You are on page 1of 7

Universidade de São Paulo

Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI

Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Artigos e Materiais de Revistas Científicas - FM/MFT


Ocupacional - FM/MFT

2008

Narração de histórias por crianças com


distúrbio específico de linguagem

Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v.20, n.2, p.93-98, 2008


http://producao.usp.br/handle/BDPI/9092

Downloaded from: Biblioteca Digital da Produção Intelectual - BDPI, Universidade de São Paulo
Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2008 abr-jun;20(2).

Narração de histórias por crianças com distúrbio específico de


linguagem****

Narration of stories by children with specific language impairment

Débora Maria Befi-Lopes*


Ana Carolina Paiva Bento**
Jacy Perissinoto***

*Fonoaudióloga. Professora Associada Abstract


Livre Docente do Curso de Background: narrative abilities provide rich information about the linguistic, cognitive and social
Fonoaudiologia do Departamento de
Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia
competences of children with typical language development and with SLI (Specific Language Impairment).
Ocupacional da Faculdade de Medicina Children with SLI present deficits in speech elaboration, which is generally confusing and repetitive.
da Universidade de São Paulo - Área de Furthermore, there may be difficulty with text organization, understanding the underlying time and
Linguagem Infantil. Endereço para cause-effect relationships and in the development of the structural knowledge needed for comprehension.
correspondência:
Aim: to characterize the narration of stories by children with SLI regarding the type and content of
Rua Cipotânea, 51 - Campus Cidade
Universitária - São Paulo - SP - CEP speech and to compare their performance to that of their typically developing peers, matched according
05360-160 to the chronological age. Method: two groups participated in this study: Control Group (CG), 24 children
(dmblopes@usp.br) with no language deficits and Research Group (RG), 8 children with the diagnosis of SLI. To elicit the
narratives, a series of 15 stories were used, represented by illustrations containing four scenes each. These
**Fonoaudióloga. Mestranda do
Programa de Pós-Graduação em
sequences were created and classified as mechanical, behavioral and intentional, according to the relationship
Ciências da Reabilitação - Área established between the characters. Results: children with SLI presented poorer narratives when compared
Comunicação Humana da Faculdade de to their typically developing peers, independent of the type of story which was presented. Moreover,
Medicina da Universidade de São children with SLI showed a similar perception of the mental states when compared to children with
Paulo - Departamento de Fisioterapia, normal development. Conclusions: these results indicate that, regardless the type of story, children with
Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional
da Faculdade de Medicina da
SLI have difficulties in the use of language, that is, with the linguistic abilities necessary to narrate stories
Universidade de São Paulo - Área de and not in the perception of the characters' mental state.
Linguagem Infantil. Key Words: Language; Language Development Disorders; Narration.
***Fonoaudióloga. Doutora em
Resumo
Distúrbios da Comunicação Humana
pela Universidade Federal de São Tema: as habilidades narrativas podem fornecer ricas informações sobre as competências lingüísticas,
Paulo. Professora Adjunta do Curso de cognitivas e sociais das crianças com desenvolvimento típico e com DEL (Distúrbio Específico de
Fonoaudiologia da Universidade de Linguagem). Crianças com DEL apresentam déficits na elaboração do discurso, que geralmente são
São Paulo. confusos e repetitivos. Além disso, há dificuldades na organização textual, compreensão da temporalidade,
****Trabalho Realizado no
relações de causa e efeito e desenvolvimento de conhecimento estrutural necessária para a compreensão
Departamento de Fonoaudiologia, da informação. Objetivo: caracterizar a narração de histórias por crianças com DEL com relação ao tipo
Fisioterapia e Terapia Ocupacional da e conteúdo do discurso e comparar o desempenho destes sujeitos com seus pares cronológicos em
Faculdade de Medicina da desenvolvimento típico. Método: participaram deste estudo dois grupos: Grupo Controle (GC), sem
Universidade de São Paulo - Área de alterações de linguagem, composto por 24 sujeitos e Grupo Pesquisa (GP), com diagnóstico de DEL,
Linguagem Infantil.
composto por 8 sujeitos. Para eliciar as narrativas foi utilizada uma série de 15 histórias, representadas
por figuras, compostas por quatro cenas cada. Essas seqüências foram criadas e classificadas em mecânicas,
comportamentais e intencionais, segundo as relações envolvidas entre as personagens. Resultados: As
crianças com DEL apresentam narrativas mais rudimentares se compararmos a seus pares cronológicos
com desenvolvimento típico de linguagem independente do tipo de história fornecida. Além disso, as
Artigo Original de Pesquisa
crianças com DEL apresentaram percepção dos estados mentais semelhante às crianças com
Artigo Submetido a Avaliação por Pares desenvolvimento normal. Conclusões: estes resultados indicam que, independente do tipo de história
fornecida, a dificuldade destas crianças está na utilização da língua, ou seja, nas habilidades lingüísticas
Conflito de Interesse: não necessárias na narração de histórias e não na percepção dos estados mentais dos personagens.
Palavras-Chave: Linguagem; Transtornos do Desenvolvimento da Linguagem; Narrativa.
Recebido em 13.11.2007.
Revisado em 10.03.2008; 16.05.2008.
Aceito para Publicação em 16.05.2008.

