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«tudo […] pode ser contado doutra maneira»

Levantado do chão, José Saramago


"Era uma vez um homem que nasceu numa
azinhaga e se fez serralheiro, jornalista, escritor e
cavaleiro. Era uma vez a gente que o amou e odiou. Era
uma vez um homem que tinha um sonho e não sabia. Era
uma vez uma mulher que o fez sorrir. Era uma vez um
homem que escreveu um livro e o ouviu cantado em
ópera. Era uma vez Blimundo. Era uma vez. Saramago“

(Luísa Jacobetty, in O Independente 17 de Maio de 91)


«Apareceram por cá dois rapazes que queriam falar-me
da Bíblia. Anunciaram-se como jovens otimistas, mas não
chegaram a dizer de que seita o eram. Vinham vestidinhos de
igual, camisa branca com risquinhas, lacinho ao pescoço, calça
cinzenta, o que há de mais incongruente em Lanzarote. Na mão,
a conhecida malinha preta dos executivos. Cortei-lhes o discurso,
adiantando-lhes que nesta casa éramos pouco de Bíblias. Li-lhes
na cara o desconcerto, mas disfarçaram heroicamente, como
bons candidatos ao martírio. Puseram o sorriso piedoso que lhes
ensinaram, de pena por esta alma perdida, e lá foram pregar a
outra freguesia, esquecendo-se de sacudir a poeira, que aqui é
muita, dos negros e brilhantes sapatos. Foi só depois que me
lembrei que deveria ter-lhes oferecido o Evangelho para se
distraírem da apostólica obrigação de terem de andar por aí a
pregar verdades eternas e mentiras otimistas.»

José Saramago, Cadernos de Lanzarote, Diário II


«Apareceram por cá dois rapazes que queriam falar-me
da Bíblia. Anunciaram-se como jovens otimistas, mas não
chegaram a dizer de que seita o eram. Vinham vestidinhos de
igual, camisa branca com risquinhas, lacinho ao pescoço, calça
cinzenta, o que há de mais incongruente em Lanzarote. Na mão,
a conhecida malinha preta dos executivos. Cortei-lhes o discurso,
adiantando-lhes que nesta casa éramos pouco de Bíblias. Li-lhes
na cara o desconcerto, mas disfarçaram heroicamente, como
bons candidatos ao martírio. Puseram o sorriso piedoso que lhes
ensinaram, de pena por esta alma perdida, e lá foram pregar a
outra freguesia, esquecendo-se de sacudir a poeira, que aqui é
muita, dos negros e brilhantes sapatos. Foi só depois que me
lembrei que deveria ter-lhes oferecido o Evangelho para se
distraírem da apostólica obrigação de terem de andar por aí a
pregar verdades eternas e mentiras otimistas.»

José Saramago, Cadernos de Lanzarote, Diário II


Alguns excertos de Discursos de Estocolmo, de José Saramago

(Caminho, 1999)
«Agora sou capaz de ver com clareza quem
foram os meus mestres de vida, os que mais
intensamente me ensinaram o duro ofício de
viver, essas dezenas de personagens de romance e
de teatro que neste momento vejo desfilar diante
dos meus olhos…»
«Que outras lições poderia eu receber de
um português que viveu no século XVI que
compôs as "Rimas" e as glórias, os naufrágios e os
desencantos pátrios de "Os Lusíadas", que foi um
génio poético absoluto, o maior da nossa
literatura, por muito que isso pese a Fernando
Pessoa, que a si mesmo se proclamou como o
Super-Camões dela?»
«Mas foi na biblioteca da escola industrial que O
Ano da Morte de Ricardo Reis começou a ser escrito...
Ali encontrou um dia o jovem aprendiz de serralheiro
(teria então 17 anos) uma revista - "Atena" era o título -
em que havia poemas assinados com aquele nome e,
naturalmente, sendo tão mau conhecedor da
cartografia literária do seu país pensou que existia em
Portugal um poeta que se chamava assim: Ricardo Reis.
Não tardou muito tempo, porém, a saber que o poeta
propriamente dito tinha sido um tal Fernando Nogueira
Pessoa que assinava poemas com nomes de poetas
inexistentes nascidos na sua cabeça e a que chamava
heterónimos, palavra que não constava dos dicionários
da época, por isso custou tanto trabalho ao aprendiz de
letras saber o que ela significava. »
Sistematização elaborada a partir dos textos
«Tábua bibliográfica» (1928) e «Carta a Adolfo
Casais Monteiro» (13 de janeiro de 1935).
Biografia

» Nasceu no Porto, em 1887.


