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Copyright © 2013 Guy Standing

Copyright © 2013 Autêntica Editora

Título original; The Precariat: The New Dangerous Class

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida,
seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja cópia xerográfica, sem autorização prévia da Editora.

GUY STANDING COORDENADORIA DA COLEÇÃO INVENÇÕES DEMOCRÁTICAS


André Menezes Rocha, David Calderoni, Helena Singer,
EDITORA RESPONSÁVEL
Rejane Dias
Ulian DAbbate Ke/ian, Luciana de Souza Chaui Mattos REVISÃO DA TRADUÇÃO
Berlinck, Marcelo Gomes Justo, Maria Luci Buff Migllori, Rogério Bettoni

0 PRECARIADO Maria Lúcia de Moraes Borges Calderoni.

CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL


Boaventura de Sousa Santos (Universidade de Coimbra/
REVISÃO
Lucia Assumpção
CAPA
Diogo Droschi (sobre fotografia de
A nova classe perigosa University o f Wisconsin), Chhstian Azaís (Université de Caro! Anne de Mural em Berlim,
Alemanha, pintado em 2007 pelo
Picardie Juies Verne d'Amiens), Diego Tatian (Universidad
Nacional de Cordoba), Laurent Bove (Université de Picardie artista italiano BLU)
Jules Verne d'Amiens), Maríana Gainza, Marilena de Souza DIAGRAMAÇAO

Tradução Cristina Antunes Chaui, Milton Meira do Nascimento (FFLCH-USP), Paul Israel Christiane Morais
Singer (FEA-USP), Sandra Jovchelovitch (London School Tamara Lacerda
Revisão da tradução Rogério Bettoni o f Economics), Vittorio Morfino (Université degli studi di
Milano-Bicocca).

P edição Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
reimpressão
Standing, Guy
0 precariado : a nova classe perigosa / Guy Standing ; tradução
Cristina Antunes. -- 1. ed.; 1. reimp, - Belo Horizonte : Autêntica
Editora, 2014 (Invenções Democráticas, v. IV).

Título original: The Precariat: The New Dangerous Class.


ISBN 978-85-8217-245-2

1. Globalização 2. Salário minimo 3. Salários 4. Setor informal


(Economia) 5. Trabalho e classes trabalhadoras - Aspectos sociais
I. Título.

13-10034 CDD-331.554

índices para catálogo sistemático:


1. Trabalho informal: Economia 331.554
2. Trabalho precário : Economia 331.554

G RUPO AUTÊN TICA

Belo Horizonte São Paulo


Rua Aimorés, 981, 8° an dar. Funcionários Av. Paulista, 2.073, Conjunto Nacional, Horsa I
30140-071 . Belo Horizonte . MG 23° andar, Conj. 2301 . Cerqueira César
Tel,: (55 31) 3214 5700 01311-940 . São Paulo . SP
Tel.: (55 11)3034 4468
Televendas: 0800 283 13 22
www.autenticaeditora.com.br
Coleção Invenções Dem ocráticas - Volume IV Nupsi-USP au tê n tíca
Sumário Prefácio à edição brasileira

Prof. Dr. D avid Calderonf

Prefácio à edição b rasileira...........................................................................7


Prof. Dr. D a v id Calderoni
S. fomos todos pessoasflu tua ndo ao redor do mundo. Encontramos uns aos outros,
mas nunca chegamos realmente a nos conhecer. Este pungente testem unho
P re fá c io ............................................................................................................11 anônim o deixado num a parede por um trabalhador m igrante sintetiza
u m dos mais emblemáticos dram as da era do precariado, cuja form ação
Lista de abreviações...................................................................................... 13
o econom ista inglês G uy Standing analisa com vasta erudição e notável
clareza, inform adas po r m uitos anos dedicados à O rganização Interna­
C apítulo 1 - 0 p re c a ria d o .........................................................................15 cional do Trabalho, à docência e à pesquisa universitárias internacionais
e à R ede M undial de R enda Básica, da qual é fundador e copresidente.
C apítulo 2 - P or que o precariado está crescendo?............................ 49
O autor circunscreve o campo diagnóstico e prognóstico em grande
C apítulo 3 - Q u e m ingressa no precariado?.........................................97 arco histórico e geopolítico, dando a ver que a globalização precarizante,
desencadeada sob o influxo da terceira revolução industrial, do neolibe­
C apítulo 4 - M igrantes: vítimas, vilões ou h eró is? ........................... 141 ralismo e da superexploração de populações da Ásia, desmantela o que os
C apítulo 5 - Tarefa, trabalho e o arrocho do t e m p o .......................177 gregos inventaram nos prim órdios da democracia com o o cem e hum ani-
zante do trabalho: o vínculo interno entre praxis e philia, constitutivo do
C apítulo 6 - U m a política de in fe rn o ................................................. 201 autorreconhecim ento dos cidadãos com o hom ens livrem ente associados
nas construções da amizade cívica. Ao propor maneiras de reconstruí-la
C apítulo 7 - U m a política de paraíso...................................................233
em todo o m undo, Guy Standing tom a preciosa, necessária e urgente a
obra O precariado: a nova classe perigosa.
R eferências...................................................................................................273 O caráter democrático deste livro já se deixa apreender no m odo
Posfácio......................................................................................................... 283 com o o autor equaciona a definição do precariado. A poiando-se em
Senador Eduardo M a ta ra zzo Suplicy categorias consagradas, atualiza suas significações m ediante sucessivas di­
ferenciações baseadas em dados sociais, históricos, políticos, psicológicos
e econômicos, oferecidos passo a passo ao leitor.

' Idealizador do Nupsi-USP e da Coleção Invenções Democráticas.

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É assim que o vemos desenvolver a questão da natureza categorial do precariado agudiza e transversaliza, por envolver a globalização de relações
precariado em diálogo com as duas grandes referências na tradição das ciên­ de produção e distribuição da insegurança e da incerteza: a necessidade
cias sociais: “Convencionalmente, os sociólogos pensam tendo em vista as de amparo e a necessidade de identidade.
formas de estratificação de Max W eber - classe e status O u, em passa­ D iante de obra tão seminal, que nos incita a distinguir entre pleno
gem anterior: “Podemos afirmar que o precariado é uma classe-em-formação, emprego e bem -estar no trabalho, concluo estas palavras preliminares
se não ainda um a classe-para-si, no sentido marxista do term o” . com um sentimento de missão cumprida e de “mãos à obra” . Senti-me
Segundo o m eu entendim ento da perspectiva do autor, tanto classe no dever de batalhar pela publicação e de m e engajar na divulgação deste
(referen te à posição nos processos de trabalho e nos m odos de produção) trabalho desde o prim eiro instante em que o conheci, quando organizei
com o status (que correlaciona ocupações a hierarquias socioeconômicas o I Seminário Intersetorial N upsi-U SP, A s invenções democráticas diante dos
e simbólicas) constituem categorias que impHcam relações variáveis de desafios do precariado: o encontro da R enda Básica com a Economia Solidária,
confiança para com o Estado e o capital, sobredeterminadas por formas e mem orável evento que reuniu Guy Standing, Eduardo Suplicy e Paul
graus de acesso direto e indireto à renda social, objeto da justiça distributiva Singer na Faculdade de Saúde Pública da U SP em ju n h o de 2012. A
(política salarial, securitária e previdenciária) e dos arranjos institucionais parceria com a Autêntica Editora perm itiu que em apenas quatorze meses
conexos (sindicatos, leis trabalhistas, direitos sociais) praticados após a lançássemos esta versão brasileira, com a presença do autor, no II Colóquio
Segunda Guerra M undial sob o influxo dos Estados de Bem -Estar Social Internacional N upsi-U SP, Invenções democráticas: construções da felicidade, no
(Welfare States), caracterizados por políticas de proteção social da classe qual procuraremos, com acadêmicos de oito países, sedimentar alianças
trabalhadora. Mas, num quadro histórico determinado pela derrocada do entre m odos dem ocrático-cooperativos de construir conhecim ento em
Welfare State, Standing observa que: parceria com comunidades desassistidas e em prol delas. Isso combina
com a composição heterogênea do precariado tal com o aqui postulada, a
E m qualquer caso, a divisão entre m ão de obra rem unerada [wage
qual congrega migrantes e minorias vulnerabilizados e superexplorados,
labour] e em pregado assalariado [salaried employee], e as ideias de
membros da classe trabalhadora destituídos das garantias de emprego e
ocupação, se dissolve quando consideram os o precariado. [...] Sem
indivíduos cuja qualificação universitária não encontra trabalho condigno.
u m p o d er de b arg an h a baseado em relações de confiança e sem
pod er usufru ir de garantias em troca de subordinação, o precariado
Agosto de 2 0 1 3 .
é sui generis em term os de classe. Ele tam bém tem um a posição de
status peculiar, não se encaixando em alto status profissional ou em
atividades artesanais de m édio status. U m a form a de explicar isso é
dizendo que o precariado tem “status tru n cad o ” [“truncated status”].
E, com o verem o s, a sua estrutura de “renda social” não se mapeia
perfeitam ente conform e velhas noções de classe ou ocupação.

C om o psicanahsta e cidadão contraposto à opressão laborai de cen­


tenas de milhões de seres humanos em largas porções do planeta, gostaria
de sugerir a ideia de que a amizade política é inviabihzada não apenas
intersubjetivamente, mas tam bém intrapsiquicamente, na medida em que
o truncam ento de status e a correlativa perda de identidade ocupacional
torpedeiam o cerne da autoestima, a saber, a relativa integridade íntima
que é constmída ao longo do processo individual e social pelo qual respon­
demos aos dois desafios psicossociais fundamentais que a problemática do

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Prefácio países de alta renda para baixo na m edida em que m elhora a situação
dos países de baixa renda. A menos que as desigualdades negligenciadas
intencionalm ente pela m aioria dos governos nas últimas duas décadas
sejam reparadas de m aneira radical, o sofrim ento e as repercussões p o ­
dem se tornar explosivos. A econom ia de m ercado global pode acabar
elevando os padrões de vida em todos os lugares - até mesmo seus críticos
deveriam desejar isso - , mas certam ente apenas os ideólogos podem negar
G u y Standing que ela trouxe insegurança econôm ica para muitos e m uitos m ilhões. O
precariado está nas prim eiras fileiras, mas ainda tem de encontrar a voz
para trazer à baila sua agenda. N ão se trata da “classe m édia oprim ida”
ou de um a “classe baixa”, tam pouco da “classe trabalhadora mais bai­

E -iste livro trata de um novo grupo no mundo, um a classe em formação.


Nele pretendo responder a cinco questões: O que é essa classe? Por que
xa”. Ela tem um fardo distintivo de insegurança e terá, igualm ente, um
conjunto diferente de reivindicações.
N os estágios iniciais da elaboração deste livro, foi feita um a apre­
devemos nos preocupar com seu crescimento? Por que ela está crescendo? sentação dos temas para o que acabou se tornando um grupo extrem a­
Q u em está ingressando nela? Para onde o precariado está nos levando? m ente m aduro de acadêmicos de convicção social-democrata. A m aioria
Esta últim a questão é crucial. A m enos que o precariado seja en­ recebeu as ideias com desprezo e disse que nelas não havia nada de novo.
tendido, há um perigo de que seu aparecim ento possa levar a sociedade Para eles, a resposta de hoje era a mesma de quando eram jovens. Eram
para um a política de inferno. Isso não é um a profecia, mas sim um a necessários mais empregos, e empregos mais decentes. Tudo o que vou
possibilidade perturbadora. Ela só será evitada se o precariado puder se dizer a essas distintas figuras é que acho que o precariado não teria sido
tornar um a classe-para-si, com um a agência efetiva, bem como um a força afetado por isso.
para forjar um a nova “política de paraíso”, um a agenda levemente utópica H á muitas pessoas para agradecer individualm ente por ajudarem no
e um a estratégia a ser adotada pelos políticos e pelo que é, eufemistica- raciocínio que está por trás deste livro. N o entanto, gostaria de agradecer
m ente, cham ado de “sociedade civil”, incluindo aí a m ultiplicidade de aos m uitos grupos de alunos e ativistas que ouviram as apresentações dos
organizações não governam entais que muitas vezes têm interesse em se temas nos dezesseis países visitados durante sua preparação. Espera-se
tornarem quase governam entais. que suas ideias e perguntas tenham sido absorvidas pelo texto final. Basta
Precisamos urgentem ente acordar para o precariado global. H á acrescentar que o autor de um livro com o este é, principalm ente, um
m uita raiva por aí e m uita ansiedade. Porém , em bora este livro destaque transmissor dos pensam entos dos outros.
o lado vítim a do precariado mais do que o lado libertador, vale afirm ar
desde o início que não é correto ver a precariedade estritam ente pelos
seus dissabores. M uitos indivíduos atraídos por ela estão procurando por Novembro de 2010.

algo m elhor do que o que foi oferecido na sociedade industrial e pelo


trabalhism o do século X X . Eles ainda m erecem mais o nom e de Vítim a
do que de H erói, mas estão com eçando a m ostrar por que o precariado
pode ser um prenúncio de um a Boa Sociedade do século X X I.
O contexto é que, enquanto o precariado crescia, a realidade
obscura da globalização veio para a superfície com o choque financeiro
de 2008. Adiado por m uito tem po, o ajuste global está pressionando os

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Lista de abreviações IM F International M onetary Fund (FM I - Fundo M one­
tário Internacional)

LIFO Last-in, first-out (LIFO - Ú ltim o a entrar, primeiro a


sair)

NGO N on-governm ental organisation (O N G - Organização


N ão Governam ental)

N IC N ew ly industrialising country (N IC - Países recém -


industrializados)

OECD O rg a n isa tio n for E c o n o m ic C o -o p e ra tio n and


D e v e lo p m e n t (O C D E - O rg a n iz a ç ã o p ara a
Cooperação e o D esenvolvim ento Econômico)
AARP A m erican Association o f R e tire d Persons (A A R P -
Associação A m ericana de Aposentados) RM I R evenu m in im u m d ’insertion (R M I - R endim ento
A F L -C IO Am erican Federation o f Labor/Congress o f Industrial m ínim o de inserção)
Organizations (A FL-C IO - Federação Am ericana do SEWA Self-Employed W omeris Association o f índia (SEWA -
Trabalho e Congresso de O rganizações Industriais) Associação de Trabalhadoras Autônom as da índia)
BBVA Banco Bilbao Vizcaya A rgentaria (BBVA) UKBA U K B order Agency (U K BA - Agência de Fronteira
B IE N Basic Incom e E arth N etw ork (BIEN - R ed e Global do R e in o Unido)
de R enda Básica)
UMP U nion pour un M ouvem ent Populaire (U M P - União
CBT C ognitive behavioural therapy (T C C - Terapia cog- por um M ovim ento Popular)
nitivo-com portam ental)
CCT C onditional cash transfer (T C R —Transferência con­
dicional de renda)
CIA C entral Intelligence A gency (CIA - Agência C entral
de Inteligência)
CRI Crim e R eduction Initiatives (Iniciativas para Redução
do Crime)
EHRC E q uality and H u m a n R ig h ts C om m ission (U K )
(E H R C - Com issão de Igualdade e Direitos H um a­
nos do R ein o Unido)
EU E uropean U nion (U E —U nião Européia)

GCSE General Certificate o f Secondary Education (GCSE -


Certificado Geral de Educação Secundária)

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Capítulo 1 estimativas - e o EuroM ayD ay' se tornou pan-europeu, com centenas
de m ilhares de pessoas, principalm ente jovens, ocupando as ruas das
O precariado cidades de toda a Europa continental. Essas manifestações m arcaram os
prim eiros m ovim entos do precariado global.
Os velhos sindicalistas que costum avam orquestrar os eventos do
M ay Day só puderam ficar perplexos diante dessa nova massa desfilante,
cujas demandas por livre m igração e um a renda básica universal tinham
pouco a ver com o sindicalismo tradicional. Os sindicatos viram a resposta
ao trabalho precário com o um retorno ao m odelo “trabalhista” que eles
tinham colaborado para consolidar em meados do século X X - empregos
mais estáveis com segurança de contratação a longo prazo e os aparatos
de benefícios que vinham ju n to com isso. Mas m uitos dos jovens m a­

N os anos 1970, um grupo de economistas de inspiração ideológica


nifestantes viram a geração de seus pais agindo de acordo com o padrão
fordista de empregos em tem po integral e subordinação à gestão indus­
capturou o ouvido e a m ente dos políticos. O elem ento central de seu trial e aos ditames do capital. Apesar da falta de um a agenda alternativa
m odelo “neoliberal” era que o crescim ento e o desenvolvim ento de­ coesa, eles não m ostraram nenhum desejo de ressuscitar o trabalhismo.
pendiam da com petitividade do mercado; tudo deveria ser feito para D espertando prim eiro na Europa O cidental, o EuroM ayD ay logo
m axim izar a concorrência e a com petitividade e para perm itir que os assumiu um caráter global, com o Japão tornando-se um im portante
princípios de m ercado perm eassem todos os aspectos da vida. centro de energia. C om eçou com o um m ovim ento de jovens, com eu­
U m dos temas era que os países deveriam aum entar a flexibilidade ropeus instruídos e descontentes alienados pela abordagem do mercado
do m ercado de trabalho, o que passou a significar um a agenda para a com petitivo (ou neoliberal) do projeto da U nião Européia que os instava
transferência de riscos e insegurança para os trabalhadores e suas famílias. a um a vida de empregos, flexibilidade e crescim ento econôm ico mais
O resultado tem sido a criação de u m “precariado” global, que consis­ rápido. Mas suas origens eurocêntricas logo deram lugar ao internaciona-
te em m uitos m ilhões de pessoas ao redor do m undo sem um a âncora lismo, na m edida em que eles viram sua difícil situação de inseguranças
de estabilidade. Eles estão se tornando um a nova classe perigosa. São múltiplas ligadas ao que estava acontecendo com outras pessoas em todo
propensos a ouvir vozes desagradáveis e a usar seus votos e seu dinheiro o m undo. Os m igrantes tornaram -se parte substancial das manifestações
para dar a essas vozes um a plataforma política de crescente influência. do precariado.
O verdadeiro sucesso da agenda “neoliberal”, aceita em m aior ou m enor O m ovim ento se espalhou para as pessoas com estilos de vida
grau por todos os tipos de governos, criou um monstro político incipiente. não convencionais. E todo o tem po houve um a tensão criativa entre o
E necessário agir antes que o m onstro ganhe vida. precariado tido com o vítim a, penalizado e dem onizado por instituições
tradicionais e políticas, e o precariado tido com o herói, que rejeitava
essas instituições em um ato conjunto de desafio intelectual e em ocio­
O despertar do precariado nal. E m 2008, as manifestações do EuroM ayD ay estavam tolhendo as
Em 1° de m aio de 2001, cinco m il pessoas, principalm ente estudan­
tes e jovens ativistas sociais, se reuniram no centro da cidade de M ilão 1 O E u ro M a y D ay é u m dia em que as ações políticas e dem andas são apresentadas para

para o que pretendia ser um a m archa alternativa em tom de protesto no c o m b a ter a precarização gen eralizad a da ju v e n tu d e e a d iscrim in ação dos im ig ran tes
na E u ro p a e em o utros lugares. É c o m e m o ra d o n o dia 1° de m aio de cada ano. D ia do
D ia do Trabalho. E m 1° de m aio de 2005, a quantidade de pessoas cres­ T rab alh o , tra d ic io n a lm e n te um a celebração da solidariedade en tre os trabalhadores de
ceu para bem mais de 50 m il - mais de 100 m il, de acordo com algumas to d o o m u n d o . (N.T.)

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marchas sindicalistas que aconteciam no mesmo dia. Isso pode ter passado públicas têm sido sobre o orgulho em subjetividades precárias. U m car­
bastante despercebido do público em geral e dos políticos, mas foi um taz do EuroM ayD ay feito para um a manifestação de H am burgo funde
desenvolvim ento significativo. quatro figuras em pose de desafio —um faxineiro, um profissional de
Ao m esm o tem po, a dupla identidade de v ítim a/herói contribuiu saúde, um refugiado ou m igrante e um cham ado trabalhador “criativo”
para a falta de coerência. O u tro problem a foi o fracasso em se concentrar (presum ivelm ente com o a pessoa que desenhou o cartaz). Foi dado um
na luta. O quê ou quem era o inim igo? Todos os grandes m ovim entos lugar de destaque a um a sacola de compras, exibida como símbolo icônico
ao longo da história foram baseados em classe, para o bem ou para o do nom adism o contem porâneo no m undo globalizado.
mal. U m grupo de interesse (ou vários) lutava contra outro, sendo que Os símbolos são importantes. Eles ajudam a unificar grupos em algo
este explorava e oprim ia aquele. N orm alm ente, a luta tratava do uso e mais do que um a m ultidão de estranhos. Ajudam a form ar um a classe
do controle dos principais recursos do sistema de produção e de distri­ e a construir identidade, prom ovendo um a consciência de afinidade e
buição do tem po. O precariado, por toda sua rica complexidade, parecia um a base para solidariedade ou fraternité. A passagem de símbolos para
não ter um a ideia clara do que eram esses recursos. Entre seus heróis um program a político é o assunto deste livro. A evolução do precariado
intelectuais, tem os Pierre B ourdieu (1998), que articulou a precarieda­ com o agência de um a política de paraíso ainda precisa passar do teatro
de, M ichel Foucault, Jürgen Haberm as, M ichael H ardt e Tony N egri e das ideias visuais de emancipação para um conjunto de exigências que
(2000), cujo Império foi um texto seminal, tendo H annah A rendt (1958) vão envolver o Estado em vez de m eram ente confundi-lo ou irritá-lo.
com o pano de fundo. Havia tam bém as sombras dos levantes de 1968, U m a característica das m anifestações do EuroM ayD ay tem sido
ligando o precariado à Escola de F rankfurt de O homem unidimensional sua atm osfera de carnaval, com música caribenha e cartazes e discursos
de H erbert M arcuse (1964). construídos em torn o de zom baria e hum or. M uitas das ações ligadas
Foi um a libertação da m ente, a consciência de u m sentim ento ã frouxa rede que está por trás dessas m anifestações são anárquicas e
com um de insegurança. Mas nenhum a “revolução” surge do simples intrépidas, em vez de estratégicas ou socialm ente am eaçadoras. E m
entendim ento. A inda não havia um a raiva eficaz - isso porque nenhum a H am burgo, os participantes foram aconselhados sobre com o evitar o
agenda política ou estratégia havia sido forjada. A falta de um a resposta pagam ento de tarifas de ônibus ou ingressos de cinem a. E m um a proeza
program ática foi revelada pela busca de símbolos, pelo caráter dialético acontecida em 2006, que entrou para o folclore do m ovim ento, um
dos debates internos e pelas tensões dentro do precariado que ainda estão grupo de cerca de 20 jovens usando máscaras de carnaval e cham ando-se
lá e não vão embora. p o r nom es com o M am ãe A ranha, M ultiflex, O p eraisto rix e Santo
Os líderes dos manifestantes do EuroM ayD ay fizeram o possível Guevara, invadiu u m superm ercado g ourm et no m eio da m anhã. Eles
para literalm ente encobrir as rachaduras, com o acontecia em seus car­ encheram um carrinho com com idas e bebidas de luxo, posaram para
tazes e imagens visuais. A lguns enfatizaram um a unidade de interesses as próprias câmeras e depois saíram , não sem antes entregar à caixa
entre os m igrantes e outros grupos {migranti e precarie foi um a m ensagem um a flor com um bilhete explicando que eles produziam riqueza, mas
estampada num cartaz do EuroM ayD ay de M ilão em 2008) e entre os não a desfrutavam em nada. O episódio foi com o a vida im itando a
jovens e os idosos —um a simpática justaposição no cartaz do EuroM ayDay arte, baseado no film e T h e Edukators. O grupo, conhecido com o a
de Berlim em 2006 ( D o e r r , 2006). gangue de R o b in H o o d , nunca foi capturado. Eles publicaram um a
Porém^ com o m ovim ento esquerdista libertário, ele ainda tem de nota na in tern et anunciando que haviam distribuído os alim entos para
provocar o m edo, ou mesmo o interesse, de quem está fora. Até mes­ estagiários, a quem destacavam com o os trabalhadores precários mais
m o seus protagonistas mais entusiastas adm itiram que as manifestações explorados da cidade.
até agora tinham sido mais teatro do que ameaça, que tratavam mais R aram ente pretendendo conquistar amigos ou influenciar as cor­
de afirm ar a individualidade e a identidade dentro de um a experiência rentes dom inantes da sociedade, as travessuras de grupos com o esse
coletiva de precariedade. N a linguagem dos sociólogos, as manifestações trazem ã m ente analogias históricas. Podem os estar em um estágio na

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evolução do precariado no qual aqueles que se opõem ãs suas principais continuou a trabalhar clandestinamente depois que seus vistos expiraram,
características - precariedade de m oradia, de trabalho e de em prego e colocando-se num a posição vulnerável e explorável.
de proteção social - são parecidos com os “rebeldes prim itivos” que E m 2008, havia 4.200 firmas chinesas registradas na cidade e 45
surgiram em todas as grandes transformações sociais, quando direitos m il trabalhadores chineses, constituindo um quinto da população de
antigos foram elim inados e pactos sociais foram jogados para escanteio. Prato ( D i n m o r e , 2010a, b). Esses trabalhadores produziam um m ilhão de
Sempre houve R o b in H oods, com o Eric H obsbaw m (1959) observou peças de vestuário por dia, o suficiente para vestir a população m undial
de form a memorável. Eles geralm ente se sobressaíram em um período durante 20 anos, de acordo com cálculos dos representantes municipais.
anterior à configuração de um a estratégia política coerente para promover Nesse meio tem po, minadas pelos chineses e fustigadas pela concorrência
os interesses da nova classe. da índia e de Bangladesh, as empresas italianas locais se viram obrigadas
Aqueles que participam das paradas do EuroM ayD ay e dos eventos a dem itir em massa. Em 2010, elas empregavam apenas 20 m il trabalha­
parceiros em outras partes do m undo são apenas a ponta do precariado. dores, 11 m il a menos do que em 2000. A m edida que encolhiam , essas
H á um elem ento m uito m aior vivendo no m edo e na insegurança. A empresas provocavam a transição de mais trabalhadores de empregos
m aioria não se identificaria com as manifestações do EuroM ayDay. Má' regulares para empregos precários.
isso não os torna menos parte do precariado. Eles estão fiutuando, à de- Então veio o choque financeiro, que atingiu Prato de um m odo
ri\'a e potencialm ente furiosos, capazes de se desviar politicam ente para m uito parecido com o que atingiu tantas outras antigas áreas in d u stria i^ a
2 extrem a direita ou para a extrem a esquerda e de apoiar a demagogia Europa e da Am érica do N orte. As falências se m ultiplicaram , o desem^
populista que tira proveito de seus m edos ou suas fobias. prego aum entou, a indignação tom ou proporções obscenas. Em poucos
meses, a esquerda política tinha sido varrida do poder pela xenófoba Liga
O precariado desperto do N orte, que prontam ente instituiu um a repressão aos chineses, exe­
cutando invasões noturnas em suas fábricas e empresas “escravizantes”,
E m 1989, a cidade de Prato, próxim a a Florença, era quase in ­ capturando trabalhadores e dem onizando-os, do mesmo m odo que o
teiram ente italiana. D urante séculos, havia sido um grande centro de aliado político da Liga, o prim eiro-m inistro Silvio Berlusconi, falou de
m anufatura de tecidos e vestuário. M uitos dos seus 180 m il habitantes sua determinação em derrotar “o exército do m al”, forma como descreveu
estavam ligados a essas indústrias, geração após geração. R efietindo os os imigrantes ilegais. U m embaixador chinês abalado veio apressadamente
valores antigos, essa cidade toscana perm aneceu firm e em sua política. de R o m a e disse que o que estava acontecendo lem brava-lhe os nazistas
Parecia a personificação da m oderação e da solidariedade social. em 1930. Estranham ente, o governo chinês parecia relutante em levar
N aquele ano, um grupo de 38 trabalhadores chineses chegou ã os m igrantes de volta.
cidade. U m novo gênero de empresas de artigos de vestuário, perten­ Os problemas não foram causados apenas por nativos intolerantes.
centes aos im igrantes chineses e a uns poucos italianos ligados a eles, A realidade do enclave tam bém contribuiu. Enquanto as antigas fábricas
com eçou a surgir. As empresas im portavam mais e mais trabalhadores de Prato lutavam para competir, deixando os trabalhadores italianos pro­
chineses, m uitos vindos sem vistos de trabalho. Apesar de notados, curarem fontes alternativas de rendim ento, os chineses construíram um a
eram tolerados; eles contribuíam com a próspera econom ia e não faziam com unidade dentro da comunidade. As gangues chinesas, ao que consta,
exigências com relação às finanças públicas, um a vez que não recebiam organizaram o êxodo da China e dirigiam o enclave, ainda que disputassem
quaisquer benefícios sociais. M antiveram -se isolados, cercados em um o controle com gangues da Rússia, da Albânia, da Nigéria e da R o m ê­
enclave onde as fábricas chinesas estavam localizadas. A m aioria veio de nia, bem como com a Máfia. E elas não estavam apenas se restringindo
um a cidade do litoral de W enzhou, na província de Zhejiang, um a área a Prato. As gangues chinesas estavam ligadas às companhias chinesas no
com um a longa história de m igração de profissionais empreendedores. A investimento em projetos de infraestrutura itahanos, incluindo um proposto
m aior parte chegou via F rankfurt com visto de turista para três meses e m ultibilionário “term inal E u ro-C hina” perto do porto de Civitavecchia.

19 20
Prato se tornou um símbolo de globalização e dos dilemas levanta­ U m a reivindicação neoliberal que se consolidou na década de 1980
dos pelo crescimento do precariado. N a medida em que aquelas empresas foi a de que os países tinham de perseguir “a flexibilidade do mercado
escravizantes se espalharam, os italianos perderam seus papéis proletários de trabalho”. A menos que os mercados de trabalho se flexibilizassem, os
e foram abandonados para brigar por um em prego precário ou absolu­ custos trabalhistas aum entariam e as corporações transfeririam a produção
tam ente inexistente. Assim a parte m igrante do precariado foi exposta e o investim ento para locais onde os custos fossem mais baixos; o capital
à retaliação das autoridades, em bora fosse dependente de redes dúbias financeiro seria investido nesses países, em vez de ser investido “em casa”.
dentro do enclave de sua com unidade. Prato reflete um a contracorrente A flexibilidade tinha muitas dimensões: flexibilidade salarial significava
da globalização, mas sem dúvida não é a única. acelerar ajustes a mudanças na demanda, especialmente para baixo; flexi­
bilidade de vínculo empregatício significava habilidade fácil e sem custos
O filho da globalização das empresas para alterarem os níveis de emprego, especialmente para
baixo, implicando um a redução na segurança e na proteção do em pregt^
N o final dos anos 1970, um encorajado grupo de pensadotes sociais flexibilidade do emprego significava ser capaz de mover continuam ente
e econômicos, posteriorm ente chamados de “neoliberais” e “ liqertários” funcionários dentro da empresa e modificar as estruturas de trabalho com
(embora os term os não sejam sinônimos), percebeu que suas opiniões oposição ou custo m ínim os; flexibilidade de habilidade significava ser
estavam sendo ouvidas depois de serem ignoradas durante décadas. A capaz de ajustar facilmente as competências dos trabalhadores.
m aioria deles era jovem o suficiente para não ter sido m arcada pela Em essência, a flexibilidade defendida pelos impetuosos economistas
Grande Depressão ou para ter se dedicado à agenda social que elim inou neoclássicos significava, sistematicamente, tornar os funcionários mais
as correntes dom inantes depois da Segunda G uerra M undial. inseguros, o que afirmavam ser um preço necessário para a m anutenção
Eles não gostavam do Estado, que com paravam a governo cen­ do investim ento e dos empregos. Cada revés econôm ico era atribuído,
tralizado, com seu planejam ento e seu aparato regulatório. V iam o em parte, de form a justa ou não, a um a falta de flexibilidade e ã falta de
m undo com o um lugar cada vez mais aberto, onde o investim ento, “reform a estrutural” dos mercados de trabalho.
o em prego e a renda fluiriam para onde as condições fossem mais N a m edida em que ocorria a globalização e os governos e corpo­
receptivas. A rgum entavam que a m enos que os países europeus, em rações se perseguiam m utuam ente para tornar suas relações trabalhistas
particular, reduzissem os títulos de crédito, que haviam se acum ulado mais flexíveis, o núm ero de pessoas em regimes de trabalho inseguros
desde a Segunda G uerra M undial para a classe operária industrial e o aum entou. Esse fato não foi determ inado em term os tecnológicos. C o n ­
setor público burocrático, e a m enos que os sindicatos fossem “ dom a­ form e o trabalho flexível se propagava, as desigualdades cresciam, e a
dos”, a desindustrialização (conceito novo na época) se aceleraria, o estrutura de classe que sustentava a sociedade industrial deu lugar a algo
desem prego aum entaria, o crescim ento econôm ico seria mais lento, mais complexo, porém certam ente não menos classista. Voltaremos a isso
o investim ento escoaria e a pobreza se agravaria. Foi um a avaliação mais tarde. N o entanto, as mudanças políticas e as respostas das corpora­
m oderada. Eles queriam m edidas drásticas e encontravam , em políticos ções aos ditames da econom ia do mercado globalizante geraram em todo
com o M argaret T hatcher e R o n ald R eagan, o tipo de líderes dispostos o m undo um a tendência que jam ais havia sido prevista pelos neoliberais
a concordar com sua análise. ou pelos líderes políticos que estavam pondo em prática suas políticas.
A tragédia foi que, enquanto o seu diagnóstico em parte fazia sentido, M ilhões de pessoas, em economias de mercado abastadas ou em er­
o seu prognóstico era insensível. Ao longo dos 30 anos seguintes, a tragédia gentes, passaram a fazer parte do precariado, um novo fenôm eno, ainda
foi agravada pelo fato de que os partidos políticos social-democratas que que tivesse nuances do passado. O precariado não fazia parte da “classe
construíram o sistema que os neoliberais queriam desmantelar, depois trabalhadora” ou do “proletariado”. Estes termos sugerem um a sociedade
de brevem ente contestarem o diagnóstico dos neoliberais, acabaram composta, em sua maioria, de trabalhadores de longo prazo, em empregos
aceitando, m eio sem jeito, tanto o diagnóstico quanto o prognóstico. estáveis de horas fixas, com rotas de prom oção estabelecidas, sujeitos a

21 22
acordos de sindicalização e coletivos, com cargos que seus pais e mães m ercado d e trabalho aberto e flexível, a classe não desapareceu. Em vez
teriam entendido, defrontando-se com empregadores locais com cujos disso, surgiu um a estrutura de classe global mais fragm entada.
nomes e características eles estavam familiarizados. O s term os “classe trabalhadora”, “trabalhadores” e “proletariado”
M uitos que passaram a fazer parte do precariado não conheceriam foram incorporados em nossa cultura por vários séculos. As pessoas p o ­
seu em pregador ou saberiam quantos com panheiros empregados tinham diam se descrever em term os de classe, e outras pessoas as reconheceriam
ou provavelmente teriam no futuro. Eles tam bém não eram a “classe nesses termos, pela m aneira como se vestiam, falavam e se comportavam.
m édia”, um a vez que não tinham um salário estável ou previsível ou o Hoje em dia, são pouco mais que etiquetas evocativas. André Gorz (1982)
status e os benefícios que as pessoas da classe m édia deveriam possuir. escreveu sobre “o fim da classe trabalhadora” há m uito tem po. O utros
Conform e a década de 1990 avançou, mais e mais pessoas, não continuaram a agonizar sobre o significado daquele term o e sobre o
apenas nos países em desenvolvimento, encontravam -se em um a posição critério para classificação. N a realidade, talvez precisemos de um novo
que os economistas do desenvolvimento e os antropólogos cham aràifrde vocabulário, um vocabulário que reflita as relações de classe no sistetaa
“inform al”. Provavelmente elas não considerariam esse term o um a fornlg de m ercado global do século X X I.
útil de descreverem a si próprias, m uito menos um a form a de fazê-las E m term os gerais, enquanto as classes antigas persistem em partes
ver nos outros um a m aneira com um de viver e trabalhar. Sendo assim, do m undo, podem os identificar sete grupos. N o topo está um a “elite”,
elas não eram classe trabalhadora, nem classe média, nem “inform al”. que consiste em um m inúsculo núm ero de cidadãos globais absurdamente
O que eram elas? U m lam pejo de reconhecim ento teria ocorrido ao ricos governando o universo, com seus bilhões de dólares, listados na
serem definidas com o tendo um a existência precária. Amigos, parentes e Forbes com o pessoas de prestígio, capazes de influenciar os governos
colegas tam bém estariam num a condição tem porária de algum tipo, sem em todos os lugares e de se perm itirem gestos filantrópicos generosos.
garantia de que estariam fazendo dali a alguns anos, ou ainda meses ou Abaixo da elite vêm os “assalariados”, que ainda ocupam emprego estável
semanas, o que faziam naquele m om ento. M uitas vezes eles nem sequer de tem po integral, sendo que alguns esperam passar para a elite, mas a
desejavam ou tentavam fazê-lo dessa m aneira. m aioria apenas aprecia os sinais simbólicos de sua espécie, com pensões,
férias pagas e benefícios da empresa, muitas vezes subsidiados pelo Estado.
Definindo o precariado Os assalariados estão concentrados em grandes corporações, agências
governamentais e na administração pública, incluindo o serviço público.
H á duas maneiras de definir o que queremos dizer com precariado.
Ao lado dos assalariados, em mais de um sentido, está (até agora)
U m a delas é dizer que se trata de um grupo socioeconôm ico distinto, de
um grupo m enor de proficians. Esse term o com bina as ideias tradicionais
m odo que, por definição, um a pessoa faz parte dele ou não. Isso é útil
de “profissional” (professional) e “técnico” (technician), mas abrange quem
em term os de imagens e análises e nos perm ite usar o que M ax W eber
detém um conjunto de habilidades que podem ser vendidas, recebendo
chamou de “tipo ideal”. Nesse espírito, o precariado poderia ser descrito
altos rendim entos em contrato, com o consultores ou trabalhadores au­
como um neologismo que com bina o adjetivo “precário” e o substan­
tônomos. Os proficians eqüivalem aos yeomen (pequenos proprietários de
tivo relacionado “proletariado”. N este livro, o term o é frequentem ente
terras com direitos políticos), cavaleiros e squires (nobres rurais) na Idade
usado nesse sentido, em bora tenha limitações. Podem os afirm ar que o
M édia. Vivem com a expectativa e o desejo de se m udar continuam ente,
precariado é um a classe-em-formação, se não ainda um a classe-para-si, no
sem um im pulso para o emprego de longo prazo e de período integral
sentido m arxista do term o.
num a única empresa. A “relação de emprego padrão” não serve para eles.
Pensando em term os de grupos sociais, podem os dizer que, dei­
Abaixo dos proficians, em termos de renda, está um “núcleo” retraído
xando de lado as sociedades agrárias, a era da globalização resultou
de trabalhadores manuais, a essência da velha “classe trabalhadora”. Os
num a fragm entação das estruturas de classe nacionais. À m edida que as
Estados do bem -estar foram construídos tendo em m ente esse grupo,
desigualdades aum entaram e que o m undo se m oveu na direção de um
assim como os sistemas de regulamentação do trabalho. Mas os batalhões

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de trabalhadores industriais que integravam os m ovim entos trabalhistas posição de status peculiar, não se encaixando em alto status profissional
se retraíram e perderam seu sentido de solidariedade social. ou em atividades artesanais de m édio status. U m a form a de expficar isso
Em baixo desses quatro grupos está o crescente “precariado”, flan- é dizendo que o precariado tem “status truncado”. E, com o veremos, a
queado por u m exército de desempregados e um grupo separado de sua estrutura de “renda social” não se mapeia perfeitam ente conform e
pessoas hostis socialmente desajustadas, vivendo à custa da escória da velhas noções de classe ou ocupação.
sociedade. O caráter dessa estrutura de classe fragm entada é discutido O Japão ilustra os problemas confrontando os estudantes do preca­
alhures (St a n d in g , 20 0 9 ). E o precariado que queremos identificar aqui. riado. O país tem tido um nível relativamente baixo de desigualdade de
Convencionalmente, os sociólogos pensam tendo em vista as formas renda (o que faz dele um “bom país”, de acordo com W ilkinson e Pickett,
de estratificação de M ax W eber - classe e status - , sendo que classe se 2009). Mas a desigualdade é profunda em termos de hierarquia de status
refere às relações sociais de produção e à posição da pessoa no processo e tem sido intensificada pela proliferação do precariado, cuja situação
de trabalho (W eb e r , [1922] 1968). D entro dos mercados de trabalho, econômica é subestimada por medidas convencionais de desigualdade de
com exceção de empregadores e trabalhadores autônom os, a principal renda. As posições de status mais alto na sociedade japonesa acarretam um
distinção tem sido feira entre trabalhadores rem unerados e empregados conjunto de gratificações que proporcionam segurança socioeconômica e
assalariados —os prim eiros são prestadores de serviço que recebem por que valem m uito mais do que pode ser m edido pela renda m onetária por
tem po de trabalho ou por peça, com imagens de pagam ento por esforço, si só ( K e r b o , 2003, p. 509-512). O precariado não tem todas essas gratifi­
e os últimos supostamente são gratificados pela confiança e compensação cações, razão pela qual a desigualdade de renda é tão seriamente atenuada.
por serviço (G o l d t h o r p e , 2 0 0 7 , v. 2, cap. 5; M c G o v e r n ; H il l ; M il l s , O term o descritivo “precariado” foi usado pela prim eira vez pelos
2008, cap. 3). Sempre se presum iu que o assalariado estivesse mais perto sociólogos franceses nos anos 1980, para descrever os trabalhadores tem ­
de gerentes, chefes e proprietários, enquanto os trabalhadores rem unera­ porários ou sazonais. Este livro usa um a noção diferente, mas o status de
dos seriam inerentem ente alienados, exigindo disciplina, subordinação m ão de obra tem porária com preende um aspecto central do precariado.
e um a combinação de incentivos e sanções. Apenas temos de lem brar que contratos de emprego tem porários não são,
Em contraste com classe, a ideia de status tem sido associada com a necessariamente, a mesma coisa que fazer trabalho tem porário.
ocupação de um a pessoa, sendo as ocupações de status mais altos aquelas A lguns tentam dar ao precariado um a im agem positiva, tipifi­
que estão mais perto de serviços profissionais, gerenciam ento e adm i- cando um rom ântico espírito livre que rejeita norm as da antiga classe
mstração (G o l d t h o r p e , 2 0 0 9 ). U m a dificuldade que se apresenta é que trabalhadora m ergulhada no trabalho estável, hem com o o m aterialismo
dentro da m aioria das ocupações há divisões e hierarquias que envolvem burguês de quem tem em pregos assalariados de “colarinho branco”.
status m uito diferentes. Esse desafio do espírito independente e do inconform ism o não deve ser
Em qualquer caso, a divisão entre mão de obra remunerada e empre­ esquecido, porque ele realm ente figura no precariado. N ão há nada de
gado assalariado, e ideias de ocupação, se dissolve quando consideramos novo nas lutas da juventude e dos não tão jovens contra os ditames do
o precariado. O precariado tem características de classe. Consiste em trabalho subordinado. O que é mais novo é a receptividade por parte dos
pessoas que têm relações de confiança m ínim a com o capital e o Estado, “idosos” do trabalho precário e do estilo de mão de obra, optando por
o que as torna com pletam ente diferentes do assalariado. E ela não tem semelhante m odo de vida após um longo período de emprego estável.
nenhum a das relações de contrato social do proletariado, por m eio das N ós os consideraremos mais tarde.
quais as garantias de trabalho são fornecidas em troca de subordinação e O significado do termo tem variado na medida em que entra no debate
eventual lealdade, o acordo tácito que serve de base para os Estados de popular. N a Itália, o term o precariato tem sido empregado para significar
bem -estar social. Sem um poder de barganha baseado em relações de mais do que apenas pessoas cum prindo tarefas casuais e com baixas rendas,
confiança e sem poder usufruir de garantias em troca de subordinação, indicando a existência precária como um estado de vida norm al (G r i m m ;
o precariado é sui generis em term os de classe. Ele tam bém tem um a R o n n e b e r g e r , 2007). N a Alemanha, o termo tem sido usado para descrever

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não apenas trabalhadores temporários, mas também desempregados que não no quadro a seguir, e perseguidas pelos social-democratas, partidos traba­
têm esperança de integração social. Isso se aproxima da ideia marxista de lhistas e sindicatos após a Segunda Guerra M undial com o sua agenda de
um lumpenproletariat e não é o que será apresentadoTÍeste livro. “cidadania industrial” para a classe trabalhadora ou para o ^ o le ta ria d o
N o Japão, o term o tem sido usado com o sinônim o de “trabalhador industrial. N em todos aqueles que fazem parte do precariado valórizariam
pobre”, embora tenha evoluído como um term o distintivo na m edida em todas as sete formas de segurança, mas se saem m al em todos os aspectos.
que passou a ser associado com o movim ento japonês do Dia do Trabalho e
os chamados “sindicatos freeter”, formados por jovens ativistas que exigem
melhores condições de trabalho e de vida ( U e n o , 2007; O b i n g e r , 2009).
Formas de garantia e segurança de trabalho nos termos
O Japão tem produzido um grupo de jovens trabalhadores conhecidos
da cidadania industrial
como “freeters” - um nom e que combina peculiarm ente “free” (livre)
e Arbeiter, palavra alemã para trabalhador —que tem sido forçado a um
Garantia de mercado de trabalho - oportunidades adequadas de renda-
estilo de emprego casual.
salário; no nível m acro, isto é realçado por um comprom isso gover­
N ão é correto equiparar o precariado com o trabalhador pobre ou
nam ental de “pleno em prego”.
simplesmente com o em prego incerto, em bora essas dimensões estejam
correlacionadas com ele. A precariedade tam bém implica a falta de um a Garantia de vínculo empregatício - Proteção contra a dispensa arbitrária,
identidade segura baseada no trabalho, considerando que os trabalhado­ regulamentação sobre contratação e demissão, imposição de custos aos
res em alguns empregos de baixa renda podem estar construindo um a empregadores por não aderirem às regras e assim por diante.
carreira. Alguns analistas têm ligado a ideia ã falta de controle sobre seu
Segurança no emprego - Capacidade e oportunidade para m anter um
emprego. Isso é complicado, um a vez que existem vários aspectos do
trabalho e do emprego, sobre os quais um a pessoa pode ter o controle — nicho no emprego, além de barreiras para a diluição de habilidade, e
desenvolvimento e uso de habilidades, tem po necessário para o emprego, oportunidades de mobilidade “ascendente” em termos de status e renda.
tem po de em prego e trabalho, intensidade do trabalho, equipam entos, Segurança do trabalho - Proteção contra acidentes e doenças no trabalho
matérias-primas, etc. E há vários tipos de controle e de controladores, não através, por exemplo, de normas de segurança e saúde, limites de tem ­
apenas o supervisor padrão ou o gerente que supervisiona o trabalhador. po de trabalho, horas insociáveis, trabalho n o turno para as mulheres,
A firm ar que o precariado se com põe de pessoas que não têm con­ bem como compensação de contratem pos.
trole sobre o próprio trabalho ou emprego seria m uito restritivo, um a vez
que sempre há ambivalência e acordo implícito em relação a em penho, Garantia de reprodução de habilidade - O portunidade de adquirir habili­
cooperação e aplicação de habilidades, bem com o espaço para atos de dades, através de estágios, treinam ento de trabalho, e assim por diante,
sabotagem, furto e atividades inúteis. Mas os aspectos de controle são bem com o oportunidade de fazer uso dos conhecim entos.
relevantes para um a avaliação de sua situação.
Segurança de renda —Garantia de renda adequada e estável, protegida,
Talvez um a linha de delineamento igualmente interessante esteja asso­
por exemplo, por m eio de mecanismos de salário m ínim o, indexação
ciada com o que pode ser chamado de “dissonância de status”. Pessoas com
dos salários, previdência social abrangente, tributação progressiva para
nível relativamente alto de educação formal que tiveram de aceitar empregos
reduzir a desigualdade e para com plem entar as baixas rendas.
com um status ou rendim ento abaixo do que acreditam estar de acordo
com suas qualificações são propensas a sofrer de frustração de status. Esse Garantia de representação - Possuir um a voz coletiva no mercado de
sentimento tem predominado no jovem precariado do Japão (K o s u g i , 2008). trabalho por meio, por exemplo, de sindicatos independentes, com o
Para nossos propósitos, o precariado consiste em pessoas que são direito de greve.
desprovidas das sete formas de garantia relacionadas ao trabalho resumidas

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Nas discussões da atual insegurança de trabalhò>çdada mais atenção seguro social, assistência social, transferências discricionárias, subsídios pa­
ã*Hegurança de vínculo empregatício - falta de contratos de longo prazo gos diretamente ou através dos empregadores, e serviços sociais subsidiados.
CMsência de proteção contra a perda do vínculo. Isso é compreensível. N o Por fim, há os benefícios privados derivados de economias e investimentos.
o m i t o , a insegurança no emprego tam bém é um a característica marcante. Cada um deles pode ser subdividido em form as que são m ais ou
A diferença entre garantia de vínculo e segurança no emprego é vi- m enos seguras ou garantidas e que determ inam seu valor integral. Por
n L Considere-se um exemplo. Entre 2008 e 2010, trinta funcionários da exem plo, os salários podem ser divididos em formas fixadas num a base
üaD ce Telecom cometeram suicídio, resultando na indicação de alguém contratual de longo prazo ou form as variáveis ou flexíveis. Se alguém
é t fora como o novo chefe. Dois terços dos 66 m il funcionários tinham recebe hoje um salário que oferece a m esm a renda m ensal para o p ró ­
otabilidade do serviço público, com a segurança de vínculo empregatício xim o ano, a renda recebida esse mês vale mais do que a m esm a renda
garantida. Mas a administração sujeitou-os à sistemática insegurança no em dinheiro derivada de um salário que é dependente dos caprichos do
«nqwego, com um sistema chamado “Tim e to M ove” (Hora de Mudar), tem po e da agenda de produção indeterm inada de um em pregador. Da
i|ae os obrigava a m udar de escritório e postos de trabalho abruptamente, m esm a form a, os benefícios estatais podem ser divididos em direitos de
de poucos em poucos anos. A tensão resultante foi considerada a principal “cidadania” universal, ao lado de benefícios de seguro, que dependem
causa dos suicídios. A insegurança no emprego foi relevante. de contribuições passadas e por isso são, em princípio, “garantidos”, e
Essa insegurança tam bém tem im portância no serviço público. Os mais transferências discricionárias que podem ou não estar disponíveis,
empregados assinam contratos que lhes dão a tão cobiçada segurança de dependendo de circunstâncias imprevistas. Os benefícios da empresa p o ­
xinculo empregatício. Mas eles tam bém concordam em ser alocados para dem ser subdivididos em elem entos que todos recebem num a empresa,
cargos de acordo com a vontade de seus gerentes. E m um m undo de elem entos que dependem do status ou do serviço anterior e elem entos
ngorosa “gestão de recursos hum anos” e flexibilidade funcional, é pro ­ dados discricionariam ente. O m esm o é verdadeiro para os benefícios
vável que o deslocamento para lá e para cá seja pessoalmente perturbador. da com unidade, que podem ser divididos em reivindicações de fam ília
O utra característica do precariado é a renda precária e um padrão ou parentesco e reivindicações que podem ser feitas na com unidade
de renda que é diferente daquele de todos os outros grupos. Isso pode ser em geral para apoio em m om entos de necessidade.
demonstrado usando-se o conceito de “renda social”. Em todos os lugares, O precariado pode ser identificado por um a estrutura característica
as pessoas obviam ente têm de sobreviver com a renda que recebem , seja da renda social, que confere um a vulnerabilidade que vai bem além da que
na forma de fluxo m onetário ou de rendim entos em espécie, em term os seria transmitida pela renda financeira recebida em um m om ento especí­
do que as pessoas ou suas famílias produzem . Isso pode ser m edido pelo fico. Por exemplo, num período de rápida comercialização da economia
que elas poderiam receber antecipadam ente, caso venham a precisar. A de um país em desenvolvimento, os novos grupos, muitos a cam inho do
m aior parte das pessoas, na m aioria das sociedades, tem várias fontes de precariado, acham que perdem os benefícios tradicionais da comunidade e
renda, em bora alguns possam depender de apenas um a. não obtêm benefícios corporativos ou do Estado. Eles são mais vulneráveis
A composição da renda social pode ser dividida em seis elementos. O do que muitos grupos com rendas mais baixas que m antêm formas tradi­
prim eiro é a autoprodução, os alimentos, os bens e os serviços produzidos cionais de apoio da comunidade e são mais vulneráveis do que empregados
diretam ente, se consumidos, trocados ou vendidos, incluindo o que se assalariados que têm rendim entos financeiros similares, mas têm acesso a
pode plantar num a horta ou num terreno doméstico. E m segundo lugar, um conjunto de benefícios da empresa e do Estado. U m a característica do
há o salário nom inal ou a renda em dinheiro recebido do trabalho. Em precariado não é o nível de salários em dinheiro ou de rendas auferidas
terceiro, há o valor do apoio fornecido pela família ou pela comunidade em qualquer m om ento específico, mas a falta de apoio da com unidade em
local, muitas vezes por meio de créditos de seguros informais mútuos. Em m omentos de necessidade, a falta de benefícios assegurados da empresa ou
quarto, há benefícios corporativos que são fornecidos a muitos grupos de do Estado e a falta de benefícios privados para com plem entar ganhos em
empregados. Em quinto, há os benefícios estatais, incluindo benefícios de dinheiro. Consideraremos os efeitos disso no capítulo 2.

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Além da falta de garantia no emprego e da renda social insegura, e “vulgares de m ente”, não tinham nenhum a oportunidade de ascender
aqueles que fazem parte do precariado carecem de um a identidade baseada na escala social. Trabalhavam ao lado dos metecos (residentes estrangeiros),
no trabalho. Q uando estão empregados, ocupam empregos desprovidos artesãos aceitos com direitos limitados. Juntam ente com os escravos, esses
de carreira e sem tradições de m em ória social, ou seja, não sentem que dois grupos faziam todas as tarefas, sem expectativa de que algum a vez
pertencem a um a com unidade ocupacional imersa em práticas estáveis, pudessem participar da vida da polis.
códigos de ética e normas de comportamento, reciprocidade e fraternidade. O s antigos gregos com preendiam m elhor do que nossos estra­
O precariado não se sente parte de um a com unidade trabalhista tegistas políticos atuais as diferenças entre trabalho e tarefa e entre
solidária. Esse fato intensifica um sentim ento de alienação e instrum en- diversão e ócio, ou o que eles cham avam de schole. Os que faziam as
tahdade no que ele tem de fazer. As ações e atitudes derivadas da preca­ tarefas eram não-cidadãos, pois os cidadãos não as cum priam ; eles se
riedade tendem ao oportunism o. N ão há “sombra de futuro” pairando entregavam à praxis, ao trabalho na casa e ao redor dela, com a fam ília
sobre suas ações, para lhes dar um senso de que o que dizem , fazem e os amigos. Tratava-se de um a atividade “reprodutiva”, o trabalho
ou sentem hoje terá um forte ou obrigatório efeito em suas relações de feito po r si só, para fortalecer relações pessoais, para se m isturar à par­
longo prazo. O precariado sabe que não há nenhum a sombra do futuro, ticipação pública na vida da com unidade. D e acordo com os nossos
da mesma form a com o não há futuro no que eles estão fazendo agora. padrões, a sociedade deles era desigual, particularm ente no tratam ento
Estar “fora” am anhã não seria um a surpresa, e sair talvez não fosse ruim , das m ulheres. N o entanto, eles entendiam por que era ridículo m edir
caso outro trabalho ou um a explosão de atividade surjam no horizonte. tudo em term os de tarefas.
O precariado carece de identidade ocupacional, m esm o que al­ U m a controvérsia neste livro é que um dos principais objetivos de
guns ten h a m qualificações vocacionais e m esm o que m uitos ten h a m se superar o “lado negativo” do precariado à m edida que o século X X I
em pregos com títulos extravagantes. Para alguns, há um a liberdade avança deveria ser resgatar o trabalho que não é tarefa e o ócio que não
em não ter n e n h u m co m p ro m etim en to m oral ou com p o rtam en tal é diversão. D urante todo o século X X , a ênfase esteve em m axim izar
que defina um a identidade ocupacional. C onsiderarem os a im agem o núm ero de pessoas que realizam tarefa, enquanto se denegria ou se
do “nôm ade u rb an o ” m ais tarde, b e m com o a relacionada im agem de ignorava o trabalho que não fosse tarefa. Esperava-se que o precariado
“ habitante , a pessoa que não é u m cidadão pleno. D a m esm a form a realizasse tarefas, com o e quando fosse necessário, em condições que não
que alguns preferem ser nôm ades - isto é, viajantes não colonos - , nem são, em grande parte, de sua própria escolha. E esperava-se que se per­
todos que estão no precariado devem ser considerados com o vítim as. mitisse m uita diversão. C onform e argum entado no capítulo 5, tam bém
N o entanto, a m aioria vai se sentir desconfortável em sua insegurança, se espera que seja feito m uito trabalho por tarefa não rem unerado. Mas
sem u m a perspectiva razoável de fuga. seu ócio é considerado acidental.

Tarefa, trabalho,^ diversão e ócio


Variedades do precariado
Os antecedentes históricos do precariado foram os banausoi da Grécia
N ão im porta com o seja definido, o precariado está longe de ser
antiga, aqueles que deviam cum prir as tarefas produtivas na sociedade
hom ogêneo. O adolescente que entra e sai o tem po inteiro de um ciber-
(ao contrário de escravos, que trabalhavam apenas para seus senhores).
café enquanto sobrevive de empregos transitórios não é o mesmo que o
Os banausoi, considerados por seus superiores com o “rígidos de corpo”
m igrante que usa a inteligência para sobreviver, estabelecendo febrilmente
um a rede de contatos enquanto se preocupa com a polícia. Tam pouco é
N o o rig in a l, “ la b o u r” e “ w o rk ”. E m term o s m arx istas, “ la b o u r” estaria lig ad o ao
“v alor de tro ca ”, e “w o r k ” ao “v alo r de uso”. B aseado nas d istinções estabelecidas p o r
semelhante à mãe solteira que se preocupa de onde virá o dinheiro para
G u y S tan d in g , o ptam os p o r tra d u z ir “ w o rk ” p o r “ tra b a lh o ” e “ la b o u r” p o r “ tarefa” ou os alimentos da próxim a semana, ou ao hom em de 60 anos que aceita
“e m p re g o ”. (N .E .) empregos eventuais para ajudar a pagar as despesas médicas. Mas todos

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des com partilham um sentim ento de que seu trabalho é útil (para viver), carentes arriscam penalizar a si mesmas caso digam a verdade e, assim,
oportunista (pegar o que vier) e precário (inseguro). acabam caindo na violação de algum a regra burocrática.
U m a m aneira de descrever o precariado é como “ habitantes” [de- Os trabalhadores temporários desprovidos de carreiras, “ habitantes”
■trcHs]. O “habitante” é alguém que, por um a razão ou outra, tem um migrantes, batalhadores criminalizados, requerentes de benefícios sociais...
conjunto de direitos mais lim itado que o dos cidadãos. A ideia de “ habi­ os números crescem. Infelizmente, as estatísticas trabalhistas e econômicas
tante”, que pode ser rastreada até os tempos romanos, tem sido, geralmente, não são apresentadas de um a form a que nos perm itiria estim ar o núm ero
jfJicada a estrangeiros qué recebem direitos de residência e direitos para total de pessoas no precariado, e m uito menos o núm ero nas variedades
exercerem seu comércio, mas não direitos plenos de cidadania. que com põem suas categorias. Temos de construir um a im agem com base
A ideia pode ser expandida se pensarm os na gam a de direitos em variáveis substitutas. Considerem os os principais grupos que consti­
dos quais as pessoas são m erecedoras - civis (igualdade perante a lei e tuem o precariado, tendo em m ente que nem todos eles se encaixam ali
direito ã proteção contra o crim e e dano físico), culturais (igualdade de harm oniosam ente; a característica identificadora não é, necessariamente,
icesso ao usufruto da cultura e direito a participar da vida cultural da suficiente para indicar que um a pessoa está no precariado.
com unidade), sociais (igualdade de acesso a form as de proteção social, Para começar, a maioria das pessoas que se encontram em empre­
incluindo pensões e serviços de saúde), econômicos (igualdade de direito gos temporários está perto de estar no precariado porque tem relações de
para realizar atividade de geração de renda) e políticos (igualdade de produção tênues, baixas rendas comparadas com outros que fazem um
direito de votar, candidatar-se a eleições e participar da vida política trabalho similar e têm oportunidades m ínim as em termos ocupacionais.
da com unidade). U m núm ero crescente de pessoas em todo o m undo O núm ero de pessoas cujos empregos estão rotulados como temporários
não têm pelo m enos u m desses direitos e, com o tais, pertencem ao tem crescido enorm em ente na era do mercado de trabalho flexível. Em
conjunto de “ habitantes” em vez de ao conjunto de cidadãos, onde uns poucos países, com o o R eino U nido, as definições restritivas do que
quer que estejam vivendo. constitui o trabalho tem porário dificultaram a identificação do núm ero de
O conceito tam bém poderia ser estendido à vida corporativa, com postos de trabalho sem proteção do emprego. Mas, na maioria dos países, a
cidadãos corporativos e “ habitantes” de vários tipos. Os assalariados p o ­ estatística mostra que o núm ero e a quota das forças nacionais de trabalho
dem ser visto como cidadãos com, pelo menos, direitos de voto implícitos em status tem porários vêm aum entando acentuadam ente ao longo das
na empresa, abrangendo um a série de decisões e práticas que o outro últimas três décadas. Eles cresceram rapidamente no Japão, onde em 2010
grupo de cidadãos, os acionistas e proprietários, aceitam implicitam ente, mais de um terço da força de trabalho ocupava empregos temporários,
embora tenham seus próprios direitos de voto explícitos sobre as decisões mas a proporção pode ser mais alta na Coreia do Sul, onde, fazendo um a
estratégicas na empresa. O resto das pessoas ligadas às corporações - os interpretação sensata, mais da metade dos trabalhadores ocupa empregos
tem porários, eventuais, empreiteiros dependentes e assim por diante - temporários “não regulares”.
seriam “habitantes”, com poucos m erecim entos ou direitos. Em bora o fato de ocupar um emprego tem porário seja o indicativo
Em todo o m undo, a m aioria dos “ habitantes” é m igrante de um de um a pessoa que ocupa um em prego desprovido de carreira, isso nem
npo ou de outro, e eles serão abordados mais tarde. N o entanto, outra sempre é o caso. N a verdade, aqueles que c h a m a m o s proficians alegram-se
categoria se destaca - a grande camada de pessoas que foram crim inaliza­ por ter um a existência baseada em projetos, saindo de um projeto de curto
das, os condenados. A era da globalização tem visto um crescim ento no prazo para outro. E os empregos de longo prazo, nos quais se deve fazer
núm ero de ações consideradas criminosas. Mais do que nunca, pessoas são as mesmas poucas tarefas repetidas vezes, dificilm ente são ambicionados.
detidas e presas, resultando em um a quantidade sem precedentes de pes­ Ter u m em prego tem porário é bom se o contexto social for satisfatório.
soas sendo crim inalizadas. Parte da expansão da crim inalização deve-se Mas se o sistema econôm ico global exige que um m onte de gente tenha
ao pequeno crim e, incluindo reações com portam entais aos esquemas de empregos tem porários, então os estrategistas políticos deveriam tratar
assistência social que criam riscos imorais, situações em que as pessoas do que os torna precários.