Referenciar este material como:


Béfi-Lopes DM, Bento ACP, Perissinoto J. Narração de histórias por crianças com distúrbio específico de linguagem. Pró-Fono Revista de Atualização Científica.
2008 abr-jun;20(2):93-8.

Narração de histórias por crianças com distúrbio específico de linguagem. 93


Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2008 abr-jun;20(2).

Introdução inferências inadequadas. Além disso, há


dificuldades na organização textual, compreensão
As manifestações de linguagem encontradas da temporalidade, relações de causa e efeito e
no Distúrbio Específico de Linguagem (DEL) são desenvolvimento de conhecimento estrutural
variadas, estando na dependência do grau de necessária para a compreensão da informação.
gravidade do quadro, podendo ser mutáveis Sendo assim, os objetivos do presente estudo são
durante o desenvolvimento. Geralmente as caracterizar a narração de histórias por crianças com
manifestações são: simplificações fonológicas, DEL com relação ao tipo e conteúdo do discurso e
freqüentemente desviantes (simplificações não comparar o desempenho destes sujeitos com seus
observadas no processo normal de aquisição de pares cronológicos em desenvolvimento típico.
linguagem); vocabulário restrito, com uso
demasiado de dêiticos, perífrases e gestos Método
representativos; dificuldade em adquirir novas
palavras; estruturação gramatical simplificada e Participaram deste estudo dois grupos de
pouco variada; ordenação de palavras de forma não crianças: Grupo Controle (GC) e Grupo Pesquisa
usual. Quando a compreensão está comprometida, (GP), na proporção de 3-1 (controle-pesquisa).
observam-se dificuldades em entender sentenças Todos os responsáveis assinaram o termo de
ou palavras específicas como marcadores espaciais consentimento livre e esclarecido que compõe o
ou temporais, realização de comandos lingüísticos projeto aprovado pela Comissão de Ética para
de forma incorreta, respostas incorretas sob Análise de Projetos de Pesquisa - CAPPesq da
questionamento e dificuldade em manter o tópico Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da
de conversação pelas dificuldades de Faculdade de Medicina da Universidade de São
compreensão (1-4). Paulo, sob número 0666/07.
Sendo o DEL uma entidade nosológica complexa O GC foi composto por 24 crianças, de ambos
há muito a ser investigado. Do ponto de vista das os sexos, com faixa etária média de 8:8 anos (7:2 e
manifestações da linguagem, é fundamental 10:10 anos), pertencentes a uma Escola Estadual
identificar as possíveis falhas nos diferentes da região leste da cidade de São Paulo.
processos psicolingüísticos e de processamento Os critérios de seleção para o GC foram:
da linguagem oral e escrita, a fim de tornar o processo ausência de queixa ou tratamento fonoaudiológico
terapêutico melhor direcionado (5). anterior, bom padrão comunicativo e desempenho
Dessa forma, as habilidades narrativas podem escolar satisfatório segundo as professoras. Além
nos fornecer ricas e variadas informações sobre as disso, deveriam apresentar desempenho adequado
competências lingüísticas, cognitivas e sociais das em prova de fonologia e em tarefas que envolviam
crianças com desenvolvimento típico e com DEL (6). consciência fonológica e leitura e escrita (12-13).
A narrativa é uma tarefa complexa que requer O GP foi composto por oito crianças com
integração lingüística, cognitiva e habilidades diagnóstico de DEL de ambos os sexos, com faixa
sociais, e seu potencial como avaliação clínica tem etária média de 8:9 anos (7:0 e 10:6 anos), que
sido explorado recentemente (7). Além disso, a freqüentavam terapia fonoaudiológica no
narrativa oferece um método para se investigar Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em
questões teóricas acerca da relação entre a Desenvolvimento da Linguagem e suas Alterações
linguagem e a cognição (8). (LIF-ADL) do Departamento de Fisioterapia,
Estudos observaram que as crianças com DEL, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da
além das dificuldades que já foram citadas, Faculdade de Medicina da Universidade de São
apresentam também déficits na elaboração do Paulo (FMUSP).
discurso, que geralmente são confusos e Para eliciar as narrativas foi utilizada uma série
repetitivos (9-10). de 15 histórias, representadas por figuras, compostas
Westby et al. (11) referem que crianças com DEL por quatro cenas cada. Baron-Cohen et al. (14) criaram
apresentam dificuldades na construção do que o e classificaram as seqüências como mecânicas,
ouvinte necessita ouvir para compreender a comportamentais e intencionais, segundo as relações
mensagem e conseqüentemente acabam por realizar envolvidas entre as personagens.

