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José nasceu na cidade de Belém, cidade da Judéia e terra natal do rei Davi. Era
carpinteiro e vivia do trabalho de suas mãos. Com 40 anos de idade casou-se uma
mulher que lhe dera seis filhos, quatro homens e duas mulheres. Os homens se
chamavam Judas, Josetos, Tiago e Simão; a mulheres, Lísia e Lídia. Com a sua
esposa, José viveu 49 anos de matrimonio. Quando essa faleceu, Tiago era ainda
uma criança muito pequena. José ficou viúvo durante um ano. Seus dois filhos
maiores, Josetos e Simão, contraíram matrimônio e foram viver em suas casas.
Casaram-se, do mesmo modo, suas duas filhas.
A sabedoria de José era reconhecida por todos. José era um homem justo e louvava
a Deus em todos os seus atos. Por isso foi escolhido pelos sacerdotes do templo
para receber Maria em sua casa. José tinha 89 anos quando se casou com Maria. O
tempo entre namoro, noivado e casamento durou três anos. Nesse ínterim, Maria
ficou grávida do Espírito Santo. José, depois de muita angustia e sofrimento,
compreendeu os mistérios de Deus e, por isso, casou-se com ela. Houve uma
grande festa no dia de seu casamento em Belém. Quando Jesus estava para
nascer, José teve que cumprir o mandato de recenseamento decretado pelo
Imperador Augusto. Em Belém, José apresentou seu nome ao escrivão, bem como o
de Maria, sua esposa e o de Jesus que estava para nascer. Quando Jesus nasceu,
José tinha 93 anos de idade. Logo após o nascimento de Jesus, José teve que fugir
para o Egito com Maria, Jesus e a parteira Salomé. No Egito, José permaneceu por
um ano, até a morte de Herodes, o Grande. Quando voltou para Israel, José voltou
a viver em Nazaré, na Galiléia. Ali, José continuou a exercer a profissão de
carpinteiro para sustentar a família.
Quando José completará 111 anos, seu corpo já debilitado, veio um anjo anunciou-
lhe que a sua morte se daria naquele ano. O espírito de José ficou apreensivo. Foi a
Jerusalém, entrou no templo, se ajoelhou e rezou pedindo a Deus que o seu anjo
estivesse com ele no momento em que a alma deveria sair do corpo e voltar para
Deus. Que essa separação fosse feita sem dor. Que ele e a sua viagem fossem
tranqüilos. Que a sua alma não fosse retida pelo porteiro do inferno.
Quando José voltou de Jerusalém, foi acarretado de uma doença que o levaria a
morte. Ele perdeu a vontade de comer e beber. Sentiu vacilar a habilidade no
desempenho de seu ofício. Em Nazaré, a suas lamentações continuaram. Como o
profeta Jeremias e Jó, José se lamentou do dia em foi gerado, do seio que o
amamentou, da sua língua, pés, mãos, estômago e corpo. E quando José estava
proferindo essas palavras, Jesus entrou no seu quarto e disse-lhe: -“Salve, José,
meu querido pai, ancião bondoso e bendito!” José respondeu a Jesus enaltecendo-o
na sua bondade. Contou como foi a sua vinda ao mundo, como custou para
acreditar no seu nascimento virginal. Lembrou-lhe também do dia em teve que
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puxar a orelhas de Jesus, como repreensão. José pediu perdão a Jesus e professou
a fé em Jesus como filho de Deus e de homem.
Jesus, ao ouvir os lamentos de José, não se conteve e chorou. Ele chegou a pensar
na morte de cruz que estava reservada para ele. Jesus chamou Maria, sua mãe. E
ela entrou no quarto de José e se colocou a seus pés. José suplicava que eles dois
não o abandonassem. José tocou o seu peito e a febre o abandonou. Maria, ao tocar
os pés de José, percebeu que ele estava para morrer. Chamou os outros filhos para
conversar pela última vez com ele. Lísia lembrou-lhes que a enfermidade de José
era a mesma que provocou a morte de sua mãe. Todos os filhos de José
prorromperam em lágrimas.
Naquele momento, Satanás e sua corte vieram em direção a José em busca de sua
alma. Jesus, e somente ele, vendo-os, os expulsou daquele lugar. Eles se puseram
em fuga, envergonhados e confusos. Jesus, então rezou a Deus pedindo que
enviasse um coro de anjos juntamente com os anjos Miguel e Gabriel para
acompanhar a alma de José até o paraíso. Jesus também pediu a Deus
misericórdia para o seu pai.
