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Blue
~A Novel ~
By Amy Harmon
Sinopse
Blue Echohawk não sabe quem é. Ela não sabe seu nome verdadeiro ou
quando nasceu. Abandonada aos dois anos de idade foi criada por um
vagabundo, ela não frequentou a escola até que tivesse dez anos de idade. Aos
dezenove anos, quando a maioria das pessoas de sua idade está frequentando a
faculdade ou seguindo em frente com a vida, ela está apenas no último ano do
ensino médio. Sem mãe, nem pai, nem fé, nem futuro, Blue Echohawk é uma
aluna difícil, para dizer o mínimo. Resistente, dura e abertamente sexy, ela é o
oposto completo do jovem professor britânico que decide que está pronto para o
desafio, e coloca a encrenqueira sob sua asa.
Agosto 1993
Ela havia chegado tão longe. Ela não podia acreditar que tinha terminado
aqui, não tão longe de casa. Há poucas horas. E ela atravessou até o outro lado
do país e voltou com nada para mostrar.
De repente, ele estava lá, andando de volta para a caminhonete. Ele tirou
as chaves do bolso e tentou abrir a porta do passageiro. Ele foi recebido por um
cão cinza e preto desalinhado que estava dormindo embaixo do veículo
esperando, como ela, para que o homem retornasse a sua caminhonete. O
cachorro circulou as pernas do homem quando ele mexeu na maçaneta de um
lado para o outro. Ela ouviu o homem amaldiçoando baixinho.
05 de agosto de 1993
A chamada veio antes das quatro horas da tarde, e o policial Moody não
estava com disposição para isso. Seu turno estava prestes a terminar, mas ele
disse que iria responder a esse chamado e entrou no estacionamento do
Stowaway1. Se o nome era um indicador, apenas os passageiros clandestinos
iriam ficar no motel imundo. Porta-malas de um carro velho de um viajante com
a cabeça cutucando para fora da tampa sibilou no calor da tarde. Oficial Moody
vivia em Reno todos os seus 28 anos, e ele sabia tão bem quanto qualquer um
que querer descanso e uma boa noite de sono não era à razão para as pessoas
frequentarem o Stowaway. Ele ouviu o barulho de uma ambulância.
Obviamente, o funcionário da recepção tinha feito mais de uma chamada. Ele
tinha a barriga doendo durante toda à tarde. Droga de burritos2. Ele havia os
devorado alegremente ao meio-dia, carregado com queijo, guacamole, carne de
porco desfiada, creme de leite, e pimentões verdes, mas ele estava pagando por
isso agora. Realmente precisava ir para casa. Desesperadamente esperava que o
funcionário da recepção estivesse errado sobre o hóspede em um quarto no
andar de cima e ele poderia encerrar as coisas rapidamente e terminar o dia.
06 de agosto de 1993
— Teve sorte de fazer uma identificação? — O Oficial Moody não foi capaz
de tirar a mulher de sua cabeça. Incomodou-o a noite toda. Não era o caso dele.
Patrulheiros não dirigem investigações. Mas Martinez era o seu supervisor e
estava disposto a compartilhar, principalmente quando o caso parecia estar
chegando a um fim rápido.
— Isso é o que nós pensamos. Mas quando o médico legista virou a parte
de trás de sua cabeça estava esmagada.
— Sim. Ela era uma líder de torcida em uma pequena escola no sul de
Utah. Está no relatório policial. Ela aparentemente compartilhou alguns ecstasy
com suas companheiras de equipe e foi presa acusada de posse. A única razão
por não estar presa era porque ela era menor de idade e foi seu primeiro delito.
E estava compartilhando, não vendendo. Nós falamos o básico com as
autoridades locais de lá. Eles vão avisar a família.
7 de agosto de 1993
americano.
Capítulo Um
Atrevida
Setembro 2010
Eu joguei os meus cabelos pretos longos para trás quando entrei na sala.
Meus olhos estavam maquiados e meu jeans estava tão apertado que sentar era
altamente desconfortável, embora eu tivesse aperfeiçoado a arte de me abaixar
sem que me aperte... Demais. Estralei meus chicletes e levantei uma
sobrancelha com desdém quando procurei um lugar vazio. Todos os olhos se
viraram para mim enquanto eu passava pelo corredor central, e parei no banco
bem da frente, exatamente no centro. Droga. Atrasar tinha o seu lado negativo.
Levei meu tempo tirando minha jaqueta e largando minha bolsa no chão. Eu
não tinha sequer olhado na direção do novo professor, cuja voz se silenciou para
observar minha chegada. Algumas pessoas riram da minha exposição
indiferente, e eu atirei um sorriso venenoso na direção geral do riso. Ele parou.
Finalmente, deslizei para o meu lugar e levantei os olhos para a frente da sala de
aula, suspirando profundamente e alto.
— Você deve ser Blue Echohawk... — Sua voz sumiu um pouco e sua
expressão era de surpresa. O nome costumava confundir as pessoas. Meus
cabelos são escuros, e meus olhos muito azuis. Eu realmente não me parecia
uma índia.
O riso saiu. O Sr. Wilson sorriu. — Sou. Como eu estava dizendo a seus
colegas de classe, você pode me chamar de Wilson. Exceto quando está atrasada
ou é desrespeitosa, nesse caso eu apreciaria o senhor — Completou suavemente.
— Bem, nesse caso, acho que seria melhor ficar com o Sr. Wilson então.
Porque costumo me atrasar, e estou sempre desrespeitando — Sorri de volta
docemente.
Sr. Wilson deu de ombros. — Vamos ver — Ele olhou para mim por um
segundo. Seus olhos cinzentos o fizeram parecer um pouco triste, como um
daqueles cães com o olhar líquido e a expressão longa. Ele não me parecia um
barril de risadas. Suspirei de novo. Sabia que não queria estar nessa classe. A
história era o meu assunto menos favorito, História Europeia parecia quase tão
ruim quanto se poderia conseguir.
— Vocês todos têm uma história. Foi escrita até este ponto, neste exato
momento quero saber dessa história. Quero conhecer a história de VOCÊS.
Quero que vocês saibam disso. Para o resto do tempo da aula quero que vocês
me contem suas histórias, não se preocupem em ser perfeita, não me importo
com as palavras ou frases com erros ortográficos Esse não é o meu propósito. Só
quero um relato honesto - tudo que vocês estão dispostos a divulgar. Vou
recolher no final da aula.
Deveria ter sete ou oito anos na primeira vez que vi Jimmy muito
animado sobre um observar aves. Estávamos no sul de Utah, e me lembro de
onde estávamos, porque Jimmy comentou sobre isso.
— O que ele está fazendo por estas bandas? — Ele estava maravilhado,
com os olhos fixos em um pinheiro insignificante. Eu tinha seguido o seu olhar
para um pequeno pássaro preto empoleirado em um galho fino na metade da
parte de cima de uma árvore. Jimmy pegou seu binóculo e eu ainda fiquei vendo
o passarinho. Não via nada de especial nisso. Era apenas um pássaro. Suas
penas eram pretas sólidas sem flashes de cores para chamar a atenção ou
marcas brilhantes para admirar.
— Porque as fêmeas não têm as penas pretas brilhantes. Elas não são tão
bonitas.
— Suas asas eram tão negras quanto seu cabelo — Jimmy comentou se
virando da direção do pássaro que tinha animado a nossa manhã. — Talvez seja
isso que você é... Um pequeno melro longe de casa.
Olhei para nosso acampamento que estava nas árvores. — Nós não
estamos muito longe de casa, Jimmy — Eu disse confusa. A casa era onde
qualquer lugar que Jimmy estava.
— Primeiro você tem que realmente querer saber — Jimmy olhou para
mim. — Então você tem que observar. Você tem que ouvir. E depois de um
tempo, você vai conhecê-lo. Você vai começar a entendê-lo. E ele vai dizer-lhe a
sua história.
Peguei um lápis e girei em torno de meus dedos, escrevi: Era uma Vez
na parte superior da minha folha, apenas para dar uma de convencida. Sorri
para a linha. Como se a minha história fosse um conto de fadas. Meu sorriso
desapareceu.
A sala estava vazia em cerca de dez segundos. Sr. Wilson lutou para
alinhar a pilha de papéis que foi empurrada em suas mãos quando os estudantes
exuberantemente desocuparam sua sala de aula, ansiosos para outras coisas. O
primeiro dia de aula terminou oficialmente. Ele me observou ainda sentada e
limpou a garganta um pouco.
Assim foi com Manny e Graciela. Eles andavam sempre por perto até que
finalmente tive pena deles. Agora eles achavam que pertenciam a mim, e eu não
sabia como fazê-los ir embora. Manny tinha dezesseis anos e Graciela tinha
quatorze. Ambos eram magros e de traços finos, e eram incrivelmente doces e
irritantes como os gatos.
— Ei, Blue! Como foi seu primeiro dia? Grande ano, chica5! Aposto que
você vai ser a rainha do baile deste ano. A menina mais bonita da escola deve ser
a rainha do baile, e você é definitivamente a garota mais bonita! — Muito doce,
muito chato. Manny falava a mil por hora com um leve sotaque latino-
americano e apenas uma sugestão de uma língua presa, que poderia ter sido o
sotaque, mas era mais provável ser apenas Manny.
— Eu sei, eu sei. Disse para Glória que iria pegar o ônibus, e tenho certeza
que Graciela pegou... Mas queria ir para casa com você no primeiro dia. Você viu
— Eu amei seu sotaque. Eu quase não ouvi nada do que ele disse todo o
tempo! — Manny deslizou delicadamente no lado do passageiro, quando eu abri
a minha caminhonete. Eu me preocupava com o garoto. Ele era mais feminino
do que eu.
— O que ele está fazendo em Boulder? Ivy e Gabby tem certeza de que ele
é, tipo, o MI-6 6ou algo assim — Manny teve dezenas de namoradas. Na verdade,
todas as meninas o amavam porque ele era muito inofensivo e divertido, o que
me fez pensar novamente o por que dele não andar de ônibus. Não era como se
ele não tivesse amigos.
— Você não sabe o que é MI-6? Maldito James Bond? Chica, você precisa
sair mais!
— Sei lá, mas ele é britânico, é gostoso e é jovem — Manny pontuou com
seus dedos graciosos. — O que mais poderia ser?
6 O MI6 (oficialmente designado Secret Intelligence Service ou SIS) é o serviço britânico de informações
(ou de inteligência).
— Você realmente acha que ele é gostoso? — Questionei.
— Tudo bem, professor impertinente então. Ele tem olhos sexy e cachos
desleixados, e os antebraços são muito bem desenvolvidos. Ele é um gostoso
disfarçado. Totalmente MI-6. Você tem que trabalhar esta noite? — Manny
pulou para um novo assunto, tendo claramente comprovado que o novo Sr.
Wilson deveria ser um espião.
— Tudo bem, vou levar para você e Gracie algumas quesadillas. Mas esta
é a última vez Manny, descontam no meu salário — Repreendi. Manny sorriu
brilhantemente para mim e bateu palmas como Oprah faz quando está animada.
7 Quesadilla é uma comida típica mexicana feita com tortillas recheada de queijo e grelhadas para fundir o
queijo.
8 Ramen ou lamen é um macarrão instantâneo.
— Eu verei se o meu tio tem mais algaroba para você — Manny prometeu,
e eu balancei a cabeça e estendi a mão para um aperto de mãos.
— Fechado.
Sal, o tio de Manny trabalhava com uma equipe de serviço florestal. Eles
frequentemente roçavam e limpavam o matagal impedindo que a algaroba
invadissem as fazendas de propriedade do governo. A última vez que Sal veio, eu
tive madeira suficiente por dois meses. Eu babava com o pensamento.
— É claro que isso significa que você vai ficar me devendo, chica —
Manny sugeriu inocentemente. — Jantares por pelo menos um mês, as
segundas-feiras, ok?
Casca de ovo
Outubro 2010
Talvez tenham sido as histórias que me atraiu. Cada dia era uma nova
história. E, muitas vezes, as histórias eram sobre mulheres na história, ou
contada pelo ponto de vista delas. Talvez fosse apenas óbvio o amor que Sr.
Wilson tinha pelo assunto que ensinava. Talvez fosse simplesmente seu sotaque
legal e sua juventude. Todo o corpo estudantil tentava imitá-lo. Meninas se
aglomeraram ao redor dele, e os meninos o observavam fascinados, como se um
rockstar tivesse descido em nosso meio. Ele era o assunto da escola
instantaneamente amado, porque era uma novidade - e uma novidade muito
atraente, se você gostasse do cabelo um pouco indisciplinado, olhos cinzentos e
sotaque britânico, eu dizia a mim mesma que não gostava. Ele definitivamente
não era o meu tipo. Ainda assim, eu me vi olhando para a frente durante a
minha última aula do dia com impaciência, e era, provavelmente, mais
contraditório do que teria sido de outra forma, simplesmente porque eu estava
intrigada com o seu fascínio.
Todos olharam para ele. O que ele tinha dito era tão claro como lama. Ele
parecia tomar nota das nossas expressões. — Hein?
— Eu pensei que uma harpia era apenas uma palavra antiquada para
bruxa — Um garoto cheio de espinhas chamado Bart respondeu. Eu estava
pensando a mesma coisa, mas estava feliz por alguém ter decidido falar.
Sr. Wilson se virou e pegou uma pilha de papéis. Ele começou a passá-los
enquanto falava.
Sr. Wilson colocou uma folha amassada de papel na minha mesa e seguiu
em frente sem comentários, era minha história pessoal. A história que eu tinha
jogado em direção a lata de lixo no primeiro dia de aula. Havia sido pressionada
e alisada, mas continha os sinais de ter sido descartada, nunca mais seria a
mesma. Nenhuma quantidade de prensagem e alisamento iria disfarçar o fato
de que tinha sido resgatada do lixo.
do ninho. Indesejada.
Quando a aula acabou, amassei meu papel e joguei de volta no lixo, onde
pertencia. Sr. Wilson me viu fazer isso, mas não me importei. Tanto Manny e
Graciela estavam sentados atrás na parte de trás da minha caminhonete
conversando com grupo de amigas de Manny quando cheguei ao
estacionamento. Eu simplesmente suspirei. Primeiro Manny, agora Graciela.
Estava me tornando a motorista. Eles estavam todos rindo e conversando, e
9 Dealer – também são conhecidos como crupiês, são profissionais de cassinos ou salas de jogos que são
responsáveis pelo manejo da mesa do jogo, controle das apostas e também por manter a integridade da
disputa e fidelidade às regras. quem distribui as cartas nas mesas de jogos de baralhos.
minha cabeça imediatamente começou a doer. Uma das meninas chamou por
um punhado de rapazes que se reuniam em volta de um vintage Camaro
amarelo.
As meninas ao seu redor riram, e Brandon olhou para ver quem estava
propondo a ele. Brandon era o irmão mais novo de um cara que eu saia de vez
em quando. Mason era musculoso e moreno, Brandon era magro e loiro, mas
ambos eram muito bonitos. Mason tinha se formado três anos antes, e Brandon
estava no último ano, como eu. Eu era mais velha que todos os caras da minha
idade, embora pudesse reconhecer boa aparência, ficava entediada com eles
com muita facilidade e não fazia disso um segredo. Que era provavelmente por
isso que eu NÃO seria coroada Rainha do Baile, apesar de grandes esperanças
das maquinações de Manny.
— Uh, obrigado, cara — Brandon fez uma careta, e seus amigos desviaram
sem jeito. Estremeci por Brandon e Manny.
— Você quer dizer por que algumas pessoas podem ter dificuldade em
aceitar — Manny amuou, olhando para fora da janela.
Aluguei uma sala de depósito atrás do complexo por 50 dólares por mês.
Tinha energia e luminosidade, e era a minha pequena oficina. Tinha duas mesas
de trabalho, formado a partir de cavaletes e longas folhas de madeira
compensada. Eu tinha um grande dremel10, vários tamanhos de martelos e
talhadeiras, limas e amoladores, e um ventilador oscilante que movia o ar
quente e a serragem em círculos preguiçosos. Projetos em vários estágios
estavam em uma pilha de descarte para peças concluídas sinuosas, arte
reluzente decorada dentro do espaço. Eu tinha encontrado um galho grosso,
retorcido de Mesquite11 em minhas viagens no dia anterior, e estava ansiosa
para ver como era sob as camadas da casca espinhosa que eu ainda tinha que
retirar. A maioria das pessoas que trabalhavam com madeira gostava de usar
madeiras macias, porque elas eram fáceis de esculpir e talhar, fáceis de moldar
em sua própria criação. Ninguém esculpia com mesquite, algaroba ou zimbro12.
A madeira era muito dura. Os fazendeiros no oeste consideravam mesquite uma
erva daninha. Você não poderia usar uma faca afiada para moldá-la, isso era
certo. Eu tive que usar um grande cinzel e um martelo para retirar a casca.
Quando a madeira era desnudada, eu costumava passar uma grande parte do
tempo apenas olhando para ela antes de fazer alguma coisa. Tinha aprendido
isso com Jimmy.
altura.
13 PBS - Public Broadcasting Service é uma rede de televisão estadunidense de caráter educativo-cultural,
em contraponto às grandes redes comerciais que operam no país. Possui em sua programação
documentários, telejornais e programas educativos.
nada da minha mãe, somente de cabelos escuros e um cobertor azul. Jimmy era
um índio Pawnee e tinha muito pouco que pudesse chamar de seu. Ele tinha
uma velha caminhonete e um trailer de acampamento que puxava atrás dele e
era onde vivíamos. Nunca ficávamos em um lugar por muito tempo, e nunca
tínhamos companhia, exceto um ao outro. Ele dizia que tinha família em uma
reserva em Oklahoma, mas nunca conheci nenhum deles. Ele me ensinou a
esculpir, e sua habilidade me salvou, tanto financeira quanto emocionalmente.
Perdia-me nisso agora, trabalhando até as primeiras horas da manhã, quando
eu sabia que Cheryl teria ido para o trabalho, juntamente com o seu homem
misterioso e o apartamento estaria vazio.
Capítulo Três
Azul Celeste
— Quando Júlio César atravessou o Rubicão, ele sabia o que significava —
Sr. Wilson estava olhando para todos nós melancolicamente, como se Júlio
César fosse seu caseiro e ele tivesse acabado de cruzar o cubo mágico ontem. Eu
suspirei e joguei meu cabelo para trás, curvando ainda mais no meu lugar.
Sr. Wilson andou pelo corredor, e eu notei com surpresa que ele parecia
ter a atenção dos meus colegas. Eles estavam observando atentamente,
esperando o que ele iria dizer em seguida. Ele não usou notas, leu um livro ou
manual. Ele só falou como se estivesse relatando os destaques de um filme
ótimo.
— Além disso, você pode imaginar o que esse rótulo faria para alguém?
Alguns argumentam que tal rótulo é usado como uma ferramenta política - uma
ferramenta para reprimir ou intimidar. Você acusa alguém de ser um traidor de
seu país, um “inimigo do Estado” e a vida dela acaba. É como acusar alguém de
ser um molestador de crianças. Não foi diferente na Roma Antiga. Portanto,
temos Júlio César, ambicioso, irritado que está sendo dito para ele que não pode
liderar mais o seu exército, e basicamente, ser ameaçado com rótulos feios e
traição.
— Você disse que ele era rico, certo? Por que ele não pegou o dinheiro e
foi embora, para o inferno com o Senado, fugiu com o exército, conquistou as
pessoas, qualquer coisa. Eles não gostavam dele, tudo bem. Qual foi o ponto? O
que ele tinha que provar? — Me encontrei fazendo a pergunta antes mesmo que
percebesse que estava dizendo as palavras em voz alta. Senti o calor do
constrangimento viajando até minhas bochechas. Eu nunca perguntava em sala
de aula.
— Por que você acha que ele levou seu exército para Roma, Blue?
A sala de aula ficou em silêncio. É claro que havia alunos que sabiam a
resposta, mas, por costume, ninguém levantou a mão.
— A ação está feita, o ganso está cozido, o leite está derramado, sua cama
está feita — Eu zumbia com uma voz muito entediada.
— Sim — Wilson ignorou o meu tom. — Está nas mãos do destino. Ele
atravessou o Rubicão e não havia como voltar atrás. Nós todos sabemos o que
eventualmente aconteceu com Júlio César, certo? — Não, nós não sabemos. Eu
sim, mas estava cansada de ser uma aluna estrela.
— Então, isso nos leva a rodada três, as pessoas. Sintam-se livres para
adicionar as páginas que precisarem. Esta é a atribuição que começou no
primeiro dia de aula. E isso só vai continuar crescendo. Vocês escreveram
algumas de suas histórias, pelo menos em termos gerais. Agora quero que vocês
escrevam sobre um momento de suas vidas. Um momento em que a sorte foi
lançada, onde cruzaram o Rubicão metafórico e vocês não poderiam voltar. Eu
quero que vocês me digam sobre suas formações ou o que transformaram vocês.
Talvez tenha sido algo que estava além do seu controle, algo que aconteceu com
você, ou talvez fosse uma decisão que você tomou. Para melhor ou pior, como
isso afetou o rumo da sua história?
Ele colocou uma folha de papel na minha mesa. Olhei para ele, surpresa.
Meus olhos subiram para os dele e, então voltei para o meu papel. Era o papel
que eu tinha jogado fora. Duas vezes. Ele deve tê-lo recuperado depois que eu
saí da sala naquele dia. Ele estava alisado e pressionado de novo, como se ele
tivesse colocado no meio de um livro pesado. Minhas palavras olharam para
mim, quase zombando.
— Vou lhes dizer uma coisa. Darei a vocês uma breve linha do tempo,
assim como vocês têm feito para mim, e então vou contar o meu momento de
virada. De acordo? Dessa forma, a senhorita Echohawk pode ter certeza de que
tudo é justo — Ele piscou para mim, e eu resisti à vontade de enfiar a língua
para fora. Os professores não deveriam ser jovens e bonitos. De alguma forma,
isso realmente me irritava. Eu apenas levantei uma sobrancelha com desdém e
olhei para longe.
— Este é o primeiro ano que ensino aqui nos Estados Unidos. Simples
assim — Wilson olhou para o relógio. — Minha vida em dois minutos. Agora é
vez de vocês. Vocês têm o resto da aula.
Olhei para o meu papel. A vida de Wilson era uma linha pura de eventos e
realizações. Então, ele era inteligente. Isso era bastante óbvio. E era legal. E era
bonito. Veio de uma boa família. Tudo isso... Agradável. Tão diferente da minha
própria história. Eu tive um momento decisivo? Um momento em que tudo
mudou? Eu tive realmente alguns. Mas houve um momento em que o mundo
girou, e quando se fixou, era uma garota diferente.
Eu estava morando com Cheryl por cerca de três anos, e nesse tempo não
houve nenhuma notícia de Jimmy. A equipe de busca e salvamento de Nevada
tinha eventualmente suspendido o esforço de busca, depois de serem incapazes
de encontrar qualquer vestígio dele. Não houve protestos, nem conhecimento do
público para o seu desaparecimento, sem exigências que a busca continuasse.
Ele era um desconhecido. Apenas um homem que significava o mundo para
uma menina.
Durante esses três anos, tentei meu melhor para não desistir dele. Não
nas primeiras semanas, quando minha assistente social me disse que eles
tinham que levar o meu cachorro, Icas. Não quando, semana após semana, não
havia nenhum sinal de Jimmy. Não quando Cheryl fumava sem parar no
apartamento, e eu tive que ir para a escola cheiro ruim, meu cabelo e roupas
fedendo a cigarro, sem amigos e desnorteada, e estranha aos meus próprios
olhos e aos olhos dos meus colegas. Eu não estava disposta a admitir que Jimmy
sumiu por pura vontade, e teimosamente mantive meus olhos em frente e me fiz
forte.
Depois que a assistente social se foi, fui para o meu quarto e deitei na
minha cama. Olhei ao redor, eu sempre o mantive arrumado e impessoal. Eu
nunca o tinha considerado o meu quarto. Era a casa de Cheryl, e eu estava
ficando com Cheryl. Ainda tinha a serpente que eu estava trabalhando no dia
que Jimmy desapareceu. Eu tinha guardado as peças que ainda não tinha
vendido ou concluído e foram empurradas no canto, juntando poeira. As
ferramentas foram empurradas debaixo da minha cama. E isso foi tudo o que
restou da vida de Jimmy Echohawk, e tudo o que restava da minha vida... Antes.
Escuridão desceu sobre o apartamento e eu ainda estava deitada, olhando para o
teto e a marca de infiltração marrom que vagamente se assemelhava a um
elefante pesado. Eu tinha chamado a marca de Dolores e até falava com ela
periodicamente. Enquanto eu olhava, Dolores começou a diluir-se e crescer,
como uma daquelas coisas esponjosas que se expandem quando você coloca na
água. Levei um momento para perceber que estava chorando, que não era
Dolores que estava flutuando para longe, era eu. Flutuando, flutuando, longe.
— Que diabos, garota? Você quase me matou de susto! O que você está
tentando fazer? Você adormeceu ai dentro? Santo inferno! Pensei que estivesse
morta! — O namorado de Cheryl, Donnie estava agachado ao meu lado. De
repente, seus olhos estavam em todos os lugares e ele parou de falar. Eu puxei
as pernas para cima me cobrindo quando deslizei entre o vaso sanitário e a pia
barata. Ele me observou ir.
— Vamos lá, menina — Donnie disse. — Você acha que estou interessado
em suas pernas magras? Idiota! Você parece com um pequeno pássaro afogado
— Ele se levantou pegou uma toalha e entregou para mim, saindo do banheiro
com um profundo suspiro, uma indicação de quão ridícula ele pensou que eu
era. Eu me enrolei na toalha, mas fiquei pressionada no canto. De repente
estava cansada demais para me mover. Estava cansada demais para ainda ter
medo de Donnie.
Eu o ouvi falando com alguém. Talvez ele tivesse chamado Cheryl. Ela
não ficaria satisfeita. Eles teriam de chamá-la para fora do cassino. Eu estava
proibida de ligar para ela no trabalho. Inclinei minha cabeça contra o armário e
fechei os olhos. Gostaria de dormir aqui. Esperaria Donnie sair, e então eu iria
voltar na banheira onde estava quente e eu poderia flutuar mais uma vez.
O sinal tocou. Joguei meu lápis para baixo com gratidão e peguei minha
bolsa, abandonando a atribuição como se estivesse me queimando.
Ele pegou os papéis restantes em silêncio e parou quando veio até a mesa
onde eu estava sentada. Eu o observei ler a linha que eu havia escrito. Ele olhou
para mim, com uma pergunta em seu rosto.
— Ugh! Pare com isso! — Eu gemi. — Meu nome é Blue. Você parece
como um velho com uma pequena gravata, quando fala assim! Tenho dezenove
anos, talvez vinte. Você não é muito mais velho do que eu então... Apenas...
Pare!
