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Curso de Capacitação de Tutores e Facilitadores em Aprendizagem

Significativa (CAS-SUS).
TRABALHO DE DISPERSÃO: AVALIAÇÃO E PORTFÓLIO
REFLEXIVO.
Silvia Regina Pimentel Pereira

A avaliação está informalmente presente em vários aspectos do nosso


cotidiano. Institucionalmente, pode-se avaliar práticas sociais tais como intervenções
contidas em um programa de política pública fazendo-se o julgamento de seus
componentes1.
No sistema educacional, a avaliação se dá de forma intencional e sistemática
e seus julgamentos levam a consequências que podem ser positivas ou negativas. No
entanto, o que se espera dela é que promova o aprendizado do educando ao identificar o
que ele já aprendeu e o que ainda não aprendeu de modo a desenvolver ferramentas para
o avanço neste processo2. Cabe quase sempre à avaliação o papel de orientadora na
tomada de decisões quanto a muitos aspectos do processo de ensino-aprendizagem tais
como os conteúdos, fenômenos e procedimentos que precisam de mais atenção3. Ela é
comumente classificada na literatura em dois tipos, somativa e formativa, que não são
necessariamente dicotômicos pois encerram em si elementos distintos, mas também
similaridades principalmente no contexto educacional 3.
A avaliação somativa é aquela que, via de regra, ocorre na escola em períodos
demarcados, sem o propósito de interferir no processo de ensino-
aprendizagem, mas de fixar etapas para o tratamento do conteúdo por parte do
docente, punir, premiar, rotular e classificar o educando. [...] A avaliação
somativa opera de forma polarizada, na medida em que apenas o certo ou o
errado, o verdadeiro ou o falso são possíveis. Não há respostas parcialmente
aceitas, pois, o processo, o conhecimento em construção, os pequenos ganhos
não são considerados3. (p. 45)

Seus resultados são apenas informados ao final da sequência de aprendizagem


e geralmente valorados sob a forma de nota em relação a um grau de excelência esperado.
Diferenças entre os grupos de alunos não são levados em conta e aqueles que não
atingiram o nível de desempenho estipulado são considerados os culpados pelo próprio
fracasso3.
Já na avaliação formativa, o foco está mais em analisar o desempenho do
educando na articulação de recursos e competências para a resolução das tarefas postas,
ao mesmo tempo que contribui para a adaptação do processo de formação proporcionado
pelo professor de modo a colaborar com o desenvolvimento das competências por parte

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do máximo de alunos3. Tanto a aprendizagem do aluno quanto a do professor são
promovidas na avaliação formativa2.
Os educandos são instigados a se envolver nessa avaliação, participando da
elaboração e da aplicação de seus critérios o que terminará por torná-los mais conscientes
de seu próprio aprendizado. Neste exercício, eles podem desenvolver a capacidade de
autoavaliação contínua e isto pode se realizar através da construção de portfólios, a partir
do qual eles possam ver e analisar seu progresso2.
O portfólio pode ser definido corriqueiramente como um agrupamento dos
produtos ou serviços oferecidos por uma empresa ou de obras de um artista, com objetivo
de divulgação4. Deste modo, um artista incluiria nele suas melhores obras, após análise
segundo critérios estrategicamente estabelecidos já que estará sujeito à apreciação de
potenciais clientes e críticos. Em educação, ele pode ser entendido como um
procedimento de avaliação condizente com a avaliação formativa e que, dentre suas várias
possibilidades, está a de ser construída pelo aluno2.
Tal como artistas, os educandos devem selecionar as melhores amostras de
seu trabalho para serem incluídas no portfólio, assumindo papel de participação ativa na
avaliação. Também “permite aos alunos participar da formulação dos objetivos de sua
aprendizagem e avaliar seu progresso”2 (p. 38). Desta forma, é estimulada a autonomia
na medida em que o educando pode gerir seu próprio processo de aprendizagem,
identificando onde progrediu e onde deve envidar mais esforços por não ter avançado
tanto.
Uma outra possibilidade é a de ser compartilhado com outros sujeitos em
momentos de trocas tais quais em encontros com a presença dos pais2. Saindo do contexto
educacional e tentando transpor estas reflexões ao mundo do trabalho na saúde, podemos
visualizar a adaptação desse processo ao contexto das Equipes de Saúde da Família. O
processo de trabalho nos serviços em que estão inseridos muito se beneficiaria na adoção
de uma rotina de avaliações sistemáticas que poderiam ser desenvolvidas em reuniões de
equipes ou rodas de gestão, por exemplo. O próprio exercício de se descrever atividades
e situações do cotidiano para colegas já contribui para a reflexão sobre seu próprio
trabalho, considerando suas deficiências, onde precisa avançar e as melhorias alcançadas.
O portfólio leva em conta as experiências vividas pelo educando fora do
ambiente do processo formativo como na vida pessoal e profissional pois estas podem ser
incluídas em seu conteúdo. Conectada desta forma à sua vida, a aprendizagem passa a
considerar o lado emocional e, assim, a se tomar de sentido.