Quando José deu o último suspiro, Jesus o beijou. Os anjos tomaram o seu corpo e
o envolveram em lençóis de seda. Jesus fechou os olhos e a boca de José. Depois
disse a sua mãe: - “Ò Maria, minha mãe, onde estão os trabalhos de artesanato que
ele fez desde sua infância até agora? Todos eles acabaram neste momento, como se
ele nunca tivesse sequer vindo a este mundo.” Quando os filhos de José ouviram
Jesus dizer isso a Maria, perguntaram: -“Então nosso pai morreu, sem que nós o
percebêssemos?” Jesus lhes respondeu: - “Sim, na verdade está morto; mas sua
morte não é morte e sim vida eterna”. E quando Jesus disse a seus irmãos que
José tinha morrido, esses se levantaram, rasgaram suas vestes e choraram por
longo tempo.
Simbologias de Maria
Verdades ou mentiras? Textos que contam outra versão sobre vida do filho de
Deus ainda suscitam polêmica na Igreja Católica
Fernando Klein
Um Jesus Cristo mais humano e místico. Uma Maria Madalena líder de uma
comunidade e não prostituta. Uma Maria, mãe de Jesus, mais participativa e
menos submissa. Um Tomé polêmico e revolucionário. Um José viúvo, pai de seis
filhos. Estas são algumas das diferenças da história do filho de Deus encontradas
nos escritos apócrifos, uma “outra bíblia” da origem do cristianismo escrita por
seguidores do Messias, mas desacreditada e mantida em sigilo pela Igreja. Ela
compreenderia uma lista de 112 livros, 52 do Primeiro Testamento e 60 do
Segundo.
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e padres da cidade e região. Frei Jacir é um dos poucos estudiosos no Brasil e no
mundo a mergulhar na literatura apócrifa.
O curso para os leigos foi realizado no Colégio Nossa Senhora, de segunda à sexta-
feira, e reuniu cerca de 120 pessoas, desde catequistas até líderes de paróquias de
toda a região. Já para os religiosos, a explanação aconteceu de quarta à sexta-feira,
no Centro de Formação Sagrada Família, com a participação de 60 padres.
Maria Madalena, discípula favorita
Dos escritos apócrifos, um dos mais estudados e que traz maiores revelações é o
Evangelho de Maria Madalena, encontrado em Nag Hamadi, em 1945, no Egito. Ao
contrário do que a maioria dos católicos pensa, em virtude de uma interpretação
errônea das passagens evangélicas, ela não foi a prostituta que teria ungido os pés
de Jesus.
O frei Jacir de Freitas Faria explica que a vinculação de Maria Madalena com a
pecadora tornou-se um arquétipo. “O inconsciente coletivo guardou na memória a
figura de Maria Madalena como mito de pecadora redimida”, explica. Segundo ele,
existiram pelo menos três Marias Madalenas, o que teria gerado a confusão.
Mas, então, quem é Maria Madalena? Para surpresa de muitos, ela era uma das
discípulas de Jesus e líder de uma comunidade. Segundo frei Jacir, entre os
primeiros cristãos existiam disputas pela liderança. “Havia o grupo de Pedro, o de
Tiago e também o de Maria Madalena”, salienta.
O fato mais surpreendente, no entanto, é a ligação dela com Jesus. Segundo os
escritos apócrifos, no Evangelho de Filipe, Maria Madalena era a discípula favorita
e a amada de Jesus. Considerada sua companheira, ela recebia beijos na boca de
Jesus e também os seus conhecimentos secretos.
O frei Jacir alerta sobre o significado do beijo na boca naquela época, o qual
correspondia à comunicação do espírito, ou seja, de ensinamentos. Essa relação
próxima causou ciúmes entre os demais discípulos, principalmente Pedro. “Esse
sentimento mostrou a rejeição ao feminino no início do cristianismo e, quem sabe,
a origem do preconceito à mulher”, observa.
Outro ponto destacado é a concepção de Maria Madalena sobre o pecado. “Para ela,
não existe pecado original. São os condicionamentos da vida que criam as situações
de pecado”, observa. Frei Jacir afirma que a Igreja, no decorrer da sua história,
enfocou muito o pecado original.
