são
decorrentes das suas atividades no espaço reprodutivo, o que
as torna mais apropriadas às novas formas de exploração pelo
capital produtivo (NOGUEIRA, 2004, p. 88).

A maior parte destas atividades no âmbito doméstico é realizada por


mulheres de forma gratuita e, ainda que também sejam necessárias para
atender as necessidades humanas, quando não pela valorização do mercado
não são remuneradas. Assim, enquanto as tarefas do cuidado se efetuam
geralmente no âmbito doméstico, de forma predominante os homens se
especializam nas chamadas atividades “produtivas” pelas quais recebem um
salário no mercado de trabalho, o que é reforçado pela ideia de que “sempre
coube aos homens prover as necessidades materiais da família” (SAFFIOTI,
2004, p.35).

Este trabalho reprodutivo não remunerado assumido pelas mulheres, as


sobrecarrega com a responsabilidade familiar impedindo sua participação no
mercado formal ou provocando a dupla jornada de trabalho, levando-as a se
inserirem no mercado informal, como por exemplo, o de revendedoras de
empresas que trabalham com a venda direta.

Esta atividade tem progredido porque as empresas oferecem um


ambiente alternativo e atraente de trabalho, que permite a inserção de grande
número de pessoas, majoritariamente mulheres que para elas, é uma maneira
de adentrar no mercado de trabalho sem as regras que o trabalho formal
impõe, com horário de trabalho flexível e com possibilidades de ganhar de
acordo com a dedicação.

Sob o ângulo da flexibilização, moderno hoje, é o que é flexível.


Nenhuma forma de trabalho pode ser mais flexível que o
trabalho informal, portanto, na hipótese de persistência do atual
padrão de acumulação, os empregos informais poderão vir a
ser modernos (TAVARES, 2004, p. 52).

No trabalho contemporâneo, a flexibilização é uma de suas principais


características e a precarização um de seus efeitos mais marcantes. Envolvem
uma série de estratégias implementadas a partir da reestruturação produtiva
que visam a desregulamentação do mercado de trabalho e das relações de
trabalho.

Dentre as empresas de vendas diretas, a Avon é uma das que mais


valoriza a propaganda, com o objetivo de realçar as vantagens de seu modelo
de vendas. As mensagens sempre primam pela elevação da condição da
mulher e a promoção de sua beleza, de forma a criar uma imagem e uma
condição diferenciada para as suas revendedoras.

Somos uma empresa que tem a ver com a realização dos


sonhos das mulheres por meio da essência de uma das
maiores marcas de consumidor dos últimos tempos. A Avon é
uma marca emocional e da comunidade. Nós de fato temos um
relacionamento e nosso próprio conjunto de valores. Queremos
ser parte da comunidade e realmente criamos orgulho na
comunidade Avon (KLEPACKI, 2006, p. 181).

Destarte, o trabalho na atualidade além de algumas características já


exigidas desde a época do taylorismo/fordismo, requer o envolvimento
emocional no exercício das tarefas cotidianas. Na concepção de Freitas (2005),
enquanto a empresa do passado queria ser obedecida, a empresa moderna
quer ser amada:

[...] pode-se perceber na empresa moderna a necessidade de


despertar a paixão por si mesma, traduzida em paixão pelo
trabalho. Creio que está ocorrendo uma transição do carisma
associado a uma empresa líder (FREITAS, 2005, p. 143).

As empresas exploram a sensibilidade feminina construída socialmente


para reforçar este apego a elas, como nos apresenta Perrot, (1988), quando diz
que “aos homens, o cérebro, a inteligência, a razão lúcida, a capacidade de
decisão. Às mulheres, o coração, a sensibilidade, os sentimentos” (p. 177).

Já Marx no lembrava que na

Relação com a mulher como presa e criada da luxúria


comunitária está exprimida a degradação infinita em que o ser
humano existe para si mesmo, pois o segredo desta relação
tem a sua expressão inequívoca, decidida, manifesta,
desvelada, na relação do homem com a mulher e no modo
como é tomada a relação natural, imediata do gênero (1985, p.
166 – 167).

Na sociedade de mercado, ser mulher é ser flexível e ter paciência para


aceitar condições de trabalho cada vez piores e com salários cada vez
menores. É sacrificar-se na informalidade sem nenhuma garantia de direitos e
se sentir responsável por cuidar sozinha da casa e dos filhos e mesmo com
toda luta por melhores condições salariais e sociais, as mulheres estão
atreladas ao sistema capitalista que às impõe historicamente a estarem num
ciclo de subordinação e exploração perante a figura dos homens.