» Foi educado num colégio de Jesuítas.
» É um latinista por educação alheia e um semi-helenista por
educação própria.
» É médico.
» Exilou-se voluntariamente no Brasil em 1919, por ser
monárquico.
Características físicas Características do seu estilo
— Um pouco mais baixo do que — Surge após uma «deliberação abstrata que
Alberto Caeiro. subitamente se concretiza numa ode».
— Mais forte do que Alberto Caeiro. — Preconiza um falso paganismo.
— Seco. — Tem um lado intelectual e um lado pagão.
— Cara rapada. — Escrevia melhor do que Pessoa ortónimo,
— De um vago moreno mate. mas com um purismo que este considerava
exagerado.
— O seu livro Odes foi publicado na revista
Athena 1.
O título não
aponta para a
Com uma
biografia de Ricardo
atitude distanciada dos
Reis, mas recai na
acontecimentos , é
importância que é
aquele que
dada ao tempo
“sabiamente” “assiste
cronológico, ao tempo
ao espetáculo do
social, aos eventos
mundo”.
que ocorreram no ano
em que este
Conseguirá manter a
heterónimo morre
indiferença perante o
(1936)
espetáculo de 1936,
num Portugal (Europa)
triste e moribundo

Destino do protagonista

Acontecimentos ocorridos em 1936


Diálogo temporal
Portugal futuro (pós -25 de Abril de 1974)
Ricardo Reis,
heterónimo de
Fernando Pessoa,
exilado no Brasil
Ricardo Reis,
saramaguiano,
regressa a Portugal
depois da morte de
Fernando Pessoa

“A passagem de um texto a outro permite estabelecer uma ligação


com o leitor, que já conhece Ricardo Reis, tal como Fernando Pessoa o
apresentara” Pela mão de Saramago, Ricardo Reis desliga-se do
seu criador, despe a máscara pessoana.
Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo
Ricardo Reis

Escolher modos de não agir foi sempre a atenção e o escrúpulo da


minha vida.
Bernardo Soares

Se me disserem que é absurdo falar assim de quem nunca existiu,


respondo que também não tenho provas de que Lisboa tenha
alguma vez existido, ou eu que escrevo, ou qualquer coisa onde
quer que seja.
Fernando Pessoa
O presente de enunciação pode dizer
respeito quer ao passado quer ao futuro –
reinventa o passado (com novas interpretações do
que se supõe ser “a verdade histórica”),
antecipando o que pode vir a tornar-se o mundo.

“toda a ficção literária (e, em sentido mais


lato, toda a obra de arte), não só é histórica, como
não poderá deixar de o ser”
José Saramago
» Obra que denuncia a fome, as injustiças sociais,
os estados opressivos
» Obra que homenageia o poder do Homem e
todos aqueles que ousaram revoltar-se contra
os ditadores
» Obra que revela os meandros do amor
» Obra que reconstitui todo o ambiente histórico
de Lisboa de 1936 (com um conjunto de dados
históricos)
» O Ano da Morte de Ricardo Reis é um romance dividido em
19 capítulos, não numerados graficamente.
» Desde o final do ano de 1935 e ao longo do ano de 1936,
temos como protagonista Ricardo Reis.
» Em O Ano da Morte de Ricardo Reis, há duas partes
narratológicas a ter em conta: os encontros/diálogos com
Fernando Pessoa e a deambulação/itinerários que Reis faz
por Lisboa (maioritariamente) e Fátima (uma única vez).
Nos dois casos, encontramos ocasiões para reflexões sobre
a cidade (espaço), a História (tempo histórico), a Política
(fascismos europeus e revoluções), a Literatura, as
personagens, a intertextualidade e a crítica (por meio do
narrador omnisciente).
» Representações do século XX: o espaço da cidade, o
tempo histórico e os acontecimentos políticos.
» Deambulação geográfica e viagem literária.
» Representações do amor.
» Intertextualidade: José Saramago, leitor de Luís de
Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa.
» Linguagem, estilo e estrutura:
- a estrutura da obra;
- o tom oralizante e a pontuação;
- recursos expressivos: a antítese, a comparação, a
enumeração, a ironia e a metáfora;
- reprodução do discurso no discurso.
» O espaço da cidade
+ Deambulação pelo espaço físico (mostra pessoas, costumes,
grupos sociais) – o representativo do espaço social
+ Lisboa cidade labiríntica e sombria, sede da política portuguesa
+ Microcosmos de Portugal
» O tempo histórico e os acontecimentos políticos
+ A morte de Fernando Pessoa
+ Primórdios da ditadura de Salazar
+ A criação da Mocidade Portuguesa («S»)
+ A propaganda dos jornais
+ A repressão e a ordem: a PVDE
+ Os movimentos contra o regime: a Revolta dos Marinheiros
+ Comícios contra o comunismo
+ Eleições, golpe militar e guerra civil em Espanha
+ O fascismo em Itália
+ O nazismo na Alemanha
+ Prenúncio da II Guerra Mundial
» Percurso geográfico
- Rua do Alecrim, Rua dos Douradores, Bairro
Alto, Rossio, Rua do Século, Rua do Ouro, Rua
de Santa Justa, Alto de Santa Catarina (estátua
de Adamastor), Largo de Camões (estátua de
Camões)…
» Viagem literária
- omnipresença de Camões
- as visitas de Fernando Pessoa
- espaços que permitem a intertextualidade

CONSTANTES INCURSÕES PELOS TEXTOS LITERÁRIOS


» Lídia
» Marcenda

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