Para o religioso, os escritos apócrifos complementam os textos canônicos e também
explicam a presença de Maria Madalena, ao lado de Maria, mãe de Jesus, junto à
cruz, na qual o Messias foi pregado. (F.K.)
Imagem diferente de Maria
Os escritos apócrifos trazem uma imagem diferente de Maria, mãe de Jesus. Nos
textos canônicos, ela aparece como uma mulher submissa e subserviente, que está
junto dos apóstolos, mas não tem nenhuma liderança. Já nos apócrifos, Maria tem
papel preponderante, liderando os discípulos e discutindo de igual para igual com
eles.
O frei Jacir de Freitas Faria observa ainda que os textos apócrifos confirmam um
dos principais dogmas do catolicismo, que é a virgindade de Maria. “José une-se à
Maria com 89 anos e atua como um protetor até a sua morte, aos 111 anos”,
explica, observando que ele já teria sido casado e pai de seis filhos, estes, irmãos de
criação de Jesus. A idade avançada daria a entender que José estaria impotente e
não poderia se relacionar com Maria.
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Outro ponto destacado é o lírio de José, que aparece até hoje na imagem do santo.
Este teria sido o sinal de que ele seria o companheiro de Maria. O frei Jacir observa
ainda que toda a simbologia fundamentada em torno da mãe de Jesus é apócrifa e
não canônica. Ele cita como exemplos a ladainha, palma e “Boa Morte” de Maria.
Outro ponto destacado pelo frei Jacir é o lado revolucionário de Jesus descrito por
Tomé. “As comunidades são convidadas a resistir contra aqueles que tomavam
suas terras, no caso, o Império Romano”, conta.
Ele observa que os escritos apócrifos são importantes, mas precisam ser analisados
com um “olhar crítico”. “Devem ser absorvidas as informações que complementam.
O que é aberração deve ser deixado de lado”, alerta, reiterando, porém, que a maior
parte das histórias contadas nos apócrifos tem relação com os textos canônicos,
explicando-os em algumas passagens, principalmente no Evangelho de João.
Ele observa, porém, que é importante não confundir os escritos apócrifos com
aqueles textos encontrados em 1947, no Mar Morto. “É preciso evitar a
comparação. Aqueles se referiam a 813 papiros que não mencionavam em
nenhuma linha Jesus, ao contrário do que se imaginava”, conta, observando que o
material descoberto era de um grupo religioso de Jerusalém, os Essênios. “Não
conheceram Jesus ou não deram importância”, acredita. (F.K.)
Um Jesus diferente
Welliton Carlos
Apesar de existir um imenso debate sobre a interpretação dos evangelhos apócrifos
encontrados, na sua grande maioria, em 1945, em Nag Hammadi (no Egito), poucas
pessoas tiveram tempo de entender o que acontece de fato no meio religioso.
Ele indica que a forma com que a tradição cristã tratou Madalena está toda
equivocada. “A interpretação feita pela Igreja de Lc 7, 36-50, que identificou a
pecadora citada como sendo Maria Madalena, fez dela uma prostituta. Fato que
ninguém mais ousou duvidar”, diz. No evangelho de Madalena e em outros
apócrifos, ela é apresentada como liderança forte e que ameaçava Pedro ao ponto
dele tramar contra ela, pedindo a Jesus que a expulsasse do grupo dos apóstolos.
“Com a divulgação destes evangelhos, é possível perceber também um outro perfil
de Pedro, um homem misógino, machista”, diz o frei.
A pesquisa de frei Jacir retorna aos primórdios do cristianismo. Desvenda uma
época pré-igreja Católica, pois mostra as origens dos seguidores de Cristo e o modo
como entenderam Jesus e sua mensagem. O que temos na Bíblia é a versão que se
tornou oficial, canônica. O teólogo Antônio Maria diz que conhece os evangelhos
narrados pelo frei Jacir, mas prefere acreditar na Bíblia tradicional. “Nada impede
de se discutir estes temas, mas o mais valioso, com certeza, se encontra na Bíblia”,
diz o pesquisador goiano.
Visão integrada
Jacir explica que não existiu um só cristianismo. Ou seja, não existiu apenas uma
versão dos fatos daquele período. A importância de saber que existiam diversos
seguidores de Cristo ajuda a entender como uma única visão integrada surgiu.