94 Befi-Lopes et al.
Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2008 abr-jun;20(2).

Mecânica (SM) Tipo de discurso:

Objetos ou objetos e pessoas interagindo . descritivo sem conectivos - não há presença de


casualmente, uns com os outros. conectivos que estabeleçam uma relação seqüencial
Uma das seqüências apresenta um ovo em cima entre as cenas;
de uma mesa, o ovo rola sobre a mesa, cai da mesa . descritivo com conectivos - o uso de conectivos
e quebra ao cair no chão. estabelece uma relação aditiva entre as cenas, sem
São utilizadas seis seqüências mecânicas sendo fazer relação direta entre os acontecimentos
que três delas envolvem somente objetos e as narrados em uma cena e na subseqüente;
demais envolvem tanto objetos como pessoas. . causal implícito - uso de expressões que não as
determinantes diretas de causa, mas que expressam
Comportamental (SC) relação de causalidade;
. causal explícito - uso de conjunções causais ou
Uma ou mais pessoas atuando em situações explicitação do agente causador;
rotineiras, que não requerem atribuição de estados . intencional implícito - uso de interjeições ou
mentais. expressões não-lingüísticas que expressem desejo
Em uma das seqüências temos um homem que ou sentimento da personagem;
está preparando a massa de uma torta, ele a coloca . intencional explícito - há a expressão de estados
numa forma, coloca a forma no forno e em seguida mentais das personagens, através da atribuição ou
a torta fica pronta. do uso de verbos que expressam desejo, ou quando
São utilizadas seis seqüências a fala da personagem é narrada na forma de discurso
comportamentais. direto.

Intencional (SI) Caso ocorresse em uma mesma narrativa mais


de um tipo de discurso, a classificação foi feita de
Pessoas atuando em atividades diárias que acordo com o tipo de narrativa mais complexa.
requerem atribuição de estados mentais.
(16)
Em uma das seqüências temos um menino com Conteúdo do Discurso :
uma caixa de bombons, ele coloca os bombons
sobre a mesa e sai para jogar bola com os amigos. . pertinência - se o discurso foi referente ao tema da
Enquanto isso, sua mãe come todos os bombons e seqüência;
quando ele volta para comer os bombons ele fica . coerência - se o discurso continha começo, meio e
chateado ao ver que a caixa de bombons está vazia. fim, apresentando estrutura semântica completa.
São utilizadas três seqüências intencionais. Esse critério está prioritariamente relacionado com
Perissinoto (15), a partir das classificações a compreensão da narrativa pelo interlocutor;
descritas acima, elaborou as 15 histórias, bem como . completude - se todas as ações representadas nas
sua representação em desenhos que foram cenas foram narradas, independente da ordem em que
utilizados no presente estudo. ocorreram ou da compreensão dos acontecimentos.
A pesquisadora explicou aos participantes que
as seqüências de figuras formavam uma história. A Resultados
primeira cena de cada história era mostrada para a
criança, a avaliadora perguntava o que ela estava Para a análise estatística dos dados foi utilizado
vendo na figura. Caso a criança não soubesse nomear o teste não paramétrico Qui-quadrado (X2) e o nível
todos os elementos da primeira cena a avaliadora de significância adotado foi de 5%. As respostas
explicava e somente após a compreensão de todos estatisticamente significantes estão marcadas com
os elementos as outras três figuras eram fornecidas à um asterisco e em negrito.
criança para que pudesse organizá-las e então era Os grupos se diferenciaram quanto ao tipo de
solicitado que narrasse à história formada. narrativa ou discurso (X2 = 124,47; p < 0,001*).
As crianças do GP e GC narraram todas as O GP produziu 19% de narrativas descritivas
histórias (gravadas digitalmente) e então, estas sem conectivo; 40,5% de narrativas descritivas com
foram transcritas e analisadas pela pesquisadora. conectivo, 30,2% de narrativas causais implícitas,
Os resultados foram analisados segundo os 1,7 % de narrativas causais explícitas, 3,4% de
critérios definidos por Baron-Cohen et al. (14): narrativas intencionais implícitas e 5,2% de
narrativas intencionais explícitas.