— Bem... Não sei exatamente quando nasci - então acho que eu já poderia
ter vinte — Jimmy e eu tínhamos comemorado meu aniversário todos os anos
no dia em que minha mãe me abandonou. Ele estava certo de que eu tinha cerca
de dois anos de idade na época. Mas não tinha nenhuma maneira de saber
quantos anos eu realmente tinha. Quando eu finalmente fui matriculada na
escola, eles tinham me colocado no grau abaixo da minha idade estimada
porque eu tinha muito que recuperar.
— Você... Não sabe o seu nome... E não sabe quando nasceu? — Os olhos
de Wilson estavam arregalados, quase incrédulos.
Pedra
Não fui à escola até aproximadamente dez anos de idade. Jimmy
Echohawk não ficava em um lugar por tempo suficiente para a escola ser uma
opção. Eu não tinha certidão de nascimento, não tinha registro de imunização,
nem endereço permanente. E ele estava com medo, embora eu não tivesse
conhecimento disso na época.
Ele tinha feito seu melhor para mim, da única maneira que conhecia.
Quando eu ainda era pequena, ele fez vários brinquedos de restos de madeira
que ele tinha que sobraram de seus projetos. Algumas das minhas lembranças
mais antigas eram vê-lo trabalhar muito. Isso me fascinava, a forma como a
madeira se enrugava e enrolava quando ele a transformava. Ele sempre parecia
saber como o resultado final seria, como se ele pudesse ver o que havia por
baixo das camadas da casca, como se a madeira estivesse guiando-o,
direcionando suas mãos em movimentos suaves. E então ele parava e se sentava
ao meu lado, olhando para a escultura inacabada, olhando por muito tempo,
como se o trabalho continuasse em sua cabeça, em um lugar que eu já não era
capaz de observar. Ele ganhava a vida vendendo suas artes e esculturas em lojas
turísticas e até mesmo algumas galerias de classe alta com peças de artistas
locais e artes do sudoeste. Ele tinha cultivado uma relação com vários
proprietários de lojas em todo o Ocidente, e gostávamos de viajar entre lojas,
levando uma vida difícil com o dinheiro que ele fazia. Não era muito. Mas eu
nunca estava com fome, nunca estava com frio, e não me lembro de alguma vez
ser realmente infeliz.
14Pawnee também conhecidos como Paneassa, Pari ou Pariki, é uma tribo nativa norte-americana, que
atualmente vive no estado de Nebraska e no norte do estado de Kansas.
para fazer, mas eu me encontrei chorando e engolindo minha comida em grande
quantidade, porque o meu nariz estava entupido e eu não conseguia respirar e
mastigar ao mesmo tempo.
Houve outro momento em que Jimmy ficou fora a noite toda. Ele tinha
voltado para casa agindo de forma estranha e tropeçando. Ele tinha caído em
sua cama e dormido o dia inteiro. Tinha pensado que ele estava doente e tinha
colocado um pano frio na sua cabeça, só que ele me empurrou, me dizendo que
estava bem, apenas bêbado. Eu não sabia o que significava bêbado. Perguntei
quando ele finalmente acordou. Ele estava envergonhado e pediu desculpas,
dizendo-me que álcool fazia os homens maus e mulheres baratas.
— Jimmy! — Gritei. — Jimmy! — Eu sabia que ele não tinha voltado, mas
me consolei chamando por ele e olhando em lugares ultrajantes onde ele não
poderia possivelmente estar. Um gemido abafado me fez correr ao redor do
trailer em júbilo, esperando ver Jimmy e Icas se aproximando da direção que
eles tinham saído no dia anterior. Em vez disso, eu vi Icas, há vários metros de
distância, mancando com sua cabeça baixa e sua língua praticamente se
arrastando no chão. Não havia nenhum sinal de Jimmy. Corri até ele e peguei
em meus braços, chorando e agradecendo que ele estava aqui. Eu não era uma
menina grande, e cambaleei um pouco sob o seu peso, mas não estava disposta a
deixá-lo ir. Deitei desajeitadamente na sombra da cobertura e corri para a tigela,
colocando água morna em seu prato e instando-o a beber. Ele levantou a cabeça
e tentou beber de uma posição de bruços. Ele conseguiu espirrar um pouco de
água na boca, mas não bebeu com o entusiasmo que se esperaria de um cão tão
claramente com a necessidade de água. Ele tentou se levantar, mas agora que
estava para baixo, não conseguia encontrar forças para se levantar a seus pés.
Eu tentei apoiá-lo enquanto ele tentava beber novamente.
Esperei por mais dois dias. A água do tanque do trailer estava quase no
fim. Eu ainda tinha comida. Jimmy e eu éramos econômicos, e havia se passado
poucas semanas da viagem para a loja. Mas estávamos frequentemente em
movimento, e estávamos aqui neste local por uma semana antes de Jimmy
desaparecer. O que finalmente me forçou a buscar ajuda foi Icas. Ele comeu um
pouco e bebeu um pouco mais, mas ele estava apático e gemia baixinho, quando
estava consciente, como se soubesse algo que ele não era capaz de comunicar.
Na manhã do terceiro dia, eu peguei o cachorro e coloquei na caminhonete.
Então subi atrás do volante, realizando manobras no assento, colocando-o para
frente quanto poderia. Deixei para Jimmy um bilhete sobre a pequena mesa da
cozinha. Se ele voltasse, eu não queria que ele pensasse que eu tinha fugido e
levado todas as suas ferramentas. No ousaria deixá-los para trás. Se alguma
coisa acontecesse ao longo de nosso acampamento, eu sabia que a fechadura da
porta não manteria ninguém de fora, se as ferramentas fossem tiradas, não
haveria mais escultura. Sem esculturas, significava sem comida.
Consegui manter a caminhonete indo a uma linha reta, mas não demorou
muito até eu começar a ver as casas surgirem em manchas cada vez maiores e
luzes azuis e vermelhas piscando estavam atrás de mim. Eu não sabia o que
fazer. Então continuei dirigindo. Tentei empurrar o pedal do acelerador com
mais força, pensando que talvez eu pudesse acelerar e fugir. Isso não funcionou
muito bem. Além disso, a caminhonete começou a sacudir da mesma forma
como sempre fazia quando Jimmy tentava empurrá-la para ir mais rápida. Eu
desacelerei e pensei que talvez se eu fosse realmente devagar o carro da polícia
fosse apenas passar por mim. Diminuí a velocidade e o carro da polícia veio ao
meu lado. O homem atrás do volante olhou irritado e acenou para mim com o
seu braço, como se estivesse me dizendo para correr mais. Eu fugi e ele veio
para uma parada roncando. Outro carro com luzes piscando veio acelerando em
minha direção.
Gritei, agora convencida de que eu tinha cometido um erro terrível. Icas
nem sequer se mexeu. Eu o confortei de qualquer forma. — Está tudo bem,
rapaz, está tudo bem. Sou apenas uma criança. Eu acho que não vou para a
prisão — Não tinha certeza disso, mas disse assim mesmo. Não havia razão para
deixar Icas preocupado.
O policial olhou para Icas e depois de volta para mim. — Eu acho que vou
ficar bem. Por favor, saia da caminhonete, senhorita.
— O que vai fazer comigo? — Perguntei, olhando para baixo. — Você nem
sequer pediu minha carteira de motorista — Sabia que isso era o que os policiais
deveriam fazer. Jimmy foi multado cerca de um ano atrás, porque a
caminhonete tinha um farol quebrado, e a primeira coisa que o policial pediu foi
sua carteira de motorista.
— Droga! Com certeza é um dia quente! Olhe para mim, suando por todo
o lugar.
— Qual é seu nome, garota? — O policial magro tinha uma voz profunda
totalmente em desacordo com a sua aparência. Ele quase parecia um sapo.
— Blue?
— Tudo bem, uh, Blue. Seu pai sabe que você está com a sua
caminhonete?
Eles fizeram uma varredura. Eles procuraram por cerca de uma semana.
Eu fiquei em uma casa onde havia outras seis crianças. Os pais eram bons, e eu
comi pizza pela primeira vez. Fui à igreja três domingos consecutivos e cantava
canções sobre um cara chamado Jesus, que eu apreciei. Eu perguntei à senhora
que nos levou para cantar se ela conhecia as músicas de Willie Nelson. Ela não
conhecia. Provavelmente foi bom que ela não conhecia. Cantando canções de
Willie poderia me fazer sentir a falta de Jimmy. A casa onde eu fiquei era um
orfanato, uma casa para as crianças que não têm outro lugar para ir. E essa era
eu. Eu não tinha outro lugar para ir. Eu fui interrogada por uma assistente
social, tentando descobrir quem eu era. Eu não sabia que Jimmy não era meu
pai naquele momento. Ele nunca me explicou isso. Aparentemente, a minha
identidade era um mistério.
— Você pode me dizer alguma coisa sobre a sua mãe? — A assistente
social me perguntou. A pergunta era gentil, mas eu não estava enganada em
pensar que não tinha que responder isso.
Eu tinha perguntado uma vez a Jimmy o nome da minha mãe. Ele disse
que não sabia. Ele disse que eu a tinha chamado de Mama, como a maioria das
crianças de dois anos faz. Parecia inacreditável. Mas eu era apenas uma criança
acolhida e sem levantas suspeitas. Jimmy tinha uma pequena TV preto e branco
com duas antenas que eu assistia no trailer. Ela pegava a estação PBS local. Essa
era a minha exposição ao mundo exterior. Vila Sésamo, Arthur15, e o Antiques
Roadshow16. Eu não entendia a natureza das relações entre homens e mulheres.
Eu não sabia nada sobre bebês. Os bebês nasciam entregues por cegonhas, e
compradas nos hospitais. Eu não tinha noção de que meu pai não sabia o nome
da minha mãe, era muito estranho.
— Você sabe que não foi isso que eu quis dizer. Certamente seu pai sabia
o nome dela e teria dito.
— Não. Ele não falou. Ele não a conhecia muito bem. Ela só me deixou
com ele um dia e partiu. Então ela morreu.
— Não.
15 Arthur é uma série para televisão feita especialmente para as crianças. É uma produção canadense e
norte-americana, sucesso no mundo inteiro, produzida desde 1996.
16 Antiques Roadshow é um programa de televisão britânico no qual avaliadores de antiguidades viajam
para várias regiões do Reino Unido (e, ocasionalmente, em outros países) para avaliar antiguidades
trazidas pela população local. Ele está em funcionamento desde 1979. Há também versões internacionais
do programa.
— Por que você o chama de Jimmy e não de pai?
— Eu não sei. Acho que ele não era o tipo de pai. Às vezes eu o chamava
de pai. Mas, na maioria das vezes era apenas Jimmy.
Eu disse a assistente social que Jimmy tinha uma família em uma reserva
em Oklahoma, mas que eles não me conheciam. Acontece que eu estava certa.
Os serviços sociais os encontraram. Eles não sabiam nada sobre mim e não
queriam nada comigo. Isso foi bom para mim. Oklahoma era muito longe, e eu
precisava estar por perto quando encontrassem Jimmy. Os policiais
entrevistaram Cheryl. Ela me disse mais tarde que “a pressionaram”. Cheryl
17 Moises – Referência a Moises (bíblia) que foi abandonado no rio Nilo.
vivia na cidade de Boulder, não muito longe de onde eu estava hospedada no lar
de adoção. E por incrível que pareça, Cheryl disse que iria me levar.
O nome dela não era Echohawk, era Sheevers, mas acho que isso não
importava. Ela realmente não parecia com Jimmy, também. Sua pele não era
tão morena e tinha o cabelo tingido em vários tons de loiro. Usava tanta
maquiagem que era difícil dizer como ela realmente era sob as camadas. A
primeira vez que a encontrei, eu olhava para ela, tentando ver o “verdadeiro”
rosto dela. Assim como Jimmy tinha me ensinado a ver a madeira, imaginando
algo bonito sob o exterior duro. Era mais fácil fazer com a madeira, lamento
dizer. Os policiais me deixaram ficar com as ferramentas de Jimmy, mas eles
levaram Icas para um abrigo de animais. Eles disseram que ele seria atendido
por um veterinário, mas eu estava com muito medo que Icas não poderia ser
curado. Ele estava quebrado para sempre. Senti-me quebrada também, mas
ninguém poderia dizer.
Capítulo Cinco
Internacional
— Quando os antigos romanos conquistariam um lugar novo ou um novo
povo, eles iriam deixar a língua e os costumes intactos - até mesmo deixariam as
pessoas conquistadas decidirem por si mesmos, na maioria dos casos, quem
nomeariam como governador para manter um ponto de apoio na região —
Wilson encostou-se ao quadro branco enquanto falava, sua postura relaxada,
com as mãos entrelaçadas vagamente.
— Isto foi parte do que fez Roma tão bem sucedida. Eles não tentaram
obrigar todos romanos quando já estavam conquistando-os. Quando fui para a
África com o Peace Corp, uma mulher que trabalhou com o Corp disse algo para
mim que muitas vezes tenho pensado desde então. Ela me disse que “A África
não vai se adaptar a você. Você vai ter de se adaptar a África”. Isso é verdade
para onde quer que vá, seja escola, ou seja, no mundo mais amplo.
18 Bloody – no inglês americano seria sangrento, na no britânico seria um advérbio usado para dar ênfase
a alguma coisa.
19 Bugger – no inglês americano seria sodomita, e no britânico indesejado
20 Blast - no inglês americano também pode significar um barato, o máximo, e no britânico explosão,
explosivo.
carros, temos gorros e mala de carro. Não temos bares, temos pubs. Não temos
vácuos, temos aspiradores, e uma sombrinha é um guarda-chuva. Que, por
sinal, você deve ter na Inglaterra. É fria e molhada. Depois de passar dois anos
na África, o pensamento de voltar para Manchester não era atraente. Eu
descobri que amava o sol em grandes doses. Então, embora eu sempre me
considere inglês, acho que nunca mais vou morar na Inglaterra.
— Se algo é esquisito ou instável, isso significa que ele não está certo, ou
parece duvidoso. Sua pontuação mais recente no seu teste pode me parecer um
pouco instável se todos os seus exames anteriores falharam.
— Em Yorkshire, se alguém diz que você não ganha nada por nada, eles
iriam dizer, você não entende coisa nenhuma... Ou você recebe o que você paga.
Se eu disser para você chivvy isso significa que eu quero que você se apresse, e
se eu disser para você se livrar, isso significa que eu quero que você se perca. Se
alguém é fraco eles são estúpidos, se algo é embotado é chato. Uma facada não é
embotada, sua mente é. É sem corte, para consegui-lo certo — Wilson sorriu
para os rostos extasiados de trinta alunos, rapidamente tomando notas de gírias
britânicas. Era como se os Beatles tivessem invadido os Estados Unidos mais
uma vez. Eu sabia que iria ouvir “chivvy” e “ela é um pássaro bonito” nos
corredores pelo resto do ano.
A classe estava histérica agora, e isso era tudo que eu podia fazer para
não rir com eles. Era como um idioma diferente. Wilson era muito diferente de
todos os garotos que eu já tinha conhecido. E não era só o jeito que ele falava.
Era ele. Sua luz e sua intensidade. E eu o odiava por isso. Revirei os olhos, gemi
e rosnei quando ele me pediu para participar. Ele manteve a calma, o que me
deixou ainda mais “descontente”.
— Eu perdi alguma coisa? — Sua voz era suave, e quando ele finalmente
olhou para mim seus olhos estavam preocupados.
Joguei meu cabelo e mudei o meu peso, estalando o quadril do jeito que
as garotas fazem quando somos repreendidas. — O que você quer dizer?
Ele me ignorou. — Você não gosta de mim. E está tudo bem. Eu tive
professores que eu não me conectava muito na escola. Mas você está
constantemente à procura de uma discussão... E eu não tenho certeza se
entendo o porquê. Você foi rude com a senhorita Sheffield hoje, e fiquei
constrangido por você e por ela.
Wilson ficou muito quieto, seus olhos cinzentos focados no meu rosto, e
eu percebi que tinha sua atenção agora, querendo ou não.
— Isso explica porque as pessoas lutam, disse Jimmy. Eles não têm
espaço suficiente, ou talvez alguém tenha caído em um pedaço de terra melhor,
e todos nós queremos a terra ou bens que outra pessoa tem - simplesmente por
questão de sorte. Então, nós lutamos. Você e Pamela são o mesmo tipo de
pessoas. Você é do mesmo grupo — Terminei, desafiando.
— O que é que isso quer dizer, Blue? — Wilson não era desafiador. Ele
parecia chateado, magoado mesmo.
— Nenhum de nós pode evitar o lugar onde fomos espalhados, Blue. Mas
nenhum de nós tem que permanecer onde fomos espalhados. Por que você não
se concentra mais para onde está indo e menos de onde veio? Por que você não
se concentra mais no que a faz brilhante e menos no que a deixa com raiva? Está
faltando um elemento chave para a história. Talvez a moral da lenda seja que
somos todos esculpidos, criados e formados por uma mão de mestre. Talvez
todos nós fôssemos obras de arte.
Eu gemi. — Em seguida, você vai me dizer para ser eu mesma e todos vão
me amar, certo?
— Lixo?
— Sim. Ser você mesmo só funciona se você não for ruim. Se você for
ruim, definitivamente não seja você mesmo.
Foi à vez de Wilson suspirar, mas eu poderia dizer que ele tinha me
perdoado e meu coração amoleceu um pouco.
— E aquele poema “Não Sou Ninguém” que você citou outro dia? Eu acho
que provavelmente é mais preciso.
— O poema de Dickinson? — Wilson parecia absolutamente radiante que
eu me lembrava. E então ele recitou, as sobrancelhas levantadas como se tivesse
certeza que eu não poderia estar me referindo a Dickinson.
Ninguém — Também?
Pavão
Novembro chegou inesperadamente, e a luz do sol mudou e suavizou. O
calor do deserto tornou-se silencioso e suave, embora Vegas e Boulder City
tivesse mais palmeiras do que folhas se transformando, o outono era um belo
descanso. Mason começou a vir com mais frequência, enquanto eu estava na
parte de trás da sua bicicleta atravessando o deserto, estar com ele era algo que
eu gostava. Quando o passeio terminava, quando a nossa paixão tinha
consumido, quando estávamos respirando com dificuldade, desejo saciado, não
tínhamos nada a dizer. Eu estava sempre ansiosa para ir embora ou para ele ir.
Eu nunca fingi amá-lo ou querer alguma coisa dele, e ele parecia satisfeito com o
que eu estava disposta a lhe dar.
Eu acho que era por isso que me surpreendeu quando seu irmão Brandon
apareceu do nada em uma noite de quinta-feira. Manny e Graciela estavam no
meu apartamento assistindo American Idol, o programa favorito de Manny.
Manny estava convencido de que ele era um cantor melhor do que quase todos
os concorrentes, e demonstrava sua habilidade em intervalos comerciais, de pé
no sofá com sua mão fechada ao redor de um microfone invisível. Ele não era
ruim, e o que lhe faltava em talento, ele compensava com personalidade.
Normalmente Graciela era sua maior fã, mas ela estava nervosa e ficava olhando
para o telefone dela e andando para lá e para cá.
— Ah, sim? É por isso que ela se tornou uma miniatura minha?
Hormônios? — Andei até a porta e a abri, pensando que os vizinhos tinham
cansado de ouvir Manny cantar a plenos pulmões e estavam vindos para
reclamar.
— Ei, Blue — Brandon sorriu com seus olhos em meu top e o short de
algodão que eu tinha trocado depois do trabalho. Seus amigos pareciam
igualmente interessados na minha roupa.
— Uh, oi, Brandon. O que vocês estão fazendo aqui? — A minha saudação
não era exatamente acolhedora, mas Brandon passou pela pequena abertura
como se eu tivesse acabado de lhe convidar para entrar. Eu me rendi com a
surpresa quando ele entrou no apartamento como se fosse dono do lugar, Cory e
Matt em seus calcanhares. Todos eles sentaram confortáveis no sofá, os olhos na
TV, como se fossem ficar por algum tempo. Manny era todo sorrisos e felizes
comprimentos, contente que Brandon Bates estava aqui para assistir o seu
programa favorito com ele. Graciela escapuliu para fora do banheiro, abraçando
as paredes como um filhote de cachorro tímido e sentou no braço do sofá mais
próximo a Brandon.
— Será que Mason sabe que você está aqui, Brandon? — Eu disse sem
rodeios.
— Garotos, é melhor que saiam — Eu abri a porta e olhei para eles com
uma sobrancelha levantada em expectativa. Matt e Cory foram obedientes, mas
Brandon parecia um pouco irritado. Ele foi mais lento para sair e eu pensei por
um minuto que eu poderia ter problema em mãos.
— Eu vou lhe enviar mensagem, ok, Brandon? — Gracie falou por cima do
ombro, e os amigos de Brandon riram quando Manny lançou outro discurso
enquanto os barulhos dos seus passos desapareciam. Brandon e seus amigos os
seguiram e eu soltei um pequeno suspiro de alívio.
— Ei, Brandon — Eu falei atrás deles. — Fique longe de Gracie, por favor.
— Ela enviou uma carta para os ingleses, dizendo-lhes que o Rei do Céu e
filho de Maria, Jesus Cristo, apoiou a reivindicação de Charles ao trono francês
e que eles deveriam voltar para a Inglaterra. Foi dado a ela também, o controle
sobre um exército e permissão para levá-los para a batalha. Uma camponesa de
dezessete anos de idade! — Wilson olhou ao redor da sala para a sua plateia,
muitos dos quais tinham dezessete anos de idade.
— Joana tornou-se uma líder quase mítica entre aqueles que lutaram
contra o governo inglês. As pessoas estavam maravilhados com a sua sabedoria,
conhecimento e maturidade espiritual. Ela deu-lhes algo em que acreditar e algo
para lutar. Dentro de um ano, Joana d'Arc havia liderado o exército francês as
vitórias em Orleans, Patay e Troyes. Muitas outras cidades também foram
liberadas do controle inglês, possibilitando a coroação do rei Charles VII, em
julho de 1429. No entanto, um ano depois, Joana foi capturada e vendida para
os Ingleses.
asas eram. O céu era tão grande. E qualquer outro lugar era
Eu tinha parado de tentar jogar fora o meu papel. Mas eu o odiava mais a
cada vez que eu o via. Eu não sou ninguém! Quem é você? E minha mente
viajou de volta para aquele terrível dia. O dia em que eu tinha me tornado,
ninguém.
— Conversei com Cheryl. Ela disse que você recebeu uma notícia ruim
hoje. Você tem que ser forte, garota. Vou ficar com você até ela chegar em casa,
certo? Apenas vá em frente e suba na cama. Seus lábios estão azuis.
Virei-me e corri para minha cama, mergulhei e puxei o cobertor até meu
queixo. Agarrei a cobra debaixo das cobertas. Eu vi a aproximação de Donnie.
Ele relaxou se sentando na beirada da cama, se inclinou em direção a minha
mesa de cabeceira e apagou o abajur. Eu gritei. A luz imediatamente voltou.
— Donnie me disse que acha que você tentou se matar hoje à noite. Por
que você faria uma coisa dessas?
Cheryl me olhou com a boca franzida ao redor do seu cigarro. Ela parecia
estar pensando no que eu tinha dito, pesando isso em sua mente. Ela finalmente
suspirou e apagou o cigarro na base do abajur, espalhando cinzas sobre minha
mesa de cabeceira.
— Você sabe que ele não é seu pai, certo? Quero dizer. Ele era como um
pai. Mas ele não era o seu pai.
Sentei na minha cama e olhei para ela, odiando, perguntando por que ela
estaria dizendo essas coisas horríveis para mim, especialmente hoje, de todos os
dias.
— Não me olhe assim. Não estou tentando machuca-la. Você só tem que
saber o que está acontecendo. Jimmy me disse que estava comendo em uma
parada de caminhões em Reno, um lugar onde ele vendia algumas de suas
esculturas. Ele disse que você estava dormindo, simplesmente uma coisa
pequenina, pouco mais que um bebê, toda amontoada em uma mesa de canto, à
espera de sua mãe, que estava jogando caça-níqueis. Ele disse que não conhecia
a quem você pertencia. Você se lembra de Jimmy. Não gritaria por ajuda mesmo
se suas roupas estivessem em chamas. Ele sentou-se ali com você, lhe deu um
pouco do seu jantar. Ele disse que você não chorou e não parecia com medo
dele. Ficou com você por um bom tempo, até mesmo talhou uma boneca para
você — Cheryl acendeu outro cigarro e inalou profundamente. Ela assentiu com
a cabeça em direção a minha cômoda. — É aquela. A que você tem aí.
— Ele disse que apenas a observava e você engoliu as batatas fritas que
ele ofereceu. Sua mãe finalmente voltou. Jimmy disse que tinha certeza de que
ela estaria com raiva que ele estava sentado lá com você. Mas ele disse que ela
parecia nervosa, aquele nervosismo o surpreendeu mais do que qualquer coisa.
— Assim, o idiota a manteve. Ele primeira coisa que ele deveria ter feito,
seria ir para a polícia. Depois de alguns dias, a polícia apareceu e fez algumas
perguntas ao gerente de parada de caminhões. O gerente era amigo de Jimmy,
então ele perguntou do que se tratava. Aparentemente, o corpo de uma mulher
havia sido encontrado em um hotel local. Eles imprimiram algumas fotos da sua
carteira de motorista e tinha deixado uma lá com o gerente para colocar na
parada de caminhões. Um daqueles panfletos “Se-você-tiver-qualquer-
informações-ligue-para-este-número” que a polícia às vezes faz. Era sua mãe.
Quando Jimmy viu, ele assustou até a morte, e seguiu em frente e a levou com
ele. Eu não sei por que ele não deixou você lá ou foi à polícia. Mas ele não o fez.
Ele não confiava na polícia. Provavelmente pensou que iria ser culpado por algo
que não tinha nada a ver com ele. Ele nem sabia o seu nome. Ele disse que você
só ficava dizendo Blue, Blue, Blue. Então, foi assim que ele a chamou. Meio que
ele se apegou, eu acho.
— Até onde eu sei, ninguém nunca veio procurar por você. Seu rosto não
estava em uma caixa de leite ou algo assim. Três anos atrás, quando Jimmy
desapareceu, eu pensei que isso tivesse acabado. Eu sabia que alguém ia
descobrir que você não era dele e eles me jogariam na cadeia por não contar
sobre ele. Então, eu só disse a eles que era sua filha, até onde eu sabia. Não
pressionaram muito. Jimmy não tinha um registro nem nada e você disse que
ele era seu pai. Foi por isso que eu a peguei, senti que tinha que manter meu
olho em você por causa dele e para o meu próprio. E você era uma boa menina.
Espero que continue a ser uma boa menina. Não faça mais merda como você fez
esta noite. A última coisa que preciso é de uma garota morta na minha frente.