Com estas pesquisas pode-se descobrir que a Igreja dos séculos que se seguiram
aos fatos narrados com Jesus acabou escolhendo uma verdade em seu interior, a
que adequava aos seus objetivos. “Podemos falar de vários cristianismos, aquele da
comunidade de Marcos, de Mateus, de Lucas, de João, de Tiago, irmão de Jesus, de
Maria Madalena, de Tomé, de Paulo, dos Atos dos apóstolos”, afirma.
Cada comunidade deu o seu tom ao seu escrito. Mateus enfocou o lado judeu de
Jesus. Marcos, o Jesus missionário; Lucas, o Jesus salvador da humanidade; Atos
dos Apóstolos, o Jesus da apostolicidade; Paulo, o Jesus ressuscitado. Maria
Madalena procurou traçar o perfil de Jesus ressuscitado, humano e revelador de
ensinamentos divinos. Tomé revelou o Jesus judeu revolucionário, anti-romano e
místico. Tiago, o irmão de Jesus, anunciou o Cristo revolucionário, mas foi abafado.
Existe uma corrente que defende a falsidade destes textos, os quais foram escritos
por pessoas não confiáveis – e que por isso exageraram nas narrativas ou
escreveram ‘verdades’ não-inspiradas. Outros, no qual ele se inclui, defendem que
esses textos devem ser estudos de modo crítico e ecumênico. Respeitar a
diversidade de pensamento na origem do cristianismo é um caminho salutar. Isso
não significa, explica Jacir, proclamar a inspiração desses textos, mas dialogar com
eles e descobrir, por exemplo, que a mulher tinha papel importante no início do
cristianismo, que Deus era visto com Pai e Mãe, mas vingou a idéia de Deus-Pai.
Além disso, nascemos em estado de graça, sem pecado ‘original’. “Não há pecado!
Somos nós que criamos o pecado, quando agimos conforme os hábitos de nossa
natureza adultera”, diz, segundo o evangelho de Maria Madalena. “É bem certo que
os exageros nos apócrifos devem ser compreendidos no contexto da piedade
popular que queria enaltecer Jesus e seus seguidores”, afirma Frei Jacir.
Idéias adormecidas
O que os apócrifos elucidam
A partir do séc. III, Maria Madalena foi interpretada como prostituta, impura e
pecadora. O que fez dela modelo para o cristianismo: a pecadora redimida, em
contraposição a Maria, mãe de Jesus, virgem santa. Os apócrifos revelam que
Maria Madalena era a mulher amada por Jesus e liderança apostólica. No texto
apócrifo Pistis Sofia, ela conversa com Jesus e mostra ser sábia em seus
apontamentos. No evangelho de Maria Madalena, após ter ouvido dela os
ensinamentos de Jesus, Pedro questiona: ‘Será que nós devemos dar ouvidos ao
que essa mulher diz? Devemos mudar nossos hábitos? Será que o Mestre a preferiu
a nós?’ “Maria Madalena ameaçava a liderança dos homens. Fazer dela uma
prostituta significou minimizar o seu papel de liderança no início do cristianismo,
assim como tantas outras mulheres que caíram no ostracismo. Estudar os
apócrifos é resgatar também o papel da mulher na primeira hora do cristianismo”,
afirma Frei Jacir.
Jesus beijava Maria Madalena
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Segundo o apócrifo de Felipe, Jesus beijava Madalena na boca. Jacir afirma que os
documentos pesquisados apontam para grande ciúme dos discípulos em relação a
esse amor. E ainda explica que o beijo, na visão semita, tem sentido de comunicar
o espírito, o saber. Por outro lado, concorda que Jesus poderia ter beijado Maria
Madalena em outro sentido. “Onde está o problema?”, questiona Frei Jacir. Este
seria, assim, um Jesus mais humano e, por isso, divino, afirma.
Pedro e as mulheres
O líder maior nos textos canônicos é Pedro. Mas nos apócrifos, é visto como um
homem que tem aversão às mulheres. “Não chega a ser uma questão de
homossexualismo, mas de raiva, de ser intolerante com as mulheres”, afirma frei
Jacir. No evangelho Pistis Sofia, Pedro fala com Cristo, pedindo a expulsão de
Madalena. Para ele, Madalena conversava demais, impedindo que outros também
falassem. Ela, por sua vez, diz a Cristo que também não mais suporta Pedro e que
ele detesta o sexo oposto. O ódio de Pedro às mulheres é um dos pontos mais
polêmicos dos novos estudos. No evangelho de Tomé, Jesus chega a dizer
ironicamente a Pedro que faria Madalena transformar-se homem para que ela
pudesse entrar no reino.