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Outra característica do portfólio é considerar a experiência prévia de saberes
dos educandos, deslocando a aprendizagem da mera memorização e, assim, contribuindo
para o desenvolvimento de atitudes5.
Stelet et al5 analisaram o uso do portfólio reflexivo como dispositivo
pedagógico para o exercício da narratividade na medicina. Narrar suas experiências no
portfólio propicia uma reflexão sobre como estas se deram em relação ao conhecimento
científico, à forma de interação com os demais sujeitos envolvidos e consigo mesmo. O
tutor, em sua relação de leitura e análise do portfólio, estimula a autonomia e
responsabilidade do educando sobre seu próprio aprendizado e, analogamente, se espera
este tipo de interação entre o profissional e o usuário do serviço de saúde5.
O pensar narrativo operado nos portfólios reflexivos é crítico porque enseja a
troca de experiências: o narrador-estudante transforma em história a
experiência com pacientes, famílias e com o próprio contexto do território onde
atua; o diálogo (por vezes, imaginário) que se estabelece com essas histórias
se concretiza quando o professor-leitor percorre essas trajetórias e ressignifica
tais experiências, fazendo uso do dispositivo pedagógico para ler nas
entrelinhas5. (p. 172)

Os questionamentos que vem ocorrendo nas últimas décadas no campo da


educação com vistas à quebra de vários paradigmas também acontecem na saúde, onde
se reconhece a necessidade de redirecionamento do modelo de atenção em todo o mundo
com fortalecimento da Atenção Básica. Isto requer constante transformação no
funcionamento dos serviços e na atuação dos profissionais o que exige dos sujeitos
envolvidos capacidade de análise, intervenção e autonomia para o desenvolvimento de
suas práticas6.
A educação permanente é uma das estratégias eleitas para efetivação destas
mudanças sendo vista não só em sua dimensão pedagógica, mas também em seu potencial
transformador do cotidiano dos serviços onde se sentem concretamente os efeitos das
práticas de saúde6. Ela adota estratégias educativas que têm a prática como fonte de
conhecimento e de problemas fomentando a capacidade de reflexão dos trabalhadores
sobre seu próprio fazer6. Estes são convertidos em construtores do conhecimento e de
alternativas de ação no próprio contexto em que se inserem, respeitando os princípios do
Sistema Único de Saúde.
De acordo com Davini7, é necessário, para mudar as práticas, sobretudo as
institucionalizadas nos serviços de saúde, “privilegiar o conhecimento prático em suas
ações educativas e favorecer a reflexão compartilhada e sistemática.” (p. 49)

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É fundamental o exercício da reflexão de forma verbalizada e com observação
consciente de forma a se poder questionar o conhecimento prático. Além do mais, é
importante se avaliar até mesmo que conhecimento é necessário ser incorporado, “o que
aprender, o que desaprender e como fazer para que os outros (o grupo como um todo) o
façam.”7 (p. 51). Assim, a partir de um processo educativo mediado pela discussão crítica
da experiência real, se aprende mais do que um novo hábito, mas outro modo de se
relacionar7. Daí a necessidade de envolvimento de todo o grupo, no que o portfólio
contribui uma vez que sua adoção como ferramenta pedagógica prevê a possibilidade de
compartilhamento com outros enriquecendo a capacidade de comunicação e
compartilhamento.
O portfólio reflexivo é um dispositivo totalmente coerente com um enfoque
educacional apropriado para produzir transformação nas práticas em saúde pois promove
a reflexão do contexto da ação, enriquece a atuação em equipes, a capacidade de
autoavaliação e a autonomia.
No cotidiano dos profissionais da Atenção Básica vemos o reflexo do que a
educação tradicional produz, com trabalhadores atuando de forma automática e repetitiva,
simplesmente aplicando normas e seguindo protocolos. Este proceder, aliás, os
acompanha em praticamente todos os aspectos de suas vidas e, reverter algo tão
profundamente incrustado requer muito esforço.
Felizmente, tem havido avanços positivos nas instituições educacionais e na
gestão dos serviços, mas ainda há um longo caminho a percorrer e persistir em processos
formativos que estimulem o desenvolvimento dos profissionais é crucial.

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REFERÊNCIAS

1. Pinto ICM, Vieira-da-Silva LM, Baptista TVF. Ciclo de uma política pública de
saúde: problematização, construção da agenda, institucionalização, formulação,
implementação e avaliação. In Paim JS, Almeida-Filho N. Saúde coletiva: teoria e
prática. Rio de Janeiro: MedBook; 2014. p. 69-82.

2. Boas BMdFV. Portfólio, avaliação e trabalho pedagógico. 8. ed. Campinas: Papirus;


2004.

3. Marcuschi, E. Avaliação da língua materna: concepções e práticas. Revista de Letras,


[Internet]. 2016 [acesso em 30 Jun 2018]; 1(26). Disponível em:
http://periodicos.ufc.br/revletras/article/view/2264.

4. Dicionário on line de português. Portfólio [acesso em 30 jun 2018]. Disponível em:


https://www.dicio.com.br/portfolio/

5. Stelet B, Romano V, Carrijo A, Teixeira Junior J. Portfólio Reflexivo: subsídios


filosóficos para uma práxis narrativa no ensino médico. Interface (Botucatu) [Internet].
2017 [acesso em 30 jun 2018]; 21(60). Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
32832017000100165&lng=pt

6. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da


Saúde; 2012.
7. Davini MC. Enfoques, Problemas e Perspectivas na Educação Permanente dos
Recursos Humanos de Saúde. In Brasil. Política Nacional de Educação Permanente em
Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. p. 39-63.

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