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Atualm ente, ter um trabalho tem porário é um forte indicador de e aqueles que são empregados ocultos. E m últim a análise, as distinções
um tipo de precariedade. Para alguns, ele pode ser um tram polim para são arbitrárias, dependendo de noções de controle, subordinação e de­
a construção de um a carreira. Mas, para m uitos, pode ser um degrau pendência de outras “partes”. Todavia, aqueles que dependem de outros
que desce para u m status de renda m ais baixa. A ceitar um em prego para serem alocados em tarefas sobre as quais têm pouco controle correm
tem porário após um período de desemprego, com o é encorajado por um risco m aior de entrar para o precariado.
muitos estrategistas políticos, pode resultar em ganhos menores para os O utro grupo ligado ao precariado é o crescente exército nas centrais
próximos anos ( A u t o r ; H o u s e m a n , 2010). Q uando um a pessoa aceita de atendim ento. Essas centrais estão em toda parte, um símbolo sinistro
um emprego em um patam ar mais baixo, a probabilidade de ascensão da globalização, da vida eletrônica e do trabalho alienado. E m 2008, o
social ou de ganhar um a renda “ decente” é perm anentem ente reduzida. C hannel 4 do R ein o U nido apresentou um docum entário de televisão
Aceitar um em prego casual pode ser um a necessidade para m uitos, mas cham ado “Phone R a g e ” [Fúria do Telefone], destacando os desentendi­
é improvável que prom ova a m obilidade social. m entos m útuos entre os jovens funcionários das centrais de atendim ento
O utra via de entrada para o precariado é o emprego de meio perío­ e os clientes irritados. D e acordo com o program a, em m édia, as pessoas
do, um complicado eufemismo que se tornou um a característica da nossa no R eino U nido passavam um dia inteiro a cada ano falando com centrais
econom ia terciária, ao contrário das sociedades industriais. N a m aioria de atendim ento, e a quantidade de tem po estava aum entando.
dos países, o sujeito que trabalha em regim e de m eio período é definido Depois há os estagiários, um fenômeno m oderno peculiar por meio
como empregado ou rem unerado por menos de 30 horas semanais. Seria do qual os recém-formados, os atuais alunos e até mesmo os pré-universi­
mais preciso chamá-los de supostos trabalhadores de m eio período, um a tários trabalham durante um tempo, por pouca ou nenhum a remuneração,
vez que m uitos que escolhem ou são obrigados a ter um em prego de cum prindo tarefas insignificantes de escritório. Alguns analistas franceses
equipararam o precariado aos estagiários, o que é incorreto, porém indi­
tem po parcial acham que têm de trabalhar mais do que o previsto e mais
cativo da inquietação com que o fenômeno é encarado.
do que são pagos para fazer. O s trabalhadores de meio período, muitas
Os estágios são potencialm ente um veículo para canalizar os jovens
vezes m ulheres, que decaem na carreira, podem acabar mais explorados,
rum o ao precariado. Alguns governos ainda têm lançado program as de
tendo que fazer m uito trabalho por tarefa não rem unerado fora de suas
estágio com o um a form a de política “ativa” do mercado de trabalho,
horas pagas, e mais autoexplorados, tendo de realizar trabalhos extras
projetada para esconder o desemprego. N a realidade, os esforços para
para m anter um lugar de algum tipo.
prom over os estágios são muitas vezes pouco mais do que esquemas dis­
O crescim ento dos empregos de m eio período ajudou a ocultar a
pendiosos e ineficientes de subvenção. Eles têm custos adm inistrativos
expansão do desem prego e do subemprego. Desse m odo, na A lem anha,
altos e usam pessoas para fazerem pouca coisa de valor duradouro, seja
deslocar mais pessoas para os “miniempregos” tem m antido a ilusão de alto
para as organizações, seja para os próprios estagiários, apesar da retórica
nível de emprego e levado alguns economistas a fazerem reivindicações
sobre aclim atar as pessoas para a vida organizacional e a aprendizagem
tolas sobre um m ilagre empregatício no país após o colapso financeiro.
no emprego. Considerarem os os estagiários mais adiante.
O utras categorias sobrepostas ao precariado são os “empreiteiros E m resum o, um a m aneira de olhar para o precariado é perceber
independentes” e os “empreiteiros dependentes”. Aqui não há equiva­ com o as pessoas passam a realizar form as inseguras de trabalho que
lência com o precariado, um a vez que m uitos em preiteiros estão seguros provavelmente não as ajudarão a construir um a identidade desejável ou
em alguns aspectos e têm um a forte identidade ocupacional. Pensa-se um a carreira cobiçada.
no dentista autônom o ou no contador. Mas diferenciar o em preiteiro
dependente do independente tem causado dores de cabeça para os advo­
gados trabalhistas em todos os lugares. Tem havido debates intermináveis
Precarização
sobre como distinguir aqueles que prestam serviços daqueles que prestam O utra m aneira de ver o precariado é em term os de processos, a
tarefa de serviço, e entre aqueles que dependem de algum interm ediário m aneira pela qual as pessoas são “precarizadas”. Esta palavra canhestra é

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ináloga a “proletarizado”, descrevendo as forças que levaram à proleta- ou seja, incapaz ou relutante de continuar no papel parental fictício, a
rização dos trabalhadores no século X IX . Ser precarizado é ser sujeito a pessoa será lançada no precariado, sem as habilidades de autonom ia e de
pressões e experiências que levam a um a existência precariada, de viver proezas de desenvolvimento. O emprego de longo prazo pode desqualificar.
no presente, sem um a identidade segura ou um senso de desenvolvimento C om o foi explicado em outro texto (St a n d in g , 2 0 0 9 ), esse foi um dos
alcançado por m eio do trabalho e do estilo de vida. piores aspectos da era do trabalhismo.
Nesse sentido, parte dos assalariados está sendo levada ao precariado. Em bora se deva tom ar cuidado para não estender demais a defini­
O caso do lendário salaryman [hom em assalariado] no Japão é ilustrativo. ção, outra característica da “precarização” é o que poderia ser chamado
Esse trabalhador do século X X I, com emprego vitalício em um a empresa, de m obilidade ocupacional fictícia, sim bolizada pelo fenôm eno pós-
surgiu através de um m odelo altam ente paternalista do trabalhism o que m oderno de “uptitling” elegantem ente satirizado pelo T h e Econom ist
prevaleceu até o início dos anos 1980. N o Japão (e em outros lugares), a (2010a). U m a pessoa que ocupa um emprego estático, que não leva a lugar
gaiola dourada pode facilm ente se tornar um a gaiola de chum bo, com nenhum , recebe um título pom poso para sua ocupação a fim de esconder
tantas garantias de vínculo empregatício que o exterior se torna um a as tendências do precariado. Pessoas são transformadas em “chefe” ou
zona de m edo. Isso é o que aconteceu no Japão e em outros países do “executivo” ou “oficial” sem ter um exército para liderar ou um a equipe
leste asiático que adotaram um m odelo similar. Sair da com panhia ou para modelar. O corpo profissional dos Estados U nidos, que caracteristi-
organização tornou-se um sinal visível de fracasso, um a desmoralização. cam ente dá a si m esm o o título presunçoso de Associação Internacional
Em tais circunstâncias, a busca do desenvolvim ento pessoal facilm ente de Profissionais Adm inistrativos (tendo sido antes a Associação Nacional
d i lugar a um a politicagem de deferência em relação aos que estão em de Secretárias, bem mais modesta), inform ou que teve mais de 500 títulos
posição mais alta na hierarquia interna e de conspirações oportunistas. de em prego em sua rede, incluindo “coordenador de escritório princi­
Isso foi levado ao lim ite no Japão. A com panhia tornou-se um a pal’”, “especialista em docum ento eletrônico”, “oficial de distribuição
tãm ília fictícia, de m odo que a relação de em prego se to rn o u um a de m ídia” (jornaleiro/jornaleira), “oficial de reciclagem ”’(esvaziador de
kintractshipj na qual o em pregador “adotava” o empregado e, em troca, cestos) e “consultor de instalações sanitárias” (lim pador de banheiros).
esperava algo próxim o de um a relação dadivosa de subserviência, dever Mas os Estados U nidos não têm o m onopólio sobre a criatividade das
nhal e décadas de trabalho intenso. O resultado foi um a cultura de horas titulações: ela está acontecendo em todos os lugares. Os franceses agora
extras de serviço e o sacrifício m áxim o do karoshi, a m orte por excesso tendem a cham ar as m ulheres da lim peza com o nom e mais prestigioso
de trabalho (M o u e r ; K a w a n is h i , 2 0 0 5 ). Mas desde o início dos anos de techniciennes de surface.
1980, a participação da força de trabalho japonesa na massa assalariada O T h e Economist atribuiu a proliferação de títulos de ocupação à
encolheu drasticamente. Aqueles que ainda estão agarrados a ela estão soh recessão pós-2008, que induziu a substituição de novos títulos pom po­
pressão, m uitos estão sendo substituídos por trabalhadores mais jovens e sos por aum entos de salários, e à crescente com plexidade interna das
por mulheres sem nenhum a garantia de vínculo empregatício equivalente corporações m ultinacionais. Mas isso não é apenas um surto recente de
à deles. O precariado está deslocando o salaryman, cuja dor é revelada hipérbole. Reflete o crescimento do precariado, em que símbolos fictícios
por um aum ento alarm ante do núm ero de suicídios e de doenças sociais. de m obilidade ocupacional e desenvolvimento pessoal têm de encobrir a
A transform ação japonesa do salaryman pode ser um caso extrem o. falta de trabalho. As estruturas profissionais achatadas são ocultadas pela
Mas é possível ver com o alguém psicologicam ente aprisionado a um inflação de títulos. O T he Economist colocou isso m uito bem:
emprego de longo prazo perde o controle e é levado a se aproxim ar de O culto da flexibilidade tam bém é inflacionário. A m oda de nivelar
um a form a de dependência precária. Caso o “pai” se torne descontente. hierarquias te m tido o efeito paradoxal de m u ltiplicar títulos de
em prego sem sentido. O s trabalhadores alm ejam títulos que soem
O term o kintractship é derivado de u m a com binação da palavra contract (contrato) com a im portantes, da mesma form a que os políticos são nomeados C hance­
palavra kinship (parentesco). (N.T.) ler do D ucado de Lancaster ou Lorde Presidente do C onselho. Todo

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m undo, do conjunto executivo para baixo, quer ajeitar seu currículo
o m undo digi/alizado nao tem respeito pela contem plação ou
com o umal cerca-viva contra a demissão.
reflexão; ele proporciona a estim ulação e a gratificação instantâneas,
Isso aponta/para um m al-estar mais profundo. O T h e Economist forçando o cérebro a dar mais atenção às decisões e reações de curto
conclui sua análise panorâm ica afirm ando que “os benefícios de dar às prazo. Em bora isso ofereça algumas vantagens, um a conseqüente perda
pessoas um novo título pom poso geralm ente têm vida curta. O prejuízo é a “m ente alfabetizada” e a ideia de individualidade. H á um afastamento
e je longa duração”. O T he Economist percebeu que a prática induzia ao de um a sociedade form ada por indivíduos com distintas combinações
cmismo e que os títulos extravagantes podem tornar seus possuidores de conhecim ento, experiência e aprendizagem para um a sociedade na
■lais descartáveis. C ertam ente, o mesmo vale para o contrário. O s titu - qual a m aioria das pessoas tem pontos de vista socialmente construídos,
los que são dados ãs pessoas tam bém dem onstram esse fato porque elas rapidamente adquiridos, que são superficiais e desviados para a aprovação
ocupam cargos descartáveis. do grupo e não para a originalidade e a criatividade. A bundam os termos
extravagantes, tais como “atenção parcial contínua” e “déficits cognitivos”.
Isso p o d e parecer exagerado. M as está ficando cada vez m ais
A mente precarizada difícil negar que estão acontecendo m udanças m entais, em ocionais
N ão é preciso ser um determ inista tecnológico para perceber que e com portam entais e que esse fato é consistente com a expansão da
o cenário tecnológico configura a m aneira com o pensamos e nos com ­ precarização. A m ente alfabetizada - com seu respeito pelo potencial
portam os. O precariado não se m ostra ainda com o um a classe organi­ deliberativo do “tédio”, do tem po parado, para a contem plação refle­
zada que busca ativamente seus interesses, em parte porque aqueles que xiva e um a sistemática ligação do passado, do presente e de um futuro
meie se encontram são incapazes de controlar as forças tecnológicas que im aginado —está sob a ameaça do bom bardeio constante de investidas
enfrentam . H á um indício crescente de que a parafernália eletrônica de adrenalina induzidas eletronicam ente.
qne perm eia cada aspecto de nossas vidas vem exercendo um im pacto A capacidade de se concentrar deve ser aprendida e pode, igual­
m ente, ser perdida ou distorcida. A lguns biólogos evolucionistas afir­
profundo no cérebro hum ano, na m aneira com o pensamos e, de form a
m am que os dispositivos eletrônicos estão devolvendo o cérebro h u ­
amda mais assustadora, na nossa capacidade de pensar. O que é com pa­
m ano ao seu estado prim itivo, quando era condicionado a responder
tível com a ideia de precariado.
instintiva e rapidam ente a sinais de perigo e às circunstâncias, e o
O precariado é definido pelo curto prazismo, que pode evoluir
pensam ento intelectual era a aberração histórica. Essa interpretação
para um a incapacidade da massa de pensar a longo prazo, induzida
de um a regressão biológica sem dúvida é deprim ente e tem enorm es
pela baixa probabilidade de progresso pessoal ou de construção de um a
im plicações evolucionistas.
carreira. Os grupos de iguais podem acentuar essa questão ameaçando
O ambiente eletrônico perm ite e encoraja a multitarefa, um a carac­
m arginalizar aqueles que não estão em conform idade com as normas
terística da sociedade terciária que será considerada mais tarde. A pesquisa
de com portam ento. Regras tácitas sobre o que é ou não é feito im põem
tem m ostrado que aqueles que, por hábito, inclinação ou necessidade,
custos pesados sobre os dissidentes.
cedem à multitarefa sistemática dissipam energias e são menos produtivos
A internet, o hábito de navegar, o envio de mensagens curtas, o
em relação a qualquer tarefa específica do que aqueles que fazem isso com
Facebook, o Tw itter e outras mídias sociais - tudo isso está agindo para
menos frequência. Os multitarefeiros são excelentes candidatos ao precaria­
reprogram ar o cérebro (C a r r , 2010). Essa vida digital está danificando
do, um a vez que têm mais problemas em se concentrar e mais dificuldades
o processo de consolidação da m em ória de longo prazo que é a base do
em excluir a informação irrelevante ou perturbadora ( R i c h t e l , 2 0 1 0 ).
que gerações de seres hum anos vieram a considerar com o inteligência, a
Incapazes de controlar seu uso do tem po, eles sofrem de estresse, o que
capacidade de raciocinar m ediante processos complexos e de criar novas corrói a capacidade de m anter um a m ente desenvolvente que percebe a
ideias e m odos de imaginação. aprendizagem reflexiva com um a perspectiva de longo prazo.

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R esum indo, o precariado sofre de sobrecarga de inform ação sem de ter mobilidade, fazendo mais trabalho por tarefa. Seus colegas fugitivos
um estilo de vida que pudesse dar aos seus m em bros o controle e a ca­ constataram que a m iragem da promoção não passava disso.
pacidade de peneirar a inform ação que é útil da que é supérflua. Mais Pelo menos desde o trabalho de Em ile D urkheim , entendemos que
adiante, veremos com o o Estado neoliberal está lidando com isso. a anomia é um sentimento de passividade nascido do desespero. Ele é cer­
tam ente intensificado pela perspectiva de empregos simples e desprovidos
Raiva, anomia, ansiedade e alienação de carreira. A anom ia surge de um a indiferença associada com a derrota
constante, agravada pela condenação arremessada por políticos e analistas
O precariado sofre do que, em inglês, chamamos de “quatro A”
da classe média sobre muitos que estão no precariado, castigando-os como
- raiva {anger, em inglês), anom ia, ansiedade e alienação. A raiva decor­
preguiçosos, sem rum o, desm erecedores, socialm ente irresponsáveis,
re tanto da frustração diante das vias aparentem ente bloqueadas para ou pior. N o caso dos que clam am pelos benefícios sociais, dizer que as
promover um a vida significativa quanto de um sentim ento de relativa “psicoterapias” são o cam inho a seguir é paternalista e facilm ente visto
privação. A lguns a cham ariam de inveja, mas estar rodeado e cons­ com o tal por aqueles estimulados a optar por elas.
tantem ente bom bardeado pelas arm adilhas do sucesso m aterial e pela O precariado vive com ansiedade - insegurança crônica associada
cultura da celebridade certam ente induzirá à indignação fervilhante. não só ã oscilação ã beira do lim ite, sabendo que um erro ou um epi­
O precariado se sente frustrado não só por causa de toda um a vida de sódio de m á sorte poderia pender a balança entre a dignidade modesta
acenos de empregos tem porários, com todas as inseguranças que vêm e ser um sem -teto, mas tam bém com um m edo de perder o que possui,
com eles, mas tam bém porque esses empregos não envolvem nenhum a mesmo quando se sente enganado por não ter mais. As pessoas têm a
construção de relações de confiança desenvolvidas em estruturas ou redes m ente insegura e são estressadas, e ao mesmo tem po “subempregadas”
significativas. O precariado tam bém não tem nenhum m eio de m obili­ e “sobrempregadas”. São alienadas de seu emprego e de seu trabalho, e
dade para ascender, o que deixa a pessoa em suspenso entre a profunda seu com portam ento é anôm ico, incerto e desesperado. As pessoas que
autoexploração e o desengajamento. tem em perder o que têm estão constantem ente frustradas. Ficarão com
U m exemplo citado no T he Observer ( R e e v e s , 2010) é o de um a raiva, mas em geral, de form a passiva. A m ente precarizada é alimentada
assistente social de 24 anos, que recebe 28 m il libras por ano trabalhando, pelo m edo e é m otivada pelo medo.
em teoria, 37,5 horas por semana. Ela fazia “algumas visitas noturnas” A alienação decorre do conhecim ento de que aquilo que fazemos
porque algumas famílias não podiam ser visitadas durante o dia, e assim não é para o nosso propósito ou para o que poderíamos respeitar ou apre­
gastava mais tem po trabalhando sozinha e em casa. Ela disse ao jornal; ciar; é simplesmente algo feito para outros, ã ordem deles. Isso tem sido
considerado como um a característica m arcante do proletariado. Mas os
M in h a grande frustração é que, durante um bom tem po, disseram -
membros do precariado experim entam várias injeções especiais, inclusi­
m e que eu era boa o suficiente para p ro g red ir para o próxim o nível,
ve um sentim ento de ser enganado —é dito a eles que devem ser gratos
e eu tenho assum ido tarefas além do m eu papel de trabalho, mas não
e “felizes” porque estão trabalhando e devem ser “positivos”. E dito a
há reconhecim ento disso. Preciso apenas esperar a disponibilidade
de u m cargo. Acho que isso acontece para poucas pessoas. D a equi­
eles que devem ser felizes, mas eles não conseguem perceber o motivo.
pe com quem com ecei, eu sou a única assistente social que sobrou.
E xperim entam o que Bryceson (2010) chama de “ocupacionalidade fra­
E m uitos deles saíram p o r causa de questões de plano e progressão
cassada”, que só pode ter um efeito psicológico adverso. Pessoas em tais
de carreira. N ós fazemos u m trabalho árduo, responsável, e, se isso circunstâncias são susceptíveis de experimentar a desaprovação social e uma
fosse reconhecido, poderia nos m an ter no em prego por mais tem po. profunda falta de propósito. E a falta de ocupação cria um vácuo ético.
O precariado não se deixa enganar. Seus mem bros enfrentam um
Essa m ulher está ligada ao precariado por falta de progressão e por bom bardeio de apelos. Porém , será que a m ente inteligente sucum be tão
sua avaliação desse fato. Ela concordava com a autoexploração na esperança facilmente? Em Sm ile or D ie, Barbara Ehrenreich (2009) ataca o culto

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m oderno do pensam ento positivo. Ela relem bra com o, nos Estados lugar, com sucesso ou não. Se forem bem -sucedidos, a inutilidade das
Unidos nos anos 1860, dois charlatões (Phineas Q uim by e M ary Eddy) tarefas que eles são obrigados a fazer em seus empregos efêmeros e inde­
criaram o M ovim ento do N ovo Pensamento, baseado no Calvinism o sejáveis pode ser reduzida, na m edida em que a frustração de status será
e na visão de que a crença em Deus e o pensam ento positivo levariam dim inuída. Mas a capacidade de encontrar a autoestim a sustentável no
a resultados positivos na vida. Ehrenreich seguiu os rastros desse pen­ precariado é quase sempre vã. Existe o perigo de se ter um a sensação de
samento até chegar aos negócios e finanças m odernos. Ela descreveu engajamento constante, mas tam bém de estar isolado no m eio de um a
com o as conferências m otivacionais tinham oradores dizendo aos tra­ m ultidão solitária.
balhadores com contrato de curto prazo, após serem dem itidos, que eles Parte do problem a é que o precariado vivência poucas relações de
eram jogadores de boa equipe, definidos com o “um a pessoa positiva” confiança, especialm ente por m eio do trabalho. Ao longo da história,
<|ae “sorri com frequência, não se queixa e se submete com gratidão a a confiança evoluiu em com unidades de longo prazo que co nstruí­
cndo o que o chefe exige”. Podem os ir mais longe e perguntar se alguns ram redes institucionais de irm andades. Se um a pessoa experim enta
não adotaram o velho ditado chinês: “Faça reverência com o corpo tão confusão por não saber a posição de alguém na vida, sua confiança se
m chnado que o Im perador não veja você sorrir”. Porém é mais provável torna duvidosa e frágil ( K o h n , 2008). Se os seres hum anos têm um a
que a resposta para o disparate alienante que o precariado tem de aturar predisposição para confiar e cooperar, com o supõem os psicólogos,
ieja um rangido de dentes. então, um am biente de infinita flexibilidade e insegurança deve pôr
H á outras reações além de raiva reprim ida. Por exemplo, o pre­ em risco qualquer sentido de cooperação ou consenso m oral ( H a i d t ,
cariado pode cair em um a zona corrosiva de engano e ilusão, ilustrada 2006; H a u s e r , 2006). Fazemos o que podem os para escapar im punes,
por um sul-coreano entrevistado pelo jo rnal International Herald Tribune agindo de form a oportunista, sempre à beira da amoralidade. Isso é mais
í T a c k l e r , 2009). O repórter observou: fácil de racionalizar quando todos os dias ouvim os falar da elite e das
C o m seu lim po m oletom branco da universidade e celular b rilh a n ­ celebridades quebrando códigos morais im punem ente e quando não há
te, Lee C hangshik parece adequado à situação de gerente de um a sombra de futuro em nossas interações.
adm inistradora de condom ínio, o em prego que ocupou até o pâ­ N u m m ercado de trabalho flexível, os indivíduos tem em assumir
nico financeiro no ano passado - em prego que ele diz aos am igos e ou ficar presos em compromissos de conduta de longo prazo, um a vez
fam iliares que ainda m antém . que eles podem envolver custos e ações que não seriam objeto de re-
ciprocidades desejáveis. Os jovens não vão querer ficar presos aos pais
C o m o cuidado de não contar a ninguém , ele tin h a passado a por compromissos econômicos se tem em a possibilidade de ter de lhes
trabalhar em um barco de pesca de caranguejo. “Eu definitivam ente dar assistência por m uito tem po na velhice, com um encolhim ento do
não coloco ‘pescador de caranguejo’ no m eu currículo”, disse o Sr. Lee. Estado e um a crescente longevidade elevando os custos potenciais de
“Esse trabalho fere m eu orgulho”. Acrescentou que, em conversas por tal tarefa. A atrofia de um acordo entre gerações é acom panhada por
telefone, ele evita falar sobre o trabalho e evita se encontrar com amigos relações sexuais e de amizade mais contingentes.
ou parentes, caso eles apareçam. O utro hom em que trabalha nos barcos Se tudo é “m ercadorizado” - avaliado em term os de custos e re­
de pesca de caranguejo disse que não conta isso ã sua esposa; outro disse compensa financeira - , as reciprocidades morais se tornam frágeis. Se o
à esposa que estava fora, no Japão, em vez de adm itir o que estava fa­ Estado elim ina formas trabalhistas de seguro social que criam um siste­
zendo. Tais narrativas de declínio de status são bastante familiares. E o ma sólido de solidariedade social, ainda que injusto, sem colocar nada
sentim ento de que elas são endêmicas, um a característica estrutural do comparável em seu lugar, então não há nenhum m ecanism o para criar
m oderno mercado de trabalho, que deveria causar alarme. formas alternativas de solidariedade. Para construir um mecanismo, deve
Aqueles que estão no precariado carecem de autoestim a e digni­ haver um senso de estabilidade e previsibilidade. O precariado carece de
dade social em seu trabalho; devem procurar por esse apreço em outro ambos. Está sujeito à incerteza crônica. O seguro social prospera quando

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k i um a probabilidade mais ou menos igual de m obilidade ascendente e U m a vez que os em pregos se tornam flexíveis e instrum entais,
descendente, de ganhar e de perder. N um a sociedade em que o preca- com salários insuficientes para um a subsistência socialm ente respeitável
nado está crescendo, e em que a m obilidade social é lim itada e está em e um estilo de vida dignificador, não há “profissionalismo” que combine
declínio, o seguro social não pode ter sucesso. com o pertencim ento a um a com unidade com padrões, códigos éticos e
Isso ressalta um a característica atual do precariado. Ele ainda tem respeito m útuo entre seus m em bros baseados em com petência e respeito
de se solidificar com o um a classe-para-si. Pode-se descrever um proces­ a norm as de com portam ento consagradas. As pessoas que fazem parte
so de “queda” para dentro do precariado ou de ser arrastado para um a do precariado não podem ser profissionalizadas porque não podem se
existência precarizada. As pessoas não nascem nessa classe e é improvável especializar e não podem construir em profundidade um a constante
que se identifiquem com o m em bros dela com um brilho de orgulho. m elhoria de com petência ou experiência. Elas encaram a incerteza de
M edo, sim; raiva, provavelm ente; h u m o r sarcástico, talvez; mas não retornar a um a form a específica de trabalho e têm pouca possibilidade
orgulho. Trata-se de um contraste com a classe trabalhadora industrial
de m obilidade social ascendente.
rradicional. Levou tem po para que esta se tornasse um a classe organizada O precariado tem um fraco senso de “m em ória social”. Faz parte
*pie busca ativam ente seus interesses, mas, quando isso aconteceu, gerou
da hum anidade nos definirmos pelo que fazemos ou pelo que somos. A
um orgulho robusto e um a dignidade que ajudou a torná-la um a força
memória social surge do pertencim ento a um a comunidade reproduzida ao
política com um a agenda de classe. O precariado ainda não está nesse
logo de gerações. N a m elhor das hipóteses, ela fornece um código de ética
estágio, mesmo que alguns de seus m em bros dem onstrem um orgulho
e um senso de significado e estabilidade emocional e social. FFá classes e
provocador em suas passeatas, seus blogs e suas interações.
dimensões ocupacionais profundamente enraizadas nesses elementos. Isso se
U m a boa sociedade precisa que as pessoas tenham empatia, um a
estende ao que queremos ser. Fdá barreiras ã aspiração que são socialmente
capacidade de se projetar na situação do outro. Sentim entos de empatia e
construídas. Por exemplo, em muitas sociedades, um a criança da classe
competição estão em constante tensão. Pessoas em competição incipien­
trabalhadora que aspirasse ser um banqueiro ou advogado seria motivo de
te se escondem do saber, das inform ações, dos contatos e dos recursos
riso; um a criança de classe m édia seria repreendida caso aspirasse ser um
alheios, que, no caso de serem revelados, subtrairiam um a vantagem
encanador ou um cabeleireiro. Você não faz o que você não é. Todos nós
competitiva. O m edo do fracasso, ou de ser capaz de alcançar apenas um
nos definimos tanto pelo que não somos quanto pelo que somos, tanto pelo
itatus lim itado, conduz facilm ente à negação da empatia.
que não poderíamos ser quanto pelo que poderíamos ser. O precariado
O que induz à empatia? Ela pode surgir de u m sentim ento de
não existe por si só; ele tam bém é definido pelo que não é.
alienação ou insegurança com partilhado, ou mesmo de um a pobreza
As políticas que prom ovem a flexibilidade de em prego desgastam
com partilhada. Os biólogos evolucionistas em geral concordam que é
os processos de interação relacionai e de pares que são vitais para a re­
mais provável haver empatia dentro de pequenas com unidades estáveis,
produção de habilidades e atitudes construtivas no trabalho. Se você
nas quais as pessoas conhecem umas às outras e se com prom etem umas
espera m udar o que está fazendo durante quase todo o tem po, m udar de
com as outras frequentem ente (ver, por exemplo. D e W a a l , 2005). D u ­
“em pregador” a curto prazo, m udar os colegas e, acima de tudo, m udar
rante muitos séculos, as comunidades profissionais encorajaram a empatia,
a m aneira pela qual você chama a si m esmo, a ética de trabalho se torna
sendo que a aprendizagem representava um m ecanism o prim ário para a
constantem ente contestável e oportunista.
construção de um a avaliação de reciprocidade, reforçada pelas regras de
Críticos com o H aidt (2006) argum entam que a ética de trabalho
autorregulação. E m todos os lugares, esse m odelo tem sido desgastado
só pode ser imposta e im pingida de dentro da sociedade. Isso é esperar
pela globalização, mesmo na África ( B r y c e s o n , 2010). O precariado tem
demais. A ética origina-se das com unidades m enores e mais identifi­
um sentimento de estar num a com unidade internacional difusa, instável,
cáveis, tais com o um grupo profissional, um grupo de parentesco, ou
de pessoas que lutam , norm alm ente em vão, para dar um a identidade
classe social. O regim e de flexibilidade, im plicitam ente, rejeita a ética
ocupacional às suas vidas de trabalho.
do trabalho fundam entada por fortes com unidades profissionais.

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46
Ci|)ftulo 2
Por que as pessoas que não acreditam fazer parte do precariado
deveriam se preocupar com o seu crescimento? H á a razão altruísta, que
é a de que nós mesmos não gostaríam os de estar lá e, portanto, deseja­
Por que o precariado está crescendo?
ríam os algo m elhor para aqueles que enfrentam tal existência. Mas há
outras razões tam bém . M uitos de nós tem em os entrar no precariado ou
temos m edo de que isso aconteça com nossa fam ília e amigos. A elite
e os m em bros mais presunçosos dos assalariados e dos profidans podem
pensar que, num m undo de m obilidade social dim inuída, eles próprios
perm anecerão confortáveis e imunes. Porém, devem estar alarmados pela
ideia de que o precariado é um a classe em ergente perigosa. U m grupo
que não vê em seu futuro segurança ou identidade sentirá m edo e frus­
tração, o que pode levá-lo a atacar severamente as causas, identificáveis
ou im aginadas, de seu destino. E o desinteresse proveniente da corrente
dom inante da abundância econôm ica e do progresso econôm ico está A ara com preender por que o precariado está crescendo, deve-se avaliar
propício à intolerância. * natureza da Transformação Global. A era da globalização (1975-2008)
O precariado não é um a classe organizada que busca ativamente fix um período em que a econom ia se “ desintegrou” da sociedade na
seus interesses, em parte porque está em guerra consigo mesmo. U m ■Kdida em que financistas e econom istas neoliberais buscaram criar
grupo dentro dele pode responsabilizar outro por sua vulnerabilidade ■ma econom ia de m ercado global baseada na com petitividade e no
e indignidade. U m trabalhador tem porário com baixo salário pode ser ■idhfidualismo.
induzido a ver o “parasita de benefícios sociais” como alguém que obtém O precariado cresceu por causa das políticas e das mudanças ins­
mais, de form a injusta e às suas custas. U m a pessoa que m ora há m uito titucionais naquele período. Inicialm ente, o com prom isso com um a
tem po num a área urbana de baixa renda será facilm ente levada a ver econom ia de m ercado aberta prenunciava pressões competitivas sobre os
os m igrantes com o alguém que obtém os m elhores empregos e que se foíses industrializados por parte dos países recém-industrializados (NICs,
lança para encabeçar a fila para os benefícios. As tensões dentro do pre­ «io term o inglês newly industrialized countries) e pela “C híndia” (China
cariado estão colocando as pessoas um as contra as outras, im pedindo-as e índia) com um ilim itado suprim ento de empregos a baixo custo. O
de reconhecer que a estrutura social e econôm ica está produzindo seu comprom isso com os princípios do m ercado levou, inexoravelm ente,
conjunto com um de vulnerabilidades. M uitos serão atraídos por políti­ j um sistema de produção global das empresas de rede e a práticas de
cos populistas e mensagens neofascistas, um desenvolvim ento que já é empregos flexíveis.
claram ente visível através da Europa, dos Estados U nidos e em outros O objetivo do crescim ento econôm ico —to rn ar todos mais ricos,
lugares. E por isso que o precariado é a classe perigosa, e é po r isso que dizia-se - foi usado para justificar a reversão da política fiscal com o ins­
um a “política de paraíso” é necessária para responder aos seus medos, trum ento de redistribuição progressiva. Altos im postos diretos, usados
inseguranças e aspirações. há m uito tem po para reduzir a desigualdade e proporcionar segurança
econôm ica aos trabalhadores de baixa renda, foram apresentados com o
desincentivos a trabalhar, poupar e investir, e com o propulsores do
m vestim ento e dos em pregos no exterior. E um a reorientação da p ro ­
teção social a p artir da solidariedade social para lidar com a pobreza
e com pessoas consideradas fracassos sociais m arcou o início de um a

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tendência de assistência social calcada na “verificação de recursos”'* e A transformação global
desta para o workfareJ Desde os anos 1970, a econom ia m undial passou a ser integrada,
U m aspecto central da globalização pode ser resum ido em um a ma m edida em que o que acontece em um a parte do m undo afeta quase
palavra intim idadora: “m ercadorização”. Isso envolve tratar tudo como instantaneam ente outros lugares. N a década de 1970, os m ovim entos de
um a m ercadoria, a ser comprada e vendida, sujeita às forças do mercado, mna bolsa de valores eram equilibrados por m ovim entos semelhantes
com preços fixados pela dem anda e estoque, sem um a “ação” efetiva em outras bolsas apenas num a m inoria dos casos; hoje, eles se m ovem
(uma capacidade para resistir). A mercadorização foi estendida a todos em conjunto. N a década de 1970, o comércio era um a pequena parte da
os aspectos da vida - família, sistema de educação, empresa, trabalho, lenda nacional em m uitos países e ocorria principalm ente no caso dos
instituições, política de proteção social, desemprego, incapacidade, co­ bens complementares; hoje, ele envolve bens e serviços que fluem em
m unidades profissionais e políticas. todas as direções com um a crescente participação consistindo em frações
N o im pulso para a eficiência de m ercado, foram desmanteladas as ã e bens e serviços, a m aior parte dentro das próprias redes multinacionais.
barreiras para a mercadorização. U m princípio neoliberal estabelecia que
O s custos relativos do trabalho tornaram -se um a parte m uito m aior do
eram necessárias regras para evitar que os interesses coletivos agissem
processo de negociação.
com o barreiras para a competição. A era da globalização não consistia
O capital e o emprego associado estão fluindo da Organização para
num a era de desregulamentação e sim de re-regulamentação, na qual foram
i. Cooperação e Desenvolvimento Econôm ico (OCDE) para as economias
introduzidos mais regulam entos do que em qualquer outro período
é e mercado emergentes. E isso vai continuar. O capital por pessoa na
comparável da história. Nos mercados de trabalho m undiais, a m aioria
C hina, índia. Indonésia e Tailândia é de 3% daquele nos Estados U n i-
dos novos regulam entos era diretiva, dizendo às pessoas o que podiam
ik». A produtividade nessas economias se elevará durante m uitos anos,
e não podiam fazer, e o que tinham de fazer para serem beneficiários
simplesmente pela construção de mais m áquinas e infraestrutura. Nesse
da política estatal.
meio tem po, os países industrializados se tornarão economias rentistas,
O ataque sobre as instituições coletivas abrangia as empresas como
zus quais a m édia dos salários reais não vai subir ou ser um m eio de
instituições sociais, os sindicatos como representantes dos empregados,
redução da desigualdade.
as comunidades profissionais como corporações de ofícios e profissões, a
As economias de mercado emergentes continuarão a ser um fator
educação como força para a libertação do interesse pessoal e do comercia­
primário no crescimento do precariado. Não haverá reversão desse aspecto
lismo, a família como instituição de reciprocidade e reprodução social, e o
da globalização. E tolice de quem se preocupa com a desigualdade e a
serviço civil como um a estrutura guiada por um a ética de serviço público.
insegurança econômica nos países ricos atuais im aginar que um a resposta
Essa m istura estilhaçou os esquemas de em prego e criou um a
etetiva ao choque financeiro de 2008 e à subsequente crise econôm ica
fragm entação de classe, destacada pela “terceirização” do trabalho e do
seria se refugiar no protecionism o. Lam entavelm ente, no entanto, como
em prego associada ao declínio na m anufatura e a um a tendência para
veremos, os governos reagiram de um a m aneira que apenas intensificou
os serviços. Este capítulo explica esse quadro, não exaustivamente, mas
as inseguranças e as desigualdades que sustentaram a crise.
em detalhes suficientes para entenderm os por que o precariado está se
tornando um a classe global.
O surgimento da Chíndia
A globalização m arcou o aparecimento do que podemos cham ar de
M ea n s test é o n o m e dado n o R e in o U n id o ao m é to d o para avaliar se u m in d iv íd u o ou
fam ília tê m recursos suficientes para sobreviver sem ajuda fin an ceira d o g overno. (N .E .) “C híndia”, que tem mudado profundam ente a vida social e econômica em
O term o workfare, derivado das palavras work (trabalho) e welfare (bem -estar), é u m m odelo codos os lugares. A combinação de C hina e índia não é totalm ente correta;
altern ativ o ao sistem a de b e m -e sta r social em que o in d iv íd u o te m de c u m p rir certos são países com culturas e estruturas diferentes. Entretanto, para os nossos
requisitos, co m o form ação ou até m esm o trab a lh o não re m u n e rad o , para p o d e r receb er
propósitos, a Chíndia se constitui num a metáfora abreviada conveniente.
a assistência social. (N.T.)

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Antes da globalização, os m ercados de trabalho das econom ias A C hina tem contribuído para a desigualdade de renda global de
abertas ao comércio e ao investim ento tinham cerca de um bilhão de várias maneiras. Seus baixos salários têm pressionado para baixo os salários
trabalhadores e pessoas em busca de emprego (F r e e m a n , 2005). Em 2000, DO resto do m undo e ampliado as diferenças salariais. O país m anteve
a força de trabalho desses países havia subido para 1,5 bilhões. Enquanto seus próprios salários consideravelmente baixos. N a m edida em que o
isso, a C hina, a índia e o ex-bloco soviético entraram na econom ia glo­ crescimento acelerou, a participação dos salários na renda nacional caiu
bal, acrescentando a ela mais 1,5 bilhões. Assim, a oferta de trabalho nas durante 22 anos consecutivos, passando de um baixo índice de 57% do
economias globalizadas triplicou. Os recém-chegados vieram com pouco PIB em 1983 para apenas 37% em 2005. Isso torna a C hina a grande
capital e com salários m uito baixos, alterando a relação capital-trabalho economia mais “capitalista” na história.
m undial e enfraquecendo a posição de barganha dos trabalhadores fora A Foxconn, a m aior fabricante por contrato do m undo, é o exem ­
da C híndia. Desde 2000, outros países de mercados em ergentes têm plo perfeito da conivência das m ultinacionais nos abusos registrados nos
aum entado a oferta de trabalhadores, incluindo o Vietnã, a Indonésia, o parques industriais que surgiram na China. Subsidiária da com panhia
Cam boja e a Tailândia, com Bangladesh e outros entrando no quadro. Hon Hai Precision Industry, de Taiwan, a Foxconn emprega 900 m il
U m novo term o tornou-se popular, “C hina M ais U m ”, o que implica pessoas na China. M etade está na “Cidade Foxconn”, em Shenzhen, com
que as m ultinacionais vão restringir sua estratégia por terem fábricas em seus edifícios de produção de quinze andares, cada um deles dedicado a
pelo menos mais outro país, bem como na C hina. O Vietnã, com 86 um cliente, com o a Apple, a Dell, a HP, a Sony e a N intendo. A Cidade
milhões de pessoas, é um dos principais candidatos, com salários reais que Foxconn expandiu-se através de uma estratégia de contratação de m igran­
perm aneceram constantes por duas décadas. E m 2010, um trabalhador tes, vindos de áreas rurais para as cidades, por salários lam entavelm ente
têxtil naquele país ganhava 100 dólares po r mês, um a fração m inúscula baixos, esperando rotatividade de 30-40% por ano, na m edida em que
dos salários nos Estados Unidos ou na A lem anha, por exemplo. sucessivos grupos se exaurem.
Simbolizando a velocidade da m udança, por 40 anos o Japão foi a Seus esquemas de trabalho ajudaram a aum entar o precariado glo­
segunda m aior econom ia do m undo depois dos Estados U nidos, e, em bal. Os baixos salários e a intensidade do trabalho (incluindo 36 horas
2005, em term os de dólares, o produto interno bruto (PIB) da C hina extras por mês) que, tardiam ente, cham aram a atenção m undial por um
ainda tinha a m etade do tam anho do PIB do Japão. E m 2010, a C hina dilúvio de suicídios e tentativas de suicídio em 2009 e 2010, forçaram
ultrapassou o Japão e estava se aproxim ando dos Estados Unidos. A índia as empresas em todos os lugares a tentar com petir cortando salários e
vem logo depois, crescendo prodigiosam ente ano a ano. optando pelo em prego flexivel.
O crescimento da C hina tem sido comandado pelo investimento Esses suicidios tiveram um efeito. E m seguida à publicidade adversa
estatal, especialmente em infraestrutura, e por investimento estrangeiro e às greves não oficiais, a Foxconn elevou os salários. Porém, um resultado
direto. As multinacionais se anteciparam, usando substitutos de todas as serão os cortes nos alojamentos gratuitos e nos alimentos, bem com o nas
partes da China. Arrebanharam centenas de m ilhares de trabalhadores espaçosas instalações de lazer. A reação imediata da Foxconn aos suicídios
dentro de parques industriais construídos apressadamente, abrigando-os foi paternalista. Ela cercou seus prédios com redes para segurar as pessoas
em complexos de dormitórios, forçando-os a trabalhar de forma tão intensa caso elas pulassem, contrataram conselheiros para os trabalhadores em
que a maioria desistiu num prazo de três anos. Esses trabalhadores podem dificuldades, trouxeram m onges budistas para acalmá-los e pensaram em
se enquadrar na imagem de um proletariado industrial, mas são tratados pedir aos funcionários que assinassem notas de garantia de “não suicídio”.
como força de trabalho itinerante descartável. A pressão para aum entar os As celebridades do Vale do Silício na Califórnia expressaram preocupação.
salários cresceu. Mas estes são tão baixos que vão perm anecer por m uito Mas não havia m otivo para se surpreenderem: elas lucraram m ilhões de
tem po como um a pequena fração dos salários nos países ricos industriali­ dólares com produtos de custo ridiculam ente baixo.
zados, do mesmo m odo que os custos de tarefas unitárias, especialmente A Flexconn é um a metáfora para a globalização. M udará seu m o­
na medida em que a produtividade está aumentando drasticamente. delo, elevando salários em suas zonas primordiais, cortando benefícios da

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empresa, m ovendo mais produção para áreas de custo mais baixo e substi­ o “m ilagre japonês” nos anos 1960 e 1970 tinha por base a empresa
tuindo sua mão de obra por empregados mais precários. O grande m otor da com o instituição social, com rígidas hierarquias, em prego vitalício,
terceirização vai se terceirizar. Entretanto, o modelo de desenvolvimento salários baseados em tem po de serviço e company unions f Isso era apro­
chinês e da Foxconn acelerou as mudanças no resto do m undo para um a priado para um país que entrava na econom ia m undial partindo de um a
estrutura em que o precariado vai se tornar o centro das atenções. hase de baixa renda. Mas as inflexibilidades do m odelo im pediram sua
adaptabilidade na era da globalização.
Finalm ente, o governo japonês reescreveu a legislação corporativa
Mercadorização da empresa a fim de m udar para o m odelo dos Estados U nidos, p erm itindo que as
U m aspecto da globalização que tem atraído menos atenção, mas empresas introduzissem salários relacionados ao desem penho, opções
que tem contribuído para o crescim ento do precariado, é a m aneira de ações, diretores de fora, prom oções com base na com petência e não
com o as próprias companhias têm se tornado mercadorias para serem ma idade, busca de valor para o acionista e contratação de funcionários
compradas e vendidas m ediante fusões e aquisições. Em bora isso seja assalariados com alguns anos de experiência. A empresa estava sendo
parte do capitalismo há m uito tem po, costumava ser bastante raro. O aiercadorizada, orquestrada pelo capital financeiro e pelos proprietários
frenesi com que as empresas são agora negociadas, divididas e reacon- —acionistas, não administradores. Ela não era totalm ente americanizada,
dicionadas é um a característica do capitalismo global. E as corporações mas a tendência era clara.
são cada vez mais propriedades de acionistas estrangeiros, pilotadas por A proporção de ações em posse de estrangeiros aum entou quase
fundos de pensão e de capital privado. seis vezes entre 1990 e 2007. A emissão de ações tornou-se com um , dei­
A m ercadorização de companhias significa que os compromissos xando as empresas abertas à aquisição. Até o final dos anos 1990, havia
feitos pelos atuais proprietários não valem tanto quanto valiam antes. menos de 500 fusões e aquisições por ano; em 2006, houve cerca de 3
Os proprietários poderiam estar fora da empresa no dia seguinte, ju n ­ mil. A m udança se deveu a um a reforma que perm itiu que as companhias
tam ente com suas equipes de gerenciam ento e com os acenos e apertos msassem ações para com prar outras empresas, ao mesmo tem po em que
de m ão que com põem os negócios inform ais sobre com o o trabalho é reformas contábeis obrigavam as empresas a serem mais transparentes.
feito, com o os pagamentos devem ser honrados e com o as pessoas são Em 2007, um a lei possibilitou as “fusões triangulares” habilitando com ­
tratadas em m om entos de necessidade. panhias estrangeiras a usarem ações para com prar empresas japonesas via
E m 1937, R o n a ld Coase especificou um a teoria que lhe daria companhias subsidiárias.
um Prêm io N obel de Econom ia. A rgum entou que as empresas, com A ameaça da aquisição de controle levou as empresas a reduzir o
suas hierarquias, eram superiores aos mercados pulverizados com pos­ emprego vitalício, principalmente com a perda de pessoal sem substituição
tos somente por indivíduos; elas reduziam os custos de transações dos por empregados regulares. A proporção de empresas que se descreviam
negócios, e um a das razões disso era o fato de prom overem relações de
como “concentradas no acionista” subiu para 40% em 2007, enquanto a
longo prazo baseadas em confiança. Esse raciocínio entrou em colapso.
parcela que se dizia “concentrada no trabalhador” caiu para apenas 13%.
Agora que os compradores oportunistas podem acum ular vastos fundos
Outros países mercadorizaram a empresa de maneiras similares, com
e assumir o controle até mesmo de com panhias bem administradas, há
Hso tornando a vida mais insegura para os empregados. Mesmo aqueles em-
menos incentivo para form ar relações de confiança dentro das empresas.
p^gados na categoria dos assalariados agora podem descobrir que, durante
Tudo se torna contingente e aberto à renegociação.
D urante anos os jornais acadêmicos foram repletos de artigos sobre
C om pany unions são sindicatos form ados e c ontrolados p o r u m a em presa com o objetivo
as “variedades de capitalismo” nacional. Elas estão se fundindo num de to lh e r os esforços de associação de seus fun cio n ário s, u m a vez que não é afiliado a
híbrido global, algo mais próxim o do m odelo acionista anglo-saxão do n e n h u m sindicato in d ep e n d en te . T am b ém c o stu m a m ser cham ados de yellow unions
que do m odelo de participação alemão, como ilustra o exemplo do Japão. (sindicatos am arelos). (N .E .)

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a noite, perderam seu emprego e outras formas de segurança porque sua 1999b), considerei com o a flexibilidade cresceu em term os globais.
empresa foi arrebatada ou declarada falida antes da reestruturação. D e sua Aqui, apenas salientaremos os aspectos que aceleram o crescim ento do
parte, como um a defesa parcial, as empresas querem mais forças de traba­ precariado pensando nas formas principais - num éricas, funcionais e
lho flexíveis para que possam responder rapidamente às ameaças externas. iilariais —de flexibilidade.
A mercadorização tam bém tornou mais fluida a divisão do trabalho O im pulso da flexibilidade é um negócio inacabado, como é mos-
dentro das empresas. Se as atividades podem ser feitas de form a mais nado cada vez que há um m ergulho econôm ico, quando os analistas
barata em determ inado local, elas são “realocadas” (dentro das empresas) «Jemonstram a mesma exigência por mais. E um processo de “rem erca-
ou “terceirizadas” (para empresas parceiras ou outras). Isso fragm enta o dorização” do emprego, tornando a relação de emprego mais suscetível
processo de trabalho; as estruturas de trabalho internas e as “carreiras” ã procura e ã oferta, conform e é m edida por seu preço, o salário. Isso
burocráticas são interrom pidas, devido à incerteza sobre se os empregos agnificou desgastar todas as sete formas de segurança e garantia de tra­
que as pessoas esperariam realizar serão realocados ou terceirizados. halho identificadas no capítulo 1. M uitos analistas se concentram em
O rom pim ento contribui para a form a com o as habilidades são nm aspecto: a redução da garantia de vínculo empregatício por facilitar
desenvolvidas. O incentivo para investir em habilidades é determ inado 1 demissão dos empregados, reduzir os custos da demissão e facilitar o
pelo custo de sua aquisição, pelo custo de oportunidade para tal e pela uso de empregados eventuais e tem porários. Em bora isso seja parte do
renda potencial adicional. Se aum entar o risco de não ter oportunidade processo, a dim inuição da garantia de vínculo é usada para aum entar
de praticar as habilidades, o investim ento nessas habilidades irá dim i­ outras formas de flexibilidade.
nuir, assim com o o com prom etim ento psicológico para com a empresa. Os empregados estáveis são mais propensos a se organizar coletiva­
Em suma, se as empresas se tornam mais fluidas, os trabalhadores serão mente, um a vez que estão mais seguros e confiantes em confrontar seus
desencorajados de tentar construir carreiras dentro delas. Isso os coloca empregadores. A garantia de vínculo empregatício acompanha a garantia
perto de estar no precariado. de representação. Da mesma forma, ser um cidadão trabalhador significa
A empresa está se tornando mais portátil do que os empregados, sentir-se no controle de seu desenvolvimento profissional. Sem outras
em term os de sua capacidade de trocar de atividades. M uitos emprega­ ibrmas de segurança, os empregados não têm segurança de habilidades,
dos não podem se realocar facilmente. Eles podem ter um parceiro que lá que tem em ser deslocados por toda parte e instruídos para realizar
recebe um a renda, filhos presos a um a trajetória escolar, parentes idosos tarefas fora de seus planos pessoais ou aspirações.
para cuidar. Esses riscos de interrom per carreiras profissionais tendem a O ponto-chave é que relações de trabalho flexíveis são um im pe­
em purrá-los mais para um m odo de vida precariado. rativo no processo de trabalho global. Devemos com preender o que é
Para um crescente núm ero de trabalhadores no século X X I, seria imposto, não com um desejo atávico de reverter as mudanças, mas para
estupidez considerar a empresa como um lugar para se construir um a identificar o que seria necessário para torná-las toleráveis.
carreira e obter segurança de renda. N ão haveria nada de errado com isso
se a política social fosse adaptada, de m odo que todos que trabalham para
companhias fossem capazes de ter segurança básica. Porém, no momento,
Rexibilidade numérica
isso está longe de ser um a realidade. D urante três décadas, a ideia de facilitar a demissão dos emprega­
dos foi defendida com o uma~maneira de estim ular os empregos. A rgu­
A s sirenes da flexibilidade do trabalho: mentava-se que isso tornaria potenciais empregadores mais inclinados a
empregar trabalhadores, um a vez que seria menos custoso livrar-se deles.
remercadorização do trabalho
A fraca garantia de vínculo tem sido descrita pelo Fundo M onetário In­
A busca de relações de emprego flexíveis tem sido a principal causa ternacional (FMI), pelo Banco M undial e por outras corporações como
direta do crescim ento do precariado global. Em outro livro (S t a n d i n g , necessária para atrair e reter o capital estrangeiro. Consequentem ente, os

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governos têm com petido uns com os outros para enfraquecer a proteção Os trabalhadores tem porários são usados para extrair concessões de
das relações de emprego e tornarem mais fácil em pregar trabalhadores outros trabalhadores, que são avisados de que serão substituídos se não
sem essa proteção. se adaptarem às exigências. Por exemplo, as camareiras que trabalhavam
A im agem dom inante do precariado resulta da flexibilidade num é­ para os Hotéis Hyatt, nos Estados Unidos, com contratos que estipulavam
rica, através do que por m uito tem po foi chamado de formas de emprego CHto horas diárias de jornada e rotinas regulares, de repente descobriram
“atípicas” ou “ fora do padrão”. As empresas dom inantes estão terceiri- que estavam trabalhando ao lado de funcionários tem porários agenciados
zando grande parte de suas tarefas, enquanto preservam um a pequena que eram pressionados a trabalhar 12 horas por dia e lim par um núm ero
massa assalariada (cidadãos corporativos), cuja lealdade é valorizada por m aior de quartos (30 por turno). O u seja, os trabalhadores regulares
elas e com quem partilham um elem ento essencial - o conhecimento, a estavam sendo substituídos pelos tem porários.
capacidade de rentism o das empresas terciárias. Se o conhecim ento for O exemplo mais surpreendente é o enfraquecim ento do modelo do
com partilhado de m aneira m uito ampla, as companhias perdem o con­ ijlarym an do Japão. As com panhias congelaram a contratação de jovens
trole da vantagem. Os assalariados são cidadãos com direitos de voto em para cargos vitalícios e se voltaram para contratos tem porários. A lém de
suas empresas, consultados ou levados em consideração num a gama de receberem m uito menos, os tem porários não têm direito a oportunidades
decisões. Esses direitos são, im plicitam ente, aceitos pelos proprietários de capacitação e benefícios. Algum as fábricas até obrigam os trabalha­
ou pelos acionistas, que têm direitos de voto em decisões estratégicas do dores a usar macacões de cores diferentes de acordo com sua posição no
em preendim ento ou organização. emprego, um exemplo da vida im itando a ficção, trazendo à m em ória
U m a característica da flexibilidade é o uso crescente do em pre­ os alfas e os épsilons da obra de Aldous Huxley, Adm irável mundo novo.
go tem porário, o que perm ite ãs empresas m udarem rapidam ente as U m a razão simples para usar mais trabalhadores tem porários é que
contratações, de m odo que elas possam adaptar e alterar sua divisão de outras empresas estão fazendo o mesmo, o que lhes confere um a vantagem
emprego. O emprego tem porário tem vantagens de custo: os salários são de custo. A com petitividade m ediante o uso do trabalho tem porário é
mais baixos, evita-se o pagam ento com base na experiência, o direito progressivamente im portante no sistema global na m edida em que as
aos benefícios da empresa é m enor e assim por diante. E há menos risco; companhias buscam im itar o que está sendo feito em outros países e pe­
contratar alguém temporariamente não significa assumir um compromisso los líderes de mercado em seus setores - u m padrão conhecido com o “o
que possa ser lam entado, por qualquer razão. eteito de dom inânciã”. As m ultinacionais tentam estabelecer seu m odelo
N os lugares onde predom inam os serviços, o emprego tende a ser de emprego em lugares onde fundam subsidiárias, norm alm ente derro­
orientado por projetos em vez de ser contínuo. Isso traz mais flutuação cando aos poucos as práticas locais. Assim, o m odelo de “m elhor prática”
na dem anda de emprego, tornando quase necessário o uso de em pre­ do M cD onald’s envolve desqualificação, rem oção de funcionários com
gos tem porários. H á tam bém fatores menos tangíveis que prom ovem kmgo tem po de serviço, rom pim ento com o sindicato e salários e bene­
seu crescim ento. As pessoas contratadas tem porariam ente podem ser fícios empresariais mais baixos. O utros seguem o exemplo. Os analistas
induzidas a trabalhar de form a mais dura, especialmente se os trabalhos cém destacado os repertórios de práticas de trabalho em que os gerentes
são mais intensos do que aquele feito pelos trabalhadores regulares. Os podem fazer exigências aos empregados ( A m o o r e , 2000; S k l a i r , 2002;
trabalhadores regulares podem se indignar com a mudança. As pessoas E l g e r ; S m i t h , 2006; R o y l e ; O r t i z , 2009). Alguns usam os “sindicatos
contratadas tem porariam ente tam bém podem ser colocadas com mais amarelos” - criados e comandados pelos empregadores - para derrotar
facilidade em formas de subemprego que pagam menores salários por os sindicatos independentes. Está surgindo um m odelo global em que
menos horas, em períodos de paralização do trabalho, por exemplo. Elas râtores corporativos, tecnológicos e políticos influenciam a escolha de
podem ser facilm ente controladas pelo m edo. Se não se acom odarem ãs cáticas. Im aginar um a resistência efetiva uniform e é fantasioso.
demandas que lhes são impostas, podem ser mandadas embora, com o O utro exemplo é o W alm art, o m aior varejista com normas fixadas
m ínim o de barulho e custo. dos Estados U nidos e fonte das fortunas de quatro das dez pessoas mais

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ricas no país. Prospera com base num sofisticado processo ju st-ín -tim e j do Trabalho, que reverteu sua oposição às agências de em prego privadas
no qual o controle dos custos do trabalho por meio de extrem a flexibi­ nos anos 1990. N o Japão, um a lei de 1999 derrubou um a proibição so­
lidade fez dele um dos modelos mais detestados do m undo. O emprego bre contratos tem porários e perm itiu a criação de agências de emprego
tem porário é a essência do sistema. O ponha-se ao que acontece ali e privadas em mais áreas; depois de 2004, elas foram perm itidas tam bém
você está fora. na m anufatura. Essas reformas, sem dúvida, contribuíram para o cresci­
A mudança para o emprego tem porário é parte do capitalismo glo­ m ento do precariado japonês. N a Itália, o precariado foi aum entado pela
bal. Tem sido acompanhada por um crescimento das agências de emprego lei Treu de 1997, que introduziu contratos tem porários, e pela lei Biagi,
e do núm ero de corretores de trabalho, que têm ajudado as empresas a de 2003, que perm itiu a criação de agências privadas de recrutam ento.
m udar mais rapidam ente para tem porários e a terceirizar grande parte U m após o outro, os países têm reconhecido a pressão da globalização
de seus empregados. As agências de trabalho tem porário são gigantes na extensão do trabalho tem porário.
que m oldam o processo de trabalho global. A Adecco, sediada na Suí­ O trabalho tem porário tem acom panhado o que se passa sob o
ça, com 700 m il pessoas em seus registros, tornou-se um dos maiores desajeitado term o “triangulação”. O D ireito do Trabalho e a negociação
empregadores privados do m undo. A Pasona, um a agência japonesa de coletiva foram construidos com hase em relações diretas entre em pre­
recursos hum anos, criada na década de 1970, encam inha todos os dias gadores e empregados. Mas quem é o responsável quando um a terceira
250 m il trabalhadores para contratos de curto prazo. O fundador da pessoa se torna um interm ediário? Q uem está no controle, o empregador
Pasona afirma que a flexibilidade é benéfica para as empresas e para os final ou o interm ediário? A falta de clareza dos lim ites de tom ada de
trabalhadores, e descarta como sentim ental a velha norm a de empregos decisão e responsabilidade aum enta a precariedade. H á um a ju risp ru ­
de longo prazo. “ Seja um trabalhador regular — e seja explorado pelo dência extensa para deleitar as mentes dos advogados. Mas os próprios
resto da vida”, disse ele ao T he Economist (2007). D o mesmo m odo que tem porários sabem apenas que se reportam a dois senhores.
as agências europeias e norte-am ericanas, a Pasona construiu dúzias de A situação muitas vezes é obscura. E m O ntário, no Canadá, por
subsidiárias que lidam com a terceirização de projetos e com a produção exemplo, devido a um a lei que regula as agências de ajuda tem porária,
nos países asiáticos e nos Estados Unidos. quando os trabalhadores tem porários assinam a renúncia ao seu direito
Tradicionalm ente, as agências tem porárias se concentravam em de escolha de locais e de tipo de trabalho, entregam o controle sohre sua
pessoal adm inistrativo e trabalhos servis, com o encarregados de lim ­ “torça de trabalho” e se m ercantilizam , a ponto de pagarem à agência
peza e auxiliares de hospital. Depois, tiveram algum sucesso na esfera um a taxa para se registrarem nela. Esse é um cam inho para um a cida­
lucrativa dos “requerentes de benefícios sociais”. Agora, elas estão indo dania de segunda classe com direitos truncados. U m a vida em trahalho
cada vez mais para a arena profissional, considerada com o um negócio tem porário é um a redução do controle ao longo do tem po, na m edida
com m aior m argem de lucro. Por exemplo, a Adecco está m udando seu em que os trabalhadores tem porários devem estar de prontidão; o tem po
perfil de 20% profissional e 80% trabalhador adm inistrativo e operário que se deve dedicar ao emprego ultrapassa o tem po no emprego.
para um terço profissional. Assim, a tendência para o emprego tem porário é forte. E m alguns
O crescim ento do trabalho tem porário, das agências de emprego países, especialmente no R ein o U nido e nos Estados U nidos, pouquíssi­
m ultinacionais e dos m esquinhos corretores de trabalho que figuram mos empregos são classificados como tem porários porque os empregados
em países com o a Africa do Sul tem sido facilitado por mudanças legis­ de curto prazo não são levados em conta, mesmo que não tenham ne­
lativas e legitim ado por corporações com o a Organização Internacional nhum a segurança de emprego e sejam tem porários em tudo, menos no
nome. Os sucessivos governos britânicos am pliaram o período durante o
qual os empregados não têm segurança e reduziram os custos dos em pre­
Ju st-in -tim e é u m sistem a para a d m in istra r a p ro d u ção em q u alq u er organização e que
gadores em relação aos contratos que chegam ao fim. Isso significou um a
estabelece que tu d o deve ser p ro d u z id o , tran sp o rta d o o u com prado na h ora exata, a fim
de d im in u ir custos e estoques. (N.T.) precarização por m eio de ação furtiva. E m outros lugares, num esforço

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para defender a “relação de trabalho padrão”, os sindicatos, os governos das equipes permanentes, com o mesmo salário, férias e condições básicas.
e os órgãos de empregadores perm itiram empregados tem porários ao O governo queria m anter o R ein o U nido com o um lugar atraente para
lado de regulares, criando forças de trabalho dualistas. o investim ento estrangeiro. N o entanto, confirm ou a posição precária
A quota tem porária não m ostra sinal de declínio. Ao contrário, o de todas as pessoas contratadas tem porariam ente.
choque financeiro de 2008 e a recessão resultante deram às empresas um a A Espanha, nesse m eio tem po, torn o u -se o exem plo típico de
desculpa para se livrarem dos empregados “perm anentes” e acolherem om m ercado de trabalho de vários níveis, com m etade de sua força de
mais trabalhadores tem porários. E m 2010, os tem porários no Japão res­ trabalho em contratos tem porários. E m 2010, a O C D E calculou que
pondiam por mais de um terço da força de trabalho e mais de um quarto 85% dos empregos perdidos na Espanha depois da crise financeira eram
dos trabalhadores na faixa etária de 25 a 54 anos. Em janeiro de 2009, 500 tem porários. A legou-se que os empregados perm anentes estavam sendo
trabalhadores recém -dem itidos e desabrigados m ontaram um a cidade de mantidos nos empregos porque era custoso demiti-los. Mas os altos custos
tendas no centro de Tóquio. Q uando os políticos e as equipes de T V se da equipe assalariada já haviam induzido à m udança para tem porários,
reuniram ali, o governo da cidade reagiu encontrando acomodações para bem como ã terceirização e ao em prego de m igrantes. O governo e os
os trabalhadores em edifícios públicos não usados. M esm o que o gesto smdicatos haviam reagido ã antiga pressão por flexibilidade preservando
tenha durado apenas um a semana, despertou a consciência em relação a segurança para os trabalhadores regulares e criando u m “ depósito” de
ao precariado, ressaltando a falta generalizada de proteção social. N o Bcmporários. Isso não só levou a um a força de trabalho de vários níveis
entanto, perm aneceu a imagem de que as famílias e as empresas tomavam orano à indignação do precariado em relação aos sindicatos que cuidavam
conta das pessoas, dando a entender que o Estado não precisa fazer isso. de seus próprios m em bros às suas custas.
O estigma persistiu, de m odo que um a pessoa desempregada não podia O utra faceta da flexibilidade num érica é o crescim ento dos em -
solicitar apoio facilmente. O incidente m arcou um a m udança social das |!fegos de tem po parcial. As razões disso incluem a m udança de posição
percepções. D e repente, o precariado era real. das mulheres e as trocas para serviços. Isso tam bém é parcialm ente in-
N os Estados U nidos, depois do choque, as empresas lançaram widuntário. N os Estados U nidos, em meados de 2009, o D epartam ento
m ão de um a tática que havia se destacado depois do colapso do sistema de Estatísticas do Trabalho calculou que mais de 30 m ilhões de pessoas
soviético em 1991, colocando em pregados regulares na categoria de estavam, “inevitavelm ente”, em empregos de tem po parcial, mais do que
“contratados” para evitar os custos fixos. N o caso soviético, m ilhões de o dobro do núm ero daqueles com putados com o desempregados, o que
trabalhadores foram colocados em “licença não rem unerada”, enquanto contribuiu para um a taxa de desem prego ajustada de 18,7%. U m a vasta
as empresas guardavam seus livros de histórico do trabalho. Isso deu a proporção daqueles empregos continuará sendo de m eio período e mal
impressão de que o em prego estava sendo m antido, mas em pobreceu paga, mesmo se a econom ia se reerguer.
os trabalhadores, m uitos dos quais m orreram . N os Estados U nidos, O term o “tem po parcial” pode ser um equívoco, um a vez que
a transferência de em pregados para contratos tem porários tornou-os grande parte do que é considerado com o tem po parcial é tudo, menos
inelegíveis para o seguro saúde, as férias pagas, etc. Seria u m exagero ISSO. C om o discutiremos no capítulo 5, há m uitos cam inhos pelos quais
dizer que os Estados U nidos estavam afundando na rota soviética, mas as empresas pagam pessoas com o trabalhadores de tem po parcial, mas
as táticas forçaram os trabalhadores para o precariado, resultando em esperam que elas trabalhem mais horas do que são pagas para trabalhar.
m uito sofrim ento pessoal. C om o disse um a m ulher ao W all Street Journal ( M a h e r , 2008), “ Tenho
A Europa tam bém está estim ulando o em prego tem porário. N a scams de tem po parcial com horário de tem po integral”. M uitos precisam
A lem anha, m ilhões de trabalhadores foram acrescentados ã categoria assumir dois empregos de m eio período só para pagar as contas ou como
tem porária (Zeiterbeit). N o R ein o U nido, o governo trabalhista se opôs e lima garantia na perda de um deles.
depois atrasou a implem entação da Diretiva da U nião Européia que dava A flexibilidade num érica tam bém tem sido associada à terceiriza­
aos trabalhadores contratados por agências temporárias direitos iguais aos ção e ã realocação de negócios para outros países [ojjshoring], O choque

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financeiro acelerou o impulso global para terceirizar o trabalho, mesmo seria tolo se fizesse isso. Agora, um trabalhador típico - mais provável
que a produção e o em prego estivessem encolhendo. As gerências se que seja m ulher - pode esperar a passagem por nove empregos antes de
desesperaram para encontrar maneiras de reduzir os custos. U m cam inho atingir os 30 anos de idade. Essa é a extensão da m udança representada
era passar as entregas menos urgentes para o transporte m arítim o, o que feia flexibilidade num érica.
perm itiu mais offshoring, antes lim itado pela necessidade de transporte
aéreo dispendioso. As companhias tam bém passaram a fazer mais near-
sourcing e near-shoring^ E m tudo isso, a garantia de vínculo empregatício
Rexibilidade funcional e insegurança no emprego
é um a m iragem . A essência da flexibilidade funcional é possibilitar que as empresas
Por fim, há esquemas com o os “contratos de zero-hora”, em que ■mdem a divisão do trabalho rapidam ente, sem custo, e troquem traba-
a pessoa recebe um contrato, mas não tem certeza sobre quantas horas liadores entre tarefas, posições e locais de trabalho. C om a competição
—talvez nenhum a —terá de trabalhar ou sobre quanto vai receber —se é ^ o b a l e um a contínua revolução tecnológica, é compreensível que as
que receberá. O u tro esquema é o de “licenças não pagas”, um eufem is­ ojm panhias queiram isso e que os governos queiram ajudar. N o entan-
m o para dispensas, às vezes por meses seguidos, ãs vezes com o um dia to . essa flexibilidade trouxe mudanças dolorosas que têm expandido o
norm al de descanso semanal não pago. E um a alavanca de flexibilidade. pçcariado. Enquanto a flexibilidade num érica gera um a falta de garantia
O u tro esquema é o uso de estagiários. O núm ero de pessoas nesse novo quanto aos vínculos empregatícios, a flexibilidade funcional intensifica
status vem crescendo desde o choque. Os governos têm dado subsídios a insegurança no emprego.
e incentivos. D o mesmo m odo que as licenças, eles trazem coisas boas U m a m udança facilitadora surgiu com o fortalecim ento da prerro-
para as contas do em prego e do desemprego; quem arca com a m aioria ganva gerencial sobre a organização do trabalho, o tem a da luta nos anos
dos custos são os estagiários e seus familiares. KTtJ e 1980, quando os empregadores tom aram o controle de sindicatos e
Q uando todas as complicações da flexibilidade num érica são con­ á e organizações profissionais. Ao sujeitarem os empregados a um a m aior
sideradas, o resultado evidente são vidas de trabalho inseguro para um «ibordinação, m arcaram u m avanço da “proletarização” (St a n d in g ,
crescente núm ero de pessoas próxim as do precariado. Todo ano, cerca 3X>9), mas, paradoxalm ente, isso foi necessário para a “precarização”. O
de um terço dos empregados em paises da O C D E deixa seu em pregador estabelecimento de controle adm inistrativo sobre a decisão do trabalho
por um a razão ou outra. Nos Estados Unidos, cerca de 45% das pessoas iscrmitiu gerenciamentos para a criação de arranjos flexíveis que incluíam
deixam seus empregos a cada ano. A im agem do em prego de longo Snhas mais frágeis de progressão profissional.
prazo é enganosa, m esm o que um a m inoria ainda tenha um . U m terço Na medida em que mais empreendimentos se tornavam m ultinacio­
da rotatividade de em prego é contabilizado pela abertura e fecham ento nais, as gerências podiam m anobrar empregos e funções entre as fábricas
de empresas. dentro de sua rede e de suas cadeias de abastecimento. Novos termos entra-
N os anos 1960, u m trabalhador típico que entrasse no m ercado de m n no léxico da análise gerencial e trabalhista. A terceirização tornou-se
trabalho de um pais industrializado podia esperar que passaria, até se nm term o genérico para a sobreposição de processos. Ter o controle da
aposentar, por quatro empregadores. Nessas circunstâncias, fazia sentido disTsào do trabalho facilitou o processo de offshore [transferir empregados
se identificar com a empresa contratante. A tualm ente, um trabalhador ou tarefas para um a fábrica em outro país] e de inshore [transferência entre
ãbricas dentro de um país], e a alternância entre a outsourcirig [terceirização]
8 Near-sourcing é u m te rm o usado para descrever u m n egócio que estrateg icam en te coloca e a insourcing [utihzação de recursos internos] sempre que fosse vantajoso.
algum as de suas operações p e rto de o n d e seus p ro d u to s finais são vendidos. Near-shoring U m gerente de m axim ização de lucros ou um engenheiro podem
é a transferência de negócios o u de processos para as em presas em u m país v izin h o ,
ver essa capacidade de reorientação com o desejável. Mas considere as
m uitas vezes fro n teiriç o , em que am bas as partes esperam se b eneficiar de um a ou m ais
das seguintes dim ensões de p roxim idade: geográficas, tem porais (fuso horário), culturais,
implicações para os trabalhadores sujeitos a ela. A m aioria nunca teve
lingüísticas, econôm icas, políticas o u históricas. (N.T.) controle sobre a construção de um a carreira, por isso não deveria haver

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nenhum a rom antização do surgim ento de algum a idade de ouro (Se n - ado consistente com os avanços tecnológicos e com a natureza variável da
NETT, 1998; U c h it e l l e , 2006). Mas agora um a quantidade m uito m aior produção. Mesmo na Alemanha, uma potência de exportação, a participa­
não tem controle algum . O fortalecim ento da prerrogativa de gestão ção da produção no produto e no emprego dim inuiu para menos de 20%.
significa que a insegurança no trabalho é a nova norm a. C om o as pessoas Na França, no R eino U nido e nos Estados Unidos, ela é m uito menor.
podem construir um a carreira e desenvolver um perfil profissional quando A terceirização sintetiza um a com binação de formas de flexibili­
podem ser movidas em curto prazo ou quando os próxim os degraus da dade, em que as divisões do trabalho são fluidas, os locais de trabalho se
escada profissional de repente são terceirizados? m ismram entre casa e espaços públicos, as horas de trabalho são flutuantes
U m a tendência relacionada a essa flexibilização é a expansão dos e as pessoas podem com binar várias condições de trabalho e ter vários
contratos individuais, com o parte da “contratualização” da vida. N a contratos sim ultaneam ente. Ela está profetizando um novo sistema de
sociedade industrial, a norm a era um contrato coletivo, definido por controle, concentrando-se no uso que as pessoas fazem do tem po. U m a
negociação coletiva, talvez estendida a outras empresas em um mesmo m aneira influente de olhar para a terceirização tem sido a da escola
setor. Mas na m edida em que os sindicatos e a negociação coletiva se ■ahana, inspirada no m arxism o e em Foucault (1977), que descreve o
retraíram , os contratos individualizados cresceram. Por um curto tempo, processo com o criar um a “fábrica social”, tendo a sociedade com o um a
menos trabalhadores foram cobertos por alguns contratos, mas a tendên­ cttensão do local de trabalho ( F F a r d t; N e g r i , 2000).
cia dos contratos individuais está se fortalecendo. Eles perm item que as Essa im agem não é totalm ente correta. A fábrica é o símbolo da
empresas forneçam diferentes tratam entos, graus de segurança e status, sociedade industrial, na qual o trabalho era definido em blocos de tem po,
de m odo a canalizar alguns trabalhadores dentro dos assalariados, alguns com produção em massa e mecanismos de controle direto em locais de
em empregos estáveis, alguns em um status de precariado, aum entando trabalho fixos. Isso é o contrário do sistema terciário de hoje. A flexibi-
as divisões e as hierarquias. Os contratos individualizados perm item que bdade envolve mais trabalho por tarefa; um a indefinição dos locais de
os empregadores endureçam as condições para m inim izar a incerteza da trabalho, locais residenciais e locais públicos, e um a m udança do controle
empresa, condições essas impostas m ediante a ameaça de sanções para a direto para diversas formas de controle indireto, em que cada vez mais
quebra de contratos. mecanismos tecnológicos sofisticados são implantados.
Os contratos individuais tornaram -se mais que um a tendência Parte da flexibilidade funcional e da terceirização tem sido um
global desde que a C hina prom ulgou a Lei do Trabalho de 1994 e a Lei crescimento do trabalho ã distância, que separa grupos de empregados
do C ontrato de Trabalho de 2008, que consolidaram contratos de prazo e tende a isolá-los. E claro que^muitos trabalhadores dão boas-vindas à
fixo e de prazo indeterm inado. Estes vão aum entar a terceirização e a cbance de trabalhar em casa. N a IBM , um a pioneira no trabalho ã dis­
triangulação na m edida em que as empresas aprenderem a m inim izar os tância, 45% dos empregados não vão ao escritório regularm ente, econo­
custos que acom panham os contratos. A C hina é o mercado de trabalho mizando 100 bilhões de dólares ao ano para a com panhia (N a ir n , 2009).
m aior e mais dinâm ico do m undo; esses desenvolvimentos m arcam um a O s empregados têm , cada vez mais, “perfis móveis”, perm itindo-lhes
m udança para um a força de trabalho global em muitas camadas, na qual transferir configurações e arquivos para qualquer estação de trabalho de
assalariados privilegiados trabalharão ao lado de um crescente precariado. com putador que estejam usando, incluindo com putadores portáteis. Os
Os contratos individuais, a infbrmalizacão dos trabalhadores e outras kx:ais de trabalho virtuais se proliferaram, com empregados trabalhando
formas de flexibilidade externa se reúnem em outro term o desajeitado: “em casa” ou onde quiserem. Tais arranjos econom izam dinheiro para
“terciarização”. Isso representa mais do que é transm itido pelo “setor os escritórios, dão à com panhia o acesso a um a equipe com mais talentos
terciário”, o qual envolve um a m udança para serviços. Por décadas, a fe m antêm m ulheres após a gravidez), perm item que operem em dias
produção m undial e o emprego foram m udando para serviços. O term o estendidos, reduzem a política do escritório e as interrupções dos colegas,
popular “ desindustrialização” é enganoso, um a vez que implica um a e são mais amigáveis am bientalm ente. As desvantagens incluem a falta
erosão e perda de capacidade, enquanto grande parte da m udança tem de com partilham ento de inform ações inform ais e menos esprit de corps.