Não existe pecado
O dogma de que os seres humanos já nascem com pecado original foi formado pela
Igreja ao longo da história. O estudo desses textos indica que o homem nasce, de
fato, puro. “Depois, com o tempo, conforme nossas práticas, é que chegamos a uma
situação pecaminosa”, conta frei Jacir. Em uma conversa entre Madalena e Pedro,
no Evangelho de Maria Madalena, que não está na Bíblia, ela diz que o Mestre
revelou: “Não há pecado.” Além de não adotar o que diz Madalena, a Bíblia e a
própria igreja insistiu muito no pecado moral, se esquecendo dos pecados sociais.
“Somos nós que fazemos existir o pecado, quando agimos conforme a nossa
natureza adúltera”, diz o evangelho de Maria Madalena. Entre os cristãos havia a
discussão sobre o pecado. Mais tarde, a idéia do pecado original ganhou força de
dogma de fé: quando uma pessoa nasce já estará concebida em pecado. “Os antigos
até ensinavam que quando uma criança morria sem ser batizada, ela vomitaria o
leite do pecado que a sua mãe lhe havia oferecido. Que absurdo! Uma criança não
pode nascer em pecado. Ela é totalmente graça. Pecado original entendido desse
jeito só pode ser original na cabeça de quem o inventou.
Tomé apresenta um Jesus revolucionário
Nos evangelhos canônicos, Tomé é aquele que não acreditou, por não ter uma fé
suficiente. Nos apócrifos, Tomé recebe ensinamentos secretos de Jesus e não os
revela aos discípulos. Seu evangelho alternativo apócrifo traz duas novidades: a
dimensão mística do cristão, influenciada pelo gnosticismo, e a visão revolucionária
do projeto de Jesus. Por exemplo, a parábola do semeador também está em Tomé,
mas não a sua interpretação, isto é, a alegoria
Introdução
1 – O significado de Apócrifo
A múltipla definição do que seja o substantivo apócrifo já nos mostra que estamos
em um campo merece a nossa atenção especial. Os estudiosos se dividem em
relação aos escritos apócrifos do Segundo Testamento. Uns afirmam que eles são
simplesmente a expressão da piedade popular sobre Jesus, produzidas no segundo
século do cristianismo. Para eles, essas informações não acrescentam nada às
conservadas nos textos canônicos. Ao contrário, elas deturpam o sentido exato dos
dados. Outros defendem que os textos apócrifos, alguns deles, como parte do
Evangelho de Tomé, datado no ano 50 da Era Comum, poderiam nos aproximar
mais da mensagem de Jesus, isto é, sem interpretação da comunidade. E mesmo
que não fossem datados do primeiro século, esses textos conservam dados
importantes da memória popular sobre Jesus e de seus seguidores (as). Nós
preferimos considerar os apócrifos como preciosidades mantidas em segredo que
nos revelam dados importantes, os quais complementam a história dos
cristianismos de origem. Estudar os apócrifos, sobretudo os do Segundo
Testamento, nos propicia compreender o esforço dos primeiros cristãos em
seguirem Jesus, o que, certamente, não deixou de ocasionar dificuldades no
relacionamento entre as lideranças.
2 - Os livros apócrifos
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constam um número maior ou menor de livros. Destacamos, a seguir, alguns
desses escritos segundo suas categorias:
Encontramos nos livros apócrifos valores que a piedade popular conservou como
“dogma de fé”. Se não fossem os apócrifos do Segundo Testamento não saberíamos
os nomes dos avós de Jesus, dos três reis magos, dos dois ladrões crucificados com
Jesus, do soldado que abriu o lado direito de Jesus com a lança, bem como as
histórias de Verônica, da infância de Maria, consagração e assunção ao céu, das
travessuras de Jesus menino, da descida de Cristo aos infernos, etc. E poderíamos
enumerar muitos outros dados.
Também vale ressaltar a presença das mulheres como lideranças marcantes entre
os primeiros cristãos. Dos apócrifos não nos resultam a afirmação que Maria
Madalena era prostituta. Aliás, muitos menos dos escritos canônicos. Assim como
Maria Madalena, Maria, a mãe de Jesus, aparece nos apócrifos como discípula e
apóstola.