Narração de histórias por crianças com distúrbio específico de linguagem. 95


Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2008 abr-jun;20(2).

Já o GC produziu 14,4% de narrativas TABELA 1. Distribuição do tipo de narrativa por grupo - Seqüências Mecânicas.
descritivas com conectivo, 48,9% de narrativas
causais implícitas, 5% de narrativas causais
Descritivo Descritivo
explícitas, 7,8% de narrativas intencionais Tipo de
Sem Com
Causal Causal Intencional Intencional
implícitas, 23,9% de narrativas intencionais Narrativa Implícito Explícito Implícito Explícito
Conectivo Conectivo
explícitas e não apresentou nenhuma narrativa 88
descritiva sem conectivo. GC 0 23 (16%) 4 (2,8%) 5 (3,5%) 24 (16,7%)
(61%)
Portanto, para o GP há um predomínio das 14 19 15
narrativas descritivas com conectivos, seguidas das GP 0 0 0
(29,2%) (39,6%) (31,3%)
causais implícitas. Para o GC o tipo de narrativa de X2 = 68,158; g.l. = 5; p < 0,001*
maior ocorrência foi a causal implícita seguida da
intencional explícita.
Considerando apenas as narrativas produzidas
a partir das histórias mecânicas (Tabela 1), os
TABELA 2. Distribuição do tipo de narrativa por grupo - Seqüências
grupos também se diferenciaram quanto ao tipo de
Comportamentais
narrativa (X2 = 68,16; g.l. = 5; p < 0,001*). Para o GP
houve um predomínio das descritivas com
conectivos, seguido das causais implícitas. Já para Tipo de
Descritivo Descritivo
Causal Causal Intencional Intencional
o GC o tipo de narrativa de maior ocorrência foi a sem com
Narrativa Implícito Explícito Implícito Explícito
Conectivo Conectivo
causal implícita seguida da intencional explícita.
Analisando as histórias comportamentais 29 60
GC 0 6 (4,2%) 14 (9,7%) 35 (24,3%)
(20,1%) (41,7%)
(Tabela 2), os grupos também se diferenciaram
20
quanto ao tipo de narrativa (X2 = 39,994; g.l. = 5; p GP 7 (15,2%)
(13,9%)
13 (9%) 0 4 (2,8%) 2 (1,4%)
< 0,001*). Houve um predomínio das descritivas
X2 = 39,994; g.l. = 5; p < 0,001*
com conectivos, seguido das descritivas sem
conectivos no GP. No GC, predominaram as causais
implícitas seguidas das intencionais explícitas.
Nas histórias intencionais (Tabela 3) os grupos
também se diferenciam (X2 = 31,886; g.l. = 4; p < TABELA 3. Distribuição do tipo de narrativa por grupo - Seqüências
0,001*). As descritivas sem conectivo foram Intencionais.
excluídas da comparação devido à baixa freqüência.
Para o GP houve predomínio das descritivas com
Descritivo Descritivo
conectivos, seguido das causais implícitas. Já para Tipo de
Sem Com
Causal Causal Intencional Intencional
o GC o tipo de narrativa de maior ocorrência foi a Narrativa Implícito Explícito Implícito Explícito
Conectivo Conectivo
causal implícita seguida da intencional explícita. 28 8
GC 0 0 9 (12,5%) 27 (37,5%)
Os grupos também se diferenciam quanto ao (38,9%) (11,1%)
conteúdo das narrativas. Para o GC, 100% delas 7
GP 1 8 (38,1%) 2 (9,5%) 0 4 (19%)
apresentaram conteúdo pertinente, enquanto para (33,3%)
o GP, 90% foram pertinentes (X2 = 36,92; g.l.=1; p < 2
X = 31,886; g.l. = 4; p<0,001*
0,001*). Os conteúdos foram coerentes em 93,6%
das narrativas do GC e em 51,7% das do GP (X2 =
112,88; g.l.=1; p < 0,001*). Em relação à completude,
90,3% do GC e 47,5% do GP completaram as
narrativas (X2 = 101,36; g.l.=1; p < 0,001*).