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Os trabalhadores à distância tam bém são vulneráveis a serem reti­ de 20% da força de trabalho. A expansão do licenciam ento em outros
rados da folha de pagam ento dos empregados, para fms de contribuição higares tem sido igualmente extensa. E considerando que se pode presumir
fiscal e social. O u parte de seu trabalho pode não aparecer nos registros, que os M inistérios do Trabalho ou seus equivalentes seriam responsáveis
talvez para disfarçar a extensão do trabalho ou da renda ou para aum entar pela regulação das práticas de trabalho, a tendência tem sido transferir a
a exploração da pessoa que fornece o serviço. Este trabalho paralelo é responsabilidade para os M inistérios da Fazenda. A Suprema C orte dos
inevitável em um a econom ia de mercado terciária. Estados Unidos e a Comissão Federal do Com ércio definiram a tendência
nos anos 1970, suprim indo a isenção das profissões das regras antitrus­
te. Aos poucos, a concorrência e as instituições financeiras passaram a
Desmantelamento profissional
controlar o que as profissões podem e não podem fazer. N a Austrália,
Além da flexibilidade funcional e do trabalho à distância, as m u­ todas as profissões estão subordinadas à Comissão de C oncorrência e do
danças nas estruturas profissionais têm p erturbado a capacidade das Consum idor; na Bélgica e nos Países Baixos, as profissões são sujeitas à
pessoas de controlar e desenvolver seu potencial profissional. N a era da regulação pelas autoridades responsáveis pela concorrência. N o R ein o
globalização, os governos desm antelaram calm am ente as instituições de Unido, os conselhos dom inados pelo governo fizeram da concorrência
“autorregulação” de profissões e ofícios e, em seu lugar, construíram e dos interesses dos consum idores os princípios dom inantes.
elaborados sistemas de regulação estatal. Estes sistemas rem overam a A regulação do mercado tem acompanhado a liberalização das pro­
capacidade das corporações profissionais de estabelecer seus próprios fissões, orquestradas, em certa m edida, por dispositivos regulam entares
padrões, controlar a entrada para sua profissão, estabelecer e reproduzir internacionais, com o o Acordo Geral sobre o Com ércio de Serviços da
sua ética e maneiras de fazer as coisas, definir as taxas de rem uneração Organização M undial do C om ércio e a D iretiva de Serviços da U nião
e direitos, estabelecer formas de disciplinar e p unir m em bros, definir os Européia. Os mercados nacionais estão sendo abertos para a competição
procedim entos para a prom oção e para outras formas de progressão na externa nos “serviços” profissionais em países que antes tinham jurisdição
carreira, e m uito mais. nacional sobre quem podia praticar como advogado, contador, arquiteto,
O ataque à autorregulação profissional fazia parte da agenda neolibe- encanador, ou o que quer que fosse.
ral. M ilton Friedm an - arquiteto do monetarismo e, depois de Friedrich Mesmo profissões que eram baluartes da classe assalariada e profician
Hayek, o mais influente economista que orientou Thatcher, R eagan e escondem tendências do precariado m ediante “carreiras” truncadas. N o
Pinochet no Chile - teve sua prim eira experiência intelectual em 1945 setor financeiro, a maioria das pessoas ocupa empregos de curta duração.
com um livro que atacava a profissão médica (F r ie d m a n ; K u z n e t s , 1945). Uma sala de operações financeiras com mil pessoas pode conter 50 pessoas
Os neoliberais queriam regulamentações que bloqueassem qualquer voz com mais de 40 anos e apenas dez com mais de 50 anos. U m a carreira
coletiva. As corporações profissionais estavam no topo da lista de alvos. pode chegar ao seu ponto m áxim o depois de apenas cinco anos. Alguns se
A regulam entação estatal tem se intensificado m ediante o licencia­ tom am vencedores, chafurdando em dinheiro. Alguns vão para o grupo
m ento profissional e um a mudança no licenciamento para entidades esta­ assalariado, ocupando cargos administrativos. Alguns fracassam, levados
tais, insistindo na adesão ã concorrência e práticas baseadas no mercado. pela correnteza para o precariado. Não é nenhum a surpresa que o cenário
As corporações profissionais tornaram -se sujeitas a regras antitruste. As pós-2008 nos Estados Unidos produzisse minifmancistas em tempo parcial
profissões que definiam suas próprias regras foram vistas com o algo que üzendo negócios a partir de seus quartos ou cozinhas para alguns clientes,
distorcia o m ercado, agindo m onopolisticam ente. Assim, mais pessoas tanto imaginados como reais. A estratificação se aprofunda em todos os
foram submetidas ao licenciam ento profissional e obrigadas a estar de dpos de profissões.
acordo com as práticas de mercado. C om a insegurança no trabalho sendo a contrapartida da flexibili­
As mudanças têm sido dramáticas. Nos Estados Unidos, atualmente, dade funcional e ligada ã re-regulam entação das profissões, as empresas
mais de m il profissões estão sujeitas ao licenciam ento, o que cobre mais podem estratificar os trabalhadores quase em term os de classe, desviando

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os funcionários menos eficazes para empregos sem perspectiva de p ro ­ maioria dos trabalhadores tem dim inuído, mas sua insegurança de renda
gresso ou desqualificados, enquanto reservam para os favoritos os postos l a n aumentado. Isso pode ser visto por meio do prisma da renda social,
assalariados que preservam credenciais profissionais. Em bora as decisões com o foi m ostrado no capítulo 1.
de estratificação possam ser fundamentadas em avaliações de capacidades, A renda social está sendo reestruturada. Inicialm ente, os salários
o controle de estruturas ocupacionais por gestores e regras adm inistra­ ■os países industrializados se estagnaram , em m uitos países durante
tivas aum enta a possibilidade de desviar as pessoas de um nicho profis­ «irias décadas. As diferenças salariais aum entaram enorm em ente, in-
sional para um canal de precariado. Isso pode retroalim entar decisões do in d o diferenciais entre empregados regulares e empregados próxim os
de aprendizagem . Por que investir num a habilidade profissional se não J o precariado. Por exemplo, no setor industrial alemão, os salários dos
tenho controle sobre com o posso usá-la ou desenvolvê-la? trabalhadores perm anentes têm aum entado, enquanto os salários dos
Os regulamentos estão fragm entando as profissões, produzindo pa- trabalhadores com contratos “atípicos” têm caído. N o Japão, os em pre­
raprofissões destinadas ao precariado. De acordo com a primeira Auditoria gados tem porários recebem salários que correspondem a 40% dos valores
N acional de Habilidades Estratégicas, lançada em 2010, os empregos de pagos aos assalariados que fazem serviços semelhantes, e não recebem
crescim ento mais rápido da Inglaterra na últim a década incluíam algu­ 4H bônus semestrais no valor de cerca de 20% da rem uneração total. Os
mas profissões e ofícios m odernos - agentes de conservação, urbanistas, «m porários têm até mesmo de pagar mais pelas refeições na cantina da
psicólogos e cabeleireiros - mas consistiam principalm ente em trabalhos empresa. Q uando os salários reviveram após a recessão de 2008-2010, os
semiprofissionais, como paramédicos, assistentes jurídicos e assistentes de silirios dos retraídos assalariados subiram, enquanto os dos tem porários
professores. Isso reflete o enfraquecim ento de com unidades profissionais caíram ainda mais.
e sua divisão entre elites e precariados, estes últim os incapazes de ascen­ Diferentem ente dos outros, o precariado conta am plam ente com
der aos postos mais altos. O processo foi sintetizado pela Lei de Serviços irfários nominais. N o século X X , o assalariado e o proletariado passaram
Jurídicos do R ein o U nido, de 2007, apelidada de “ lei Tesco”, a qual a contar, em grande parte, com outras formas de rem uneração. H ouve
perm ite que sejam oferecidos serviços jurídicos padronizados, inclusive ■«na substituição de salários por benefícios empresariais e estatais, prin-
dentro de supermercados, por assistentes jurídicos com u m m ínim o de apahnente para empregados em tem po integral. A m udança foi m aior na
treinam ento e sem chance de se tornarem verdadeiros advogados. União Soviética e na C hina, onde o sistema de danwei (“tigela de arroz
Por fim, há um a esfera emergente de reestruturação profissional que à e ferro”) dava aos empregados de empresas estatais benefícios e serviços
reflete a m ercadorização das empresas e que vai acelerar as tendências do *do berço ao tú m ulo”, desde que eles fossem condescendentes. A m u­
precariado. Essa esfera é a m ercadorização da gestão, simbolizada pelo dança dos salários nom inais tam bém ocorreu nos Estados de bem -estar
crescimento de gestores interinos contratados por meio de agências ou por social, com mais benefícios estatais na Europa O cidental e mais bene-
eles próprios para atribuições de curto prazo. Se os diretores de gestão es­ ácios empresariais nos Estados Unidos e no Japão. Tam bém aconteceu
colar continuarem pensando que a gestão não deve ser um a profissão, eles aos países em desenvolvimento onde o “setor m oderno” copiou o que
não se surpreenderão se muitos gestores interinos deixarem de ser profidans acontecia em outros lugares.
de alto status e passarem a ser m em bros descartáveis do precariado. A lgum as pessoas, com o E sping-A ndersen (1990), cham aram a
m udança dos salários de “ desm ercadorização do trabalho”, sugerindo
que os trabalhadores eram m enos dependentes do m ercado no que diz
Flexibilidade do sistema de salário:
respeito ã renda. Isso é enganoso, visto que o direito ã m aioria dos
reestruturando a renda social benefícios dependia da participação regular no m ercado de trabalho
U m im perativo da globalização é a flexibilidade salarial. O term o ou de ter um “chefe de fam ília” num em prego estável. U m a descrição
esconde um a série de mudanças que im pulsionaram o crescim ento da mais precisa é a “ desm ercadorização fictícia”. Os trabalhadores tinham
precariedade. E m essência, não apenas o nível de renda recebida pela de concordar com as injunções do m ercado para obter aquelas formas

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de renda social, o que não é o m esm o que afirm ar que a renda foi “não dedutível” em 2008, exigindo que os funcionários e seus familiares
libertada do m ercado. pagassem os prim eiros 400 dólares antes que a indenização do seguro
Em todo caso, a globalização reverteu a tendência de salários para começasse a pagar 20% da m aioria das contas médicas. Isso significou o
benefícios. Enquanto os assalariados m antinham e continuavam ganhando desmantelamento de parte da renda dos empregados.
um a série de benefícios corporativos e privilégios, com bônus, licença E nquanto isso, a promessa de um a pensão da empresa está sendo
médica paga, seguro médico, férias pagas, creches, transporte subsidiado, tirada daqueles que são em purrados para o precariado. As corporações
habitação subsidiada e m uito mais, o “núcleo” retraído perdia tudo isso estão correndo para reduzir as obrigações de pensão e outros “custos
pouco a pouco. O precariado foi com pletam ente privado de tudo isso. herdados”, compromissos financeiros para ex-funcionários que vivem
Essa é a forma como a flexibilidade salarial m oldou o precariado. As seus anos de aposentadoria. O s planos de aposentadoria 401 (k),'' am ­
contribuições do empregador e o provim ento de serviços e benefícios che­ plam ente utilizados, em geral têm perm itido aos empregadores fazerem
garam a ahranger um a grande parte dos custos do trabalho, particularmente contribuições variáveis. Em 2009, mais de um terço das empresas nor­
nos países industrializados. Confrontadas pela concorrência da Chíndia, te-americanas reduziram ou elim inaram os pagamentos correspondentes
as empresas foram se desfazendo daqueles custos, por meio da terceiriza­ a esses planos. M esm o a Associação Am ericana de Pessoas Aposentadas
ção e da realocação de negócios para outros países e convertendo maior (AARP), o grupo de defesa sem fins lucrativos para pessoas com mais de
quantidade da força de trabalho ao precariado, particularm ente mediante 50 anos, fez isso com seus próprios empregados. Algumas empresas, como
a utilização de temporários aos quais era negado o direito a benefícios. a com panhia de com putadores Unisys, aum entaram suas contribuições
Isso é a remercadorização do trabalho, um a vez que a rem uneração quando fecharam ou congelaram os regimes de pensão de modelo antigo,
é concentrada em salários nom inais. Ela acom panha a natureza mais de m odo a acalmar a indignação, só para suspendê-las mais tarde. As
eventual do emprego e a busca da com petitividade. Apesar de ser possí­ pensões das empresas estão em queda livre.
Isso prejudicou o compromisso m útuo entre em pregador e em pre­
vel dar inúm eros exemplos, o que vem acontecendo nos Estados Unidos
gado. A Ford, que por gerações foi considerada a epítome do capitalismo
reflete bem a história. E nquanto os assalariados m antinham benefícios
nos Estados Unidos, tem frequentem ente suspendido as contribuições;
da empresa, os núcleos trabalhadores eram cotados para o precariado.
entre 2001 e 2009, ela contribuiu durante apenas dois anos e meio. Os
A porcentagem de empresas baseadas nos Estados Unidos que oferecem
empregados assalariados contratados após 2003 não têm qualquer tipo de
benefícios de serviços de saúde caiu de 69% em 2000 para 60% em 2009.
pensão da empresa. A Ford alegou que m udou para contas autogeridas
Em 2001, os empregadores pagavam 74% dos custos de saúde de seus
de aposentadoria a fim de dar portabilidade aos trabalhadores, alegando
funcionários; em 2010, estavam pagando 64%. Em 1980, os empregadores
que os trabalhadores mais jovens “não pensam mais num a carreira cor­
norte-am ericanos pagavam 89% das contribuições para os benefícios de
porativa”. N a realidade, a empresa estava cortando custos de trabalho e
aposentadoria; por volta de 2006 o pagam ento caiu para 56% (D v o r a k ;
transferindo os riscos e os custos para os trabalhadores. Suas vidas estavam
T h u r m , 2009). Em 2009, somente um quinto dos empregados tinha
sendo mais precarizadas.
pensões pagas pelas companhias.
Nas grandes áreas de produção de automóveis em M ichigan, o
A principal razão foi que as firmas norte-am ericanas estavam ten­
abandono dos benefícios da empresa foi retardado por subsídios do go­
tando cortar custos para se ajustar à crise da globalização. Em 2009, os verno e pela intensificação do trabalho, o coração da produção enxuta.
empregadores dos Estados U nidos que ainda ofereciam seguro saúde Mas, na m edida em que os benefícios foram reduzidos, as fileiras do
estavam pagando, em m édia, 6.700 dólares por empregado por ano, duas
vezes mais do que em 2001. U m a resposta tem sido oferecer aos em pre­
gados fundam entais da empresa “planos de assistência m édica altamente 401 (k) é u m tip o de plan o de a posentadoria adotado nos E stados U n id o s e em outros
países. O plano é p a tro c in a d o pelo em p reg ad o r e consiste no im p o sto qualificado de
dedutível”, em que eles devem pagar a primeira parcela dos custos médicos
co n trib u içã o d efinida para a co n ta do plano de pensão. Seu no m e deriva da seção do
até um a determ inada quantia especificada. A Ford desistiu de seu plano C ó d ig o Fiscal n o rte -a m e ric a n o , em que está previsto. (N.T.)

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precariado foram aumentadas por aquilo que outrora teria sido consi­ bem como a assistência educativa. O mesmo salário sustentava um a vida
derado a mais improvável das fontes. C om o o emprego nas fábricas de m uito mais precária. A lém disso, verificou-se um a pressão adicional
automóveis despencou, dim inuindo em três quartos entre 2000 e 2009, para aum entar todas as formas de flexibilidade, incluindo o desm ante­
surgiu um grupo cham ado “ciganos da G M ”, trabalhadores da indústria lam ento profissional. Assim, a Ford chegou a um acordo coletivo com a
autom obilística que se deslocavam por todo o país, na m edida em que U nited Auto W orkers, que congelava os salários de nível inicial, tinha
era fechada um a fábrica após a outra. um a cláusula antigreve e pagava aos trabalhadores atuais um bônus para
Se as pensões de empresas privadas, sobre as quais o contrato social concordarem com as concessões. Isso sucedeu aos acordos similares na
do capitalismo do século X X foi construído, estão sendo gradualmente GM e na Chrysler, que tam bém reduziram o núm ero de classificações
reduzidas, o mesmo acontece com as pensões do Estado, lideradas pelo de emprego; no caso da GM , a apenas três classificações especializadas.
R eino Unido. A pensão estatal do R eino U nido hoje eqüivale a 15% do Tais desenvolvimentos fazem parte de um processo de ajuste em todo
salário m édio e está decaindo, e a idade de acesso a ela deve subir de 65 o mundo. O círculo está se fechando. Q uando os trabalhadores na C hina
para 68 anos. Pode-se prever que a idade de concessão do direito de pen­ se agitaram por salários mais altos e melhores condições, as multinacionais
são vai retroceder para 70 anos ou mais. O relatório Turner da Comissão nobremente concederam vastos aumentos de salários nominais, mas tiraram
de Pensões, aceito pelos partidos Trabalhista e Conservador, propôs um os benefícios da empresa. Os trabalhadores encurralados da Foxconn em
acordo tripartite: perm anecer no emprego por mais tempo, poupar mais Shenzhen tinham recebido alimentação, vestuário e dorm itório subsi­
e, finalmente, receber do Estado um a pensão bem modesta. Isso tinha diados. Em ju n h o de 2010, no dia em que anunciou um segundo grande
como intuito interrom per o aumento das avaliações de recursos. Mas, a aumento nos salários, o chefe da Foxconn disse: “Hoje vamos devolver essas
menos que as pensões básicas aum entem e as avaliações de recursos sejam tunções sociais para o governo”. A empresa estava m udando para salários
reduzidas, o incentivo a poupar será enfraquecido. Q uem tem baixa renda nominais, dando a impressão de que os trabalhadores ganhavam m uito
não é incentivado a poupar, pois, se o fizer, perderá o direito à pensão. (um aumento salarial de 96%), mas alterando a forma de remuneração e o
O u tro aspecto da reestruturação da renda social é a m udança de caráter da relação de trabalho. O modelo global estava chegando à China.
pagam ento fixo para flexível. Aqui, novam ente, a flexibilidade significa O precariado experim enta a totalidade da força da flexibilidade sa­
um a vantagem para os empregadores e aum enta o risco e a insegurança larial. Seus salários são mais baixos, mais variáveis e mais imprevisíveis. A
para quem recebe salário. U m a das demandas dos movimentos trabalhistas variabilidade não tem probabilidade de se correlacionar positivamente com
do século X X era por um salário estável previsível. Mas o capitalismo as necessidades pessoais. Q uando as pessoas que fazem parte do precariado
global quer ajustar os salários rapidamente. Se não puder fazer isso, ele irá lém necessidades financeiras além do previsto, como quando surge um a
para onde acha que pode fazê-lo. Em 2009, as empresas norte-americanas, doença ou revés na família, tam bém é provável que estejam recebendo
em média, estavam deixando de lado quase o dobro da parcela de sua uma renda abaixo da média. E sua incerteza econômica é intensificada
folha de pagam ento para ter um a rem uneração variável, tais com o prê­ pela forma como os mercados de crédito trabalham. N ão somente o custo
mios de desem penho, como fizeram em 1994 (D v o r a k ; T h u r m , 2009). da obtenção de empréstimos é superior, refletindo a falta de crédito, mas
N a recessão do início dos anos 1980, a concessão de acordos se m ul­ também a necessidade de obtê-los é maior, induzindo muitos ao desespero
tiplicou na m edida em que os sindicatos e os empregados desistiram do de tomar dinheiro emprestado de agiotas a taxas de juros insustentavelmente
direito a benefícios em troca de aumentos salariais. Agora, as concessões devadas e com cronogramas de pagamento impraticáveis.
de acordos são mais unilaterais. Os benefícios são tirados das camadas Há muitos estudos e um bom núm ero de romances que m ostram
mais baixas de trabalhadores, fazendo com que os salários subam como como nas com unidades pobres um a form a de renda insegura acentua
um a parte da renda, mas os salários estagnaram. Em 2009, os trabalha­ outras. Pessoas com rendas precárias, principalm ente se entram e saem de
dores da Ford abriram m ão dos subsídios de custo de vida e perderam o empregos de curto prazo mal pagos e lidam com as complexidades hostis do
pagam ento de férias e de bolsas de estudos universitários para os filhos, sistema de assistência social, são facilmente arrastadas para a dívida crônica.

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D urante anos, o im pacto da reestruturação da renda social e da confiar em salários nom inais, estes são mais baixos e mais variáveis e
estagnação salarial foi am ortecido por subsídios estatais. Consideraremos imprevisíveis do que os salários dos outros grupos. As desigualdades
esse aspecto posteriorm ente. Mas os ganhos estagnados e a insegurança de renda e de benefícios aum entam cada vez mais, com o precariado
econôm ica de quem pende ao precariado tam bém foram ocultos pelo sendo deixado mais para trás e dependente de um enfraquecido sistema
crédito barato, subsidiado pelos governos da maioria dos países da O C D E. com unitário de apoio social.
As famílias da classe m édia foram capacitadas a consum ir mais do que
ganhavam , dissimulando o fato de que as rendas recebidas estavam di­
m inuindo. Elas tinham um a falsa renda de benefício privado. O colapso
Desemprego precário
destruiu a ilusão de que todos estavam ganhando em conseqüência da O desemprego faz parte da vida no precariado. Mas lidar com ele tem
segunda Idade do O uro do crescimento desenfreado. De repente, milhões sido mais difícil porque tem acontecido um a revisão de atitudes. N a era da
de norte-am ericanos e europeus se sentiram mais perto do precariado. pré-globalização, o desemprego era considerado algo decorrente de fatores
E m resum o, a renda social, nos term os do capitalismo global, é econômicos e estruturais. O desempregado era um infeliz, no lugar errado
progressivamente insegura. Enquanto as companhias estão “viajando com e na época errada. Os sistemas de benefícios de desemprego foram cons­
pouca bagagem”, isto se traduz em múltiplas camadas de insegurança de truídos com base no principio da insegurança social; todos contribuíam,
renda para o precariado. E a reestruturação de renda significa que os custos de m odo que quem tivesse pouca probabilidade de ficar desempregado
de vida estão subindo para quem vive na insegurança econômica. U m a subsidiava quem tinha um a probabilidade mais alta ao desemprego.
sociedade de mercado caracterizada pela incerteza e volatilidade torna Esse m odelo entrou em colapso, mesmo que a ficção continue em
aconselhável fazer um seguro, mas ela recompensa aqueles que o fazem e alguns países. Menos trabalhadores estão num a posição que perm ite fazer
penaliza os que não podem fazê-lo. Além de ter um a m aior probabilidade contribuições ou conseguir obtê-las em seu favor, e menos se qualificam
de passar por dificuldades financeiras, as pessoas contratadas tem poraria­ sob as regras de contribuição. Mas, em qualquer caso, as posições ofi­
m ente tam bém acham mais difícil e mais caro fazer um seguro. ciais em relação ao desemprego têm m udado radicalm ente. N o m odelo
U m dos aspectos finais da reestruturação da renda social pós- neoliberal, o desem prego tornou-se um a questão de responsabilidade
globalização, considerando que antes do Estado de bem -estar social os m dividual, torn an d o -o quase “voluntário”. As pessoas passaram a ser
indivíduos e as famílias se fiavam fortem ente em mecanismos informais consideradas como mais ou menos “empregáveis” e a resposta foi torná-las
de ajuda da comunidade, é que agora estes mecanismos não existem mais mais aptas para o trabalho, atualizando suas “ habilidades” ou reform an­
— eles foram enfraquecidos pelo crescim ento de benefícios do Estado do seus “hábitos” e “atitudes”. Isso facilitou a passagem para o estágio
e da empresa. Por várias gerações, as pessoas pensaram que não havia se-guinte de culpar e dem onizar os desempregados como preguiçosos e
necessidade deles, então eles desapareceram. Mas enquanto as empresas parasitas. N o capítulo 6, consideraremos o rum o que isso tom ou. Aqui
se desfizeram dos benefícios corporativos e o Estado escolheu benefícios só queremos entender com o o desemprego tem afetado o precariado.
sujeitos à verificação de recursos, não havia apoio da com unidade ao A prim eira recessão da era da globalização no início dos anos 1980
qual recorrer. “Q uando você precisa deles, eles não o ajudam”, disse ao levou a um a m udança nas atitudes oficiais em relação aos níveis mais
Financial Times um espanhol de 59 anos, desempregado, incapaz de obter baixos do mercado de trabalho onde o precariado estava emergindo, bem
ajuda dos parentes (M a llet , 2 0 0 9 ). O sistema de reciprocidade fam iliar como a um a m udança de atitude entre as pessoas que estavam perdendo
havia entrado em colapso. empregos. N o R eino U nido, os salários flexíveis e os empregos precários
E m suma, o precariado é confrontado por um a combinação única combinados com o alto desemprego levaram os jovens de classe operária,
de circunstâncias. Ao contrário do antigo proletariado e dos assalariados, em particular, a abraçarem “o auxílio-desem prego” como autenticação
o precariado não tem benefícios da empresa para lhe dar segurança de de seu desdém aos torpes trabalhos que estavam em oferta, um a rejei­
renda e nem proteção social baseada em contribuições. E em bora deva ção com preendida por bandas pop, com o a U B 40 —tanto o nom e da

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banda quanto os m em bros derivam das filas de desempregados.'® Isso eadgir que as pessoas se com portem de determ inadas maneiras a fim de
pode ter afetado apenas um a m inoria de jovens que crescia nas áreas de merecer assistência.
classe trabalhadora em declínio, mas ajudou a m udar as atitudes oficiais, Em bora o seguro-desem prego ainda reine em alguns países, houve
fornecendo um a desculpa para ressuscitar um a im agem do pobre deso­ um estreitam ento nas condições de acesso a ele em todo o m undo; os
cupado e irresponsável. períodos de direito ao seguro foram reduzidos e os benefícios foram
O problema real era o mercado de trabalho flexível. Se os salários são cortados. N a m aioria dos países, apenas um a m inoria dos desem prega­
empurrados para baixo e mais empregos se tornam precários, os seguros- dos recebe benefícios e essa m inoria está encolhendo. E os benefícios
desemprego se tornam relativamente mais atraentes. R econhecendo esse sujeitos a verificação de recursos têm se expandido, com todos os tipos
fato, os governos nos países industrializados dim inuíram os benefícios e de condições com portam entais ligadas a eles.
tornaram mais difícil obtê-los e mantê-los. Isso aboliu o caráter de seguro Nos Estados Unidos, para ter direito ao seguro-desem prego, no r­
e o propósito declarado de prover um a renda adequada para compensar a m alm ente a pessoa deve ter sido empregada em tem po integral por pelo
“ interrupção tem porária de ganho de poder”, com o W illiam Beveridge menos um ano no seu últim o emprego. Mais da m etade dos desem pre­
(1942, p. 7) colocou. Mas as “arm adilhas do desem prego” se tornaram gados (57% em 2010) não se qualifica. A situação é pior, pois muitos
mais amplas, um a vez que a perda de benefícios inerentes à aceitação de dos que não se qualificam abandonam totalm ente a força de trabalho.
um emprego de baixa remuneração em purrou a taxa efetiva de “imposto” Dois terços dos beneficiários dizem tem er que o seguro term ine antes de
para perto ou mesmo acima de 100%. conseguirem um emprego. E m 2010, a pobreza entre os desempregados
U m círculo vicioso guiou os governos em direções críticas. N a e subempregados era pior do que em qualquer época desde os anos 1930,
m edida em que os salários caíam e os empregos tem porários com baixa com um em cada nove norte-am ericanos vivendo de vale-alimentação.
rem uneração se tornavam a norm a para o nível mais inferior do mercado Havia seis candidatos inscritos para cada vaga de em prego, contra 1,7
de trabalho, a taxa de reposição de renda dos benefícios subiu. Analistas antes da crise, e o desem prego de longa duração representava 40% do
da classe m édia lam entaram a “generosidade excessiva” de benefícios e
Botal, m uito mais do que em recessões anteriores. Essa foi a única re­
afirm aram que, com o o “trabalho não pagava”, os benefícios deveriam
cessão, desde a Grande Depressão da década de 1930, a dizim ar todo o
ser cortados. Para ajudar a fazer o trabalho “pagar”, os governos introdu­
crescim ento de em prego da virada cíclica anterior.
ziram benefícios associados ao trabalho e créditos de renda auferidos de
A m áquina geradora de em prego do m undo rico está se desgastan­
impostos, um a receita para as distorções e ineficiências. Mas a arm adilha
do. o que com eçou a acontecer antes do choque de 2008. Nos Estados
do desemprego se m anteve, levando os estrategistas políticos a tom arem
Unidos, o crescim ento do PIB desacelerou entre 1940 e 2000, mas o
medidas no sentido de coagir os desempregados a aceitarem empregos,
crescim ento do em prego desacelerou m uito mais. N a década de 1940,
por mais desagradáveis e m al rem unerados que eles fossem.
o emprego não agrícola aum entou em quase 40%; o aum ento foi m e­
A reform a global dos benefícios de desem prego funcionou como
nor nos anos 1950, acelerou ligeiram ente na década de 1960, caiu para
u m terreno fértil para o precariado. Apesar de não ter sido idêntica em
28% nos anos 1970 e 20% nas décadas de 1980 e 1990. Mas na década
todos os países, a tendência foi similar. A m aior m udança tem sido na
de 2000, o em prego realm ente caiu 0,8%. O trabalho não estava “ de­
im agem do desemprego. Agora ele é retratado com o um reflexo da falta
saparecendo”, mas o mercado global estava deixando os trabalhadores
de empregabilidade, fracassos pessoais e excessivas expectativas de salários
ou de trabalho. O regim e de benefícios tem como fundam ento averiguar norte-am ericanos para trás.
se um a pessoa m erece receber algo, e isso se tornou um a agenda para N o m ercado de trabalho globalizante, as recessões aceleram o
crescim ento do precariado. A tualm ente, quando há mais tem porários e
outros trabalhadores desprotegidos, há mais espaço para a rápida perda de
U B 4 0 , o u “ U n e m p lo y m e n t B enefit, F o rm 4 0 ”, refere-se ao d o c u m e n to de solicitação
postos de trabalho na prim eira fase de um a recessão. Foram-se os dias em
de se g u ro -d esem p re g o e m itid o pelo D e p a rta m e n to de Saúde e S eg u rid ad e Social do
R e in o U n id o . (N .E.) que um grande núm ero de trabalhadores era dispensado, m antendo-se

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seus empregos até que a dem anda se erguesse. As pessoas situadas nas des. Em alguns países, os desempregados são renom eados como “clien­
margens são as prim eiras a perderem seus empregos. N o entanto, elas tes" e têm de assinar contratos, aceitando certas obrigações e penalidades
podem não ter aparecido nas estatísticas de emprego antes da recessão ou pelo não cum prim ento do que assinaram. Quase que por definição, os
posteriorm ente nas estatísticas de desemprego. Isso ajuda a explicar por contratos são assinados sob coação. De m odo geral, os contratos assinados
que alguns países europeus com altos índices de empregos clandestinos cm circunstâncias assim seriam discutíveis no direito consuetudinário.
e de m igrantes experim entaram somente pequenos aum entos nos regis­ Mas o rum o que isso tom ou será considerado mais tarde.
tros de desem prego e m odestos declínios dos empregos depois de 2008. Os desempregados tam bém experim entam um a form a de tercei­
As empresas têm usado a recessão para transferir mais trabalho para rização. Eles têm múltiplos “ locais de trabalho” - trocas de emprego,
a zona do precariado e para se reestruturar de outras maneiras, incluindo escritórios de benefícios, escritórios de treinam ento de procura de em ­
um a m aior utilização do offshoring e outsourcing. As sucessivas recessões nos prego - e têm de ceder a um m onte de trabalho por tarefa - preenchendo
Estados Unidos têm sido seguidas por um a recuperação mais anêmica do formulários, entrando em filas, deslocando-se para trocar de trabalho,
mercado de trabalho, ao lado de um gigantesco aum ento do desemprego iieslocando-se em busca de empregos, deslocando-se para o treinam ento
de longo prazo. Q uando o crescim ento econôm ico reviveu depois da áe trabalho e assim por diante. Estar desem pregado pode ser um traba­
recessão dos anos 1970 e começo dos anos 1980, o emprego se expandiu lho em tem po integral, e envolve flexibilidade, já que as pessoas devem
imediatamente e era substancial. Q uando o crescimento econômico reco­ estar em prontidão quase o tem po todo. O que os políticos cham am de
meçou depois da recessão de 2008-2009, demorou mais de um ano para que ociosidade pode não ser mais do que estar diante do telefone, mastigando
houvesse expansão dos empregos. N a verdade, os estados do “cinturão do nervosam ente as unhas, esperando por um a chamada.
sol” (Sul e Sudeste) dos Estados Unidos continuaram despejando empregos,
despertando temores de um “restabelecimento da perda de emprego”.
A armadilha da precariedade
N a A lem anha, alguns dos desempregados simplesmente desapare­
ceram do país; m uitos europeus orientais partiram porque podiam obter U m mercado de trabalho baseado em trabalho precário produz altos
apoio da com unidade em seus países de origem e porque, procedendo custos de operação para quem está nas suas margens. Esses custos incluem
dos países m em bros da U nião Européia, podiam voltar quando os em ­ o tem po que se leva para requerer benefícios em caso de desemprego, a
pregos se recuperassem. Em contrapartida, os m igrantes que perdiam foka de renda naquele período, o tem po e os custos associados ã procura
seus empregos precários nos Estados U nidos não ousavam voltar para áe empregos, o tem po e o custo para aprender novas rotinas de trabalho
seus países, por m edo de serem im pedidos de retornar. Perversamente, e o tem po e o custo envolvidos no ajuste de atividades fora dos empregos
esse fato podia ter ajudado a taxa de desem prego nos Estados Unidos se para acom odar as demandas de novos empregos tem porários. O custo
os m igrantes conseguissem, com mais facilidade, deixar o país. HXal pode ser substancial em comparação com os ganhos esperados. Isso
Em geral, as recessões jogam mais pessoas dentro do precariado, cria o que pode ser cham ado de “arm adilha do precariado”.
em parte porque quem perde o em prego escorrega para um a corrente U m estudo feito no R eino U nido em 2010 pela R eed in Partnership,
mais baixa de renda-salário no reemprego. Estudos realizados nos Estados uma empresa que ajuda os desempregados a encontrar emprego, descobriu
Unidos (como A u t o r ; H o u s e m a n , 2010) m ostraram que a utilização de que o custo m édio para a obtenção de um emprego, com roupas, viagem,
empregos tem porários após o desemprego tende a dim inuir a renda anual puericultura, treinam ento e assim por diante, atinge 146 libras, um a
e os ganhos de longo prazo. Essa é um a razão para os desempregados quantia considerável para pessoas que podem ter ficado desempregadas
resistirem à pressão para pegar o prim eiro em prego que lhes é oferecido. por um longo tem po ou passado por um a série de empregos tem porários
N ão é por preguiça ou exploração, mas apenas por bom senso. mal remunerados. N o prim eiro mês de um emprego, o custo apresentou
Enquanto isso, os desempregados foram convertidos num a categoria um adicional de 128 libras. Se houver a possibilidade de obter apenas
de tratam ento. A tendência de subordinar tudo ao contrato chegou até um emprego tem porário m al rem unerado, o desestím ulo im plícito na

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arm adilha da precariedade é m uito m aior do que na arm adilha da pobreza Hin suporte de segurança econômica, o mercado de trabalho flexível está
convencional para a qual tanta atenção tem sido dada. O principal execu­ ãd a d o a criar esses resultados.
tivo da R eed in Partnership com entou que “um a grande proporção das
pessoas com quem trabalham os não pode, inclusive, arcar com a despesa
de pagar os custos de transporte para ir a um a entrevista”. O choque financeiro
U m a pessoa que vive num fluxo de trabalhos temporários tem um a N o topo das mudanças de longo prazo dirigidas aos desempregados,
existência repleta de riscos. Considere um a m ulher que tem um emprego a crise financeira de 2008-2009 acelerou o crescim ento do precariado
tem porário e ajusta suas despesas para igualá-las ao salário que recebe. ^ b a l exercendo mais pressão sobre as empresas para que elas cortassem
Então, o trabalho acaba. Ela tem um a poupança m ínim a. Tem de esperar os custos do trabalho por meio de medidas de flexibilidade e sugerindo
várias semanas - talvez m uito mais - antes de conseguir obter qualquer fndíticas governam entais que as incentivassem.
benefício estatal. Nesse m om ento, ela ajusta para baixo seus padrões de C om o era esperado, o precariado inicialm ente suportou o peso
vida, mas pode ter de pedir dinheiro emprestado ou se endividar por áo choque. O s empregados tem porários foram os que mais facilm ente
atrasar o pagamento do aluguel e assim por diante. Talvez haja um fator SC tornaram supérfluos, pelo simples fato de não terem seus contratos
adicional. As pessoas que fazem trabalhos tem porários norm alm ente renovados. R andstad, a segunda m aior empresa do m undo em m atéria
não se apressam para requerer os benefícios. M uitas vezes, isso é feito ác pessoal, relatou declínios acentuados em toda a Europa no ano de
com relutância, depois de as dificuldades terem se manifestado. Assim, as 3X»8, observando que desta vez as empresas estavam mais inclinadas
dívidas e obrigações para com os parentes, amigos e vizinhos aumentam , a cortar postos de trabalho do que em recessões anteriores. Porém , na
e os agiotas espreitam. A arm adilha do precariado se torna mais terrível. medida em que a recessão continuou, tornou-se claro que ela era um a
Se a nossa m ulher tiver sorte, ela pode obter os benefícios do Esta­ alavanca para a expansão do precariado. A Adecco, a m aior agência do
do com os quais conseguirá pagar algumas das dívidas e ganhar algum m undo de em prego tem porário, relatou que o crescim ento renovado do
alívio financeiro. Mas suponha que lhe seja oferecido outro emprego emprego estava concentrado no trabalho tem porário ( S i m o n i a n , 2010).
tem porário de baixa rem uneração. Ela hesita. Alguns benefícios podem N o R ein o U nido, o im pacto da crise foi notável pela queda no
continuar por um tem po, sujeitos ãs regras para ajudar a “tornar o traba­ ■úmero de empregados, enquanto que o núm ero de autônom os quase
lho com pensador” e reduzir a “arm adilha da pobreza” padrão. Mas ela ■ão caiu. N o prim eiro ano da recessão, os empregos de tem po integral
sabe que, quando o trabalho term inar, terá mais um a vez de enfrentar os caíram em mais de 650 m il, enquanto os empregos de m eio período
assustadores custos da operação. A verdade é que ela não pode se dar ao «íbiram em 80 m il, sendo que 280 m il trabalhadores em tem po parcial
luxo de aceitar o trabalho, pois, além do custo da perda dos benefícios afirmavam que não conseguiam em prego de tem po integral. O desem -
enquanto durar o trabalho, há o custo de voltar aos benefícios. Essa é a fcego aumentou mais do que a queda do emprego, principalmente devido
arm adilha da precariedade. ao ingresso de jovens no m ercado de trabalho e a um aum ento da taxa
A arm adilha da precariedade é intensificada pela erosão do apoio á e participação na força de trabalho dos trabalhadores mais idosos que
com unitário. Apesar de o fato de entrar e sair de empregos tem porários «nfrentam pensões e poupanças reduzidas.
com baixos salários não fortalecer o direito aos benefícios do Estado Nos Estados U nidos, as empresas responderam ã crise cortando
ou da empresa, a pessoa esgota sua capacidade de apelar para benefícios empregados de tem po integral e substituindo outros por mudanças tec­
proporcionados pela família e pelos amigos em m omentos de necessidade. nológicas ou por terceirização, em parte para evitar um a repetição dos
Essa situação é agravada pelas dívidas e interlúdios de doença social que m stos de tornar as pessoas desnecessárias. U m a pesquisa feita em 2010
pode incluir consum o de drogas e pequenos crimes, com o furtos. Ela é concluiu que pelo m enos um quarto dos 8,4 m ilhões de empregos eli­
agravada pelo estresse da insegurança e pela indignidade de ter, constan­ minados nos Estados U nidos desde que a recessão com eçou não voltaria
tem ente, de tentar se vender a agências e potenciais empregadores. Sem a existir (Izzo, 2010).

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Após os cortes de empregos, a produtividade m edida do trabalho não rem unerada e obteve um índice de 95% de aceitação. O utras ofere­
se elevou, o que foi interpretado como um reflexo da pressão dos em pre­ ceram dois meses de folga com 50% do salário. A British Airways deu
gadores para que os empregados trabalhassem mais, coibindo a criação 1 todos os funcionários a oportunidade de trabalhar em tem po parcial;
de emprego. Talvez isso seja apenas parte da história, um a vez que o muitos disseram que desejavam fazer isso e trabalhar para a caridade no
choque pode ter acelerado a terceirização e recorrido ao trabalho paralelo. lem po disponível. As folgas tam hém foram um a m ina de ouro para a
Por exemplo, houve um boom na terceirização de processos legais. A aova ocupação do life coach [conselheiro pessoal], ansioso para aconselhar
Pangea3, sediada na índia, um a empresa líder nesse mercado emergente, pessoas sobre como reorganizar suas vidas.
dobrou sua receita em um ano. E nquanto os escritórios de advocacia do Em 2009, um banco espanhol, o BBVA, ofereceu a seus funcionários
R ein o U nido e dos Estados U nidos lutavam, cortando recrutam ento e qjoe tirassem até cinco anos de folga recebendo 30% do salário. Isso deu ao
tornando os advogados desnecessários ou concedendo-lhes licença, a trabalhador médio pelo menos 12 m il libras, incluindo seguro saúde. O
recessão foi um a benção para os advogados na índia. fcanco fez isso em vez de pagar seis semanas de indenização para cada ano
T radicionalm ente, m aiores recessões conduzem a reduções na trabalhado. R econheceu que muitos funcionários poderão ter dificuldades
desigualdade, mas dessa vez os diferenciais de renda passaram a se am ­ de readaptação quando voltarem, mas esse prohlema parecia muito distante.
pliar, em geral e nos setores específicos. Assim, a crise levou à crescente O utro banco em outro país deu destaque ao tratam ento dualista
desigualdade entre as fortunas das m elhores firmas de advocacia e as do assalariado e do precariado pós-2008. Em resposta à crise bancária,
fortunas de outras firmas. A elite preservou a renda e o status dem itin­ •jae o deixou fortem ente subsidiado pelo governo do R ein o U nido, o
do alguns dos assalariados e lim itando as oportunidades de carreira de Lioyds B anking Group cortou mais de 20 m il empregos. E m outubro de
outros, enquanto ampliava o núm ero de auxiliares legais com todas as 3)10, anunciou que tinha “dim inuído o im pacto na equipe perm anente
inseguranças do precariado. As principais empresas de serviços finan­ com um a liberação significativa de pessoal tem porário e contratado”. Da
ceiros e econôm icos tam bém se beneficiaram da desigualdade social, próxim a vez, sem dúvida, o banco terá mais funcionários tem porários e
um a vez que optar por renom e e grandeza é a estratégia mais prudente otuxos que podem ser facilm ente dispensados.
em m om entos de insegurança. Em bora a advocacia esteja passando pela
mais profunda reestruturação, todas as profissões estão sendo empurradas
na mesma direção, de ter menos pessoas protegidas com informações
O desmantelamento do setor público
privilegiadas ao lado de um crescente núm ero de posições inseguras de A fronteira final para o precariado é o setor público, há m uito
carreira com menos postos de trabalho. Km po o pioneiro para os padrões de trabalho e o emprego estável. Ele
A estratégia de colocar funcionários em licença não rem unerada, jbm ece um a alta renda social, com benefícios que respondem por gran-
ou folgas, tem crescido nos Estados U nidos, juntam ente com a estratégia áe parcela de compensação, juntam ente com regras burocráticas e um a
de horas extras não pagas. E m 2010, vinte estados norte-am ericanos ênca de serviço.
exigiram que os empregados tirassem folgas não pagas e mais de 200 m il D urante gerações, a proposta do serviço público era que - apesar de
trabalhadores do setor público eram “licenciados” toda semana, estim u­ «m lucro nunca ter alcançado as alturas vertiginosas dos setores comerciais
lados a tirar a sexta-feira de folga, sem rem uneração. Para muitos, isso foi privados - os funcionários tivessem garantia de vínculo empregatício,
libertador, apesar da perda de renda, pois perm itiu que passassem mais qoiçá segurança no trabalho, bem com o pensões normativas, benefícios
tem po com suas famílias; a “sexta-feira de folga” tornou-se um elemento Je assistência m édica e assim por diante. Mas, com o os funcionários
essencial da vida em todo o país. Mas foi um passo para em purrar os públicos põem em prática as instruções de seus chefes políticos para flexi­
trabalhadores para fora da zona de conforto da classe assalariada. bilizar os mercados de trabalho privados, a diferença entre sua segurança
As folgas tam bém se espalharam pela Europa. U m a grande empresa privilegiada e a do restante da sociedade se tornou evidente. Foi só um a
britânica pediu aos funcionários para tirarem duas semanas de licença questão de tem po até que o próprio setor público se tornasse o principal

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alvo para a flexibilização. Esse m om ento chegou com o choque de 2008, com m arketing e controlava o site, os bom beiros se desdobravam como
apesar de as erosões terem começado m uito antes. motoristas de am bulância e os trabalhadores da usina de tratam ento de
O ataque começou com m ovim entos para comercializar, privatizar água recebiam pagam ento extra para substituir motoristas de caminhão.
e contratar serviços. O s contratos tem porários e o trabalho de tem po U m a pesquisa realizada nas cidades e m unicípios descobriu que muitos
parcial com benefícios e salários inferiores foram se infiltrando fu rti­ planejavam tirar vantagem da crise para reorganizar o trabalho de m a-
vam ente. Então os governos agiram contra o setor com o um todo. As oeira semelhante.
pensões públicas foram declaradas “ inviáveis” e “injustas”; os governos Em todos os lugares, o direito político usou a recessão para inten-
usaram comparações com a econom ia privada para justificar o corte nos ãficar a cam panha de corte de salários, benefícios e garantia de vínculo
salários públicos. Isso não evitou que os pacotes de estím ulo fiscal, flexi­ empregatício no setor público. D e form a característica, ao com entar
bilização quantitativa e subsídios criados inchassem os déficits públicos. sobre os Estados U nidos, o T h e Economist (2009) afirm ou que “os traba­
N ão foi culpa do setor público, mas ele se tornou um alvo fácil para os lhadores do setor público são vagabundos m im ados”, com base no fato
cortes orçam entários. O s setores privados inseguros observavam sem de que, em média, eles receberam 21% a mais do que aqueles que estão
solidariedade. Os mercados financeiros tam bém insistiam em cortes nos DO setor privado e eram 24% mais propensos a ter acesso à assistência
gastos públicos com o prova de que os governos estavam no “cam inho médica. Cerca de 84% dos trabalhadores do governo estadual e local
certo”. Isso significa incitar a erosão do assalariado público. ainda tinham um plano de benefício de pensão definido, garantindo
Em termos globais, o setor público está sendo transformado em um a renda de aposentadoria com base em anos de “serviço” e salário final,
zona do precariado. E m nenhum lugar esse fato é mais m arcante do que cm comparação com apenas 21% dos trabalhadores do setor privado. Os
nos Estados U nidos, onde o fanatismo econôm ico neoliberal criou um a núm eros poderiam ser interpretados com o um indicativo do quanto as
tem pestade fiscal perfeita. As cidades foram empurradas para a dívida empresas privadas se tornaram miseráveis. O u a comparação poderia ter
crônica por um a camisa de força de regras fiscais que exigiam um regime sido feita com o que a elite e os assalariados privados estavam recebendo.
de “orçam ento equilibrado” de taxas fiscais reduzidas. D urante anos, os Os funcionários públicos enfrentam agora um ataque violento so­
funcionários públicos defenderam seus salários por m eio de sindicatos e bre as suas pensões, o que piorará as perspectivas de renda de sua prole
acordos coletivos, enquanto o setor privado sofria o declínio dos salários precariada. Mais um a vez a situação dos Estados Unidos é extrem am ente
e o encolhim ento dos benefícios. Seus sindicatos perm aneceram fortes. alarmante. A Associação N acional de Funcionários do O rçam ento do
Em 2008, 37% dos trabalhadores do governo eram sindicalizados, quase Estado advertiu que os estados norte-am ericanos enfrentariam enormes
o mesmo índice de 1980, enquanto a sindicalização privada caía de 20% déficits orçamentários devido a responsabilidades com pensões. Os críticos
para 7%. E m 2009, pela prim eira vez, os trabalhadores do setor público contrários ao setor público foram ajudados por histórias publicadas na
constituíam mais de m etade de todos os m em bros dos sindicatos no mídia sobre alguns ex-altos funcionários públicos que vivem na opulência
país. Eles haviam defendido bem os seus m em bros, mas a desigualdade com suas pensões.
cada vez m aior entre os setores público e privado contribuiu para um a Os Estados U nidos são apenas o precursor. O ataque contra o setor
indignação crescente. público é parte do ajuste pós-2008 em todos os países industrializados.
A crise foi usada para cortar a segurança de em prego do setor Na Grécia, sob um governo de centro-direita, 75 m il funcionários foram
público, por meio da intensificação da flexibilidade funcional. O s adm i­ adicionados ao já enorm e setor público entre 2004 e 2009. Logo que
nistradores com eçaram a insistir que os funcionários públicos deveriam veio a crise em 2010, os assalariados do setor público foram reduzidos,
desem penhar outras tarefas além daquelas para as quais haviam sido con­ alim entando o precariado grego. O governo tam bém anunciou que
tratados. U m gestor m unicipal no Arkansas disse, com orgulho evidente: removeria as barreiras para o ingresso em certas profissões, dim inuindo
“eu pago mais dinheiro para menos pessoas e m axim izo a sua utilização §eus salários para reduzir os gastos públicos. N a Itália, a pressão sobre o
com mais tarefas” (B u l l o c k , 2 0 0 9 ). O oficial de justiça agora trabalhava íCTviço público tam bém aum entou. Em outubro de 2009, 4 m il oficiais

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de polícia m archaram por toda R o m a para exigir melhores salários e funcional e de emprego. Por exemplo, estão econom izando em espa­
novos carros de polícia. Por causa de um congelamento das contratações, ço no escritório, descentralizando e flexibilizando o trabalho de seus
a idade m édia dos policiais italianos havia subido para 45 anos. Eles não empregados. N os Estados Unidos, um a lei aprovada em 2000 obriga o
estavam sozinhos; m ilhões de servidores públicos estavam perdendo a gov^erno federal e suas agências a estabelecerem políticas de rede. Em
garantia de estabilidade. Em Portugal, 50 m il servidores civis protestaram 3 i0 6 , dos 140 m il funcionários federais, 19%, estavam trabalhando a
em fevereiro de 2010 contra um congelamento de salário, mas o governo partir de locais alternativos. Isso é a precarização, que isola funcionários
seguiu em frente com um enfraquecim ento dos serviços públicos. Na e hm ita seu espaço e oportunidade para a ação coletiva.
Irlanda, forçada a aceitar um resgate da zona do euro no final de 2010, Em 2009, 24 m il servidores públicos espanhóis - 10% do total
os ganhos duram ente conquistados do setor público (e suas vantagens —estavam trabalhando parcialm ente em casa, com a condição de que
por vezes anacrônicas) foram sendo removidos em questão de meses. onham de estar no escritório durante 50% do seu tem po de trabalho. O
N o R ein o U nido, como nos Estados U nidos, dois terços de todos trabalho rem oto tam bém foi introduzido na Itália, onde o setor público é
os novos empregos na década anterior a 2008 eram no setor público. ttm oso pelo absenteísmo. U m inovador no R ein o U nido foi o Conselho
C ortá-los aum entaria o precariado simplesmente po r alterar a parcela M unicipal de W inchester, que concentrou a localização de seus quatro
público-privada do emprego. Mas a intenção é desviar um a parte m aior escritórios em dois e instalou um sistema de reservas on-line para que
do setor público para a zona do precariado através da privatização, ter­ os empregados reservem espaço nas mesas ou salas de reuniões quando
ceirização e recontratação e informalização. julgarem necessário. Esse sistema de rotatividade no espaço de trabalho,
U m aspecto do ataque é o esforço para transferir mais serviços para chamado hot desking, está despersonalizando o escritório, um a vez que
a sociedade civil ou para organizações não governam entais (ONGs). eie não é mais “m eu escritório”. O efeito psicológico é im portante, um a
N o R ein o U nido, isso é apresentado com o um a m aneira de reduzir o vez que o aum ento da instrum entalidade do local de trabalho vai reduzir
Grande Estado e gerar a Grande Sociedade. Mas, na verdade, é um a inn sentim ento de apego tanto em relação à empresa ou organização
form a de obter serviços por um a ninharia, transferindo atividades feitas quanto em relação ã força de trabalho com o entidade a ser defendida.
por empregados profissionais para empregados com contratos precários Em resumo, o setor público, há m uito o baluarte do assalariado e
e “voluntários”. As entidades registradas como instituições beneficentes regulador padrão para o trabalho decente, está sendo rapidamente trans­
têm sido grandes empregadoras, com um a equipe de 464 m il pessoas formado num a zona de flexibilidade em que o precariado pode crescer.
em período integral, em 2009. Mais da m etade de sua renda provém dos
contratos do governo para suprir serviços públicos. Porém , os em pre­
gados das instituições beneficentes não são bem pagos e têm contratos O estado de subsídio: maldição do precariado
precários. Subsidiadas por doadores privados, elas tornam os serviços U m aspecto da globalização raramente notado foi a expansão dos
sociais mais baratos, solapando os equivalentes públicos e legitim ando subsídios. Essa expansão pode ser um dos grandes “trambiques” da his-
relações contratuais desfavoráveis para “voluntários”. Isso torna o setor BÓria econômica, um a vez que a m aior parte dos subsídios tem ido para
particularm ente vulnerável num a recessão. Q uando as doações secam, o capital e para as pessoas de alta renda, na form a de “benefícios fiscais”,
esses funcionários quase públicos podem se sentir bem próxim os do “isenções fiscais” e “créditos fiscais”. Se um a pessoa rica no R eino U ni­
precariado. N ão surpreendeu que muitos deles tenham saído das O N G s do, por exemplo, deseja evitar o imposto sobre parte de sua renda, ela só
para trahalhar em supermercados quando a recessão se aprofundou. C om precisa colocá-la em um plano de previdência pessoal, adiando a renda
efeito, a contratação de serviços está expandindo o precariado ao m inar enquanto poupa 40% dela. Dificilm ente um a pessoa do precariado tem a
pequenas instituições de caridade. mesma oportunidade.
Os governos tam bém estão agindo mais como empresas comerciais Considere o que aconteceu depois da crise de 2008. As intervenções
no seu tratam ento aos servidores públicos, que possuem flexibilidade para dar suporte global aos bancos em 2008-2009 chegaram, nos Estados

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Unidos, a 14 trilhões de dólares, segundo o Banco da Inglaterra. Isso pro­ destinados a compensar a desigualdade salarial, esses subsídios incentivam
vavelmente é um eufemismo. Nesse ínterim , no meio da pressão febril das o crescim ento ou a m anutenção de empregos precários e mal pagos. Ao
corporações, os governos ocidentais lançaram um a vasta gama de regimes aum entar os salários para algo mais próxim o da subsistência, os crédi­
de subvenção no que deveria ser chamado de protecionismo de subsídio. tos fiscais tiram a pressão dos empregadores, dando-lhes um incentivo
Não se deixando abater por seu desempenho desastroso, que levou à que­ para continuarem a pagar baixos salários. M ão de obra barata significa
bra quando favoreceu a especulação financeira, a companhia de motores tam bém que as firmas sofrem menos pressão para serem eficientes. Os
americana GM disse que iria “subsidiar as compras” e transferir a produção créditos fiscais e outros subsídios de trabalho são o equivalente, no século
e os empregos para onde os governos oferecessem os maiores subsídios. X X I, do sistema Speenham land, um subsídio inspirado no proprietário
O s subsídios são parte im portante da política industrial, geral­ de terras introduzido em Berkshire, em 1795, que se tornou famoso por
m ente apresentados com o reforço aos “vencedores”. N a realidade, esses causar o em pobrecim ento rural em toda a Inglaterra.
subsídios têm sido usados para apoiar as grandes empresas ou os setores A insensatez ainda tem de ser percebida. D im inuindo o curso do
que se encontram sob pressão, preservando as estruturas que contêm crédito fiscal, os governos terão de correr sem sair do lugar, já que a pres­
im portantes eleitorados políticos. Mas os subsídios não vão interrom per são para baixo sobre os salários está crescendo na m edida em que outros
a redivisão internacional do trabalho na m edida em que os empregos mercados emergentes se ju n ta m à C híndia. C om o opinou um líder do
Financial Tim es (2010a), sem chegar a essa conclusão lógica;
são transferidos de países de alto custo para áreas de alta produtividade
de baixo custo. E nquanto puderem prolongar alguns empregos ã m oda Se a G rã-B retanha co ntinuar a oferecer um a generosa rede de bem -
antiga, eles o farão ã custa de negar apoio a outros. R aram ente eles be­ estar social enquanto os salários, na realidade, estão estagnados, os
neficiam os grupos mais inseguros na sociedade. trabalhadores de baixa renda pod em logo descobrir que viver de b e ­
Os subsídios introduzidos durante a crise de 2008-2009 para es­ nefícios é apenas u m pouco m enos rentável do que trabalhar. Para se
certificar de que o trabalho ainda paga, o governo terá de aum entar
tim ular a venda de automóveis beneficiaram os compradores de auto­
o subsidio sobre seus salários via sistema de créditos fiscais.
móveis em comparação a outros, bem com o os trabalhadores do setor
automotivo em relação a outros trabalhadores. Certam ente eles não eram Acrescentou que, para lim itar o aum ento de custos, o governo
os mais pobres ou mais precários. Em term os ecológicos, esses subsídios teria de estreitar as regras sobre quem é “m erecedor de apoio”. Isso foi
favoreceram o uso de recursos à custa da conservação dos recursos. E fêito prontam ente.
tam bém existem os subsídios para benefícios da empresa; estes dim i­ D entro de um ano depois da crise, 16 países da O C D E introduziram
nuem a dem anda por trabalhadores responsáveis por serviços de baixa subsídios salariais, contratando bônus ou empregos em obras públicas para
produtividade. E, como será m ostrado, os benefícios da empresa são um conter o aum ento do desemprego. Enquanto a Espanha teve um enorm e
fardo para os jovens, visto que os mais velhos e os m igrantes estão mais programa de obras públicas, o R eino U nido partiu para o “golden hellos”fi
preparados para trabalhar sem eles. que oferece até 2.500 libras para empresas que recrutavam alguém que
Os subsídios de trabalho, incluindo créditos de impostos de rendas estava desempregado há mais de seis meses, dando m il libras por trabalha­
recebidos e subsídios de emprego m arginal, tam bém são, na realidade, dor no ato da contratação e mais 1.500 libras para o treinam ento. Isso de
subsídios ao capital, perm itindo que as empresas tenham mais lucros fãto aum entou o precariado, am pliando o núm ero de pessoas colocadas
e paguem salários mais baixos. Eles não são justificados em term os de em postos de trabalho tem porários e incitando os empregadores a de­
igualdade social ou econômica. O argum ento para o principal subsídio m itirem os trabalhadores existentes e contratarem substitutos. A Coreia
de trabalho - os créditos fiscais - é que com o as pessoas pobres e menos do Sul tam bém introduziu um subsídio de contratação sob um a política
educadas em países ricos enfrentam a competição mais acirrada do traba­
lho de baixo custo nos países em desenvolvimento, os governos precisam Golãen hello é um a q u a n tia em d in h e iro paga para “c o b rir a o ferta” de u m em pregado
subsidiar salários baixos para assegurar rendas adequadas. Mas enquanto feita pela c o n co rrê n cia, b e m co m o a recru tas m u ito pro cu rad o s. (N .E .)