Ao longo dos próximos meses, Donnie vinha mais quando Cheryl estava
no trabalho. Ele sempre foi bom para mim. Sempre ofereceu conforto. Uma
carícia, um breve toque, migalhas para o passarinho com fome. Cheryl deixou-o
eventualmente, talvez sentindo que ele gostava de mim um pouco mais do que
deveria. E fiquei aliviada, reconhecendo que suas atenções não eram
inteiramente apropriadas. Mas eu aprendi algo de Donnie. Eu aprendi que uma
menina bonita poderia ser confortada. O conforto físico é um conforto que pode
ser passageiro, mas isso iria me preencher temporariamente e tirar a minha
solidão.
Joana d'Arc disse que sacrificar quem você é e viver sem crença era um
destino pior que a morte. Eu tinha vivido com esperança por três anos.
Esperança de que Jimmy iria voltar para mim. Naquela noite, a esperança
morreu, assim como a minha autoestima. Eu não sacrifiquei quem eu era, não
exatamente. Isso foi arrancado de mim. Jimmy foi um pequeno melro que teve
uma morte lenta e dolorosa. Em seu lugar eu construí um pássaro chamativo,
colorido, um pássaro azul. Um espalhafatoso e repulsivo pavão com penas
brilhantes, que o vestia para chamar a atenção para a sua beleza em todos os
momentos, e que almejava afeição. Mas tudo era apenas um disfarce brilhante.
Capítulo Sete
Majestoso
Gloria Olivares, a mãe de Manny e Gracie, nunca estava em casa. Não era
porque ela era uma mãe ruim. Não era porque ela não amava seus filhos. Era
porque mantê-los significava trabalhar sem parar. A mulher era magrinha e
teria 1,50 metros se ficasse na ponta dos pés, e dia sim, dia não ela trabalhava 18
horas por dia. Ela era camareira no mesmo hotel onde Cheryl era dealer, mas
também trabalhava como empregada doméstica para uma família rica em
Boulder City. Eu não sabia se ela estava legalmente nos EUA ou se tinha ainda
família no México. Ela tinha um irmão, Sal, que tinha fornecido madeira para
mim uma vez ou duas, mas Manny e Gracie nunca falaram do pai, e certamente
não havia dinheiro entrando de outra fonte.
— Oh, sim, muito romântico. Uma história de amor brilhante... Até você
descobrir que três anos depois de Ana conseguir se casar com o Rei, ela foi
acusada de bruxaria, incesto, blasfêmia e conspirar contra a coroa. Então ela foi
decapitada.
— Blue?
Eu não me movi.
asas eram. O céu era tão grande. E qualquer outro lugar era
tão longe. Ela se sentia encurralada. Ela podia voar, mas
Mas, desta vem em particular, ele estava de bom humor para contar
histórias. Ele explicou como os gaviões eram símbolos de proteção e força, e que
por causa disso ele sempre era orgulhoso do seu sobrenome. Ele me disse que
muitas tribos nativas americanas tinham variações de algumas histórias sobre
animais, mas a sua favorita era uma história de Arapaho sobre uma garota que
subiu para o céu.
O nome dela era Sapana, uma bela garota que amava os pássaros da
floresta. Um dia, Sapana estava fora recolhendo lenha quando viu um falcão que
estava na base de uma árvore. Um grande espinho de porco-espinho preso em
seu peito. A menina acalmou o pássaro e retirou o espinho, liberando o pássaro
para voar para longe. Em seguida, a menina viu um grande porco-espinho
parado no tronco de uma árvore. — Foi você, você é uma coisa má! Você feriu
aquele pobre pássaro — Ela queria pegar o porco-espinho ruim e tirar os
espinhos para que ele não fizesse mal a outro pássaro.
Todo dia Sapana pegava os restos dos tendões das peles de búfalo e os
amarrava juntos. Eventualmente, ela tinha uma corda muito longa que poderia
usar para descer de volta para a Terra. Ela amarrou a corda a uma árvore
próxima e rolou o nabo da terra. Descendo através das nuvens, ela viu que as
manchas verdes ficavam cada vez mais perto, mas ela ainda estava no alto do
céu. De repente, Sapana sentiu puxarem a corda e olhou para cima para ver o
homem porco-espinho olhando para ela através do buraco no céu. — Suba de
novo ou vou desamarrar a corda da árvore e você vai cair! — Ele rugiu. Mas
Sapana não iria subir de volta. De repente, a corda se soltou e ela estava caindo
através do ar. Então, algo voou por baixo dela, e ela se estabeleceu na parte de
trás de um grande falcão. Era o falcão que Sapana tinha ajudado na floresta no
dia em que ela tinha perseguido o porco-espinho. Ele voou para a terra com ela
em suas costas. A família de Sapana ficou muito feliz em vê-la. Desde então, eles
deixavam pedaços de carne de búfalo para o falcão e outras aves de rapina,
como um símbolo de sua gratidão pela proteção e o retorno de Sapana.
Jimmy sorriu para mim. Mas ele parecia triste, e murmurou: — Às vezes
me sinto mais como o homem porco-espinho do que como falcão.
Não entendi o que ele quis dizer e ri ruidosamente de sua piada. — Icas é
o homem porco-espinho — Eu disse, apontando para o cão preguiçoso com a
pelagem felpuda. Icas levantou a cabeça e olhou para mim, como se soubesse o
que estávamos falando. Ele bufou e se afastou, como se tivesse ofendido com a
comparação. Então Jimmy e eu rimos e a conversa foi esquecida.
asas eram. O céu era tão grande. E qualquer outro lugar era
tão longe. Ela se sentia encurralada. Ela podia voar, mas
falcão.
— Jimmy?
— Humm? — Sua resposta foi imediata desta vez, como se ele também
estivesse ouvindo no escuro.
Arma de Metal
Quando ouvi o primeiro tiro pensei que eram fogos de artifícios que
tinham estalado e chiado em todo o bairro na véspera de ano novo. Isso me
assustou, mas não me ocorreu de ter medo. O estacionamento em volta do meu
complexo de apartamentos estava iluminado nos últimos dois dias com os
moradores soltando rojões e spinners21, crianças correndo com estrelinhas, e
estava quase acostumando com o som. Fechei o meu armário e fui em direção a
minha sétima aula quando outro tiro foi disparado.
— Manny! Manny, pare! — Gritei. Manny nem sequer virou a cabeça. Ele
continuou andando e atirando. Três tiros e depois quatro. Ele entrou na sala de
aula de Wilson e fechou a porta atrás de si. Um tiro ecoou mais uma vez. Eu voei
pela porta segundos depois, esperando pelo pior. Sr. Wilson estava na frente de
Manny, uma mão estendida em direção a ele. Manny tinha a arma apontada
para a testa de Wilson e estava exigindo saber onde Brandon estava. Os alunos
estavam chorando e se juntando debaixo de suas mesas. Eu não vi nenhum
sangue, nem corpos e nenhum sinal de Brandon Bates. O alívio me deu
coragem. Fui atrás de Manny, de frente para Wilson, embora os olhos de Wilson
21Spinners – um aro adicionado ao pneu que gira quando o carro está parado e faz com que as pessoas
continuam olhando, pensando que estão vendo coisas.
nunca deixassem o rosto de Manny ou a arma apontada para sua testa, a mão
dele me fez sinal para manter distância. Eu me movi para Wilson, dando a
Manny um amplo espaço para não assustá-lo, falando baixinho.
— Manny. Você não quer machucar Wilson. Você gosta dele, lembra?
Você disse que ele é o melhor professor que você já teve — Os olhos de Manny
oscilavam loucamente para mim e depois se concentraram em Wilson mais uma
vez. Ele estava respirando com dificuldade e suando muito, e suas mãos
tremiam violentamente. Eu estava com medo que ele, acidentalmente, puxasse o
gatilho. A essa distância, ele não erraria Wilson.
— Ele não está aqui, Manny — Wilson ofereceu, sua voz tão calma como
se ele estivesse apenas dando outra palestra. — Eu não estou protegendo-o.
Estou protegendo você, entende isso? Sua irmã precisa de você, e se você atirar
em Brandon ou em qualquer outra pessoa, você irá para a prisão por muito
tempo.
— Mas ela tem apenas quatorze anos! E ele enviou as imagens para todos!
Ela pensou que ele gostasse dela. Disse-lhe para enviar algumas fotos e, em
seguida, enviou para todos! Ela tentou se matar, e agora vou matá-lo! — Manny
gritou, curvando-se para olhar por baixo das mesas, certo de que eles estavam
escondendo Brandon.
— E ele vai ter que responder por isso, Manny — Eu o acalmava, agora
que estava mais perto dele. Wilson estendeu a mão e agarrou meu braço, me
puxando em direção a ele. Ele tentou me empurrar para suas costas, mas dei de
ombros fora de seu alcance, mantendo-me entre ele e Manny. Eu sabia que
Manny não iria atirar em mim. Manny havia apontado novamente a arma em
direção a Wilson, mas agora eu estava no caminho.
— Se for esse o caso, então blue não deveria estar com a arma? — Wilson
respondeu suavemente. Os olhos de Manny saltaram para Wilson, um olhar
chocado em seu rosto. Então ele olhou para mim, e eu mexia os dedos,
indicando que ele deveria entregá-la. Ele pareceu considerar o que Wilson disse.
Então Manny riu. Foi apenas um ligeiro sorriso, mas o som ricocheteou
ao redor da sala com outro tiro. Eu queria cobrir minha cabeça, mas o soluço
tornou-se uma gargalhada, e a gargalhada uma risada cheia de ondas que se
transformou em soluços.
Por reforços, sabia o que Wilson falava, significava a polícia, mas estava
tentando não alarmar Manny que tinha claramente se desfeito, e era uma
bagunça, tremendo em seus braços.
— Coloque a arma e as balas na minha mesa, Blue. Você não vai querer
estar segurando isso quando as autoridades chegarem — Wilson instruiu,
chamando a minha atenção de volta para a sala de aula, agora vazia e a arma na
minha mão.
— Você está maluca? — Ele repreendeu seus lábios contra meu cabelo,
suas palavras suprimidas e seu sotaque pronunciado. — Você tem mais coragem
do que qualquer garota que eu já conheci. Por que, em nome de Deus não se
escondeu como qualquer outro aluno com metade de um cérebro!
Passou um mês desde que Manny tinha perdido a cabeça. Um mês desde
que eu tive uma pausa da loucura que se seguiu. Um mês de intensa
infelicidade, um mês de desespero para a família Olivares. Eles tinham liberado
Manny, enquanto aguardavam uma espécie de audiência, e Gloria pegou os
filhos e fugiu. Eu não sabia onde eles estavam, e duvidava que fosse vê-los
novamente. Um mês horrível. E então liguei para Mason. Era o meu padrão. Eu
não namorava. Eu não saia. Eu fazia sexo.
Mason estava feliz pela por isso, como sempre. Eu gostava da aparência
de Mason, e gostava da sensação de estar embaixo dele. Mas eu não gostava
especialmente de Mason. Eu não analisava o porquê de não gostar dele, ou
mesmo se isso devia ser levado em consideração. E então, quando eu o
encontrei à minha espera depois da escola parado em sua Harley com os braços
cruzados para que eu pudesse ver as tatuagens em seus bíceps sarados, deixei
meu carro no estacionamento da escola e pulei na traseira da moto. Pendurei
minha bolsa passando por minha cabeça e coloquei meus braços ao redor de sua
cintura enquanto a moto rugia, saindo. Mason adorava andar de moto e à tarde
de janeiro estava fria, mas o sol do deserto implacável trespassava. Nós
andamos pela estrada por mais de uma hora, atingindo a represa Hoovere e o
nosso sinuoso caminho de volta, quando o inverno começou a reivindicar a luz,
empurrando de volta o sol, que recuou cedo demais. Eu não tinha prendido os
meus cabelos, então o vento chicoteava meus fios em uma massa negra hostil
batendo em meu rosto de uma forma que limpa e punitiva, que parecia ser a
minha intenção.
Acordei horas mais tarde com uma cama vazia. Música e vozes
sangravam através da fina parede que separava o quarto e banheiro de Mason
do resto do espaço. Vesti minhas roupas, colocando o meu jeans que eu
desprezava, mas continuava vestindo dia após dia. Eu estava morrendo de fome
e esperava que Mason e quem mais estivesse lá fora, houvesse encomendado
pizza que eu poderia roubar. Meu cabelo estava um emaranhado impossível,
meus olhos uma bagunça de círculos pretos, eu passei 20 minutos no banheiro
certificando-me que a companhia de Mason não poderia fazer insinuações
desagradáveis sobre as atividades da noite.
Eu não tinha visto ou falado com Brandon Bates desde antes do tiroteio.
E não queria. Ele não estava na escola naquela tarde, mas eu o culpava
inteiramente pelos os eventos que ocorreram. Encolhi-me na porta do quarto,
com fome e indecisa, quando ouvi alguém oferecer uma saudação também.
— Mason disse que você tem algumas fotos da pequena senhorita em seu
telefone — Colby falou. — Eles não confiscaram, não é?
Mesmo que Graciela tivesse enviado para Brandon suas fotos nuas, Colby
estava sendo acusado de solicitar e distribuir essas fotos e o boato era que seus
pais estavam lutando com unhas e dentes para sua absolvição. Mas todo mundo
sabia o que ele tinha feito.
— Cale a boca, Colby, seu idiota — Mason latiu, mas o seu latido não
parecia muito firme e eu suspirei, já prevendo o desenrolar disso. Eu iria voltar
caminhando para a minha caminhonete, ainda estacionada na escola. Ele e
Colby, obviamente, tinham a noite preparada. Lotes de álcool e episódios
intermináveis de Ultimate Fighter.
— O quê? Eu vi aquela foto que você tem de Blue! Agora aquela menina
tem um corpo do caralho - sabe o que estou dizendo - não como a pequena do
nono ano22! — Colby gargalhou.
22 Ele faz referência a Blue ter idade para cursar ano posterior.
— Cara, eu vi isso também! — Brandon uivou. — A escola inteira viu. Na
verdade, acho que aquela pequena mexicana viu isso no meu celular. Facilitou
muito para convencê-la de que todas as garotas mais quentes me enviavam
fotos.
Meus olhos estavam secos, mas meu peito arfava, em um esforço para
conter um grito lancinante e seco, que atingiu ao redor do meu coração e minha
garganta ficou obstruída pela culpa.
— Eu sou Manny — Ele disse, como se isso fosse suficiente. E por que não
era? Porque apesar da boa intensão do desejo de ser apenas você mesma, como
era mesmo possível, se não sabia quem VOCÊ era? Manny parecia saber, mas
ele era tão sensível, como todos nós, as influências de um mundo em que as
pessoas agem sem pensar, vivendo sem consciência, e julgando sem
entendimento.
— Não vá, Blue — Disse ele enquanto eu caminhava para fora. Mas ele
não veio atrás de mim.
Capítulo Nove
Escuridão
Minha caminhonete estava sozinha na parte de cima do estacionamento.
As luzes do estacionamento fizeram pequenas poças alaranjadas no chão, e eu
caminhei para a minha caminhonete, grata que a noite estava quase no fim.
Meus pés doíam. As botas de salto alto que faziam minhas pernas parecerem
mais longas machucavam meus dedos e me faziam mancar os últimos passos.
Procurei as chaves na minha bolsa e abri a porta. Ela guinchou alto quando eu a
abri, fazendo-me saltar um pouco, embora eu já tivesse ouvido o ranger mais de
mil vezes antes. Deslizei para dentro da cabine, fechei a porta e enfiei as chaves
na ignição.
— Oh, não! Agora não, por favor, agora não! — Eu lamentei. Tentei
novamente. Apenas a série de rápidos cliques pequenos. As luzes nem sequer
ligaram. A bateria estava morta. Eu disse uma palavra muito grosseira e bati no
volante, fazendo o beep misericordioso da buzina. Considerei dormir no banco
da frente. Minha casa estava a quilômetros de distância, e eu estava usando
sapatos impossivelmente altos, ridículos. Levaria horas a pé para casa. Cheryl
estava no trabalho, de modo que ela não poderia vir me buscar. Mas se eu
ficasse aqui, teria pela frente o mesmo dilema na parte da manhã, e eu poderia
ser presa andando para casa com a maquiagem de guaxinim e cabelo bagunçado
em plena luz do dia.
Ele estava enrolado com um instrumento. Eu não sabia o nome disso. Era
muito maior do que um violino - tão grande que estava apoiado no chão e ele
estava sentado atrás dele. E a música que estava fazendo não era assustadora.
Era dolorosamente linda. Era penetrante, mas doce. Poderosa, mas simples.
Seus olhos estavam fechados e sua cabeça estava inclinada, como se ele orasse
enquanto tocava. As mangas da camisa estavam arregaçadas e seu corpo se
movia com o arco, como um guerreiro cansado. Então pensei em Manny. Como
Manny tinha observado os antebraços de Wilson e assisti ao jogo dos músculos
sob a pele lisa, puxando e empurrando, persuadindo a música suave das cordas
sombrias.
Mas não me mexi. Eu não disse nada. Eu só ouvia. Por quanto tempo, não
sei. E enquanto eu continuava a ouvir, meu coração começou a doer com um
sentimento que eu não tinha como nomear. Meu coração parecia inchado no
meu peito. Levei minha mão ao peito, como se eu pudesse fazê-lo parar.
Mas com cada nota tocada por Wilson, o sentimento crescia. Não era
tristeza e não era dor. Não era desespero ou mesmo remorso. Parecia mais...
Gratidão. Senti amor. Imediatamente rejeitei as palavras que tinham surgido
em minha mente. Gratidão por quê? Por uma vida que nunca foi gentil? Pela
felicidade que eu raramente tinha conhecido? Pelo prazer que tinha sido fugaz e
deixou um gosto desesperado de culpa e ódio?
Deslizei para baixo contra a parede até que eu estava sentada no chão frio
de linóleo. Eu inclinei minha cabeça pesada contra os meus joelhos, deixando as
cordas tocadas por Wilson desatarem os nós da minha alma e me libertar dos
fardos que eu arrastava como latas e correntes imundas, mesmo que fosse por
um momento.
Eu não sabia o que era graça, mas talvez soasse como música. Talvez isso
fosse o que eu estava sentindo. Como era doce o som. Incrivelmente doce. Como
era doce o som que salvou uma miserável como eu. Uma miserável é a mesma
coisa que uma cadela? Ou uma vadia? A minha vida era uma evidência que nem
tudo poderia ser salvo. Não era uma evidência de amor - sem o amor de
ninguém.
— Deus? Eu sou feia por dentro. E não é minha culpa. Você sabe que não
é. Eu assumo a responsabilidade por parte dela, mas você tem que assumir a sua
parte, também. Ninguém me salvou. Ninguém deu à mínima. Ninguém veio ao
meu resgate — Engoli seco, sentindo a dor na garganta, deixando-a machucada
para engolir, mas era a dor que estive engolindo por muito tempo, e forcei para
baixo. — Então, estou pedindo para você agora. Você pode tirá-la? Pode tirar a
feiura?
— Deus? Se você me ama... Leve isso embora. Por favor. Estou pedindo
para você levar isso embora. Não quero me sentir assim — Deitei minha cabeça
nos meus braços e deixei as lágrimas me consumirem. Eu nunca tinha chorado
assim. Eu temia que se eu abrisse as comportas, acabaria me afogando. Mas
quando as ondas caíram em cima de mim, não fui consumida, fui varrida,
lavada, a minha alma foi coberta com um alívio abençoado. A esperança cresceu
dentro de mim como uma boia. E com a esperança, veio à paz. E a paz acalmou
as águas e a tempestade, até que eu me sentei consumida, sangrada e acabada.
— Humph! Tenho vinte e dois anos, como você bem sabe. Simplesmente
fui criado adequadamente, a moda antiga, por uma mulher inglesa que me
ensinou a sempre carregar um lenço. Aposto que você está feliz por ela ter feito
isso.
Eu estava. Mas não queria admitir isso. O tecido parecia acetinado contra
meus olhos inchados e lágrimas nas bochechas. Isso tinha um cheiro divino...
Como pinho, lavanda e sabão, e de repente, usando o seu lenço me senti
incrivelmente íntima. Procurei algo para dizer. — Esta é a mesma mulher que
chamou você de Darcy?
— Posso ficar com isso? Eu vou lavá-lo e devolvê-lo. Vou até passar, como
sua mãe faz — Eu diabo em mim tinha que dizer isso.
— Ah, Blue. Aí está você. Pensei por um momento que você tivesse sido
arrancada do corpo por uma garota humana real - aquela que não têm um
grande prazer em insultar o professor de história — Ele sorriu para mim, e eu
desviei o olhar conscientemente. — Deixe-me pegar minhas coisas. Eu terminei
aqui.
— O quê? Você vai sair tão cedo? A escola só terminou oito horas atrás —
Brinquei, tentando mais uma vez ser normal. Ele não respondeu, mas estava de
volta momentos depois, seu instrumento pendurado em suas costas. Ele apertou
o interruptor de luz no final do corredor e descemos as escadas em silêncio.
— Esculturas.
— Sua etnia? Pensei que você tivesse dito que não era nativo-americana.
— Eu não sei que diabos eu sou, mas isso ainda soou como um golpe,
Sherlock!
— Por que você não sabe quem você é, Blue? Você nunca tentou
descobrir? Talvez isso a deixe menos hostil! — Wilson parecia frustrado. Ele
andou na minha frente, quase falando sozinho. — Absolutamente impossível!
Ter uma conversa com você é como tentar conversar com uma cobra! Você é
vulnerável e chorosa em um momento, e sibilante e atacando no outro. Eu
sinceramente não sei como chegar até você, ou até mesmo se quero! Só disse
totens porque eles são geralmente esculpidos em madeira, tudo bem? — Ele se
virou e olhou para mim.
Ele contava nos dedos. — Isso são oito coisas. Ah, e você consegue
esculpir algo de madeira. Provavelmente NÃO totens, já que parece provocar
uma reação ruim em você. Então, nove, ou talvez dez se contarmos ser uma
esperta — Ele colocou as mãos de volta em seus quadris. — Eu realmente
gostaria de saber mais. Não quero saber sobre o pássaro pequeno que foi
empurrado do ninho. Gostaria de saber algo sobre a Blue — Ele cutucou no
centro do meu peito, forte, quando ele disse “Blue”.
Wilson colocou as mãos nos bolsos, sentindo cada um. Em seguida, ele
tentou suas portas do carro. Poderia ter dito a ele que estavam todas trancadas,
mas sabiamente permaneci em silêncio. Supunha que seriam doze coisas: eu
poderia ser sábia.
— Você tem uma boca suja, Sr. Wilson — Repreendi, tentando não rir. —
Não está explodindo como dizer a palavra com F na Inglaterra?
— Ah, bom. Eu vivo nove e meio. Isso significa que por pelo menos três
quilômetros, não vou ter que ouvir você zombar de mim — Wilson resmungou.
Cobalto
Caminhamos por vários minutos apenas com o clic clack das minhas
botas de salto alto para quebrar o silêncio.
— Você nunca vai fazer nove quilômetros e meio com esse violino nas
costas — Eu o imitei, mudando de assunto.
Silêncio.
— O que você quer dizer com redenção?
Suspirei. Sabia que ele iria voltar a isso. Seis quilômetros e meio era
muito tempo para fugir dele, então pensei por um momento, perguntando como
eu poderia colocar em palavras sem dizer a ele do que eu precisava me redimir.
— Claro — Wilson acenou com a cabeça como se não fosse grande coisa.
Ele provavelmente rezava de manhã e a noite.
— Me senti... Bem.
— Fealdade.
— Tudo bem. Então, faltam mais dois. Estamos no quatorze. Você teve
uma vida horrível, mas não é feia. E você gosta de rezar nos corredores escuros
no meio da noite.
— Eu pensei que depois do tiroteio, a escola seria o último lugar que você
gostaria de ir para a oração... Ou redenção.
Eu deveria saber. Eu gostaria de conhecer as linhas que ele citou para que
eu pudesse continuar o poema de onde ele parou. Mas eu não conhecia e não
podia, por isso, o silêncio reinou mais uma vez.
— Então me diga por que você não sabe quando nasceu — Disse Wilson,
abandonando Poe.
— Oh, bem, então. Sim. Acho que amo mexer nas cicatrizes. Fale-me
sobre isso. Temos ainda quase cinco quilômetros a percorrer.
Suspirei pesadamente, indicando a ele que não era da sua conta. Mas eu
continuei a lhe dizer, de qualquer maneira. — Minha mãe me abandonou
quando eu tinha por volta de dois anos. Nós não sabemos exatamente quantos
anos eu tinha. Ela me deixou na caminhonete de Jimmy Echohawk e foi
embora. Ele não a conhecia, e eu não tinha idade suficiente para dizer-lhe
qualquer coisa. Ele não sabia o que fazer comigo, mas tinha medo que, de
alguma forma, ele estivesse envolvido em algum tipo de crime ou de que alguém
pensasse que ele tinha me sequestrado. Então, ele foi embora. Levou-me com
ele. Ele não era exatamente convencional. Ele vagava por aí, fazia esculturas
para viver, vendia a diferentes lojas turísticas e algumas galerias. E foi assim que
vivemos os próximos oito anos. Ele morreu quando eu tinha dez ou onze anos.
Mais uma vez, eu não tenho nenhuma ideia quantos anos eu realmente tenho, e
acabei com Cheryl, que é meia-irmã de Jimmy.
Meu celular vibrou contra meu quadril, e eu puxei para fora do meu bolso
apertado. Era Mason. Considerei não atendê-lo, mas pensei nos quilômetros
que eu e Wilson ainda tínhamos que caminhar.
— Mason?
— Blue. Baby... Onde está você? — Oh, cara. Ele parecia tão bêbado. —
Vim fui a sua procura. Você está com raiva de mim? Estamos na sua
caminhonete, mas você não está aqui. Você não está aqui, certo? — De repente,
ele parecia duvidoso, como se eu fosse saltar para fora em algum lugar.
— Ela está com Adam — Eu ouvi Mason dizer isso a alguém, e o telefone
parecia ter caído. Alguém amaldiçoou e o telefone parecia ter sido empurrado de
um lado para outro.
— Quem é Adam, Blue? Foi por isso que você saiu tão cedo, sua vadia! —
A voz de Colby soava para mim. Ele deu uma gargalhada estridente, e segurei o
telefone longe do meu ouvido. Eu tinha certeza que Wilson podia ouvir a
conversa, a voz de Colby era tão alta.
— Eu percebi — Wilson balançou a cabeça. — Este dia foi para o livro dos
recordes.
Não demorou muito para que as luzes nos prendessem em seu brilho, e
nos virássemos para o veículo que se aproximava. Puxei o braço de Wilson. Não
queria que ele fosse atropelado pela equipe de resgate.
— Claro baby. Você pode sentar no meu colo. Vou deixar você dirigir. Sei
que você gosta de pegar no câmbio! — Mason gritou, o tempo todo olhando para
Wilson como se quisesse bater nele.