96 Befi-Lopes et al.
Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2008 abr-jun;20(2).

Discussão observado em seus pares cronológicos com


desenvolvimento normal de linguagem (17, 20-23).
As crianças com DEL apresentam narrativas Além disso, comparando com seus pares, as
mais rudimentares se comparadas às crianças de crianças com DEL produzem um número
mesma idade com desenvolvimento típico de significativamente menor de sentenças
linguagem, independente do tipo de história sintaticamente complexas, menos frases elaboradas
fornecida. Isto mostra que a dificuldade destas e maior número de erros gramaticais (8, 20, 24-27).
crianças está na utilização da língua, ou seja, nas
habilidades lingüísticas necessárias na narração de
histórias e não na percepção dos estados mentais Conclusão
dos personagens. Além disso, verificou-se que com
relação à coesão e completude das histórias houve Os resultados deste estudo mostram que os
grande discrepância entre os grupos, mostrando a grupos se diferiram quanto ao tipo de narrativa e
inabilidade dos sujeitos com DEL em lidar com conteúdo, de forma que as crianças com DEL
estruturas morfossintáticas. apresentaram maior ocorrência de narrativa
Estes dados corroboram outros estudos, em que descritiva com conectivo enquanto as crianças em
crianças com DEL produziram histórias menores, desenvolvimento normal de linguagem
com menos coesão e com muitos erros de sintaxe, apresentaram maior número de narrativas causais
semântica e morfologia devido aos déficits implícitas. Além disso, houve diferença em relação
lingüísticos que caracterizam estes sujeitos (8, 17-18). ao conteúdo da narrativa, já que enquanto quase
Newman e Macgregor (19) apontaram que todas as narrativas produzidas pelas crianças do
estruturalmente, a narrativa produzida pelas GC eram coerentes e completas, somente metade
crianças com DEL e crianças com desenvolvimento das produzidas pelo GC se configurou dessa forma.
normal diferiram em diversos aspectos. As histórias Os déficits observados na produção narrativa
produzidas por crianças com DEL foram menores, em crianças com DEL apontam para as dificuldades
apresentaram extensão média do enunciado (EME) conversacionais presentes nestes sujeitos que
abaixo do esperado para a faixa etária, maior influenciam, dessa forma, no desenvolvimento da
proporção de frases agramaticais e número competência social, que implica em aspectos
significativamente menor de elementos do enredo sociais, cognitivos, acadêmicos e comportamentais.
da história se comparadas a seus pares Finalizando, destaca-se a importância da
cronológicos com desenvolvimento normal de realização da avaliação das habilidades narrativas
linguagem. durante o processo diagnóstico em linguagem
Outras pesquisas mostraram que as narrativas sempre que possível, ou mesmo durante o processo
produzidas por crianças com DEL são caracterizadas terapêutico, já que permitem ao fonoaudiólogo
pelo menor número de componentes gramaticais verificar as competências lingüísticas, cognitivas e
na história, baixo número de episódios completos, sociais destas crianças, além de fornecer dados
e pouca coesão se compararmos ao desempenho importantes para o encaminhamento mais efetivo
do processo terapêutico.

Narração de histórias por crianças com distúrbio específico de linguagem. 97


Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2008 abr-jun;20(2).

Referências Bibliográficas

1. Stark RE, Tallal P. Selection of children with specific 14. Perissinoto J. Avaliação Fonoaudiológica da criança
language deficits. Journal of Speech and Hearing Disorders. com Autismo, IN Perissinoto, J. (Org) Conhecimentos
1981;46:114-22. Essenciais para atender bem a criança com Autismo. Ed
Pulso; 2003. cap. 5. p. 45-55.
2. Bishop DV, Adams C. Comprehension problems in
children with specific language impairment: literal and 16. Perroni MC. O Desenvolvimento do Discurso
inferential meaning. Journal of Speech and Hearing Narrativo. Ed. Martins Fontes, São Paulo; 1992.
Disorders. 1992;35:119-29.
17. Merrit DD, Lilies BZ. Story grammar ability in children
3. Crespo-Eguílaz N, Narbona J. Perfiles clínicos evolutivos with and without language disorder: Story generation, story
y transiciones em el espectro del transtorno específico del retelling, and story comprehension. Journal of Speech,
desarrollo del lenguaje. Rev. Neurol. 2003;36(1):29-35. Language, and Hearing Research. 1987;30:539-52.