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que requeria que os empregados aceitassem um congelam ento de salário, o trabalho tem porário, inchando o precariado de um a m aneira insusten­
rem ovia os direitos de negociação e pagava aos recrutas subsidiados dois tável, eles deixam um gosto desagradável. C om o disse um sul-coreano
terços do salário dos empregados existentes - difundindo um a força de desiludido que parecia um recruta para o precariado, “m esm o se eu
trabalho m ultinivelada. Nos Estados U nidos, a adm inistração O bam a conseguir um em prego desse m odo, só vou trabalhar por alguns meses,
conseguiu aprovar um esquema de 13 bilhões de dólares em 2010, que e, durante esse tem po, sempre me sentirei com o um figurante patético
concedia crédito fiscal ãs empresas se elas contratassem desempregados que existe pela generosidade de outros trabalhadores” (C h o e , 200 9).
à procura de emprego. Os empregadores oportunistas rapidam ente des­
cobriram com o fazer substituições benéficas.
O utros paises favoreceram esquemas de compensação de curta du­
A economia das sombras
ração, em sua m aioria dirigidos à fabricação, pelos quais os empregadores O u tro fator, conhecido de diversas maneiras com o econom ia das
podiam solicitar a assistência tem porária para com plem entar os salários sombras, subterrânea, cinza, negra ou paralela, desem penhou um pa­
dos empregados regulares. Até 2010, 21 países da União Européia tinham pel na expansão do precariado. H á m uitas razões para acreditar que
esquemas de trabalho de curta duração que abrangiam mais de 2,4 milhões essa econom ia cresceu e é subestimada pelas estatísticas disponíveis. A
de trabalhadores; o esquema Kurzarbeit da A lem anha respondia sozinho desindustrialização tem sua im portância nessa questão, assim com o o
por 1,5 m ilhões de trabalhadores, envolvendo um subsídio salarial que se crescimento da flexibilidade num érica, pois a substituição de fábricas
estendia por dois anos. O subsídio compensava 60% da perda de receitas de grande escala e de prédios de escritórios, que concentravam em pre­
por estar num em prego de curta duração, um a fórm ula copiada por gos, facilita o trabalho de “aperto de m ão” e dificulta sua detecção. O
outros países, com o os Países Baixos. Nos Estados Unidos, 17 estados, caráter m utante dos Estados de bem -estar tam bém tem sido relevante,
incluindo a Califórnia, introduziram um corte tem porário do im posto m inando a solidariedade social e os princípios subjacentes do im posto
sobre a folha de pagam ento e provisão de benefícios de desemprego para direto progressivo e do seguro social.
quem era forçado a trabalhar em tem po parcial. Sejam quais forem as razões, a econom ia das sombras está onde
A curta duração subsidiada funciona exatam ente com o qualquer a m aioria do precariado sobrevive, enfrentando exploração e opressão.
subsídio de trabalho. Envolve perigos morais e imorais, gratificando a U m estudo feito por Friedrich Schneider da Universidade de Linz {The
ineficiência e o desempenho insatisfatório. Também distorce os mercados, Eíonomist, 2010b) estim ou que a econom ia inform al representa mais de
dificultando a transferência de empregos para áreas de produtividade um quarto do PIB grego, mais de 20% do PIB da Itália, Espanha e Por-
mais alta. Em bora os subsídios sejam defendidos com o “m antenedores m gal e mais de 10% do PIB da Alem anha, França e R ein o U nido. Ele
das pessoas em postos de trabalho, preservando, assim, as habilidades”, atribuiu grande parte da evasão fiscal à “rebelião fiscal”, argum entando
e redutores dos custos sociais da recessão (A t k in s , 20 0 9 ), eles im pedem que as pessoas são mais relutantes em pagar impostos se não acharem
as pessoas de progredirem e adquirirem novas habilidades ou de fazerem que estão obtendo valia dos serviços oferecidos pelo Estado. Se assim
um a m elhor utilização daquelas que possuem. tbr, os cortes nos serviços públicos para reduzir os déficits orçam entários
A união do emprego de curta duração com os subsídios do governo podem incentivar mais rebelião de impostos, anulando o im pacto dos
foi um dos cam inhos da conversão dos empregados em tem po integral cortes de gastos sobre o déficit.
em mem bros subsidiados de tem po parcial do precariado. E um a vez que D ada a dimensão da econom ia das sombras e a existência de um
quase todos os subsídios de curta duração têm um a vida finita, m uita reforço do trabalho paralelo, em tempos de crescim ento relativo, como
gente terá apenas um a trégua tem porária antes de perder o emprego antes da queda de 2008, um a quantidade considerável de trabalho con­
por completo. tinua não registrada. As baixas taxas de crescim ento de emprego podem
U m a derradeira ironia dos subsídios é que eles não enganam as pes­ ser enganosas. Pela mesm a lógica, um a recessão pode com eçar com um
soas por m uito tempo. Enquanto reforçam antigos empregos e promovem declínio no trabalho paralelo, dando a impressão de que o emprego não

92 93
está caindo m uito e que o desem prego não está crescendo m uito, espe­ o que ainda é mais impressionante, dada a im agem que o país tem
cialm ente na m edida em que as pessoas que estão nas sombras seriam de si m esm o com o um a oportunidade inigualável para a m obilidade
inelegíveis para benefícios do Estado. ascendente, os Estados U nidos há m uito tem po tem dim inuído a m o-
Isso é consistente com os dados disponíveis. Nos primeiros dois anos bihdade social. A m obilidade intergeracional é baixa de acordo com os
de recessão, a queda do emprego em toda a Europa foi somente um terço padrões internacionais ( S a w h i l l ; H a s k i n s , 2009). As crianças nascidas
m aior do que a porcentagem de contração da economia. N a Espanha, em DOS quintis inferiores e superiores são ainda mais propensas a perm ane­
2010, o desem prego registrado havia subido para mais de 4,5 m ilhões, cerem neles do que as do R ein o U nido, e m uito mais propensas do que
ultrapassado o nível que os sindicalistas e outros tinham previsto que as da Suécia ou da D inam arca. C om a desigualdade crescendo a níveis
levaria a tumultos. Não houve tum ultos. Alguns observadores atribuíram recordes e a m obilidade social declinando, o m odelo econôm ico e social
o fato à tradicional tolerância das redes de desem prego e familiares que oeoliberal certam ente fracassou em sua pretensão de gerar m obilidade
poderiam fornecer benefícios para a com unidade. O utros achavam que iocial baseada no m érito.
tinha mais a ver com a próspera econom ia subterrânea. O sindicato dos U m a das razões para a desaceleração da m obilidade social é que a
inspetores fiscais, Gestha, estim ou que a econom ia subterrânea repre­ lenda m édia dos empregos foi gradualm ente reduzida. Por exemplo, no
sentava mais de 23% do PIB e que ela tinha se expandido enquanto o R eino U nido, o núm ero de empregos no decil salarial superior cresceu
PIB registrado estava dim inuindo consideravelmente. (piase 80% entre 1979 e 1999. O segundo decil cresceu 25%, e os dois
U m a econom ia globalizada de mercado aberto, caracterizada por decis inferiores tam bém se expandiram (Goos; M a n n i n g , 2007). Mas o
contratos informais, empregos de tem po parcial e tem porários, serviços trabalho nos seis decis do m eio se retraiu. O que essa tendência significa
baseados em projetos e um a m iríade de serviços pessoais é certam ente - e ela se repete em m uitos países - é que a “classe m édia” está sofrendo
favorável ao trabalho paralelo. N ão é um a aberração; ela faz parte do de insegurança de renda e de estresse, sendo empurrada para o precariado.
sistema de m ercado global.

Conclusões
O declínio da mobilidade social H ouve um bruto pacto social na era da globalização - os trabalha­
Por fim, e de m aneira mais reveladora, o caráter de estratificação dores eram obrigados a aceitar o trabalho flexível em troca de medidas
do processo de trabalho globalizado produziu um a dim inuição na m o ­ pira preservar empregos, de m odo que a m aioria vivenciou a elevação
bilidade social ascendente, o que é um a característica do precariado. dos padrões de vida. Foi um a negociação faustiana. Os padrões de vida
C om o disse D aniel C ohen (2009, p. 19) sobre os trabalhadores france­ ix a m m antidos ao se perm itir que o consum o excedesse as rendas e que
ses (e europeus), hoje pouquíssimas pessoas sobem para o nível m édio os ganhos excedessem o que de fato os trabalhos valiam. E nquanto este
de gestão, e “agora há um a m aior probabilidade de perm anecerem na excesso prom oveu ineficiência e distorções de m ercado, aquele excesso
parte inferior da escala salarial para o resto da vida”. N o R e in o U nido, icz com que faixas da população se endividassem de m aneira estontean-
a m obilidade social dim inuiu, o que tem sido associado ao aum ento da ue. Mais cedo ou mais tarde, o diabo teria o que lhe era devido, um
desigualdade. E m 2010, com o foi m ostrado pelo Painel de Igualdade m om ento que para muitas pessoas veio com a crise de 2008, quando a
N acional do governo trabalhista (ver tam bém W i l k i n s o n ; P i c k e t t , renda dim inuída caiu abaixo do que era necessário para pagar as dívidas
2009), era mais difícil para um a criança nascida na pobreza subir na <pie tinham sido encorajadas a assumir. U m a nova camada estava prestes
escada social do que havia sido em qualquer outro m om ento desde 1950. a se ju n ta r ao precariado.
O s nascidos em 1970 tin h am m enos probabilidade de subir no status N o final da era da globalização, o pacto havia sido rom pido. D o
social do que os nascidos em 1958. E apenas u m sinal de que a classe bdo dos empregadores, desejava-se mais “viajar com pouca bagagem”. D o
ainda é im portante. iado dos trabalhadores, havia mais estresse, insegurança e distanciamento

94 95
psicológico. Os suicídios relacionados ao trabalho aum entaram em m ui­ Capítulo 3
tos países, incluindo a França, o Japão e toda a Escandinávia, a M eca da
social-democracia. N os Estados Unidos, eles aum entaram 28% em um Quem ingressa no precariado?
ano. E ntretanto, de acordo com o C enter for W ork-Life Policy, um a
empresa de consultoria dos Estados U nidos, a proporção de empregados
que professam lealdade a seus empregadores caiu de 95% para 39%, e a
proporção que expressava confiança neles caiu de 79% para 22%. N a era
do precariado, lealdade e confiança são frágeis e eventuais.
Podem os perceber por que o precariado está crescendo. Porém ,
quanto m aior seu tam anho, mais sinistros serão seus aspectos disfuncio-
nais. As inseguranças geram doença social, vícios e angústia anômica. As
prisões transbordam . As gangues de R o b in Flood perdem seu senso de
humor. E as forças escuras se espalham na arena política. Trataremos disso
depois de considerarmos quem está entrando no precariado e o que está
acontecendo com os principais ativos da sociedade de mercado global.
U ma resposta é “todo m undo, na verdade”. E ntrar para o precariado
poderia acontecer para a m aioria de nós, se ocorressem acidentes ou um
choque eliminasse os adereços de segurança nos quais m uitos vieram a
confiar. D ito isso, é preciso lem brar que o precariado não com preende
somente vítimas; alguns entram no precariado porque não querem as
alternativas disponíveis, alguns porque ele se adapta às suas circunstâncias
particulares do m om ento. E m suma, existem variedades de precariado.
Algum as pessoas entram o precariado devido a infortúnios ou fra­
cassos, algumas são conduzidas para ele, algumas entram na esperança de
que ele será o tram polim para outra coisa, m esm o que não ofereça um a
rota direta, algumas optam por estar nele de m aneira instrum ental —in­
cluindo idosos e estudantes que simplesmente desejam obter um pouco de
dinheiro ou experiência - e algumas com binam um a atividade precariada
com outra coisa, com o é cada vez mais com um no Japão. O utros acham
que o que têm feito durante anos, ou o que estavam treinando para fazer,
torna-se parte de um a insegura existência precariada.
Este capítulo, sobre demografia, e o capítulo 4, sobre os m igrantes,
analisam os grupos que têm um a probabilidade relativamente alta de estar
no precariado. A dem ografia pode ser resum ida em term os de m ulheres
em comparação com hom ens e jovens em comparação com idosos. Em
cada grupo, h ig rim ie rs (sorridentes), que dão boas-vindas aos empregos
do precariado, egroaners (gemedores), obrigados a assumi-los por falta de
alternativas. Entre os jovens, osgrinners são estudantes e m ochileiros via­
jantes, felizes por ocupar empregos inform ais, sem futuro a longo prazo;
os groaners são aqueles que não puderam entrar no m ercado de trabalho

96 97
pelo aprendizado de um oficio ou equivalente, ou por com petirem com duração definida de poucos meses, se o acordo não é vinculativo ou
idosos “mais baratos” sem a necessidade de benefícios corporativos. dependente de dem anda flutuante, ou se não houver n e n h u m custo
Entre os mais velhos, os grinners são aqueles que recebem pensão para o trabalho interm itente.
adequada e cobertura de assistência médica, que podem fazer trabalhos N a era da globalização, a industrialização liderada pela exportação
casuais pelo prazer da atividade ou para ganhar dinheiro extra; os groaners nos países em desenvolvimento baseou-se, de um a maneira bem descarada,
são aqueles que não têm um a pensão razoável e encaram a competição com na organização das mulheres jovens com o precariado, mobilizadas para o
jovens mais enérgicos e idosos menos necessitados. Entre as mulheres, as trabalho por um a ninharia e cuja perm anência no emprego não era tão
grinners são aquelas cujos cônjuges são assalariados, que podem tratar um e^erada. M uitos outros fatores tam bém contribuíram para a femínização
trabalho como um a atividade secundária; as groaners incluem solteiras que do trabalho nos dois sentidos. U m deles foi a m orte do “salário-família”,
sustentam a família e aquelas que enfrentam a carga tripla de ter de cuidar mna característica da era industrial e do pacto entre capital e classe tra­
de fdhos, parentes idosos e ainda ter um trabalho pago. Entre os homens, os balhadora. O proletariado industrial desenvolveu a expectativa de que o
grinners incluem aqueles cujos cônjuges ganham um salário razoável; os groa­ trabalhador do sexo masculino receberia um salário suficiente para m anter
ners incluem solteiros capazes de obter apenas um emprego do precariado. rana família nuclear, e não apenas o próprio trabalhador. Essa regra prática
fe foi. O salário “ individualizado” favoreceu o emprego de mulheres; en­
quanto o salário mais baixo induziu a um “esforço de negociação” - menor
Mulheres: feminização da vida?
da parte dos homens, as mulheres nunca esperaram um salário-família.
Logo no início da era da globalização, tornou-se evidente que as Além disso, os empregos estavam mais concentrados nos serviços,
m ulheres estavam ocupando um a proporção cada vez m aior de todos para os quais a força m anual não era necessária e a aprendizagem a longo
os empregos, em um a tendência global para a feminização do trabalho prazo não era um a norm a. Fatores políticos tam bém contribuíram . Era
(S t a n d i n g , 1989, 1999a). Trata-se de um a feminização em sentido duplo, ■ma característica da perda do im pulso da agenda social-dem ocrata na
de mais m ulheres estarem em empregos e de mais empregos serem do década de 1980 que a ênfase se deslocasse para a equidade social, em vez de
tipo flexível, tipicam ente ocupados por m ulheres. A tendência refletia Igualdade. A redução da discriminação e dos diferenciais salariais baseados
a inform alização do em prego, o crescim ento dos serviços e a utilização em gênero tornaram -se objetivos prioritários, enquanto a redução das
de jovens m ulheres em zonas de processamento de exportação. Isso não Jcsigualdades estruturais foi marginalizada. Algumas medidas destinadas
significa que as m ulheres em todos os lugares estivessem m elhorando sua a m elhorar a equidade social até acentuaram a desigualdade. A falta de
renda ou condições de trabalho. D e fato, o salário com base no gênero ■m a agenda igualitária significava que os beneficiários das leis contra
e os diferenciais da renda social perm aneceram desiguais, mesmo que a discrim inação eram principalm ente as m ulheres com vantagens posi­
m elhorando m odestam ente em algumas partes do m undo. cionais, não as m ulheres em segmentos menos favorecidos da sociedade.
O s em pregos que estavam se espalhando levaram a um a cres­ Seja causa ou efeito, o papel das mulheres no crescente m ercado de
cente dem anda por m ulheres, bem com o a um a m udança de hom ens nabalho coincidiu com o crescim ento do precariado. As m ulheres ocu­
para em pregos inseguros de baixa rem uneração, durante m uito tem po param um a parcela desproporcional de empregos precários, sendo m uito
considerados com o a norm a para as m ulheres. Se o trabalho flexível »>jis propensas a terem contratos de curto prazo ou ficarem sem contrato
significa mais empregos de curta duração, isso quer dizer que há poucas algum. Isso não acontece apenas na Europa e na Am érica do N orte. N o
vantagens nos em pregos tidos com o m asculinos e vistos - correta ou Japão, a m udança para o emprego não regular coincidiu com um a parcela
incorretam ente - com o em pregos que oferecem com prom isso de lon­ crescente de mulheres na força de trabalho. E m 2008, mais da metade
go prazo. O tem or de que as m ulheres possam envolver em pregadores das mulheres japonesas ocupava empregos precários, em comparação com
em altos custos não salariais, porque podem engravidar ou se ausentar menos de u m a cada cinco homens. N a Coreia do Sul, 57% das mulheres
para cuidar dos filhos, é m enos relevante quando os em pregos têm ocupavam tais empregos, em comparação com 35% dos homens.

98 99
diante de um balcão de check-out durante longos turnos, os empregos
o Japão é um caso extrem o. A desigualdade de gênero é um le­
dificilm ente são libertadores. Eles podem fazer parte da carga tripla,
gado cultural que tem alim entado um precariado de gênero, em que
em que as m ulheres tam bém têm de cuidar dos filhos e dos parentes
as m ulheres estão concentradas em postos de trabalho tem porários, de
idosos “em seu tem po livre”.
baixa produtividade, resultando em um dos maiores diferenciais salariais
Os ganhos no acesso aos empregos são reais. Porém , eles foram
entre hom em -m ulher no m undo industrializado. E m 2010, 44% das
obtidos a um preço, pago em grande parte por m ulheres, mas tam bém ,
trabalhadoras no Japão estavam recebendo menos que o salário m ínim o.
em certa m edida, pelos hom ens. A m aioria dos empregos é de tem po
O crescim ento do trabalho tem porário tam bém contribuiu. O salário
parcial, tem porário ou estanque, sem perspectiva de desenvolvimento
das m ulheres em empregos regulares (permanentes) corresponde a 68%
profissional. N o entanto, os governos estão pressionando as mulheres
do salário dos hom ens, mas nos empregos tem porários eles representam
para ocupá-los.
menos da m etade do salário pago aos homens. Assim, a tendência é haver
N o R ein o U nido, mais de 40% das mulheres empregadas estão em
um duplo efeito adverso. Para contribuir ainda mais com a desigualdade,
empregos de tem po parcial, que pagam m uito m enos por hora do que os
muitas m ulheres japonesas são dirigidas para empregos relacionados ao
empregos de tem po integral. Em 2009, o governo se propôs a ajudar as
cuidado de idosos, nos quais os salários são lam entavelm ente baixos.
mulheres em empregos de tem po integral a passarem para empregos de
Isso salienta u m desafio do século X X I. C o m o a fem inização
lem po parcial, por m eio de subsídios, com ênfase no trabalho flexível.
global tem continuado, mais m ulheres têm experim entado um a “carga
O governo tam bém lançou um banco de dados nacional sobre empregos
tripla”. Espera-se que elas façam a m aior parte do trabalho relacionado
de tem po parcial, direcionado para as mães chamadas “ donas-de-casa”
ao cuidado das crianças e “ da casa”, que trabalhem no m ercado a fim de
que procuram “um retorno ao trahalho”, e anunciou planos para fazer
m anter “a casa” e que cuidem do crescente núm ero de parentes idosos.
as famílias m onoparentais com crianças pequenas procurar “trabalho”.
C om o as m ulheres sempre se ocuparam da m aior parte do trabalho
N a A lem anha, com o na França, as m ulheres constituem 80% de
de assistência'", ele tem sido negligenciado em estatísticas econômicas
todos os empregados em tem po parcial, e elas recebem um quarto a
e de política social. Isso chegou ao seu pior absurdo no século X X ,
menos do que os homens. Os horários escolar e comercial e a escassez
quando o trabalho de assistência não contava com o trabalho de m odo
de creches dificultam o trabalho em tem po integral para as m ulheres
algum . U m tipo de retórica liberal não ajudou. O trabalho de assistên­
que têm filhos. O governo M erkel introduziu o “subsídio aos pais”, um
cia, na m aioria das vezes lim itado à família, foi descrito como sendo da
beneficio relacionado ã renda que perm ite que qualquer um dos pais tire
esfera privada, enquanto o trabalho era da esfera pública. U m a vez que
jté 12 meses de licença de seu trabalho. Mas os conservadores no gover­
a esfera pública era vista como libertadora, colocar mais m ulheres em
no insistiram que um a decisão de expandir a creche fosse acompanhada
postos de trabalho, em qualquer emprego, seria libertador. Assim, a taxa
de um novo benefício, Betreuungsgeld, dado às mães apenas se ficassem
de participação da força de trabalho fem inina se tornou um a m edida de
em casa com os filhos. Isso é injusto, pois aplica um a condicionalidade
libertação (S e n , 1999).
comportam ental que penaliza as mulheres que desejam ou têm de ocupar
Isso faz sentido para as m ulheres de classe m édia, altam ente qua­
empregos, bem como cuidar dos filhos.
lificadas, que podem se preparar para um em prego assalariado voltado
Com o as m ulheres expandem o precariado ao ocuparem o papel
para a carreira. Mas para a m aioria das m ulheres, que trabalham repe­
tradicional de cuidadoras de criança e o mais novo papel de cuidar de
tidam ente num a linha de m ontagem , ou que costuram sem parar num a
parentes idosos, mais m ulheres estão se tornando as principais provedo­
fábrica de roupas m al-ilum inada num a ruela, ou que ficam sentadas
ras do sustento da família. Isso não acontece apenas porque um m aior
núm ero delas são mães solteiras ou vivem sozinhas. Os papéis de gênero
C a re w o rk, tip o d e tra b a lh o re a liz a d o e m p ro l d e o u tra s pessoas, p o r e x e m p lo o tam bém estão se invertendo. N os Estados U nidos, a educação das m u­
c u id a d o d e c ria n ç a s, a assistência a d e fic ie n te s , d o e n te s e id o so s, b e m c o m o o
lheres aum entou em relação à dos hom ens, e na faixa etária de 30-44
tra b a lh o d o m é s tic o , e q u e n ã o c o s tu m a se r r e m u n e r a d o . (N .T )

101
100
anos, há mais m ulheres do que hom ens diplomados. Considerando que, essencial (classe operária industrial) dos em pregos desapareceu. N os
em 1970, apenas 4% das m ulheres casadas ganhavam mais do que seus Estados U nidos, a proporção de hom ens empregados caiu para menos
maridos, hoje isso acontece com um a em cada cinco mulheres. C om o há de 70% em 2009, o m enor nível desde que os registros com eçaram ,
mais pessoas se casando dentro da mesma faixa de educação, os hom ens em 1948. Até 2010, um em cada cinco hom ens americanos com idade
que recebem altos salários são mais propensos a se casarem com mulheres entre 25 e 55 anos estava desempregado. N a década de 1960, 95% dessa
que ganham salários altos, aum entando a desigualdade interfam iliar. N o õ ix a etária estavam empregados. N a U nião Européia, três quartos dos
entanto, apesar da publicidade dada às m ulheres ambiciosas, as mulheres empregos gerados desde 2000 foram ocupados por mulheres.
que ganham mais do que seus parceiros têm maior probabilidade de serem Ironicam ente, o aum ento da participação “pública” das mulheres
encontradas em famílias de baixa renda, no precariado. na econom ia tem sido acom panhado por um m edo crescente de fracasso
N o R ein o U nido, o aum ento de “chefes de fam ília” do sexo fem i­ devido a múltiplas formas de precariedade. Isso passou a ser chamado por
nino tem sido associado com um aum ento no núm ero de hom ens saindo m n nom e deprim ente - “síndrom e da m endiga”'"* - um m edo de estar
de um plano de carreira, ou abrindo m ão da perseguição infrutífera por nas ruas devido ao fracasso do trabalho. Em 2006, um levantam ento de
u m plano de carreira, para se tornar cuidadores domésticos. N a década seguro de vida descobriu que 90% das m ulheres norte-am ericanas se
de 1960, apenas 4% das m ulheres com idade entre 16-60 anos ganhavam sentiam financeiram ente inseguras e quase a m etade disse que tinha um
mais do que seus parceiros. Em 2009, como nos Estados Unidos, um a em “m edo enorm e de se torn ar m endiga”. Isso foi ainda mais predom inante
cada cinco - ou 2,7 m ilhões - era “esposa chefe de fam ília” ( N a t i o n a l entre as m ulheres que ganham mais de 100 m il dólares por ano. Mais
E q u a l i t y P a n e l , 2010). Cerca de 214 m il hom ens disseram não fazer mulheres relataram sentirem -se estressadas quanto ao dinheiro. C om o
parte do m ercado de trabalho porque estavam cuidando da fam ília ou afirmou um a delas, “a mendiga interior, com face enrugada e despenteada,
da casa, um salto de 80% em 15 anos. E nquanto isso, o núm ero de m u­ não é brincadeira. Ela é o pior tipo de futuro possível”. Isso estava acon­
lheres dizendo o mesmo caiu de 2,7 para dois m ilhões, um a queda de tecendo na principal econom ia do m undo. E tem piorado desde a crise.
um quarto. R o h W illiam s, executivo-chefe do Fatherhood Institute, um A m aior parte das análises convencionais predom inantes tam bém
grupo de pressão, com entou: “A ideia de que os hom ens se veem como om ite parte do precariado que tem sido, em grande m edida, a prerroga-
chefes de família está desmoronando. Desde os anos 1970, os homens têm n\-a das m ulheres - os serviços sexuais. M ilhões de m ulheres em todo o
se tornado m uito mais igualitários, e o núm ero que quer sair da carreira m undo estão envolvidas nesse ramo, muitas forçadas a ele, muitas levadas
e passar mais tem po com seus filhos tem aum entado” ( B a r r o w , 2010). a ele pelas dificuldades financeiras, algumas que o escolheram por um a
A inversão involuntária de papéis é mais freqüente, no entanto. razão ou outra. As distinções de classe são m uito evidentes no ram o dos
E m cada recessão sucessiva, o desem prego m asculino aum entou mais do servfiços sexuais, e as m ulheres que fazem parte da camada inferior são
que o desemprego fem inino e a participação das m ulheres em postos de a síntese da existência precariada, alugando seus corpos sem qualquer
trabalho cresceu. N a verdade, a queda pós-2008 levou a um m om ento controle. C rim inalizá-las e negar-lhes direitos só acentua o problema.
historicam ente único. Em 2010, pela prim eira vez, as m ulheres nos Es­ O que dizer, então, dos homens que se deslocam para o precariado?
tados U nidos ocupavam a m etade de todos os empregos. Os desafios não são os mesmos. O m aior deles pode ser o de se ajustar a
A Grande Recessão foi apelidada de mancessiorf^. Os hom ens su­ nrveis inferiores. A insegurança está ligada ao m edo de perder o que se
portaram a grande m aioria das perdas de emprego, um a vez que a parte
■Büg lady syndrome, sín d ro m e da m u lh e r de sacola. O term o “ bag lad y ” co stu m a ser usado
” Mancession é u m p e río d o e co n ô m ico em que a tax a de desem prego é substancialm ente para se referir a m ulheres que vivem na ru a p e d in d o esm olas, carreg an d o seus poucos
m aio r e n tre os h o m en s do que e n tre as m ulheres. O te rm o mancession foi c u n h a d o na pertences em sacolas plásticas. O a u to r usa o te rm o para se referir ao m ed o que sentem
crise fin an ceira de 2 0 0 8 -2 0 0 9 , d u ra n te a qual os h om ens su p o rta ram o peso das perdas as m ulheres de se to rn a re m d estituídas e acabarem nas ruas com o m endigas, m as am plia
de em p reg o nos E stados U n id o s, a taxas a p ro x im ad a m en te 50% m ais altas do que a das o sentido, abarcando o fen ô m en o das m u lh e res que saem c o rre n d o de casa, angustiadas,
m ulheres. (N.T.) carregando seus p erten ces em sacolas. (N .E.)

102 103
tem . H á mais hom ens nessa posição quando comparados ao seu próprio Essa insuficiência começa na escola, onde, cada vez mais, as meninas
passado, ãs gerações masculinas anteriores e às expectativas e aspirações estão superando os m eninos. N a Inglaterra e no País de Gales, 64% das
incutidas neles por suas famílias e culturas. N a m edida em que o preca­ meninas conseguem cinco aprovações (exames com a idade de 15 ou 16
riado cresce e os empregos de carreira evaporam, a perda de reputação anos) do Certificado Geral do Ensino Secundário (General Certificate o f
agrava a perda de renda e as arm adilhas de status que as acom panham . Secondary Education - GCSE) em comparação com 54% dos meninos. Os
C om o m undo gerando trabalho precário, os hom ens sintonizados com meninos não só carecem de modelos masculinos em casa, mas tam bém
um a autoim agem de estabilidade e progressão na carreira correm o risco são ensinados, predom inantem ente, por mulheres. Cerca de 5 m il escolas
de se traum atizarem . Além disso, o desmantelam ento das comunidades não têm nenhum professor do sexo masculino. A desvantagem de gênero
profissionais e a perturbação de velhas noções de carreiras profissionais avança na escala educacional; m etade das m ulheres jovens participa do
produzem efeitos de frustração na m edida em que os hom ens se defron­ ensino superior, contra 37% dos hom ens jovens. Padrões semelhantes são
tam com a realidade de que suas carreiras estão truncadas. encontrados em outros países. Em geral, nas universidades n o rte-am e­
ricanas e europeias, o núm ero de m ulheres supera o de hom ens em um
terço. E depois da universidade, entre os licenciados do R ein o U nido, a
Um desafio da “masculinidade”?
probabilidade de os hom ens ficarem desempregados é 50% maior.
Enquanto m ulheres e hom ens enfrentam diferentes desafios em C om o conseqüência de sua precariedade, mais hom ens jovens con­
torno do precariado, o m ovim ento em brionário da precariedade atrai o tinuam a viver com os pais ou perto deles em caso de necessidade. N a
apoio de grupos de sexualidade diversa. H á boas razões para isso. Cays e Itália, esse é um fenôm eno com um ; os hom ens jovens (e não tão jovens)
lésbicas se sentem inseguros em um a sociedade voltada para os costumes que vivem com suas famílias, ãs vezes perto dos 40 anos, são chamados
heterossexuais e as famílias nucleares padrão. Mas tam bém há outras de matnmoni (menino da mamãe). N o R ein o U nido, mais de um quarto
tensões, ligadas ãs evoluções do emprego. A feminização do emprego dos hom ens com idades entre 25 e 29 anos estão vivendo com os pais,
afeta as ideias tradicionais de masculinidade e feminilidade. U m tem a que o dobro da proporção das m ulheres com a mesma idade. U m em cada
há m uito tem preocupado os sociólogos é a alegação de que os homens dez hom ens ainda está na casa de seus pais aos 35 anos de idade. A im a­
jovens estão cada vez mais alienados e anômicos. gem é a do “filho bum erangue”, voltando para casa depois de concluir
H istoricam ente, os jovens dispunham de modelos de papéis para a formação educacional e que fica à deriva em letargia, trabalhando em
ajudá-los na vida adulta. Eles eram apresentados a um a ideia virilizante. empregos de tem po parcial, assumindo dívidas, usando drogas e com
C uidariam de seus pais, ganhariam o suficiente para ser capazes de sus­ vagas ambições de “viajar”.
tentar esposa e filhos, e term inariam seus anos como anciões respeitados. A precariedade desencoraja o casamento e leva à gravidez tardia.
O m odelo era machista e patriarcal, não um a estrutura para ser aplau­ Em 2008, apenas 232.990 pares se casaram na Inglaterra e no País de Ga­
dida, mas enraizada ao longo de gerações. Agora, há poucos modelos les, o núm ero mais baixo desde 1895. A taxa de nupcialidade, calculada
realistas para que os jovens hom ens da classe trabalhadora im item e que como o núm ero de casamentos por habitante, caiu para o m enor nível
lhes possibilitem a conquista do autorrespeito, e suas perspectivas de ser desde que os registros começaram em 1862. Da mesma forma, as taxas de
um futuro “chefe de fam ília” são parcas. casamento caíram nos estágios posteriores à fase desintegrada da Grande
A escassez de modelos aspiracionais poderia ser um a conseqüência Transformação no final do século X IX , em um m om ento de contagiosa
da segunda geração da flexibilização dos anos 1980 e 1990. Seu resultado insegurança. A tendência de queda tem sido semelhante em toda a Europa,
é um prolongam ento da adolescência, com hom ens jovens incapazes de com um aum ento da coabitação. Estima-se que em 2015 a m aioria dos
se m otivarem . C om o disse Lucie Russell, diretora da instituição benefi­ bebês na Inglaterra e no País de Gales nascerá de pais solteiros.
cente Young M inds, do R eino Unido: “C om o é que m eninos se tornam Os hom ens e as m ulheres tam bém estão se casando mais tarde. E n­
hom ens quando não há um papel a se desem penhar ou um trabalho?” tre 1998 e 2008, a m édia de idade do prim eiro casamento na Inglaterra

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e no País de Gales subiu em três anos, tanto para hom ens quanto para oferecida à juventude um a negociação razoável. M uitos com eçam em
m ulheres. A m édia provisória de idade ao casar para os hom ens que se empregos tem porários que se estendem bem além do que poderia ser
casam pela prim eira vez era de 32,1 anos e, para as m ulheres, era de 29,9 necessário para o estabelecim ento da “em pregabilidade”. U m arrem edo
anos. A idade crescente podia refletir o aum ento de custos - tanto os de flexibilidade tem sido a ampliação dos períodos experim entais, du­
custos reais quanto o custo de risco de fracasso. Mas certam ente atesta rante os quais as firmas podem , legalm ente, pagar salários mais baixos e
um a sensação de precariedade que afeta, sim ultaneam ente, hom ens e fornecer m enos benefícios.
m ulheres, em bora de maneiras diferentes. A probabilidade decrescente de passar para um contrato de longo
A tendência tem contribuído para um crescente núm ero de fam í­ prazo aum enta a indignação. N a França, po r exemplo, 75% de todos os
lias unipessoais nos países industrializados. Mas, com o vimos, os jovens jovens trabalhadores com eçam com contratos tem porários, e a m aioria
tam bém foram voltando aos poucos para a casa dos pais, com a sua perm anece neles; apenas aqueles jovens com títulos acadêmicos podem
própria precariedade que, muitas vezes, somava-se à dos pais. E ntre os esperar passar para um a posição “perm anente”. Tradicionalm ente, os
neologismos inventados para esse grupo, temos Kippers (crianças no bolso jovens podiam tolerar um período inicial em que eram alheios aos qua­
dos pais corroendo as poupanças da aposentadoria) e iPods (inseguros, dros da empresa desde que houvesse a esperança de um dia se tornar um
pressionados, sobretaxados, cheios de dívidas e econômicos). membro privilegiado dessa empresa. Enquanto isso, eles viviam perto dos
Em um polêmico livro que supostamente descreve o que os homens pais. A solidariedade fam iliar aliviou a precariedade inicial. Mas hoje,
jovens, como os próprios autores, enfrentam agora (embora seus Curricula a precariedade foi estendida, enquanto a solidariedade fam iliar é mais
Vitae tenham entregado o jogo), Ed H ow ker e Shiv M alik (2010) resu­ fraca; a fam ília é mais frágil e a geração mais velha não pode antever
m iram “sua” existência da seguinte forma: um a reciprocidade intergeracional equilibrada.
U m a característica da reestruturação da renda social e da flexibili­
Trabalhamos em empregos e vivemos em casas garantidas por con­
dade do salário tem sido a queda nos salários e rendas das pessoas jovens
tratos de curto prazo; os passos de nossa vida são constantemente
sinuosos; para muitos de nós a nossa casa de infância representa nosso em relação aos mais velhos. N ão só há mais jovens em empregos pre­
único ponto de apoio... A geração que vai salvar a Grã-Bretanha não cários nos quais os salários são mais baixos de qualquer m aneira, como
pode dar a partida; enquanto isso as dívidas estão ficando maiores, os sua posição negociai está debilitada no acesso a todo tipo de emprego,
trabalhos estão ficando mais escassos, a vida está ficando mais difícil. ao mesmo tem po em que a falta de benefícios corporativos ou estatais
intensifica sua vulnerabilidade ã pobreza.
U m exemplo é o Japão, onde a m édia anual de ganhos dos traba­
Juventude: nômades urbanos lhadores com idade em torno de 20 anos caiu 14% entre 1997 e 2008.
A juventude m undial, composta por mais de um bilhão de pessoas U m relatório do M inistério da Saúde, Trabalho e Bem -Estar, em 2010,
com idade entre 15 e 25 anos, com preende a m aior grupo de juventude descobriu que 56% dos trabalhadores empregados com idade de 16 a 34
na história, com a m aioria dos jovens nos países em desenvolvimento. anos precisavam de um a segunda fonte de renda para ajudá-los a pagar
O m undo pode estar envelhecendo, mas há um a quantidade gigantesca as despesas básicas de subsistência.
de jovens por aí, com diversos m otivos para se frustrar. Em bora muitos O s jovens ficam indignados com a insegurança e querem , princi­
outros grupos acom panhem o precariado, a im agem mais com um é a palmente, seguir algum tipo de carreira. N o entanto, muitos que desejam
de jovens saindo da escola e da faculdade para entrar num a existência um a vida gratificante não se impressionam com as histórias de trabalho
precária durante anos, o que muitas vezes os torna mais frustrados porque penoso e estresse das gerações mais velhas. R ejeitam o trabalhism o dos
a geração de seus pais, aparentem ente, havia ocupado empregos estáveis. empregos estáveis de tem po integral que se estendem a perder de vista.
A juventude sempre entrou na força de trabalho em posições pre­ Nas pesquisas internacionais de opinião pública, cerca de dois terços
cárias, esperando provar seu valor e aprender. Mas, atualm ente, não é dos jovens dizem que prefeririam ser “autônom os”, trabalhar por conta

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própria em vez de ocupar um emprego. Mas os mercados de trabalho
do que as gerações anteriores. O dilema é apenas diferente e varia com
flexíveis forjados pela velha geração de políticos e por interesses comerciais
a classe. Aquelas antigas comunidades da classe trabalhadora tinham um
condenam a m aioria dos jovens a passar anos no precariado.
etos de solidariedade social reproduzido de geração a geração. Agora, elas
A juventude constitui o núcleo do precariado e terá de assumir a
são zonas do precariado, como tam bém o são os campi e as comunidades
liderança na formação de um futuro viável para si. A juventude tem sido
daqueles que os italianos cham am de alternativi.
sempre o repositório de raiva em relação ao presente e o prenuncio de
Seu enfraquecimento criou três desafios para os jovens de hoje. Eles
um am anhã melhor. Alguns analistas, como Daniel C ohen (2009, p. 28),
viram seus pais perderem o status, a renda, o orgulho e a estabilidade; não
consideram o mês de m aio de 1968 com o o ponto em que a juventude
têm modelos para imitar; e deslocam-se à deriva para dentro das armadilhas
surgiu como “ força social autônom a”. C ertam ente os baby boomers^'’ que­
da precariedade, com empregos de baixos salários intercalados a períodos
braram os planos criados pela geração de seus pais. Mas a juventude tem
de desemprego e ociosidade forçada. D entro dos bairros de baixa renda,
sido o agente de m udança ao longo da história. D e certa forma, 1968
a “ ética do trabalho” é transm itida de geração a geração (S h i l d r i c k ;
m arcou o início do precariado, com a rejeição da sociedade industrial
M a c D o n a l d ; W e b s t e r ; G a r t h w a i t e , 2010). Mas a experiência de um a
e o trabalhism o m onótono. Posteriorm ente, tendo protestado contra o existência precarizada de um a geração tam bém transm itirá atitudes e
capitalismo, os baby boomers aceitaram as pensões e outros benefícios, normas de com portam ento para a próxim a. A prim eira geração sujeita à
incluindo os produtos baratos das economias de m ercado emergentes
flexibilidade sistêmica atingiu a maioridade nos anos 1980. São seus filhos
e, então, prenunciaram a flexibilidade e a insegurança para seus suces­
que estão entrando no mercado de trabalho no início do século X X I. Ela
sores. U m diplom ado desem pregado e angustiado ( H a n k i n s o n , 2010)
não pode evitar que muitos esperem ganhar menos e tenham carreiras
escreveu: “Os baby boomers tiveram educação gratuita, casas a preços
menos bem-sucedidas que seus pais. O interessante é que, no Reino Unido,
acessíveis, pensões gordas, aposentadoria precoce e segundas residências.
o núm ero de jovens que afirm am pertencer à classe trabalhadora é maior
Nós ficamos com as prestações do financiam ento (dívida do aluno) e a
do que aqueles que julgam que seus pais pertencem a ela. Há um sentido
propriedade de um a escada com degraus podres. E o sistema financeiro
de decadência, combinado com o que eles veem à sua frente.
que tornou nossos pais ricos nos deixou escolher entre um a porcaria de
trabalho ou nenhum trabalho”.
N aturalm ente, o discurso contra a geração anterior apresenta um a Mercadorização da educação
imagem falsa; ele negligencia a classe. Apenas um a pequena m inoria dos
A m ercadorização da educação tam bém contribui para o desapon­
baby boomers do R eino U nido foi para a universidade, ao passo que hoje a
tam ento e a raiva. O em penho do sistema educacional para aprim orar o
metade de todos os que saem da escola vão para algum a forma de ensino
“capital hum ano” não produziu melhores perspectivas de emprego. U m a
superior. M uitos membros da geração mais velha sofreram a devastação da
educação vendida com o um bem de investim ento que não tem retorno
desindustrialização, e, como os mineiros, os metalúrgicos, os estivadores, os
econôm ico para a m aioria dos compradores é, de m aneira m uito simples,
impressores e tantos outros, foram postos de lado na história. E a maioria
um a fraude. Para dar um exemplo, 40% dos estudantes universitários
das mulheres carregava o fardo adicional da marginalidade econômica.
espanhóis depois de um ano de formados acham -se em empregos pouco
A interpretação intergeracional quase podia ser um a tática diversiva, pois
qualificados que não exigem suas qualificações. Esse fato só pode produzir
está de acordo com um a visão conservadora que, cuidadosamente, omite
um a pandem ia de frustração de status.
o papel da globalização ( W i l l e t t s , 2010). A juventude de hoje não é pior
A tualm ente, a m édia de ganho m onetário vitalício por cursar um a
faculdade ou universidade é substancial: 200 m il libras para os hom ens
o term o baby boom co rresp o n d e a um a definição genérica para aqueles que nasceram no R ein o U nido ( B r o w n e , 2010). A imposição de taxas elevadas pode,
d u ra n te u m a explosão p opulacional; aqui o term o se refere à explosão p o p u lac io n al que assim, parecer justa. Porém , há o risco de se m arginalizar disciplinas
aco n teceu depois da S egunda G u erra M u n d ia l. (N.T.)
universitárias que não oferecem retorno financeiro e ignoram o fato de

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que o retorno é um a média. E m um a sociedade de m ercado, o vencedor chamadas de “certificados” e “ diplom as”. As universidades tendem a
arrebata todos os mercados que proliferam ; é por essa razão que os di­ com petir, não por um ensino m elhor, mas po r oferecerem um “m odelo
ferenciais de renda têm crescido m uito além do que seria justificável em de luxo” —dorm itórios agradáveis, esportes extravagantes e instalações
term os de produtividade. U m núm ero cada vez m enor de alunos obtém de dança, além da atração de acadêmicos de renom e, famosos por reali­
os lucros de alta renda que a média produz. U m a quantidade m aior obterá zações não ligadas ao ensino.
os empregos que pagam bem abaixo da média. Simbolizando a perda dos valores do Ilum inismo, no R eino U nido,
Agora levemos em conta o que está acontecendo no m ercado de em 2009, a responsabilidade pelas universidades foi transferida do M i­
trabalho. As economias geram novos tipos de trabalho o tem po todo, nistério da Educação para o M inistério do Com ércio. O então m inistro
mas nós sabemos a direção que eles estão tom ando. Por exemplo, durante do C om ércio, lorde M andelson, justificou a transferência da seguinte
a próxim a década, menos da m etade de todos os novos empregos nos maneira: “Q uero que as universidades se concentrem mais na com er­
Estados U nidos será para pessoas graduadas ou equivalentes ( F l o r i d a , cialização dos frutos do seu esforço... o negócio tem que ser central”.
2010). Destes, com base na experiência passada, 40% podem ser ocupados A comercialização da educação em todos os níveis é global. U m a
por quem não tiver qualificações adquiridas em faculdades. Afinal, Bill empresa comercial sueca bem -sucedida está exportando um sistema de
Gates era um egresso. Assim, apenas um terço de todos os novos empregos ensino padronizado que m inim iza o contato direto entre professores e
estará disponível para pessoas jovens que com pletam o ensino superior. alunos e m onitora a ambos eletronicam ente. N o ensino superior, o ensi­
A maioria vai ser rebaixada para empregos que não exigem alto nível no sem professor e as “salas de aula sem professor” estão se proliferando
de quahficações. E a situação ainda fica pior. As pessoas vão ouvir que (G ir id h a r a d a s , 2009 ). O Instituto de Tecnologia de Massachusetts lan­
precisam se com prom eter e serem felizes e fiéis em empregos que estão çou o O pen Coursew are C onsortium , que arrola universidades ao redor
abaixo de suas qualificações, além de pagar as dívidas contraídas com a do m undo para que postem os cursos on-line gratuitam ente, incluindo
promessa de que seus diplomas seriam a garantia de empregos de alta renda. anotações de professores, vídeos e exames. O portal do iTunes oferece pa­
O Estado neoliberal vem transform ando os sistemas escolares para lestras de Berkeley, Oxford e muitas outras. A Universidade do Povo, fun­
torná-los um a parte consistente da sociedade de mercado, pressionando a dada por um em preendedor israelense, oferece ensino gratuito (sem taxa)
educação na direção da formação de “capital hum ano” e da preparação para para o grau de bacharel, por m eio do que chama de ensino peer-to-peer—
o trabalho. Isso tem sido um dos mais indecorosos aspectos da globalização. os alunos não aprendem de professores, mas de outros colegas estudantes,
Através dos tempos, a educação tem sido considerada um processo trocando perguntas e respostas on-line.
subversivo, libertador, de questionam ento, pelo qual a m ente é ajudada a Os negociantes afirm am que isso consiste em “colocar os consum i­
desenvolver as capacidades incipientes. A essência do Ilum inism o era que dores no com ando”. Scott M cNealy, presidente da Sun Microsystems e
o ser hum ano poderia m oldar o m undo e refinar a si mesmo m ediante o investidor na W estern Governors University, que oferece títulos acadêmi­
aprendizado e a deliberação. Em um a sociedade de m ercado, esse papel cos on-line, argum entou que os professores devem voltar a se posicionar
é em purrado para as margens. como “treinadores e não criadores de conteúdo”, custom izando o m ate­
O sistema de educação está sendo globalizado. E ousadam ente rial de seus alunos apenas observando o ensino superior de outros. Essa
descrito com o um a indústria, com o um a fonte de lucros e receitas de mercadorização e padronização significa baratear a educação, desnudar a
exportação, um a zona de com petitividade, com países, universidades e profissão de sua integridade e desgastar a transmissão de conhecim ento
escolas classificados por indicadores de desem penho. E difícil parodiar informal. Ela está fortalecendo o vencedor que arrebata todos os mercados
o que está acontecendo. O s adm inistradores assum iram as escolas e as e acelerando o desmantelamento de um a com unidade profissional. U m
universidades, im pondo um “m odelo de negócios” voltado para o m er­ mercado que invista em capital hum ano aum entará a ênfase nos profes­
cado. Apesar de seus padrões terem caído de form a abismai, o líder da sores e nas universidades de renom e, e favorecerá as normas e a sabedoria
“indústria” m undial é os Estados Unidos. A ideia é processar mercadorias, convencional. Os filisteus não estão nos portões; estão dentro deles.

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da com pra da últim a rodada de “qualificações”, precisam aum entar a
As instituições financeiras internacionais com o o Banco M undial
dívida para com prar a próxim a rodada, que talvez só seja suficiente para
insistem que “os currículos inadequados” sem relação com a econom ia
garantir um em prego que tornaria o investim ento total compensador.
deveriam ser excluídos. U m relatório encom endado pelo presidente fran­
O que essa loucura significa para o precariado?
cês, Nicolas Sarkozy, argum entou que a escolarização precoce deveria se
Leve em consideração o im pacto sobre as capacidades. E m seu livro
concentrar na empregabilidade, e que a econom ia deveria ser ensinada
mais vendido, Shop Class as Soulcraft (2009), M attheiv C raw ford ataca
em todas as escolas prim árias. O governo trabalhista do R ein o U nido
a Am érica por desvalorizar o trabalho qualificado. Ele argum enta que,
instou a Autoridade de Serviços Financeiros a inform ar sobre o m odo
considerando que já foram ensinadas aos alunos das escolas as habilida­
com o “ incorporar um a cultura em presarial” nas escolas. N a Itália, o
des vocacionais que lhes interessam (em “oficinas”), agora eles devem
prim eiro-m inistro Silvio Berlusconi afirm ou que tudo o que os alunos
fazer cursos que os tornem candidatos universitários competitivos. As
precisavam aprender eram os “três is” —inglese, internet, impresa (inglês,
habilidades reais estão sendo sacrificadas em função do em penho para
internet, empresa). E m vez de aprenderem sobre a cultura e a história,
adquirir mais certificados.
as crianças devem aprender a ser consum idores eficientes e pessoas que
Parte do processo de geração do precariado vem da supersimplifi-
m antêm o emprego.
cação do sistema educacional. O jogo é m axim izar os lucros por m eio
N u m esquema experim ental em quatro cidades norte-am ericanas,
da m axim ização do “rendim ento” (produtividade). N o R ein o U nido,
os estudantes são pagos para estudar. E m Dallas, os alunos da segunda
centenas de cursos universitários com financiam ento público fornecem
série recebem dois dólares por cada livro que leem; em Chicago, os alunos
qualificações acadêmicas, em bora as matérias sejam não acadêmicas. Em
do ensino m édio são pagos se tiram boas notas; em W ashington, D.C.,
2007, a Taxpayers’ Alliance identificou 401 desses “não cursos”, incluin­
os alunos do ensino fundam ental são pagos por bom com portam ento e
do um tipo de especialização em “aventura ao ar livre com filosofia”,
frequência. Alguns pais reclam aram que essa tendência está desgastando
oferecido na U niversity College Plym outh St. M ark and St. John, e um
a m otivação intrínseca para aprender ( T u r q u e , 2010). Mas o mercado
em “gestão de estilo de vida” na Leeds M etropolitan University.
continua seguindo em frente.
A m edicina alternativa tam bém vai bem . R ichard Tom kins (2009)
E ntretanto, há notícias sobre a perda da capacidade de ler, acom ­
citou 42 universidades oferecendo 84 cursos em matérias com o refle-
panhando um a síndrom e coletiva de déficit de atenção. O docum en­
xologia, aromaterapia, acupuntura e m edicina fitoterápica, incluindo 51
tário W a itingfor Superm an, de Davis G uggenheim , relatou que esta é a
cursos de Bacharelado em Ciências. Eles refletem um “O bscurantism o”,
prim eira geração de norte-am ericanos que é menos letrada do que sua
um deslocamento do pensam ento do Ilum inism o racionalista para um a
antecessora (F í a r r i s , 2010). C om o professor de inglês, M ark Bauerlein
m aneira em ocional de pensam ento associada à religião e à superstição.
disse ao N e w York Tim es ( B e r n s t e i n , 2009) que “temos taxas abismais
Na falta de evidência, os defensores da m edicina alternativa citam os
de conhecim ento cívico e de conhecim ento histórico”. D uvida-se que
testemunhos dos pacientes. E há um efeito placebo do tratam ento quando
os negociantes estejam preocupados. O conhecim ento cívico não nos
se acredita nele.
com pra um em prego, tam pouco nos torna “ felizes”.
A m ercadorização da educação superior legitim a a irracionalidade.
A técnica de m em orização pela repetição e os cursos padronizados
Q ualquer curso é aceitável se houver um a dem anda por ele, se ele puder
continuam aum entando no sistema. O economista francês Daniel Cohen
ser vendido aos consum idores dispostos a pagarem o preço. Q ualquer
declarou em tom de aprovação que “a universidade é para o novo século
pessoa pode fazer u m pseudocurso que fornece um grau credencialista
o que a empresa fordista era para o século anterior” ( C o h e n , 2009, p. 81).
"porque você o m erece”, ou seja, porque você ou seus pais podem pagar
Mas o ensino está produzindo algum a coisa sem precedentes na história.
e porque estamos aqui para lhe dar o que você quer, não o que acredita­
Estão sendo vendidas às pessoas mais e mais “credenciais” que valem cada
mos ser científico ou válido com base em gerações de conhecim ento. Os
vez menos. Os vendedores são incentivados a produzir mais, os com pra­
cursos e os exames são facilitados para m axim izar o índice de aprovação
dores são convidados a com prar mais, e se eles estão em dívida por causa
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e para evitar dissuadir os alunos de se inscreverem e pagarem taxas cada U nido, o governo disse em 2009 que planejava cortar os gastos com o
vez mais gordas. ensino superior. O sindicato dos professores universitários afirm ou que
O custo de ir para a universidade tem aumentado de m aneira mais 30 universidades poderiam fechar, com um a perda de 14 m il empregos.
rápida do que a renda pessoal, especialmente nos Estados Unidos. Entre N o entanto, o novo governo aum entou os cortes planejados e deixou
1970 e 2010, enquanto a renda familiar média aumentou 6,5 vezes, o custo claro que o ensino superior deveria se tornar ainda mais funcional em
de freqüentar um a faculdade particular aum entou 13 vezes, e o custo de term os econômicos. As artes e ciências sociais eram dispensáveis.
um a faculdade estadual aum entou 15 vezes para os alunos do Estado e 24 N o m undo inteiro, o aperto sobre os gastos estatais está facilitando
vezes para os alunos de fora do estado. O valor do dinheiro tem despen­ o crescim ento da educação comercial. A U niversity o f Phoenix, o m aior
cado. Em 1961, os alunos de tem po integral em faculdades de quatro anos “prestador de serviços educacionais” dos Estados Unidos, teve um au­
de duração estudavam, em média, 24 horas por semana; em 2010, eram m ento do núm ero total de matrículas em 2009, passando de 384 m il para
apenas 14 horas. As taxas de evasão e de adiam ento são elevadas; apenas 455 mil. N a Inglaterra, empresários e corporações estão patrocinando
40% dos alunos se graduam em quatro anos. Tanto os acadêmicos quanto “academias” escolares, o que lhes confere influência sobre o currículo e
as especializações. O plano, iniciado pelo governo trabalhista, está sendo
os alunos obtêm ganhos de curto prazo. As baixas cargas de ensino ha­
expandido pela coalizão dos partidos C onservador/Liberal Dem ocrata.
bilitam os acadêmicos a se venderem como pesquisadores por um tempo
O grupo de m ídia de R u p ert M urdoch planeja patrocinar um a escola em
mais longo, enquanto as notas escolares inflacionadas tornam mais fácil
Londres, como já está fazendo em N ova York, sem dúvida colocando em
para os alunos obter o produto de um diploma universitário. O absentismo
prática suas arm adilhas ideológicas de direita. O u tra escola de Londres
recompensa. Os professores titulares nas universidades de Ivy League, que
foi patrocinada pelos malfadados L ehm an Brothers, antes da falência
dificilmente assumem a sala de aula, agora tiram licenças sabáticas a cada
espetacular do banco em 2008.
três anos; isso costumava acontecer a cada sete anos. Eles se parecem com
Essa m ercadorização da educação é um a doença social. H á um
professores ausentes, que só cum prem com as exigências burocráticas.
preço a pagar. Se a educação é vendida com o um bem de investim ento,
N ão os culpe. Eles estão agindo de acordo com um a sociedade de
se há um suprim ento ilim itado de certificados e se isso não produz o
mercado. O sistema está erodindo a ética profissional da educação. U m
retorno prom etido, em term os de acesso a bons empregos e de renda alta
m ercado é baseado no oportunism o. O que A dam Sm ith enaltecia e o
para pagar as dívidas contraídas porque os indivíduos foram em purrados
que os economistas neoliberais pregam é o interesse próprio. Mas vários
para com prar m aior quantidade do produto, a entrada de mais pessoas
acadêmicos e professores que vivem nesse espaço de mercadorização não
no precariado será exasperada e amarga. Faz-nos lem brar do mercado
são cínicos e desonestos. M uitos ficam deprim idos e estressados quando
de limões.'^ E tam bém da velha piada soviética, na qual os trabalhadores
tentam se ajustar. O Estado neoliberal que encoraja o com portam ento
dizem “Eles fingem nos pagar, nós fingim os trabalhar”. A variante da
comercial reage à relutância dos professores para praticarem um ensino
educação seria a seguinte; “Eles fingem nos educar, nós fingimos apren­
padrão introduzindo o desem penho artificial e a auditoria de testes e
der”. Infantilizar a m ente é parte do processo, não para a elite, mas para
indicadores, ambos apoiados por sanções e penalidades. O s jovens e os
a m aioria das pessoas. Os cursos ficam mais fáceis para que os índices
professores com partilham a perda.
de aprovação sejam m axim izados. O s acadêmicos devem se conform ar
Nesse ínterim , a reação internacional ao desastre financeiro de 2008 com a situação.
havia incluído cortes para a educação estadual e um a alteração adicional
de custos sobre os alunos e suas famílias. O ex-governador da Califórnia,
A rnold Schwarzenegger, cortou um bilhão de dólares do orçam ento da A teo ria do m ercado de lim ões de G eorge A k e rlo f diz, basicam ente, que as pessoas
re d u ze m o risco de serem enganadas se pe n sa re m que todas as pessoas q u e rem , de fato,
U niversity o f Califórnia. As mensalidades subiram 20%; as equipes de
enganá-las. A teo ria refere-se ao m ercado n o qual é im possível avaliar de an te m ão a
apoio foram demitidas; os professores tiveram de tirar licença não rem u­ q u alidade de u m p ro d u to /se rv iç o e em que o v e n d ed o r tem m ais in fo rm açõ es sobre o
nerada. Suas ações repercutiram através dos Estados Unidos. E no R eino p ro d u to /se rv iç o do que o com prador. (N.T.)