Pedro é o líder dos apóstolos que recebe o encargo de conduzir a Igreja, mas
também uma personagem controvertida. Ele tinha uma filha que se chamava
Petronília. Ele rezou para que ele ficasse doente e, assim, ninguém poderia se casar
com ela. E desse modo sucedeu. Com Maria Madalena, Pedro terá tido muitas
controvérsias. É o que nos relatam o Evangelho de Maria Madalena e o tratado
gnóstico chamado de Pistis Sofia.
4 - Conclusão
Abaixo o nome da fera que escreveu tudo isso. Pelo menos sua formação dá
credibilidade aos escritos que ele faz.
Segredos de História e Fé
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Introdução
A literatura apócrifa, sobretudo a de origem cristã, tem sido objeto de estudo para
muitas pessoas e comunidades. Cursos e conferências sobre a temática têm se
multiplicado. Os evangelhos apócrifos de Maria Madalena e Tomé são os que têm
despertado maior interesse. O motivo disso é que nos apócrifos encontramos
ensinamentos que permanecem atuais, como, por exemplo, a da leitura de gênero,
isto é, a relação homem/mulher no início do cristianismo. Ademais, a
espiritualidade integradora que emerge do Evangelho de Maria Madalena fascina a
todos que dele se aproximam. Também outras descobertas surgem, tais como: os
nomes dos avós de Jesus, Joaquim e Ana; a vida consagrada de Maria; a assunção
de Nossa Senhora; a história de Verônica; a história de José; a defesa da virgindade
de Maria; as travessuras de Jesus menino; a idéia que o pecado não existe; o amor
preferencial de Jesus por Maria Madalena; que Maria Madalena não era prostituta,
a história da filha de Pedro; as divergências entre as lideranças das primeiras
comunidades cristãs; a descida de Cristo aos infernos... E poderíamos continuar
enumerando informações advindas dessa fascinante literatura. Analisemos
algumas delas. Antes, porém, redefinamos o sentido do termo apócrifo.
Tantos escritos assim não invalidam, por outro lado, o valor incontestável dos
evangelhos canônicos produzidos pelas comunidades de Mateus, Marcos, Lucas e
João. Esses permanecerão sempre como critério verossímil de análise da pessoa e
vida de Jesus, mas serão mais bem compreendidos em relação aos outros modos de
pensar daquele então. Nesse sentido, gostaria de propor algumas reflexões
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advindas do estudo dos apócrifos, sobretudo dos evangelhos de Maria Madalena e
Tomé.
Quem é Maria Madalena? A ligação errônea das passagens evangélicas que falam
dela levou à identificá-la com a pecadora (prostituta?) que ungiu os pés de Jesus
(Lc 7,36-50). E esse erro virou verdade de fé. O inconsciente coletivo guardou na
memória a figura de Maria Madalena como mito de pecadora redimida. Fato
considerado normal nas sociedades patriarcais antigas. A mulher era identificada
com o sexo e ocasião de pecado por excelência. Daí não ser nenhuma novidade a
pecadora de Lucas ser prostituta e a prostituta ser Maria Madalena. Lc 8,2 cita
nominalmente Maria Madalena e diz que dela “haviam saído sete demônios”. Ter
demônios é o mesmo que ser acometido de uma doença grave, segundo o
pensamento judaico. No cristianismo, o demônio foi associado ao pecado. No caso
da mulher, o pecado era sempre o sexual. Nesse sentido, a confusão parece lógica.
Mas não o é, se levarmos em consideração o valor da liderança exercida por Maria
Madalena entre os primeiros cristãos, bem como a predileção de Jesus por ela.
Entre os discípulos judeus considerar Maria Madalena como prostituta significava
também subestimar o valor da mulher enquanto liderança. Os padres da Igreja
seguiram essa linha de pensamento.
Entre os primeiros cristãos havia disputas pela liderança. Havia o grupo de Pedro,
o de Paulo, o de Tiago, e também o de Maria Madalena. O evangelho de Maria
Madalena diz que ela recebe os ensinamentos do Mestre e os transmite, causando a
irritação de Pedro, que diz: “Será possível que o Mestre tenha conversado assim
com uma mulher? Devemos mudar nossos hábitos e escutarmos todos essa
mulher? Mas Levi repreende a Pedro dizendo: “Se o Mestre tornou-a digna, quem és
tu para rejeitá-la? Arrependamo-nos!”, o que significa, unamos o masculino e o
feminino dentro de nós e saiamos a anunciar o Evangelho segundo Maria
Madalena. E assim termina o Evangelho de Maria Madalena.