4. Rocha LC, Befi-Lopes DM. Análise pragmática das 18. Liles BZ, Duffy RJ, Merritt DD, Purcell SL.
respostas de crianças com e sem distúrbio específico de Measurement of narrative discourse ability in children with
linguagem. Pró-Fono Rev. Atual. Cient. 2006;18:229-39. language disorders. Journal of Speech and Hearing Research.
1995;38:415-25.
5. Hage SRV, Joaquim RSS, Carvalho KG, Padovani CR,
Guereiro MM . Diagnóstico de crianças com alterações 19. Newman RM, Mcgregor KK. Teachers and Laypersons
específicas de linguagem por meio de escala de discern quality differences between narratives produced by
desenvolvimento. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São Paulo. children with or without SLI. Journal of Speech, Language,
2004;62(3A):649-53. and Hearing Research. 2006;49:1002-36.

6. Reilly J, Losh M, Bellugi U, Beverly W. "Frog, Where 20. Roth FP, Spekman NJ. Narrative discourse:
Are You?" Narratives in Children with Specific Language Spontaneously generated stores of learning-disabled and
Impairment, Early Focal Brain Injury, and Williams normally achieving students. Journal of Speech, Language,
Syndrome. Brain and Language. 2004;88:229-47. and Hearing Research. 1986;51:8-23.

7. Botting N. Narrative as a clinical tool for the assessment 21. Gillam R, Mcfadden TU, Van Kleeck A. Improving
of linguistic and pragmatic impairments. Child Language narrative abilities: Whole language and language skills
Teaching and Therapy. 2002;43:917-31. approaches. In Fey M, Windsor J, Warren SF. (Eds),
Language intervention: Preschool through the elementary
8. Bishop DVM, Norbury CF. Narrative skills of children year, Baltimore: Brookes; 1995. p. 145-82.
with communication impairments. Int. J. Lang. Comm.
Dis. 2003;38:287-313. 22. Liles BZ. Cohesion in the narratives of normal and
language-disordered children. Journal of Speech, Language,
9. Craig HK, Evans JL. Turn exchange characteristics of and Hearing Research. 1985a;28:123-33.
SLI children's simultaneous and nonsimultaneous speech.
Journal of Speech and Hearing Disorders. 1989;54:334-47. 23. Liles BZ. Production and comprehension of narrative
discourse in normal and language disordered children Journal
10. Befi-Lopes DM, Rodrigues A, Rocha LC. Habilidades of Communication Disorders. 1985b;18:409-27.
lingüístico-pragmáticas em crianças normais e com
alteração no desenvolvimento da linguagem. Pró-Fono Rev. 24. Maclachlan BG, Chapman RS. Communication
Atual. Cient. 2004;16(1):57-66. breakdowns in normal and language learning disabled
children´s conversation and narration. Journal of Speech,
11. Westby C, Van Dongen R, & Maggart Z. Assessing Language, and Hearing Research. 1988;53:2-7.
narrative competence. Seminars in Speech and Language.
1989;10:63-75. 25. Gillan R, Johnston JR. Spoken and written language
relationship in language/learning-impaired and normally
12. Andrade CRF, Befi-Lopes DM, Fernandes FDM, achieving school-age children. Journal of Speech, Language,
Wertzner HF. Manual de avaliação de linguagem do serviço and Hearing Research. 1992;35:1303-15.
de Fonoaudiologia do centro de saúde escola Samuel B.
Pessoa. Publicação Interna, 127 f. São Paulo, 1997. 26. Scott CM, Windsor J. General language performance
measures in spoken and written narrative and expository
13. Wertzner HF. Fonologia. In: Andrade CRF de, Befi- discourse of school-age children with language learning
Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW - Teste disabilities. Journal of Speech, Language, and Hearing
de linguagem infantil: nas áreas de fonologia, vocabulário, Research. 2000;43:324-39.
fluência e pragmática. Barueri: Pró-Fono; 2004. cap. 1.
27. Greenhalgh, K.S.; Strong, C.J. Literate language features
14. Baron-Cohen S, Leslie AM, Frith U. Mechanical, in spoken narratives of children with typical language and
Behavioural and Intencional understanding of stories in children with language impairments. Language, Speech, and
autistic children. British Journal of Developmental Hearing Services in Schools, v.32, p.114-125, 2001.
Psychology. 1986;4:113-25.

98 Befi-Lopes et al.

You might also like