114 115
Essa separação continua dentro do mercado de trabalho. Assim, a
Separação educacional [streaming schooling'\ burocracia estatal tem quatro planos de carreira; as pessoas selecionadas
para o precariado para um plano têm pouca chance de passar para outro. U m desses planos
é reservado para pessoas com um Meisterbrief, a credencial profissional
H á sinais de que sistemas educacionais mercadorizados estão sendo
mais alta. C om um sistema tão rígido, quem não consegue entrar num
reestruturados para confluírem jovens para o sistema de trabalho flexí­
plano privilegiado no início da vida deve se sentir desesperado.
vel, baseado em um a elite privilegiada, um a pequena classe trabalha­
O sistema alemão está levando sua juventude ao fracasso; os números
dora técnica e um precariado crescente. Se a indústria da educação está
comparativos compilados pela O C D E em 2001 m ostraram que os jovens
vendendo produtos, e não se espera que m uitos alunos entrem em um a
de 15 anos estavam se saindo pior do que os jovens de quase todos os
carreira profissional, há mais espaço para o fornecim ento de produtos
países industrializados. Mais de um quinto deles não conseguia ler nem
“plebeus”. U m adolescente am ante do surfe disse que estava indo para a
fazer cálculos corretamente, e muitos adolescentes deixaram de freqüentar
Plym outh University para estudar “ciência e tecnologia do surte”; o curso
a escola. Tem havido reformas em algumas partes do país, desgastando
exigia que ele “surfasse duas vezes por semana, o que é obrigatório”.
o sistema de castas entre a formação profissional e a universitária. Mas
Esses são exemplos de diplomas supersimplificados para trabalhadores
o progresso é lento. Em vez disso, a A lem anha está cam inhando rum o
supersimplificados.
à separação de três vias, em que um a parte crescente do sistema está
N a Alemanha, o famoso sistema de aprendizagem está encolhendo,
preparando a juventude para a vida no precariado.
enquanto mais jovens estão sendo em purrados para u m “sistema tran-
A separação tam bém está crescendo nos Estados U nidos. Lá, o
sicional”, isto é, escolas de apoio que raram ente produzem habilidades
treinam ento vocacional tem sido desprezado, um a vez que em bota a
sustentáveis. O treinam ento da aprendizagem é altam ente especializado
oportunidade num a idade precoce. As universidades têm sido vistas
e só pode ser fornecido por escolas aprovadas. Assar pão e fazer massas
como um cam inho para os altos salários e façanhas internacionais. Em
são disciplinas separadas; se alguém quer gerenciar um M cD onald’s,
2005, apenas um quinto dos alunos do ensino m édio estava freqüen­
deve aprender Systemgastronomie. Essas especializações estritas dificultam
tando disciplinas de form ação profissional, em com paração com um
a obtenção de em prego. E m 2005, mais de u m terço dos graduados
terço em 1982. N o entanto, a dem anda de trabalho tem m udado diante
ainda estavam desempregados um ano depois de se formar. O sistema,
dos compradores de diplomas. Aparentem ente reconhecendo esse fato,
adequado para um a era industrial, é disfuncional, a sua rigidez obriga a
o Conselho de Consultores Econôm icos do presidente O bam a propôs
produzir desajustados num a econom ia flexível.
mais diplomas universitários técnicos de dois anos; alguns estados estão
H á pressão por um a form ação geral que facilite os negócios de
retom ando a aprendizagem de ofícios e as “academias de carreira” estão
troca e dê direitos de form ação para um a gama m aior de escolas. N o
se espalhando, com binando currículo técnico e acadêmico com expe­
entanto, o sistema alemão está evoluindo para em purrar mais jovens
riência de trabalho. O presidente O bam a encorajou todos os norte-am e­
para o precariado. As crianças são separadas já aos 10 anos de idade em
ricanos a se com prom eterem com pelo menos um ano de treinam ento.
três tipos de escola secundária. O nível mais baixo, o Hauptschulen, que
As faculdades com unitárias são a nova grande esperança. U m processo
tradicionalm ente oferecia o aprendizado de ofício a novatos, tornou-se interm ediário de separação está tom ando form a, preparando jovens para
u m repositório para crianças fracas; muitas crianças que passaram por
um a vida de trabalho de nível mais baixo.
ele agora entram no sistema transicional. O sistema de aprendizagem de N o outro lado do m undo, m ilhões de pessoas estão surgindo de
ofícios atual atrai novatos das escolas de ensino fundam ental, Reaíschulen, universidades de segundo escalão para entrar no precariado chinês. A
as quais costum avam form ar trabalhadores de colarinho branco. M es­ admissão na universidade passou de um m ilhão de alunos em 2000 para
m o as principais escolas de gram ática, G ym nasien, atendem os novatos, sete m ilhões em 2010. O sistema produziu um cam inho fam iliar de
em bora devessem encam inhar os alunos para a universidade. O sistema imobilidade social ( C h a n , 2010). Q uem freqüenta boas escolas primárias
educacional está se adaptando para m oldar sua juventude.
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passa para boas escolas secundárias; as melhores universidades adm item são apreendidas por empresas de recrutam ento que fazem as checagens.
os alunos oriundos de lá. Mas a m aioria nasce em famílias pobres, vive U m a coisa leva a outra. Em geral, os jovens estão divididos entre suas
em regiões pobres, freqüenta escolas prim árias pobres e acaba em escolas aspirações, apoiados por certificados e anos de estudo, e sua necessidade
secundárias ruins, das quais as melhores universidades não aceitam alunos. de renda. Essa é a segunda arm adilha da precariedade. Eles podem as­
Desde 2006, mais de um m ilhão dos alunos graduados a cada ano sum ir um emprego tem porário porque precisam da renda para viver e
se tornaram desempregados ao deixarem a universidade. Eles têm sido para pagar a dívida. Eles não podem assumir um emprego tem porário
chamados A n t Tribe [Tribo de formigas] (Si, 2009), ou Wandering Tribe porque isso pode enfraquecer suas perspectivas de um a alternativa de
[Tribo errante], porque se m ovim entam em torno de suas redes de con­ construção de carreira. Caso recusem o em prego tem porário sem pers­
tatos ou vagueiam ao redor de seus campi num esforço desesperado para pectiva de progresso, podem ser marcados com o preguiçosos e parasitas.
m anter um a rede de apoio e incentivo. Grupos de graduados m oram Caso aceitem o emprego, podem acabar perdendo o rum o.
juntos nas periferias da cidade em habitações minúsculas. Três quartos M uito se tem discutido se os jovens de hoje têm um a atitude
deles são oriundos de áreas rurais e carecem de docum entos de registro diferente em relação ao trabalho quando comparada ã vontade de seus
de residência. Quase todos são solteiros e vivem de empregos casuais que antecessores. Eles ouvem dizer que precisam almejar mais daquilo que os
pagam baixos salários, que eles com partilham . C om base nos salários que políticos cham am de “equilíbrio entre vida e trabalho”, um chavão que
recebem , eles teriam de trabalhar durante um ano para com prar um a beira a tautologia, no sentido de que ninguém pode se im aginar desejan­
parte m inúscula de suas moradias apertadas. do um desequilíbrio entre vida e trabalho. Acredita-se que os mem bros
do que é variavelm ente chamado de Ceração Y, geração do m ilênio ou
“geração iP od” (grosso m odo, nascidos a partir de meados da década de
Armadilhas da precariedade da juventude 1980) são menos ambiciosos m aterialm ente e menos comprometidos com
H á duas arm adilhas da precariedade para os jovens que saem empregos do que os baby boomers (nascidos entre 1946-1960) ou a C era­
do ensino superior. A prim eira é a arm adilha da dívida. C onsidere ção X (nascidos entre os dois). Isto pode simplesmente refletir a natureza
que eles querem c o n stru ir identidades e carreiras profissionais, as dos empregos disponíveis para a geração mais jovem e a prevalência da
quais exigem um a estratégia de longo prazo. Saem da faculdade com arm adilha da precariedade. Por razões psicológicas e econômicas, muitos
certificados e dívidas e já en co n tram oficiais esperando com postura não podem se dar ao luxo de serem tão com prom etidos com empregos
am eaçadora para receber o pagam ento assim que recém -form ados que poderiam se evaporar a curto prazo.
com eçarem a gan h ar d in h eiro (ou m esm o que não ganhem ). M uitas Alguns estudos norte-am ericanos descobriram que a m aioria dos
pessoas acreditam que os em pregos que conseguem são tem porários jovens empregados diz que é leal a seus empregadores ( H e w l e t t et a l,
e que os salários são m u ito baixos para pagar as dívidas. O s trabalhos 2009). Mas um a pesquisa feita em duas empresas com empregados for­
não são consistentes com suas qualificações e aspirações. Eles veem mados na faculdade constatou que 89% da Ceração Y e 87% dos baby
e ouvem d izer que m ilh õ es de colegas estão presos em trabalhos boomers tam bém consideram o trabalho flexível igualm ente im portante,
nos quais suas com petências são m al ajustadas. T iveram de aceitar o e mais de dois terços queriam trabalhar rem otam ente durante algum
em prego que puderam , não o que lhes p e rm itiria c o n stru ir aquela tem po. Apenas um a pequena m inoria de um a ou outra geração se des­
preciosa identidade profissional. A arm adilha da precariedade é agra­ creveu com o “centrada no trabalho” e a m aioria não vê o trabalho como
vada porque os potenciais em pregadores podem saber das dívidas que cam inho para a felicidade. As atitudes das duas gerações foram seme­
eles têm e se preo cu p ar com sua confiabilidade. lhantes; a diferença está na realidade que as confronta. Esses estudos se
Em Tóquio, os estudantes entram na lista negra se não pagarem concentraram nas pessoas que conseguiram obter empregos assalariados,
os créditos educativos; seu acesso lim itado a empregos é ainda mais en­ as quais supostamente deveriam demonstrar um compromisso m aior com
fraquecido por terem registros de crédito duvidosos. Essas informações o emprego do que as pessoas que não conseguiram emprego nenhum .

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U m estudo no R ein o U nido (C e n t r e for W o m e n in B u s in e s s , N os Estados Unidos, os estagiários podem arrecadar auxílios de
2009) tam bém descobriu jovens profissionais professando lealdade a suas desemprego de cerca de 400 dólares por mês, contanto que possam alegar
firmas, mas essa era um a lealdade contingente, visto que a m aioria estava que estão procurando emprego. Ser um estagiário disfarça o desemprego,
pronta para m udar de emprego se não fosse promovida. Sentiam que a proporciona um emprego artificial e melhora currículos. A lei federal proíhe
confiança de seus pais em um a “organização” havia sido traída e não o uso de estagiários como substitutos de empregados regulares. Mas isso
queriam estar abertos a tal decepção. Apesar de alguns afirm arem que a é difícil de verificar. Para evitar complicações legais, algumas empresas
Grande Recessão atuou como um necessário “freio da realidade” sobre o lim itam os estágios que valem créditos para os estudantes. Assim, alguns
“ar de superioridade” da Geração Y (T u l g a n , 2009), na verdade ela terá jovens trabalhadores se inscrevem nas escolas só para terem a permissão de
reforçado o sentim ento dos jovens de que o “sistema” está contra eles. fazer estágios. Os jovens que ficaram desempregados tam hém estão se ju n ­
N o final, as armadilhas do precariado refletem uma discordância en­ tando ao mercado de estágios. Esses candidatos a estágios são aconselhados
tre as aspirações dos jovens e o sistema de formação do “capital hum ano”, a dizer que estão procurando uma mudança de carreira ou aprender alguma
que vende qualificações credencialistas num prospecto falso. A m aioria coisa nova, e nunca dizer que perderam o emprego e não têm nada para
dos empregos oferecidos não exige todos aqueles anos de escolaridade, fazer (N e e d l e m a n , 2009). Tudo é particularm ente triste e sem esperança.
e apresentar a escolaridade com o algo que form a pessoas para empregos Os estágios m overam -se furtivam ente para dentro da política do
é criar tensões e frustrações que abrirão cam inho para a desilusão. m ercado de trabalho. O Plano de Estágio Adm inistrativo na C oreia do
Sul, criado em 2008, oferece trabalho tem porário para os graduados,
que são colocados com o estagiários nos departam entos governam entais
A moda do estagiário ou órgãos públicos por até 11 meses. Os estagiários não são reconheci­
E nquanto isso, está se espalhando um a nova form a de trabalho dos como funcionários públicos, não são cobertos pela Lei de N orm as
precariado especialmente designada para a juventude. O emprego proba­ Trabalhistas (Labour Standard Act) ou pela Lei O ficial do G overno
tório à m oda antiga, pelo menos em principio, levou a empregos estáveis, (G overnm ent Official Act), estão proibidos de serem empregados como
com o aconteceu com a aprendizagem de ofícios. Os estágios não. Eles funcionários públicos depois de estarem no program a, não podem ser
são apresentados com o um a form a de ganhar experiência útil destinada convertidos em empregados de tem po integral e recebem pagam ento
a fornecer, direta ou indiretam ente, um a entrada potencial para um abaixo do salário m ínim o. Podem receber treinam ento de empregado,
emprego regular. N a prática, eles são usados por muitos empregadores especialm ente treinam ento rem oto, mas com o a m aioria faz estágios
com o um m eio de obter trabalho dispensável barato. N o entanto, os com duração de cinco meses, e não os onze meses estipulados como
jovens estão com petindo ferozmente por esses estágios não rem unerados lim ite m áxim o, esse treinam ento é lim itado. Em um a pesquisa, apenas
ou com rem uneração m uito baixa, na esperança de se ocuparem , ad­ 8% disseram que o estágio lhes deu algum a chance de desenvolverem
quirirem habilidades e experiência, expandirem redes e, apenas talvez, habilidades profissionais.
obterem esse emprego enganoso. N o R eino U nido, os estagiários vêm principalm ente de famílias da
Os estágios estão se tornando um rite de passage para a juventude classe média, que podem se dar ao luxo de apoiar suas proles na busca de
da classe m édia em alguns países. Os Estados Unidos têm até “estagiá­ um pouco de acréscimo aos seus currículos e de um cam inho para um
rios virtuais”, que trabalham rem otam ente para um a ou mais empresas, trabalho real. H ouve até mesmo leilões para estágios na m ídia e outros
fazendo pesquisa, vendas por telefone, m arketing, desenvolvimento de setores privilegiados, um a vez que a “experiência de trabalho” não paga
design gráfico ou de m ídia social. Enquanto os alunos são expostos a ou paga é cada vez mais necessária para o acesso a “empregos decentes”.
esferas potenciais de trabalho futuro e podem trabalhar quando é con­ Em bora seja contra a lei em pregar alguém sem lhe pagar nada, isso é o
veniente, as potenciais desvantagens incluem o isolamento e a ausência que acontece com os estagiários. U m caso judicial de 2009 (Nicola Vetta
de rede de comunicação. contra London Dreams) estabeleceu que um a estagiária tinha o direito ao

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salário m ínim o nacional, mesmo que ela houvesse concordado em tra­ trabalhadores atuais, para as pensões dos trabalhadores de ontem . C om o
balhar para a empresa de cinem a na base de “apenas despesas”. A questão os custos dessa operação estão se elevando, principalm ente por causa dos
legal era que ninguém poderia “concordar” com um acordo ilegal. Mas idosos, o Estado está aum entando as contribuições que os trabalhadores
isso está acontecendo o tem po todo. devem pagar atualm ente e está aum entando a idade m ínim a para que os
Os estágios são um a ameaça para os jovens que estão no precariado atuais empregados com ecem a obter um a pensão. Para tornar o acordo
e em torno dele. M esm o que haja um pagam ento, os estagiários estão ainda m enos atraente para os empregados dos dias de hoje, o Estado
fazendo um trabalho barato sem perspectiva de progresso, que pressiona está cortando o valor real da futura pensão estatal. E os trabalhadores
para baixo os salários e as oportunidades de outros que norm alm ente do m om ento são inform ados de que devem suportar mais o risco, por
poderiam ser empregados. U m estágio pode até proporcionar vantagem terem mais de suas contribuições colocadas em regimes de contribuição
para uns poucos jovens na hora de concorrer a um cargo, porém ele é definidos (ou seja, em vez de ter um nível garantido de pensão, as contri­
mais com o com prar um bilhete de loteria, nesse caso envolvendo um buições são colocadas em fundos de investim ento que podem aum entar
subsídio privado, em geral pago pela fam ília do estagiário. ou dim inuir em valor). M uitas vezes os trabalhadores são obrigados a
Por fim , seria um erro pensar que os estagiários são apenas um a contribuir em fundos de pensões que fazem investim entos em seu nom e,
característica dos países ricos e dos jovens da classe média. D eixando de sejam esses fundos com petentes ou não para fazer isso.
lado a Coreia do Sul, eles tam bém estão m uito difundidos na China. Uma
greve na m aior fábrica de transmissão da H onda em Foshan revelou que
Á ausência de voz e a recessão p ó s-2 0 0 8
os estagiários representam um terço de todos os empregados, refletindo
u m uso generalizado de estudantes e trabalhadores tem porários na m a­ Os jovens estão entrando nos mercados de trabalho bastante con­
nufatura chinesa (M it c h e l l , 2010). C om o em todos os outros lugares, fusos, muitos experim entando um estado de frustração, sentindo-se eco­
os estagiários são um substituto precariado para o emprego regular. nom icamente inseguros e incapazes de ver como construir um a carreira.
Sua situação desagradável em muitos países é agravada pelo desemprego.
O desastre financeiro atinge duram ente a juventude. M ilhões de jovens
A tensão geracional perderam o emprego, outros m ilhões não podiam entrar no mercado de
N os países industrializados, os jovens entram n u m m ercado de trabalho, e aqueles que conseguiram acabaram descobrindo que tinham
trabalho em que terão de fazer crescentes contribuições de seus baixos salários mais baixos do que os de seus antecessores. Em 2010, o desemprego
salários para financiar a renda de aposentadoria do núm ero ascendente dos jovens (com idades entre 16 e 24 anos) na Espanha foi de mais de 40%,
de pensionistas. O s dados demográficos são desanimadores. N o Japão, na Irlanda, 28%, na Itália, 27%, na Grécia, 25%. A taxa de desemprego
onde a tendência de envelhecim ento é mais avançada, o núm ero de entre os adolescentes norte-am ericanos era de desconcertantes 52%. Em
trabalhadores necessário para sustentar cada aposentado caiu de dez, todo o m undo, o núm ero de jovens que saíram da força de trabalho era três
em 1950, para quatro, em 2000, e deverá cair para dois em 2025. Nada vezes m aior do que o núm ero de adultos. M uitos voltaram ou tentaram
m enos do que 70% do orçam ento de previdência social do país vai para voltar para o ensino superior, intensificando a espiral das “qualificações”
os idosos e apenas 4% para a assistência à infância (K in g s t o n , 2010). que passavam, assim, a exceder as exigências para os empregos disponíveis.
Vamos considerar o que está acontecendo com os idosos posteriorm ente. N o Japão, a crise acelerou a m udança dos jovens para o precariado
Preocupa-nos aqui a form a com o isso afeta a juventude. na m edida em que as companhias congelaram o ingresso inicial para as
A juventude do século X X I precisa buscar cada vez mais qualifica­ posições assalariadas de executivo qualificado. Tradicionalm ente, os li­
ções, a um alto custo, a fim de ter um a baixa probabilidade de conquistar cenciados das universidades surgiam em m arço de cada ano para começar
um ponto de entrada na carreira - um a m iragem distante para muitos. um trabalho assalariado que os preparasse para um emprego vitalício.
A lém disso, m esm o que tenha êxito, ela pagará contribuições, com o os H ouve u m congelam ento parcial durante a recessão no início dos anos

122 123
1990, mas depois de 2008 o congelam ento se am pliou. E m 2010, mais Perspectivas sombrias
de um em cada cinco alunos graduados não tinha qualquer oferta de
A ju v en tu d e tem um a com binação de desafios. Para m uitos, a
em prego. O m odelo assalariado havia desm oronado. Q uase m etade de
precariedade é um a arm adilha que lhes acena. Para outros tantos, a
todas as grandes e médias empresas disse que não tin h a a intenção de
exposição a um sistema de educação m ercadorizado leva a um período
contratar nenhum em pregado regular. O s graduados devem se ajustar a
de frustração de status. E nquanto para alguns um curto período de ação
novas perspectivas de vida, na m edida em que os empregadores crescem
no precariado pode ser um interlúdio entre a educação e a entrada no
mais confortáveis com o abandono das norm as vitalícias do salaryman.
m undo do assalariado rico ou mesmo na elite, para a m aioria, o futuro
A confusão dos jovens no m ercado de trabalho tem sido agravada
promete um fluxo de empregos temporários, sem qualquer perspectiva de
po r sua alienação do principal m ecanism o para o desabafo da frustração
desenvolvimento de um a carreira profissional. Para um núm ero crescente
e o exercício da Voz na negociação de um futuro menos precarizado. O
de jovens, o desafio significa ser treinado em “em pregabilidade” para se
fortalecim ento de direitos para os empregados regulares —conquista dos
tornarem apresentáveis e flexíveis em qualquer pluralidade de cam inhos,
sindicatos e dos m ovim entos sociais dem ocráticos do século X X - tem
sendo que nenhum deles corresponde ao que eles realm ente querem .
levado o precariado jovem a hostilizar os sindicatos por considerarem
Para alguns, o desafio é demasiado. U m a reação ao choque entre a
que estes são protetores dos privilégios dos funcionários mais antigos,
educação e a perspectiva de empregos precários é a opção pela busca de
privilégios que não podem antecipar para si mesmos. E m antigos ba­
empregos no geral, tornando-se o que os observadores italianos apelida­
luartes do sindicalism o, com o a Espanha e a Itália, os jovens rejeitam
fortem ente os sindicatos. Para ser justo, os sindicatos têm lutado para que ram de alternativi ou cognitariat, que levam um a vida de boêm ia que troca
os benefícios se estendam aos empregados tem porários. Mas não podem a segurança por um a vida de criatividade e autonom ia (F l o r id a , 2003,
conseguir isso. Veem os salários declinando e os em pregos indo para p. 35). Isso só é possível para poucos e significa um a barganha faustiana,
outros lugares, corroendo ainda mais a sua legitim idade —tanto assim em que o preço da liberdade e da emoção é cobrado mais tarde, na falta
que os políticos social-dem ocratas encontraram expedientes para se de um a pensão ou de outros confortos materiais. Isso, no entanto, chama
distanciar deles. Até mesmo os líderes sindicais estão perdidos. R ichard a atenção de muitas pessoas.
T rum ka, ao ser eleito presidente da A F L -C IO (Federação A m ericana W arren Buffett tinha um a teoria da bola de neve. Q uanto mais
do Trabalho e Congresso de O rganizações Industriais - T he A m erican cedo puderm os definir nossas aptidões e ambições, mais tem po teremos
Federation o f Labor and Congress o f Industrial Organizations) em 2010, para deixá-las rolar, acum ulando tam anho e poder. Se os prim eiros anos
adm itiu que quando os jovens “olham para os sindicatos, m uitas vezes preciosos são gastos tateando por ai em empregos precários, a capacidade
o que eles veem é um resíduo da econom ia dos pais”. de se desenvolver será perm anentem ente prejudicada. E isso que pode
O s jovens de hoje acham difícil form ar associações coletivas no tornar o jovem mais irritado. A perspectiva da insegurança persistente
processo de produção, de certa form a porque eles fazem parte da força se acomoda desconfortavelm ente com um sentim ento de que ela é in­
de trabalho flexível, ocupando em pregos tem porários, trabalhando ventada, não necessária.
rem otam ente e assim por diante. A ju v en tu d e abrange a m aior parte Eis o resum o disso. A parte jovem do precariado está protestando
dos nôm ades urbanos do m undo, correndo de um lugar público para contra o escurecim ento da luz da educação e contra a mercadorização da
o utro, de cibercafés para qualquer o u tro lugar que funcione tanto vida, em que há um choque entre um processo educacional comercial e
com o local de trabalho quanto com o local de diversão. Por essa razão, os empregos alienantes, que parecem estar abaixo das qualificações que
D elfanti Alessandro, da San Precário C onnection, disse: “Nossa gera­ os jovens devem ter. Eles com partilham um a visão da vida equivalente
ção perdeu o direito de exercer o conflito dentro da esfera produtiva” à revelação de u m dram a de frustração de status, ainda que rejeitem a
(JO H A L , 2010). Isso é verdade, mas a ju v en tu d e precisa de algum tipo m onotonia do trabalhism o que foi a sina da geração de seus pais. Há
de voz coletiva. algumas reconsiderações a serem feitas.

124 125
Idosos: groaners e grinners países industrializados, as pensões compulsórias, líquidas de impostos e
contribuições para a previdência social, atingiram a m édia de 70% dos
O m undo está “envelhecendo” - um a ideia inquietante que se
lucros líquidos anteriores e mais de 80% para os salários mais baixos.
tornou parte de nosso vocabulário. Pode-se descrever o mesmo processo
N os Países Baixos, em 2005, a pensão m édia líquida ultrapassou os sa­
com o “rejuvenescim ento”, pois em bora as pessoas estejam vivendo mais
lários m édios líquidos; na Espanha, a m édia foi mais de 80%; na Itália,
e a quota da população nas faixas etárias mais idosas esteja aum entando,
na Suécia, no C anadá e na França, mais de 60%; na A lem anha e nos
mais pessoas “ idosas” são ativas e vigorosas por mais tem po. E com um
Estados Unidos, aproxim adam ente 60%. Somente no R ein o U nido e no
ouvir que as pessoas de 70 anos de hoje são as de 50 anos de ontem .
Japão, entre os principais países da O C D E , a m édia perm aneceu abaixo
Isso pode ser u m pensam ento ilusório para alguns, mas, em linhas
de 50%, A pensão estatal do R ein o U nido caiu para um nível tão baixo
gerais, está correto.
que a conexão com os ganhos cortados pelo governo T hatcher está sendo
E nquanto os jovens estão tendo problemas para com eçar um a vida
restaurada desde 2012.
viável, os idosos estão confusos, alguns de um a form a agradável, alguns
O que assusta os políticos e os analistas de fundos de pensão é um
de um a m aneira ignóbil. Depois de décadas sendo inform ados de que
aspecto m eram ente aritm ético. A parcela da população m undial com
não eram desejados, apaziguados em aposentadoria precoce nas recessões,
65 anos ou mais vai dobrar entre 2010 e 2040 para 14%. N a Europa
agora estão sendo inform ados de que devem trabalhar p o r mais tempo.
O cidental, a menos que as com portas de m igração sejam abertas, essa
N a prim eira recessão da era neoliberal, no com eço dos anos 1980,
parcela aum entará de 18% para mais de 28%. Em 2050, um quinto dos
o governo dos países ricos im peliram os idosos para dentro da escuridão
nove bilhões de habitantes do m undo terá mais de 60 anos de idade, e
econôm ica, consolando-os com benefícios por incapacidade, m esm o
nos países ricos atuais essa fração será de um terço. A proxim adam ente
que m uitos não fossem incapacitados, ou com benefícios especiais de
um a em cada 10 pessoas vai ter mais de 80 anos. Os países em desenvol­
desemprego, ou ainda com a aposentadoria precoce. O objetivo era liberar
vim ento já têm 490 m ilhões de pessoas com idade superior a 60 anos;
empregos para os jovens. Porém , em bora isso parecesse inteligente para
esse núm ero subirá para 1,5 bilhões em 2050. As Nações Unidas estimam
os políticos da época, a política foi um fracasso dispendioso. O principal
que, globalm ente, a expectativa de vida ao nascer passará de 68 anos em
resultado foi que a idade efetiva para a aposentadoria se precipitou abaixo
2010 para 76 anos em 2050, e nos países ricos ela passará de 77 para 83
da idade oficial. E m 2004, nos países da O C D E , apenas 60% das pessoas
anos. E haverá m uito mais m ulheres idosas, um a vez que, em m édia, elas
com idade entre 50 e 64 anos estavam trabalhando, em comparação com
vivem acim a de cinco anos a mais do que os homens.
os 76% daqueles com idades entre 24 e 49 anos.
O utros políticos são ainda mais otimistas em relação ã longevidade.
Nesse m eio tem po, nos países ricos, as m ulheres jovens pararam
Calculam que a tendência de aum ento de longo prazo é de cerca de três
de ter bebês; a taxa de fertilidade caiu abaixo da taxa de reprodução. D e
meses por ano, de m odo que, em 2050, a expectativa de vida nos países
repente, os governos ficaram alarmados com a “ bom ba-relógio da pen­
de alta longevidade será bem mais de 90 anos. Isso está acontecendo
são”, visto que o núm ero que se aproximava da idade da aposentadoria
com a crescente capacidade de ser um indivíduo ativo. A incapacidade
excedia o núm ero de trabalhadores jovens que entrava no mercado de
entre aqueles indivíduos com idade acima de 65 anos dim inuiu, e tem
trabalho e que poderia contribuir para os regimes de pensões. U m a crise
havido um a compressão da m orbidade no últim o ano de vida. Portanto,
estava se construindo.
vai haver m uito mais idosos ativos por toda parte.
O problem a é que as pensões não foram projetadas para o que está
Á lenta morte das pensões se desenrolando no século X X L Q uando os Estados Unidos introduziram
A era das pensões era a m aravilha do m undo m oderno, mesmo em 1935 seu plano de Seguro Social (pensão do Estado) para evitar a
que tenha sobrevivido por apenas um a m inúscula fração de tem po na pobreza da velhice, a idade de aposentadoria era de 65 anos, enquanto a
história. Ela fez parte da desilusão da globalização. Por alguns anos, nos expectativa de vida m édia era de 62 anos. Desde então, a expectativa de

126 127
vida aum entou para 78 anos. E m 1983, os Estados U nidos legislaram no para obter o direito a um a pensão do Estado subiu, e o núm ero de anos
sentido de a u m e n ta r aos poucos a idade da aposentadoria para 67 anos necessários para receber um a pensão integral aum entou ainda mais. Em
até 2027. Mas isso significa que a promessa de pensões vai continuar a alguns países, especialm ente na Escandinávia, a idade legal de aposen­
cobrir muitos anos mais de aposentadoria do que na década de 1930, a tadoria para a elegibilidade a um a pensão do Estado agora é vinculada ã
m enos que haja mais alterações. Haverá. Processos semelhantes deverão expectativa de vida, para que o acesso a esse benefício dim inua, um a vez
acontecer em todos os países ricos. que as pessoas, em m édia, vivem mais e a longevidade tende a aum entar
O principal fator de nossa análise é que, em média, as pessoas p o ­ com cada avanço revolucionário da m edicina.
dem passar um tem po m uito longo em aposentadoria nom inal. A O C D E Isso eqüivale a cortar pela raiz o velho pacto social. Mas o quadro
calculou que, em 2007, nos seus países-membros, os hom ens poderiam é ainda mais complexo, pois enquanto os governos estão convencidos de
antecipar a aposentadoria em 14 a 24 anos, e as m ulheres, em 21 a 28 que estão em dificuldade fiscal com as pensões, estão preocupados com o
anos. Esse valor era 50% m aior do que em 1970 e foi subestimado ao usar efeito do envelhecim ento na oferta de m ão de obra. Por mais bizarro que
o cálculo da expectativa de vida em 2007 em vez de usá-la no futuro. possa parecer no m eio de um a recessão, os governos estão procurando
A situação é financeiram ente insustentável. maneiras de m anter os trabalhadores mais velhos na força de trabalho
D e acordo com o FM I, o custo do choque financeiro será tolhido em vez de deixá-los depender de um a pensão, porque acham que haverá
pelo custo da “crise do envelhecim ento”. Seu cálculo é baseado nas pres­ um a escassez de trabalhadores. Q ue m elhor m aneira de superar isso do
sões dos atuais fundos de pensão, num a continuação do atual padrão de que tornar mais fácil a entrada dos idosos no precariado?
participação da força de trabalho e na taxa crescente de “ dependência na
velhice” —o núm ero de pessoas com idade entre 15-64 anos dividido pelo
Da aposentadoria antecipada para a aposentadoria laborai
núm ero de pessoas com idade de 65 anos ou mais. N a U nião Européia,
essa taxa cairá de quatro para dois em 2040. De m odo que, enquanto Aqui, os estrategistas políticos têm um a porta aberta para atuar.
hoje são necessárias as contribuições de quatro trabalhadores para suportar Pelo fato de mais empregos serem de caráter precário, os idosos estão
um pensionista, esse núm ero cairá para apenas dois. O desafio é ainda em melhores posições para ocupá-los, e com o há mais idosos em toda
m aior, um a vez que nem todas as pessoas com idades entre 15 e 64 anos parte, mais empregos são colocados no precariado. Isso está revertendo
estão na força de trabalho. Levando isso em conta, a taxa de dependência um a tendência de longo alcance.
da velhice está definida para cair de pouco menos de três para pouco O R e in o U nido é u m bom exemplo. Les M ayhew (2009) obser­
menos de 1,5. Grosso m odo, espera-se que cada três pessoas na força de vou que a proporção de pessoas na força de trabalho caiu nitidam ente
trabalho suportem duas pessoas com mais de 65 anos de idade, se todas depois da idade de 50 anos - aproxim adam ente quando tem início a
elas estiverem aposentadas com direito à pensão. elegibilidade para a pensão privada. N a idade de 54 anos, m enos da
Isso não vai acontecer. E a ideia de aposentadoria que vai desapa­ m etade dos hom ens e menos de um terço das m ulheres realiza atividade
recer, juntam ente com a pensão, que antes era adequada para um a era laborai. A m aioria deles é saudável e a saúde das pessoas de 50 a 70 anos
industrial. A reação ã crise fiscal tem sido reverter os antigos regimes de está m elhorando o tem po todo. Q uanto mais saudável e mais educada é
aposentadoria e os benefícios relacionados com a incapacidade por idade a pessoa nessa faixa etária, m aior a probabilidade de um idoso ser eco­
para reduzir as pensões estatais e para recuar a idade em que as pessoas nom icam ente ativo. M ayhew estim ou que, em média, as pessoas já são
podem reivindicar um a pensão do Estado e a idade em que podem rei­ saudáveis o suficiente para continuarem a trabalhar por 11 anos além da
vindicar um a pensão integral do Estado. As taxas de contribuição estão idade prevista atualm ente para a aposentadoria estatal, que é de 65 anos.
sendo elevadas e a idade em que as pessoas podem receber um a pensão O conjunto de idosos capazes de trabalhar é enorm e.
aum entou, mais para as m ulheres do que para os hom ens, a fim de se M uitos já estão fazendo isso, geralmente sem registro algum. Muitos
chegar à igualdade entre ambos. O núm ero de anos de contribuições estão firm em ente situados dentro do precariado. N a verdade, os idosos

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se tom aram um a força propulsora do seu crescimento. Tom aram -se uma e tom ando mais difícil conseguir a aposentadoria antecipada. M uitos
fonte de trabalho barato, pago com salários baixos, recebem poucos be­ idosos postergaram a ideia da aposentadoria porque suas poupanças foram
nefícios e são facilmente demitidos. Em alguns aspectos, desem penham atingidas pela crise financeira.
papéis semelhantes aos dos migrantes, dos quais falaremos adiante. Em D e forma significativa, na recessão pós-2008, o emprego dos idosos
outros aspectos isso não acontece, um a vez que mais pessoas certam ente não dim inuiu tanto quanto o emprego dos jovens. N os Estados Unidos,
recebem com agrado um a existência precariada, no sentido estrito do a oferta de trabalho para idosos aum entou, em parte devido ao desgaste
term o. Muitas vezes são gratos apenas por serem queridos. U m grande das pensões. U m a pesquisa m ostrou que 44% dos entrevistados com mais
núm ero deles já trabalha com o voluntários. A organização ativista para de 50 anos planejavam adiar sua aposentadoria, metade deles pretendia
os idosos. Age C oncem , estimou que, sob esse pretexto, eles contribuem perm anecer na força de trabalho por três anos a mais do que era esperado
com três bilhões de libras anuais para a economia do R ein o U nido, a qual anteriormente. Mais de um quarto da força de trabalho dos Estados Unidos
não leva em conta o trabalho de seus avós (e, em um núm ero crescente tem mais de 55 anos, de m odo que isso impUca um aum ento substancial
de casos, o trabalho parental). na força de trabalho de idosos. D e acordo com pesquisas anuais do Em -
Os idosos são atraídos para as atividades de tem po parcial, tem porá­ ploym ent Benefit Research Institute, a m udança tem sido dramática. Em
ria e de trabalho autônom o. As pesquisas de opinião púbhca nos Estados 2007, 17% planejavam se aposentar antes da idade de 60 anos; em 2009,
Unidos e na Europa descobriram que, exceto na França e na Alemanha, apenas 9% o fizeram. O índice daqueles que planejavam se aposentar
enquanto a maioria dos baby boomers é a favor de trabalhar por mais tem po entre 60 e 65 anos tam bém caiu; o daqueles que planejavam se aposentar
para obter um a pensão maior, a m aior parte das pessoas quer empregos após 65 subiu de 24% para 31%; e o dos que não esperavam se aposentar
de tem po parcial. E uma pesquisa da Eurobarom eter, de 2007, descobriu de m odo algum saltou de 11% para 20%. Q ue m udança de perspectiva
que 61% dos norte-am ericanos prefeririam ser autônom os a ocupar um mental isso representa! Não é o clássico efeito “trabalhador secundário” ,
emprego. Em bora os europeus com idade inferior a 24 anos estivessem como foi a norm a em cada recessão do século X X . E algo novo.
quase tão entusiasmados com essa relativa liberdade e admissão de risco do O envelhecim ento está produzindo desafios inoportunos para as
trabalho autônom o, os europeus mais velhos estavam hgeiramente mais relações entre as gerações. N a sociedade industrial, os jovens adultos eram
inclinados a preferir o emprego. N o entanto, as diferenças de idade enco­ os responsáveis pelas necessidades de seus filhos e não estavam preocupados
briam as diferenças nacionais. Cerca de 57% dos portugueses prefeririam com os pais porque eles estavam mortos, ou porque não se esperava que
o trabalho autônom o, em comparação com 30% dos belgas. vivessem m uito tem po, ou porque os pais não faziam muitas exigências
H á um apoio crescente às poKticas que tom am mais fácil para os se continuassem vivos. H oje em dia, mais jovens, experim entando uma
idosos estarem no mercado de trabalho após a idade da aposentadoria. vida no precariado, não podem considerar a possibiUdade de sustentar os
Ambos, o jo v em e o velho, encaram isso positivam ente, apesar de as pais, especialmente se levarem em conta que isso pode continuar sendo
atitudes variarem entre diferentes países. Quase nove em cada dez pes­ necessário po r m uitos anos. Além disso, po r causa da gravidez tardia,
soas no R ein o U nido, Dinamarca, Finlândia e Países Baixos disseram essa perspectiva é ainda mais assustadora diante da ideia de que os jovens
ao Eurobarom eter que as pessoas mais velhas deveriam ser ajudadas para estariam sustentando os filhos e os pais idosos ao mesmo tem po.
encontrar trabalho se assim o quisessem. Por outro lado, 55% dos gregos Assim, os idosos estão perdendo a possibüidade de serem sustentados
se opunham ao trabalho do idoso, e na Grécia, Chipre, Hungria, Itália e por seus filhos. Isso os em purra cada vez mais para a força de trabalho,
Portugal, a maioria das pessoas ouvidas achava que os idosos tirariam os para se tom arem , voluntariamente, parte do precariado. Mas o Estado não
empregos dos jovens. permanece neutro diante desse quadro. U m a geração mais velha privada
N a recessão pós-2008, os governos fizeram o contrário do que do apoio familiar pode se tornar um fardo fiscal. Assim, alguns governos
haviam feito nos anos 1980, encorajando os idosos a continuar no m er­ estão se recusando a tolerar essa perspectiva. A Chíndia está assumindo a
cado de trabalho por m eio da restrição dos benefícios por incapacidade liderança. N a China, como na índia, uma lei aprovada em 1996 determina

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que cuidar dos pais é obrigação legal dos adultos. Ao formalizar uma antiga concentrar de maneira adequada em qualquer outra coisa. Então co­
tradição confucionista, o Estado revelou que a tradição estava sujeita ao m ecei a perceber p o r que ele ama tanto esse trabalho. N ão tem nada
estresse. O tem or é que um a regra “4 -2 -1 ” se dissemine, com uma prole a ver com o quanto é b om ser carteiro, em term os absolutos, mas sim
com o quanto é bom em relação a ser um gerente sênior. Ele gosta
tendo a responsabilidade de apoiar dois pais e quatro avós. Além disso,
de carregar aquela bolsa grande, porque sabe qual é a alternativa. Ele
as pessoas estão achando mais difícil viver em um a unidade trigeracional
sabe com o é terrível passar a vida profissional tentando levar as pessoas
po r causa da m obüidade geográfica.
a fazer coisas que não querem fazer e se responsabilizar por coisas que
E m outros países, o Estado deposita mais esperança nos idosos
não se pode mudar.
“viáveis” que cuidam de idosos frágeis e em um m aior núm ero de m u­
lheres que aceitam a carga tripla de cuidar do filho, do ancião e do traba­ Muitos idosos se identificariam com isso, até mesmo para se sentirem
lho rem unerado, usando assistentes sociais e instituições cuidadoras para satisfeitos em fazer algo que não tem carreira. Eles assumem empregos
preencher a lacuna. tem porários nos quais, deliberadam ente, subutüizam suas capacidades
técnicas e experiência. Desse m odo, podem ser concorrentes sem pre­
cedentes para os trabalhadores mais jovens que tentam ascender num a
Á geração subsidiada escala profissional.
O precariado está sendo impulsionado por idosos que não têm inte­ Entretanto, os groaners não têm um a pensão com a qual possam se
resse em construir um a carreira ou em garantia de vínculo empregatício empolgar, pagam financiam ento de im óvel ou simplesmente não têm
de longo prazo. Isso os tom a um a ameaça para os jovens e outras pessoas casa. Precisam de dinheiro; tem em andar pela rua com o “m endiga” ou
que se encontram no precariado, um a vez que os idosos podem assumir “m endigo” . Seu desespero os tom a um a ameaça para outros indivíduos
facilmente empregos de baixo salário e sem perspectiva de progresso. que estão no precariado, uma vez que vão aceitar qualquer coisa que
Eles não se fhistram pelo núm ero reduzido de carreiras com o os jovens apareça. E, quer sejam o u grinners, os idosos estão sendo ajudados
se frustrariam. Mas os idosos tam bém podem ser grinners ou groaners. a com petir com os jovens no precariado, na medida em que os governos
Os grinners querem apenas alguma coisa para fazer. Eles têm uma reagem à combinação da crise de pensão com a percepção de que, no
pensão com a qual podem contar, os financiamentos habitacionais estão longo prazo, haverá um a escassez de trabalho.
quitados, o seguro-saúde está coberto e os filhos já saíram de casa, talvez Primeiro, os governos estão oferecendo subsídios para investimentos
até estejam disponíveis para ajudá-los ou lhes dar apoio financeiro, ou é de pensão privados (e alguns púbUcos). T em endo espiralar os custos da
isso o que eles esperam. M uitos deles procuram e acham aquele üusório pensão, os governos introduziram incentivos fiscais para poupanças priva­
“equilíbrio entre vida e trabalho” . das de pensão. Os incentivos são desiguais, com o a maioria dos subsídios.
O equilíbrio norm alm ente é visto pelos casais jovens com filhos São um subom o para quem pode se dar ao luxo de fazer o que é de seu
com o algo com que devem se preocupar. Mas outros fatores são igual­ interesse a longo prazo. D o ponto de vista da equidade, são difíceis de
m ente poderosos entre os idosos. Lucy KeUaw^ay ficou intrigada quando justificar. O subsídio perm ite que os idosos concorram de maneira mais
um ex-diretor de m arketing de 56 anos de idade disse a ela que havia se eficaz com os trabalhadores mais jovens. As pessoas que estão na faixa dos
tom ado carteiro: 50 e 60 anos se beneficiam da renda de pensão oriunda de seus programas
Mas, em seguida, ele disse algo que fazia mais sentido. Seu novo subsidiados, e p or isso podem assumir empregos com salários mais baixos,
trabalho Uie perm itiu recuperar a m ente. Q uando ele vai para casa a sem contribuições previdenciárias dos empregadores. Além disso, estarão
um a hora da tarde todos os dias, não tem que pensar no trabalho até mais inchnados a trabalhar “sem registro” .
às sete e m eia da m anhã do dia seguinte. E m seu antigo em prego, as Em segundo lugar, os governos estão encorajando as empresas a
preocupações do escritório ocupavam perm anentem ente sua cabeça, m anterem em seus quadros os empregados mais velhos e até mesmo a
to m a n d o suas sinapses irregulares demais para que conseguisse se recrutá-los. Alguns governos tam bém oferecem subsídios para isso. N o

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Japão, trabalhar por renda quando se está bem além da idade da aposen­ pessoas com longa exposição a um a existência precariada não adquirem,
tadoria está se tom ando uma norma. Porém , empresas com o a Hitachi, dando-lhes um a vantagem em muitos empregos no setor de serviços.
auxihadas por um subsídio do governo, estão recontratando muitos dos Decididam ente, os idosos são subsidiados por não precisarem de
funcionários que atingem a idade de 60 anos pagando-lhes salários mais vários benefícios corporativos que os jovens desejam. Eles não precisam
baixos (no caso da Hitachi, 80% do salário normal), com baixo status e da promessa de licença maternidade, creches, seguro saúde, subsídios de
sem a antiguidade de tem po de serviço. moradia, títulos de clubes esportivos, etc. Assim, pelo fato de custarem
Em terceiro lugar, os idosos são uma das últimas fronteiras para a menos, os idosos estão desgastando as condições de negociação dos jovens.
regulamentação de proteção. Por causa de imagens formadas na sociedade Nos Estados Unidos, as corporações estão conseguindo pré-aposentar
industrial, a discriminação de idade ainda é m uito comum. Os estrategistas os baby boomers, oferecendo incentivos para induzi-los a trabalhar mais
poHticos estão combatendo isso. Tudo começou com a lei norte-americana ou para tirarem vantagem dos incentivos fiscais. Por exemplo, a Cisco
de discriminação etária no emprego [Age Discrimination in Employm ent A ct), Systems, fabricante de equipamentos de comunicação, tem conectado a
de 1967, que foi projetada para proporcionar igualdade de oportunidades sua elegantemente chamada “rede de líderes mais antigos” (empregados
para pessoas maiores de 40 anos. Mais tarde, a lei foi emendada de m odo pré-aposentados) com a sua “rede de nova contratação” (um eufemismo
que as empresas podiam definir a idade de aposentadoria obrigatória para menos impressionante) para incentivar a transferência de conhecim ento
a maioria dos empregos. N a França, o governo impôs um imposto —a entre elas. Isso significa induzir mais trabalho por tarefa por parte dos
contribuição Delalande, no valor de até um ano de salário —sobre qual­ idosos e intensificar a contribuição do trabalho. O nom e fantasioso dado
quer empresa que demita trabalhadores mais velhos. O imposto tem agido a isso é mentoring (tutoria); o nom e legítimo é treinam ento de baixo custo.
com o im pedim ento para a contratação de idosos e, em 2010, estava em N a m edida em que os pensionistas se tom am mais numerosos, a in­
vias de ser extinto. Mas em muitos países, Hderados por uma diretiva da dignação dos trabalhadores atuais por terem de pagar pelos trabalhadores de
U nião Européia, há uma cobrança para proibir a discriminação por idade. ontem se intensifica, especialmente porque não lhes é oferecido o mesmo
Se aceitarmos que a produtividade dim inui com a idade, então as tipo de acordo. Os sistemas de pensão multipilares são um a conseqüên­
leis antidiscriminação de idade podem levar os empregadores a usar ou­ cia disso, com os planos privados sendo um acréscimo subsidiado para o
tras táticas para se Hvrar dos trabalhadores de m enor produtividade. Se os encolhim ento dos programas públicos. T om am acessíveis as mudanças
governos tentam compensar a ideia de m enor produtividade fornecendo para planos de poupança vitahcia que, em teoria, poderiam satisfazer o
subsídios para os idosos, eles podem igualar as oportunidades. Mas, em um precariado e os proficians, acrescentando um a fonte de segurança de renda
sistema terciário, as diferenças de produtividade podem não ser grandes; por meio de subvenções acessíveis em tempos de necessidade. N a prática,
as políticas destinadas a igualar as oportunidades podem , assim, reforçar as mudanças podem deixar mais pessoas inseguras, porque elas não podem
na prática as vantagens dos idosos. Vegard Skirbekk, do International contribuir de maneira regular ou suficiente. As pessoas são incapazes de
Institute for Apphed Systems Analysis, m ostrou que em muitos empregos poupar o bastante para cobrir os riscos da pensão, e há um a subvenção
a produtividade, de fato, diminui na meia idade. Enquanto os trabalhos cmzada limitada do tipo encontrado em planos de seguro social.
3D {dirty, dangerous e demanding - sujo, perigoso e exigente) podem ter Os riscos de pensão são compostos pela possibilidade de os fundos
dim inuído, mais empregos exigem habüidades cognitivas, que declinam de pensão abrir falência ou fazerem maus investimentos, com o ocorreu
entre aqueles com 50 anos ou mais. A “intehgência fluida” diminui, in­ depois da crise financeira. Q uem sofie esses riscos são os idosos, e por
cluindo as habihdades numéricas e a capacidade de adaptação à novidade. esse m otivo eles expandem, a cada recessão, a reserva de mão de obra,
Mas, fehzmente, para idosos, a “inteligência cristaHzada” - conhecim ento aumentando o desemprego e baixando os salários.
geral, experiência e habüidade verbal — não decHna até que as pessoas Encorajar os idosos ao emprego pode ter outros custos para o Estado.
atinjam um a idade bem mais avançada. Tam bém pode ser que as pessoas Mais emprego pode significar menos trabalho não rem unerado realizado
com mais experiência voltada para a carreira adquiram capacidades que as pelos idosos. M uitos aposentados em preendem trabalhos voluntários e

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de assistência, tom ando conta de netos, de pais idosos frágeis e assim por físicas, mentais, psicológicas, ou sejam quais forem elas. Porém , muitos
diante. Empurrá-los ainda mais para o precariado tam bém teria custos. sofrem porque sua dificuldade particular é notada e levada em conta na
Porém , o m aior problem a está no fato de que os idosos são subsidiados m aneira com o são tratados.
em relação aos trabalhadores mais jovens e são relativamente passíveis de N o m undo atual, com diagnóstico e comunicação instantâneos, possi­
aceitar um status precariado. Resolver as tensões vai exigir novas reformas, bilitados pela tecnologia, é mais fácil identificar e categorizar as dificuldades
nos moldes propostos no capítulo 7. de um indivíduo e marcar essa pessoa para a eternidade. Isso significa que
muito mais pessoas satisfazem as condições para serem classificadas, tratadas
Minorias étnicas ou negligenciadas. E no meio disso há um m uro aviltante de discriminação.
E assim que a deficiência e a precariedade se juntam . As pessoas
Não está claro se as minorias étnicas sempre terão uma alta propensão
identificadas como diferentes, além de serem mais propensas a encontrar
de entrar no precariado. Vamos mencioná-las aqui porque elas enfrentam
oportunidades de vida restritas a opções precárias, tam hém são mais
grandes barreiras no m ercado de trabalho, embora haja indícios de que as
propensas a ser pressionadas nesse sentido. A lém disso, um dos aspectos
minorias étnicas tentam reproduzir suas colocações profissionais ao longo
do envelhecim ento das sociedades é o fato de mais pessoas cam inharem
de gerações, fazendo isso geralmente por m eio dos negócios de família e
para a velhice marcadas pelas deficiências, e suas vidas mais longas estão
dos contatos étnicos e de redes.
dando a um m aior núm ero de pessoas mais tem po para observá-las.
Isso não é verdade de m odo algum para todas as minorias. Assim,
embora a recessão norte-am ericana pós-2008 tenha sido um a mancession, O Estado tem reagido ao crescente reconhecim ento da incapacidade
os mais atingidos foram os hom ens negros. M etade de todos os homens construindo um arsenal de políticas. Em term os de mercado de traba­
negros jovens estava desempregada no final de 2009, e essa alarmante lho, essas políticas têm sistemas de quotas institucionalizadas, locais de
estatística era baseada num cálculo da força de trabalho que excluía todos trabalho especializados, leis antidiscrim inação, melhorias na igualdade
os que estavam na prisão, num a época em que havia cerca de cinco vezes de oportunidades no local de trabalho e assim por diante. Elas têm ten­
mais negros do que brancos atrás das grades. tado, cada vez mais, optar pelo pobre m erecedor. N a década de 1980,
Os negros norte-am ericanos sofreram devido a um a cm el com bi­ diversos países recorreram aos benefícios de incapacidade, muitas vezes
nação de circunstâncias - registros de prisão, concentração em regiões de num a base indefinida, a fim de retirar as pessoas do desemprego e colo­
alto desemprego e falta de contatos em negócios de pequena escala, bem cá-las totalm ente fora da força de trabalho. N o começo do século X X I,
com o escolaridade abaixo da média. Em 2010, somente cerca da metade os governos olharam com olhos fiscais céticos para as dívidas cada vez
de todos os negros adultos estava empregada, e a proporção chegava perto maiores dos benefícios e se prepararam para reduzi-las pela confirm ação
de 40% entre os homens negros jovens. Para os adultos brancos, a porcen­ da “m edicalização” da deficiência, pela busca para tornar “empregáveis”
tagem era de 59%. Os negros que ficavam desempregados perm aneciam mais pessoas com deficiência e por empurrá-las para os empregos. Muitos
nessa situação, em média, cinco semanas a mais do que as outras pessoas, se juntaram ao precariado pela porta lateral.
acentuando a perda de habilidades, atitudes positivas, contatos, e assim Reflita-se sobre um aspecto pouco discutido nos debates públicos;
por diante. Suas chances de construir um a carreira e evitar um a vida no a “ incapacidade episódica”. Isso está causando um a crescente conexão
precariado eram pequenas. entre a deficiência e o precariado. M ilhões de pessoas sofrem de limitações
que as atacam de tem pos em tempos, desde enxaqueca e depressão até
diabetes e epilepsia. Elas tendem a ser vítimas dos mercados de trabalho
O s “incapacitados”: um conceito em reconstrução?
flexíveis m undiais, com empregadores relutantes em recrutar e ansiosos
A noção de “ incapacitado” é infeliz. Todos nós temos deficiências por dispensar o “ desem penho prejudicado”. M uitas pessoas serão leva­
ou incapacidades de algum tipo. A m aioria de nós passa pela vida sem das para empregos precários e para um ciclo precário de desvantagem e
que muitas pessoas saibam ou se preocupem com as nossas dificuldades - insegurança. Isso pode intensificar suas dificuldades médicas e provocar

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outras. Aquelas pessoas com incapacidades episódicas tam bém podem cada vez m enor de m anter um curso de vida estável de longo prazo. Há
enfrentar barreiras no sistema de benefícios sociais. Podem ser informadas um duplo risco em quase todos os pontos, já que além de serem p uni­
de que são capazes de trabalhar, o que de fato são, e terem os benefícios das por qualquer crim e que com eteram , vão descobrir que a punição é
negados. Provavelmente, a maioria delas desejaria um emprego pago. Mas acentuada por barreiras à sua regular participação na sociedade.
quem vai empregá-las quando outros são considerados mais “confiáveis”? N o entanto, tam bém há u m crescim ento do precariado dentro
das prisões. Consideram os a form a com o a C h in a tem recorrido ao
trabalho prisional no capítulo 4. Porém , países tão heterogêneos com o
O criminalizado: precariado por trás das grades
os Estados U nidos, o R e in o U nido e a índia estão cam inhando em
O precariado está sendo alimentado por um extraordinário núm ero direções similares. O m aior complexo de prisão da índia, fora de D elhi,
de pessoas que foram crim inalizadas de um a m aneira ou de outra. Há privatizado, é claro, está usando prisioneiros para produzir um a ampla
mais pessoas nessas condições do que jam ais houve. U m a característica variedade de produtos, m uitos vendidos on-line, com a m ão de obra
da globalização é o crescim ento do encarceram ento. Cada vez mais mais barata que pode ser encontrada e que trabalha em turnos de oito
pessoas são detidas, acusadas e presas, tornando-se “ habitantes”, sem horas, seis dias por semana. Os prisioneiros graduados recebem cerca
direitos vitais, a m aioria delas lim itada a um a existência precariada. Isso de um dólar por dia, os outros, u m pouco m enos. E m 2010 o novo
tem tido m uito a ver com o renascim ento do utilitarism o e com um m inistro da Justiça do R e in o U nido anunciou que o trabalho prisional
zelo pelos crim inosos penalizados, juntam ente com a capacidade técnica seria am pliado, dizendo que queria que os prisioneiros trabalhassem
da vigilância do Estado e a privatização dos serviços de segurança, das 40 horas por semana. O trabalho prisional por um a ninharia tem sido
prisões e das atividades relacionadas. com um nos Estados U nidos. O precariado do lado de fora, sem dúvida,
Ao contrário das previsões nos anos 1970, feitas por Michel Foucault, dará boas-vindas à com petição.
R o th m an David e M ichael Ignatieff, que achavam que a prisão estava
em declínio term inal, a prisão tornou-se um a instituição abrangente e
u m instrum ento de política. Desde a década de 1970, a quantidade de
Pontos concludentes
prisões dobrou na Bélgica, na França e no R ein o Unido; triplicou na O precariado não consiste em pessoas com históricos idênticos e
Grécia, nos Países Baixos e na Espanha, e quintuplicou nos Estados U n i­ não é composto apenas por aqueles grupos que destacamos até agora. Faz
dos (W a c q u a n t , 2008). Todos os dias, mais 700 pessoas são adicionadas sentido pensar que há variedades de precariado, com diferentes graus de
à população italiana na prisão. A prisão é um a incubadora do precariado, insegurança e atitudes para ter um a vida precariada.
u m laboratório para a vida precariada. O crescimento do precariado glohal coincidiu com quatro mudanças
Os Estados Unidos, a C hina e a Rússia se tornaram os maiores extraordinárias. As mulheres têm substituído os homens, a ponto de haver
crim inalizadores, cada um deles encarcerando m ilhões de seus próprios conversas sobre tnancessions e fem inização dos mercados de trabalho. Os
cidadãos, além de muitos estrangeiros. Mais de u m em cada cinco norte- homens têm sido arrastados para o precariado, enquanto as mulheres têm
americanos têm ficha crim inal, o que dim inui seus direitos na socie­ sido confrontadas com a perspectiva da jornada tripla. De m aneira mais
dade. Países como o R ein o U nido e a França, tendo aum entado seus notável, os idosos têm m archado de volta para os mercados de trabalho,
índices de crim inalização, estão m antendo pessoas com o “ habitantes” subsidiados para assumir empregos precários e em purrando para baixo
crim inalizados. Cerca de 40% de todos os internos em prisões do R ein o os salários e as oportunidades para a juventude. Por sua vez, os jovens
U nido já estiveram presos anteriorm ente. Eles reincidem porque não têm são confrontados com a frustração de status, as poucas possibilidades de
“em prego” e não podem conseguir um , porque já estiveram na prisão. carreira e a com petição subsidiada interna e externam ente. Se esperam
A criminalização condena as pessoas a um a existência precariada de pacientem ente pelo m elhor, arriscam-se a ser dem onizados com o pre­
empregos inseguros e sem possibilidade de carreiras e a um a capacidade guiçosos, com o veremos. Trata-se de um impasse.

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Tam bém é notável que, proporcionalm ente, mais adultos parecem Capítulo 4
sofrer de a lg u m tip o d e d e fic iê n c ia so c ia lm e n te reconhecida, o que os
torna mais propensos a serem relegados ao trabalho inseguro com menos Migrantes: vítimas, vilÕes ou heróis?
possibilidade de carreira, talvez subsidiado pelo Estado. E, finalm ente,
por todos os tipos de razões, mais de nossos com panheiros seres hum a­
nos estão sendo crim inalizados e deixados com pouca opção além dos
degraus mais baixos do precariado. R esta considerar aqueles que talvez
sejam mais bem descritos com o a infantaria ligeira de todo o processo,
os m igrantes.

O. m igrantes constituem um a grande parte do precariado m undial.


Eles são um a das razões de seu crescim ento e perigam se tornar suas
principais vítim as, dem onizados e transform ados em bode expiatório
dos problemas não criados por eles. N o entanto, com poucas exceções,
tudo o que estão fazendo é tentar m elhorar suas vidas.
O term o “m igrante” carrega um a bagagem histórica e cobre um a
m ultiplicidade de tipos de experiência e de com portam ento. Alguns se
assemelham a nômades, m udando-se para vários lugares sem residên­
cia fixa, compelidos ou habituados a peram bular, sempre esperando se
estabelecer “algum dia”. O nôm ade autêntico de fato sabe onde estava
indo e por quê. O nôm ade m oderno é mais oportunista. Depois, há os
“circulantes”, que deixam suas casas em busca de rendas ou experiência,
mas planejam voltar mais cedo do que tarde. E há os m igrantes colonos,
aqueles que se m udam com a intenção de perm anecer no local se pude­
rem , bem com o os refugiados e os que buscam asilo.
Depois de declinar em meados do século X X , quando as economias
eram mais fechadas, a mobilidade das pessoas em todo o m undo aumentou
com a globalização. U m bilhão de pessoas cruzam as fronteiras nacionais
a cada ano, e o núm ero está aum entando. Segundo a O rganização In­
ternacional de M igração, havia 214 m ilhões de m igrantes internacionais
em todo o m undo em 2010, totalizando 3% da população m undial. Isso
é, provavelmente, um valor subestimado, um a vez que os m igrantes em
situação irregular são, obviam ente, difíceis de serem computados. Além
disso, talvez 740 m ilhões sejam m igrantes “internos”, incluindo os 200
m ilhões de m igrantes rurais para as cidades industriais da C hina que

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com partilham muitas das caracteristicas dos m igrantes internacionais para outro. M uitos países, tal com o a África do Sul, experim entam ,
( H o u s e , 2009). sim ultaneam ente, grandes fluxos de emigração e imigração. Além disso,
Em bora a migração docum entada dentro dos paises industrializados enquanto a im agem da m igração ainda é um a im agem de assentamento,
tenha dim inuido depois da crise financeira de 2008, até então ela estava a m igração atual tem sete características que definem a Transformação
crescendo 11% ao ano (O C D E, 2010a). U m em cada quatro trabalha­ Global e abastecem o crescim ento do precariado.
dores australianos é m igrante, do mesmo m odo que um em cada cinco Primeira, um a parte da m igração historicam ente elevada não é
trabalhadores irlandeses. N a Europa, 12 m ilhões de cidadãos europeus docum entada. M uitos governos são coniventes com isso, alegando que
m oram em algum pais diferente do seu dentro da U nião Européia. estão lim itando a m igração enquanto facilitam o crescim ento de um a
Os Estados Unidos continuam sendo o maior receptor de migrantes. oferta de trabalho descartável com baixos salários. Os Estados Unidos
N a prim eira década do século X X , mais de um m ilhão de m igrantes têm a m aior parte dos m igrantes em situação irregular, com um a esti­
“ legais” e talvez outros m eio m ilhão de m igrantes “ilegais” entraram no m ativa de 12 m ilhões em 2008 e um aum ento de 42% desde 2000; mais
pais anualm ente. Hoje, um a em cada oito pessoas é m igrante, e aproxi­ da m etade deles vem do M éxico. A resposta política tem sido incoerente.
m adam ente um em cada seis trabalhadores é nascido no exterior, a m aior E m 2006, a Câm ara dos D eputados aprovou um projeto de lei tornando
proporção desde os anos 1920. As barreiras cuidadosam ente erguidas a “m igração ilegal” um crim e, mas não conseguiu aprová-lo no Senado,
viram a quota de m igrantes na força de trabalho dos Estados Unidos cair que havia tentado, sem sucesso, aprovar um a lei semelhante em 2007. Em
de um a alta taxa de 21% em 1910 para 5% em 1970. Mas, em 2010, a 2009, dois sindicatos produziram um plano para regularizar a situação
taxa estava de volta aos 16%. N a Califórnia, os im igrantes representam dos m igrantes e lançaram um a cam panha para a legalização. Isso tam ­
mais de um a cada três trabalhadores, e em N ova York, N ova Jersey bém caiu por terra. Os defensores da reform a argum entam que tornar
e Nevada, mais de um em cada quatro. Em bora os m igrantes estejam pública a econom ia paralela dos im igrantes aum entaria a receita fiscal,
principalm ente na agricultura, na construção, no abastecim ento, no acabaria com o abuso de im igrantes ilegais, elevaria os salários em todos
transporte e no sistema de saúde, um quarto dos trabalhadores altamente os lugares e im pulsionaria o crescim ento. Mas a vontade política para
educados com doutorado são estrangeiros. legalizar continuou fraca. Demasiados interesses se beneficiam de um
O utros paises tam bém se tornaram grandes receptores de migrantes. exército de im igrantes ilegais, e m uitos populistas retratam as tentativas
E m 2000, os m igrantes representavam 10% da população em 70 paises, de legalização com o algo que vai corroer a segurança dos cidadãos.
em comparação a apenas 48 paises em 1970. N a Alem anha, 16 m ilhões A m igração não docum entada tam bém tem crescido em todos os
de sua população, composta pelo total de 82 milhões de habitantes, são de lugares, com condições e conflitos de interesse similares. Os trabalha­
origem m igrante. E m algumas cidades, mais de um terço dos residentes dores não registrados ocupam empregos mal rem unerados e podem ser
são im igrantes e mais da m etade deles são crianças. Em outros paises dem itidos e deportados se necessário, ou dem onstram ser obstinados.
europeus, os m igrantes tam bém representam um a parcela crescente da Eles não aparecem nas folhas de pagam ento das empresas e das famílias,
população, em parte por causa das baixas taxas de fertilidade dos habi­ e desaparecem nos cantos e recantos da sociedade quando a recessão a
tantes nacionais. N o R eino U nido, um a em cada dez pessoas é m igrante atinge. A produtividade parece se elevar m aravilhosam ente em um a alta
e a prim eira década do século X X I viu a m aior im igração já experim en­ repentina, na m edida em que mais pessoas são recrutadas sem aparecer
tada no país. C om base nas tendências atuais, pode ser que o “branco” nas estatísticas, e o emprego, m isteriosam ente, cai menos do que a queda
britânico seja m inoria na segunda metade deste século (C o l e m a n , 2010). na produção e da dem anda nas recessões. Os m igrantes são, verdadeira­
A m igração m oderna não consiste apenas em se m udar de países m ente, um exército de reserva fantasma.
pobres para países ricos. A proxim adam ente um terço dos m igrantes do Segunda, um a parcela crescente da migração consiste em “circulação”,
m undo se m udou de um país pobre para um país rico, um terço se m u­ em contraste com o últim o pico da m igração no início do século X X ,
dou de um país rico para outro e um terço se m udou de um país pobre quando a m aioria dos m igrantes eram colonos. Os circulantes m odernos

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se veem como itinerantes, que se deslocam para assumir empregos tem po­ seus países ou autorizadas a se reassentarem em outro lugar. Agora, um
rários, muitas vezes com a esperança de rem eter dinheiro para os parentes. número crescente de pessoas que procura escapar da degradação, da opressão
A terceira característica distinta é a feminização da migração (OCDE, e do conflito está se deparando com o aumento das barreiras de entrada.
2010b). As m ulheres, frequentem ente m udando-se por conta própria, M uitos incorrem na insegurança crônica, tanto social quanto econômica.
constituem um a im p o rtan te parte dos m igrantes internacionais em D e acordo com um a agência de refugiados das Nações Unidas, em
comparação a qualquer outro m om ento na história. H á m uito tem po 2009 havia mais de 15 m ilhões de refugiados, a m aioria na Asia e na
elas incluem um a elevada proporção de m igrantes internos, um a m aioria África, com mais um m ilhão de pedidos de asilo aguardando decisão.
em alguns países. H á tendências sinistras bem docum entadas, com o E cerca de 27 m ilhões de pessoas foram deslocadas de seus países como
tráfico e a prostituição sendo as mais visíveis, e há a tristeza das “cadeias resultado de conflitos (C e n t r o de M o n it o r a m e n t o d e D esl o c a d o s
de cuidados dom ésticos”, quando as m ulheres partem das aldeias para I n t e r n o s , 2010). Globalmente, um a tragédia tem sido revelada. M ilhões
as cidades e para fora do país, deixando que seus filhos sejam cuidados de pessoas estão passando anos em hotéis esquálidos, centros de detenção,
por outras pessoas. M uitas vezes vinculadas a contratos afiançados e acampamentos ou terrenos baldios, perdendo com isso sua dignidade,
endividadas, elas são vulneráveis, abusadas, não têm nenhum a proteção suas habilidades e sua hum anidade.
e muitas vezes vivem um a existência sombria. Tam bém tem havido um O sublime princípio de non-refoulement - nenhum país pode enviar
fluxo problem ático de duvidosas cessões de casamento, com m ulheres um a pessoa de volta à sua terra natal se for para enfrentar o perigo - é cada
jovens a quem não é dada nenhum a escolha por suas famílias ou culturas. vez mais violado. Em alguns países, o tem po médio para o processamento
N o entanto, grande parte da m igração tem sido exatam ente com o a dos dos pedidos de asilo aum entou para mais de 15 anos. A situação dos presos
hom ens, realizadas na busca de um a vida melhor. em países de trânsito, na esperança de chegar a outro lugar onde as portas
A quarta característica da m igração induzida pela globalização é estão fechadas, piorou. Em muitos países, onde a maioria dos cidadãos é
a m obilidade estudantil. Em bora não seja nova, a população estudantil favorável a restrições mais rigorosas em matéria de imigração, a hostilida­
móvel tem crescido dramaticamente e agora - em parte devido às medidas de aos refugiados e requerentes de asilo é m aior do que a hostilidade aos
antiterrorism o - um a m aior proporção de estudantes está indo para países migrantes que ocupam um a posição economicam ente favorável.
diferentes dos Estados Unidos. Entre 2001 e 2008, a porcentagem de es­ Finalm ente, há u m novo grupo m igrante — os “refugiados am ­
tudantes estrangeiros nos Estados Unidos caiu de 28% para 21%, enquanto bientais”. A degradação ambiental, incluindo o aum ento do nível dos
o núm ero de estudantes móveis no âm bito m undial aum entou 50%. oceanos e outras manifestações de m udança climática, podem conduzir
A quinta característica é o m ovim ento dentro das corporações 200 m ilhões de pessoas para longe de suas casas por volta do ano 2050
m ultinacionais. Isso tam bém tem sido praticado em todas as épocas; era (F u n d a ç ã o d e J u s t iç a A m b ie n t a l , 2009). O Furacão K atrina, em
um a característica dos grandes bancos comerciais da Idade M édia, por 2005, provocou o m aior m ovim ento de pessoas na história dos Estados
exemplo, mas hoje é sistêmica. Envolve quase todos os níveis, desde os Unidos. E m duas semanas, 1,5 m ilhões de pessoas fugiram para a costa
executivos até a equipe júnior. Cria carreiras fragmentadas e um a m istura do Golfo, três vezes mais do que o núm ero de indivíduos que se m udou
inebriante de experiências. na migração do D ust Bowl dos anos 1930. M etade da população de Nova
A sexta característica é mais nefasta. N unca houve nada parecido com Orleans ainda não havia retornado para a cidade cinco anos depois do
o grande núm ero de refugiados e de pedidos de asilo como acontece hoje. Katrina. Ele pode ser um prenúncio de m uitos eventos desse tipo.
O tratam ento jurídico m oderno é derivado da resposta ao deslocamento Em resumo, a migração está crescendo e m udando de caráter de uma
em massa ocorrido antes e durante a Segunda Guerra M undial, o que le­ form a que está intensificando as inseguranças e colocando m uito mais
vou ao estabelecimento da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados das pessoas em circunstâncias precárias. C om o se isso não bastasse, há também
Nações Unidas, de 1951. O problema foi considerado como um dos ajustes um a “ desterritorialização” da migração. Esse é um term o canhestro para
de curto prazo, na m edida em que as pessoas eram ajudadas a regressar aos um a tendência canhestra. Mais e mais pessoas que “parecem m igrantes”

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estão sujeitas ao exame intrusivo dentro das fronteiras nacionais, sendo da territorialidade, que protege a todos quando eles estão no território
paradas pela polícia e po r grupos vigilantes exigindo que elas provem do país - , mas não direitos econômicos ou políticos. U m pouco mais
sua identidade e legalidade. seguros são os residentes tem porários legalizados, mas eles tam bém não
A lei SB1070 de 2010, do estado norte-am ericano do A rizona, têm plenos direitos econômicos ou políticos. Os mais seguros são aqueles
determ inou a “ desterritorialização”; as pessoas barradas por suspeita de que adquiriram plenos direitos de cidadania pelo devido processo legal.
fazerem algo ilegal são forçadas a provar a legalidade de sua condição de Esse sistema em camadas surgiu em um a form a ad hoc e varia até mesmo
m igrante. Os defensores da SB1070 reivindicam que isso não é “traçar dentro de um bloco regional, com o a U nião Européia.
um perfil racial”, mas certam ente a lei dá ã polícia licença para visar A condição de ser “ habitante” é complicada pela dupla cidadania
pessoas que parecem m igrantes. O que está acontecendo no A rizona e múltiplos status. Os m igrantes podem ficar relutantes em optar pela
está acontecendo em boa parte do m undo. cidadania do país onde residem ou trabalham po r m edo de perder a ci­
dadania de seu país de origem . U m a pessoa pode ter o direito de viver
em um país, mas não de ter um em prego ali, em bora tenha direito de
O s novos “habitantes”
trabalhar por salários em outro país sem o direito de ter um a residência
C onsiderar as variedades de m igrantes —nômades, circulatórios, no local se não estiver empregada. Alguns juristas se referem a isso como
ilegais, refugiados, colonos e assim por diante - leva a um conceito n e­ “condição de habitante cosmopolita” (Z o lb er g , 1995).
gligenciado que tem profundas raízes históricas. Trata-se do conceito N o entanto, o conceito de “ habitante” é útil para delinear o que
de habitante [denizen], um a form a diferente de cidadão [citizen], N a Idade as pessoas podem ou não fazer na sociedade. O espectro começa com os
M édia, na Inglaterra e em outros países europeus, um “habitante” era um solicitantes de asilo, que praticam ente não têm direito algum . A m edida
estrangeiro a quem foi, discricionariam ente, concedido pelo m onarca ou que seu núm ero cresce, os governos dificultam mais suas vidas. M uitas
governante alguns - mas não todos - direitos que eram autom aticam ente vezes eles são hum ilhados e tratados como se fossem criminosos. Aqueles
concedidos aos nativos ou cidadãos. Assim, em troca de pagam ento, se­ que são capazes podem tentar sobreviver levando um a existência pre­
riam concedidas a um estrangeiro “cartas patentes” que lhes perm itiam cariada. M uitos simplesmente padecem , vendo suas vidas definharem .
com prar terras ou praticar algum tipo de comércio. E m seguida, estão os m igrantes em situação irregular, que têm
N o direito consuetudinário, um “habitante” não era um cidadão direitos civis como seres hum anos, mas não têm direitos econômicos,
pleno, mas tinha um status sim ilar ao do atual “residente estrangeiro”; a sociais ou políticos. N orm alm ente, não têm nenhum a alternativa para
lei seguia a antiga ideia rom ana de conceder a alguém o direito de viver ganhar a vida no precariado, com muitos deles fazendo isso na econom ia
em um lugar, mas não de participar em sua vida política. Mais tarde, a subterrânea. Nos Estados Unidos, os m ilhões de m igrantes em situação
palavra “habitante” assumiria outra conotação, passando a indicar alguém irregular não têm direito de trabalhar por salário, mas são contratados
que freqüentava um tipo de lugar, com o é o caso de “ habitantes de um a de qualquer forma. Vivem com a ameaça da deportação e sem direito
casa n o tu rn a”; tam bém era usada para se referir a negros não escravos à proteção social, tais com o os benefícios de desemprego. N a Espanha,
nos Estados U nidos antes da abolição da escravidão. cogita-se que milhões de migrantes não regularizados explicam a enorm e
Todos os m igrantes internacionais são “ habitantes”, sendo que econom ia subterrânea no país. E provável que a história seja semelhante
diferentes grupos que têm alguns direitos - civis, sociais, políticos, na m aioria dos países.
econôm icos e culturais - , mas não outros. A construção progressiva de Depois há aqueles com o direito de residência tem porária, mas que
um a estrutura internacional de direitos significa que existem variedades têm restrições do que podem fazer legalm ente de acordo com a situação
de habitantes. E m prim eiro lugar, estão os menos seguros, os requeren­ de seu visto. Eles podem ter alguns direitos sociais, com o o direito aos
tes de asilo e os m igrantes em situação irregular que têm direitos civis benefícios da empresa e do Estado, e talvez o direito de pertencer a or­
(como proteção contra a agressão) - geralm ente com base no princípio ganizações econômicas, tais como sindicatos ou associações empresariais.