Corri para o lado dele, ajudando-o a arrastar Mason para onde Colby
estava congelado em um estupor embriagado. Abri a porta traseira, e
conseguimos rolar Mason para a caçamba. Infelizmente, mesmo com Mason
inconsciente na parte de trás, eu tinha que sentar esmagada entre Colby e
Wilson, que surpreendentemente sabia como dirigir um veículo com câmbio
manual. Colby correu o braço ao longo da parte de trás do meu banco,
descansando a mão possessiva no meu ombro. Eu lhe dei uma cotovelada na
lateral e me movi para perto de Wilson tanto quanto pude, ficando com o
câmbio muito próximo. O braço direito de Wilson pressionava contra mim e ele
fazia uma careta cada vez que trocava de marcha, como se odiasse me tocar.
Dane-se. Eu não sentaria perto de Colby.
Voltamos para a escola e Colby ficou emburrado em silêncio enquanto
fazíamos a minha caminhonete funcionar. Até que ele decidiu passar mal, ou
seja, vomitou em todo o lado do passageiro da caminhonete de Mason. Wilson
só cerrou os dentes e voltou para a cabine, abrindo sua janela com movimentos
irritados.
— Vou seguir você até a casa de Mason — Ele falou como se toda a
confusão fosse culpa minha. Dirigi na frente com minha caminhonete,
mantendo Wilson no meu espelho retrovisor. Quando chegamos, içamos Mason
para fora caminhonete e pelo porão da casa de seus pais. De forma alguma que
nós conseguiríamos carregar Mason pelas escadas até seu apartamento em cima
da garagem. Ele pesava cerca de 90 quilos, e isso tudo era peso morto. Nós o
jogamos no sofá e seus braços caíram teatralmente.
— Será que ele vai ficar bem? — Eu observei seu peito subir.
— Está vendo? Ele está ótimo. Nenhum dano feito — Wilson marchou
para fora da casa. Colby caiu em uma poltrona reclinável e fechou os olhos. A
diversão tinha terminado. Eu puxei o porão fechando atrás de mim e corri atrás
de Wilson. Ele levantou seu violoncelo da parte traseira da caminhonete de
Mason.
— Por favor, me leve para casa. Eu cheiro a cerveja, pizza e vômito. #16 -
Blue tem péssimo gosto para amizades.
— Eu honestamente não sei o que eu fiz. Foi pura sorte. Eu só atingi seu
queixo. Ele desceu — Nós dois estávamos em silêncio, contemplando as
probabilidades. — Isso foi incrível pra caralho.
Acabei levando Wilson à sua casa para pegar as chaves reserva e depois
voltamos para a escola, para ele pegar o carro. Ele morava em uma grande casa
antiga que estava sendo reformada. A maioria das casas mais novas na área de
Las Vegas era de estuque, e seria difícil encontrar algumas casas que eram de
tijolos. Mas em Boulder City as coisas não faziam sentido, tinha casas mais
antigas do que mais novas e menos planejamento comunitário.
Ele parecia aliviado que eu não entrei, mas deixou a porta aberta. Eu
conseguia ver que o piso de madeira escura se estendida em seu quarto, que ele
chamou de “flat.” As paredes eram pintadas com um verde claro. Duas gravuras
emolduradas de mulheres africanas carregando tigelas em suas cabeças estavam
penduradas no longo corredor que conduzia para o resto do espaço. Bonito. Eu
não sabia o que estava esperando. Talvez prateleiras e prateleiras de livros, e
uma poltrona de veludo com encosto alto na qual Wilson pudesse fumar um
cachimbo, vestindo um blazer smoking vermelha durante a leitura de grandes
livros empoeirados.
— Calça?
— Sim. As calça é roupas íntimas, veja. Pensei que... Um. Não importa.
23 No original a palavra usada foi pants que no inglês americano significa calças, já no britânico seria roupa
Antes que ele saísse, olhou para mim sério, os olhos cinzentos cansados
na insignificante sombra desencadeada por sua porta aberta. Então ele estendeu
a mão e apertou a minha, dando-lhe uma breve agitada.
Tiffany
O Beverly's Cafe ficava na Rua Arizona, no centro de Boulder City, um
restaurante remodelado na parte antiga da cidade, fundada em 1930, quando
Hoover Dam estava sendo construída. Boulder City era uma cidade planejada,
com os serviços básicos necessários e foi totalmente construída pelo governo
dos EUA para abrigar os trabalhadores da barragem após a Grande Depressão.
Ela tinha ainda a maior parte das estruturas originais, juntamente com um hotel
interessante, não muito longe de Bev, que foi construído nos primeiros dias.
Boulder City era uma mistura estranha de grande cidade com coisas
descartáveis e as tradições do Velho Oeste que fazia a maioria das pessoas
coçarem a cabeça. Não era muito longe de Las Vegas - mas o jogo é ilegal. Ela
mantinha o apelo de comunidade cidade pequena que Vegas não poderia se
gabar.
Eu conhecia Beverly, a dona do café, desde os meus dias com Jimmy. Ela
tinha uma pequena loja de presentes no café que era preenchida com a arte do
sudoeste, pinturas, cerâmica, cactos e várias antiguidades. Ela pegava o trabalho
de Jimmy em comissão, e parecia que Jimmy sempre gostou dela. Jimmy tinha
mantido minha existência bastante discreta, mas Beverly era gentil com ele e
boa para mim. Ele confiava nela e era um dos lugares onde deixamos baixar um
pouco a guarda. Eu tinha comido muitas vezes nas grandes mesas de couro
vermelho.
Há alguns anos atrás, quando eu tinha idade suficiente para dirigir e dar
a volta sozinha, eu me aproximei de Beverley procurando um trabalho. Ela era
uma mulher acima do peso, agradavelmente roliça, com cabelo vermelho e um
jeito acolhedor. Sua risada era tão grande quanto seus seios, o que era bastante
impressionante, e ela era tão popular com seus clientes como seus milk-shakes e
cheeseburgers duplos com jalepenos eram. Ela não tinha me reconhecido até
que eu disse a ela o meu nome. Em seguida, o queixo caiu e ela saiu de trás da
caixa registradora, me abraçando com força. Foi a mais genuína expressão de
preocupação que alguém tinha me mostrado uma vez... Desde que... Sempre.
— O que aconteceu com vocês dois, Blue? Jimmy me deixou com cinco
esculturas, e eu vendi todas elas, mas ele nunca mais voltou. Eu tive pessoas que
queriam o seu trabalho, pedindo por isso. No começo fiquei confusa, me
perguntando se eu tinha feito alguma coisa errada. Mas eu tinha dinheiro para
entregar a ele. Certamente ele teria voltado para pegar o dinheiro. E então eu
comecei a me preocupar. Passaram-se pelo menos cinco anos, não é?
— Seis — Eu a corrigi.
— Está aqui tirando os meus vinte por cento, além de seis anos de juros —
Ela havia dito o assunto com naturalidade. — E se você tiver mais de suas
esculturas, vou pegá-las.
— Estou com tanta sede! Eu vou querer uma jarra cheia de água, querida
e bastante nachos, se os tiver só para começar — Ela cantarolou com um sotaque
acentuado. Ela era britânica também. Olhei do Wilson para a mulher e vice-
versa.
— Olá, Blue — Wilson sorriu para mim educadamente. — Blue é uma das
minhas alunas, Tiffa — Ele ofereceu, me apresentando para a mulher em frente
a ele.
— É verdade. Eu vou ter que correr por horas para tirar esses nachos, mas
não me importo. Então me diga Blue, o que devemos pedir?
— Darcy diz que seu nome está gravado na base de todos. Eu disse a ele
que não poderia ser. Sem ofensa amor, mas elas são experientes, se isso faz
algum sentido.
Cerca de meia hora mais tarde, Jocelyn, a gerente do turno da noite, veio
irrompeu pelas portas duplas da cozinha, com o rosto envolto com sorrisos.
— Todas, exceto uma, e isso foi porque o cara com que ela estava insistiu
que queria!
— Qual?
— Todas elas!
Wilson tinha levado “The Arch”. Senti uma vibração por ele ter
reconhecido pelo que era. Eu tinha encontrado um pedaço de algaroba que
escondia uma curva em sua linha. Lentamente, eu tinha cortado a madeira,
formando a sugestão de uma mulher de joelhos, costas curvadas como um gato,
profundamente curvada em adoração ou subserviência. O corpo dela formava
um arco, esticando os braços para além de uma cabeça que quase beijava o chão
com as mãos que se fecharam em punhos cerrados em súplica. Tal como
acontecia com todas as minhas peças, era completamente abstrata, a sugestão
de uma mulher, simplesmente isso, uma sugestão, uma possibilidade. Alguns
podem simplesmente ver a madeira altamente polida, moldada em linhas longas
e depressões provocantes. Mas quando eu a havia esculpido, tudo o que eu
conseguia ver era Joana. Tudo o que eu conseguia ouvir eram as suas palavras.
“Viver sem crença é um destino pior que a morte”. Minha Joana d' Arc. E foi
isso que Wilson tinha comprado.
— Por quê?
— Porque é brilhante.
— Você não vai me perguntar qualquer coisa pessoal... Sobre o meu nome
ou meu pai... Ou qualquer coisa assim, vai?
— Tiffa é curadora, tanto para o museu de arte como para a galeria. Ela
comprou nove de suas peças na sexta à noite. Você sabia? Ela teria comprado
dez, mas pedi-lhe para me deixar ter apenas uma.
— Eu sabia que ela havia comprado. Apesar de não saber por que. Eu
ainda não estou certa do que faço.
— Ela quer colocar algumas de suas peças na galeria e ver como vão. O
Sheffield vai dividir se elas venderem. Mas ela vai dar-lhe o que restar, menos a
parte que ela já pagou.
— Mas ela comprou. Ela pode fazer o que quiser com elas.
Wilson balançou a cabeça. — Ligue para ela, Blue. Se você não fizer isso,
ela vai caçá-la. Ela é muito persistente. Agora, a classe está esperando.
— Sim. Echohawk. Esta peça é chamada de “The Arc” e foi esculpida por
Blue Echohawk. Blue concordou em responder algumas perguntas sobre seu
trabalho. Pensei que todos iriam se interessar.
— Eu acho que, se algo está realmente na minha mente... Ele tende a sair
pelas minhas mãos. Por alguma razão, eu não conseguia tirar a história de
Joana d'Arc da minha cabeça. Ela me atraía — Eu confessei, inclinando um
olhar para Wilson, esperando que ele não achasse que eu estava bajulá-lo. — Ela
me inspirou. Talvez fosse por ela ser jovem. Ou corajosa. Talvez fosse porque ela
era forte em um momento em que as mulheres não eram especialmente
valorizadas por sua força. Mas ela não era apenas forte... Ela era... Boa — Eu
terminei timidamente. Eu estava com medo de que todo mundo fosse rir de
novo, sabendo que “boa” não era algo que já tinha sido aplicada a mim.
— Você disse que escultura é ver o que é possível. Como você sabia por
onde começar? — Ele tocou a inclinação graciosa de madeira, correndo seu
longo dedo sobre a cabeça curvada de Joana.
— Uma coisa que notei, quando vi todo o seu trabalho em conjunto, foi
que cada peça é muito original - como se a inspiração por trás de cada uma fosse
diferente.
— Para a escola?
— Não. Eu quero.
— Você está se sentindo bem? — Cheryl olhou para mim. Eu acho que não
poderia culpá-la. As minhas preferências geralmente se voltaram para The
Transporter e velhos filmes Duro de Matar.
— Sim, acho que sim — Cheryl olhou desconfiada para a tela. — Eu nunca
me importei para essas coisas esnobes. Talvez fosse, porque naqueles dias, seria
eu a esfregar as panelas na cozinha. Inferno, garota. Você e eu teríamos sido as
meninas que o duque perseguiu na cozinha! — Cheryl riu para si mesma. —
Definitivamente não somos material para duquesa, isso é certo — Cheryl olhou
para mim. — Claro que sendo nativas, significa que não estamos em qualquer
lugar perto da Inglaterra, certo? Eles não poderiam nos ter nem mesmo
esfregando as panelas.
Mas esse não era o problema, e no fundo, eu era muito honesta para
negar. Era perfeitamente possível ter uma queda pelo fictício Sr. Darcy, mas não
era aceitável ter uma coisa para o real. E eu tinha uma coisa para meu jovem
professor de história. Sem dúvida alguma.
Capítulo Doze
Encouraçada
O teste deu positivo. Fiz vários outros ao longo dos próximos dias, até que
eu não podia mais me convencer de que todos os resultados estavam errados.
Eu estava grávida. De pelo menos oito semanas pelos meus cálculos. Eu tinha
dormido com Mason na noite em que Wilson e eu ficamos presos na escola, e eu
o tinha evitado desde então. Ele ligou e mandou uma mensagem, mas tirando as
mensagens iradas no meu correio de voz, fazendo insinuações sobre “Adam” ele
se manteve longe. Ele provavelmente sentia-se culpado sobre a foto, mas eu
realmente esperava que seguisse em frente, porque eu tinha seguido.
— Seu valor diminui, mas e sobre a sua liberdade? De certa forma, uma
mulher que não é mais bela, não compete pela mão do homem mais rico ou
mais é elegível e pode ter menos a perder. Uma velha de cinquenta anos em
1500 poderia não ter tanto medo de falar o que pensava como uma menina de
quinze anos que sente a pressão para se casar, e casar bem. Dessa forma, a
mulher menos atraente pode ser mais livre, mais independente, do que a
menina bonita.
A classe riu, e Wilson sorriu com a gente antes de ele seguiu em frente.
— O que nos leva ao nosso projeto de final de ano. O rótulo que você usa?
Por que você usa isso? Muitos de vocês são adolescentes e estarão movendo-se
para o mundo maior. Você não tem que continuar usando o rótulo que usou.
Você vai escolher arrastá-lo junto com você e vesti-lo em seus novos círculos, ou
vai escolher lançá-lo e fazer um novo nome para si mesmo? — Wilson olhou
para os rostos atentos que o cercavam.
— Não gostam dessa ideia, não é? Sorte de vocês que eu não gosto disso.
Para começar, as pessoas ou seriam muito boas ou muito brutais - e teríamos
muito pouca honestidade. Em segundo lugar, embora IMPORTE o que os outros
pensam de você... Sim, eu disse isso, isso, importe — Wilson fez uma pausa para
se certificar de que estávamos ouvindo. — Nós todos gostamos de jogar fora
esses clichês fofinhos, mas em um sentido do negócio, no sentido de
relacionamento, em um sentido no mundo real, isso IMPORTA — Ele enfatizou
“importe” e olhou para todos nós novamente.
— Embora isso seja importante, não interessa tanto quanto o que nós
pensamos de nós mesmos, porque, como discutimos no inicio do ano, nossas
crenças afetam nossas vidas de maneiras muito reais. Elas afetam a nossa
história. Assim. Então, eu quero que VOCÊ se rotule. Vinte rótulos. Seja o mais
honesto possível. Cada rótulo deve ser uma palavra - duas no máximo. Faça-o
pequeno. As etiquetas são apenas isso... Pequenas e implacáveis, não são?
Todo mundo olhou para mim com as canetas paradas e bocas abertas. E
eu realmente não tinha falado sobre o trabalho. Mas eu descobri que não
conseguia fazer isso também. Eu não faria isso.
— Por que não? — Sua voz era tão suave, muito suave. Eu gostaria que ele
gritasse de volta.
— Por quê?
— Porque é incrivelmente pessoal! É por isso! — Eu joguei minhas mãos
no ar e empurrei os rótulos para o chão. — Eu poderia mentir e escrever um
monte de palavras que não significam nada, palavras que não acredito, mas
então qual seria o ponto? Então, não vou fazer isso.
asas eram. O céu era tão grande. E qualquer outro lugar era
falcão. E ela não era um cisne, um belo pássaro. Ela não era
melra.
pequena, mas não tinha escolha. Ela tinha que tentar. Ela
Eu tinha ligado dias antes e marcado uma consulta para depois da escola
- apesar de ficar sem aula tivesse me dado tempo suficiente para chegar lá com
tempo de sobra. A senhora na recepção era prosaica se não amigável. Eu
preenchi um formulário médico, respondi a algumas perguntas, e em seguida,
24Planned Parenthood - ONG que dá principalmente informações educacionais para as pessoas. Fornece a
pílula, Pílula do dia seguinte, contracepção de emergência , testes de HIV, gravidez , aborto e
aconselhamento.
sentei-me em uma cadeira de metal, com uma almofada preta e virei às páginas
em uma revista cheia de “mulheres mais bonitas do mundo”. Eu me perguntei se
alguma delas já tinha ido para a Planned Parenthood. Seus rostos me
encaravam das páginas brilhantes, resplandecendo em suas coloridas plumas.
Sentia-me pequena, fria e feia, como um pássaro com penas molhadas. Chega de
pássaros! Eu empurrei o pensamento longe e virei à página.
— Parabéns.
— Parabéns?
— Eu vejo que você tem conversado com.. — Ela olhou para sua
prancheta. — Uh, Sheila... Sobre suas opções?
— O q... Que?
— Eu só preciso, quero dizer, não quero o meu xixi colado com o meu
nome nele. Posso tê-lo, por favor?
Ele nem sabia o seu nome. Ele disse que você só ficava dizendo Blue,
Blue, Blue. Então, foi assim que ele a chamou. Meio que ele se apegou, eu acho.
Blue Echohawk não era o meu nome. Não realmente. Talvez eu tivesse
sido nomeada Brittney, Jessica ou Heather. Talvez Ashley, Kate ou Chrissy,
Deus me livre. Eu não sou ninguém. Quem é você? O poema me provocou. De
repente, me incomodava que eu poderia ter um filho, e que a criança não saberia
o nome de sua mãe também. O ciclo continuaria. Eu puxei a etiqueta adesiva da
amostra e enfiei na minha camisa com a necessidade de declarar quem eu era,
apenas para a minha própria mente. Então eu joguei o copo para fora da janela e
pedi ao Karma para perdoar-me, sabendo que era nojento e que eu estaria
pisando em coco de cachorro ou vômito em breve, porque o universo iria exigir
retribuição em espécie.
Capítulo Treze
Pálida
Eu me encontrei em frente da casa de Wilson. Havia restos de construção
empilhados ao lado, e parecia que o telhado foi refeito. A luz resplandecia de
todas as janelas e as largas escadas da frente estavam iluminadas pelo brilho
suave da luz em forma de uma lanterna de bronze antiga que estava pendurada
ao lado da porta. Saí, sem saber o que diabos estava fazendo, mas desesperada
por companhia. Por razões de segurança. Eu não sabia mais para onde ir. Mason
deveria saber, mas eu não falaria a ele esta noite.
— É Blue Echohawk. Posso falar com você... Por um minuto... Por favor?
Eu não preciso entrar. Eu vou esperar aqui fora... Nos degraus.
— Eu vou descer.
A porta se abriu atrás de mim, e ele se sentou ao meu lado nos degraus.
Ele estava de calça jeans e uma camiseta de novo, e eu fracamente desejei que
ele não estivesse. Seus pés estavam descalços e eu desviei o olhar, de repente
dominada pelo desespero. Eu precisava de um adulto - uma figura de autoridade
- para me tranquilizar, para me dizer que tudo iria ficar bem. Wilson de jeans e
pés descalços apenas parecia outro garoto sem resposta alguma. Como Mason
ou Colby, como um garoto que não teria a menor ideia do que fazer se ele
estivesse no meu lugar. Gostaria de saber se os seus pés estavam congelando e
decidi que precisava chegar ao ponto.
Wilson estendeu a mão e tocou meu queixo, virando meu rosto em sua
direção.
— Blue?
— Então... Júlio César, hein? Você precisava falar comigo sobre Julius
Caeser?
— Sim?
— Sim! Eu errei! Eu não posso corrigir isso, não posso voltar, e não tenho
nenhuma ideia da porcaria que vou fazer — O soluço quebrou em mim mais
uma vez, e eu cobri o rosto, recuperando o controle quase imediatamente.
— Ah, Blue. Isso não pode ser tão ruim assim, pode?
26 Larry and Curly – personagens dos filmes Os Três Patetas, comédia americana dos anos de 1930 a 1970.
— Aquela noite... Algo aconteceu comigo. Algo que eu nunca senti antes.
Eu estava com o coração partido e triste por dentro. E orei. Eu clamei por amor,
nem mesmo sabendo que o amor era o que eu pedi. Eu precisava sentir-me
amada, e isso simplesmente... Derramou sobre mim. Sem compromissos, sem
ultimatos, sem promessas necessárias. Apenas foi me dado livremente. Tudo o
que eu tinha a fazer era pedir. E eu estava... Mudando por isso. Naquele
momento, eu senti-me... Curada — Eu olhei para ele, desejando que me
entendesse. Ele parecia absorto com o que eu estava dizendo, e me senti
encorajada a continuar.
Wilson olhou para mim, com a boca ligeiramente aberta. Ele balançou a
cabeça como se quisesse limpá-la e esfregou a parte de trás do seu pescoço como
se não soubesse o que dizer. Eu me perguntava se eu tinha feito algum sentido,
ou se ele começaria a insistir novamente que eu estava exausta.
Foi a minha vez de olhar para ele. Seus olhos refletiam os meus até que
eu me virei, envergonhada com o elogio que vi ali. Senti seus olhos no meu
rosto, pensando claramente no que eu disse. Depois de um minuto, ele voltou a
falar.
— E agora?
— É por isso que estou aqui, Wilson. Eu não sei o que é agora.
— Talvez.
— Vai ficar tudo bem, Blue?
Eu olhei para ele e tentei sorrir. Ele estava tão sério. Eu me perguntei se
ele era menos sério quando seu pai estava vivo. De alguma forma eu duvidava.
Ele era como Beverly chamava Mensch. Uma velha alma.
— Obrigada por falar comigo. Cheryl não é boa com a conversa pesada.
— Sim, Wilson, você é bom. Um pouco bom demais para o gosto de Blue
Echohawk. Mas nós já sabíamos disso.
— Blue?
Sr. Wilson estava cerca de três metros de distância, com a mão preparada
para o interruptor de luz perto da porta mais próxima de onde eu estava
sentada. Ele usava sua habitual camisa listrada e calça social, mas tinha deixado
à gravata em casa. A maioria dos professores tinha um papel na graduação,
estavam recolhendo capelos e becas, misturando-se com os pais e alunos, ou
verificando os retardatários. Parecia que Wilson estava no comando deste
último. Eu me endireitei e olhei para ele, chateada que ele tinha me encontrado
vulnerável novamente.
— Você está... Tudo bem? Você pode perder a entrada. Todo mundo está
no campo.
— Se você acha que pode, deve colocar sua beca e sair para o campo. Você
não perdeu nada importante.
— Ha! Eu não vou andar pro aí sozinha.
Olhei para o meu capelo e a beca melancolicamente. Wilson deve ter visto
minha hesitação e me pressionou ainda mais. — Vamos. Você gosta de fazer
grandes entradas, lembra?
— Claro que pode — Wilson pegou meu capelo, a beca e estendeu-os para
mim com um olhar encorajador no rosto. Ele me lembrou de um cão
implorando por uma volta no quarteirão com seus grandes olhos com cílios
espessos e longos implorando, então sua boca ficou um pouco menor em uma
súplica.
— Por quê?
27Daisy Dukes – Ela faz referência ao personagem Daisy Duke da série americana The Dukes of Hazzard
que usava shorts extremamente curtos.
Olhei para as minhas próprias mãos, sabendo exatamente o que ele
estava tentando dizer.
— Os momentos não voltam, Blue. Você não quer passar a vida inteira
pensando naqueles momentos que não aproveitou, sobre as coisas que você
deveria ter feito, mas estavam com muito medo de fazer.
— Não. É mais do que isso, porque significa alguma coisa para você. É
algo que você ganhou e ninguém pode tirar de você. Esta viagem não foi fácil
para você, e você merece este momento, talvez mais do que qualquer estudante
lá fora — Wilson apontou para o campo de futebol que havia além das paredes
do refeitório.
Wilson riu. — Aí esta a garota que eu conheço — Ele apontou para o meu
capelo e a beca. — Vamos.
Índigo
Passei tão pouco tempo no apartamento possível. Ele cheirava a cigarros,
e embora eu tentasse manter minha porta fechada do resto do apartamento e as
janelas abertas do meu quarto em todos os momentos, maio em Las Vegas era
quente e meu quarto era insuportável. Minha pequena oficina na parte de trás
do complexo era muito quente, mas eu tinha o ar fresco e os meus projetos para
me distrair. Eu estava perdida na minha mais recente criação - esculpindo e
lixando, trabalhando duro - quando um carro apareceu fora da porta de metal
deslizante. Eu me virei para ver Wilson descer do seu Subaru cinza e bater a
porta atrás de si. Eu saí para a luz do sol, protegendo os olhos enquanto ele se
aproximava.
— Sua tia disse que eu iria encontrá-la aqui fora — Ele ofereceu isso em
forma de cumprimento.
— Ela abriu a porta? Uau. Milagres nunca cessam — Ela estava dormindo
no sofá quando eu saí. Eu tentei não puxar a minha blusa vermelha e meu short
jeans desfiado. Minha barriga tinha começado a ficar redonda, mas não estava
perceptível na minha roupa. Eu olhei para os meus chinelos e enrolei os dedos
dos pés pintados. Eu tinha tomado banho e raspado minhas pernas, mas meu
cabelo ainda estava molhado quando eu tinha fui para fora, e eu tinha puxado-o
em um rabo de cavalo alto para manter os fios molhados do meu pescoço. Eu
ainda não tinha me olhado no espelho. Eu não sabia o que me incomodou mais:
Wilson vendo-me assim ou o fato de que eu me importava que Wilson estivesse
me vendo assim. Ele havia parado de andar e estava olhando para mim. Eu me
encolhi e em seguida fiquei na defensiva.
— Natural combina com você. Você usa muita maquiagem — Wilson deu
de ombros e virou-se.
— Uma garota não pode usar muita sombra azul nos olhos — Eu brinquei,
tentando fingir que não ligava para o que ele disse ou pensasse. Passei a mão no
meu cabelo, sentindo os fios embaraçados e o rabo de cavalo descentrado.
— Diga-me o que você está fazendo — Wilson se moveu para ficar ao meu
lado. Ele estendeu um dedo e seguiu um sulco que se alargou em um espaço oco.
— Um buraco vazado.
— Será que sua tia saber sobre a gravidez? — Ok, agora Wilson estava
sendo contundente.
— Ainda não — Eu não estava fazendo contato visual. Eu não achava que
a minha viagem a Planned Parenthood contava. Seu silêncio me fez sentir como
culpada. Afastei-me da minha escultura e suspirei alto. — Eu tenho uma
consulta com alguém da Saúde e Serviços Humanos. Eu serei capaz de conseguir
algum tipo de assistência médica, e eles vão me dizer onde eu posso ir para ver
um médico, ok?
— Você pode fazer uma pausa? Eu quero mostrar uma coisa que pode lhe
interessar.
— O trabalho do duto atravessa aqui. Foi a nossa única opção. O teto tem
menos de dois metros acima do chuveiro, o que não será um problema para
você, a menos que goste de tomar banho naquelas botas ridiculamente altas que
gosta de usar.
