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Elis Regina, Brilhante Verdadeiro

Renato Frossard

Em 19 de janeiro de 1982, aos 36 anos de idade, morria Elis Regina, uma das
maiores cantoras da música popular brasileira. Sua morte representou uma perda
irreparável para a nossa música popular e uma grande tristeza para seus admiradores,
amigos e familiares. Porém, sua vida curta foi vivida plenamente. De fato, durante a
maior parte de sua existência, a cantora esteve trabalhando de forma incessante e intensa.
Ao longo de sua carreira, Elis gravou dezenas de discos, realizou milhares de shows, foi
protagonista de diversos programas de TV, apresentou-se nos palcos nacionais e
internacionais, foi comparada à grandes nomes como Ella Fitzgerald, casou-se duas
vezes, teve três filhos, trabalhou, trabalhou, trabalhou.

Envolvida num turbilhão de emoções, trabalhos e projetos, a morte da cantora


caiu como uma bomba, de forma inesperada, já que, para todos, a artista gozava de
saúde perfeita. Pelo menos era o que pensava a maioria dos que conviviam com ela, que
nunca deixou de trabalhar, a não ser por curtos períodos durante a gravidez de seus três
filhos.

O que teria causado a precoce morte daquela que, na opinião de muitos, foi a
maior cantora da MPB? A autópsia realizada, na época, apontou intoxicação por álcool
e cocaína. Mas teria sido a cocaína a grande vilã que matou Elis? Penso que não. Na
minha opinião, a droga foi apenas o estopim que levou a cabo um processo de
autodestruição pelo qual a artista vinha passando. Em outras palavras, o excesso de
trabalho, de preocupações, compromissos, dramas emocionais, stress, dentre outros
problemas que afligiam Elis, foram os reais causadores de sua morte prematura.
Desde que surgiu no cenário musical brasileiro e veio a tornar-se, da noite para o dia,
um dos maiores ícones de nossa música, Elis praticamente não teve descanso.
Mergulhou de cabeça na carreira, dedicou-se de forma completa e entregou-se com
esmero, sempre em busca de perfeição absoluta em tudo aquilo que fazia. De estatura
franzina, aparentemente frágil, a artista era um verdadeiro vulcão em erupção, cheia de
energia e vitalidade. Mas por quanto tempo pode uma pessoa manter um ritmo tão
frenético?

Quando faleceu, Elis estava cheia de compromissos, agenda lotada, planos e


mais planos para a carreira e não parecia estar pensando em nos deixar tão cedo.
Acontece que seu corpo simplesmente parece não ter resistido tanta pressão vinda de
todos os lados, e simplesmente desligou. As circunstâncias que antecederam sua morte
também parecem ter contribuído para o trágico desfecho. A cantora acabava de sair de
seu segundo casamento e engatava em um novo relacionamento que também já parecia
conturbado. Naquela noite não se sabe como ela dormiu, ou sequer se chegou a dormir.
Ela havia colocado o telefone na secretária eletrônica e recusou-se a atender as ligações
do namorado. A família não desconfiava de nada. No dia seguinte, poucos instantes
antes de sua morte, Elis ligou para o companheiro e no meio da conversa emudeceu.
Pressentindo que algo estranho havia acontecido, o namorado correu em seu socorro,
mas chegou tarde para que algo realmente pudesse ser feito, Elis foi declarada morta
instantes depois num hospital na cidade de São Paulo.

Penso que, caso a morte de Elis não tivesse ocorrido naquele dia, teria vindo de
qualquer maneira, caso ela mantivesse o mesmo ritmo incessante de trabalho, sem
trégua ou descanso, caso ela não conseguisse equilibrar o stress de seus relacionamentos
afetivos, caso ela não encontrasse um ponto de equilíbrio para a sua tão agitada vida.
Sem a pretensão de fazer julgamentos em relação às atitudes ou o caráter da maior
intérprete da música brasileira de todos os tempos, só posso dizer que sua vida, ainda
que tenha sido curta, muito tem a nos ensinar. Precisamos aprender que, talvez, não
valha a pena nos entregarmos tão avidamente ao trabalho e aos projetos pessoais.
Precisamos tirar tempo para nós mesmos, tempo para respirar, tempo para amar e
sermos amados. Penso que Elis estava passando por este processo de amadurecimento,
ela estava aprendendo a reconhecer a importância de laços afetivos duradouros e de um
bom relacionamento com a família. Mas infelizmente, não teve tempo de colocar em
prática os novos aprendizados.

O nome de Elis Regina me inspira um grande sentimento de respeito e a vontade


de aprender mais através de sua história, de seu trabalho e de sua busca pela excelência
artística. Seu brilho ainda continua vivo, intenso, chamando a nossa atenção, pois o
brilhante, certamente, era verdadeiro.

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