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Mas têm direitos lim itados ou nenhum direito à m obilidade socioeco­ Os governos têm aum entado o núm ero de condições necessárias
nôm ica e nenhum direito político, o que lhes dá pouca oportunidade para ser um m igrante legal, colocando, nesse processo, mais pessoas em
de se integrarem à sociedade local. Eles são os “ habitantes” clássicos. status de “habitantes” mais precários. Além disso, os “ habitantes” podem
M ais adiante no espectro estão os “ habitantes” que têm direito ter direitos de jure, mas serem excluídos de facto desses direitos. Alguns
à residência de longo prazo e são form alm ente autorizados a procurar dos exemplos mais flagrantes surgem nos países em desenvolvimento.
empregos de sua preferência. Eles podem ser relativamente seguros, p o ­ N a índia, embora todos os indianos, supostamente, tenham direitos
rém enfrentam lim itações estruturais nos direitos econômicos e sociais, iguais, isso não é verdade na lei, na política e na prática. Por exemplo,
por exemplo, se possuem qualificações que não são reconhecidas no os moradores das favelas urbanas podem , depois de m uitos anos, obter
país. Dessa form a, um engenheiro, um arquiteto ou um dentista que se um a identificação de eleitor e um cartão de racionamento,'^ mas não
capacita em um país pode não ser autorizado a praticar em outro, sim ­ podem obter o direito de serem ligados ao sistema de água e de esgotos
plesmente porque não há reconhecim ento m útuo de padrões. D evido a da cidade. Tam bém não há regras sobre quanto tem po leva para alguém
esses expedientes, m ilhões de m igrantes qualificados estão proibidos de obter direitos referentes à residência local. Os m igrantes de dentro do
exercer sua profissão e são obrigados a disputar empregos com “ desper­ país têm , de fato, o direito de trabalhar e viver em outro lugar na ín ­
dício cerebral” de níveis mais baixos no precariado. dia, mas podem não ser capazes de enviar seus filhos à escola ou obter
Isso se deve, principalm ente, ã m aneira como se desenvolveu o li­ cartões de racionam ento, um a vez que os estados têm diferentes regras
cenciamento profissional (St a n d in g , 2009). Somente na A lem anha mais de elegibilidade. A condição de “habitante” tam bém se associa com os
de meio m ilhão de imigrantes são incapazes de trabalhar em atividades trabalhadores informais. Por exemplo, um trabalhador que trabalha em
para as quais são qualificados porque o Estado não reconhece suas qua­ casa num a favela urbana não terá direito à eletricidade. U m vendedor de
lificações. Mas o fenôm eno é global. O licenciamento profissional tem rua é tratado como crim inoso. E os “não cidadãos”, com o os trabalha­
sido um a form a de lim itar e m odelar a migração. Q ualquer pessoa que vá dores domésticos de Bangladesh ou do Nepal, não têm nenhum direito.
a N ova York encontrará migrantes advogados e doutores dirigindo táxis. A condição de “ habitante” tem crescido mais na C hina, onde 200
E m países federativos, como os Estados Unidos, a Austrália e o Canadá, m ilhões de m igrantes rurais perderam seus direitos ao se m udarem para
até mesmo as pessoas que se m udam de um estado ou província para as cidades e oficinas industriais que servem ao m undo. Aos “habitantes”
outro podem se descobrir como “habitantes”, tendo negado o direito de é negado o hukou, a caderneta de residência que lhes daria direitos re­
exercer sua profissão ou negócio. O licenciamento tem sido um a parte do sidenciais e o direito de receber benefícios e ser empregado legalmente
processo de trabalho global e até agora é um a m aneira poderosa de negar no seu próprio país.
direitos econômicos a um núm ero crescente de pessoas em todo o mundo. Ao contrário do que acontecia no início do século X X , grande
Em geral, esses mesmos “habitantes” tam bém são legalmente ex­ parte da m igração de hoje não é a assimilação de um a nova cidadania,
cluídos do serviço público e da função política, e são mais propensos a ter mas sim algo mais próxim o de um processo de descidadania. E m vez de
acesso legal ao trabalho autônom o do que aos empregos. São suscetíveis serem colonos, m uitos m igrantes têm negadas várias formas de cidada­
a expulsão por razões de segurança pública, se não se com portam como nia —direitos detidos por nativos locais, direitos de cidadania de onde
“ bons cidadãos”. Isso lim ita a integração, reforçando a sua posição como eles vêm e direitos que acom panham o status legal. M uitos tam bém não
“habitantes forasteiros”. N a França e na Alem anha, há um sistema de três têm cidadania profissional, tendo negado o direito de praticarem sua
camadas, com plenos direitos políticos para os cidadãos, direitos políticos profissão. Eles tam bém não estão em um a trajetória que lhes perm ita
parciais para cidadãos de outros países da U nião Européia e nenhum di­
reito político para os nativos de países terceiros (fora da U nião Européia). C a r tã o e m itid o p e lo g o v e r n o q u e p r o p o r c i o n a s u b s íd io a li m e n t a r aos c id a d ã o s ,
N o R ein o U nido, alguns nativos de países terceiros - da C om unidade de g a r a n t in d o d e s c o n to s n a c o m p r a d e p r o d u t o s b á sic o s c o m o c e re a is , a ç ú c a r, q u e ­
Nações e da Irlanda —estão incluídos no prim eiro ou no segundo grupos. r o s e n e , e tc . (N .E .)

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“o exército do m al”, term o que usou para se referir aos m igrantes em
obter os direitos que inicialm ente lhes foram negados, tornando-os su-
situação irregular. Im ediatam ente em itiu u m decreto autorizando a
perexplorados. E eles não estão se tornando parte de um proletariado,
criação de grupos de vigilantes particulares, que não dem onstravam de
um a classe operária dos trabalhadores estabilizados. São descartáveis, sem
m odo nenhum quais eram os alvos planejados. Além disso, expulsou os
acesso aos benefícios do Estado ou da empresa, e podem ser descartados
ciganos de seus acam pamentos em toda a Itália.
com im punidade, pois, se protestarem , a polícia será m obilizada para
Depois que os migrantes africanos na Calábria, na ponta da bota da
penalizá-los, crim inalizá-los e deportá-los.
Itália, fizeram um rebuliço em janeiro de 2010 em protesto contra salários
Isso realça o processo fragm entado de trabalho em que varieda­
não pagos, seus acampamentos improvisados foram demolidos e muitos
des do precariado têm diferentes direitos e um a estrutura diferente de
foram sum ariam ente deportados. Eles haviam sido recrutados como mão
renda social. Traduz-se na questão da identidade. O s nativos podem
de obra barata para as fazendas agrícolas controladas pela máfia local, que
exibir múltiplas identidades, os m igrantes legais podem se concentrar na
tinha simplesmente parado de pagar os salários após o choque da crise
identidade que lhes dá mais segurança e os m igrantes ilegais não devem
financeira. Quando os africanos protestaram, possivelmente instigados pela
exibir qualquer identidade, por m edo de serem expostos.
própria máfia que esperava o que aconteceria a seguir, foram alvejados e
Tendo em m ente a ideia de “ habitantes”, consideramos a m aneira
espancados por vigilantes, aplaudidos pelos moradores locais. Os m otins
com o os grupos distintos de m igrantes estão sendo tratados e com o eles
foram seguidos por anos de assédio e ataques por parte da juventude local.
figuram no crescim ento do precariado global.
N o entanto, R oberto M aroni, m inistro do interior da Itália, disse em
um a entrevista que os m otins eram fruto de “tolerância demais”. Ataques
Refugiados e requerentes de asilo
semelhantes contra os imigrantes têm acontecido em toda a Itália.
Vamos começar com os refugiados e os requerentes de asilo. U m N a França, o presidente Nicolas Sarkozy, ironicam ente, ele mesmo
exemplo pode esclarecer o torm ento deles. D e acordo com um relatório de origem m igrante, assumiu o m antra populista, em itindo ordens para
do O m budsm an do Serviço Parlam entar e de Saúde (2010), a Agência de destruir os acampamentos ciganos “ ilegais” e expulsar seus moradores.
Fronteiras do R ein o U nido (UKBA), responsável pelos refugiados, teve Os ciganos foram devidam ente enviados para a Bulgária e a R om ênia,
um acúm ulo de 250 m il pedidos de asilo. Alguns casos perm anecem sem m uitos jurando voltar, um a vez que tinham o direito legal de se des­
solução por anos a fio; um somali a quem foi concedida um a autorização locarem na U nião Européia. U m m em orando que vazou do m inistro
de permanência indefinida em 2000 só recebeu seus documentos em 2008. do Interior deixou claro que os ciganos eram um alvo prioritário, em
Tais pessoas vivem em economias subterrâneas, com suas vidas em sus­ provável violação da constituição francesa (W il l s h e r , 2010). O m inis­
penso. Enquanto definham nessa posição de “habitante”, recebem míseras tro da Imigração, Eric Bosson, disse em um a entrevista coletiva que “a
42 libras por semana e não têm permissão para assumir empregos, depois livre circulação no espaço europeu não significa livre estabelecim ento”.
das ações do governo trabalhista para restringir a ajuda aos requerentes de Aparentem ente, os m igrantes deveriam ser m antidos em constante m o­
asilo. Trata-se de uma receita para o precariado da economia subterrânea. vimentação. Q ue tipo de sociedade é essa?
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, grupos entusiastas com
Migrantes clandestinos e ilegais tatuagens e camisetas religiosas arm avam -se e seguiam para a fronteira
entre o M éxico e o A rizona. Lá eles ficavam à espreita e usavam b inó­
O ato de dem onizar os “m igrantes ilegais” passou a fazer parte da
culos para identificar bandidos mal vestidos que corriam para atravessar
reação populista às inseguranças infligidas ao precariado em geral. Em
a fronteira, a m aioria simplesmente em busca de um a vida melhor. Al­
vez de responsabilizarem as políticas de flexibilidade do trabalho e a
guns m igrantes de fato transportam drogas, muitas vezes forçados pelos
retração da assistência social, culpam os m igrantes pelas dificuldades dos
traficantes de pessoas. O utros são “crim inosos” - eles estão em todos os
trabalhadores locais. A prim eira declaração de Silvio Berlusconi em sua
grupos populacionais. Mas a demonização é generalizada. O crescimento
reeleição como prim eiro-m inistro da Itália foi um a promessa de derrotar

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do precariado m igrante nos Estados Unidos foi acom panhado por ata­ particularmente em torno dejoanesburgo. Eles vêm do Zimbábue, Maláui,
ques repentinos no estilo de comandos oficiais às fábricas suspeitas de M oçam bique e de outros paises do continente africano, bem como do
em pregarem “ ilegais”. Por mais que o presidente O bam a ordenasse o Paquistão e de outras partes da Asia. Deve haver mais de quatro milhões
fim desses ataques, eles poderiam facilm ente voltar a acontecer. deles. A maioria não tem visto de trabalho, mas tem que trabalhar. O
A lei do A rizona, de 2010, que to rnou a im igração ilegal um a governo dificulta para eles a obtenção de vistos, e milhares viajam longas
contravenção estadual bem como um a violação civil federal, intensifi­ distâncias todos os dias para ficar na fila, na esperança de adquirir o seu.
cou a tensão entre os m igrantes e os “cidadãos nativos” temerosos de M uitos jovens sul-africanos não podem conseguir empregos legais
se ju n tarem ao precariado. Ela exige que a polícia local, depois de fazer que pagam salários legais porque os migrantes desesperados são obrigados
“contato legal”, verifique o status de im igração daqueles que provocam a assumir empregos ilegais que pagam salários ilegais sem benefícios.
“suspeita razoável” e os prendam se não tiverem docum entos, abrindo Sua presença reduz o poder de barganha dos trabalhadores em geral,
a porta para a parada aleatória de m otoristas que parecem hispânicos aum enta o precariado e perm ite que políticos e economistas afirm em
pelos menores pretextos. A lei levou a protestos nacionais por parte dos que há desemprego maciço e que os salários reais e as proteções traba­
hispânicos e simpatizantes. Mas ela se conectou a um nervo populista, lhistas devem ser dim inuídos. N a realidade, a m aior parte dos empregos,
ligado ao que alguns cham aram de “conflito de geração cultural”, um a simplesmente, não está sendo m edida. As alegações de que a taxa de
form a sutil de racismo. N o A rizona, 83% dos idosos são brancos, mas desemprego na África do Sul varia até 40% são absurdas. N o entanto,
apenas 43% das crianças o são. O s brancos mais velhos acreditam que em m aio de 2008, as tensões se tornaram explosivas e os m igrantes que
estão pagando impostos por filhos que não reconhecem com o seus. Isso estavam nos m unicípios foram barbaram ente atacados. Dezenas foram
está alim entando o populism o anti-im postos do Tea Party, no qual os m ortos e m ilhares fugiram . Foram vítim as de um a sociedade que tem
baby boomers do sexo m asculino são figuras proem inentes. Algo similar crescido cada vez mais desigual desde o fim do apartheid.
está acontecendo na Alem anha, onde em muitas cidades os m igrantes já
representam a m aioria das crianças. Migrantes temporários e sazonais
A m aior parte dos americanos parece apoiar a lei do Arizona. U m
M uitos outros m igrantes, apesar de serem legais, ficam vulneráveis
plebiscito nacional apresentou os seguintes resultados, m ostrando as
a tal ponto que qualquer observador imparcial seria levado a se perguntar
porcentagens favoráveis a cada proposição:
se isso não é proposital, para satisfazer alguns interesses locais, para aplacar
os trabalhadores locais ou porque eles não têm direitos políticos e não
• aum entar as multas para os empregadores de imigrantes ilegais 80%
podem votar. Alguns exemplos recentes são sugestivos.
• crim inalizar o emprego de im igrantes ilegais 75%
Após inúm eros incidentes, especialmente as m ortes de 23 chineses
• exigir que a polícia denuncie imigrantes ilegais ao governo federal 70%
catadores de moluscos capturados pela m aré na Baía M orecam be em
• patrulhas da Guarda N acional da fronteira com o M éxico 68% fevereiro de 2004, o governo do R ein o U nido criou a Autoridade para
• construir mais cercas nas fronteiras 60% Licenciam ento de Agentes Em pregadores para regulam entar o trabalho
• perm itir que a polícia exija prova da condição de m igrante 50% agenciado. Mas um inquérito da Comissão de Igualdade e Direitos H u ­
• excluir os filhos de im igrantes ilegais da escola 42% manos (E H R C , 2010) sobre fábricas de processamento de carne e aves,
• exigir que as igrejas denunciem os im igrantes ilegais 37% que em pregam 90 m il pessoas, m ostrou que a A utoridade não tinha
recursos financeiros suficientes para realizar seu trabalho.
N a África do Sul, um fenôm eno ainda mais terrível simboliza o Naquele que, em certa m edida, é o m aior setor m anufatureiro re­
que está acontecendo em muitas partes do m undo. M ilhões de migrantes manescente no R ein o U nido, o inquérito encontrou péssimas condições
deslizam através das fronteiras e abrem seu cam inho para os municípios, de trabalho, com trabalhadores obrigados a ficar durante horas nas linhas

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de produção de operação rápida, sem intervalos para ir ao banheiro e As autoridades de Boston contrataram um Flautista de H am elin,’®na
sujeitos a abusos. As gestantes eram afetadas de m aneira impressionante; form a da organização Iniciativas de R edução da C rim inalidade (CRI),
algumas sofreriam abortos e muitas encaravam discrim inação aberta. Os fundada pelo governo e pelos conselhos locais para lidar com as causas
trabalhadores tinham de cum prir turnos de 16 a 17 horas por dia, com de desordem nas comunidades.
apenas algumas horas de sono entre eles. E m alguns casos, as agências A descrição do trabalho para o contrato da C R I era bastante be­
entravam nas casas dos trabalhadores para acordá-los de m anhã cedo, nigna - a fim de verificar se os sem -teto eram elegíveis para os benefícios
pois os supermercados que operavam com pedidos ju st-in-tim e estavam e, se não o fossem, para oferecer-lhes um a passagem só de ida para casa.
deixando os pedidos para o últim o m inuto, colocando pressão sobre as Podemos nos perguntar por que o governo usaria um a firm a com título
fábricas para que tivessem funcionários em prontidão. de combate ao crim e para fazer tal trabalho. Parecia um passo rum o à
U m terço da força de trabalho englobava empregados agenciados; privatização do policiamento. John Rossington, do C R I, disse à imprensa:
70% eram migrantes da Europa Oriental, com uns poucos de Portugal. A “Boston tem um problema com os desabrigados, a m aioria deles é pro­
maioria disse que os empregadores tratam pior os empregados agenciados, veniente da Europa O riental. Quase todas essas pessoas são incapazes de
enquanto os trabalhadores britânicos estavam relutantes em trabalhar no receber benefícios, ou porque não têm direito, ou porque perderam os
setor, dissuadidos pelos baixos salários e pelas condições de trabalho mise­ documentos e não podem comprovar o direito. Estamos incentivando-os a
ráveis. Alguns trabalhadores britânicos disseram ã Comissão de Igualdade se apresentar, para que possamos determ inar sua situação” ( B a r b e r , 2010).
e Direitos H um anos que as agências só contratam migrantes, um a prática O C R I tornou claro o objetivo comercial, dizendo que o repatriam ento
ilícita de acordo com a Lei das Relações Raciais. O abuso dos trabalha­ econom izaria dinheiro. “Essas pessoas não têm dinheiro e são m uito
dores agenciados foi associado à inspeção deliberadamente negligente. vulneráveis, especialmente se vivem na rua, expostas ao frio. Se acabarem
Lamentavelmente, a Comissão de Igualdade e Direitos Hum anos re­ infringindo a lei ou adoecendo, é provável que custem aos contribuintes
comendou que a indústria melhorasse suas práticas de forma voluntária, ou mais do que um voo barato só de ida para a Europa O riental”.
seja, um a esperança vã; ela não tinha a intenção de litigar. E m outras pa­
lavras, o precariado seria deixado exposto ao abuso. E a Lei Gangmasters
Migrantes de longo prazo
(de Licenciamento) de 2004 não abrangia os setores de cuidado e de
hospitalidade, onde os m igrantes estão concentrados em m aior núm ero. Em muitos países, os m igrantes legalm ente estabelecidos têm sido
Tam bém no R eino U nido, no duro inverno de 2009-2010, quando dem onizados por razões culturais. Isso pode facilm ente levar a um a
m uitos m igrantes europeus orientais estavam desempregados e se torna­ política discrim inatória e à violência xenofóbica. Vamos nos contentar
ram desabrigados por causa das dívidas, as autoridades locais começaram com dois exemplos pungentes, embora indiquem tendências mais amplas.
a m andá-los de volta para casa. Em Boston, Lincolnshire, os m igrantes Nos anos de 1950 e 1960, a A lem anha acolheu centenas de m i­
trabalhadores agrícolas constituíam um quarto da população em 2008. lhares de trabalhadores convidados da Turquia e de outras partes do sul
Q uando os em pregos nas fazendas encolheram , m uitos voltaram aos da Europa, necessários para o fornecim ento de m ão de obra barata na
seus países, mas outros ficaram, na esperança de encontrar novos em ­ construção do m ilagre alemão, como foi apelidada a regeneração do país.
pregos. Os m igrantes não se qualificavam para os benefícios do Estado, Supunha-se que eles iriam para casa quando os contratos expirassem.
especialmente o Jobseeker’s Alloveance (auxílio-desemprego), que exige Então, o Estado garantiu que eles não se integrassem em term os sociais,
que um a pessoa tenha perm anecido em pregada continuam ente por pelo políticos ou econômicos. O s m igrantes receberam um a posição espe­
menos u m ano. Em meados do inverno, alguns, sem teto e sem dinheiro, cial fora da sociedade. Mas em vez de irem em bora, eles ficaram. Isso
passaram a viver em tendas improvisadas. C onsiderando-os com o um a
ferida social, com crescente m orbidade e aum ento de crimes menores, o Personagem exterm inador de ratos do clássico conto dos Irmãos G rim m , capaz
governo optou por livrar a comunidade local da força de trabalho nômade. de hipnotizar com sua flauta. (N.E.)

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criou um a base para a animosidade; com o a população alemã começava posses norte-africanas da França, e os m agrebinos do M arrocos, Tunísia
a dim inuir devido à sua baixa fertilidade, os populistas foram capazes e Argélia foram responsáveis por um a parcela crescente de m igrantes,
de retratar um futuro de dom inânciã de população estrangeira, com chegando a 30% em 2005 (T av a n , 2005). D urante décadas, as tensões
imagens de um a subclasse islâmica que recusava se integrar na sociedade entre os cidadãos franceses e os migrantes norte-africanos foram silencia­
alemã. Prim eiro, o Estado im pediu que os m igrantes se integrassem; em das. C om o a m aioria dos m igrantes era jovem e estava empregada, eles
seguida, culpou-os por não terem se integrado. eram contribuintes líquidos para o sistema de segurança social, enquanto
Em 2002 foi dada a seus filhos a opção de adotarem a cidadania os cidadãos franceses eram beneficiários líquidos. Mas o Estado estava
alemã, contanto que isso fosse feito antes de com pletarem 23 anos. Isso construindo um precariado. Os salários dos m igrantes são inferiores aos
refletia a situação da condição de “cidadania do habitante”, pois tradi­ dos trabalhadores franceses e eles são mais vulneráveis ao desemprego,
cionalm ente a lei de nacionalidade alemã era baseada no sangue de um a em parte porque estão em empregos de baixa qualificação, tais com o a
pessoa, e não no local de nascim ento. Mas o sistema de trabalhador- construção, e são mais afetados pelas flutuações econômicas, em parte
-convidado havia plantado as sementes para a tensão. por causa da descriminação. Os magrebinos desempregados muitas vezes
O utros países europeus enfrentariam essa dificuldade. A popula­ não têm o registro de contribuição necessário para reivindicar o auxí-
ção alemã nativa está encolhendo, a total está dim inuindo, a escassez de lio-desem prego e são obrigados a contar com o R M l [Revenu m inim um
trabalho é tem ida. Mas apenas um a m inoria dos eleitores alemães deseja d ’insertiorí) condicinado à verificação de recursos. N o entanto, a fim de
ver a “ im igração controlada” como um a solução parcial para o problema serem elegíveis para o R M l, benefícios de habitação e proteção da saúde,
( P e e l , 2010). Os Dem ocratas Livres favoráveis aos negócios tentaram os cidadãos não franceses devem possuir um a autorização de residência e
introduzir um sistema de pontos para trazer im igrantes capacitados, mas devem ter vivido na França por mais de cinco anos. M uitos m agrebinos
foram im pedidos pelos Dem ocratas Cristãos, alegando que essa era um a foram simplesmente deixados de fora.
tentativa de trazer m ão de obra barata em vez de treinar os trabalhado­ O Estado havia perm itido o aum ento da m igração ilegal, mas
res locais. N o entanto, em 2011, as fronteiras alemãs seriam livrem ente depois de 1996 colocou muitos im igrantes do M agrebe e da Africa sub-
abertas para os trabalhadores da Europa O riental, pela prim eira vez. A saariana na embaraçosa posição que fez com que passassem a cham ar a
A lem anha já tem 2,5 m ilhões de m igrantes da U nião Européia, mais do si mesmos de sans-papiers (sem documentos). Apesar de terem trabalhado
que qualquer outro país da U E . durante anos na França, de repente sua posição se tornou incerta, se não
U m “plano de integração nacional” ampliou a formação lingüísti­ ilegal. Os sans-papiers se organizaram para contestar seu status de foras­
ca, e o ensino do islamismo agora é possível em escolas públicas. Mas o teiro, exigindo ter seus contratos de trabalho tem porários convertidos
racismo é galopante. Em 2010, T hilo Sarrazin, um proem inente político em contratos regulares. Mas, dessa vez, o Estado foi hostil. Enquanto
social-democrata, disse que os turcos e os árabes de Berlim “não estavam alguns m igrantes tiveram suas situações “regularizadas”, m ilhares foram
dispostos a se integrar nem eram capazes disso”. As pesquisas de opinião enviados de volta - 29 m il em 2009. E m abril de 2010, o m inistro da
constataram que a m aioria dos alemães concordava com ele. D em itido imigração anunciou que os sans-papiers que pediram a regularização ainda
como m em bro do conselho do Bundesbank, Sarrazin publicou um best- deveriam ser expulsos.
seller instantâneo, alegando que não queria que seus netos vivessem num a M esm o quando se trata de cidadãos franceses, os m agrebinos são
sociedade dom inada por um a cultura estrangeira. Falar das sombras do “habitantes”, tendo direitos iguais na lei, mas não na prática. Por exem ­
passado é quase um exagero. plo, o C ódigo do Trabalho defende o princípio de tratam ento igual
Agora considere o que está acontecendo na França. Por décadas de­ durante o em prego, mas não abrange a discrim inação no recrutam ento.
pois da Segunda Guerra M undial, a migração de mão de obra foi deixada U m estudo realizado para a Comissão de O portunidades Iguais e A nti-
a cargo de empresas privadas, que recrutavam trabalhadores de fora para discrim inação revelou que, em Paris, as pessoas com nomes magrebinos
suprir a escassez em casa. O período coincidiu com a descolonização das tinham um a probabilidade cinco vezes m enor de serem chamadas para

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um a entrevista de emprego, e os m agrebinos universitários graduados em direção ao trabalho precariado, favorecendo o em prego dos mais
tinham um a probabilidade três vezes m enor de serem entrevistados do conform ados em aceitar salários mais baixos e menos benefícios.
que seus colegas franceses (F a u r o u x , 2 0 0 5 ). N ão surpreende que os A substituição de m igrantes aconteceu mesmo que m uitos deles
m otins nos banlieues (subúrbios de Paris) no final de 2 0 0 5 tenham sido tenham sido enviados ou transportados para casa, muitas vezes a um custo
liderados por magrebinos de segunda geração desiludidos por um sistema pago pelos governos. A Espanha e o Japão ofereceram incentivos em
que proclam ou sua igualdade, mas gerou sua precariedade. dinheiro para os im igrantes partirem ; o R ein o U nido pagou passagens
Esses exemplos - ambos envolvendo m uçulm anos, no coração da só de ida para casa. Mas os governos que tentam reduzir a m igração se
Europa —m ostram como os migrantes outrora acolhidos podem se tornar deparam com a resistência dos interesses comerciais.
forasteiros demonizados mesmo depois de terem criado raízes profundas. Em bora os políticos possam se posicionar em favor dos limites sobre
Eles estão sendo rem arginalizados. a migração e enviando os migrantes de “volta”, as empresas insistem na sua
presença para usá-los com o trabalho barato. N a Austrália, um a pesquisa
constatou que as empresas estavam se recusando a reduzir o núm ero dos
O precariado como reserva flutuante m igrantes qualificados que possuíam vistos, mas não tinham a mesma
Poder-se-ia esperar que a Grande Recessão que seguiu o choque atitude em relação aos trabalhadores locais. Elas estavam pagando aos
de 2008 alterasse o fluxo de m igrantes, mas em um a econom ia global m igrantes menos da m etade do valor que pagavam, ou deveriam pagar,
não é fácil predizer o que acontece. Por exemplo, a m igração de retorno aos trabalhadores locais. N o final das contas, o governo trabalhista se
do R ein o U nido foi considerável em 2009; o núm ero de trabalhadores posicionou ao lado das empresas aceitando que elas não tinham mais que
registrados dos novos países-m em bros da U nião Européia na E uropa dar preferência aos trabalhadores australianos ( K n o x , 2010).
O riental caiu mais de 50%. Foi previsto que 200 m il trabalhadores ca­ Em países europeus, com o a França e a Itália, com seus baixos
pacitados retornariam dos países industrializados para a índia e a C hina índices de natalidade e um a população em processo de envelhecim ento,
nos próxim os cinco anos. Mas, ao mesmo tem po, um a m udança notável as organizações empresariais tam bém têm se oposto à lim itação da m i­
estava ocorrendo. gração, especialm ente a de m ão de obra qualificada. N o R ein o U nido,
A medida que a recessão se aprofundou, a porcentagem do emprego as com panhias m ultinacionais pressionaram o governo de coalizão para
total ocupado pelos m igrantes aumentou bastante. As empresas continua­ que retirasse seus planos de fixar um lim ite m áxim o para o núm ero
ram contratando estrangeiros, mesmo quando o desemprego aum entou. de m igrantes qualificados que entram no país vindos de fora da U nião
O núm ero de pessoas empregadas nascidas no R ein o U nido caiu em Européia. Foram debatidas algumas ideias pouco edificantes, com o a de
654 m il entre o final de 2008 e o final de 2010, enquanto o núm ero de leiloar um núm ero lim itado de autorizações de trabalho.
m igrantes empregados aum entou em 139 m il. E m parte, isso pode ter N o Japão, enquanto alguns políticos se tornam mais insistente­
sido um reflexo da natureza setorial dos cortes de empregos, um a vez m ente antim igrantes e nacionalistas, as empresas têm dado boas vindas
que as antigas indústrias onde se concentravam a classe operária local e aos sul-coreanos, brasileiros de descendência japonesa e trabalhadores
os assalariados de m enor nível foram duram ente atingidas. Isso tam bém chineses afiançados. Nos Estados Unidos, onde se estimava em 2005 que
refletiu um a tendência das empresas de usarem recessões para se livrar os m igrantes irregulares constituíam m etade de todos os trabalhadores
dos trabalhadores mais velhos e mais caros a longo prazo. E refletiu um rurais, um quarto dos trabalhadores da indústria de carnes e aves e um
aum ento da rotatividade do trabalho e a m aior facilidade de m udar para quarto dos trabalhadores das fábricas de m áquinas de lavar louça, os ne­
tem porários de custos mais baixos e para aqueles pagos “por fora”. C om gócios têm favorecido a legalização dos m igrantes em vez das expulsões
um processo global de trabalho flexível, os velhos mecanismos de enfi- ( B l o o m b e r g B u s i n e s s w e e k , 2005).
leiram ento e o sistema LIFO (“ last-in, first-out”, o últim o que entra e o O capital dá boas-vindas à m igração porque ela traz m ão de obra
prim eiro que sai) se rom peram . As recessões agora aceleram a tendência maleável de baixo custo. Os grupos que mais veem entem ente se opõem

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à m igração são a velha classe trabalhadora (branca) e a baixa classe média, adquiridos por m eio de contribuições baseadas no trabalho recom pensa
ambas espremidas pela globalização e que estão caindo no precariado. quem participa do sistema por um longo tem po. Se os benefícios e o
acesso aos serviços sociais são determ inados pela prova de necessidade
financeira, então as pessoas que contribuíram vão perder para aquelas
Da fila aos obstáculos? que, como os m igrantes, são comprovadam ente piores. Para a defm hante
Tradicionalmente, os migrantes eram vistos como pessoas que entram “classe trabalhadora”, isso é visto com o injusto. Então é irônico que no
em um a fila para vagas de empregos. Essa era um a im agem razoavelmente R ein o U nido e em outros lugares o governo social-dem ocrata tenha
precisa na era pré-globalização. Mas as filas já não funcionam, devido, sido responsável por deslocar a politica nessa direção.
principalmente, ao mercado de trabalho e ãs reformas de proteção social. N o R eino Unido, a mudança para o sistema de verificação de recursos
N os mercados de trabalho flexiveis com fronteiras permeáveis, os ajudou a acelerar a dissolução de famífias inteiras da classe trabalhadora,
salários são forçados a baixar para níveis que só serão aceitos de bom grado como demonstrou um estudo pioneiro realizado no extremo leste de Lon­
pelos migrantes, ficando abaixo do que os residentes habituados a um padrão dres por Dench, Gavron e Young (2006). Os migrantes de Bangladesh,
de vida mais alto poderiam tolerar. N o R eino Unido, a queda dos salários sendo os mais pobres, passaram na frente da fila para a habitação social,
e a deterioração das condições nos setores de prestação de cuidados, hospi­ enquanto famílias antigas da classe trabalhadora foram jogadas para o fim
talidade e agricola, onde os migrantes se concentram, têm intensificado a da lista e tiveram de se m udar para encontrar habitação mais barata.
pressão sobre outros setores. A retórica ultranacionalista do primeiro-ministro Os m igrantes, inadvertidam ente, tam bém contribuem para outros
Gordon Brown, em 2007 —“empregos britânicos para trabalhadores britâ­ problemas sociais. Eles são sub-registrados nos censos, o que leva ã su-
nicos” —nada mudou; na verdade, a imigração aumentou. U m a sociedade bestimação de um a população significativa nas áreas onde os m igrantes
mais desigual, combinada com um regime de mão de obra migrante barata, estão concentrados, resultando em subfm anciamento do governo central
possibilitou que os ricos se beneficiassem de babás de baixo custo, faxineiras para escolas, habitação e assim por diante. E m 2010, segundo algumas
e encanadores. Além disso, o acesso aos migrantes qualificados dim inuiu a estimativas, é provável que havia mais de um m ilhão de pessoas vivendo
pressão sobre as firmas para que treinassem os desempregados em habilidades “ilegalm ente” no R ein o U nido.
manuais, deixando os moradores locais em outra desvantagem. C om o os mecanism os de filas deixaram de funcionar, os países
O utra razão para o colapso das filas foi o desmantelamento do siste­ estão buscando outras formas de gerir a m igração. Alguns produzem
ma trabalhista de segurança social. C om o os governos se apressaram em esquemas complexos para selecionar profissões consideradas escassas. Até
substituir o seguro social por assistência social, os cidadãos mais antigos 2010, a Austrália tinha 106 “profissões em dem anda”. Isso foi m udado
se viram em desvantagem no acesso aos benefícios e serviços sociais. E para um a lista “mais direcionada”, projetada para se concentrar em cui­
provável que isso tenha colaborado, mais do que qualquer outra coisa, dados de saúde, engenharia e m ineração. Tais medidas não funcionam
para atiçar a indignação dos m igrantes e das m inorias étnicas, particu­ bem. N o R ein o U nido, os vistos Tier 1 são concedidos aos im igrantes
larm ente nas áreas urbanas decadentes que haviam sido redutos da classe considerados possuidores de “altas habilidades” que estão em falta. N o
trabalhadora. E nquanto alguns de seus próprios m em bros culpavam a entanto, em 2010, identificou-se que pelo menos 29% dos portadores de
derrota do Partido Trabalhista nas eleições gerais do R ein o U nido em visto Tier 1 estavam fazendo trabalhos não qualificados (UKBA, 2010),
2010 por sua incapacidade de atingir a classe trabalhadora branca nas o que é parte de um processo de “desperdício de cérebros”.
questões sobre a imigração, eles não conseguiam ver, ou não queriam Tam bém se tornou mais difícil obter a cidadania do R ein o U nido.
reconhecer que o sistema de verificação de recursos que eles próprios Em 2009, inspirado em um program a australiano, o R ein o U nido deli­
haviam construído era o principal problema. neou planos para perm itir que os im igrantes “ganhassem” um passaporte
A verificação de recursos destruiu um pilar do Estado do bem - ao acum ular pontos de acordo com alguns critérios, com o prestação de
estar social. U m tipo de sistema de seguro social com base em direitos trabalho voluntário, saber falar inglês, pagar impostos, ter habilidades

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úteis e estar preparado para viver em regiões do país onde há u m déficit o capitalismo nacional foi construído sobre a m igração das zonas
de competências. A m udança para um sistema baseado em pontos, em rurais para as cidades, conduzida pelo êxodo da zona rural inglesa para
vez de dar u m direito autom ático à cidadania para os m igrantes que os m oinhos e fábricas, mas repetida em todo o m undo em formas le­
tinham vivido no país por cinco anos sem antecedentes crim inais, sig­ vem ente diferentes. Nas economias industrializadas atuais, os governos
nificava que o governo podia alterar as barreiras quando quisesse. U m a têm facilitado a transição estabelecendo zonas de processamento de ex­
fonte do M inistério do Interior disse: “seremos mais duros ao conceder portação em que os regulam entos trabalhistas são brandos, a negociação
cidadania às pessoas. N ão haverá mais o direito autom ático e a ligação sindical é restrita, os contratos tem porários são a norm a e os subsídios são
entre trabalho e cidadania está efetivamente quebrada” ( H i n s l i f f , 2009). dirigidos para as empresas. Essa história é bem conhecida. O que pouco
Isso significa converter os m igrantes em habitantes perm anentes, se com preende é a form a com o a m aior m igração da história está sendo
mais aparelhados para o precariado. O governo trabalhista do R ein o organizada para acelerar e reestruturar o capitalismo global.
U nido tam bém estava planejando um sistema baseado em pontos para O capitalism o global tem sido construído a p a rtir do trabalho
os m igrantes tem porários, restringindo as autorizações de trabalho para m igrante, inicialm ente no que costumava ser cham ado de N IC s (newly
aqueles oriundos de fora da U nião Européia e colocando algumas pro­ industrialising countries, ou países recém-industrializados). R ecordo-m e
fissões fora da lista daquelas consideradas escassas. E m 2010, o novo de muitas visitas feitas na década de 1980 às zonas de processamento de
governo de coalizão apertou ainda mais o processo. exportação da Malásia para fábricas dirigidas por alguns dos grandes
E m resum o, com o o velho sistema de filas se dissolveu e com o os nomes do capital global, tais com o M otorola, H onda e H ew lett Packard.
governos não podem ou não querem reverter as reformas do mercado Ali não havia um proletariado em formação, mas um a precária força de
de trabalho que instituíram , eles têm buscado aum entar cada vez mais as trabalho tem porária. M ilhares de jovens m ulheres das kampongs (aldeias)
barreiras de entrada, tornar o status de “ habitante” dos m igrantes mais foram alojadas em albergues miseráveis, e esperava-se que cumprissem
precário, além de encorajá-los e obrigá-los a ir embora quando não forem jornadas de trabalho semanais extrem am ente longas e que fossem embora
mais necessários. Isso abre algumas possibilidades indecorosas. depois de m uitos anos, quando sua saúde e suas capacidades tivessem se
deteriorado. M uitas saíram de lá com baixa visão e problemas crônicos
de coluna. O capitalismo global foi construído sobre suas costas.
Migrantes como mão de obra barata
Esse sistema ainda funciona no últim o grupo das economias de
nos países em desenvolvimento m ercado emergentes, tais com o Bangladesh, Cam boja e Tailândia. O
sistema tam bém abarca m igrantes internacionais. Assim, na Tailândia, em
Seu trabalho é glorioso e merece o respeito
2010, havia três m ilhões de m igrantes, a m aioria em situação irregular,
de toda a sociedade.
muitos deles de M ianm ar (Burma). Depois de surgirem tensões, o governo
W e n J iabao , p rim e iro -m in istro chinês,
lançou um regim e de registro, ordenando que os m igrantes solicitassem
ju n h o de 2010
aos seus países de origem passaportes especiais, de m odo que pudessem
trabalhar legalm ente e, em princípio, ter acesso aos benefícios e serviços
Morrer é a única maneira de atestar que já vivemos.
Talvez para os funcionários da Foxconn e para funcionários do Estado. O s m igrantes provenientes de M ianm ar não queriam voltar
como nós - que somos chamados de n o n g m in g o n g , para lá, tem endo não serem capazes de sair de novo. Então, a m aioria dos
trabalhadores rurais migrantes, na China — a utilidade da que se registraram era de Laos e do Cam boja. N ão se registrar dentro do
morte seja apenas atestar que estávamos sempre vivos em prazo significava prisão e deportação. N a prática, isso não foi sistemático,
tudo, e que, enquanto vivemos, tínhamos apenas desespero. um a vez que as empresas tailandesas dependiam do trabalho m igrante
Blog de u m trabalhador chinês, depois do décim o para empregos de baixa rem uneração e não queriam que m ilhões deles
segundo suicídio p o r salto na F oxconn fossem expulsos. Porém , de acordo com a H um an R ights W atch (2010),

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mesmo os m igrantes legais sofriam terríveis abusos, ficavam à m ercê dos de virada, o que pode ser um a ilusão. As áreas rurais ainda contêm 40%
empregadores, não tinham permissão para se reunir ou se filiar a sindi­ da força de trabalho da C hina - 400 m ilhões de pessoas definham em
catos, não podiam viajar livrem ente, muitas vezes seus salários não eram péssimas condições, muitas à espera de serem arrastadas para o precaria­
pagos, eram sujeitos à demissão sumária e m altratados por funcionários do. M esm o se não houvesse um rápido aum ento da produtividade nessas
que, supostam ente, os protegiam . oficinas industriais, o que é bastante improvável, haverá lá um suprimento
Essas são as realidades do mercado de trabalho nas economias de de m ão de obra durante muitos anos. N o m om ento em que o excedente
m ercado emergentes. Em bora as companhias e as agências internacionais encolher e os salários subirem na C hina e em outras economias em er­
pudessem tom ar mais providências para corrigi-las, elas continuarão. N o gentes da Asia, os efeitos descendentes sobre os salários e as condições de
entanto, mais relevante para a compreensão da formação do precariado trabalho nas atuais sociedades terciárias ricas, principalm ente na Europa
global são os desenvolvimentos na econom ia chinesa, que está se to r­ e na Am érica do N orte, terão sido concluídos.
nando, rapidam ente, a m aior do m undo. Alguns analistas acreditam que o que podem os cham ar de “fase
O Estado chinês tem formado um a força de trabalho de “habitantes” do precariado” do desenvolvimento chinês está chegando ao fim porque
diferente de qualquer outra jamais criada. O país tem um a população ativa o núm ero de trabalhadores jovens, o principal grupo de “ habitantes”
de 977 milhões de pessoas, que atingirá 993 milhões em 2015. Cerca de tem porários, está dim inuindo. Colocando tais afirmações em perspec­
200 milhões são migrantes rurais atraídos para as novas oficinas industriais, tiva, ainda haverá mais de 200 m ilhões de chineses com idade de 15 a
onde os contratantes chineses e estrangeiros atuam como intermediários de 29 anos em 2020, e cinco em cada seis trabalhadores rurais com idade
reconhecidas corporações multinacionais de todo o mundo. Esses migrantes inferior a 40 anos ainda dizem que estariam dispostos a m igrar para
são o m otor do precariado global, tornam -se “habitantes” em seu próprio aqueles empregos tem porários.
país. Pelo fato de serem incapazes de obter a permissão de residência hukou, As condições do trabalho m igrante na C hina não são acidentais. As
são forçados a viver e a trabalhar precariamente e não têm os direitos dos marcas registradas internacionais adotaram práticas de aquisição antiéticas,
nativos urbanos. O governo está cavalgando um tigre. Por duas décadas, resultando em condições ahaixo do padrão em suas cadeias de fornecimen­
ele m oldou essa força de trabalho flexível de jovens migrantes subsidiados to. A W alm art, m aior varejista do m undo, adquire anualmente 30 bilhões
por suas famílias rurais, tratando-os como descartáveis e esperando que de dólares em bens baratos a partir dessas cadeias de fornecimento, o que
voltem furtivamente para casa depois que seus anos mais produtivos tiverem ajudou os americanos a viverem além de seus recursos. Outras empresas
passado. Houve paralelos históricos, mas eles são modestos se comparados foram capazes de inundar o mercado m undial com seus gadgets enganosa­
à vastidão do que tem sido feito na China. m ente baratos. Os contratantes locais têm usado métodos ilegais abusivos
Depois do choque de 2008, que atingiu as exportações chinesas, para aum entar a eficiência de curto prazo, gerando queixas e resistência
25 m ilhões de m igrantes foram cortados, em bora eles não aparecessem quanto ao local de trabalho. Os funcionários chineses locais, em conluio
nas estatísticas de desemprego porque, sendo “ilegais” em seu próprio com a gestão empresarial, têm negligenciado sistematicamente os direitos
país, não tinham acesso aos benefícios de desemprego. M uitos voltaram dos trabalhadores, resultando em miséria e desigualdades mais profundas.
para suas aldeias, outros sofreram cortes nos salários e perderam os be­ Apesar das crescentes tensões, o sistema de registro hukou tem sido
nefícios da fábrica. A indignação cresceu; m ilhares de protestos e greves m antido. M ilhões de residentes urbanos continuam com o “habitantes”,
locais - mais de 120 m il em um ano - foram ocultados do conhecim ento sem direito ã educação, serviço de saúde, habitação e benefícios esta­
público; o estresse se aprofundou. tais. Em bora os prim eiros nove anos de ensino devessem ser gratuitos
A m edida que a econom ia se recuperou, o Estado tentou dim inuir para todos, os m igrantes são forçados a enviar seus filhos para escolas
um pouco a pressão. A guentou firm e enquanto algumas greves públicas particulares ou m andá-los para casa. C om o os pagam entos anuais da
ocorreram em fábricas de propriedade estrangeira, um a m udança de escola podem eqüivaler a várias semanas de salário, m ilhões de filhos de
postura interpretada por m uitos analistas estrangeiros com o um ponto m igrantes ficam na zona rural, raram ente vendo seus pais.

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A reform a das regras do hukou acontece lentam ente. E m 2009, a foi o transporte por quase 5 m il quilôm etros, organizado pelo governo,
cidade de X angai declarou que, doravante, sete anos de trabalho na ci­ de m uçulm anos uigures de língua turca para trabalharem para a fábrica
dade dariam o direito de um hukou a alguém , desde que a pessoa tivesse de brinquedos X u ri, em G uangdong. O s uigures, alojados p erto da
pagado as contribuições fiscais e previdenciárias. N o entanto, a m aioria m aioria han, recebiam m uito menos do que os hans que eles substituí­
dos m igrantes que não têm um hukou tem contratos inadequados e não ram. Em ju n h o de 2009, em m otins provocados pelo suposto estupro
pagam impostos ou contribuem para fundos de previdência. Esperava-se de um a m ulher local, um a m ultidão han m atou dois uigures. Q uando
que apenas 3 m il dos m ilhões de m igrantes de X angai se qualificassem a notícia foi retransm itida à província noroeste de X injiang, lar dos u i­
para um hukou sob a nova regra. gures, irrom peram protestos de rua em U rum qi, sua capital, resultando
Por enquanto, os m igrantes m antêm um a ligação com a zona rural em muitas mortes.
porque ela fornece certa segurança, incluindo direitos a um pedaço de O incidente da fábrica de brinquedos foi um a faísca. D urante anos,
terra e de cultivar um pequeno campo. E por isso que m ilhões se agru­ o governo deslocou pessoas de áreas de baixa renda para as prósperas
pam fora das cidades por volta do A no N ovo Chinês, retornando às suas províncias orientais impulsionadas pelo crescim ento nas exportações.
aldeias para ficar com os parentes, para renovar os vínculos e cuidar da Mais de 200 m il pessoas de X injiang se m udaram em apenas um ano,
terra. A tensão de ser um trabalhador flutuante foi resum ida por um a assinando contratos de um a três anos antes de viajarem para viver nos
pesquisa realizada pela Universidade R en m in , em 2009, que m ostrou dorm itórios úm idos e apertados da fábrica. Elas estavam participando de
que um terço dos jovens m igrantes aspirava construir um a casa na sua um processo extraordinariam ente rápido. Os parques industriais brota­
aldeia em vez de comprá-la na cidade. Apenas 7% se identificavam como vam quase da noite para o dia. Aquela fábrica de brinquedos havia sido
pessoas da cidade. um pom ar apenas três anos antes. Os im igrantes eram um a com unidade
O status de “ habitante” dos m igrantes é fortalecido pelo fato de tem porária. Simbolicamente, situada na base de u m poste de eletricidade
não poderem vender suas terras ou casas. Sua âncora rural os im pede de fora do portão da fábrica, havia um a tela de T V gigante, patrocinada pela
adquirir raízes em áreas urbanas e evita que a produtividade e os ren­ Pepsi, onde centenas se reuniam todas as noites para assistir aos filmes
dim entos rurais aum entem por m eio da consolidação de terra. As áreas de k u n g fu depois dos turnos.
rurais fornecem um subsídio para o trabalho industrial, perm itindo que Apaziguar um a força de trabalho itinerante é bastante difícil. E, pela
sejam m antidos os salários em dinheiro abaixo do nível de subsistência, extensão do movimento, era inevitável que as tensões aumentassem. Com o
barateiam ainda mais para os consum idores do m undo todo aquelas um trabalhador han disse a um jornalista: “Q uanto mais eles chegavam,
mercadorias extravagantes. A reform a tem sido considerada, mas o Par­ mais as relações pioravam”. Nesses distúrbios, os uigures afirmavam que sua
tido C om unista tem e suas conseqüências. Afinal, quando a crise global taxa de mortalidade foi subestimada e que a pohcia não os protegia. Seja
golpeou o país, o sistema rural agiu com o um a válvula de segurança, qual for a verdade, a violência era um resultado quase inevitável da migração
com m ilhões de pessoas voltando para o campo. em massa de trabalhadores temporários através de culturas desconhecidas.
O precariado chinês é, sem dúvida, o m aior grupo desse tipo do A m igração interna na C hina é o m aior processo m igratório que
m undo. As antigas gerações de cientistas sociais o cham ariam de se- o m undo já conheceu. Ela faz parte do desenvolvimento do sistema de
m iproletário. Mas não há nenhum a razão para pensar que eles estão se mercado de trabalho global. Esses m igrantes estão alterando o m odo de
tornando proletários. Prim eiro, os empregos estáveis teriam de surgir e organização e compensação do trabalho em todas as partes do m undo.
perm anecer. Isso é improvável e certam ente não acontecerá antes que
as tensões sociais piorem ainda mais.
Agora mesmo, enquanto as autoridades estão organizando a m i­ O s regimes emergentes de exportaçio de m io de obra
gração em massa, a força de trabalho flutuante tem representado um a U m a antiga característica da globalização é que um as poucas eco­
ameaça para os habitantes locais, criando tensões étnicas. U m exemplo nomias de mercado emergentes, especialmente no O riente M édio, se

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tornaram ímãs para a m igração de outras partes do m undo. Em 2010, A C hina se aproveitou de sua combinação de grandes corporações
90% da força de trabalho dos Em irados Árabes U nidos era estrangeira; estatais com acesso ao capital financeiro e de um a enorm e oferta de tra­
no Q atar e no Kuwait, mais de 80%; e na Arábia Saudita, 50%. E m um a balhadores resignados a trabalhar por um a ninharia. A C hina está ope­
época de retração econômica, as autoridades instruíram as empresas a rando na África um a variante do Plano M arshall, adotado pelos Estados
dem itir prim eiro os estrangeiros. N o Bahrain, onde os estrangeiros retêm Unidos para ajudar a Europa O cidental a se recuperar da devastação da
80% dos empregos do setor privado, o governo cobra 200 dinares barei- Segunda C uerra M undial. Pequim oferece empréstimos de baixo custo
nitas (530 dólares) por um visto de trabalho e 10 dinares por mês para para os governos africanos construírem a infraestrutura necessária para
cada estrangeiro empregado. Desde 2009, perm itiu que os estrangeiros as fábricas chinesas. E m seguida, im portam trabalhadores chineses para
largassem seu empregador-patrocinador, dando-lhes quatro semanas para fazer a m aior parte do trabalho.
encontrar um novo emprego antes de deixar Bahrain. A C hina tam bém tem conseguido contratos em outros lugares,
Essa form a da m igração se espalhou, de m odo que grupos dos utilizando seus próprios trabalhadores para fazer os trabalhos de constru­
países mais pobres podem ser encontrados trabalhando em desconforto ção, edificando usinas de energia, fábricas, ferrovias, estradas, linhas de
e opressão em países localizados mais acima no espectro de renda. N o m etrô, centros de convenções e estádios. Até o final de 2008, segundo
processo, m ilhões de m igrantes trabalhando em qualquer coisa, desde o M inistério do C om ércio da C hina, 740 m il chineses foram em pre­
babás e lavadores de louça até encanadores e estivadores, estão envian­ gados oficialmente no exterior, em países tão diversos com o Angola,
do mais dinheiro para os países de baixa renda do que é enviado via Indonésia, Irã e Uzbequistão. O núm ero está crescendo. D e acordo com
ajuda oficial. O Banco M undial estima que, em 2008, os trabalhadores Diao C hunhe, diretor da C hina International C ontractors’ Association,
estrangeiros enviaram 328 bilhões de dólares de países mais ricos para os gerentes de projetos chineses relatam que preferem os trabalhadores
países mais pobres, três vezes mais do que todos os países da O C D E chineses porque eles são mais fáceis de gerenciar. Talvez assustar seja um a
enviaram com o ajuda. A índia, sozinha, recebeu 52 bilhões de dólares palavra m elhor do que gerenciar.
de sua diáspora. Os corretores de trabalho chineses tam bém estão prosperando.
N o entanto, um novo fenôm eno está surgindo na form a de trans­ Após um acordo de 2007 entre os governos chinês e japonês, um grande
ferência em massa organizada de trabalhadores da C hina, índia e outras núm ero de jovens trabalhadores chineses foi induzido a pagar aos corre­
econom ias de mercado asiáticas. H istoricam ente, esse tipo de prática tores grandes taxas e, um a vez transportados para o Japão, são obrigados
era semelhante a um gotejam ento, com governos e empresas enviando a garantir pagamentos adicionais quando com eçarem a receber seus sa­
umas poucas pessoas para trabalhar no exterior por um curto período de lários. Atraídos pela promessa de “aprender” habilidades em um regim e
tem po. N o início da era da globalização, foi realizada m uita exportação aprovado por seu governo, os m igrantes afiançados estão trabalhando
organizada de empregadas domésticas filipinas e trabalhadores similares, em verdadeira escravidão no processamento de alimentos, na construção
que geralm ente tinham laços pessoais para garantir seu retorno. Hoje, e nas firmas m anufatureiras de vestuário e elétricas nas quais eles estão
nove m ilhões de filipinos trabalham no exterior, cerca de um décim o da concentrados ( T a b u c h i , 2010). São forçados a trabalhar durante longas
população filipina; suas remessas constituem 10% do produto nacional horas semanais por um salário abaixo do m ínim o num país onde a sua
bruto (PIB) do país. O utros países ficaram atentos. presença é ressentida e onde não podem esperar nenhum apoio institu­
Liderados pela C hina, os governos e suas principais empresas estão cional diante de um desrespeito à legislação.
organizando a exportação sistemática de trabalhadores tem porários às M uitos são isolados, acabando em regiões distantes, vivendo em
centenas de m ilhares. Esse “regim e de exportação de m ão de obra” está dorm itórios da com panhia, proibidos de se afastarem demais de seus
ajudando a transform ar o mercado de trabalho global. Ele é feito pela locais de trabalho, incapazes de falar japonês. A arm adilha do trabalho
índia de diferentes maneiras. O resultado é que exércitos de trabalhadores forçado significa que eles tem em ser enviados de volta antes de ganharem
estão sendo mobilizados e m ovim entados em todo o m undo. o suficiente para pagar as dívidas com os corretores, o que eqüivale a mais

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de um ano de salário. A menos que eles possam pagar, correm o risco Em bora o V ietnã proíba a im portação de trabalhadores sem qua­
de perder sua única posse, sua casa na C hina, muitas vezes apresentada lificações e exija que os contratantes estrangeiros contratem vietnam itas
com o garantia quando m orderam a isca. Em bora alguns possam adquirir para os projetos de trabalhos civis, 35 m il trabalhadores chineses estão
habilidades, a m aioria está no precariado global, um a fonte de trabalho no país. M uitos estão enclausurados em dorm itórios lúgubres nos locais
inseguro, que funciona com o alavanca para padrões mais baixos. onde as empresas chinesas ganharam contratos do governo ( W o n g ,
O Japão não é um caso isolado. D e todos os lugares, devido ao 2009), ignorando os regulam entos m ediante o pagam ento de subornos.
seu status de m odelo para os social-democratas, a Suécia viu-se como H á povoações inteiras ocupadas por m igrantes chineses. E m um local
o centro de atenção da crítica em meados de 2010, quando foi revelado de construções no porto de H aiphong, brotou um a C hinatow n, com
que m ilhares de m igrantes chineses, vietnam itas e bengalês haviam sido complexos de dorm itórios, restaurantes, salões de massagem e assim
levados para lá, m uitos com vistos de turista, para trabalhar nas florestas por diante. U m gerente de instalações resumiu: “Eu fui trazido para cá
do norte do país, colhendo amoras brancas silvestres, m irtilos e amoras e estou cum prindo o m eu dever patriótico”. O s trabalhadores chineses
alpinas para o uso em cosméticos, xaropes medicinais e suplementos nu­ são segregados por grupos profissionais, com o soldadores, eletricistas e
tricionais. Os salários e as condições de trabalho para os colhedores são operadores de guindaste. U m poem a na porta de um dos dorm itórios
notoriam ente ruins, e as firmas estavam usando contratantes para trazer diz: “Somos seres que flutuam ao redor do m undo. Encontram os uns
asiáticos en masse. Verificou-se que eles estavam sendo amontoados em aos outros, mas nunca chegamos realm ente a conhecer uns aos outros”.
habitações precárias sem saneam ento básico, sem agasalhos ou coberto­ D ificilm ente im aginaríam os um a mensagem mais com ovente por parte
res para enfrentar as noites geladas. Q uando chegou ao ponto de alguns do precariado global.
m igrantes nem ao menos terem sido pagos, eles com eçaram a prender A raiva eclodiu em 2009, quando o governo vietnam ita deu um
os chefes a fim de cham ar atenção para a sua situação. contrato para a C hina A lum inium C orp explorar bauxita usando tra­
O Conselho de M igração Sueco reconheceu que havia em itido balhadores chineses. O general Vo N guyen Giap, ícone da G uerra do
autorizações de trabalho para 4 m il asiáticos, mas afirm ou que não podia Vietnã, com 98 anos de idade, enviou três cartas públicas aos líderes
acompanhar os abusos porque não tinha autoridade para isso. O Sindicato de partidos em protesto ao aum ento da presença chinesa. E m resposta
M unicipal dos Trabalhadores, K om m unal, ganhou o direito de organizar à agitação, o governo deteve os dissidentes, fechou os blogs que faziam
os catadores, mas adm itiu que não poderia chegar a um acordo com as críticas e ordenou aos jornais que parassem de com entar o uso da mão
empresas porque as agências de recrutam ento estavam localizadas na de obra chinesa. Tam bém enrijeceu a emissão de vistos e as requisições
Ásia. O governo assumiu um a posição semelhante (S a l t m a r s h , 2010). de autorização de trabalho e, em um gesto populista, deportou 182 tra­
U m porta-voz do M inistério da M igração afirmou: “É difícil para o balhadores chineses de um a fábrica de cim ento. Sua atitude, no entanto,
governo agir sobre contratos assinados no exterior”. O u será que eram não podia ser tão exaltada, pois ele tam bém está construindo um regim e
apenas suecos de classe m édia querendo suas frutas silvestres? de exportação de trabalho. C ontando com 86 m ilhões de pessoas, o seu
Esses são conflitos em um quadro mais amplo. O regim e de ex­ potencial para isso é grande. M eio m ilhão de vietnam itas já está traba­
portação de trabalho podia ser um prenúncio do sistema global de tra­ lhando no exterior em catorze países, de acordo com a Confederação
balho que estava por vir. Ele está levando a protestos e violência contra Geral do Trabalho vietnam ita.
os trabalhadores chineses e a esforços de países com o o Vietnã e a índia Q uando Laos venceu sua candidatura para sediar os Jogos do Su­
para reform ar as leis trabalhistas a fim de restringir o núm ero daqueles deste Asiático, a C hina se ofereceu para construir um a “piscina” fora da
trabalhadores. E difícil negar que os chineses estão tom ando os em pre­ capital Vientiane, em troca de um contrato de arrendam ento por 50 anos
gos dos habitantes locais, não indo em bora após o período contratual e de 1.600 hectares de terra privilegiada, onde a Suzhou Industrial Park
isolando-se em enclaves similares às com unidades m ilitares dos Estados Overseas Investm ent C om pany da C hina desejava construir fábricas. Os
Unidos em todo o m undo. protestos eclodiram quando se soube que a empresa estava levando 3 m il