— Eu não posso pagar esse lugar, Wilson. É pequeno, mas é muito bom.
Eu trabalho no café, estou grávida e não há espaço para esculpir, o que significa
que a minha situação financeira provavelmente não vai melhorar se eu viver
aqui.
— Você pode pagá-lo, confie em mim. E a melhor parte? Vamos. Eu vou
lhe mostrar — Ele estava na porta do banheiro e de volta na cozinha em cerca de
dez passos.
— Essa porta aqui? Não é uma despensa. Ela leva para o porão. Eu pensei
que se isso seria o apartamento do faz-tudo, ele precisaria de fácil acesso, por
isso não cobrimos a porta original quando desenhamos a planta. Eu lavo a
minha roupa lá em baixo. O aquecedor de água e fornalha estão lá em baixo,
junto com todas as caixas de fusíveis, etc. Há uma entrada exterior também,
para que eu possa acessá-la sem perambular através de seu apartamento. E é
enorme. Há bastante espaço para você guardar suas compras. Pode ficar um
pouco frio no inverno, mas poderíamos colocar um pequeno aquecedor. E no
verão vai ser o melhor lugar na casa.
— Quanto, Wilson?
— Por que você está fazendo isso por mim? — Eu exigi, enfiando as mãos
nos bolsos da minha bermuda rasgada.
Reluzente
Eu encontrei uma mesa e duas cadeiras, um sofá de dois lugares com
uma cadeira combinando, e uma estrutura da cama que nós trouxemos do
porão. Wilson insistiu em limpar o sofá e a cadeira à vapor. Ele inventou uma
desculpa sobre a Sra. Darwin já ter agendado alguém para vir limpar algumas
coisas dela, mas a Sra. Darwin parecia completamente ignorante do fato quando
eu mencionei a ela no dia que a limpeza à vapor chegou. Wilson também
produziu milagrosamente um colchão novo de molas duplas que, segundo ele,
também estava no porão, embora eu não tivesse visto.
Eu tinha voltado para casa após meu primeiro grande dia de compras
para encontrar um pacote pequeno do lado de fora da minha porta. Tinha uma
nota anexada e BLUE escrito em todo o envelope em negrito. Abri a porta e
joguei minhas sacolas na entrada, incapaz de conter minha curiosidade.
do chocolate tem uma forma distinta, comumente descrito como lágrimas de fundo chato.
Abri o pacote de primeiro - eu não consegui evitar. O cartão poderia
esperar. Dentro estava um pequeno melro de porcelana com olhos azuis
brilhantes. Era delicado e bem feito, com detalhamentos finos e penas escuras.
De pé na palma da minha mão, tinha talvez, dez centímetros de altura da cabeça
aos pés. Coloquei-o cuidadosamente em minha bancada e rasguei o cartão com
o meu nome.
Blue,
Wilson
asas eram. O céu era tão grande. E qualquer outro lugar era
falcão. E ela não era um cisne, um belo pássaro. Ela não era
melra.
pequena, mas não tinha escolha. Ela tinha que tentar. Ela
Era ridículo e brega. Mas eu me senti melhor por ter escrito isso. Não foi
um final exatamente, mas talvez fosse um novo começo. Então eu dobrei a carta
de Wilson e minha história e coloquei-os em uma cópia do Inferno de Dante,
que eu sabia que nunca iria ler, mas que sempre me fazia pensar em harpias e
história, aflição e esperança.
Fiquei olhando para uma foto de Jimmy e eu, nossos olhos vesgos contra
o sol, o café como pano de fundo e Icas aos nossos pés. Apreciei isso sem
palavras.
Bev pigarreou e ajeitou a blusa. Eu poderia dizer que ela queria dizer algo
mais, e eu esperei quase certa que ela tivesse percebido as mudanças na minha
pessoa.
Velha Glória
— Mas o quarto de julho é um feriado americano — Eu franzi meu nariz
para Wilson. — O que diabos faz um grupo de britânicos celebrando o Dia da
Independência?
— Quem você acha que celebra mais quando criança sai, os pais ou a
criança? A Inglaterra ficou feliz por todos vocês, confie em mim. Nós fizemos
uma festa quando a América declarou sua independência. Bravo! Agora vão e
não nos importamos se ficam ou não! — Wilson rosnou.
— Tudo bem, então. Na verdade, minha mãe está na cidade, junto com
Alice e Peter e os meus três sobrinhos. É também um maldito dia quente para
churrasco, o apartamento de Tiffa tem uma vista incrível da avenida - por isso
os fogos de artifício serão ótimos - e o melhor de tudo, há uma piscina na
cobertura.
A mãe de Wilson não se parecia em nada com ele. Ela era loira, magra e
se parecia muito com um aristocrata inglesa. Ela parecia ficar em casa com um
chapéu de abas largas assistindo a uma partida de polo e dizendo “boa jogada!”
Eu podia ver uma semelhança com Tiffa em sua figura esbelta e grandes olhos
azuis, e Alice parecia exatamente como ela, apenas menos serena. A falta de
serenidade pode ter sido o resultado dos três meninos de cabelos vermelhos que
saltavam ao redor dela, sobre ela, debaixo dela. Alice parecia exausta e irritada
onde sua mãe parecia fresca como um pepino. Gostaria de saber se Wilson se
parecia com seu pai. Se não fosse pelos cabelos cacheados de Tiffa, eu poderia
pensar que ele era o produto de um tórrido romance. O pensamento me fez rir
silenciosamente. Joanne Wilson não teve affairs tórridos, eu quase apostaria
minha vida nisso. Mas ela era louca por Wilson, não havia dúvida sobre isso. Ela
segurava a mão dele enquanto eles conversavam, se pendurava em cada palavra
que ele dizia e dava um tapinha em sua bochecha inúmeras vezes.
Meus olhos giraram para Jack, bronzeado e bonitão em uma polo azul
claro e bermuda de brim cáqui, trabalhando no churrasco como um fodão
homem americano. O marido de Alice, Peter não estava contribuindo muito com
o churrasco, mas estava perto de Jack, ouvindo falar e rindo de algo que Jack
dizia. Os dois homens em nada se pareciam, mas eu tinha gostado deles
imediatamente.
Wilson e sua mãe ainda estavam sentados nas cadeiras sob o guarda-sol
azul listrado em sérias discussões desde que tínhamos chegado. Wilson tinha
me apresentado à sua mãe como uma “amiga e inquilina” e não tinha enfeitado
isso. Joanne Wilson parecia aceitar o meu status, embora tivesse erguido as
sobrancelhas um pouco e perguntado sobre Pamela quando pensou que eu não
estava escutando. Aparentemente, Joanne tinha uma boa amizade com os pais
de Pamela.
Eu tentei ficar distante deles quando sai da piscina, mas quando Joanne
parou de falar no meio da frase, eu sabia que não havia escondido a minha
barriga bem o suficiente. Eu puxei meu vestido de verão sobre minha cabeça e
tentei fingir que não tinha notado a pausa reveladora. Ela retomou sua conversa
a meia batida depois, como se nunca tivesse parado, mas quando eu roubei uma
espiada em Wilson, ele estava olhando para mim com uma expressão
indecifrável no rosto. Ele não tinha compreendido mal a reação dela também.
— Tiffa? Estes bifes estão prontos, baby. Vamos comer — Jack gritou para
sua esposa, que estava gargalhando como uma bruxa, o menor dos ruivos em
sua cabeça, os outros dois esguichando água com uma arma em suas costas.
— Darcy. Você não pode estar namorando uma menina que está grávida,
querido.
— Eu não estou namorando com ela, mãe. Blue é minha amiga, e mora no
meu prédio - isso é tudo. Eu estou apenas ajudando-a um pouco. Eu a convidei
por amizade.
— E que nome é esse? Blue? Soa como algo que Gwyneth Paltrow iria
escolher.
— O que ela vai fazer com o seu bebê? — Joanne perguntou. — Onde está
o pai?
— Tenho certeza que ela planeja mantê-lo. O pai não parece estar em
cena, não que seja da minha conta ou da sua, mamãe.
Eu não havia pedido para vir. Eu não estava apaixonada por Wilson ou
fingia uma relação ou um status que não existia. Eu não tinha agido de forma
“indecorosa”, seja lá o que queria dizer. Eu usei o banheiro, lavei as mãos e
levantei meus ombros enquanto abria a porta. Joanne Wilson atravessou o arco
quando saiu, e um flash de desgosto cruzou seu rosto antes dela continuar a
subir as escadas até a cobertura.
— Darcy não vai querer isso. Além disso, acho que ele está ansioso em ir
para casa. Ele estava procurando por você — Tiffa atravessou o arco em direção
a uma parte do apartamento que eu ainda não tinha visto. Ela me chamou por
cima do ombro. — Venha comigo enquanto eu arrumo Henry. Eu não cheguei a
conversar com você hoje. Suas peças estão vendendo tão bem que precisamos
começar a planejar estratégias para estabelecer uma presença maior - mais
peças, peças maiores — Tiffa falava enquanto caminhava, e eu a segui
obedientemente, adiando a minha partida.
— Boa noite, doce garoto — Ela sussurrou enquanto olhava para ele.
Senti-me como uma intrusa, uma voyeur, observando-a enquanto olhava
para ele.
— Tiffa?
— Hmm?
— Oh, não — Tiffa gemeu baixinho, seus ombros caindo. — O que ela
disse?
— Ela disse a Wilson que não deveria ter me trazido aqui. Isso era difícil
para você — Eu queria pedir desculpas, mas minha raiva persistente de Joanne
Wilson me manteve em silêncio. Eu não tinha tentado fazer mal a ninguém.
— Oh, mamãe. Ela pode ser tão imbecil... E antiquada com isso. Agora
vejo por que Wilson faz questão de ir embora. Ela provavelmente destruiu o
coitado — Tiffa estendeu a mão e apertou a minha mão.
Tiffa deve ter sentido minha emoção elevada, porque ela se virou para
mim com um olhar interrogativo em seus olhos azuis.
Evasiva
Wilson estava tranquilo quando nós dirigimos de volta a Boulder City, e
eu estava muito preocupada em confessar que tinha ouvido a conversa com sua
mãe. Eu estava muito atordoada com esperança dele se importar já que tinha
me descartado como um capricho, nada mais. Eu tinha ido à casa de Tiffa no
quatro de julho esperando nada além de fogos de artifício, cachorros quentes, e
um longo mergulho. Eu tinha ido embora com uma possível família para o meu
filho que ainda não nasceu. E embora minha cabeça nadasse e meus
pensamentos corressem freneticamente, eu senti algo certo ressoando dentro de
mim por essa primeira noite longa e os dias seguintes.
Tiffa, Jack e eu nos encontramos com o irmão de Jack, que nos conduziu
através do processo. Não era terrivelmente complicado: Jack e Tiffa pagariam
minhas despesas médicas, o que eu precisaria reembolsar se mudasse de ideia
dentro de um determinado tempo. E, claro, o pai deveria que ser notificado,
teria que assinar abrindo mão dos seus direitos. O pensamento fez meu
estômago dar cãibras de pavor. Não era que eu achei que Mason gostaria de ser
pai e criar a criança. Mas ele era territorial, e eu podia vê-lo causando problemas
apenas por ser encrenqueiro.
E então Tiffa disse à sua família. A mãe de Tiffa, Alice, Peter e as crianças
estavam voando de volta para Manchester na parte da manhã, por isso Tiffa
convidou Wilson para jantar para que ela pudesse dar a notícia, enquanto eles
ainda estavam juntos. Ela me convidou também, mas eu recusei, grata que a
mudança do horário de trabalho no café me deu uma desculpa para ficar longe.
Estranha não começaria a descrever a situação. E eu realmente não queria falar
sobre a adoção e outras coisas com Joanne Wilson. Gostaria de saber se o
constrangimento se estenderia até o meu relacionamento com Wilson, e eu
passei uma noite tensa no trabalho, deixando cair os pratos e atendendo mal.
Eram nove horas exatas quando sai e voltei para casa, cansada e deprimida por
receber e entregar pedidos e energia nervosa. Wilson estava sentado nos
degraus da frente de Pemberley quando eu marchei até a calçada.
— Muitas mulheres mais jovens do que você, e com muito menos talento,
criam os filhos sozinha todos os dias.
— Houve um poema que você citou uma vez, de Edgar Allan Poe. Você se
lembra? — Eu memorizei depois daquela noite. Talvez tenha feito me sentir
mais perto dele conhecer algo que ele sabia, compartilhar algo que ele amava,
mas as palavras tinham falado comigo em um nível muito primitivo, até mesmo
me assombrando. Era a minha vida, ela se resumia em poucas linhas de rima.
Wilson acenou com a cabeça, mas não citou as linhas. Ele só esperou que
eu continuasse. Então, falei-as, entregando cada linha da maneira que
interpretei.
Havia mais, mas era esta linha que ressoava e eu juntei meus
pensamentos, querendo ser entendida.
— Então, o que vem depois, Blue? Para onde vamos a partir daqui? — Eu
não sabia ao que ele se referia exatamente, por isso aceitei isso literalmente.
— Bem, veja quem está aqui. Não conseguiu ficar longe, certo? — Mason
sussurrou, olhando para mim de sua porta aberta. Sua silhueta estava
aparecendo à luz de seu pequeno apartamento em cima da garagem. Eu liguei
para ele, dizendo-lhe que eu estava aqui fora e precisava falar com ele. Ele bateu
o telefone com força e começou a descer as escadas com sua arrogância
pronunciada. Ele, obviamente, pensou que eu queria fazer algo mais do que
falar. Eu segurei minha bolsa na minha frente, não querendo que ele tivesse um
deslumbre até que eu estivesse pronta. Eu ouvi uma porta bater. Wilson virou a
esquina. Eu lhe disse tanto para ficar no carro.
— Você aparece aqui depois de quase seis meses e joga isso em mim? De
jeito nenhum. Uh uh! Eu não acredito.
— Como eu sei que o garoto é meu, Blue? Eu, com certeza, não fui o seu
primeiro, e definitivamente não o último. Se bem me lembro, Adam aqui estava
em cena nessa mesma época — Mason olhou para Wilson amargamente. Wilson
apenas balançou a cabeça e cruzou os braços. A coisa de Adam simplesmente
não foi embora. Não adiantava tentar negar ou explicar qualquer coisa.
Dei de ombros, não discutindo. Era melhor se Mason duvidasse de mim.
Ele faria menos barulho. Entreguei-lhe a intimação que o irmão de Jack tinha
preparado.
— Eu não vim aqui para criar problemas, Mason. Eu não vim aqui para
discutir. Eu quero dar o bebê para adoção. Isso explica a rescisão de direitos.
Você precisa aparecer no tribunal nesta data, assinar na linha pontilhada, e está
terminado. Você nunca mais terá que me ver ou a minha barriga.
Mason olhou para a papelada e por um minuto eu pensei que ele iria
rasgá-la em dois.
— Eu tenho que pensar. Eu não posso fazer isso assim — Ele fez uma
careta, jogando o papel de lado. Ele caiu no chão, e todos nós olhamos para ele,
esperando que alguém fizesse uma jogada. Depois de um segundo, me abaixei
para pegá-las.
Eu me virei e fui embora, não olhando para trás para ver se Mason
observava ou se Wilson me seguia. Eu deslizei para o banco do passageiro do
Subaru de Wilson e me atrapalhei para pôr meu cinto de segurança com a
necessidade de me sentir segura, precisando tranquilizar-me que eu estava a
salvo. Segura da ira de Mason? De sua sensação palpável de traição? Talvez. Eu
só sabia que sentia medo e inexplicavelmente triste. Wilson subiu ao meu lado e
ligou o carro. Minhas mãos tremiam tanto que o fecho escorregou e ricocheteou
de volta contra a janela, batendo no vidro com um estrondo revoltante. Wilson
inclinou-se e puxou o cinto de segurança através de mim e travou sem
comentários, mas senti os olhos dele no meu rosto enquanto ele se afastava do
meio-fio.
Eu podia sentir seus olhos em mim, estudando meu perfil, tentando ver
por baixo da minha máscara. Eu gostaria que ele deixasse isso para lá.
— Você o ama? — A simpatia foi tão inesperada que eu ri, um latido duro
que mantinha pouca semelhança com alegria.
— Não! — Isso foi fácil. — Eu estou envergonhada. O amor não tem nada
a ver com isso. Nunca foi isso.
— E se ele tivesse?
Mason lentamente pegou a minha mão estendida na sua. — Por que você
não me contou antes, Blue? Eu sei que nós nunca fomos sérios, mas eu... Eu
queria ser.
Foi a minha vez de ficar chocada. — Você queria? — Eu nunca pensei que
Mason gostasse de mim além do sexo. Ocorreu-me, então, que a minha baixa
opinião de mim mesma pode ter me cegado aos seus verdadeiros sentimentos.
— Eu sei que posso ser um idiota. Eu bebo muito, digo coisas que não
deveria e fico nervoso muito fácil. Mas você poderia ter me contado.
Não. Eu não faria isso. Mason era parte de um passado que eu não queria
repetir. Mas eu assenti não me comprometendo, grata que havia paz entre nós.
— Cuide-se, Blue.
Virei-me e dei de ombros. — Nem eu, Mason. Talvez isso seja parte do
problema.
Capítulo Dezoito
Neon
— Por que a sua poltrona está no meio da sala?
— Vamos lá, sinto muito. Aqui. Eu vou cantarolar para que você ria de
mim — Ele puxou a cadeira de volta, diretamente debaixo da saída de ar. —
Sente-se aqui e coloque os pés para cima — Ele me empurrou gentilmente na
poltrona e levantou meus pés para que eles estivessem apoiados no descanso de
pés da poltrona. — Melhor ainda, vou correr lá em cima buscar o meu violoncelo
e trazê-lo para baixo para tocar para você.
— Por que você não apenas toca... Do jeito que faz quando está sozinho.
Eu vou apenas ouvir — Eu desisti de qualquer pretensão de não estar
interessada.
— Eu pratico por pelo menos uma hora na maioria das noites — Foi
falado como um desafio e eu respondi imediatamente.
— Sim, muito. A menina que mal podia esperar para chegar a minha aula
todos os dias, muito ansiosa para ouvir e aprender.
Se ele soubesse. Mas ele apenas sorriu para mim e ergueu as mãos para
tocar mais uma vez. Ele precisava de um corte de cabelo novo. Um cacho
castanho deslizou em seus olhos, e ele com impaciência empurrou-o de volta.
Ele inclinou a cabeça para o lado como se o violoncelo que ele segurava fosse
uma amante, sussurrando um segredo. O arco deslizou sobre as cordas, e ele
começou uma melodia. O som era tão doce e sensual - os tons baixos, tremendo
e misturando um ao outro - que eu quase suspirei alto. A música encheu a sala e
empurrou contra meu coração, exigindo entrar.
32 Mary Had a Little Lamb - ("Maria tinha um carneirinho") é uma música para
crianças estadunidense do século XIX, cuja letra é atribuída a Sarah Josepha Hale.
Wilson estava ao meu lado de joelhos, quase antes que as palavras
saíssem da minha boca. Ele estendeu a mão para mim, e eu apertei a mão dele à
minha barriga, orientando-o para o movimento. Eu sentia o bebê se mover
muitas vezes, mas não como agora.
— Ouch! — Eu ri. — Você tem que ter sentido isso! — Wilson moveu a
outra mão para cima da minha barriga com mais firmeza e apoiou sua bochecha
contra mim, escutando. Durante vários segundos, sua cabeça estava embalada
em mim, cachos escuros inclinados sobre minha barriga e eu resisti ao impulso
de correr minha mão pelo seu cabelo. O bebê então parou e, no entanto, Wilson
parecia relutante em se afastar.
Wilson olhou para mim e nossos rostos estavam tão perto, teria sido
muito fácil me inclinar para ele. Muito fácil... E completamente impossível. Ele
parecia surpreso com a minha proximidade e imediatamente se afastou.
— Bob Dylan.
— Você pode cantar. Você tem uma voz linda. Eu não posso fingir que
você é um merda. Porque não pode ser ruim em alguma coisa? É tão injusto.
Wilson sorriu, mas seus olhos novamente usavam aquele olhar sem foco,
como se seu poder de ver fosse absorvido por sua necessidade de ouvir. Fechei
os olhos também, deixando-me afastar em um mar de som. Acordei horas
depois no silêncio. Minha manta cor maçã verde estava dobrada ao meu redor e
Wilson e seu violoncelo mágico tinham ido embora.
— Acho que Bev tem uma queda por você, Wilson. Eu sei que você
provavelmente está acostumado com isso agora. Você não tem um fã clube na
escola? O clube “I Heart Wilson” ou algo assim?
— Wilson. Não seja idiota. Você era tudo que Manny conseguia falar
durante todo o primeiro mês de aula.
Eu ri. — É verdade. Mas acho que eu era a única que não estava seguindo-
o com a minha língua de fora. Era nojento. Agora até mesmo Bev se juntou ao
clube. Eu vi um adesivo em seu carro que dizia A bunda britânica me deixa
louca.
— Não, Blue — Ele balançou a cabeça, exasperado. — Não foi isso que eu
quis dizer. Garotas lindas, duronas, que cresceram muito rápido e que
comeriam caras como eu e os cuspiriam de volta.
— Por que você faz isso? — Wilson eventualmente disparou. Eu sabia que
ele estava pensando feito um louco.
— Fazer o quê?
— O que você quer dizer? Claro que não. Eu disse a Cheryl, ela se
certificou que eu tomasse a pílula, e eu... Superei.
Wilson só olhou para mim e eu poderia dizer que ele não estava
acreditando. Ele começou a subir os degraus para a casa, soltando minha mão e
pegando suas chaves.
— Para constar, Blue, eu não acho que você seja uma vadia horrível —
Disse sobriamente, e eu quase ri da maneira como essas palavras soaram saindo
de sua boca. — Admito que quando você entrou na minha classe no primeiro
dia, eu pensei exatamente isso de você. Mas você me surpreendeu. Há muito
mais em você do aquilo que aparenta.
— Eu continuo desejando que você tivesse uma vida melhor... Uma vida
diferente. Mas uma vida diferente teria feito você uma Blue diferente — Então
ele olhou para mim. — E essa seria a maior tragédia de todas — Com uma
pequena sombra de um sorriso, ele levantou a minha mão aos lábios - Mr. Darcy
até o fim - e, em seguida, virou-se e subiu as escadas. Naquela noite eu fiquei
sentada no escuro esperando que Wilson tocasse. Mas não havia cordas para me
amarrar em nós de seda. Gostaria de saber se Pamela, a loira bonita com pele
perolada e dentes perfeitos, estava com ele. Talvez por isso não houvesse
música. Eu acho que deveria ser grata que não havia gemidos e declarações de
amor que vinham através da saída de ar. Estremeci com o pensamento e o bebê
chutou, fazendo-me recuperar o fôlego e levantar a camisa para que eu pudesse
ver a minha barriga. Era tão estranho... E tão legal. Minha barriga revirou,
levantando e baixando como uma onda do mar.
— Icas fede e tem beijos piegas. Mamãe não tem a respiração de um cão
— Eu dobrei meu joelho sobre o galho e balancei um braço e uma perna.
Descendo, eu arranquei o chapéu de Jimmy de sua cabeça. — Talvez Bev possa
ser a nossa nova mãe. Ela gosta de você e gosta de mim, e faz realmente bons
sanduíches de queijo — Eu coloquei o chapéu de Jimmy em minha cabeça e
desci para o chão, realmente não me importando com a sensação de alfinetes e
agulhas em meus pés quando eu atingi na terra.
Jimmy parou de esculpir, as mãos caindo para os lados. Ele olhou para
mim com sobriedade, e me espantei com as linhas profundas ao redor da sua
boca que eu realmente não tinha notado antes. Jimmy já meio que parecia um
vovô.
Página em Branco
O recinto cheirava como seria de esperar de uma delegacia. Cheirava
autoridade. A café, água de colônia, uma pitada de água sanitária e eletrônicos...
Você conhece o cheiro. No entanto, eu não senti o cheiro de donuts. Eu achei
que a coisa de polícia e donuts era apenas um estereótipo. Mais rótulos.
— Nós temos um detetive Bowles. Será que você gostaria que eu visse se
ele está no local?
33 Betty White- Betty Marion White é uma apresentadora, atriz, comediante e escritora americana,
premiada com sete Emmys durante sua carreira.
— Blue Echohawk — Isso tornaria mais simples. Se Detetive Bowles não
reconhecesse meu nome, não seria o mesmo oficial que eu tinha conhecido.
— Eu pensei que o vi naquele dia. É por isso que estou aqui. Eu achei que
você tinha que estar trabalhando aqui em Boulder City agora e - eu sei que isso é
um pouco estranho - acho que você pode ser capaz de me ajudar. Eu não estou
em apuros! — Corri para adicionar e ele sorriu de novo. Ele parecia
genuinamente feliz em me ver.
— Eu sabia que não poderia haver duas Blue Echohawk no mundo, mas
admito, eu ainda a imaginava com dez anos de idade — Ele olhou para a minha
barriga saliente em surpresa. — E você vai ser mãe em breve, pelo que parece! —
Minha mão escorregou para a minha barriga, sem jeito. Eu balancei a cabeça e
agarrei a mão que ele estendeu em minha direção, sacudindo-a com firmeza
antes de soltá-la.
— Candy? — Detetive Bowles dirigiu sua pergunta para a senhora
atenciosa na recepção. — Será que a sala D está disponível?
Candy sorriu e acenou com a cabeça, o tempo todo falando em seu fone
de ouvido.
— Então fale comigo. O que a traz para mim depois de todo esse tempo?
— O Detetive Bowles cruzou os bíceps protuberantes sobre o peito e recostou-se
na cadeira.
— Eu não quero deixá-la em apuros. Ela deveria ter falado... Mas tinha
suas razões, eu acho.
— N... Acho que não. Eu não cometi um crime. Eu era uma criança.
Nunca me ocorreu que eu poderia ir à polícia com o que ela me disse. E estou
esperando que isso não seja sobre Cheryl Sheevers ou qualquer outra pessoa.
Trata-se de mim. Estou tentando descobrir quem era minha mãe.
— Se bem me lembro, ninguém parecia saber quem era sua mãe, correto?
— Ela me disse que Jimmy parou para passar a noite em uma parada de
caminhões em Reno. Sentou-se em uma grande mesa no restaurante para ter
algo para comer, e cerca de vinte minutos em sua refeição uma menininha
sentou-se em frente a ele. Ela havia estado aparentemente dormindo do outro
lado desta grande mesa redonda, e ele ainda não a tinha visto lá. Ele ofereceu a
menininha suas batatas fritas. Ela não chorou, mas estava com fome e comeu
tudo o que ele lhe deu. Ele acabou ficando sentado ali com ela, esperando que
alguém a reclamasse — Eu olhei para Detetive Bowles cujos olhos tinham ficado
maiores, saltando para a conclusão óbvia.