Há também um tratado gnóstico chamado Pistis Sophia que nos mostra o quanto a
liderança de Maria incomodava aos discípulos. Assim diz o texto: “Pedro precipitou-
se adiante e disse a Jesus: “Meu Senhor, nós não podemos mais suportar esta
mulher, pois nos tira a oportunidade; ela não deixou falar ninguém de nós, mas
sempre ela a falar. Meu Senhor que as mulheres cessem afinal de perguntar, de
modo que nós possamos também perguntar”. E Maria Madalena também disse a
Jesus: “Por isso, eu tenho medo de Pedro: ele costuma ameaçar-me e odeia o nosso
sexo”. A opinião de Pedro em relação a Maria Madalena revela o quanto lhe
incomodava o protagonismo de Maria Madalena, mulher, discípula e apóstola de
Cristo.
O evangelho de Filipe nos traz uma informação não muito conhecida entre nós. Ele
diz: “A companheira de Cristo é Maria Madalena. O Senhor amava Maria mais do
que todos os discípulos e a beijava freqüentemente na boca. Os discípulos viram-no
amando Maria e lhe disseram: Por que a amas mais que a todos nós? O Salvador
respondeu dizendo: ‘Como é possível que eu não vos ame tanto quanto a ela?”
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(Filipe 63, 34-64,5). E noutra parte diz: “Eram três que acompanhavam o Senhor:
sua mãe Maria, a irmã dela, e Madalena, que é chamada de sua companheira. Com
efeito, era “Maria” sua irmã, sua mãe e a sua esposa” (Filipe 32).
Com entender o beijo entre Jesus e Maria Madalena? É fácil! Basta remontarmos à
cultura daquela época. O beijo em hebraico significa comunicar o espírito. Por isso
é que dizemos que o beijo é, por excelência, o sacramento do amor. Maria Madalena
recebia os ensinamentos do mestre. Eles eram espíritos unidos pelo amor ao Reino
de Deus. Podemos também compreender isso olhando a vida dos grandes místicos.
Francisco e Clara de Assis viveram essa mesma experiência sublime de amor, na
consagração de suas vidas.
Chamar Maria Madalena de mãe, amada e irmã significa dizer a mesma coisa em
três modos diferentes. Eles representam a mulher (feminino) nos seus três estágios
de vida: infância, procriação e menopausa. E todas essas dimensões, na relação
com o homem (Jesus), revelam a união profunda entre os seres humanos. União
sem divisão, sem dualidade. Por isso, Maria Madalena só poderia ter sido de Jesus
mãe, irmã e esposa. No evangelho de João encontramos a expressão “discípulo
amado”. Esse evangelho tem parentesco próximo em sua teologia com o evangelho
de Maria Madalena. João quase não entrou na lista dos canônicos. Não seria o
evangelho de João fruto da comunidade de Maria Madalena? O discípulo amado do
evangelho de João não seria Maria Madalena? Ela, sim, recebe esse título nos
apócrifos. E para que o seu evangelho fosse considerado canônico, o evangelho de
Maria Madalena virou de João e, João, por conseguinte, o discípulo amado. Bom,
há de se considerar também que o discípulo amado nem seja João.
O evangelho de Madalena afirma: “não há pecado, somos nós que fazemos existir o
pecado quando agimos conforme os hábitos de nossa natureza adúltera” (pagina 7,
14-19). O ser humano nasce em estado de graça, sem pecado. São os
condicionamentos da vida que criam situações de pecado. O pecado então passa a
existir. E vale lembrar que o pecado não é só moral, mas social e comunitário.
Infelizmente a Igreja católica, no decorrer da sua história, enfocou muito o pecado
moral, chegando a criar até listas de pecados, e muita gente viveu atrelada a essa
idéia, sem conseguir se libertar. A confissão dos pecados fez e faz um bem para
todos nós, mas a idéia que tudo é pecado, não. A liberdade é já um estado de graça.
Nem tudo é pecado, sobretudo no campo da moral. O evangelho de Maria Madalena
nos ensina a buscar a harmonia interior e sem absolutismos.
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