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trabalhadores chineses para fazer o trabalho de construção. O tam anho A índia negociou acordos de seguro social com a Suíça, Luxem bur­
do terreno arrendado foi, posteriorm ente, reduzido para 200 hectares. go e os Países Baixos, e está em negociação com outras nações com um a
Mas a grana já tinha sido injetada. grande força de trabalho im igrante indiana. Acordos cobrindo práticas
H á um elem ento mais sinistro nesse regim e de exportação de tra­ de recrutam ento, term os de emprego e bem -estar têm sido conseguidos
balho. A C hina possui a m aior população carcerária do m undo, estimada com a Malásia, B ahrain e Qatar. Isso faz parte do processo de trabalho
em cerca de 1,6 m ilhões em 20 0 9 . O governo perm ite que as firmas usem global. Parece repleto de perigos morais e imorais.
prisioneiros com o trabalhadores em projetos de infraestrutura na África Os m ilhões de m igrantes atraídos para os regimes de exportação
e na Ásia, com o é exemplificado pelo uso de m ilhares de condenados de trabalho fazem parte da política externa e comercial. Eles reduzem
no Sri Lanka (C h e l l a n e y , 2010). A C hina tem se estabelecido como os custos de produção e facilitam o fluxo de capital para seus países de
a principal construtora de barragens do m undo, e sua especial força de origem , na form a de remessas. São um a fonte de m ão de obra extre­
trabalho precária tem sido parte desse em penho. Os presos são liberta­ m am ente barata, que opera como um precariado colossal e conduz os
dos em condicional para esses projetos e usados com o trabalhadores de mercados de trabalho do país anfitrião em direções semelhantes. Se isso
curto prazo, sem qualquer perspectiva de “carreira”. Em bora reduzam as é encontrado no Vietnã, U ganda, Laos, Suécia e outros países, devemos
chances de empregos que chegam aos m oradores locais, eles sem dúvida reconhecer que estamos vendo um fenôm eno global que, de fato, está
são “mais fáceis de gerenciar”. crescendo m uito rapidam ente. Os regim es de exportação de m ão de
A C h in a está m udando seu regim e de exportação de trabalho obra estão aproveitando as condições de trabalho nos países receptores.
para a Europa. N a seqüência da crise financeira, tirou vantagem de suas Os m igrantes estão sendo usados para acentuar o crescim ento do pre­
reservas cambiais para com prar ativos desvalorizados na periferia da cariado global.
Europa, concentrando-se em portos da Grécia, Itália e de outros países,
e oferecendo bilhões de dólares para financiar infraestruturas públicas
usando firmas e trabalhadores chineses. Em 2009, a C hina cobriu um Reflexões concludentes
lance das firmas europeias para construir um a rodovia na Polônia usando Os m igrantes são a infantaria ligeira do capitalismo global. U m
trabalhadores chineses e subsídios europeus. vasto núm ero deles com pete entre si por empregos. A m aioria tem de
A índia também está se mudando para o grupo. Mais de cinco milhões se acom odar em contratos de curto prazo, com baixos salários e poucos
de indianos estão trabalhando no exterior, 90% deles no Golfo Pérsico. Em benefícios. O processo é sistêmico, não acidental. O m undo está ficando
2010, o governo indiano anunciou planos para um “fundo de retorno e cheio de “ habitantes”.
reassentamento” baseado em contribuições para os trabalhadores estran­ A propagação do estado-nação fez com que “pertencer à com unida­
geiros que forneceria benefícios na sua volta. Tam bém foi estabelecido um de em que se nasce não seja mais um a questão de trajetória e não pertencer
Fundo da Com unidade Indiana para fornecer auxílio de emergência aos não seja mais um a questão de escolha” (A r e n d t , [1951] 1986, p. 286).
trabalhadores necessitados em dezessete países. Trata-se de um sistema de Os m igrantes de hoje raram ente são apátridas num sentido de jure; não
proteção social paralelo, um precedente perigoso. O fundo apoia medidas de são expulsos da hum anidade. Mas falta-lhes segurança e oportunidade
bem-estar, incluindo alimento, abrigo, assistência de repatriação e socorro. para a filiação aos países para onde se m udam . M uitos não têm cidadania,
Esses trabalhadores não estão entre os indianos mais pobres, mesmo que são “ habitantes” defacto, mesmo em seu próprio país, com o na China.
sejam explorados e oprimidos. O esquema é um subsídio para os trabalha­ M uitos migrantes são “convidados mal tolerados” (G ib n e y , 2009, p.
dores de risco e para os países que os empregam. Ele reduz a pressão sobre 3). Alguns analistas (como S o y sa l , 1994) acreditam que as diferenças nos
os governos para fornecer proteção social aos migrantes, enquanto torna direitos dos cidadãos e não cidadãos têm dim inuído, devido a norm as de
mais barato para as empresas usarem a mão de obra indiana. Quais seriam direitos hum anos pós-nacionais. Porém, outros veem u m fosso crescente
as conseqüências se muitos países seguissem o exemplo indiano? entre os direitos legais formais e as práticas sociais (por exemplo, Z olberg ,

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1995). O que podem os dizer é que, em um sistema flexível aberto, são fazem o jogo populista, colocando a culpa do resultado na preguiça dos
necessárias duas metas de seguridade para a realização dos direitos - a m oradores locais, justificando, assim, tanto controles mais rígidos sobre
segurança de renda básica e segurança de expressão. Os “habitantes” não a m igração quanto maiores cortes de benefícios para os desempregados.
têm voz. Exceto quando estão desesperados, eles m antêm a cabeça baixa, Isso dem oniza dois grupos que agradarão a classe média, expondo os
na esperança de não serem notados enquanto cuidam da sua ocupação utilitaristas em sua form a mais oportunista. N ão é a “preguiça” ou a
de sobrevivência diária. O s cidadãos têm a segurança inestimável de não m igração que é culpada; é a natureza do m ercado de trabalho flexível.
estarem sujeitos à deportação ou ao exílio, em bora mesmo assim tenha Mas, pelo contrário, no discurso público, os m igrantes são cada
havido alguns deslizes preocupantes. Eles podem entrar e sair de seu país; vez mais apresentados como “sujos, perigosos e m alditos”. Eles “trazem ”
os “ habitantes” nunca têm certeza disso. doenças e hábitos estranhos, são um a ameaça para os “nossos empregos
A combinação de um precariado formado por migrantes, um sistema e m odo de vida”, são “vítim as arruinadas” traficadas, prostitutas, ou
de assistência social baseado em im posto e um sistema de tributação que tristes espetáculos da hum anidade. O resultado dessas atitudes grosseiras
coloca mais ênfase no im posto de renda incidente principalm ente sobre é o estabelecim ento de um m aior núm ero de guardas de fronteira e de
as pessoas situadas em torno da renda m édia acentua a hostilidade contra condições mais duras para a entrada dos m igrantes. Vemos esse endu­
os m igrantes e os “estrangeiros”. A estrutura que deixa os contribuintes recim ento nos sistemas de pontos e nos frívolos testes de cidadania que
com a sensação de que estão pagando as contas para os m igrantes pobres estão sendo adotados em alguns países. Os traços de caráter duvidoso de
significa que as tensões não podem ser descartadas com o preconceito ra­ uns poucos indivíduos são apresentados com o tendências normais contra
cial. Elas refletem o abandono do universalismo e da solidariedade social. as quais o Estado deve tom ar as precauções m áximas. Cada vez mais, os
As tensões estão aum entando. D e acordo com um a pesquisa de m igrantes são culpados até que possam provar a inocência.
opinião pública feita em seis países europeus e nos Estados U nidos, em N o fundo, o que vem acontecendo é um aprofundam ento da hos­
2009, o R ein o U nido era o mais hostil aos m igrantes, pois cerca de 60% tilidade atiçada por políticos populistas e dos tem ores de que a Grande
das pessoas acreditavam que eles tom avam os empregos dos nativos. Isso Recessão esteja se transform ando em declínio a longo prazo. Voltaremos
é com parado a 42% dos norte-am ericanos, 38% dos espanhóis, 23% dos a isso após considerarmos outro aspecto do precariado, a sua perda de
italianos e 18% dos franceses. Nos Países Baixos, um a m aioria acreditava controle do tem po.
que os m igrantes aum entam a crim inalidade. O R ein o U nido teve o
m aior núm ero de pessoas (44%) dizendo que os im igrantes legais não
deviam ter direito igual aos benefícios, sendo seguido pela Alem anha, os
Estados U nidos, o Canadá, os Países Baixos e a França. As pesquisas de
2010 m ostraram um conjunto de atitudes ainda pior em todos os lugares.
Em países ricos da O C D E , a m igração envolve um a arm adilha de
precariedade especial. Os salários reais e os empregos com potencial de
carreira estão declinando, criando u m efeito de frustração de status. Os
que se tornam desempregados enfrentam a perspectiva de empregos que
oferecem salários mais baixos e menos conteúdo profissional. E injusto
criticá-los po r se sentirem indignados ou se tornarem relutantes para
desistir de habilidades e expectativas adquiridas há m uito tem po. E n ­
tretanto, os m igrantes vêm de lugares onde tinham renda e expectativas
mais baixas, o que os torna mais preparados para aceitar empregos de
tem po parcial, de curto prazo e profissionalmente restritivos. Os políticos

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Capítulo 5 XIV, po r exemplo, diferentes partes da Inglaterra funcionavam com
variantes locais de tem po, adaptadas às ideias tradicionais da agricultura
Tarefa, trabalho e o arrocho do tempo local. Passaram-se várias gerações antes que o Estado pudesse im por um
padrão nacional. A falta de padronização ainda existe entre nós, visto
que tem os um a sociedade e um a econom ia globais, mas múltiplos fusos
horários. M ao forçou toda a C hina a adotar o fuso de Pequim , como
um a form a de construir o Estado. O utros países estão cam inhando na
mesma direção em nome da eficiência dos negócios. Na Rússia, o governo
está planejando reduzir o núm ero de fusos horários de onze para cinco.
Os fusos horários funcionam porque estamos naturalm ente habitua­
dos à luz do dia e socialmente habituados ao conceito de dia de trabalho.
O ritm o biológico está em harm onia com a luz do dia e a escuridão,

N ão podem os com preender a crise da Transform ação Global e a


pressão que se desenvolve sobre o precariado sem entender o que a so­
quando o ser hum ano dorm e e relaxa, recuperando-se das atividades do
dia. Porém , a econom ia global não tem nenhum respeito pela psicologia
hum ana. O m ercado global é um a m áquina que funciona no esquema
ciedade de mercado global está fazendo com a nossa percepção de tempo. 24/7; nunca dorm e ou relaxa; não tem nenhum respeito pela luz do dia
H istoricam ente, cada sistema de produção tinha com o estrutura ou escuridão, pela noite e pelo dia. H orários predeterm inados são um
norteadora um conceito específico de tem po. N a sociedade agrária, a estorvo, um rigor desnecessário, um a barreira ao comércio e ao totem da
tarefa e o trabalho eram adaptados ao ritm o das estações e das condições época —a com petitividade —e são contrárias ao ditam e da flexibilidade.
climáticas. Q ualquer ideia de um dia de trabalho norm al de 10 ou 8 Se um país, empresa ou indivíduo não se adapta ã cultura do tem po 24/7,
horas teria sido absurda. N ão havia sentido em tentar arar a terra ou fazer haverá um preço a pagar. N ão se trata mais de um caso de “Deus ajuda
a colheita sob um a chuva torrencial. O tem po podia não esperar pelo quem cedo m adruga”; o ajudado, nesse caso, é o insone.
hom em , mas o hom em respeitava seus ritm os e variações espasmódicas. A segunda m udança diz respeito ã form a com o tratam os o tem po
Isso ainda é o que acontece em grande parte do m undo. em si. A sociedade industrial deu início a um período único na história
N o entanto, com a industrialização veio a regulam entação do da hum anidade, que não durou mais de um a centena de anos, de vida
tem po. O proletariado nascente foi disciplinado pelo relógio, com o o ordenada em blocos de tem po. As norm as foram aceitas com o legítimas
historiador E. P. Thom pson (1967) registrou de m aneira tão elegante. pela m aioria dos que viviam nas sociedades em industrialização e foram
Surgiu um a sociedade de m ercado industrial nacional baseada na im po­ exportadas para todo o m undo. Elas eram um a m arca da civilização.
sição do respeito ao tem po, ao calendário e ao relógio. N a literatura, essa O funcionam ento da sociedade e da produção era baseado em blo­
m aravilha foi capturada por Júlio Verne em A volta ao mundo em oitenta cos de tem po, ju n to com ideias de locais de trabalho e de m oradia fixos.
dias. A tem porização presente nesse livro e a emoção que ele despertou D urante a vida, as pessoas freqüentavam a escola por u m curto período,
entre os vitorianos nos anos 1870 não foram um a coincidência. Cinqüenta depois passavam a m aior parte da vida trabalhando e depois, se tivessem
anos antes, ele teria parecido um absurdo; cinqüenta anos depois, não sorte, tinham um curto perído de aposentadoria. D urante seus “anos de
teria estim ulado a im aginação por ser insuficientem ente extravagante. trabalho”, acordavam de m anhã, trabalhavam por 10 ou 12 horas, ou pelo
C om a transição das sociedades rurais para os mercados nacionais tem po que estivesse estabelecido em seus contratos vagamente definidos,
de base industrial, e desta para o sistema de m ercado global voltado e depois iam para “casa”. Havia “ feriados”, mas eles encolheram durante
para os serviços, ocorreram duas mudanças no tem po. A prim eira foi a industrialização e foram substituídos gradualm ente por curtos blocos
o crescente desrespeito pelo relógio biológico de 24 horas. N o século de férias. Em bora os padrões variassem por classe e gênero, o im portante

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é que o tem po era dividido em blocos. Para a m aioria das pessoas, fazia deplorável na visão grega, um a vez que apenas o hom em inseguro era
sentido pensar que elas estariam em casa durante, digamos, 10 horas por livre, um sentim ento que o precariado m oderno compreende.
dia, “no trabalho” por outras 10 horas, e o restante do tem po seria para Para recordar pontos levantados no capítulo 1, na Grécia antiga, o
a socialização. A separação de “local de trabalho” e “local de m oradia” trabalho, como praxis, era realizado pelo seu valor de uso, com parentes
fazia sentido. e amigos ao redor da casa, cuidando dos outros - reproduzindo-os como
Tarefa, trabalho e diversão eram atividades distintas, levando-se capazes de serem eles próprios cidadãos. O trabalho consistia na construção
em conta o m om ento em que eram desenvolvidas e onde as fronteiras de de amizade cívica {philid). A diversão era necessária para o relaxamento,
cada um a delas começavam e term inavam . Q uando um hom em - e era mas distintamente dela, os gregos tinham um conceito de schole, que tem
tipicam ente um hom em —saía de seu local de trabalho, onde norm al­ um duplo sentido - isto é, ócio e aprendizagem - construído em torno da
m ente era sujeito ao controle direto, sentia-se com o se fosse seu próprio participação na vida da cidade {polis). O conhecim ento vinha da delibera­
chefe, mesmo se estivesse exausto demais para tirar vantagem disso, salvo ção, da quietude, bem como do envolvimento. Aristóteles acreditava que
quando obrigado a suportar as exigências arbitrárias da família. certa indolência (aergia) era necessária para o ócio adequado.
A economia, as estatísticas e a política social se configuraram como A cidadania era negada aos “ habitantes”, aos banausoi e aos metecos,
pano de fundo da sociedade industrial e da m aneira de pensar induzida porque se acreditava que eles não tinham tem po para participar na vida
da. polis. Não pretendem os defender um modelo social equivocado —con­
por ela. Percorremos um longo cam inho a partir dela, mas ainda temos de
siderando-se o tratam ento dado pelos gregos aos escravos e ãs m ulheres
ajustar as políticas e as instituições. N a era da globalização, surgiu um con­
e sua distinção de tipos de trabalho adequados para os cidadãos —, mas a
junto de normas informais que estão em conflito com as normas industriais
sua divisão do tem po em tarefa, trabalho, diversão e ócio é útil.
relativas ao tem po, as quais ainda perm eiam a análise social, a legislação e
Depois dos gregos, os mercantilistas e os economistas políticos clás­
a elaboração de políticas. Por exemplo, as estatísticas gerais sobre trabalho
sicos, como A dam Sm ith, fizeram um a confusão para decidir o que era
produzem números harm oniosam ente impressionantes que indicam que o
tarefa produtiva, conform e discutido em outro livro (St a n d in g , 2009).
adulto médio “trabalha 8,2 horas por dia” (ou qualquer que seja o número)
Mas a tolice de decidir o que era trabalho e o que não era veio à tona
durante cinco dias por semana, ou que a taxa de participação da força de
no início do século X X , quando o trabalho de assitência foi relegado
trabalho é de 75%, dando a entender que três quartos da população adulta
ã irrelevância econômica. A rthur Pigou, o economista de C am bridge
estão trabalhando oito horas por dia, em média. ([1952] 2002, p. 33), adm itiu o absurdo quando brincou: “Assim, se um
Ao considerar com o o precariado - e outros - aloca o tem po, tais hom em se casa com sua empregada ou cozinheira, o dividendo nacional
núm eros são inúteis e enganosos. Subjacente ao que vem a seguir está é dim inuído”. E m outras palavras, o que era tarefa não dependia do que
u m apelo: precisamos desenvolver u m conceito de “tem po terciário”, era feito, mas para quem era feito. Para a sociedade de mercado isso foi
um a m aneira de olhar para a form a com o alocamos o tem po que seja um triunfo sobre o senso com um .
adequada para um a sociedade terciária, não para um a sociedade indus­ D urante todo o século X X , a tarefa —trabalho com valor de troca
trial ou agrária. - foi colocada num pedestal, enquanto todo trabalho que não era tarefa
foi negligenciado. Desse m odo, o trabalho realizado por sua utilidade
intrínseca não aparecia nas estatísticas de emprego ou na retórica política.
O que é trabalho?
Para além do seu sexismo, trata-se de algo indefensável tam bém por outras
Toda época tem suas peculiaridades sobre o que é e o que não é razões. Isso degrada e desvaloriza algumas das mais valiosas e necessárias
trabalho. O século X X foi tão tolo com o qualquer outro antes dele. atividades - a reprodução de nossas próprias capacidades, bem com o das
Para os antigos gregos, a tarefa era feita pelos escravos e pelos banausoi, capacidades das gerações futuras e as atividades que preservam nossa
os estrangeiros, não pelos cidadãos. Q u em realizava tarefas tinha “ga­ existência social. Precisamos escapar da arm adilha trabalhista. N en h u m
rantia de vínculo”, mas, no entender de H annah A rendt (1958), isso era grupo precisa que isso aconteça mais do que o precariado.

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o local de trabalho terciário gestão evoluíram em paralelo, dim inuindo a esfera da privacidade, alte­
rando os sistemas de rem uneração e assim por diante. O antigo m odelo
Antes de continuar tratando do trabalho, precisamos destacar um a
de saúde ocupacional e de norm as de segurança se situa estranham ente
m udança histórica relacionada ao assunto. A clássica distinção entre casa
nesse turvo cenário de trabalho terciário. Os assalariados privilegiados
e local de trabalho foi forjada na era industrial. N a sociedade industrial,
e os proficians, com seus equipam entos eletrônicos e conhecim entos es­
quando os atuais regulamentos do mercado de trabalho, as leis trabalhistas
pecializados com os quais podem disfarçar o quanto de “trabalho” eles
e o sistema de seguridade social foram construídos, o local de trabalho
fazem, conseguem tirar proveito dessa situação confusa.
fixo era a norma. Era para onde ia o proletariado no início da m anhã
As pessoas mais próximas do precariado são induzidas a intensificar
ou em turnos —fábricas, minas, fazendas e estaleiros —e para onde ia a
o seu esforço e as horas que passam no em prego, por m edo de ficarem
massa assalariada, um pouco mais tarde, no correr do dia. Esse modelo
aquém das expectativas. C om efeito, o local de trabalho terciário in ­
se desintegrou.
tensifica um a form a de desigualdade, resultando em mais exploração do
C om o foi m encionado no capítulo 2, alguns analistas se referiram
precariado e num abrandam ento suave dos horários dos privilegiados,
ao sistema produtivo atual com o um a “fábrica social”, para indicar que um a vez que eles aproveitam seus longos intervalos para alm oço ou café,
a tarefa é feita em todo lugar e que a disciplina ou controle sobre a tare­ ou interagem em encontros inform ais realizados em hotéis construídos
fa são exercidos em qualquer lugar. Mas as políticas ainda são baseadas para essa finalidade. Os locais de trabalho e os locais de diversão se em ­
num a presunção de que faz sentido esboçar nítidas distinções entre casa baraçam num a névoa de álcool e café requentado.
e local de trabalho, e entre local de trabalho e espaços públicos. E m um a
sociedade de m ercado terciário, isso não faz sentido.
As discussões sobre o “equilíbrio entre vida e trabalho” tam bém Tempo terciário
são artificiais. O lar já deixou de ser o lugar onde m ora o coração, um a N um a sociedade terciária aberta, o m odelo industrial de tem po,
vez que um a quantidade cada vez m aior de pessoas, principalm ente do juntam ente com a administração do tem po burocrático em grandes fá­
precariado, vive sozinha, com os pais ou com um a série de colegas ou bricas e prédios de escritórios, fracassou. N ão deveríamos lam entar seu
parceiros de curto prazo. U m a parcela cada vez m aior da população desaparecimento, mas sim entender que o fracasso nos deixou sem um a
m undial considera seu lar com o parte de seu local de trabalho. Apesar estrutura de tempo estável. C om os serviços pessoais sendo mercadorizados,
de ser menos notada, o que antes era a preservação da casa, hoje é feita incluindo a maioria das formas de cuidado, estamos perdendo um senso
nos locais de trabalho ou em volta deles. de distinção entre as várias atividades realizadas pela maioria das pessoas.
E m m uitos escritórios m odernos, os funcionários aparecem no Nisso, o precariado corre o risco de estar num a rotação perm a­
início da m anhã usando roupas casuais ou esportivas, tom am hanho e se nente, forçado a fazer malabarismos de demandas em tem po lim itado.
arrum am durante a prim eira hora “ de trabalho”. E o privilégio secreto Ele não está sozinho. Mas sua dificuldade é particularm ente estressante,
dos assalariados. Eles m antêm roupas no escritório, têm lembranças da e pode ser resum ida como um a perda de controle sobre o conhecim ento,
vida doméstica espalhadas ao seu redor e, em alguns casos, perm item que a ética e o tem po.
as crianças pequenas brinquem ali, “desde que não perturbem o papai Até agora, não conseguim os cristalizar um a ideia de “tem po ter­
ou a m am ãe”, o que, é claro, elas fazem. N a parte da tarde, depois do ciário”. Mas ela está chegando. U m de seus aspectos é a indivisibilidade
almoço, o assalariado pode tirar um a “soneca”, considerada por m uito dos usos do tem po. A ideia de fazer certa atividade em certo espaço de
tem po um a atividade doméstica. O u v ir música no iPod não é incom um tem po delimitável é cada vez menos aplicável. Isso se com bina com a
para se distrair nas horas de trabalho. erosão do local fixo de trabalho e a divisão de atividades com base no
E nquanto isso, mais trabalho ou tarefa são feitos fora do local de lugar onde elas são feitas. Grande parte do que é considerado atividade
trabalho conceituai, em cafeterias, em carros e em casa. As técnicas de doméstica é feita por algumas pessoas nos escritórios e vice-versa.

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Considerem os o tem po a partir das demandas colocadas sobre ele. do Estado. As pessoas estão trabalhando mais porque as compensações
Sua apresentação padrão em compêndios de econom ia, relatórios go­ de qualquer em prego são baixas e arriscadas.
vernam entais, meios de com unicação de massa e legislação é dualista, A tarefa excessiva faz mal à saúde. U m estudo de longa duração
dividindo o tem po entre “trabalho” e “ócio”. Q uando se referem ao tra­ reahzado com 10 m il funcionários púbhcos do R eino U nido estimou que
balho, querem dizer emprego, aquela parte do trabalho que é contratada quem trabalha três ou mais horas extras por dia tinha 60% mais chance de
ou diretam ente rem unerada. Mas é um equívoco usar isso como meio de desenvolver problemas cardíacos do que quem trabalhava um a carga diária
m edir o tem po dedicado ao trabalho, mesmo o trabalho necessário para de sete horas ( V i r t a n e n et a l, 2010). As longas horas trabalhadas tam bém
se ganhar dinheiro, sem falar nas formas que não têm ligação direta com aumentam os riscos de estresse, depressão e diabetes; o estresse leva ao isola­
a emprego. O outro lado do dualismo, o ócio, é igualm ente equivocado. mento social, a problemas matrimoniais e sexuais e a um ciclo de desespero.
Nossos ancestrais gregos teriam feito um escárnio disso. O utro estudo se referiu ao fato de algumas pessoas se “em pantur­
rarem de trabalho” ( W o r k i n g F a m i l i e s , 2005). A D iretiva Européia de
Tem po de Trabalho especifica um m áxim o de trabalho semanal de 48
Intensificaçio da tarefa
horas. Mas no R ein o U nido, além daqueles que fazem isso ocasional­
U m a característica da sociedade terciária e da existência precaria- m ente, mais de um m ilhão de pessoas frequentem ente trabalham em
da é a pressão para estar atarefado o tem po inteiro. O precariado pode seus empregos por mais de 48 horas semanais, e 600 m il trabalham por
assumir vários empregos ao mesmo tem po, em parte porque os salários mais de 60 horas semanais, de acordo com o D epartam ento de Estatística
estão caindo, em parte por manutenção de seguro ou prevenção de riscos. Nacional. O utros 15% trabalham em horas consideradas “antissociais”.
As mulheres, defrontadas com um fardo triplo, estão sendo atraídas A intensificação da tarefa através da insegurança pode não ser exi­
para um quádruplo, o de ter que cuidar dos filhos, cuidar de parentes gida pelos empregadores, mas m eram ente encorajada por eles. O mais
idosos e trabalhar talvez não em um , mas em dois em pregos. Basta provável é que essa intensificação se deva às inseguranças e pressões
recordar que m ais m ulheres nos Estados U nidos estão trabalhando inerentes a um a sociedade terciária flexível. O s estrategistas políticos
em mais de um em prego de tem po parcial. N o Japão tam bém , tanto deveriam se perg u n tar se essa intensificação da tarefa é socialm ente
m ulheres com o hom ens estão cada vez m ais im ersos em m últiplos saudável, necessária ou inevitável. Isso não é u m apelo por regulam en­
empregos, com binando o que parece ser empregos de tem po integral tações; é um a convocação para avaliar incentivos que levem ã conquista
com empregos inform ais colaterais que podem ser freqüentados fora de m aior controle do tem po.
do horário do escritório ou em casa. Estes podem chegar a oito ou dez
horas diárias somadas a um a jorn ad a regular de oito horas diárias. U m a
m ulher nessa posição disse ao N e w York Tim es que se tratava de um a Trabalho por tarefa
apólice de seguro com o qualquer outra coisa ( R e id y , 2010); “N ão é N ão é como se toda tarefa que as pessoas fazem signifique trabalho.
que eu odeie o m eu em prego principal. Mas eu quero ter um a renda Para que o tem po funcione bem num a sociedade terciária de emprego
estável sem ser totalm ente dependente da com panhia”. flexível, ele precisa ser mais usado no “trabalho por tarefa”, isto é, tra­
U m a pesquisa japonesa realizada em 2 0 1 0 descobriu que 17% dos balho que não tem valor de troca, mas que é necessário ou aconselhável.
hom ens e m ulheres empregados com idade entre 2 0 e 50 anos tinham U m a das formas de trabalho por tarefa realizado pelo precariado
algum a form a de emprego paralelo, e outra pesquisa revelou que quase em grande medida está no mercado de trabalho. Alguém que subsiste por
m etade dos empregados se disse interessada em ter um emprego parale­ meio de empregos tem porários precisa passar m uito tem po procurando
lo. As principais razões apresentadas eram o desejo de ajustar a renda e empregos e lidando com a burocracia estatal ou, cada vez mais, com
m oderar os riscos —isto é, m anutenção de empregos com o intuito de seus substitutos comerciais privados. C om o os sistemas de benefícios
gerenciar o risco em vez de construir carreira, na ausência de benefícios sociais são reestruturados de form a a forçar os reclamantes a passarem

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por procedim entos cada vez mais complexos para ganhar e m anter o tarefas e os processos mecânicos têm sua im portância dim inuída. Isso
direito a benefícios modestos, as exigências sobre o tem po do precariado coloca as noções técnicas de “habilidade” em desordem. N um a socie­
são grandes e repletas de tensão. E ntrar em fila, trocar de fila, preencher dade terciária, a habilidade consiste mais em “ linguagem corporal” e
form ulários, responder a perguntas, responder a mais perguntas, obter “trabalho em ocional”, bem com o em habilidades formais aprendidas
certificados para provar um a coisa ou outra, tudo isso é tem po doloro­ através de anos de estudo ou program as formais de qualificações ou de
samente consum ido, ainda que geralm ente ignorado. U m mercado de aprendizagem de um ofício.
trabalho flexível que torna a m obilidade do trabalho a principal caracte­ O precariado norm alm ente tem um retorno esperado m enor do que
rística do m odo de vida, e que cria um a teia de perigos morais e imorais o investim ento em qualquer esfera específica de treinam ento, enquanto
no turbilhão de regras para determ inar o direito ao benefício, obriga o que o custo para adquiri-lo consum iu um a parcela m aior da renda real
precariado a usar o tem po de maneiras que estão fadadas a enfraquecer ou potencial ou das economias. U m assalariado ou profician terá um a
as pessoas e a torná-las menos capazes de realizar outras atividades. trajetória mais clara de um a carreira - e, portanto, pode esperar um
O utros tipos de trabalho por tarefa são complementares à tarefa retorno econôm ico para esse treinam ento - e um m aior entendim ento
que um a pessoa faz em um em prego, tais com o estabelecer redes de das coisas com que não precisa se preocupar. O fato de o trabalho ser
contatos fora do horário de expediente, as viagens a trabalho ou a leitura mais flexível e inseguro tem com o resultado perverso a dim inuição do
de relatórios empresariais ou organizacionais “em casa”, “à noite” ou no retorno médio do treinam ento que a pessoa determ inou para si.
“fim de semana”. Tudo isso é m uito familiar; ainda que não tenham os U m a form a crescente de treinam ento por tarefa é o treinam ento
ideia de sua extensão por meio de estatísticas nacionais ou indicadores de ético. M édicos, arquitetos, contadores e algumas outras profissões têm
“trabalho” ou “tarefa” repetidos na m ídia. Porém , há m uito mais fato­ de dedicar tem po para aprender o que é considerado um com portam ento
res conectados à tentativa de funcionar em um a sociedade de mercado. ético correto em seus círculos profissionais. Esse tipo de treinam ento
Por exemplo, certos trabalhos por tarefa são “trabalho por seguro”, que se ampliará para outras profissões e pode até mesmo se tornar obrigató­
aum entarão com a dissem inação da insegurança social, econôm ica e rio, ou parte de um sistema de credenciam ento global, o que seria um
profissional. Algum as são justificadas pela ideia de “m anter opções em avanço desejável.
aberto”. O utras são estratégicas, cultivando a boa vontade e tentando se Mais relevante para o precariado é a crescente necessidade de formas
antecipar ã m á vontade. de treinam ento por tarefa (em vez de treinam ento em tarefa), tais como
Alguns são o que pode ser cham ado de “treinam ento por tarefa”. desenvolvimento da personalidade, empregabilidade, redes de contatos
U m consultor de gestão disse ao Financial Tim es ( R ig b y , 2010) que, e a habilidade de ju n ta r informações para m anter a fam iliaridade com
com o as habilidades têm um a expectativa de vida cada vez mais curta, o pensam ento atual sobre um a série de assuntos. Aquele consultor de
as pessoas deveriam dedicar 15% do seu tem po a cada ano para o treina­ gerenciamento que recom endou “Passe mais de 15% do seu tem po apren­
m ento. Presum ivelm ente, a quantidade de tem po vai depender da idade dendo sobre campos adjacentes aos seus” tam bém acrescentou “Reescreva
da pessoa, da experiência e da sua posição no mercado de trabalho. U m a seu currículo todos os anos”. Trabalhar nesses currículos fabricados, no
pessoa que faça parte do precariado, principalm ente se for jovem , seria esforço desaním ador de impressionar, para vender a sua im agem e para
aconselhada a passar mais tem po em tal treinam ento, mesmo que fosse cobrir o m áxim o de bases possíveis, tom a um a grande quantidade de
apenas para ampliar ou m anter opções. tem po. E desum anizador tentar dem onstrar individualidade enquanto
é preciso agir de acordo com um a rotina padronizada e um a form a de
com portam ento. Q uando o precariado vai protestar?
Habilidade terciária O desgaste do local de trabalho da era industrial como lugar da
Em sociedades em que a maioria das atividades econômicas consiste “relação de trabalho padrão” revela questões sensíveis de disciplina,
na m anipulação de ideias, símbolos e serviços feitos para as pessoas, as controle, privacidade, garantia de saúde e segurança, e a conveniência

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das instituições de negociação. Porém , um ponto fundam ental sobre fim), que envolve pesquisa, download de arquivos, comparação e envio
a dissolução do m odelo industrial é a crescente imprecisão da ideia de de e-mails, pode ser infinitam ente demorada. O processo é viciante, mas
“ habilidade”. Diversos analistas usam o term o com despreocupação, induz ao desgaste e ã exaustão. A habilidade surge na autodisciplina, na
muitas vezes para dizer que há um a “ falta de competências”. E m um a capacidade de lim itar a atividade para o envolvimento sustentável. Concen-
sociedade terciária, tais declarações são inúteis. H á sempre um a escassez trar-se na tela durante horas a fio é um a receita para o déficit de atenção - a
de habilidades, na m edida em que não se pode ver um lim ite para as incapacidade de se concentrar e lidar com tarefas e problemas complexos.
potenciais competências hum anas. N o entanto, nenhum país do m undo O u tro leque de habilidades num a sociedade terciária é composto
tem um a m edida do estoque das competências de sua população, e os pelas habilidades de conduta pessoal, protegidas pelo que alguns sociólogos
indicadores gerais, como anos de escolaridade, deveriam ser considerados cham am de “trabalho em ocional”. A habilidade de ter boa aparência, de
como calamitosamente inadequados. Será que um jardineiro ou encanador produzir um sorriso vencedor, um gracejo oportuno, uma saudação alegre
não é qualificado porque não tem o ensino secundário ou superior? As de “bom dia”, todas essas coisas se tornam habilidades em um sistema de
habilidades necessárias para sobreviver em um m undo precariado não serviços pessoais. Pode haver um a correlação entre elas, a escolaridade e
são apreendidas durante anos de escolaridade formal. a renda, na medida em que as pessoas oriundas de famílias ricas tendem a
De certa forma, pode-se afirmar o contrário - que a sociedade de m er­ desenvolver habilidades atraentes mais refinadas e tam bém a obter m aior
cado moderna tem um “excesso de competências”, no sentido de que milhões escolaridade. Mas não é a escolaridade que fornece as habilidades. Em
de pessoas têm um conjunto de habilidades que elas não têm oportunidade muitos paises, os ganhos relativos das m ulheres têm aum entado, o que é
de exercer ou refinar. U m a pesquisa britânica descobriu que quase dois geralm ente atribuído a sua m aior escolaridade, a medidas antidiscrim i-
milhões de trabalhadores eram “incompatíveis”, ou seja, tinham habilidades nação e a mudanças no tipo de trabalho que elas fazem. Mas o sexismo
que não correspondiam aos seus postos de trabalho. Mas isso é apenas um a reverso, certam ente, tem desem penhado um papel. Os clientes gostam
pequena parte do problema; um vasto núm ero de pessoas tem qualificações de rostos bonitos; os patrões os adoram. Podem os lam entar esse fato,
e diplomas que não usam e que enferrujam em seus armários mentais. mas negá-lo é difícil. A lém disso, os jovens de boa aparência terão um a
D urante anos houve um debate em publicações de econom ia e de vantagem sobre as pessoas de meia idade menos atraentes.
desenvolvim ento sobre o “ desem prego voluntário”. G rande parte do N ão surpreende que o tratam ento de “em belezam ento” esteja cres­
desemprego foi considerada voluntária porque muitos dos desempregados cendo. As pessoas que vivem no precariado, ou com m edo de estarem
tinham mais escolaridade do que quem estava empregado. Acreditava-se nele, sabem que um a “em pinadinha no nariz”, o aum ento dos seios, o
que a escolaridade produz capital hum ano, o que supostam ente tornaria botox ou a lipoaspiração são, potencialmente, um investimento de geração
as pessoas mais empregáveis. Se os detentores de capital hum ano esta­ de renda, bem com o de m elhoria do estilo de vida. A fronteira entre o
vam desempregados, só podia ser porque escolheram ser preguiçosos, “consum o” pessoal e o “ investim ento” é indistinta. Juventude e beleza
esperando por um em prego de alto nível. Em bora uns poucos tenham são, até certo ponto, adquiridas ou readquiridas. N ão se deve descartar
correspondido a esse estereótipo, a simplificação era um equívoco. N a isso com o puro narcisismo ou vaidade. Se os lucros m ercadorizados
verdade, a escolaridade pode bloquear o desenvolvim ento de habilida­ favorecem um clima de “com petição”, a adaptação com portam ental e
des necessárias para sobreviver em um sistema econôm ico precário. Ser estética é racional. N o entanto, tal “habilidade” é insegura. A boa apa­
“vivido” é um a habilidade, assim como o é a capacidade de estabelecer rência desaparece e é mais difícil de recriar. Os m aneirismos atraentes
um a rede de contatos, a habilidade de ganhar confiança e de desenvolver podem se tornar cansativos e sem graça.
favores, e assim por diante. Trata-se de habilidades do precariado. Se um jovem aprendesse um a profissão na era industrial, ele poderia
As habilidades exigidas num a sociedade terciária tam bém incluem ter a razoável confiança de que as habilidades lhe dariam um retorno ao
a habilidade de lim itar a auto exploração a um nível ótim o e sustentável. longo de décadas, talvez para toda um a vida de geração de renda. N a
Por exemplo, a reunião e a análise de informações on-line (para qualquer ausência de tal estabilidade, tom ar decisões sobre o uso do tem po fora

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de u m emprego envolve um conjunto m uito mais arriscado de decisões. relação de em prego. T am bém há u m crescim ento do “trabalho para
Para o precariado, isso é mais parecido com um a loteria que produz reprodução”. A ideia tem um a dupla conotação. A principal delas é um a
tanto perdedores quanto uns poucos vencedores. Q uem faz um curso de série vagam ente definida de atividades que as pessoas devem realizar,
treinam ento ou um curso universitário não sabe se terá algum retorno, ou sentir que deveriam realizar, a fim de m anter suas capacidades de
ao contrário de alguém que já está no m eio assalariado e que faz um funcionar e de viver da m elhor form a possível, dadas as circunstâncias.
curso como parte de um a carreira bem mapeada. O problema é agravado Essas atividades deveriam ser separadas do “trabalho por tarefa”. Entre as
pelo provável aum ento no efeito de frustração de status, devido à falta mais desafiadoras está o trabalho de gestão financeira. Os assalariados e
de oportunidade para usarmos as habilidades que possuímos. os proficians podem pagar contadores e contar com serviços bancários de
Será que devo passar um tem po aprendendo isso? Será útil? C om o aconselhamento e assistência. Se há um custo, ele será modesto em relação
gastei m uito tem po e dinheiro fazendo isso no ano passado e não deu em aos seus rendim entos e aos benefícios obtidos com ajuda profissional.
nada, será que devo me preocupar de novo? C om o aquilo que aprendi Os rendim entos flutuantes do precariado podem criar dificuldades
no ano passado está obsoleto agora, vale a pena repetir o mesmo custo e mais sérias, já que a disponibilidade de aconselham ento financeiro é mais
experiência estressante de fazer outro curso? Perguntas desse tipo fazem lim itada e custa mais do que os rendim entos. M uitos seguirão por conta
parte da sociedade terciária caracterizada pela m anutenção do emprego. própria, incapazes ou relutantes em com prar os serviços de que precisam.
A insegurança é m aior com certas habilidades profissionais. Podem - Alguns serão obrigados a passar mais tem po se preocupando com isso
se passar anos adquirindo qualificações e, em seguida, descobrir que elas e lidando com a adm inistração de sua renda e de assuntos financeiros.
se tornaram obsoletas ou insuficientes. U m a aceleração da obsolescência O utros responderão evitando com pletam ente o trabalho. U m a pesquisa
profissional afeta m uitos que estão no precariado. H á um paradoxo: do R ein o U nido sugeriu que nove m ilhões de adultos eram “financei-
quanto mais qualificado o trabalho, m aior a probabilidade de haver rofóbicos”, assustados com a aparente complexidade de tom ar decisões
aperfeiçoamentos que exigem “reciclagem ”. E m outras palavras: quanto racionais sobre a gestão do dinheiro. E m um a sociedade terciária, a fobia
mais treinado você for, m aior a probabilidade de que você se torne inábil financeira pode fazer a diferença entre o conforto m odesto e a miséria,
na sua esfera de competência. Talvez o term o “ desqualificado” fosse um a particularm ente em m om entos de estresse financeiro. O custo não é
m aneira de descrever o que acontece. Isso dá um a estranha dimensão de suportado aleatoriam ente por todos os segmentos da população. E um a
tem po ã ideia de habilidade. N ão é apenas um caso de você ser tão bom forma oculta de desigualdade sentida pelo precariado de m aneira adversa.
hoje quanto era ontem , mas de você ser tão bom agora quanto deve ser O precariado tam bém está em desvantagem na esfera do conheci­
am anhã. A reação com portam ental à insegurança de habilidade pode m ento legal que se torna cada vez mais significativo. U m a sociedade de
ser um frenesi de investim ento no uso do tem po para o aperfeiçoamento estranhos se baseia em contratos; há regulamentos obrigatórios infiltrados
ou pode ser um a paralisia da vontade, um a inatividade decorrente de em todas as fissuras da vida. Para desempenhar a função de cidadão num a
um a crença de que qualquer curso teria um retorno bastante incerto. sociedade regida por leis e regulamentos complexos, precisamos conhecer as
Os analistas que exigem sem parar mais treinam ento e lam entam a falta leis e ser capazes de acessar fontes confiáveis de conhecimento e de aconse­
de habilidades contribuem apenas para um a crise existencial. Isso não lhamento. Por mais que pouquíssimas pessoas hoje em dia conheçam todos
é um clima social favorável ao desenvolvimento de capacidades; é um os aspectos da lei que pode lhes ser aplicada, o precariado é especialmente
clima de constante insatisfação e estresse. desfavorecido nesse respeito. Os assalariados e os proficians têm vantagens de
posicionamento que se traduzem em vantagens econômicas. O precariado
é susceptível a ser mais ignorante, mas tam bém é provável que seja mais
Trabalho para reprodução limitado pela ignorância, por exemplo, na criação de um pequeno negócio.
H á m uitas outras formas de trabalho po r tarefa, algum as com - O utra forma de trabalho para reprodução está ligada ao consumo. O
plem entares à tarefa contratada, algum as obrigatórias com o parte da autosserviço cresce rapidamente. Os empregos estão sendo terceirizados

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para os clientes, e as pessoas são instadas a usar sites na internet em vez E nquanto as m ulheres co ntinuam a suportar a m aior parte do
de canais diretos de comunicação, e term inais de pagam ento autom ático peso, m uitas vezes sendo pressionadas para estarem disponiveis em
em vez de caixas registradoras operadas por seres hum anos. O varejo, cim a da hora, os hom ens tam b é m estão sendo atraídos para fazer
os serviços de hotelaria, turism o e restaurantes e as firmas de assistência mais trabalhos de assistência. A inda que alguns analistas neguem esse
m édica têm gasto bilhões de dólares em tecnologia de autosserviço e tipo de trabalho, para a m aioria das pessoas ele é um a obrigação com
o investim ento está crescendo 15% ao ano. A justificativa das empresas valor econôm ico em term os de custo de o p o rtu n id ad e, em term os
é o “prazer da autonom ia dos clientes”; na realidade, trata-se de um a de reprodução das capacidades do receptor e em term os de redução
transform ação da tarefa em trabalho. Pigou teria visto a ironia: a renda do custo para a econom ia que surgiria se a responsabilidade caísse
nacional e os empregos caem, o trahalho sohe! inteiram ente sobre o Estado ou se a negligência levasse a custos com
O tem po dedicado ao trabalho para reprodução, ou ao cuidado, assistência m édica a longo prazo.
é difícil de ser m edido porque abarca inúm eras atividades e tende a Os m em bros do precariado podem ser pressionados para realizar
se expandir para preencher o tem po disponível. É um a esfera de u ti­ mais trabalhos de assistência do que gostariam, por causa de um a ideia de
lização do tem po sujeita a pressões conflitantes. E m m uitas socieda­ que eles têm mais “tem po disponivel” e porque podem precisar m anter
des, cuidar das crianças passou a exigir mais tem po e se to rn o u um a a benevolência daqueles que estão ao seu redor caso precisem de auxilio
atividade mais com ercializada através de cuidados pagos. D e acordo financeiro ou de outro tipo de assistência. Mais um a vez, eles não têm
com um a pesquisa de 2009 feita pelo N ational C h ild re n ’s B ureau do controle do próprio tem po. D evem se adaptar a um a atmosfera de inse­
R e in o U n id o , m ais de m etade de todos os pais achava o ritm o de gurança personalizada.
vida m uito agitado para dedicar tem po suficiente para brincar com os H á outra esfera do trabalho para reprodução que se expandiu no
filhos ( A s t h a n a ; S l a t e r , 2010). Longas horas de trabalho, percursos final do século X IX em um a época de crise transformativa e, novamente,
prolongados e “com prom issos inevitáveis”, além do excesso de tarefas na era da globalização. As pessoas estão sendo incentivadas a procurar
caseiras, deixaram m ilhões de pessoas frustradas. U m a pesquisa nos aconselham ento para com bater suas ansiedades e indisposições, e a re­
Estados U nidos revelou que três quartos dos pais am ericanos sentiam correr ã terapia, particularm ente à terapia cognitivo-com portam ental,
que não tin h am tem po suficiente para passar com seus filhos. Talvez para lidar com o estresse e as tensões de suas vidas inseguras.
isso reflita a pressão social sobre as pessoas para que sempre sintam que Os m em bros do precariado enfrentam um dilema. Se estão incer­
devem fazer mais. Porém , se os filhos são privados de cuidados devido tos sobre o que deveriam fazer, logo serão pressionados para receber
às exigências de tarefas ou outros trabalhos, dentro de pouco tem po os aconselham ento, inclusive “tre in am e n to de em pregabilidade”. Essas
custos podem incluir filhos crescendo sem os valores de socialização pessoas p o d em ser descritas com o anorm ais p o r não saber o que fazer
que decorrem da transferência intergeracional do conhecim ento, da ou não serem capazes de se “estabelecer” em u m em prego estável, ou
experiência e da simples intim idade. podem ser rotuladas com o “praticam ente inem pregáveis”. O s epítetos
N o outro extrem o do espectro da idade, com mais pessoas viven­ são por dem ais fam iliares, reproduzidos em abundância pela m ídia,
do nos seus 70, 80 e 90 anos, o cuidado com os idosos passou a ocupar p o r novelas na televisão e pelos políticos. Eles são consistentes com
m aior parte do tem po. Até certo ponto ele está sendo m ercadorizado u m m odelo em que a ênfase é colocada na m udança de personalidade
através de serviços comercializados, casas de saúde e assim por diante, e do co m p o rtam en to das pessoas, e não na facilitação da diversidade
juntam ente com um enfraquecim ento das reciprocidades e responsabi­ de estilo de vida.
lidades entre gerações. N o entanto, muitas pessoas têm de dedicar um Todas essas coisas que dem andam tem po - tarefa, trabalho por
tem po considerável aos cuidados de outras pessoas em suas vidas. M uitas tarefa, trabalho para reprodução —são estressantes em si mesmas. Elas
pessoas gostariam de fazer mais do que podem , mas são impossibilitadas exigem diligência e esforço sem um fim específico em vista. Grande
por outras coisas que exigem tem po. parte dessas tarefas e trabalho é feita em circunstâncias inseguras, com

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u m retorno econôm ico incerto e um alto custo de oportunidade, sim­ estamos, e usamos cada vez mais tem po para fazer e m anter um a quan­
plesmente porque a necessidade de dinheiro é grande. tidade cada vez m aior de conexões. A quietude e o silêncio estão em
Entre as reações, pode haver u m frenesi de atividades que ocupam perigo. A conectividade preenche cada espaço no tem po.
todas as horas disponíveis quase todos os dias, podendo levar ao esgota­ E m 2010 já havia mais de m eio bilhão de usuários do Facebook.
m ento e à ansiedade, bem como à superficialidade. As incertezas tam bém Mais da m etade acessava a página todos os dias; 700 bilhões de m inutos
podem se provar esmagadoras, induzindo paralisia m ental e torpor au- por mês estavam sendo gastos, globalm ente, no Facebook. O Tw itter
todestrutivo. Provavelm ente, a conseqüência mais com um é a sensação tinha 175 m ilhões de usuários registrados, com 95 m ilhões de tweets
de estar sob pressão e de dedicar mais tem po do que seria desejável ao por dia. Havia mais de cinco bilhões de assinaturas de telefonia móvel
trabalho, nas suas várias formas. no m undo, e em alguns países essas assinaturas excediam 100% da p o ­
U m dos resultados seria a elim inação de atividades que têm valor pulação. Nos Estados U nidos, cerca de um terço dos adolescentes envia
social ou pessoal, tal com o o tem po passado com a família. N ão há nada mais de 100 mensagens de texto por dia.
de novo nesse m últiplo uso do tem po. O que é novo é que ele se tornou O debate sobre o equilíbrio das boas e más conseqüências vai se
a regra. É um reflexo dos desenvolvimentos tecnológicos, da abundância, alastrar por anos, provavelmente sem conclusão. N o entanto, é im por­
da comercialização da vida e da desintegração de um a existência em tante destacar várias preocupações. A mais discutida é um a “síndrom e
espaços fixados para funções específicas. de déficit de atenção coletiva”. A conectividade constante fortalece os
H á m uita conversa sobre a “m ultitarefa”, a capacidade de fazer vá­ laços fracos e enfraquece os laços fortes. O sinal de um a cham ada ou
rias atividades no mesmo período. D e acordo com a sabedoria popular, de um a m ensagem interrom pe conversas pessoais ou outras atividades.
as m ulheres são melhores em multitarefas do que os hom ens, em bora V erificar e responder e-m ails interrom pe períodos de concentração.
isso seja dito mais por ironia, posto que as m ulheres são obrigadas a O Facebook e outras mídias sociais que ligam as pessoas a “am igos”
realizar várias atividades de emprego e trabalho ao m esm o tem po e, por que nunca conheceram são um a incursão na vida real. A inquietação é
isso, podem ter aprendido m elhor a com o “se virar” ou tom ar decisões prom ovida enquanto traços de paciência e determ inação são corroídos.
“satisfatórias” (boas o suficiente) com mais facilidade. O neologismo Passar um a grande quantidade de tem po o n -lin e se to rn o u parte
mais recente é a “m ultim ultitarefa”. A expressão que está por traz disso da existência do precariado. E a pesquisa m ostra que isso pode ter um
é a seguinte: C om o fazer mais com menos! A pesquisa m ostra que as efeito depressivo, já que a rede social está substituindo a real interação
pessoas que realizam m ultitarefas em excesso têm mais dificuldade para com as pessoas. N o R e in o U n id o , o n ú m ero de pessoas viciadas em
se concentrar e afastar as inform ações perturbadoras. A lém do mais, in te rn e t é o dobro do núm ero de pessoas viciadas em form as con­
quando as pessoas são forçadas a pensar seriam ente acerca de algum a vencionais de jo g o . A ju v en tu d e é m ais vulnerável, a idade m édia de
coisa, lem bram -se m elhor dela. Mas com a m ultitarefa é impossível vício é de 21 anos, de acordo com um a pesquisa feita por C atriona
pensar m uito sobre qualquer coisa. O s m em bros do precariado têm um M o rriso n (2010). C o m o concluiu a autora, “a in te rn e t é com o um a
problem a adicional: eles não controlam o próprio tem po e sabem disso. droga para algum as pessoas: ela as conforta, as m an tém calm as. As
pessoas viciadas podem ter sua capacidade de desem penho no trabalho
prejudicada, ou elas p o d em estar deixando de cu m p rir tarefas para
Juventude e “conectividade”
p o d erem perm an ecer conectadas”.
Para alguns ativistas, a “conectividade” da internet e da mídia social A conectividade constante pode produzir um a m ente precariza-
é um a característica definidora do precariado. A juventude de hoje é da; além disso, com o o precariado não tem controle do próprio tem po
conectada de maneiras que as gerações anteriores jam ais im aginariam , ou um cronogram a regular, a m ente das pessoas é mais vulnerável às
e tem um estilo de vida correspondente. Os jovens em particular estão distrações e vícios do m undo conectado. N ão há nada de errado com a
conectados o tem po inteiro, sempre ligados, mas todos nós tam bém conectividade; é o contexto que im porta.

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o arrocho do ócio as obrigam a gerar lucros, eles norm alm ente olham para as zonas culturais
onde não há nenhum a perspectiva de lucro. E m 2010, a U niversity o f
O crescim ento da tarefa, do trabalho por tarefa e do trabalho para
Middlesex, no R eino U nido, anunciou que fecharia seu departam ento de
reprodução tam bém consom e o ócio. A falta de respeito pelo ócio e
filosofia. U m a universidade sem um departam ento de filosofia atingiria
pela “ indolência” reprodutiva e produtiva é um dos piores resultados da
todos os grandes educadores com o um contrassenso.
sociedade de mercado mercadorizada. Q uem experim enta tarefa e traba­
A inda mais desanim adora é a exclusão do que os antigos gregos
lho intensos descobre que m ente e corpo estão “exaustos” e têm pouca
consideravam com o o verdadeiro ócio, a schole, a participação na vida
energia ou inclinação para fazer qualquer coisa que não seja entregar-se
pública, a esfera do cidadão. Os mem bros do precariado - e eles não
ã “ diversão” passiva. As pessoas que estão exaustas querem relaxar na
estão sozinhos - são isolados da vida política. Eles podem se revelar de
“ diversão”, muitas vezes assistindo a um a tela ou conduzindo um diálogo
vez em quando para participar de um espetáculo ou votar em um can­
com um a série de telas. É claro que todos nós precisamos nos “ divertir”
didato carismático, mas isso é diferente de participar de um a m aneira
de algum a m aneira. Mas se a tarefa e o trabalho são tão intensos, pode
uniform e. Essa form a vital de ócio é restrita pela colonização do tem po
ser que não tenham os nenhum a energia ou disposição para participar
em relação à tarefa, ao trabalho e ã diversão. M uitas pessoas sentem que
em atividades de ócio mais ativas.
não têm tem po suficiente de qualidade para enfrentar o que lhes foi dito
M ark Aguiar e E rik H urst (2009) avaliaram que, apesar do aumento
serem assuntos complexos, “m elhor se deixados para os especialistas”.
do envolvim ento fem inino na força de trabalho, as norte-am ericanas
Isso é facilm ente convertido em um a racionalização para o desapego e
têm quatro horas a mais de ócio por semana do que tinham em 1965;
pode levar da educação à dependência em emoções e preconceitos. Seja
os hom ens têm seis horas a mais. Mas o ócio não é a mesma coisa que
com o for, o precariado é induzido a dedicar menos tem po para a mais
o tem po em que não se participa do trabalho rem unerado. Apesar de
hum ana das atividades, o ócio político. O nde estão os incentivos para
outros grupos sociais enfrentarem pressões, o precariado precisa realizar
fazer diferente?
um a grande quantidade de trabalho po r tarefa e outros trabalhos para
O u tro aspecto do arrocho do tem po é um a profunda desigualdade
sobreviver ou atuar nos degraus mais baixos do mercado.
no controle sobre ele. Isso faz parte da total desigualdade em um a socie­
O verdadeiro ócio enfrenta um arrocho triplo. U m a das formas dade de m ercado terciária, de certa form a porque o tem po é um recurso
de ócio é a participação na atividade artística e cultural, um a atividade produtivo. O precariado deve estar ã disposição dos potenciais usuários
que exige tem po. Para apreciar a boa música, o teatro, a arte e a grande de seu trabalho. Q uem circula pelos cibercafés ou peram bula perto de
literatura, e para aprender sobre a nossa história e a da com unidade em casa, nos bares ou nas esquinas, pode parecer ter “tem po disponível”.
que vivemos, precisamos do que na linguagem popular é chamado de N o entanto, essas pessoas muitas vezes são incapazes de desenvolver ou
“tem po de qualidade”, ou seja, o tem po em que não estamos distraídos, sustentar um a estratégia sobre com o alocar o tem po de form a diferente.
nervosos pela insegurança ou cansados das tarefas e do trabalho, ou pela Elas não têm um a história clara para contar e, como resultado, seu tem po
falta de sono induzida por eles. U m resultado disso é um déficit de ócio. é dissipado quando não estão no emprego. O uso do tem po em aparente
O tem po é percebido com o indisponível. Os m em bros do precariado se ociosidade é um reflexo do mercado de empregos flexível. Ele quer que
sentem culpados por dedicarem tem po a tais atividades, pensando que o precariado esteja de prontidão. A estruturação do tem po é tirada deles.
deveriam estar usando seu tem po na rede de contatos ou para atualizar A desvalorização do ócio, especialm ente do ócio da classe tra­
constantem ente seu “capital hu m an o ”, com o todos os analistas estão balhadora, está entre os piores legados do trabalhismo. O desgaste da
estimulando. educação reprodutora de valores resulta no divórcio entre o jovem e sua
O nde estão os incentivos para se dedicar tem po ao ócio? A m ensa­ cultura e num a perda da m em ória social de suas com unidades. A noção
gem tem um a im portância ainda mais profunda nas universidades. Q uan­ de “sociedade de esquina” se tornou um a das grandes imagens urbanas.
do os governos tornam as universidades e faculdades mais “comerciais” e “M atar o tem po” se tornou um a form a dom inante de usar o tempo;

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preencher o tem po passou a ser um desafio. Alguns cham am isso de
Faz parte da classe o “ habitus” do indivíduo, a zona e o m odo de
“pobreza do ócio”. A pobreza m aterial lim ita a vida de ócio do jovem
vida que definem “coisas para fazer ou não fazer” ( B o u r d i e u , 1990, p.
precariado por ele não ter nem o dinheiro, nem a com unidade profis­
53), o que se aspira fazer e o que não se faz. O estilo de vida do precariado
sional, nem o sentim ento de estabilidade para gerar o controle sobre o
corresponde ao seu estilo de trabalho por ser fugaz e flexível, oportunista
tem po que é necessário. Isso alim enta um a atitude anôm ica para com
e não progressivamente construído. As pessoas podem se retrair em um
todas as atividades, incluindo o trabalho e a tarefa. E um a arm adilha da
espaço que lhes seja mais próxim o por m edo e ansiedade criados pela
precariedade. Simplesmente sobreviver requer um conjunto adequado
insegurança, mas será um retraim ento anôm ico e ameaçador. E m um a
de espaços públicos, e mesmo estes estão sendo reduzidos por medidas
sociedade baseada na flexibilidade e na insegurança, as pessoas dissipam
de austeridade. Afinal, a m entalidade neoliberal os vê como um “luxo”,
mais tem po do que usam para construir um m odelo de desenvolvimento
na m edida em que não contribuem diretam ente para a produção ou o
de com portam ento.
crescimento econômico. Essa aritmética só será reavaliada se o precariado
Isso nos leva de volta à desintegração do conceito de local de tra­
se tornar um a ameaça à estabilidade.
balho, que perturba as chances de vida do precariado. A norm a para o
C om o os espaços públicos de qualidade dim inuem para o preca­
precariado envolve um am biente de trabalho em qualquer lugar, a qual­
riado, o com portam ento agressivo será fomentado. A globalização e a
quer m om ento, quase todo o tem po. Trabalhar e executar tarefas fora
tecnologia eletrônica podem deslocar a identidade das formas que são
de um local de trabalho não são indicativos de autonomia ou de estar no
puram ente locais (F o r r e s t ; K e a r n s , 2001). Mas isso não pode substi­
controle de si mesmo. E as estatísticas m entem . “Horas no trabalho” não
tu ir a necessidade de espaço físico no qual possamos nos m ovim entar e
são a m esm a coisa que “ horas de trabalho”. E enganoso pensar que, por
interagir. O senso de territorialidade é um a característica hum ana que
causa da imprecisão de tem po e lugar, há tarefa livre. Da mesma form a
faz parte de nossos genes. L im ite-o e o esvazie do sentido de desenvol­ que os empregadores podem induzir os trabalhadores a realizar trabalho
vim ento, e o resultado será perigoso.
por tarefa não rem unerado, eles podem induzir mais pessoas a realizar
As “carreiras de ócio” da classe trabalhadora foram perdidas tarefa e trabalho fora do local de trabalho formal.
(M a c D o n a l d ; S h il d r ic k , 2 0 0 7 ) não só por causa da simples falta de
A relação de poder existe. A tarefa é livre na m edida em que não
dinheiro, mas por causa de um desgaste das instituições sociais. N o R eino é rem unerada; e não é livre na m edida em que não é feita de m aneira
U nido, essas carreiras incluíam clubes de trabalhadores e espaços públicos autônom a. U m a influente análise feita por H ardt e N egri (2000) afir­
que se tornaram vítimas do radicalismo neoliberal do Thatcherism o. N a m ou que a prestação de serviços é livre, “ im aterial” e “ im ensurável”.
França, os bistrôs, que Flonoré de Balzac descreveu como “o parlamento N o entanto, a quantidade de tarefas pode ser m edida, e os lim ites das
do povo”, estão desaparecendo. tarefas mensuráveis podem ser afetados pelas capacidades de barganha
O em pobrecim ento das carreiras de educação e de ócio da classe dos envolvidos na negociação das relações trabalhistas. A tualm ente, o
trabalhadora criou um am biente de crim inalidade e uso de drogas, para precariado está fraco, devido ã sua insegurança e ã cultura do emprego
preencher o tem po e ganhar status de algum a form a. O crim e trivial flexível. A m aioria dos benefícios do trabalho por tarefa vai para aqueles
pode gerar um a emoção m uito m elhor do que a emoção gerada quando que contratam a m ão de obra. Estamos em território inexplorado. Mas
se anda por aí. O m antra neoliberal de que o sucesso é m edido pelo con­ há um a diferença entre dizer que a prestação de serviços é “ imensurável”
sumo conduz a furtos e roubos, um pequeno surto de êxito pessoal em e dizer que o trabalho por tarefa é difícil de m edir.
um longo período de privação e de fracasso. Isso faz parte da arm adilha
da precariedade, que é m aior para os hom ens jovens. C onfrontados com
as inseguranças de serem do sexo m asculino, eles podem ganhar, dessa Pontos concludentes
maneira, um “respeito” m om entâneo de baixo nível (C o l l is o n , 1996). O precariado está sob o estresse do tem po. D eve dedicar um a
Mas, é claro, há conseqüências de prazo longuíssimo. quantidade cada vez m aior de tem po para o trabalho por tarefa, sem

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que este ofereça um cam inho confiável para a segurança econôm ica ou Capítulo 6
um a carreira profissional digna desse nom e. A intensificação da tarefa
e o crescim ento das demandas dentro do prazo colocam o precariado Uma política de inferno
em constante risco de ser exaurido ou, com o disse um a m ulher, em um
estado m ental nebuloso e confuso.
O estilo de vida terciário envolve a m ultitarefa, sem controle sobre
um a narrativa do uso do tem po, de ver o futuro e construir com base
no passado. Fazer parte do precariado é estar ligado a estilos de vida de
realização de trabalho sem um senso de desenvolvimento profissional.
N ós respondemos a sinais, que redirecionam a atenção para um lado ou
para outro. A m ultitarefa dim inui a produtividade em toda e qualquer
atividade. O pensam ento fraturado torna-se habitual. Isso dificulta ain­
da mais a realização de um trabalho criativo ou a entrega ao ócio que
O estado neoliberal é neodarw inista, no sentido de que reverencia
a com petitividade e celebra a responsabilidade individual irrestrita, com
exija concentração, reflexão e esforço uniform e. Isso desencoraja o ócio, um a antipatia a qualquer coisa coletiva que possa im pedir as forças de m er­
deixando as pessoas liberadas apenas para se divertir, de form a passiva, cado. O papel do Estado é visto principalm ente como o estabelecimento
no sentido m ental. A interatividade ininterrupta é o ópio do precariado, e fortalecim ento do Estado de direito. Mas o Estado de direito nunca
assim com o o foi beber cerveja e gin para a prim eira geração do prole­ foi m inim alista, com o alguns neoliberais o descrevem. Ele é intrusivo
tariado industrial. e tem a intenção de refrear o inconform ism o e a ação coletiva. Isso se
O local de trabalho está em todo lugar, difuso, desconhecido, um a amplia para o que W acquant (2008, p. 14) cham ou de “anatematização
zona de insegurança. E se o precariado de fato tem competências pro ­ pública de categorias desviantes”, com destaque para os “ bandidos de
fissionais, esses locais podem desaparecer ou deixar de ser um ingresso rua”, os “ desempregados”, os “parasitas”, os fracassados, os perdedores
confiável para um a identidade segura ou um a vida de dignidade susten­ com falhas de caráter e deficiências de com portam ento.
tável a longo prazo. Trata-se de um a combinação nociva que propicia O m ercado é a personificação da m etáfora darw inista: “a sobrevi­
o oportunism o e o cinismo. Ela cria um a sociedade que está sempre vência do mais forte”. Mas ele tem um a alarm ante tendência de trans­
contando com a sorte, com riscos de perda com os quais o precariado form ar lutadores em desajustados e vilões, penalizando-os, prendendo-os
arca de form a desproporcional. ou bloqueando-os. As políticas e instituições são construídas para tratar a
E nquanto isso, a restrição do tem po transform a o ócio num a parte todos como potenciais desajustados e vilões. Por exemplo, para ter direito
com prom etida da vida e leva ã “ democracia frágil”, em que as pessoas aos benefícios estatais, os “pobres” têm de provar que não são “pregui­
estão desligadas da atividade política, exceto quando motivadas por um çosos” ou que estão enviando seus filhos para a escola regularm ente.
curto tem po, extasiadas com um a nova face carismática ou energizadas O precariado paira sobre a fronteira, exposto a circunstâncias que
por um acontecim ento chocante. E sobre isso que falaremos agora. poderiam transform ar seus membros de lutadores em desviantes e pessoas
fora de controle propensas a ouvir políticos populistas e demagogos. Essa
é a principal questão subjacente a este capítulo.