— Você teria que conhecer Jimmy. Ele definitivamente caminhava em um
ritmo diferente. Ele não viveu como as outras pessoas viviam, e definitivamente
não respondeu da forma que alguém teria respondido. Ele era gentil, mas
também era reservado... E muito... Calmo e... E despretensioso. Eu só posso
imaginá-lo, olhando ao redor, tentando descobrir o que no mundo fazer com
esta criança, mas não dizendo uma palavra. Eu juro, ele não teria falado em uma
sala de emergência se tivesse um machado em sua cabeça.
Fiz uma pausa, a lembrança pronta nos limites da minha mente... Mas
ainda nebulosa. Eu realmente não sabia se era uma lembrança verdadeira ou se
eu havia apenas imaginado tantas vezes que parecia dessa forma. — De qualquer
forma, eventualmente, uma mulher veio até a menininha. Jimmy pensou que
talvez a menina estivesse perdida e sentada na mesa sozinha. Mas da forma
como a mulher agiu, ela tinha colocado a menininha na mesa de propósito, e a
deixado dormir enquanto ela saia e jogava bilhar.
— Ela era jovem... Talvez mais jovem do que sou agora — O pensamento
me ocorreu muitas vezes nos últimos meses. — Ela era nativa americana, como
Jimmy. Eu acho que poderia ser uma das razões por ter me deixado com ele —
Talvez eu estivesse me enganando. Mas era algo para me agarrar.
— Reno?
— Reno, Nevada — Wilson era britânico. Talvez ele não soubesse onde
era Reno. — É em Nevada, mais para o Norte. Trata-se de uma viagem de oito
horas. Eu posso voar, mas estou longe demais para que isso seja seguro. Eu nem
mesmo sei que eles me deixariam voar.
— Eu disse a eles tudo o que sabia... Sobre mim, sobre a minha mãe...
Sobre Jimmy — Eu me senti estranhamente com vontade de chorar. Eu não me
sentia assim quando falei com o Detetive Bowles na segunda-feira. Mas ele tinha
me ligado de volta esta manhã. E estava animado. Eu tive a sensação de que a
vida que eu estava tentando construir para mim seria desfeita mais uma vez.
— O Detetive com quem eu falei... Ele disse que houve uma mulher que
foi encontrada morta em um quarto de hotel em Reno, em 1993. Esta mulher,
aparentemente, tinha um filho. A criança nunca foi encontrada. Os detalhes
correspondem com o que me disse Cheryl. Eles querem que eu vá para Reno dar
uma amostra de DNA e ver se eu sou a criança desaparecida.
— Eles serão capazes de lhe dizer isso? — Wilson soou tão surpreso
quanto eu.
— Meses. Não é como na TV, eu acho. Detetive Bowles disse que ele já
teve que esperar um ano pelos resultados de DNA, mas acha que isso será uma
prioridade, por isso não deve demorar muito.
Wilson bufou. — Bem, quanto mais cedo você chegar lá e dar-lhes uma
amostra, mais cedo você vai saber, certo?
— Você disse à Tiffa? — Ele fez uma pausa com o telefone na mão,
olhando para mim. — Ela vai querer saber.
Liguei para Tiffa e, como se viu, Tiffa não só queria saber, ela queria vir.
Ela realmente não queria que eu fosse, mas Wilson só balançou a cabeça e
pegou o telefone de mim.
— Ela tem que ir, Tiff. Ela precisa — Então Tiffa decidiu que a melhor
coisa a fazer era simplesmente ir junto. Jack estaria em Reno para uma
convenção médica no sábado e domingo de qualquer maneira, e ela tinha se
debatido em se juntar a ele. Ela iria apenas voltar alguns dias mais cedo para
que pudesse estar comigo. O status mamãe bebê estava ficando um pouco velho,
eu disse a mim mesma irritada. Eu fui muito independente por tanto tempo, me
sentia estranha precisando comunicar minhas idas e vindas para alguém.
Secretamente, porém, eu estava emocionada que ela se importava tanto.
— Tudo bem. Mas eu vou dirigindo e você ainda está sentando na parte
de trás — Disse Wilson agradavelmente.
— Será que Darcy lhe disse como ele queria seguir os passos de St.
Patrick?
— Tiffa... Por favor, você pode apenas dormir? — Wilson gemeu, soando
um pouco como um de seus alunos.
Pensei que St. Patrick era apenas um duende irlandês. Eu nunca tinha
pensado nele como uma pessoa de verdade. Ou um santo de verdade. Era
apenas um feriado.
— Doze! Ele tinha malditos doze anos! — Tiffa gritou do banco de trás,
fazendo todos rirem. — Quando Darcy nasceu ele estava usando uma pequena
gravata borboleta e suspensórios.
— Suspensórios? — Eu ri.
— Suspensórios — Wilson forneceu secamente.
— Não tente ser boa para mim agora, Tiff — Wilson sorriu, encontrando
seu olhar pelo espelho retrovisor.
— Tudo bem. Eu não vou. Você sabia que ele ia ser um médico, Blue?
— Ele não foi feito para isso. Ele seria completamente miserável. Papai
viu o quão brilhante era Darcy e só assumiu que significava que ele deveria ser
um “homem da medicina” como ele era, e seu pai antes dele e seu avô. Mas
Darcy era brilhante em todos os caminhos que não tinham nada a ver com
ciência, não é amor?
Nevasca
O processo foi incrivelmente fácil. Encontrei-me com um detetive Moody,
que foi o oficial que respondia pelo caso há mais de 18 anos atrás. Ele era careca,
por opção ou necessidade, eu não tinha certeza. Ele estava em seus quarenta e
poucos anos, mas parecia cansado, como se tivesse uma vida longa até o
momento. Ele parecia em boa forma e magro com calça cáqui, uma camisa e um
coldre de ombro que parecia tão confortável como todo o resto que ele usava.
— Eu não posso lhe dar mais detalhes do caso. Ainda não. Você entende
que se não for à filha desta mulher, não tem direito à informação. Nem o seu
nome, o nome de sua filha, os detalhes de sua morte, nada... Você entende? — O
Detetive Moody era apologético e firme. — Mas se você é quem pensa que é,
quando tivermos a confirmação do DNA, nós lhe daremos tudo o que temos. Eu
tenho que dizer, eu espero como o inferno que você seja aquela menina. Isso me
incomodou por muitos anos, posso dizer isso. Seria um final feliz para um caso
muito triste — Detetive Moody sorri para mim, seus olhos castanhos sóbrios e
sinceros.
— Amor. Você vai ter que me perdoar. Eu não tenho ideia do que você
está falando — Tiffa sentou-se e estendeu a mão para o abajur.
Tiffa deixou cair sua mão, mas ficou em pé. Eu podia sentir que ela estava
olhando para mim, deixando que seus olhos se ajustassem no escuro. Eu fiquei
virada para o meu lado, olhando para a parede, o peso da minha barriga apoiada
pelo colchão grosso.
— Você estará adotando o bebê. Você diz que não se importa se é uma
menina ou menino. Você não se importa se o bebê é de pele morena ou clara. E
eu acredito em você. Mas e se o bebê for... Descendente de uma pessoa fraca,
egoísta, má?
Pensei por um momento. — Não todo o tempo. Mas às vezes eu sou fraca.
Às vezes sou egoísta. Eu não acho que sou má... Mas não sou necessariamente
boa, também.
— Sim. E seu sangue corre nas veias deste bebê. Você está disposta a
correr esse risco?
— Absolutamente. Mas não acho que nenhum risco, amor. Jack tem
diabetes. Você sabia? É transmissível. Nunca pensei em não ter filhos só porque
a criança pode ter a mesma doença. Eu tinha dentes horríveis. Felizmente, o
aparelho me deixou com uma beleza arrebatadora — Havia riso em sua voz. —
Mas e se não houvesse tal coisa e meu filho estivesse condenado a dentes de
cavalo?
— Nós não sabemos que tipo de vida a sua mãe teve. Nós não sabemos
quais eram seus motivos. Mas olhe para você. Você é brilhante! E isso é o
suficiente para mim, Blue. E se a minha mãe tivesse optado por não adotar
Darcy? Ela nunca conheceu sua mãe biológica ou pai. Ela não sabia nada sobre
eles, exceto os seus nomes. Mas ela amava Darcy, talvez isso fosse o melhor de
tudo, e ele era um completo desconhecido. Seu pai poderia ter sido um
assassino em série, até onde sabemos.
— Sim! Ele não lhe disse? Mamãe e papai tentaram ter outro filho por
anos. Eles adotaram Darcy quando ele tinha apenas alguns dias de vida. Foi
organizado através de nossa igreja.
— N... Ele não me disse — Minha voz falhou e eu limpei minha garganta
para disfarçar meu espanto.
— Ele visitou seus pais quando completou dezoito anos. Sua mãe era
jovem, como você, quando ficou grávida. Ela é casada agora com vários filhos.
Ela estava feliz em vê-lo, feliz que ele tinha acabado bem. Seu pai era um
policial, em Belfast. Ele e Wilson se deram bem. Eu acho que eles ainda se falam
de vez em quando. Jenny Woodrow e Bert Wheatley, acho que são seus nomes.
Eu não consigo lembrar o nome de solteira de Jenny.
Tiffa estava aparentemente sem saber da minha tormenta. Ela não disse
nada por alguns minutos, e em pouco tempo ouvi sua respiração mudar e eu
sabia que ela tinha caído no sono deitada ao meu lado. Meus quadris doíam.
Minhas costas estavam me matando todos os dias, meus tornozelos estavam
inchados e eu estava muito desconfortável, muito grávida e muito irritada
demais para dormir.
— O que está errado com você, Blue? Eu fiz alguma coisa? Você está com
dor? Pelo amor de Deus! Qual é o problema?
— Ela não tinha ideia de que você não tinha me dito! Por que você não me
disse, Wilson?
— Será que a ajudaria? — Wilson limpou meus olhos com seu olhar
penetrante e testa enrugada em consternação.
Eu com raiva, então empurrei suas mãos, abrindo a porta e tirando meu
corpo desajeitado de dentro do carro, furiosa de uma forma que nunca estive
antes.
Minhas costas estavam pegando fogo, meu pescoço estava dolorido e meu
coração doía como se tivesse sido arrastado atrás do carro. Eu caminhei em
direção aos banheiros, precisando de espaço e, francamente, com a necessidade
de fazer xixi. Eu estava grávida de nove meses.
— Você está bem, querida? — Uma pequena de voz falou à minha direita.
Uma mulher de idade, que mal alcançava meu ombro ficou olhando para mim
com uma expressão gravada em seus lábios finos. Rugas margeavam sua boca
como pernas de uma centopeia. Seu cabelo grisalho estava em pequenos cachos
arrumado sobre sua cabeça, e ela usava um lenço sobre eles, supostamente para
proteger seu cabelo do vento, que estava do lado de fora. Eu tinha trazido à
tempestade comigo, aparentemente.
— Seu marido me pediu para checá-la. Ele está preocupado com você.
— Por que você não me contou? Eu não entendo! Deitei na cama a noite
toda pensando nisso. E eu não consigo pensar em uma explicação plausível —
Meu cabelo voava para minha boca e ao meu redor como cobras da Medusa,
mas eu não voltaria para o carro... Não até que eu tivesse uma resposta.
— Você acha que não quero esse bebê? Você acha que estou dando-o,
porque não quero?
— Quando você me disse que tinha decidido não manter seu bebê, eu
pensei que você estava cometendo um erro. No entanto, como eu poderia dizer
uma maldita coisa? Minha irmã está nas nuvens de tanta alegria. E você parecia
estar em paz com a sua escolha.
— Eu não tive a intenção de esconder isso — Ele apelou com seus olhos
cinzentos suplicando para mim. Eu desviei o olhar, não querendo ouvir. Mas ele
era insistente, e virou meu queixo em direção a ele, exigindo que eu o ouvisse. —
Eu não falei quando deveria ter falado. Nunca pareceu adequado ou oportuno. E
então já era tarde demais. E honestamente, o fato de que eu fui adotado é
irrelevante, Blue.
Wilson se esticou e segurou minhas mãos nas dele, virando-se para mim,
tanto quanto o volante permitiria.
— Blue, toda esta experiência tem sido uma revelação para mim.
Tentei não recitar todas as palavras com R na minha cabeça enquanto ele
continuava.
— Eu, como todo ser humano, precisava saber quem eu era. Meus pais
entenderam e, ao contrário do que você lidou, não havia segredos na minha
vida. Eu sabia de tudo... Exceto o porquê. Eu nunca entendi por que minha mãe
biológica fez essa escolha. Eu sempre achei que se alguém realmente me
amasse, eles nunca me dariam. Vendo você passar por tudo isso, eu acho que
finalmente entendi que isso não é necessariamente verdade.
— Ele me disse para não me preocupar. Ele disse: “As mulheres choram.
Se ela está chorando por você, ainda te ama” — Wilson tentou imitar a voz
trêmula do velho homem. Ele olhou para mim e sorriu, brincando. — Ele disse
que eu só devo me preocupar quando você parar.
Tentamos esperar a chuva passar, mas nunca parava. Nós voltamos para
estrada só para lutar com chuva e neve por aproximadamente três horas. Neve
em Boulder City era quase desconhecida, mas estávamos numa longa estrada ao
norte da área de Las Vegas, e neve em Reno era comum. No entanto, em
outubro a neve não era. Minha ansiedade crescia à medida que a viagem
prolongava. Eu não queria lamentar ou preocupar Wilson, mas minhas costas e
baixo ventre estavam doendo constantemente desde que tínhamos parado na
área de descanso. Talvez fosse o estresse da viagem ou todas as palavras com R
derramando sem alívio, ou talvez fosse simplesmente a hora. Duas semanas
antes não era realmente considerado prematuro. Era considerada a gestação
completa. E eu tinha uma suspeita de que estava em trabalho de parto.
Às três horas seguintes foram as mais longas três horas de minha vida - a
de Wilson também, eu supus. Ele estava branco ao redor dos lábios, e seu rosto
estava abatido no momento em que vimos às luzes de Vegas manchadas como
um derramamento de óleo além do para-brisa, um arco-íris suave em um mar
de preto. Eu tinha cronometrado minhas contrações, e elas tinham ficado
constantes e cada vez mais dolorosas em cerca de cinco minutos de intervalo. Eu
não tinha ideia do que isso significava, ou o quão longe eu teria que ir. Mas nós
dois estávamos cansados demais para ir para casa e esperar que isso piorasse.
Chegar ao hospital era muito bom. Algumas estradas estavam com a água até o
joelho e a chuva não estava parando.
— Por favor — Eu não sei se ele ouviu o apelo final, e eu tive que fechar
meus olhos para que não visse sua resposta. Eu estava com medo de vê-lo se
encolher, ver seus olhos se afastarem, ouvi-lo dar desculpas.
A cama se moveu e eu abri meus olhos para vê-lo sentado ao meu lado.
Suas sobrancelhas estavam juntas e seus olhos cinzentos cheios de apreensão.
Mas ele não se inquietou ou se encolheu e seus olhos seguraram os meus.
— Tem certeza?
— Então vou ficar — Ele deslizou sua mão na minha e segurou-a com
força. A mão dele era grande e suave com as pontas dos dedos calejados. Meu
alívio foi tão intenso, que eu não poderia responder imediatamente por medo
que perdesse a compostura. Eu passei as minhas duas mãos ao redor da dele e
apertando em gratidão. Depois de várias respirações profundas, eu sussurrei
meus agradecimentos quando outra onda de pressão e dor construiu dentro de
mim.
Capítulo Vinte e Um
Melhor Amigo
Minha enfermeira entrava e saía. Wilson fazia questão de sentar-se à
cabeceira da cama, tentando desesperadamente manter o pudor, tanto quanto
possível. Ele manteve os olhos no meu rosto quando ela me examinou e disse
que eu estava com cinco centímetros, em seguida, seis e, em seguida, seis e
meio. E então, o progresso estagnou.
— Que tal você me mata agora? — Rangi meus dentes cerrados contra o
ataque apreciativo da tática de diversão de Wilson, se não pela sua escolha de
histórias.
— Tudo bem. Vamos voltar para o seu quarto e ver se toda essa
caminhada fez bem.
— Whoopee?
— Muito engraçado, Wilson. Tudo bem. Eu não vou usar o seu nome
indígena. Esta é a história de White Hawk, o grande caçador e da Star Maiden.
— Hey! Sou eu quem faz as piadas. Fique quieto. Eu tenho que contar-lhe
esta história enquanto posso falar — Eu dei-lhe um longo olhar, e ele fez o
movimento de fechar os lábios. — Depois de um tempo, White Hawk viu uma
grande cesta de palha descendo do céu. Doze belas garotas saíram e começaram
a dançar na clareira. Enquanto White Hawk as observava, percebeu que todas as
meninas eram adoráveis, mas a mais bonita era a mais nova e White Hawk se
apaixonou imediatamente por ela. Ele saiu correndo, tentando alcançá-la, mas
as meninas gritaram e subiram de volta para a cesta, que subiu alto no céu até
que desapareceu nas estrelas. Isso aconteceu mais três vezes. White Hawk não
conseguia comer ou dormir. Tudo o que podia fazer era pensar na jovem estrela
que ele havia se apaixonado.
— Tudo bem, querida. Vamos ver como você está — Eu olhei para Wilson
quando me deitei na cama. Ele sentou-se no banquinho ao lado da cama e se
inclinou para mim, ignorando a enfermeira e o desconforto da intimidade que
eu tinha forçado em cima dele. Seu rosto estava a centímetros do meu quando
ele novamente pegou minha mão e encontrou meu olhar.
— Diga-me o que posso fazer, Blue. Diga-me o que fazer — Wilson insistia
calmamente. Eu tinha ficado em silêncio, minha energia e foco estavam atraídos
para a estreita picada de agulha da luz, pega no ciclo aparentemente
interminável de dor e perdão, incapaz de encontrar palavras. Eu só balancei a
cabeça e agarrei a sua mão. Ele amaldiçoou violentamente e se levantou da
minha cama com um idiota, seu banco arrastando ruidosamente pelo chão. Ele
soltou os meus dedos de sua mão, e eu choramingava de consternação quando
ele se virou em direção à porta. Ele atravessou o quarto em passos largos, e
abriu a porta. Então eu o ouvi com sua voz elevada, exigindo assistência em
termos muito, muito grosseiros. Eu estava tão orgulhosa e ridiculamente tocada
que quase ri, mas a risada ficou presa na minha garganta, e em vez disso, eu
gritei. Meu corpo tremia e a pressão nas minhas pernas era avassaladora. A
necessidade de empurrar era tão intensa que eu agi sem pensar. Gritei de novo,
e minha porta se abriu, com Wilson e uma bagunça de cabelo selvagem,
juntamente com uma enfermeira horrorizada vieram voando para o quarto.
— O médico está a caminho! O médico está a caminho! — A enfermeira
balbuciou com seus olhos se alargando quando ela se posicionou entre as
minhas pernas. — Não empurre!
Meu bebê? O bebê de Tiffa. Eu balancei minha cabeça. Tiffa não estava
aqui ainda. Eu me concentrei mais uma vez, empurrando através da dor. Em
seguida, novamente. E mais uma vez. E mais uma vez. Eu não sei quanto tempo
empurrei e supliquei a Deus para que isso acabasse. Eu perdi a conta na neblina
de dor e exaustão.
— Wilson?
— Sim?
— Se eu vê-la... Não sei se vou ser capaz de deixá-la ir. Eu tenho medo
que se eu segurar meu bebê, não serei capaz de deixá-la ir — As lágrimas
corriam pelo meu rosto, e eu não tinha forças para segurá-las.
— Vamos lá, Blue! — O médico foi insistente. — Aqui vamos nós! Mais
uma vez.
— Acordei você?
Ele não discutiu que Tiffa estava a caminho ou que o meu bebê estava
sendo cuidado e provavelmente dormindo. Em vez disso, ele se levantou e se
aproximou da cama. Eu estava enrolada de lado, de frente para ele, e ele se
agachou para que seus olhos estivessem no mesmo nível que os meus.
Estudamos um ao outro em silêncio. E então ele ergueu a mão e colocou-a
suavemente contra minha bochecha. Um simples gesto. Mas foi a minha ruína.
Eu fechei os olhos e chorei, bloqueando seus olhos cinzentos tempestuosos com
o entendimento, compaixão. Eventualmente, eu o senti se deitar ao meu lado na
cama estreita e envolver seus braços em volta de mim, me puxando contra ele.
Ocasionalmente, ele acariciava meus cabelos ou falava baixinho, mas não fez
nenhum comentário da minha intensa tristeza encharcando o travesseiro sob a
minha cabeça.
Uma enfermeira entrou no quarto uma vez, deu a volta e foi direto para
fora. Wilson não fez nenhuma tentativa de se mover ou se retirar para a cadeira
no canto.
— Você não me disse o fim da história — Ele murmurou bem mais tarde.
— Hmm?
Cinzento
Tiffa e Jack chegaram ao hospital por volta das de cinco horas do dia
seguinte. Wilson tinha se mudado para a cadeira em algum momento enquanto
eu dormia e tinha recebido uma ligação avisando-nos que eles haviam chegado.
Ele saiu para encontrá-los quando minha enfermeira entrou para olhar meu
gráfico e tirar a minha pressão arterial. Eu estava ansiosa para sair do hospital e
estava vestida, esperando para ter alta, quando ouvi um leve bater. Tiffa enfiou a
cabeça pela porta do hospital e me chamou.
— Ela é linda, Blue. Ela é absolutamente linda. Eu posso ver você nela... E
isso me deixa muito feliz — Tiffa sussurrou entre soluços. — Obrigada, Blue.
Eu tive que me afastar. Para a minha própria sobrevivência, eu tive que
me afastar. Eles me deixaram ir, mas Tiffa apertou minhas mãos nas dela. Ela
parecia despreocupada com o fato de que as lágrimas ainda escorriam pelo seu
rosto. Fiquei maravilhada com a sua capacidade de chorar sem vergonha ou
constrangimento.
— Você me deu algo que eu nunca teria pedido para você, e prometo que
vou ser a melhor mãe que puder. Eu não vou ser perfeita. Mas eu a amo com
todo o meu coração, e serei perfeita nisso. Quando ela tiver idade suficiente, vou
dizer-lhe tudo sobre você. Vou dizer- lhe como você era forte e como a amava.
Nos dias que se seguiram, Wilson me dava cada vez mais espaço, e caiu
em um padrão que lembrava os dias e as semanas que antecederam o
nascimento de Melody. Voltei a trabalhar no café quase que imediatamente e
comecei a esculpir novamente. De outra forma, passar por isso seria muito mais
difícil. Imediatamente após o nascimento de Melody, apertei meus seios da
maneira que as enfermeiras me mostraram, mas doía e vazava, e eu acordava
ensopada com os lençóis molhados com leite e minha camisola grudada em
mim. Tomar banho era quase doloroso, meu corpo parecia estranho, e eu não
podia suportar olhar no espelho e ver os seios inchados que foram feitos para
alimentar, a barriga que ficava a cada dia mais plana e os braços que desejava
segurar o que já não era mais minha. De vez em quando eu esquecia e acariciava
minha barriga, só para lembrar que o inchaço que permanecia não era uma
criança, mas um útero vazio. Eu era jovem e ativa, então meu corpo se
recuperava rapidamente. Logo, a única lembrança que eu teria que ela foi uma
parte minha, seriam as estrias fracas que marcaram minha pele. Estas marcas
tornaram-se bonitas para mim. Preciosas.
Dei de ombros. Eu não tinha chegado tão longe. Eu olhei para ela pela
primeira vez. — Como você acha que eu devo chamá-la?
Ele olhou para mim, então, a tristeza em seus olhos cinza tinham me feito
desviar imediatamente, encolhendo pela compaixão que eu vi lá.
— Loss35 — Ele sussurrou. Fingi não ouvir. Ele ficou por mais uma hora,
vendo-me trabalhar. Eu nem sequer o ouvi sair.
Pouco antes do Natal, eu tive uns dias de folga do trabalho e fui a uma
grande expedição de caça a madeira. Fui para o Arizona, cheguei ao sul de Utah,
e circulei de volta para Las Vegas com a caminhonete cheia de zimbro, mogno
da montanha e mais algaroba do que eu poderia esculpir nos domingos do mês.
As fortes chuvas e inundações de meses atrás havia movido a madeira de um
lugar mais alto, enchendo os vales e tornando-se bastante fácil encontrar o que
eu estava procurando. Infelizmente, eu tive que deixar algumas partes mais
pesadas para trás, porque, embora eu tivesse aperfeiçoado o uso das alavancas,
polias e rampas, algumas partes exigiam mais do que uma mulher e suas
ferramentas poderiam fazer. Quando planejei a viagem, eu esperava que
pudesse ser capaz de convencer Wilson a ir comigo. Com o feriado de Natal, ele
teria um tempo de folga. Eu achava ele estava obviamente tentando ficar longe
de mim, então eu não me incomodei.
— Vá em frente, Pam. Está muito frio aqui fora. Eu vou ajudar Blue a
guardar no porão.
— Eu nem sabia que você tinha saído até ontem de manhã. Então eu
comecei a me preocupar.
Bati meus bolsos e gemi. — Sim. Estão. Deixa para lá. Eu vou movê-la e
trancá-la.
— E?
— E... É meia-noite!
— Você sumiu por três dias e estou supondo que quase não dormiu o
tempo todo que esteve fora, mas aqui está você, como se estivesse trabalhando
com prazo ou algo assim. Seu jeans está rasgado, você estava mancando mais
cedo, e seu rosto está arranhado — Wilson argumentou. Ele correu um dedo
pelo arranhão irritado em minha bochecha. Estendi a mão para empurrar a
dele, mas ele capturou minha mão e virou-a, correndo os dedos sobre a palma,
abrindo meus dedos, observando os calos e os arranhões que eu tinha adquirido
nos últimos dias. Arrepios subiram em meus braços e fizeram cócegas na minha
garganta. Eu tremi e a puxei. Agachei-me ao lado de meu projeto e voltei a lixar.
— Você disse que não saiu sem dizer a ninguém onde estava indo. Você só
não me falou. Por quê?
— Você está me evitando por um tempo, Wilson. Deu-me a impressão de
que não estaria se preocupando com a minha ausência — Minhas palavras eram
bruscas e eu, corajosamente, sustentei o olhar.
— Quando eu era criança, essa história nunca fez qualquer sentido para
mim. Por que as pessoas querem ficar sozinhas? — O tom melancólico da minha
voz foi revelador e os braços de Wilson apertaram ao meu redor. Eu mantive
meus olhos fechados, um cansaço repentino rastejando em meus músculos e
membros com o calor que me rodeava.
— Eu pensei que Shinangwav era o irmão mais esperto. Ele sabia que as
pessoas gostavam de ficar em grupos. Eu importunei Jimmy constantemente
por uma mãe, uma irmã ou alguns amigos. Um lobo sábio deve saber que as
pessoas preferem ficar próximas.