3 Conclusão

Diante do exposto elucidamos algumas considerações finais. Em


primeiro lugar, chama atenção a capacidade das grandes empresas de
responderem às mudanças desencadeadas no Brasil a partir dos anos 90 do
século XX, devido a crescente internacionalização da economia e a
concentração do capital e que mesmo numa economia cada vez mais
globalizada, ainda persistem modalidades de trabalho que estão se
aperfeiçoando com um modo obsoleto de exploração do trabalho.

O trabalho contemporâneo mantém interconexões que se estabelecem


em virtude das metamorfoses do mundo do trabalho frente à economia
neoliberal, levando à mudanças na produção sob a forma da flexibilização tanto
do processo produtivo como das relações de trabalho para o enfrentamento da
competição no período atual.

As empresas de venda direta cresceram em virtude de sua capacidade


de resolver dois problemas: permitir aos empresários capitalistas o acesso a
um grande número de trabalhadores sem custos substanciais de manutenção
de uma relação empregatícia, e permite a esses trabalhadores, uma
oportunidade de trabalho e de renda.
Na estrutura de nossa sociedade ainda há resistência em aceitar o
direito das mulheres ao emprego, revelando o peso da divisão sexual do
trabalho, que é a base material da opressão das mulheres.

As empresas de venda direta, sem exceção, sabem que o êxito desse


negócio depende do sucesso das revendedoras e por isso trabalham
fortemente o relacionamento e o espírito empreendedor feminino. A venda
direta realiza seus lucros através do trabalho dessas mulheres que se
desmotivadas, comprometem a sua sobrevivência. Para mantê-las motivadas,
a empresa disponibiliza programas de recompensas (premiações), seja través
de viagens, jantares, etc.

Percebemos ainda, diante de nossas conversas com algumas dessas


mulheres (revendedoras), não de formam sistematizada, mas para irmos
conhecendo este universo da venda direta, que apesar de alguns avanços
quanto a emancipação feminina, ainda há uma percepção tradicional machista
e conservadora em relação ao trabalho das mulheres. A família é considerada
como parte indispensável da organização da sociedade, onde qualquer
alteração a sua estrutura seria considerada prejudicial à estrutura vigente.

Isto porque o capital se opõe claramente ao processo de emancipação


da mulher, uma vez que precisa, para sua a preservação do seu sistema de
dominação, do trabalho feminino, tanto no espaço produtivo como no
reprodutivo, preservando nos dois casos, os mecanismos estruturais que
geram a subordinação da mulher, como assevera Nogueira (2004).

Diante desse contexto acreditamos que mesmo com as mudanças no


mundo do trabalho e a crescente inserção das mulheres na vida pública, não
foram suficientes para alterarem substancialmente as características da divisão
sexual do trabalho reprodutivo ou doméstico, tão importante para o capital
mediante a necessidade de reprodução da força de trabalho.
REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho: ensaio sobre as metamorfoses e a


centralidade do mundo do trabalho. 9. ed. São Paulo: Cortez/UNICAMP, 2003.
FREITAS, M. E. de. Cultura organizacional: identidade, sedução e carisma? 4
ed. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2005.

INSITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Economia


informal urbana: Ecinf, 2003. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br. Acesso em 30.06.2012.

KLEPACKI, Laura. Avon: a história da primeira empresa do mundo voltada


para a mulher. Rio de Janeiro: Best Seller, 2005.

LOBO, Elisabeth Souza. A classe operária tem dois sexos: trabalho,


dominação e resistência. 2 ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2011.

MANDEL, E. O capitalismo tardio. 2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

MARX, Karl. A produção capitalista como produção de mais-valia. Capítulo VI


(inédito) de O capital. São Paulo: Moraes, 1985.

NOGUEIRA, Claudia Mazzei. A feminização do trabalho. Campinas: Autores


Associados, 2004.

OLIVEIRA, Z. L. C. Mulher e trabalho. Disponível em:

http://www4.prossiga.br/bvmulher/cedim/trabalho/conceito.htm. Acesso em
07/07/2012.

PEREIRA, Jacqueline da Silva Figueiredo. O modelo de competências e as


implicações para a divisão sexual do trabalho no processo da reestruturação
produtiva. FAE/UFMG, 2004. Dissertação de Mestrado em Educação.

PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e


prisioneiros. Tradução Denise Bottmann. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1988.
RODRIGUES, Ivanildo D. A camelotagem em Presidente Prudente.
FCT/UNESP: Presidente Prudente, 2005 (Monografia apresentada no curso
de Bacharelado em Geografia).

SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Gênero, patriarcado e violência. São


Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004 (Coleção Brasil Urgente).

SEGNINI, Liliana Rolfsen Petrilli. Mulheres no trabalho bancário: difusão


tecnológica, qualificação e Relações de gênero. São Paulo: Universidade de
São Paulo, 1998.

TAVARES, Maria Augusta. Os fios (in)visíveis da produção capitalista. São


Paulo: Cortez, 2004.

You might also like