Seus olhos eram tão cinza à luz insignificante do canto escuro que
pareciam ardósia em um dilúvio. Seu rosto era um estudo de concentração e
empatia, como se cada palavra que eu disse fosse de muita importância. Era
essa expressão, essa intensidade que havia me desgastado, e me conquistado,
aula de história após aula de história, dia após dia, e ele nem sabia que eu era
dele.
Alice
Eu tinha recusado Ação de Graças, Natal e todas as armadilhas de
feriados, mas quando Tiffa ligou e me pediu para ir à festa anual de Ano Novo e
disse-me que sua mãe estaria cuidando dos meninos de Alice e Melody em outro
lugar, eu cedi. Eu disse a mim mesma que não tinha nada a ver com o fato de
que ela tinha arranjado que Wilson fosse meu par porque Pamela estava na
Inglaterra para o Ano Novo.
Pensei que eu estava bastante colorida de jeans skinny pink e um top azul
brilhante de lantejoulas. Eu até tinha brincos de penas roxas em minhas orelhas
e anexadas ao meu cabelo, sombra brilhante nos olhos e lábios vermelhos, mas
Tiffa tinha me batido facilmente com leggings tingida, uma camisa listrada-
neon ofuscante, plataformas de salto alto de laranja, e uma peruca de palhaço
arco-íris. Wilson ainda entrou no espírito com uma camisa que não era azul,
cinza ou preta. Era de manga comprida com um longo decote em v em um suave
verde claro. Não muito forte, mas pelo menos ele tentou. Ele usava calça jeans
preta e botas pretas e parecia muito um professor liberal.
Não era uma grande festa - talvez trinta pessoas - mas todos pareciam se
conhecer bem. Havia dez ou doze casais, além de Tiffa e Jack, Alice e Peter, e
Wilson e eu. A maioria dos outros eram sócios britânicos de Tiffa da The
Sheffield. Eu esperava que todos eles fossem beber seu champanhe com o
mindinho levantado, considerando como adequado soava na conversa. Mas eles
eram todos muito ruidosos e fáceis de lidar, especialmente depois de algumas
bebidas.
Eu não sei o que eu esperava de uma festa de Ano Novo com um monte
de ingleses, mas não era Ha Ha Ha, e definitivamente não era o jogo do saco
marrom. O jogo do saco marrom consistia em ficar de pé sobre uma perna,
como um guindaste, inclinando-se sem tocar no chão ou o saco, levantando o
saco do chão usando apenas a boca. A cada rodada, alguns centímetros seriam
cortados do saco marrom até que houvesse apenas uma borda fina restante do
saco. Alice acabou ficando com o nariz sangrando quando o cara a colocou no
chão. Tiffa era como Giselle36, facilmente dobrando-se ao meio e mergulhando o
saco do chão como se fosse um movimento de dança que ela dominava há
muitos anos. Jack estava fora após a primeira rodada. O marido de Alice, Peter,
soltava gases toda vez que fazia uma tentativa do saco, ficando envergonhado, e
dizendo: “Pardon me’s” quase que mais engraçado do que os barulhos
constantes. Wilson atacou o jogo do saco marrom com uma concentração
obstinada que suas irmãs diziam ser como ele fazia com todos os jogos, mas
estava fora do seu alcance depois de duas ou três rodadas.
— Você riu! Você riu do meu ha ha ha! — Tiffa gritou e pulou em volta
agitando as mãos no ar. — Dê-me um adesivo, Blue Echohawk! Você sucumbiu
à minha inteligência! Agora preciso designar alguém para beijar você e beijar
bem! Wilson! Pronto para um beijo, amor!
36 Giselle- a autora faz referência ao balé Giselle do compositor de ópera francês Adolphe Adam.
37 Scary Spice – Pseudônimo de Melanie B, integrante da banda britânica Spice Girls.
que Wilson havia se levantado e estava se aproximando de mim com a intenção
de oferecer um beijo.
— Oh, Caramba! Isso foi patético, Darcy! O que nós temos, cinco? — Alice
gemeu alto. — Essa festa toda é patética! Eu não vi um beijo de verdade a noite
toda! Todos esses selinhos, adesivos e a porra do jogo do saco marrom.
Maldição! — Alice pigarreou alto. Ela sentou-se e apontou para um cara de boa
aparência cercado pela maioria das mulheres quando o jogo do Ha Ha Ha
começou.
— Isso foi lindo! Darcy! Se você não fosse meu irmão mais novo eu
entraria na fila! Peter! Acorda homem! — Alice chamou seu marido cansado que
tinha perdido todo o espetáculo.
Tiffa estava olhando para nós com um pequeno sorriso em seus lábios,
como se soubesse disso o tempo todo. A mão de Wilson deslizou pelo meu braço
e capturou meus dedos em um aperto. Suas orelhas estavam vermelhas, mas ele
não falou. Ele segurou minha mão pelo resto da noite, e eu jurei que meu
coração tinha inchado. Eu estava ofegante, emocionada e ansiosa para ficar
sozinha, e excitada para explorar este novo acontecimento.
— Darcy, espere! Não leve Blue para longe ainda! Os fogos de artifício são
inacreditáveis daqui de cima. Você perdeu-os no quarto de julho também! E nós
não coroamos o campeão do Ha Ha Ha! — Ela caiu sobre nós, envolvendo os
braços ao redor dos nossos ombros.
Meu coração acelerou e meu estômago caiu com suas palavras. — Então
qual é o problema?
— Esse é o problema.
— Bem, se você me beijou e me fez sentir como beijar uma das Golden
Girls38, tudo estaria bem no mundo? Porque isso foi o que senti e me sinto bem,
enquanto você, obviamente, não.
38The Golden Girls foi uma sitcom de grande êxito popular da NBC, exibida de 1985 a 1992 e que teve
como protagonistas as atrizes Beatrice Arthur, Betty White, Rue McClanahan e Estelle Getty.
— The Golden Girls? — Wilson obviamente não assistia reprises
americanas.
— Mas não Camilla? Por favor, me diga que não foi como beijar Camilla
— Insistiu.
— Eu cruzei muitas linhas com você tantas vezes. Eu era seu professor,
pelo amor de Deus! Minha irmã adotou seu filho! É tudo tão complicado, e eu
não quero fazer as coisas mais confusas do que já são. A amizade que temos, os
momentos incrivelmente íntimos que nós compartilhamos, o fato de que você é
a minha inquilina... Eu posso racionalizar tudo isso. Posso justificar tudo...
Contanto que não haja romance. Hoje à noite, quando eu a beijei, eu cruzei a
linha de amigo, professor, conselheiro, maldita figura paterna — Ele cuspiu esta
última linha para fora, claramente revoltado — Para algo completamente
diferente, e eu lhe devo um pedido de desculpas. Eu não sei o que estava
pensando, deixando Alice manipular-me dessa maneira.
— Para registro, Wilson. Você era meu professor. Uma vez! Você se
tornou meu amigo. Eu não sou uma criança e não sou sua aluna. Eu sou uma
mulher adulta, nem mesmo três anos mais jovem do que você. Você não só beija
como uma velha retrógada como está agindo como uma! Beijar você não era
grande coisa! Não era inadequado, foi um jogo bobo de festa. Se liga!
Seus olhos estavam na minha boca, e eu poderia dizer que ele estava
lutando uma batalha interna entre suas proezas de beijar-me ou deixar-se
acalmar sua consciência culpada. Ele realmente não poderia ter as duas coisas.
Ou o beijo foi um negócio muito grande e nós estávamos em um relacionamento
totalmente diferente do que ele estava pronto para admitir, ou o beijo foi apenas
um jogo entre amigos e ele poderia continuar fingindo que tudo era simples e
ele era apenas o bom cara se preocupava com Blue Echohawk.
Meu coração estava batendo tão forte que ecoou na minha cabeça.
— Talvez você só precise me provar que você não é uma mulher velha?
— E o pó de talco e dentaduras.
— Tome isso, Camilla — Ele sussurrou. Sem outra palavra, ele me evitou,
subiu as escadas e abriu a porta. Ele segurou-a aberta, esperando eu me virar e
juntar a ele. Meus membros estavam lentos e eu não conseguia manter meus
olhos abertos. O céu da minha boca estava tão sensível que era como se eu
tivesse comido manteiga de amendoim enquanto estava inconsciente.
Iridescente
E, então o laboratório ligou.
— Blue Echohawk?
— Blue! Sua idiota! Por que você não me disse que estava vindo? Eu teria
o almoço e champanhe para comemorar! E eu gostaria de saber para ter a
oportunidade de trocar a minha blusa! Melody cospe em mim por todos os
lados. Ela cospe de tudo, estou avisado. Pelo menos eu poderia ter trocado as
fraldas para que ela pudesse fazer uma boa primeira impressão! Agora você vai
ter que aturar-nos como estamos - fedorentas e com fome! — Tiffa flutuava ao
meu redor como uma brisa suave e eu relaxei imediatamente, deixando-a me
puxar em direção ao quarto.
Tiffa riu. — Você faz isso apenas como Jack. Ele diz que você nunca pode
colocar muito talco. Quando papai está de plantão, Melody desprende um pouco
de talco perfumado toda vez que ela chuta.
— Ok, ok. Você não gosta dessa posição. Podemos ajustar! — Corri para
segurá-la de modo que a cabeça balançava acima do meu ombro, uma das
minhas mãos em sua parte inferior e a outra pressionada contra suas costas. Ela
prontamente agarrou a minha bochecha e começou a chupar freneticamente. Eu
gritei, afastando-me e ela voltou-se ao meu nariz.
— As corujas são os únicos pássaros que pode ver a cor azul. Você sabia
Melody?
— Sim. Quer dizer, eu acho que é. Jimmy, meu pai, amava os pássaros, e
ele sabia todos os tipos de coisas interessantes aleatórias. Eu provavelmente já
esqueci mais do que ele me disse, mas isso era uma piada entre nós. Eu achava
ingenuamente que, por causa das corujas serem os únicos pássaros que podiam
ver a cor azul que eu devia ser invisível para todos os outros pássaros.
— Você faz isso, por favor! Ela está com fome, e eu não quero fazê-la
chorar novamente. Ela tentou fazer sair leite do meu nariz.
— Estou tão feliz que você veio. Era hora. E você não estava com os olhos
arregalados e em pânico. Você está sempre tão calma, Blue Echohawk. Eu leio as
pessoas muito bem, mas você é sempre tão autossuficiente, tão reservada. E
aquele ditado? Águas paradas são profundas? Dessa forma, você e Darcy são tão
parecidos — Quando eu não comentei, Tiffa apenas balançou a cabeça,
exasperada, como se meu silêncio provasse seu ponto.
— Ele veio aqui ontem, sabe — Disse Tiffa casualmente. — Acho que ele
está apaixonado.
Meu coração caiu aos meus pés. Meu rosto deve ter registrado o meu
sofrimento, porque Tiffa parou de balançar bruscamente.
— Sim. Wilson deve ser uma raça rara de ave. Definitivamente não uma
coruja porque eu me tornei completamente invisível.
— Tenho trabalhando em algo, mas eu não queria lhe dizer até que fosse
coisa certa. Eu tinha um artista programado para ser parte de uma exposição no
Sheffield no próximo sábado à noite. Ele decidiu que queria renegociar o seu
contrato e acabou saindo. Acontece que acho que sua arte vai bem com toda a
exposição. Na verdade, acho que o seu trabalho vai se destacar. Eu mantive a
“Bird Woman” e algumas outras peças, simplesmente porque elas exigem um
certo tipo de público. Acho que seremos capazes de vender “Bird Woman” por
5.000 dólares na exposição, quando ela poderia ficar meses na galeria.
Engoli em seco e amaldiçoei sob a minha respiração. Tiffa apenas piscou
para mim. — Isso é uma pechincha, querida. Algum dia o seu trabalho vai
vender por muito mais, eu garanto. Bird Woman - Rubicon - Witch - e aquele
que você chama de “Armor” são as únicas peças que me restam. Todas aquelas
serão impressionante, mas eu preciso de mais. O que você concluiu?
— Então está certo. Traga-me as peças, e vou fazer isso acontecer. E Blue?
Não diga a Darcy. Será nossa pequena surpresa.
Eu terminei meu turno no café na quinta-feira à noite e fui para casa com
a minha mente na exposição de sábado, nas esculturas que eu tinha montado e
na ligação para Reno que eu ainda não tinha feito. Eles deveriam pensar que eu
estava louca. Detetive Moody deixou duas mensagens no meu correio de voz e
eu recebi outra de Heidi Morgan do laboratório. Disse a mim mesma que depois
da exposição eu os ligaria.
— Podemos jantar com os meus pais antes. Eles vão ficar no hotel até a
próxima semana — Eu tinha esquecido sobre a conexão de Pamela com o hotel.
Tiffa disse que a família Sheffield não era mais a única proprietária do hotel,
além do dinheiro, o hotel ainda tinha o nome de Sheffield.
— Diga-me o que você vê quando olha para esta escultura — Wilson pediu
depois de um tempo, seus olhos itinerantes para baixo das linhas sensuais do
mogno manchado. Sua mão traçava os contornos com reverência.
Eu tinha desbastado o peso dos galhos, criando depressões, nervos e
modelado a sugestão de amantes abraçados, mantendo a inocência natural e
simplicidade dos galhos. Os galhos eram de mogno da montanha, a madeira um
marrom avermelhado natural. Eu tinha esfregado várias aplicações da mancha
preta em um galho e brilhava como um gato selvagem preto, os tons dourados
avermelhados fundiam com a mancha escura, de modo que o preto parecia que
estava em silhueta na luz solar. Não apliquei nenhuma mancha no outro galho,
mas havia simplesmente desbastado e camuflado a madeira vermelha de
dourado até que brilhavam como âmbar. O efeito era que os dois membros da
escultura pareciam ser diferentes da madeira, galhos de dois tipos diferentes de
árvores. O resultado era uma declaração própria.
— Por que você quer a minha explicação? O que você vê quando olha para
ela? — Eu disse irritada. Wilson retirou a mão da escultura e agarrou a minha
trança, onde pairava sobre meu ombro. Ele puxou-a suavemente, envolvendo ao
redor de sua mão, como ele fazia.
— O que há de errado?
Seus olhos brilharam e ele deixou minha trança cair, virando-se para a
escultura. Eu poderia dizer que ele estava contando mentalmente até dez. Se eu
o deixei com raiva, era culpa dele. O que ele achou que eu faria? Envolver-me-ia
ao redor dele depois que ele ignorou-me de vez durante meses? Eu não era
aquela garota. Mas talvez ele pensasse que eu fosse. Eu respirei fundo várias
vezes e ignorei a tensão que fervia entre nós. Era espessa o suficiente para cortar
e servir com uma grande dose de negação. Ele deu vários passos, com as mãos
em punhos em seu cabelo, colocando alguma distância entre nós.
— Você disse que a sua arte é sobre o que você sente, não o que vê. Eu
disse o que eu vejo. Agora me diga o que você sente — Ele exigiu.
Wilson olhou para mim como se quisesse me sacudir até que meus dentes
batessem. Então, ele apenas balançou a cabeça e caminhou até a porta. — Peço
desculpas por ter perguntado, Blue — Ele suspirou. Parecia cansado e resignado,
como um daqueles pais de TV apenas tentando tolerar sua filha em idade
adolescente. — Boa noite, Blue.
Eu estava muito confusa até mesmo para responder. Ele saiu do meu
apartamento sem outra palavra.
Capítulo Vinte e Cinco
Elétrica
Passei um tempo ridiculamente longo enrolando meu cabelo. Quando
terminei, ele ficou caído em ondas escuras brilhantes nas minhas costas. Tomei
muito cuidado aplicar uma maquiagem dramática39, mais do que eu tinha usado
em meses. Eu pensei que era adequado para um artista em sua primeira
exposição. Eu tinha reservado um vestido de cocktail que destacasse os meus
olhos, e o azul elétrico era exatamente do mesmo tom. Não foi muito caro, mas
eu estava cruzando os dedos para que não parecesse barato. Tinha mangas
curtas e um decote alto, mas as costas tinham um decote baixo, quase até a
minha cintura. Ele deslizava por minhas curvas, sem ser muito apertado ou
sugestivo, e terminava um pouco acima do joelho. Eu encontrei um par de
sandálias de salto alto para corresponder. Pensei que eu parecia muito bem e
gritei um pouco quando estava pronta. Pareci adulta e sedutora, mas sofisticada
também, como Tiffa. Esperei perto da minha porta apenas para ouvir Wilson
deixar seu apartamento. Se ele e Pamela fossem sair para jantar com seus pais,
ele sairia em breve. Eu não tive que esperar muito tempo. Wilson saiu do seu
apartamento e começou a descer as escadas exatamente às 18h30min.
39 maquiagem dramática – É uma tendência popular que dá a seus olhos aparência de "olhos de gato",
— Aonde você vai? — Sua voz soou engraçada. Quase com raiva.
— Você sabe exatamente o que quero dizer, Blue — Sua voz era dura e as
suas palavras cortadas.
— Blue!
— Eu não vou assistir você se destruir. Se este é o caminho que você quer
ir, não vou atrás de você — A voz de Wilson era dura, quase irreconhecível.
Tiffa me recebeu logo que eu saí do elevador. A sala além era suave, com
iluminação estratégica e a arte cuidadosamente colocada. Uma enorme pintura
de um rosto chorando ficava no centro do palco. As lágrimas eram tão realistas
que a umidade brilhava nas luzes.
— Sr. Wayne, esta é a artista — Ela deslizou a outra mão para a minha. Sr.
Wayne virou-se para nós. Seu cabelo grisalho estava penteado para trás de seu
rosto. Era um rosto interessante, mais adequado para um mafioso que um
conhecedor de arte. Ele era poderosamente construído, e seu smoking preto
caía-lhe bem. Ele pareceu surpreso com a introdução, e sua boca se curvou
enquanto seu olhar encontrava o meu.
— Eu a quero — Disse ele sem rodeios, sua voz tão acentuada como Tiffa.
Ele deveria trabalhar na Sheffield, também. Senti calor inundar meu rosto, e
Tiffa riu, aquele som de cachoeira tilintando quando disse: — Você é tão
maravilhoso - Eu adoro você.
— E você pode tê-la. A escultura, digo — Tiffa respondeu com um brilho
malicioso. — Esta é Blue Echohawk — Ela disse meu nome como se eu fosse
alguém muito importante. Eu tentei não rir. Eu coloquei uma expressão de
pedra. Essa era a expressão que fazia quando eu não tinha ideia de como
responder.
Tiffa nem hesitou. — Isso é uma ideia brilhante. Eu estarei por perto,
Blue — Então ela saiu, indo para outro casal, sem uma segunda olhada. Sr.
Wayne cheirava caro. Ele enfiou minha mão pelo seu braço, a maneira que
Wilson fez algumas vezes, e nos movemos para a minha próxima escultura.
Talvez fosse uma coisa britânica, o modo cortês. Ou talvez fosse algo que
homens ricos e educados faziam. Eu tinha muito pouca experiência com ambas
as situações. Eu movia ao lado dele e tentei pensar em algo inteligente para
dizer. Minha mente corria em círculos estonteantes enquanto eu tateava
desesperadamente por alguma coisa - qualquer coisa - para conversar. De
repente, percebi que o Sr. Wayne não estava à espera de comentários
espirituosos, estava absorto na escultura a frente dele. — Eu acho que mudei de
ideia. Eu quero esta ao invés daquela — Eu notei a escultura na minha frente
pela primeira vez. “Loss” se curvava diante de mim em repouso angustiado. Eu
queria me afastar. Eu estava aliviada quando Tiffa tinha enviado a caminhonete
para buscá-la. Eu não respondi, mas olhei para além dela, esperando que o Sr.
Wayne seguisse em frente.
— Alguém me disse uma vez que, para criar uma verdadeira arte você
deve estar disposto a sangrar e deixar que os outros assistam — Eu me sentia
um pouco exposta e de repente queria derreter-me nas sombras da sala onde
poderia observar sem ser observada.
— E ele trouxe aquela vaca idiota com ele — Tiffa gemeu. — O que há com
o meu irmãozinho? Seu gosto por mulheres é medonho. Bem, agora sabemos o
que ele fez com o outro ingresso. Ele é definitivamente estúpido — Ela
murmurou a última parte em voz baixa. Eu não tinha certeza ao que ela se
referiu. Pamela não era exatamente uma vaca. Ou um cachorro. Ou qualquer
coisa remotamente atraente, tanto quanto eu queria que ela fosse.
— Não! Blue! O que no mundo está acontecendo com você e meu irmão
idiota? Esta é sua grande noite!
— E tem sido incrível. Mas não quero falar com Wilson agora. Tivemos
um momento muito tenso antes de eu vir esta noite. Eu não estou pronta para
estar em qualquer lugar perto dele.
Ao meu lado, Tiffa estava praticamente vibrando. Este deveria ser alguém
importante. Qual era o nome dele? De repente eu senti como se o topo da minha
cabeça fosse estalar e flutuar como um balão de hélio. Deveria me curvar
também? Tiffa o fez. Então eu a copiei.
Sr. Chen! Era isso. Não era muito difícil lembrar. Do canto do meu olho,
eu vi Wilson se aproximando com Pamela em seu braço. Eu pisei no pé de Tiffa,
provavelmente mais violentamente do que se justificava. Tiffa engasgou um
pouco e moveu-se para envolver o Sr. Chang (?) na conversa. Virei-me para o Sr.
Wayne, e ele baixou a cabeça discretamente e murmurou baixinho no meu
ouvido, me puxando de lado, o que foi bom para mim, pois me afastou de
Wilson.
— Sr. Chen (Chen!) é um magnata Bei Jing - um dos patronos que nós
gostamos de cuidar muito bem quando está na cidade. Ele observa cada detalhe
da arte. Se ele gostar do seu trabalho e pensar que você é a próxima grande
coisa, ele vai mover céus e terra para comprar tantas peças quanto puder.
— Será que ele vai comprar todas elas? — Eu perguntei, tentando não
guinchar como uma criança.
— Infelizmente para o Sr. Chen, todas elas foram vendidas — Sr. Wayne
sorriu para mim.
— Blue.
— Pare. Pare com isso. Não é engraçado, Blue. É doentio. Isso me faz
querer caçar o maldito Sr. Chen, qualquer que seja o diabos do seu nom...
— Não foi isso que você pensou quando saí hoje à noite? — Eu
interrompi. — Que eu estava à caça?
E o seu rosto rosa apareceu na minha mente... A maneira como ele tinha
me olhado quando me disse que não iria atrás de mim “nesse caminho”. Eu me
afastei ofegante com as minhas pernas ainda bloqueadas ao redor dele, com os
seus braços apoiados ao redor do meu corpo.
— Blue?
— Eu vi como você olhou para mim esta noite. Você estava revoltado.
Você olhou para mim como se eu fosse... Barata — Eu respirei fundo. — Mas eu
não sou mais aquela garota. E então você precisa ir. Por favor — Minha voz não
era forte, mas firme. Wilson parecia atordoado. Ele passou a mão ao longo da
parte de trás do seu pescoço, confusão e remorso guerreando em seus olhos.
Movi-me para além dele e abri a porta. Eu esperei ao lado dela com o
meu coração na garganta.
Leve
Acordei com alguém batendo na minha porta na manhã seguinte. Eu
havia passado toda a noite inquieta, com desejo e amor, cansada com a dúvida,
me perguntando se eu deveria ter aceitado o que Wilson estava oferecendo de
forma clara.
— Eu acho que é hora de acabar com isso — Ele sussurrou contra meu
cabelo.
Eu tentei me afastar dele, rejeitá-lo antes que ele me rejeitasse. Era mais
fácil dessa maneira. Mas ele apertou seus braços e me acalmou com sons de
shhhing.
— Eu sei muito mais do que costumava saber, Blue. Que número nós
estamos agora? Eu já perdi a conta. Quais eram eles? Eu sei que você é
brilhante. Você é linda. Você é incrivelmente corajosa. Você tem senso de
humor. Você esculpe obras de arte inacreditáveis ... Não totens — Eu relaxei
contra ele, sorrindo em seu peito. — Você tem gosto ruim para parceiros...
Embora desde que eu me incluo entre eles, eu poderia ter que alterar isso.
— Tiffa diz que você tem péssimo gosto para mulheres, talvez nós
estejamos quites — Eu interrompi.
— Eu não tenho péssimo gosto para mulheres. Eu sou louco por você, não
é?
— Você é?
— E quanto a Pamela?
— Mas esta é onde entra a parte de não saber, não tenho nenhuma ideia
de como você se sente sobre mim. Um minuto, eu tenho certeza que você sente o
mesmo. O próximo você está me dizendo que é apenas um jogo idiota. Um
minuto, estou dizendo a você que estou perdido sem você. O próximo você está
me dizendo para cair fora.
— Então é isso que você não sabe? Você não sabe como me sinto sobre
você? — Eu quase ri, era tão óbvio. — Não sou eu que está namorando alguém,
Wilson. Eu não estou convencida de que não é apropriado ficar comigo. Não sou
eu que tenho lutado a cada passo do caminho.
— Isso ainda não é uma resposta, Blue. Como você se sente sobre mim? —
Sua voz era insistente, e suas mãos estavam em meus ombros agora, me
afastando para que ele pudesse ver meu rosto. Eu não conseguia responder. Não
porque não sabia, mas porque eu sabia.
— Por favor. Pode ajudar-me a explicar. Eu não sou tão boa com as
palavras como você é, Wilson.
Wilson acenou com a cabeça, vendo meus dedos roçarem ao longo dos
vales e sombras que eu tinha criado.
— Não é apenas sobre o que está ai, mas o que não está. Você entendeu?
— Eu tropecei um pouco sobre as minhas palavras, sabendo o que eu estava
tentando dizer e não sabendo se eu estava realmente dizendo.
Eu sorri para ele, emocionada que ele entendeu. Ele sorriu de volta, tão
docemente, tão carinhosamente, que por um minuto eu não consegui encontrar
a minha respiração, e me mexi para recuperar a minha linha de pensamento.
— Mas isso não é realmente com você, Blue — Disse ele suavemente. —
Você não pode controlar quem você ama... Você não pode deixar alguém amar
você mais do que pode fazer alguém amar você — Ele embalou meu rosto entre
as mãos. Eu estendi a mão e segurei seus pulsos, presos entre a necessidade de
agarrá-lo e afastá-lo, mesmo que fosse apenas para me salvar do que ele me
fazia sentir.
— Então, você está com medo de me deixar amar você, porque tem medo
que você tem um buraco que não pode ser preenchido... Por nenhuma
quantidade de amor. Mas a minha pergunta para você é, mais uma vez, você me
ama?
— Sim. Eu me senti mal. Eu não sei o que deu em mim. Fiquei tentando
chamar sua atenção nas formas mais desagradáveis, como um daqueles
meninos esquisitos no playground que atira pedras nas meninas que eles
gostam.
— Então, posso assumir que foi você que colocou uma foto suja no meu
retroprojetor para que quando eu ligasse todos os alunos teriam o pacote
completo?
— Culpada.
Wilson sorriu como um homem que sabe que está agradando sua mulher.
— Snogging é o que nós passamos o dia todo fazendo, amor. Significa beijando...
Muito. Após essa primeira semana ou mais de aula, eu estava convencido de que
tinha escolhido a profissão errada. Eu estava completamente deprimido, e era
tudo culpa sua. Eu tinha certeza de que teria que pedir-lhe para se transferir
para outra classe, porque eu sabia que estava em apuros. Na verdade, desde que
estamos confessando coisas... Eu fui pedir ao conselheiro para pegar seus
registros para mim. Foi depois do dia em que eu falei com você depois da aula,
depois de toda a “Eu não sei quem eu sou”.
— Sim, querida. Eu sei — Ele disse baixinho e deixou cair um longo beijo
na minha boca carrancuda. E, então, enroscou-se em mim, esquecendo
completamente a discussão até a campainha tocar e nós puxar, rindo um pouco
quando nós fizemos.
Wilson olhou para mim e o garfo parou no caminho para sua boca, me
incitando a continuar.
— Eles querem que eu volte. Eles disseram que têm uma combinação.
Eles vão mostrar-me tudo. Eu soube há duas semanas. Uma parte minha quer
entrar no carro agora e ir para Reno. Uma parte mal pode esperar. Mas a outra
parte, a parte que pertence a Jimmy? Essa parte não quer saber. Ele era tudo o
que eu tinha, e não quero deixá-lo ir. Eu não quero saber uma coisa que vai
mudar o que eu sinto por ele, que vai mudar a nossa história.
Eu pensei em como esse pequeno ato de bondade para uma menina com
fome trouxe o destino à porta de Jimmy Echohawk e como ele pagou seu Karma
com compaixão e arte de uma forma única. Um pequeno ato e ele se abriu ao
desespero de uma mãe e encontrou-se em uma posição onde ele se tornou
responsável por uma criança que ficou ainda mais sozinha no mundo do que ele.
— E eu me preocupo que o que eu descobrir vai ser feio e... Assustador.
Estou realmente cansada do feio, como você bem sabe. Vai doer. Vai me rasgar.
E eu estou cansada disso também. Que tipo de mulher faz o que ela fez? Que
tipo de mãe? Uma grande parte minha não quer saber quem ela é ou nada sobre
ela.
Eu sabia o que ele queria dizer e não precisava ouvi-lo dizer isso.
— Vamos tirar uns dias de folga. Eu tenho alguns dias de folga para pegar
e Beverly vai entender.
Gelo
Nós voamos desta vez. Nenhuma viagem longa de estrada, oito horas de
estrada ida e volta. Eu não estava mais grávida e sob ordens médicas para não
voar. Wilson disse que dirigindo levaria muito tempo, e não havia nenhuma
razão para nos torturar. Acho que ele estava mais ansioso para chegar lá do que
eu. Eu oscilava entre ansiedade e náuseas.
Eu não disse nada, não querendo esvaziar o seu entusiasmo genuíno, mas
eu sabia que não estaria falando com nenhum repórter. Como uma criança com
um presente há muito esperado, eu não estava pronta para desembrulhar a
minha história e imediatamente passá-la como se tivesse pouco valor. Havia um
tempo para compartilhar e um tempo para saborear. Eu precisava manter a
minha história, examiná-la, compreendê-la. Então, talvez, um dia, quando não
fosse tão fresca e crua, quando um pouco do brilho e novidade tivesse
desgastada, quando eu entendesse não apenas o que, mas por que... Talvez
então eu estaria disposta a compartilhar. Mas não agora.
Las Vegas já tinha abraçado a primavera, mas Reno estava frio. Wilson e
eu amontoamos em nossos casacos, despreparados para a explosão de ar de
inverno que nós encontramos enquanto caminhamos para o nosso carro
alugado. Nós recusamos a escolta da polícia, decidindo que seria necessário
irmos com o nosso próprio carro, embora não ficaríamos em Reno por muito
tempo. As respostas estavam lá esperando por nós. Não haveria a busca. Minha
vida, minha história, seria colocada para fora diante de mim como um roteiro de
filme... Completo com cenas de crime e descrições de personagens. E, como um
roteiro de filme, nada parecia real. Pelo menos, não até que paramos no
departamento de polícia. De repente, era necessária uma ação. As câmeras
estavam rolando, e eu não sabia as minhas falas. Eu estava com medo do palco,
dos estranhos na plateia, das cenas que eu não tinha estudado e não poderia
preparar. E acima de tudo, eu não queria que Wilson me visse no centro das
atenções mais uma vez, a luz pouco lisonjeira, o enredo trágico, violento e
deprimente.
— Blue?
— E se eles nos disserem algo que muda a maneira como você se sente
por mim?
— Blue. Tudo o que nós aprendermos só me fará amar mais você. Você
está certa. Eu sei muito. E porque eu sei, não há nada que alguém possa dizer
que vai me fazer duvidar de você ou o que eu sinto por você.
Heidi olhou para mim e sorriu. — Temos certeza de que você é realmente
a filha biológica de uma mulher chamada Winona Hidalgo.
— Esse era o nome dela? — Eu repeti-o, apenas para testar o seu impacto.
— Winona Hidalgo — Eu pensei que talvez fosse encontrar uma série de
lembranças, que eu iria sentir alguma coisa quando ouvisse. Mas era estranho
para mim, banal como o nome de Heidi Morgan ou Andy Martinez. Era como se
eu nunca tinha ouvido antes.
— Esta é uma foto dela, tirada dos seus registros de carteira de motorista,
o que a coloca com cerca de dezesseis nesta foto — Detetive Martinez deslizou
uma foto 8X10 de uma menina sorridente do outro lado da mesa, e quando eu
deixei meus olhos se concentrarem em seu rosto, eu me vi ali. Wilson prendeu a
respiração ao meu lado e sua mão apertou a minha.
— Você tem uma avó, Stella Hidalgo, que é mãe de Winona. Você e sua
mãe viveram com ela até Winona sair com você quando você tinha apenas dois
anos de idade. Stella Hidalgo vive em Utah, na reserva indígena Paiute.
Entramos em contato com ela e ela está ansiosa para vê-la.
— Será que a minha avó sabe quem é meu pai?
— Ethan Jacobsen é casado e tem filhos agora, mas ele nos deu uma
amostra de DNA quando Winona foi encontrada morta e você foi declarada
desaparecida. Seu DNA também foi carregado em NCIS, e tivemos uma
comparação com o seu também.
— Mas sua carteira de motorista ainda diz que tem vinte anos, por isso
não vamos para um pub ou cassinos esta noite — Brincou Wilson, fazendo todo
mundo rir e aliviar um pouco da pressão emocional que tinha crescido na sala.
— Você já teve o bastante por hoje, Blue — Wilson me segurou contra ele
e abriu a porta, sinalizando para alguém além da porta.
Mas ele não beijou a minha boca ou passou suas mãos ao longo de minha
pele. Ele não sussurrou palavras de amor ou de desejo. Em vez disso, ele colocou
minha cabeça sob o seu queixo e me envolveu em seus braços tão firmes que eu
mal podia me mover, e ele não me soltou. Fiquei surpresa, atordoada,
esperando que ele soltasse seu aperto, esperando que suas mãos me tocassem,
que o seu corpo se movesse contra o meu. Mas seus braços ficaram fechados ao
meu redor com a respiração dele se mantendo estável, e seu corpo ainda imóvel.
E ali, no círculo dos seus braços, segura tão ferozmente que não havia espaço
para duvidar dele ou temer sua perda, eu adormeci.
Capítulo Vinte e Oito
Doloroso
Quando acordei na manhã seguinte, Wilson já estava de pé, de banho
tomado e barba feita, mas seus olhos estavam cansados , e eu me perguntava se
me segurar toda a noite tinha cobrado o seu preço. E eu estava um pouco
envergonhada que fui rejeitada, mesmo sendo tão suave quanto a sua recusa foi.
Ele não agiu estranho ou desconfortável, então eu afastei meus sentimentos
feridos e corri para o chuveiro e um rápido café da manhã para que pudéssemos
fazer nosso voo para casa. Eu estava preocupada e quieta, Wilson estava
introspectivo e melancólico, e no momento em que nos arrastamos pelas portas
do Pemberley, estávamos precisando de nossos cantos separados com o peso
das últimas 24 horas pairando como uma nuvem negra. Wilson levou minha
mochila para o meu apartamento e fez uma pausa antes de ir para o seu.
— Eu sei, Wilson.
— Você quer que eu ligue? Pode ficar mais fácil dar o próximo passo.
— Então, sim. Por favor. E eu vou estar pronta quando ela estiver.
Descobriu-se que Stella Aguilar era mais forte do que eu, porque ela
estava pronta imediatamente. Então Wilson e eu fomos para St. George, Utah,
na manhã seguinte, em sua Subaru. Ambos tivemos uma sólida doze horas de
sono em nossas camas... Separadamente, o que me preocupou um pouco,
principalmente porque eu não sabia o que fazer com ele. Wilson era um tipo
completamente diferente de cara que eu estava acostumada. Ele era um
cavalheiro em um mundo de maçons41 e Colbys42. E eu estava com muito medo
de que o fato de que eu não era uma lady seria um problema.
— Encontrar seus pais biológicos pela primeira vez. O que você disse?
Tiffa disse que você fez isso sozinho. Isso, obviamente, foi o mais corajoso do
que eu. Eu não acho que poderia fazer isso sozinha.
41 Maçons - Maçonaria, é uma sociedade discreta e por essa característica, entende-se que se trata de ação
reservada e que interessa exclusivamente àqueles que dela participam.
42 The Colbys - foi uma novela em horário nobre americano, que foi originalmente exibido na ABC a partir
— Um tira?
— Sim! Como John Wilson. Focado, duro, sério. E Bert Wheatley era
tudo, menos sério ou focado. Ele disse que era um policial, porque amava o seu
bairro. Ele gostava de estar com as pessoas e, quando era um menino, sempre
quis dirigir um carro com luzes e uma sirene — Wilson riu e balançou a cabeça.
— Isso foi o que ele disse! Eu me lembro de pensar o quão maluco que ele era —
Wilson olhou para mim como se eu estivesse indo para repreendê-lo por sua
opinião. Eu só fiquei quieta.
— Mas eu notei outras coisas. Bert parecia muito contente. Era muito
divertido estar com ele — Wilson riu novamente, mas seu riso era de dor. —
Dessa maneira, ele era muito diferente do meu pai, também. John Wilson nunca
estava satisfeito - raramente feliz - e não era exatamente prazeroso estar com ele
na maior parte do tempo — Wilson balançou a cabeça e de repente mudou de
assunto.
— O nome da minha mãe biológica é Jenny. Ela nunca se casou com Bert,
obviamente. Ela se casou com um encanador chamado Gunnar Woodrow.
Gunnar o encanador — Wilson disse que como o Gunna Plumma, e eu tentei não
rir silenciosamente. Eu tinha chegado ao ponto em que eu nem notava seu
sotaque... A maior parte do tempo.
— Ela e Gunnar têm cinco filhos, e sua casa é como um jardim zoológico.
Eu fiquei por uma ou duas horas, até que Gunnar chegou em casa do trabalho, e
em seguida, Jenny e eu saímos e fomos tomar chá na esquina onde poderíamos
conversar sem que as pestinhas nos interrompesse.
— Parece você.
— Não. Ela não estava preocupada com a minha vida amorosa. Ela estava
preocupada com os “amores na minha vida” — Wilson repetiu. — História e
livros.
— St. Patrick?
— Isso nunca teve nenhum brilho, e quando percebi isso, eu disse ao meu
pai que não iria para a faculdade de medicina. Eu tinha mantido minha boca
fechada até a formatura, calmamente fazendo planos diferentes, enquanto meu
pai continuava a traçar o meu futuro. Eu lhe disse que queria ensinar, esperava
que em um dia em uma universidade. Eu lhe disse que queria escrever e
palestrar, eventualmente, conseguir meu doutorado em história. Ele descobriu
que eu tive contato com meus pais biológicos e culpou a minha mudança de
comportamento na minha viagem. Ele estava furioso comigo e com minha mãe.
Nós brigamos, gritamos, eu saí de casa, e meu pai foi chamado para o hospital, e
eu nunca mais o vi vivo. Você já ouviu essa parte da história — Wilson suspirou
profundamente e passou a mão pelo cabelo.
— E foi isso que você quis dizer quando falou que conhecer seus pais
biológicos foi terrível... Porque definiu tantas outras coisas em movimento?
— Não. Embora, eu acho que poderia ser interpretado dessa forma. Foi
terrível, porque eu estava tão incrivelmente confuso e perdido. Dois sentimentos
que nunca tinha sentido antes, nunca. Eu sei, eu vivi uma vida protegida, não é?
— Wilson deu de ombros. — Eu conheci duas pessoas que eram muito diferentes
das pessoas que me criaram. Nem melhor, nem pior. Apenas diferente. E isso
não é uma ofensa contra a minha mãe e meu pai. Eles eram bons pais, e me
amavam. Mas o meu mundo foi abalado. Por um lado, eu estava muito confuso
sobre do porquê de Jenny e Bert não terem dado certo por minha causa. Se me
manter significava tão pouco para eles que me deram para um médico rico e sua
esposa e continuaram suas vidas alegremente, lavando as mãos?
Estremeci, sabendo intelectualmente que isso não era sobre mim. Mas
havia culpa do mesmo jeito. Gostaria de saber se Melody iria me fazer a mesma
pergunta um dia. Wilson continuou.
— Por outro lado, de repente eu percebi que eu não queria as coisas que
eu sempre pensei querer. Eu queria fazer coisas que me deixavam feliz, e queria
certa quantidade de liberdade que eu nunca tinha experimentado. E eu sabia
que significava tomar um caminho muito diferente do que eu tinha estado.
— Orgulho e Preconceito?
Verdade
Se não tivesse sido um caminhão diesel nos explodindo com sua buzina e
sacudindo a Subaru enquanto voava, poderíamos ter chegado muito tarde para
o nosso compromisso com a minha avó. Encontramos a casa de Stella Hidalgo,
nos arredores da Reserva Indígena Shivwits depois de um pequeno retrocesso, e
uma consulta no fiel Garmin43 de Wilson, que não parecia funcionar bem,
especialmente quando se tratava de reservas indígenas, ou Utah. Eu só tinha ido
para a área de St. George uma vez antes em uma viagem escolar, mas lembrei-
me das rochas vermelhas e os planaltos salientes delineados contra o céu azul e
areia do deserto. Era tão duro e inóspito como era bonito, e eu me perguntei
brevemente como os meus antepassados tinham sobrevivido na área em
centenas e centenas de anos antes de conveniências modernas. A água era
escassa, a comida deveria ter sido ainda mais escassa, e plantar alguma coisa
teria sido quase impossível.
— Que bom! — Ela riu, e eu amei Wilson mais naquele momento do que
eu tinha já amado uma única alma. Graças ao charme de Wilson, as mãos de
Stella pareciam firmes quando ela nos indicou sua pequena casa e nos convidou
para sentarmos em um sofá coberto com um cobertor multicolorido em frente a
duas cadeiras marrons. Vários prêmios enquadrados estavam pendurados ao
longo das paredes, junto com uma imagem que eu podia jurar que era Jimmy
Carter com uma mulher que era mais provável que era a minha avó com seus
trinta anos. Eu não sei o que esperava quando o sargento Martinez me disse que
Stella Hidalgo vivia em uma reserva, mas não foi nada disso. Algumas fotos
foram colocadas no manto, e um grande tapete de estilo indiano cobria o chão
de madeira. Eu não sabia nada sobre os índios Paiute - seus costumes, sua
história, seu estilo de vida. Seria algo que eu esperava que esta mulher pudesse
me ensinar sobre mim mesma. Algum dia.
— Ficar grávida foi difícil para ela, como seria para qualquer garota de
dezesseis anos de idade. Quando Ethan não queria ter nada a ver com ela ou
com o bebê, ela ficou desapontada... Não queria sair do seu quarto, chorou
muito. Sua gravidez foi miserável, e depois que você nasceu ela estava
inconsolável. O médico disse que era depressão pós-parto e passaria com o
tempo, então ela ficou menos deprimida, mas muito irritada, e eu cuidava de
você a maior parte do tempo. Você era um bebê doce, uma coisinha tão calma.
Você quase nunca se mexia. Isso tornou mais fácil para Winnie a ignorá-la, eu
acho. Para mim, era muito mais fácil para amá-la. Contanto que você tivesse o
seu cobertor, você ficava contente.
— Mas ela precisava crescer, e eu pensei que sair da cidade seria bom
para ela. Então eu não denunciei. Eu só... Deixei-a ir. Na verdade, se ela tivesse
apenas me pedido o dinheiro e o carro, eu provavelmente teria dado a ela. Ela
acabou ficando com um amigo em Salt Lake City e encontrou um emprego. A
mãe do amigo dirigia uma creche, e você estava sendo cuidada por pessoas que
eu conhecia e confiava. Eu mantive o controle sobre ela através de seu amigo e
pensei que as coisas estavam indo muito bem. Ela estava lá por cerca de seis
meses, até que abusou da boa vontade. Ela acabou roubando uma grande
quantidade de dinheiro da mãe do amigo. E eles a denunciaram. Depois disso,
eu ouvia falar dela de vez em quando, o suficiente para que eu soubesse que ela
estava bem.
A conversa parou e eu estudava o rosto da minha avó enquanto ela
estudava o meu. Foi Wilson quem finalmente falou.
— A polícia diz que nada aconteceu. Isso só turvou as águas sem lhes dar
qualquer coisa mais para seguir em frente — Eu interrompi. — Eu só notei isso
porque o meu pai - o homem que me criou - tinha família em uma reserva em
Oklahoma. Fiquei imaginando o que no mundo que ela estaria fazendo lá.
— Qual era o nome do seu pai? — A voz de Stella Hidalgo era fraca e havia
um silêncio estranho sobre ela, como se estivesse à espera de uma resposta que
ela já sabia.
— Alguma coisa está errada. Você acha que ela conhecia Jimmy? — Eu
sussurrei.
— Me desculpe, mas preciso que você espere... Por favor. Apenas espere...
Por um minuto — Nós nos sentamos relutantemente, observando Stella quando
ela puxou a tampa da caixa e retirou um álbum de fotos. Freneticamente, ela
folheou as páginas e depois parou.
— Jimmy Echohawk era o pai de Winona! — Stella gritou: — Ele não era
apenas O... O... Estranho aleatório! — Stella abriu o livro mais uma vez. O seu
choque era tão claramente pronunciado quanto o meu.
— Eu não estou brincando, rapaz — Gritou Stella. — Eu não sei o que isso
significa. Tudo que sei é que eu conheci o Jimmy Echohawk quando eu tinha
vinte e um anos de idade. Era 1975. Eu tinha acabado de me formar na
faculdade, e acompanhei meu pai para várias reservas indígenas em toda
Oklahoma — Stella balançava a cabeça enquanto falava, como se não pudesse
acreditar no que estava dizendo.
Stella assentiu, obviamente, sem saber por onde começar ou o que era
ainda relevante.
Ao ouvir o nome de Jimmy nos lábios de Stella nesse contexto, foi outro
choque. Eu nem sequer perguntei quem era Sarah Winnemucca. Outro dia,
outra história.
— Nós lhe permitimos pensar que meus pais eram seus pais. Eu os
chamava de mamãe e papai, e isso era como ela chamava também, e todos nós
vivíamos juntos quando eu não estava viajando. Minha mãe a educou, enquanto
eu continuei a trabalhar com a ligação para Assuntos Indígenas. E, em 1980, o
presidente Carter assinou a legislação que restaurou o reconhecimento federal
para as tribos e Paiute teve a sua reserva Paiute. Eu gosto de pensar que tenho
algo a ver com isso. Isso fez a bagunça que eu tinha feito da minha vida pessoal
um pouco mais fácil de suportar.
— Mas ela não saberia isso, saberia? Existe alguma maneira que ela
poderia ter descoberto quem era seu pai?
— Meu pai faleceu quando Winnie tinha quinze anos, e minha mãe
morreu no ano seguinte. Suas mortes foram muito difíceis para Winnie. Eu
decidi que era hora de dizer a ela que eu era a sua mãe. Eu pensei que iria fazê-
la se sentir menos sozinha, e não mais ainda. Eu pareço não ter muito bons
instintos com essas coisas, porque ela não lidou com isso também. Ela queria
saber tudo sobre o pai dela... Sobre o porquê de ele não ficar por aqui. Eu tive
que explicar que a culpa foi minha. Mas eu poderia dizer que ela não acreditou
em mim. Mostrei-lhe algumas fotos dele. Eu me pergunto se ela era a pessoa
que as levou — Stella pôs o dedo nos espaços vazios, enquanto continuava com a
sua história.
— Cheryl? Cheryl era um pouco mais jovem do que Jimmy. Ela tinha
apenas doze anos quando Jimmy e eu nos encontramos, e ela não vivia na
reserva. Sua mãe era uma garota branca que teve um caso com o pai de Jimmy.
Eu só sabia sobre ela, porque Jimmy tinha um monte de ressentimentos em
relação a seu pai, e o caso foi uma grande parte disso.
Era difícil imaginar Cheryl aos doze anos. Ela estava em seus quarenta e
tantos anos agora e não gostava muito de sua idade.
— Por que ele faria? Eu nunca conheci nenhum deles. Eles não sabiam
nada sobre mim — Eu expliquei.
Ficamos em silêncio, cada um de nós mentalmente desenrolando o
emaranhado de segredos e suposições que nos havia levado a este ponto da
história.
— Nós sabemos que Jimmy não prejudicou a sua mãe, Blue. A polícia
encontrou o homem que fez isso — Wilson ofereceu enfaticamente, como se ele
soubesse onde meus pensamentos tinham andado.
— Jimmy nunca teria ferido uma alma — Stella concordou. — Mas eu não
entendo como você acabou com ele.
— Então foi isso que aconteceu — Disse Stella com firmeza. — Jimmy
Echohawk não era um mentiroso. Winona deve tê-lo seguido e deixou você com
ele. Talvez ela planejasse voltar. Talvez quisesse forçá-lo a reconhecê-la. Talvez
ela estivesse sob efeito de drogas, ou desesperada... — Stella ofereceu desculpa
após desculpa antes que sua voz desaparecesse. Quaisquer que sejam suas
razões, Winona tinha feito isso e ninguém nunca realmente saberia o porquê.
— Quando Cheryl me disse que Jimmy não era meu pai, foi o pior dia da
minha vida. Eu o tinha perdido, não só fisicamente, mas em todos os sentidos.
Eu não tinha ideia de quem eu era. Eu me convenci de que não sabia quem ele
era — Fiz uma pausa para encurralar a emoção que queria transbordar. — Mas
ele era meu o tempo todo. E eu era dele.
Firmamento
No final, eu fui ver Ethan Jacobsen, também. Eu estava cansada de
segredos, cansada de esqueletos, cansada de não saber. Eu estava tremendo as
teias de aranha e derrubando as pesadas cortinas, deixando a luz brilhar em
uma vida que não tinha sido nada além de cantos escuros. Não foi uma longa
reunião, nem particularmente agradável. Ethan Jacobsen era apenas um cara
normal com uma mulher gorda, um casal de filhos lindos loiros - Saylor e Sadie
- e um cão fedorento. Meu pai parecia em nada com a sua imagem de colegial.
Sua expressão juvenil e seu cabelo loiro espetado foram substituídos por um
sorriso benigno e uma cabeça careca. Ele havia ficado gordo e envelhecido. A
única coisa que o tempo não tinha alterado foram seus olhos azuis. Ele olhava
para mim com aqueles olhos azuis, e eu estava certa de que ele notou que eu
tinha também. Eu tinha certeza que ele notou o meu cabelo preto, pele morena e
a semelhança que eu tinha com uma garota que certa vez ele se preocupou, pelo
menos por um tempo.
Mas ele não me negou. Ele me disse que era meu pai e que gostaria de me
conhecer. Ele me perguntou sobre a minha vida, meus sonhos e meu futuro com
Wilson. Eu respondi vagamente. Ele não ganhou o direito a confidências. Mas
talvez um dia. Eu prometi que entraria em contato. Eu queria ficar e conhecer as
minhas irmãs. Cedar City ficava apenas cerca de três horas de Boulder City, e eu
estava disposta a dirigir. A família tinha tomado uma nova importância para
mim, porque eu tinha uma filha que um dia iria querer todas as respostas. E eu
gostaria de ser capaz de dar a ela. Cada detalhe.
Eu perguntei a minha avó uma vez se valeu a pena... O trabalho que ela
tinha trocado pelo meu avô. Eu não queria machucá-la, mas precisava entender.
Ela desfiou um monte de fatos e detalhes interessantes.
— Sim. Foi horrível. E pensar que você evitou Ivanhoe. Qual era o nome
do caçador de novo?
— Correto. White Hawk amou uma menina estrela, eles estavam felizes
juntos, mas ela decidiu levar seu filho e flutuar para o céu, deixando-o para trás.
— Então, por que você tem pensado sobre isso? — Eu bocejei, concluindo
que ele não ia tocar mais nada até que tivesse falado o que estava incomodando.
Eu não tinha pensado nisso. Mas Wilson estava certo. Era muito parecido
com a história de Jimmy. Exceto Jimmy não conseguiu um final feliz.
— Não. É?
— Mas você voltou para Jimmy, Blue. Você e ele estavam juntos.
Fim
Agradecimentos
Tendo crescido em Utah, eu gosto de explorar a história do povo do meu
Estado natal. Shivwits Paiute Reservation está de fato localizada na área de St.
George of Southern Utah. Larry Shivwa e Stella Hidalgo são personagens
fictícios, como o são todos os personagens da minha história, mas a situação das
pessoas Paiute é factual e histórica.
Um grande obrigado por todo o apoio que recebi de pesquisa sobre este
livro. Andy Espinoza, sargento aposentado da PD de Barstow forneceu
informações valiosas sobre procedimento e até mesmo partes de leitura de meu
manuscrito para me certificar de que eu era realista. Quaisquer erros que fiz são
meus. Paul Mangelson, policial experiente, falou-me através das partes do
enredo e até mesmo deu-me ideias para outras novelas. Para a verdadeira Tiffa
Snook, extraordinária blogueira britânica, obrigada por sua opinião sobre todas
as coisas britânicas! Meus sinceros agradecimentos a Steve Bankhead por
passar uma noite me mostrando suas maravilhosas esculturas e responder a
todas as minhas perguntas sobre ferramentas e madeira e inspiração para que
eu pudesse fazer o talento de Blue ganhar vida. Enorme gratidão vai para
Lorraine Wallace, minha ex-professora do ensino médio e amiga que
providenciou a edição maravilhosa e apoio em meus dois últimos romances.
Para minha mãe, obrigada por ser sempre minha primeira leitora, e por fazer as
minhas histórias melhor. E, finalmente, a toda a minha família, amigos,
blogueiros e leitores lá fora, muito obrigada por seu amor, amizade e apoio!