Á sociedade panóptica
Em bora a “fábrica social” não esteja correta enquanto im agem
de com o a vida para o precariado está sendo construída, um a im agem

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m elhor é a da “sociedade panóptica”, em que todas as esferas sociais es­ sistemas de produção e controle de emprego. O “shenzenismo” combina
tão tom ando a form a im aginada por Jerem y B entham em seus trabalhos o m onitoram ento visual com a “vigilância de dados das atividades da
panópticos de 1787 ( B e n t h a m [1787], 1995). N ão se trata apenas do que pessoa” e os incentivos com portam entais e penalidades para peneirar os
é feito pelos governos, mas o que é permitido pelo Estado num a sociedade trabalhadores indesejáveis, identificar os trabalhadores adequadam ente
que, ostensivamente, é de “ livre m ercado”. conformistas e induzir os trabalhadores a pensar e se com portar da m a­
Vamos relem brar a visão de Bentham . Ele é conhecido com o pai neira que as autoridades desejam.
do utilitarism o, a visão de que o governo deveria prom over “a m aior
felicidade para o m aior núm ero de pessoas”. C onvencionalm ente, isso A invasão da privacidade
perm ite que a transform ação da m inoria em um a m inoria miserável seja
As técnicas panópticas estão sendo usadas. Vamos começar com um
justificada em benefício da preservação da felicidade da maioria. Bentham
aspecto vital da existência, a privacidade ou o espaço para intim idade,
levou essa ideia num a direção assustadora, em um projeto para um a prisão
onde vivemos com nossos segredos e emoções e espaços mais preciosos
ideal. U m guarda que tudo vê estaria em um a torre central, com vista
- um aspecto praticam ente extinto.
para os prisioneiros em suas celas em um prédio circular. O guarda podia
O que é legitim ado como privacidade está sujeito ã interpretação
vê-los, mas eles não podiam vê-lo. O poder do guarda reside no fato de
legal, e as regras legais tendem a reduzi-la. Mas a tendência panóptica
que os prisioneiros não podiam saber se ele estava ou não os observando,
não sente remorsos. O C F T V é onipresente, usado não apenas pela p o ­
e assim agiam com o se estivessem sendo sempre observados, por causa
lícia, mas tam bém por companhias de segurança privadas, empresas e
do m edo. B entham usou o term o “arquitetura da escolha” para indicar
indivíduos. As gravações tam bém não são feitas apenas para uso privado.
que as autoridades poderiam induzir os prisioneiros a se com portar de
Considere um pequeno exemplo. U m residente em um bairro violento
maneiras desejadas.
Para Bentham , o fato de ao prisioneiro ter sido dada um a aparente de San Francisco, preocupado com a segurança da rua, criou um w eb-
escolha era fundam ental. Mas se ele não fizesse a escolha certa, que era site chamado A dam s Block, de acesso livre, que transm itia um sinal de
trabalhar com afinco, “definharia com endo pão duro e bebendo água, vídeo ao vivo de um cruzam ento de ruas. Esse site foi obrigado a sair do
sem um a alma com quem falar”. E os prisioneiros deviam ser isolados, ar após ameaças e reclamações feitas ao proprietário da webcam de que
para impedi-los de form ar um “concerto de mentes”. Ele percebeu, assim a privacidade estava sendo invadida. M as outras pessoas, secretamente,
com o os neoliberais perceberiam , que a ação coletiva colocaria em risco instalaram câmeras na mesma área, transm itindo ao vivo sob um novo
o projeto panóptico. nom e, alegando “capacitar os cidadãos para com bater o crim e e salvar
Essa foi um a ideia que M ichel Foucault assumiu nos anos 1970 vidas”. Acredita-se que existem muitas webcams em bairros similares
com o m etáfora para a produção de “corpos dóceis”. B entham acreditava nos Estados Unidos.
que seu projeto panóptico poderia ser usado para hospitais, m anicômios, O Google Street View, lançado em 2007, já atraiu a atenção das
escolas, fábricas, asilos e todas as instituições sociais. E m todo o m undo, agências reguladoras de proteção de dados na Am érica do N orte e na
seu projeto tem sido adotado e tem sido estendido, inadvertidam ente, E uropa por obter de m aneira ilegal (aparentem ente sem querer) in ­
pelas cidades-empresa do século X X L O pior caso conhecido até agora formações pessoais de redes sem fio desprotegidas ao longo das rotas
é o de Shenzhen, onde seis m ilhões de trabalhadores são vigiados por percorridas por câmeras do Google. O Street View coloca as casas das
câmeras de circuito fechado de televisão (CFTV) onde quer que estejam, pessoas, os carros e as atividades ã m ostra para todo m undo ver, e não há
e onde um banco de dados abrangente m onitora seu com portam ento m aneira de se opor a isso além de pedir, educadam ente, que as imagens
e seu caráter, inspirado na tecnologia desenvolvida pelos militares dos fiquem embaçadas. Pouquíssimas pessoas saberão desse m odo de proce­
Estados U nidos. Poderíam os falar de um “shenzenism o” da m aneira der, partindo do pressuposto de que terão de checar prim eiro o que foi
com o os cientistas sociais falam de “ fordism o” e “toyotism o” com o capturado pelo Street View.

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As mídias sociais, com o o Facebook, tam bém estão restringindo amigáveis supostam ente voyeurísticos”. Mas estão se tornando “cúm ­
a zona de privacidade, na m edida em que os usuários, predom inante­ plices de vigilância”, cooptadas por m otivos comerciais ou outros ainda
m ente jovens, revelam, consciente ou inconscientem ente, os detalhes mais sinistros. U m a sociedade vigiada pela rede está sendo construída.
mais íntim os aos “amigos” e a m uitos outros além destes. Os serviços C o m o a p o n ta o N ational Broadband Plan (F e d e r a l C o m m u n ic a ­
baseados em localização levam isso um passo adiante, deixando que os t io n s CoM M issiON, 2010) n o r te - a m e r ic a n o , a g o ra u m a sim ples firm a já
usuários alertem aos “am igos” sobre o local onde estão (e perm itindo co n se g u e c o n s tru ir p erfis in d iv id u a is de “ id e n tid a d e d ig ita l”, “ in c lu in d o
que as empresas, a polícia, os crim inosos e outros tam bém saibam disso). p esqu isas n a w e b , sites visitad o s, flu x o d e cliq u es, c o n ta to s e c o n te ú d o
M ark Zuckerberg, fundador e diretor executivo do Facebook, disse aos d e e -m a il, p esqu isas d e m ap as, m o v im e n to s e lo c a liz a ç ã o g eo g ráfica,
empresários do Vale do Silício: “As pessoas têm se sentido realm ente c o m p ro m isso s d a a g e n d a , lista te le fô n ic a d o celu lar, re g istro s d e saúde,
confortáveis não somente em partilhar mais inform ações - e de dife­ re g istro s e d u c a c io n ais, u so d e e n e rg ia , fo to s e v íd e o s, red es sociais, locais
rentes tipos - , mas por fazerem isso abertam ente e com mais pessoas... visitados, a lim e n ta ç ão , le itu ra , p referências de e n tre te n im e n to e h istó ric o
Essa norm a social é apenas algo que evoluiu”. d e a q u isiç õ e s”. A m a io ria das pessoas n ã o sabe qu ais in fo rm a ç õ e s estão
A vigilância incita imagens de um “estado policial”, e com certeza se n d o co letad as so b re elas, n e m q u e m te m acesso a esses dados.
esse estado começa com a polícia, fortalecendo um a divisão entre ela e os Q uando o Facebook lançou o Facebook Beacon em 2007, enviando
observados. A vigilância tam bém induz ã sousveillance (contravigilância), autom aticam ente aos “am igos” detalhes de compras on-line dos seus
o ato de observar os observadores. D urante as manifestações contra a membros, um a campanha de contravigilância da M oveO n.org obrigou-o
reunião do G20 em Londres, em 2009, um vídeo am ador gravado num a m udar o aplicativo para um program a o p t-in P E m 2 0 0 9 o Beacon foi
telefone celular m ostrou um policial batendo num hom em que andava fechado depois de um a ação judicial popular em prol da privacidade.
inocentem ente pela rua; o hom em m orreu. O fato foi um lem brete de Mas o Facebook ainda está coletando inform ações sobre seus m em bros a
que os guardas não são necessariamente protetores. E à m edida que a partir de outras fontes, tais com o jornais, serviços de mensagens e blogs,
sousveillance cresce, a vigilância policial vai se tornando mais preventiva. “para lhes fornecer inform ações mais úteis e um a experiência mais per­
Os que vigiam a polícia serão transformados em categorias que devem sonalizada”. A m aioria dos usuários, por inércia ou ignorância, aceita as
ser enfrentadas —afinal, eles são um a ameaça para a polícia. configurações de privacidade padrão do Facebook, que com partilham
A invasão da privacidade e a capacidade tecnológica para perscru- am plam ente as informações. D e acordo com um a pesquisa nos Estados
tar fundo na nossa vida são um a base para estender o panóptico e seus U nidos, 45% dos empregadores verificavam os perfis de rede social dos
objetivos em cada um de seus aspectos. Flá até mesmo o m onitoram ento candidatos antes de contratá-los. Os usuários de fora dos Estados Unidos
a partir do interior do corpo. Novos com prim idos produzidos por em ­ tam bém consentem , sem perceber, em ter dados pessoais transferidos
presas farmacêuticas dos Estados Unidos vão oferecer aos médicos dados e processados nos Estados Unidos. Os usuários não são notificados de
do interior do corpo. Talvez isso seja considerado benéfico para algumas quando ou com o seus dados são usados.
pessoas, bem como uma questão de livre escolha. Mas o prohlema surgiria O s controles de privacidade dos websites não têm funcionado
quando não concordássemos com o m onitoram ento interno e, por conta bem. Os sistemas eletrônicos corroeram a privacidade e deram ao Esta­
disso, o prêm io de seguro-saúde (ou outros) poderia ser aum entado ou do ferramentas extrem am ente poderosas com as quais se pode construir
a cobertura poderia nos ser negada. Essa tecnologia poderia se tornar um sistema panóptico. Os m em bros do precariado são mais vulneráveis
obrigatória ou ser imposta por empresas de seguros. porque se envolvem em atividades abertas ao m onitoram ento e a juízos
N a internet, a vigilância é um negócio. As inform ações sobre as de valor, e tam bém porque são mais expostos ãs conseqüências.
pesquisas que as pessoas fazem na web, as redes sociais que visitam e outras
atividades são constantem ente repassadas para sociedades comerciais. As O p t-in é u m c o n ju n to de regras que d e te rm in a que as m ensagens com erciais só p o d e m
redes sociais podem ter começado com o um a proposta de “encontros ser enviadas para aqueles que expressam seu c o n se n tim en to . (N.T.)

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As escutas telefônicas ilegais tam bém estão se espalhando, m oni­ os alunos estavam fazendo, muitas vezes observando-os usarem o Photo
torando a todos nós. A “guerra ao terror” trouxe a sociedade panóptica B ooth, um program a que usa a w ebcam para transformar a tela em um
para mais perto. A Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos espelho virtual. “Eu gosto m uito de m exer com eles e tirar retratos” , disse
tem avançado na identificação digital e nas técnicas de m onitoram ento ele em um program a de docum entário.
com o um sistema global ( B a m f o r d , 2009). Agora, essas técnicas podem A maioria de nós não sabe se estamos sujeitos a tais práticas. Aquelas
favorecer o acesso não legahzado a tudo o que fazemos eletronicam ente crianças da Filadélfia certamente não sabiam. O fato é que as técnicas exis­
ou através de hnhas telefônicas. O complexo de vigüância industrial é tem para m onitorar o com portam ento, e os dados podem ser acessados e
global. Os chineses estão se ahnhando com os Estados Unidos. Q uando usados na medida em que as pessoas cam inham para a idade adulta. Isso
o Congresso Nacional do Povo foi reafizado em Pequim em 2010, 700 é o que está acontecendo.
m ü agentes de segurança foram nomeados em toda a cidade. D entro do
Grande Salão do Povo, as propostas supostamente apresentadas pelos de­ Contratação, demissão e disciplina no local de trabalho
legados incluíam pedidos para que todos os cibercafés fossem dominados
pelo governo e para que todos os celulares fossem equipados com câmeras A invasão de aparelhos panópticos nas estratégias de contratação,
de vigilância. A curto prazo será impossível saber. disciplina, prom oção e demissão em empresas e organizações já está am­
plam ente fora de controle. Essa invasão põe em risco, particularm ente,
as perspectivas de vida do precariado, de maneiras sutis e diversificadas.
Educação panópítca O Estado neoHberal afirma favorecer práticas de trabalho não discri­
Ela começa cedo. As escolas e universidades estão usando métodos minatórias, proclamando oportunidades iguais com o a essência da “m e-
eletrônicos para o ensino, o m onitoram ento, a discipfina e a avahação. ritocracia” . Mas, em grande parte, fez vistas grossas às técnicas e práticas
U m em presário sueco criou um m odelo am plam ente autom ático de discriminatórias baseadas na vigilância eletrônica, nos mercados de seguros
educação, usado para milhares de alunos de escolas suecas, que está sendo e na pesquisa subsidiada em psicologia comportam ental. A discriminação
exportado com sucesso comercial. As crianças são monitoradas de perto, resultante é mais refinada, mas funciona da mesma maneira que as formas
porém veem seus professores durante apenas 15 m inutos por semana. O brutas baseadas no gênero, raça, idade ou escolaridade. A última distorção
antigo prim eiro-m inistro do R ein o U nido, T ony Blair, se interessou por é a caracterização genética. E conveniente que a autoritária Cingapura
esse sistema e quis usá-lo em algumas escolas de Londres. esteja realizando pesquisas cruciais. Ali, um estudo m ostrou com o as
Algumas escolas nos Estados Unidos forneceram laptops aos estudan­ pessoas com um a variante específica de um gene (chamado H T R 2A ) são
tes, equipados com software de segurança que possibihta a ativação remota menos mal-humoradas e mais propensas a se transformarem em traba­
da webcam do com putador - assim alunos podem ser vistos a qualquer lhadores obedientes. Q ual é a mensagem desse estudo pioneiro? D ar aos
hora, sem saberem que estão sendo vistos. Em fevereiro de 2010 os alu­ trabalhadores temporários alguma variante do gene FãTR2A ou eliminar
nos abriram um a ação judicial coletiva contra um distrito escolar em um aqueles que não o têm?
subúrbio da Filadélfia, após um a escola acusar um aluno de apresentar um Os horm ônios tam bém desem penham seu papel. Pesquisas no Ja­
“comportam ento inadequado em casa” . Certam ente, isso foi um a violação pão sugerem que as pessoas com baixos níveis de cortisol, o horm ônio
dos seus direitos civis. E além de abrir a possibihdades de chantagem, tal do estresse, são m enos preparadas do que aquelas com altos níveis do
tecnologia tam bém possibihta a capacidade panóptica de criar m entes e m esm o horm ônio para aceitar um a renda atual baixa na esperança de
corpos submissos. U m a escola de ensino fundam ental em South Bronx, receber mais depois. Se você está contratando alguém para um em prego
N ova York, instalou um software em laptops para que os funcionários tem porário, que pessoa você recrutaria se conhecesse seus níveis h o r­
pudessem ver tudo o que era exibido na tela dos usuários. Todos os dias, monais? D epois há a testosterona. Altos níveis de testosterona levam
o assistente do diretor da escola passava algumas horas verificando o que a um desejo de dom inar e correr riscos. Para a m aioria dos empregos,

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especialm ente os em pregos precários, os em pregadores não querem empatia pela condição do precariado com o a afirmação de um direito
trabalhadores frustrados pelo haixo status e alto controle. A pesquisa de privacidade, um a rejeição da intrusão.
de Singapura indicou que u m alto nivel de testosterona dim in u i a ca­ Para além do recrutam ento, o panóptico tam bém se encaixa per­
pacidade de um a pessoa para se adequar a um a equipe de trabalho. N ão feitam ente nos locais de trabalho terciários. O capitalismo industrial
é difícil identificar o nível de testosterona de alguém - basta testar a nacional gerou cidades empresariais. Havia mais de 2.500 nos Estados
saliva. O u as firmas podem planejar testes de aptidão que os candidatos U nidos ( G r e e n , 2010). Esse conceito paternalista tem persistido em
devem realizar. formas modificadas, algumas delas evoluindo em vastas criações corpo­
O precariado precisa ser cuidadoso, um a vez que o m odo com o as rativas. Assim, a IBM e a PepsiCo têm terrenos do tam anho de cidades,
pessoas vivem afeta o nível de testosterona. Se você tem um a vida cheia no meio do nada. Os chineses têm ido mais longe com a Shenzhen; a
de emoções, o nível sobe; se você tem um a vida calma, ele desce. O Foxconn é a líder global. Mas todos eles são exemplos de um a sociedade
acesso ao em prego poderia depender da m anutenção de um nível baixo! de mercado panóptica.
Algum as pessoas rejeitarão esses cenários com o alarmistas. Mas qual é N o com eço de 2010, foi revelado que as empresas de W all Street
o objetivo dessa pesquisa genética? A menos que haja controles relativos estavam contratando agentes ativos da Agência C entral de Inteligência
à sua utilização, a filtragem com portam ental só vai se fortalecer. O T he (CIA) para fazerem “ bicos” a fim de form ar gestores em técnicas de
Economist (2010c) entusiasm ou-se pelo fato de que o uso dessas pesquisas “avaliação do com portam ento tático”. Essas são formas de verificação
transform aria a “ciência da adm inistração em um a ciência real”. Pelo da honestidade de um empregado pela leitura de pistas verbais e com ­
contrário, é mais provável que leve ã engenharia social. portam entais, tais com o inquietação ou uso de declarações restritivas
A lém desses desenvolvimentos, um crescente núm ero de empresas semelhantes a “ honestam ente” e “ francam ente”.
norte-am ericanas elim ina candidatos a em prego com histórico de cré­ A privacidade nos empregos está evaporando. A m aioria das em pre­
dito ruim , acreditando que eles se transform ariam em funcionários de sas norte-am ericanas agora exige que os recrutados assinem docum entos
risco. Assim, seu com portam ento precedente fora do trabalho é usado relativos a políticas de com unicação eletrônica afirm ando que eles não
contra você. As empresas estão fazendo isso de form a sistemática, apro­ têm nenhum direito ã privacidade ou ã propriedade sobre qualquer con­
veitando-se tam bém das redes sociais para avaliar traços de caráter, assim teúdo nos com putadores da com panhia. O que quer que seja colocado
com o delitos precedentes, relacionamentos e assim por diante. Mas isso em um com putador pertence à com panhia. Todas as notas, fotografias
é discrim inação injusta. H á muitas razões para um período de “crédito e rascunhos são alienados. Além disso, as empresas agora preferem dis­
ru im ” na vida de um indivíduo, incluindo um a doença ou um a tragédia pensar um empregado im ediatam ente em vez de deixá-lo cum prir um
familiar. E injusta a triagem secreta feita por procuradores ignorantes período de aviso prévio, durante o qual ele poderia baixar informação,
para determ inar com portam entos possíveis. listas de contatos e assim por diante.
M encionam os anteriorm ente como as empresas estão exigindo que Dois terços dos empregadores norte-am ericanos m onitoram ele­
os candidatos a empregos produzam currículos que consom em m uito tronicam ente o uso da internet pelos empregados, de acordo com um a
tem po para serem elaborados e que, a certa altura, sofrerão resistência. pesquisa de 2010 feita pela American M anagem ent Association e o ePolicy
Será isso um protesto anôm ico, por m eio de sombrias recusas em obe­ Institute. Trata-se de um controle à distância, um a vez que os empregados
decer? O u seria a ação “rebelde e prim itiva”, tal com o saturar as agências não sabem que estão sendo observados. Eles são m onitorados por assédio
com candidaturas falsas? O u quem sabe um protesto politico, através sexual, depreciação dos chefes, divulgação de segredos comerciais, etc.
da resistência organizada, realizado por um a cam panha para lim itar as Os administradores agora podem ver a tela do com putador dos fun­
fronteiras da inspeção da personalidade, em conform idade com a defi­ cionários, capturar o toque das teclas, identificar websites freqüentados e
nição de códigos para o que as empresas devem e não devem fazer? Esta rastrear o paradeiro dos trabalhadores através de telefones celulares com
últim a poderia se tornar um a questão de honra, respeitada por quem tem GPS, webcams e câmeras de vídeo minúsculas. Lewis M altby (2009),

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autor de C an they do that?, atribuiu o crescim ento do m onitoram ento à e amigos de Barack O bam a sediados em Chicago, baseou-se na ideia
pressão financeira, que fez as empresas quererem aum entar o controle e de que as pessoas têm inform ação demais e assim fazem escolhas irra­
reduzir os custos, e ao aum ento da facilidade para fazê-lo. As empresas cionais. As pessoas devem ser dirigidas, ou empurradas, para tom arem
podem com prar software de m onitoram ento de computadores e câmeras as decisões que correspondem ao seu m elhor interesse. Os autores não
de rastreamento de funcionários em um a loja local ou através de varejistas atribuem a ideia a B entham , mas afirm am que o Estado deveria criar
na internet. Simples assim. um a “arquitetura da escolha”.
A Smarsh, um a das m uitas empresas que fornecem sistemas de Ao se tornar presidente dos Estados Unidos, O bam a nom eou Suns-
m onitoram ento, atende mais de 10 m il com panhias norte-am ericanas. tein para dirigir o Office o f Inform ation and R egulatory Affairs, sediado
Seu diretor executivo alardeou que “os empregados deveriam assumir na Casa Branca. E nquanto isso, no R ein o U nido, o líder do Partido
que serão observados”. U m a pesquisa nacional descobriu que um em Conservador, David C am eron, disse aos m em bros do Parlam ento para
cada dois empregados sabia de alguém que foi dem itido por m au uso do lerem o livro de Sunstein e Thaler; ao se to rn ar prim eiro-m inistro em
e-m ail ou da internet; m uitos tam bém disseram que conheciam alguém 2010, ele m ontou a Behavioral Insight Team, rapidam ente apelidada
que foi dem itido por uso inapropriado do telefone celular, por fazer mau de “the N udge U n it”, em D ow n in g Street, aconselhado por Thaler. A
uso do envio e recebim ento de mensagens instantâneas ou por mensagens instrução era induzir as pessoas a tom ar “melhores” decisões, no interesse
de texto impróprias. O m onitoram ento visando a demissão tem crescido da “sociedade”.
tanto quanto o m onitoram ento para a contratação e disciplina com um . D irig ir as pessoas é sempre questionável. C om o sabemos que esses
A vigilância é direta, pessoal e intrusiva - e essas características vão se incentivadores sabem o que é m elhor para as pessoas? O senso com um
tornando cada vez mais fortes. de hoje mais tarde será visto como erro. R epetidas vezes, as políticas ou
U m a form a de m onitoram ento do empregado possibilitada pelo práticas que parecem im prudentes acabam se tornando norm as e vice-
governo trabalhista do R ein o U nido foi a classificação on-line de pres­ versa. Q u em é responsável se a decisão guiada se m ostrar errada ou levar
tadores de serviços por “clientes”. Isso é com o nom ear e envergonhar, a algum contratem po?
um a maneira prosaica de tentar controlar pela estigmatização. O m inistro Para exemplificar com o esses incentivos estão ocorrendo, em 2010
da Saúde introduziu u m sistema pelo qual os pacientes poderiam avaliar o Serviço Nacional de Saúde do R ein o U nido enviou um a carta ofere­
os médicos. U m a sociedade que exige um a realim entação constante não cendo às pessoas um “resum o de registro de assistência”, contendo seu
confia que seus profissionais sejam profissionais. O site de avaliações dos histórico m édico, que seria disponibilizado para qualquer profissional da
médicos seguiu o m onitoram ento sim ilar de professores. Será que eles
área de saúde. As pessoas que receberam a carta se defrontaram com um
deveriam ser perseguidos por crianças que sentem um prazer inflexível
“am biente de escolha” intencional, que exigia a decisão de ser excluído
em denegri-los, sem qualquer senso de responsabilidade? E arriscado
do program a ou participar dele autom aticam ente. M as não havia um
desacreditar os profissionais e derrubá-los em direção ao precariado. Por
form ulário para as pessoas que optassem por não participar —quem qui­
que correr o risco de ser hum ilhado on-line pelo fato de ser rigoroso?
sesse ficar de fora precisava entrar num website, baixar um form ulário,
D ê-lhes o que eles querem! Isso é um a ilusão de poder que degrada a
im prim i-lo, assiná-lo, enviá-lo como carta ao clínico geral e esperar que
responsabilidade e o profissionalismo. E m breve, todos estarão classifi­
fosse dado seguim ento ao processo. O s obstáculos burocráticos foram
cando todo m undo.
criados de propósito, aumentando o custo pela opção de não participação,
criando um viés de “consentim ento presum ido”.
O Estado como paternalista libertário
Os menos propensos a optar por sair são os ignorantes, os pobres e
U m a nova prática na política social e econôm ica é a econom ia os “digitalmente excluídos”, na sua maioria idosos, sem acesso aos serviços
com portam ental, que produziu o paternalism o libertário. Nudge, um in­ on-line. A partir de 2010, 63% de todas as pessoas com mais de 65 anos
fluente livro de Cass Sunstein e R ichard Thaler (2008), dois conselheiros no R ein o U nido viviam em casas sem acesso à internet. H á pressão do

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governo, liderada por seu “ defensor de inclusão digital”, para que mais A condicionalidade tem sido importada para os países ricos, inclusive
pessoas tenham acesso. E o custo de não tê-lo está aum entando. C om os Estados Unidos, e as T C R s estão sendo amplamente usadas na Europa
efeito, as pessoas estão sendo penalizadas por não terem acesso à internet. C entral e O riental. U m dos planos mais detalhados foi o O pportunity
O antigo Estado paternalista é popular entre os governos. Pode N e w York — Fam ily Rewards, um program a experim ental com incentivos
infantilizar os cidadãos e dem onizar partes do precariado. E m 2009, o fiscais incrivelm ente intrincados e penalidades por fazer ou não fazer
D epartm ent o f Business, Innovation and Skills do R ein o U nido lançou certas coisas. A premissa de todas as T C R s é que as pessoas precisam
um guia cham ado Parent Motivators dirigido aos pais de graduados de­ ser persuadidas a se com portar de maneiras que são melhores para elas e
pendentes que estavam desempregados. O guia era condescendente, e para a “sociedade”. Dessa form a, o Banco M undial ( F i s z b e i n ; S c h a d y ,
presum ia claram ente que os graduados não podiam trahalhar por serem 2009) acredita que pode superar o “descam inho persistente”; ele atribui
desprovidos de decisões básicas para si mesmos. U m analista concluiu a pobreza a um a reprodução intergeracional de privação, de tal forma
que era a prim eira vez que adultos instruídos na faixa dos 20 anos de que T C R s vão quebrar o ciclo persuadindo as pessoas a se com portarem
idade eram “oficialmente infantilizados, um a ação que provavelmente de form a responsável.
não dissiparia a suspeita crescente sobre o valor de muitos diplomas m o­ A m oralidade dessa abordagem é dúbia. Ela sintetiza o projeto de
dernos” ( B e n n e t t , 2010). Entre outros guias do mesmo gênero, temos B entham de criar um a “arquitetura da escolha”, desgastando não só a
o Preparingfor Emergencies, o Break O u t (sobre como evitar pedófilos), o liberdade, mas tam bém a responsabilidade pessoal. A relevância para o
H eat Wave, o D ad Card (sobre com o ser um bom pai) e o conjunto de precariado é que há conversações sobre as “T C R s de segunda geração”
ferramentas Breakfast4Life. cujos alvos serão os jovens adultos. Já existem condicionalidades em
O Parent Motivators, escrito por psicólogos consultores e financiado m uitos program as de benefícios e elas estão se tornando mais rígidas.
pelo dinheiro público, sugeria que os pais eram parcialm ente culpados Assim, no R eino U nido, os médicos agora são obrigados a inform ar sobre
pelo desem prego de sua prole e pedia-lhes para ser mais rígidos. U m dos o grau de empregabilidade de seus pacientes se eles estiverem recebendo
autores disse: “ Se você está tornando a vida m uito confortável em casa, benefícios por incapacidade, transform ando um a relação confidencial
por que eles iriam procurar um em prego?”. Pelo m enos há o reconheci­ m édico-paciente em policiam ento social.
m ento de que os empregos não eram atraentes por si só. Mas aqui estava Aonde essas tendências podem levar? As pessoas devem se preocupar
o Estado cedendo à direção paternalista, contribuindo, simultaneamente, com essa questão. N a índia, seguindo os paternalistas libertários, um pro­
para a dem onização de parte do precariado. Eles não podem chegar a gram a de transferência de renda destinado a m ulheres econom icam ente
um acordo sobre como se comportar! inseguras promete-lhes dinheiro quando seu prim eiro filho atingir a idade
M uitos exemplos poderiam ser dados sobre o uso da econom ia adulta, com a condição de que elas sejam esterilizadas após o nascim ento
comportam ental e do paternalismo libertário ligados à vida do precariado, do segundo filho. Isso tam bém cria um a “arquitetura da escolha”.
especialmente por meio do uso engenhoso das regras da “opção por não
participar”, tornando difícil escolher não fazer algo e quase obrigatório
Tornando o precariado “feliz”
“optar por fazer”. A nova palavra da m oda é “condicionalidade”. Tem
havido um crescim ento notável de program as de transferência condicio­ Nesse m eio tem po, os paternalistas que d o m in aram a política
nal de renda ou T C R s. Os exemplos principais estão na Am érica Latina, social desde os anos 1990 têm aperfeiçoado um a m entalidade utilitária
liderados pelo program a Progresa (agora Oportunidades), no M éxico, e pelo construída em torno do desejo de tornar as pessoas felizes, na m edida em
Bolsa Família, do Brasil, que em 2010 atingiu mais de 50 milhões de pessoas. que aquela provisão de felicidade se tornou quase religiosa e dignificada
Dezessete países latino-am ericanos têm T C R s. A essência desses progra­ por ser cham ada de “a ciência da felicidade”. Alguns países, inclusive a
mas é que são dados às pessoas pequenos benefícios estatais, na form a de França e o R ein o U nido, estão reunindo estatísticas oficiais para m edir
dinheiro, somente se eles se com portarem de maneiras pré-determ inadas. a felicidade das pessoas.

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Vamos supor que temos um a sociedade na qual os políticos e seus com o equivalente m oderno de um a existência de pão-e-circo que está
conselheiros querem tornar as pessoas “felizes”. A racionalização utilitária sendo oferecida pelo Estado por meio da pseudociência e do impulso.
para induzir ao trabalho cresceu em sofisticação. Calvino santificou o
capitalismo ao dizer que a salvação viria para aqueles que realizassem bons
O Estado terapêutico
trabalhos. Mas a nossa sociedade é a prim eira em que os estrategistas polí­
ticos e analistas pretendem acreditar que os empregos nos deixam felizes. E nquanto se propunha a fazer as pessoas felizes, o paternalism o
Ao dizer que o emprego deveria nos deixar felizes e que ele nos libertário e o utilitarism o que lhe é subjacente desencadearam um cul­
define e nos dá satisfação, estamos estabelecendo um a fonte de tensão to da terapia, espelhando o que aconteceu no período de insegurança
porque os empregos que a m aioria de nós tem de desem penhar ficarão em massa do final do século X IX (S t a n d i n g , 2009, p. 235-238). O
aquém dessas expectativas. O precariado vai sofrer de estresse. Deveríamos instrum ento hegem ônico equivalente heje em dia é a terapia cognitivo-
estar felizes; por que não estamos felizes? A resposta sensata deveria ser com portam ental (TCC ), que se originou nos Estados U nidos, mas que
que os empregos não existem para nos fazer felizes, e então deveríamos está se globalizando com velocidade comercial indecorosa.
tratá-los com o m eram ente instrum entais, para obter um a renda. Nossa N o R ein o U nido, depois do choque de 2008, o governo, em vez
felicidade vem principalm ente do trabalho, do ócio e da diversão que de lidar com as causas estruturais do estresse e da depressão, m obilizou
experim entam os fora das tarefas, e da segurança de renda que obtem os a T C C para tratar as conseqüências. Afirm ava que m ilhões de pessoas
com o emprego, não do em prego em si. estavam sofrendo de ansiedade ou depressão, com o se fossem a mesma
Se isso fosse aceito com o prem issa para a política social, podería­ coisa. Esperava-se que os terapeutas cognitivo-com portam entais ensi­
mos buscar um equilíbrio entre as formas com o usamos o nosso tem po. nassem as pessoas como viver, com o reagir e com o m udar seu com por­
M uitos m em bros do precariado podem entender isso intuitivam ente. tam ento. O governo lançou o program a Im proving Access to Psycho-
Eles não podem passar para um m odo de vida estável e satisfatório logical Therapies, pelo qual qualquer pessoa poderia ser encam inhada
p orque as políticas sociais e econôm icas não fornecem a segurança por seu m édico para o Serviço N acional de Saúde a fim de fazer T C C .
básica e o senso de estar no controle do tem po - duas coisas que são Esta foi sustentada por um program a de “tratam ento de conversa”, em
indispensáveis. que os coordenadores de saúde m ental ocupavam postos em C entros
A felicidade hedonista baseada no emprego e na diversão é perigosa. de Em prego. A alegação era de que a T C C aum entaria o emprego, em
A diversão interm inável seria um tédio. O prazer é transitório e im põe decorrência de os C entros de Em prego enviarem desempregados para
limites. N ós paramos quando pensamos que já obtivemos o suficiente. os centros de terapia em todo o país. A necessidade de encam inham ento
C om o o prazer da diversão é efêmero, as pessoas que dependem dele por um m édico foi dispensada. Por que se preocupar com o diagnóstico
estão fadadas ao fracasso. O hedonism o é autodestrutivo - a rotina quando a cura tinha sido identificada?
hedonista. Os hedonistas tem em o tédio. O grande filósofo B ertrand O governo destinou fundos para pagar por oito sessões de trata­
Russell com preendeu a necessidade do tédio, mais bem expressa em seu mentos iniciais, projetando que, num período de cinco anos qualquer um
m aravilhoso ensaio Elogio ao ócio. A felicidade hedonista por m eio da podia se “autoencam inhar” para o tratam ento. N ão estava claro com o as
diversão e do “prazer” acaba induzindo ã dependência e à intolerância oito sessões de T C C “m anteriam os britânicos trabalhando”, conform e
a qualquer coisa que não seja o prazer, um a questão levantada pelo bió­ foi afirmado. Em vez de reconhecer as causas das dificuldades, a inten­
logo com portam ental Paul M artin em seu livro Sexo, drogas e chocolate: ção era tratar as vítimas da m á adm inistração econôm ica e encorajá-las
a ciência do prazer (2009). a pensar que precisavam de terapia.
A satisfação é o contentam ento do indivíduo com a vida em geral e E norm al ficar ansioso se você está vivendo um a existência preca-
com suas relações. N o entanto, criar um fetiche de felicidade não é um a riada, entrando e saindo do desemprego, preocupado em ganhar dinheiro
receita para a sociedade civilizada. O precariado deve tom ar cuidado suficiente para com prar alimentos ou preocupado em saber onde você

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estará dorm indo no próxim o mês. Por que essa ansiedade norm al deveria profética, ver S t a n d i n g , 1990). U m a das formas é tornar os benefícios
ser a razão para enviar alguém para um tratam ento terapêutico caro? Ele tão pouco atraentes que as pessoas não vão querer recebê-los e pegarão
pode transform ar a ansiedade em depressão, um a doença m uito pior. qualquer emprego em vez disso. Essa é a visão de Lawrence M ead, um
O teste perspicaz seria aplicar o principio de escolha dos paternalistas libertário norte-am ericano convidado por D ow ning Street para acon­
libertários. D eixe que os desempregados escolham entre as oito sessões selhar o governo britânico logo depois das eleições de 2010. Seu ponto
de T C C ou o dinheiro equivalente. Q uem quer apostar em qual seria de vista a respeito dos requerentes de benefícios é que “o governo deve
a escolha da maioria? O problem a é que a “arquitetura da escolha” não persuadi-los a se responsabilizarem” ( M e a d , 1986, p. 10, grifo no original).
foi concebida dessa maneira. E m outra forma, a ideia é que será oferecido um emprego a quem fica
O governo trabalhista estava considerando se alguns pretendentes desempregado, ou a quem está desempregado há alguns meses, o que
incapazes deveriam passar pela T C C antes de passarem para o “subsidio essas pessoas terão de aceitar ou perderão seus benefícios. Essas ideias têm
de apoio ao em prego”, que um funcionário descreveu como “um perío­ circulado há bastante tem po, rem ontando ao sistema de Speenham land,
do de oito semanas que im pede que as pessoas entrem na incapacidade às Poor Laws inglesas e ãs workhouses.
a longo prazo”. Q uem determ inará quem “precisa” de TC C ? Logo, os A linguagem é usada para m odelar as percepções. O governo de
poderes dirão que, a menos que as pessoas passem por um processo de coalizão do R ein o U nido tem argum entado que seus planos de workfare
T C C , elas perderão o direito aos benefícios. E vão garantir um processo são destinados a “superar o hábito do desem prego”. Mas ninguém de­
de T C C que seja tratado confidencialmente? O u será que, como resultado m onstra que o desempregado, ou outros necessitados, têm tal “ hábito”.
de sua “ fraqueza”, o fato de as pessoas terem passado por tal processo Há considerável evidência de que as razões pelas quais muitas pessoas estão
será repassado para seus potenciais empregadores? desempregadas ou às margens do mercado de trabalho não têm nada a
N ão há nada errado com a terapia em si. O que é duvidoso é seu ver com qualquer hábito. M uitas têm “trabalho” demais para fazer, mas
uso pelo Estado com o parte integrante da política social. Ela faz parte que os trabalhistas não reconhecem com o trabalho, tais com o cuidar de
de um Estado panóptico, usado para criar “mentes dóceis” e para deter parentes debilitados ou de crianças. E muitas têm incapacidades episódicas.
pensam entos subversivos, com o a ideia de que os empregos servis e pre­ Para quebrar o suposto hábito, houve um anúncio de que as pessoas
cários de baixo status empurrados para as pessoas desempregadas deveriam que procuram emprego teriam de aceitar empregos de 30 horas semanais
ser rejeitados. Os criadores de trabalhos desse tipo só serão pressionados durante quatro semanas, como atividade de trabalho obrigatória. Se eles
a melhorá-los, ou a prescindir deles por não serem dignos do esforço se recusassem a assumir o emprego ou não preenchessem a colocação,
hum ano, se as pessoas tiverem a permissão de rejeitá-los. os benefícios seriam suspensos por três meses. A intenção é transform ar
o desemprego num arranjo contratual - trabalhar por benefícios com
u m contrato com o Estado. O m otivo subjacente foi exposto quando os
Workfare e condicionalidade empregos que os desempregados teriam de assumir foram revelados -
Parte da agenda paternalista libertária é tornar a política social mais lim par o lixo e rem over grafites das paredes.
“condicional”, fornecendo benefícios estatais desde que os receptores se O Welfare W hite Paper de novem bro de 2010 declarou que havia
com portem de maneiras estabelecidas pelo Estado, supostamente para o um a “crise nacional” de dependência de benefícios, supostamente reve­
bem deles. Isso inclui program as que requerem que as pessoas aceitem lada pelo fato de 4,5 m ilhões de pessoas estarem recebendo “benefícios
empregos ou treinam ento depois de um curto período de direito ao bene­ de desem pregado”, lain D uncan Sm ith, o m inistro do Trabalho e da
fício ou percam os benefícios e se arrisquem a um a m ancha perm anente Previdência, afirm ou que aproxim adam ente três m ilhões de empregos
em seu registro, m antido em algum lugar num banco de dados on-line. haviam sido ocupados por imigrantes na década passada, em parte porque
O precariado está recebendo várias ofertas de variantes de “la- muitos britânicos eram “viciados” em benefícios de seguro social. Isso
b ourfare”, equivocadam ente chamadas de workfare (para um a crítica condensava duas afirmações em um a dedução. O s m igrantes poderiam

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ter assumido empregos porque tinham habilidades específicas, porque Parte da arm adilha do precariado é que os empregos que alguns
foram preparados para trabalhar por salários mais baixos ou porque, em podem ser forçados a assumir gerarão hostilidades em relação aos em ­
um mercado de trabalho aberto flexível, estavam no lugar certo na hora pregos em geral. E preconceito da classe m édia pensar que os empregos
certa. Alguns podem até ter conseguido empregos precisam ente porque que os desempregados são levados a assum ir conduzem a bons hábitos
não eram cidadãos e poderiam ser demitidos ou ofendidos im punem ente. de trabalho e comprom isso de trabalho.
Alguns poderiam aparecer com a experiência que os jovens trabalhadores O workfare no R e in o U nido expandirá o precariado. Ele colocará
britânicos não tinham tido a oportunidade de adquirir por serem jovens. centenas de m ilhares de pessoas em em pregos tem porários, delibera­
Alguns poderiam ter deslocado trabalhadores mais velhos que, para os dam ente tornados desinteressantes, para garantir que as pessoas não
empregadores, supostam ente seriam menos eficientes. Todas essas hipó­ queiram perm anecer neles. Se a colocação fosse para em pregos reais, o
teses são possíveis. Fazer um a ligação direta da existência de benefícios fato de pagar um a nin h aria tam bém tornaria mais difícil, para outros
sociais com os m igrantes “que tom am os empregos britânicos” é m ero que assumissem empregos semelhantes, negociar salários decentes. Mas,
e simples preconceito. com o aconte ce com todos os esquemas de workfare, não deveria haver
A outra alegação, de que m ilhões de britânicos estão “viciados” presunção de que as colocações serão em “em pregos reais”. Tam bém
em benefícios do Estado, foi mais um a declaração nociva. M ilhões de não está claro com o um trabalho forçado de quatro semanas vai “que­
pessoas estão recebendo benefícios devido à alta taxa de desemprego, b rar” o hábito da falta de trabalho. Poderia fazer o inverso, tornando
aos baixos rendim entos para m uitas pessoas que ocupam em pregos m uitas pessoas m al-h u m o rad as e indignadas. E fazer u m trabalho
tem porários e de m eio expediente - o precariado - ou à invalidez, im posto em tem po integral vai im pedir as pessoas de procurarem um
doença, fragilidade e assim por diante. O governo deveria ter abordado em prego de verdade.
as arm adilhas da pobreza, do desem prego e da precariedade que muitas Os program as de workfare tam bém não cortam os gastos públicos.
pessoas enfrentam , nenhum a das quais é culpa daqueles descritos como Eles são caros, envolvem altos custos adm inistrativos e “empregos” de
viciados em benefícios. baixa produtividade. Sua principal intenção é, certam ente, m anipular
A bem conhecida “arm adilha da pobreza” continuará existindo o nível de desemprego para baixo, não pela criação de empregos, mas
enquanto existirem as verificações de recursos, m esm o se a redução desencorajando os desempregados de reivindicarem benefícios. Pesquisas
gradual da perda de benefício com o ganho de renda se tornar menos nos Estados Unidos descobriram que a queda no núm ero de beneficiários
íngrem e. A “arm adilha do desem prego” tam bém continuará existindo. após a introdução de esquemas similares na década de 1990 deveu-se
Q uanto mais os salários caírem na extrem idade inferior do m ercado de principalm ente ao fato de as pessoas se retirarem da força de trabalho,
trabalho, m aior será a taxa de substituição de rendim entos se os benefícios sem ter emprego. A política foi em pobrecendo.
de desemprego tiverem de perm anecer adequados para a sobrevivên­ Os defensores do workfare ignoram a econom ia básica. U m a eco­
cia. E nquanto isso, a “arm adilha da precariedade” está piorando. Se os nom ia de mercado precisa de certo nível de desemprego, por razões de
empregos são gerados em um lugar enquanto os desempregados vivem eficiência e anti-inflacionárias. N ão são apenas os próprios desem pre­
num a área destituida em outro lugar, e se esses empregos pagam pouco gados que ajustam expectativas e aspirações enquanto buscam emprego,
e são tem porários ou de m eio expediente, os beneficiários assumem um mas tam bém outros que ajustam seu com portam ento para a existência
risco quando aceitam esses empregos. Eles têm de viajar, o que é caro; de pessoas desempregadas com petindo ou levando em conta cam inhos
correm o risco de com prom eter um a rede de familiares, amigos e lugares para m elhorar suas vidas.
que dão sentido à vida e ã sua identidade, além de terem de desistir dos Enquanto os social-democratas e trabalhistas preparavam o terreno
benefícios que podem ter levado meses para serem obtidos, em prim eiro para o workfare, eles vieram com um a variável que, se tom ada literalmente,
lugar. E espera-se que façam tudo isso quando os empregos podem não seria catastrófica. A rgum entam que deveria ser “garantido” um trabalho
durar mais do que algumas semanas. a todos os desempregados e que isso de um a só vez dará substância ao

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“ direito ao trabalho”. N a verdade, eles querem m axim izar o trabalho A tendência a dem onizar os m igrantes é global, com o se eles fos­
e os empregos, que veem com o algo que confere direitos e meios de sem um a form a de espécie alienígena. O pior cenário seria u m surto de
alcançar a felicidade e a integração social. Essa interpretação contraria a deportações em massa, com os políticos populistas atiçando os temores
evidência de que muitas pessoas obtêm pouco prazer de seus empregos. do precariado doméstico. Espera-se que haja bom senso suficiente para
Elas são obrigadas a fazer tarefas repetitivas, fúteis, ou sujas e árduas, que evitar qualquer coisa parecida com isso. Felizmente, tam bém há custos
realizam p o r um a razão; obter um a renda para sobreviver e ajudar seus substanciais para protelar os fanáticos. U m estudo ( H i n o j o s a - O j e d a ,
dependentes a fazer o mesmo. 2010) estim ou que a deportação em massa dos im igrantes “ ilegais” nos
R espondendo às propostas de workfare do R ein o U nido, Douglas Estados U nidos custaria mais do que as guerras do Iraque e do Afega­
Alexander, secretário do Trabalho e da Previdência do Partido Traba­ nistão juntas. Mas o m edo da deportação faz com que im igrantes não
lhista, se m anifestou a favor de testes mais rigorosos de beneficio por registrados aceitem salários mais baixos e condições de trabalho piores.
incapacidade e do m odelo dinam arquês de garantir empregos e obrigar N o R ein o U nido, como em muitos países, os jornais nacionais têm
as pessoas a assumi-los ou perder o benefício. “Essa é um a form a de atiçado sentimentos antim igrantes. C om o eles são m uito mais lidos do
benefício condicional”, disse ele; “são garantias reais de trabalho, mas que os jornais locais, as pessoas leem sobre o problem a dos m igrantes,
tam bém há sanções reais se a oferta não for aceita”. Alexander alegou que mesmo que em sua área não tenha nenhum . E nquanto somente 10% das
a diferença entre essa postura e a do governo era que o governo havia pessoas no R ein o U nido são m igrantes, o britânico m édio acredita que
adotado o m odelo norte-am ericano de corte de benefícios sem garantir a quantidade seja de 27%. A m ídia nacional identifica o excepcional. O
que um emprego estivesse disponível. Ele estava respondendo a críticas mesmo é verdadeiro para os “parasitas de benefício”. U m único caso é
de um ex-secretário-geral do Partido Trabalhista de que o partido parecia escolhido e o país inteiro lê sobre ele, im aginando que esse caso poderia
favorecer os “irresponsáveis pobres” em detrim ento dos “trabalhadores acontecer logo ali virando a esquina. Se lêssemos apenas os jornais locais,
da classe m édia oprim ida”. N o entanto, pensar a política em term os do a m aioria das pessoas não ouviria falar sobre esse caso ou generalizaria
que ela significa para o precariado talvez seja um a política mais calcada a partir dele. A globalização e a m ercadorização das comunicações dão
em princípios. poder para quem quer dem onizar. Assim, um governo pode citar dois
O s defensores do workfare colocam a tarefa acim a do trabalho. exemplos que sugerem que a m aioria dos desempregados sofre de “um
Em purrar todo m undo para empregos leva à arm adilha soviética; com o hábito de falta de trabalho”, e os leitores podem ser levados a acreditar
passar do tem po, os desempregados são apelidados de parasitas enquanto que esses dois casos representam m ilhões.
os trabalhadores indignados dim inuem o seu esforço, o que levou à piada O utro grupo demonizado é o dos “criminosos”. Vimos anteriormen­
irônica; “Eles fingem que nos pagam, nós fingimos que trabalham os”. te como o Estado está criminalizando mais e mais pessoas. Muitas delas não
M uito antes disso, Alexis de Tocqueville, em 1835, colocou a questão de passam de pessoas que não conseguem atuar m uito bem num a sociedade
forma sucinta ao dizer que garantir um emprego a todos conduziria ou ao de mercado. Outras são criminalizadas por acaso. Os serviços de emprego
governo assumir o com ando de quase toda a econom ia ou à coerção. Ele público têm se tornado agentes da conform idade e da disciplina social, e
não teria nenhum a dificuldade em ver qual cam inho isso está tom ando. podem levar alguns desempregados a quebrar as regras. Os médicos estão
sendo transformados em agentes disciplinares do trabalho, necessários para
relatar se seus pacientes estão empregados ou são empregáveis. Isso pode
Demonizando o precariado
levar a “condenações” por indolência ou fraude. O precariado é exposto
Desde que com eçou a Grande Recessão, os governos têm aper­ ao desagradável trabalho assalariado inseguro, e seria compreensível querer
feiçoado sua dem onização das vítimas da econom ia de mercado global. fugir dele ou se rebelar contra ele. O sistema penal m odera essa tendência
Q uatro grupos são alvos; os “m igrantes”, os “requerentes de benefícios e aum enta seus custos. Junte-se a isso o m onitoram ento sofisticado e mais
sociais”, os “crim inosos” e os “incapacitados”. pessoas poderão ser presas e marcadas socialmente.

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E m alguns países, os presos são proibidos de votar nas eleições. O a m édia de com parecim ento às urnas foi de 43%, a m enor desde 1979.
governo trabalhista do R ein o U nido adiou repetidas vezes a revogação O s partidos de centro-esquerda se deram m al em quase toda parte. O
da proibição, violando a lei da U nião Européia, e um a proposta de re­ Partido Trabalhista levou 16% dos votos no R ein o U nido. Os partidos
vogação apresentada pelo novo governo de coalizão foi fortem ente der­ de direita se saíram bem em todos os lugares. Os socialistas foram es­
rotada num a votação parlam entar livre. O utros países tam bém proíbem m agados na H ungria, enquanto o Jobbik, de extrem a-direita, ganhou
os prisioneiros de votar, e m uitos Estados norte-am ericanos tam bém quase o mesmo núm ero de assentos. N a Polônia, a dom inante Plataforma
proíbem ex-presos de votar, um a form a de pena de prisão perpétua que Cívica de centro-direita venceu. N a Itália, o centro-esquerda ganhou
prom ove ativamente o desengajam ento cívico. 26% dos votos, sete pontos percentuais a m enos do que nas eleições
Em geral, a dem onização é mais fácil em sociedades caracterizadas gerais de 2008, antes da crise, contra 35% para o Partido do Povo da
pela ansiedade e pela insegurança econôm ica sistêmica. A insegurança Liberdade, de Berlusconi. Nas eleições alemãs de 2009 houve um a baixa
faz com que seja mais fácil brincar com os medos, “ desconhecidos que participação recorde de 71%; a direita se saiu bem. E m toda parte, os
desconhecem os” e imagens criadas e m anipuladas por artistas visuais e social-democratas estavam em retirada.
da linguagem contratados para fazer exatam ente isso. Esse aspecto leva U m problem a é que os políticos agora são vendidos com o marcas,
ao que deveria ser o m aior m edo de todos. enquanto a política baseada em classe tem sido rebaixada, em parte po r­
que o projeto social-dem ocrata não poderia sobreviver ã globalização.
O resultado é um a política de discurso breve, baseada na im agem e na
Desgaste da democracia e neofascismo
aceitação com partilhada do quadro econôm ico neoliberal. C om isso, o
O que deveria preocupar a todos que acreditam nos valores dem o­ apoio à dem ocracia social está fadado à erosão.
cráticos e na liberdade é que, com a mercadorização das políticas, há um Parecia haver um a exceção: os Estados U nidos em 2008, quando
“ desgaste” da democracia, com menos pessoas pertencendo à corrente Barack O bam a conseguiu m obilizar os jovens norte-am ericanos que
predom inante dos partidos políticos e poucos participantes na m aioria esperavam por um a agenda progressista. Infelizm ente, ele foi em pacota-
das eleições. Esse desgaste está atingindo os partidos progressistas de do e sobrevalorizado. Seu consultor de redes sociais veio do Facebook;
m odo particularm ente severo. outro consultor criou um a “m arca O bam a” po r m eio de ferram entas de
N o R ein o U nido, um a auditoria de engajamento político m ostrou m arketing inteligentes, com um logotipo (nascer do sol sobre estrelas e
que no início de 2010, apenas um em cada dez potenciais eleitores era listras), um excelente m arketing viral (toques de celular do Obama), um
“politicam ente com prom etido”, enquanto um em cada dez era “alienado merchandising de produtos (anúncios de O bam a em videogames de espor­
e hostil” ( H a n s a r d S o c i e t y , 2010). O m aior grupo, um em quatro, tes), um a propaganda de T V de 30 m inutos de duração e um a escolha
consistia no “ desmotivado, desconfiado”. Som ente 13% podiam citar de alianças estratégicas de m arca (O prah para o alcance m áxim o, a fa­
o nom e de seu representante no Parlam ento. O s desmotivados eram m ília K ennedy para a seriedade, estrelas de hip-hop para a credibilidade
principalm ente os jovens (com menos de 35 anos) da classe trabalhadora nas ruas). D epois O bam a recebeu o prêm io M arketer o f the Year pela
- o precariado. O relatório disse que o grupo alienado/hostil era “ex­ A ssociation o f N ational Advertisers. E anúncios de empresa o copia­
trem am ente difícil de ser conquistado e seria infundado esperar que eles ram , com o o “C hoose C h an g e”, da Pepsi, o “Em brace C hange”, da
possam ser convertidos em eleitores”. Tam bém seria difícil estim ular o IK EA , etc.
voto do grupo entediado/apático. Grande parte dos desengajados estava Isto é política m ercadorizada, que com pra e vende im agens e
mais inclinada a votar no Partido Trabalhista do que no Conservador, chavões efêmeros, preferindo símbolos à substância. H á um a profunda
mas foram desestimulados pelo que estava disponível. alienação no fato de relações públicas e publicidades caras venderem
A dem ocracia frágil, o voto esporádico da juventude e a tendência um a cam panha transcendental que envolve u m hom em com o marca,
para a direita andam juntos. Nas eleições de 2009 na U nião Européia, cercado por imagens de liberdade e de m udança sem substância.

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O bam a foi vitorioso contra a fraca oposição republicana, no m eio A Itália m ostrou o cam inho. A aliança forjada p o r Berlusconi
de um a guerra desastrosa e de um a econom ia à beira do colapso. Ele visava ao precariado - a parte italiana dele. O etos político m erece ser
poderia ter arriscado atacar o projeto neoliberal. Em vez disso, apoiou o cham ado de “neofascismo”. Subjacente a ele está um a aliança entre um a
Fundo M onetário Internacional, que, com sua arrogância, tinha sido um elite fora da corrente dom inante da sociedade - simbolizada pelo próprio
dos principais culpados, socorreu os bancos e nom eou Larry Summers Berlusconi, o hom em mais rico da Itália, que possui as principais emis­
como seu principal assessor econômico, o hom em que inventou a política soras comerciais de T V do país —e da classe m édia haixa e aqueles com
responsável pela crise do crédito imobiliário de alto risco [sub-prime housing m edo de cair na precariado. N o dia seguinte à sua reeleição em 2008,
cn'515]. O bam a nunca tentou se aproxim ar do precariado, em bora m uitos Berlusconi anunciou sua intenção de “ derrotar o exército do m al”, o que
de seus m em bros tivessem a esperança de que ele o faria. A im aginação significava livrar o país dos “ im igrantes ilegais”. Jogando com o m edo
social-dem ocrata não podia se identificar com dificuldades reais. das pessoas em torno da lei e da ordem , instigou um a série de medidas
N os Estados Unidos e em outros lugares, a raiva cresceu em relação autoritárias. Os acampamentos ciganos foram demolidos e suas impressões
a alguns dos aspectos corruptos da era da globalização. Lem bre-se do digitais foram tiradas; o Parlam ento legalizou as patrulhas de vigilantes;
uso sistêmico de subsídios. N aom i Klein, entre outros, tem cham ado a o período durante o qual os que pediam asilo poderiam ser m antidos
era da globalização de “capitalismo de com padrio”, que se revela não em “centros de identificação e expulsão” foi estendido para seis meses;
com o um enorm e “m ercado livre”, mas com o um sistema em que os um a política foi introduzida para enviar de volta m igrantes que estavam
políticos liberam a riqueza pública para agentes privados em troca de no m ar no M editerrâneo antes que pudessem desembarcar, m andando-
apoio político. Ironicam ente, os grupos de extrem a direita se apossaram os para centros de internação de encarceram ento na Líbia. Berlusconi
da reação anticorporativista. Se o Estado foi capturado pelo favoritismo, e seus colegas chamavam o Judiciário de “um câncer” e dem itiram o
por que alguém deveria apoiar um “Estado forte”? Os social-democratas Parlam ento com o “um a entidade in ú til”. N ão adm ira que a Itália seja
de estilo antigo são incapazes de responder com convicção, porque acei­ cham ada de pseudodem ocracia.
taram a construção neoliberal e nada fizeram para apoiar o precariado, O s ataques racistas em R o m a se espalharam , legitim ados pela
que cresceu à sua sombra. O fato é que os subsídios ao capital foram reeleição com o prefeito, em 2010, de G ianni Alem anno, um ex-ativista
utilizados para fins políticos e econômicos. O raciocínio bruto era que, neofascista. Vários cientistas sociais observaram que os jovens bandidos
se um político ou um partido não dessem subsídios para os interesses que com etiam os ataques racistas eram menos ideológicos do que seus
dos poderosos, tais com o os “ barões da m ídia”, outros o fariam. Se os antecessores da década de 1930 e mais interessados na identidade pessoal,
subsídios não fossem dados a investidores financeiros e aos “não dom i­ opondo-se a qualquer pessoa percebida com o diferente. O utra m udança
ciliados” (indivíduos ricos que alegam estar domiciliados em outro lugar foi um a grande atração por bebidas alcóolicas, associada a um a m udança
para efeitos fiscais), outros países os afastariam para longe. U m a geração da fixação por um a bella figura para u m peculiar orgulho em perder o
de social-democratas acom panhou o oportunism o incipiente, perdendo controle. Cláudio Cerasa, autor de T h e Taking o f R om e, livro sobre a
toda a credibilidade no processo. ascensão da direita política, descreveu A lem anno com o um produto do
H á tendências mais preocupantes do que um projeto social-dem o- neofascismo, não um a causa. E m 2007, um ano antes de ter sido eleito
crático à beira da ruína. Pessoas inseguras produzem pessoas com raiva, e pela prim eira vez, u m quarto dos alunos das escolas de R om a votou em
pessoas com raiva são voláteis, propensas a apoiar um a política de ódio e Blocco Studentesco, um a afiliada da Casa Pound de extrem a-direita. Esse
am argura. N a Europa, os partidos de centro-esquerda têm sido punidos era o clima da época.
pelo eleitorado por perm itir que a desigualdade e a insegurança cresçam, O que está acontecendo na Itália também está começando a acontecer
enquanto seguem em direção a u m Estado de workfare. Os partidos de em todos os lugares. N a França, o presidente Nicolas Sarkozy, da ala direita,
extrem a direita têm crescido, apelando abertam ente para os temores que já tinha adotado um a linha dura sobre a imigração como m inistro
daqueles que se tornaram mais inseguros. do Interior, especialmente após os m otins de 2005 nos hanlieues de Paris

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e em outras cidades francesas, não perdeu tem po em copiar Berlusconi. As políticas buscadas pela m aioria dos governos europeus criaram
E m 2009, m ilhares de migrantes foram sum ariam ente deportados e, em u m am biente propício ao populism o. O R ein o U nido não é exceção.
2010, um grande núm ero de ciganos foi expulso para a R om ênia e para Ao favorecer mercados de trabalho flexíveis, perm itiu que o precariado
a Bulgária. O presidente Sarkozy estava atuando para impressionar seus crescesse, sem responder às suas inseguranças e medos. M udou, deci­
eleitores. Parte do precariado estava passando para a extrem a-direita. A sivam ente, a proteção social para benefícios sujeitos ã verificação de
classe trabalhadora branca e os mem bros mais velhos do precariado vo­ recursos, que dão prioridade aos mais necessitados enquanto em purram
taram a favor da Frente Nacional nas eleições regionais de m arço 2010, os “cidadãos” antigos, que podiam ser quase pobres, para o fim da fila
com a Frente ganhando 17,5% em doze regiões onde havia tido candidatos de benefícios, incluindo o da habitação.
no segundo turno. Depois de o partido U M P (Union pour un M ouvem ent A baixa renda desfavoreceu as com unidades deterioradas pela re­
Populaire) de Sarkozy ter sido fortem ente derrotado por um a desorientada produção do com portam ento antissocial da desindustrialização; seus ha­
coalizão de centro-esquerda, o partido passou ainda mais para a direita. bitantes estão cercados pela miséria e sofrem de privação relativa. C om o
E m um a pesquisa de 2010, um terço dos eleitores do U M P disse que essas áreas atraem um núm ero desproporcional de m igrantes e m inorias
apoiaria pactos eleitorais conjuntos com a Frente Nacional. étnicas de baixa renda, os habitantes “brancos” ou “cidadãos” sentem
A extrem a direita tem feito incursões em m uitos países europeus. vários medos, principalm ente de perder o pouco que têm. Condená-los
O m aior choque para a corrente política dom inante foi a eleição sueca no po r suas reações e com portam entos, quando os mercados de trabalho
final de 2010, quando os democratas suecos de extrem a-direita obtiveram flexíveis e os benefícios sujeitos à verificação criam essas condições, é um
grandes vitórias, enquanto os icônicos social-democratas tiveram seu pior falso moralismo. A responsabilidade recai sobre os estrategistas políticos,
resultado em décadas. Ele simbolizava o fim do famoso “m odelo sueco”. cujas políticas têm fom entado as tensões e gerado o extrem ism o.
Também em outros lugares, os grupos de extrem a-direita com mensagens O governo trabalhista respondeu com medidas populistas, lançando
xenófobas estavam progredindo. O desprezível partido Jobbik, com seus projetos-piloto a fim de pagar aos m igrantes desempregados para que
uniform es pretos e botas de cano alto, fez investidas na H ungria. N a fossem para casa com passagens de avião só de ida, usando um a empresa
H olanda, o Partido da Liberdade avançou na eleição de ju n h o de 2010, privada de com bate aos crim es comerciais e anunciando um plano para
exigindo lim ites à imigração, um a redução da burocracia para as peque­ ajudar “com unidades tradicionais”, um eufemismo para auxiliar os bair­
nas empresas, impostos mais baixos e cuidados para os mais idosos. Lá e ros brancos de baixa renda. E m outros lugares, os governos tam bém se
na D inam arca, onde o populista Partido do Povo D inam arquês obteve voltaram para abordagens populistas.
um novo reforço da mais draconiana das leis de im igração na Europa, N os Estados U nidos, o m ovim ento Tea Party com eçou em 2009,
um governo liderado pelos liberais depende de partidos anti-im igração após o com entarista de T V R ic k Santelli convocar o povo a m anifestar
para sobreviver. N a Áustria, o Partido da Liberdade de extrem a-direita sua revolta contra os planos financeiros do presidente Obam a. As pessoas
levou mais de um quarto dos votos nas eleições provinciais em Viena em que se ju n taram ao Tea Party eram contra o governo, exigindo im pos­
outubro de 2010, quase duplicando seu apoio a partir de 2005. tos baixos e mercados livres. O alvo inicial eram os Dem ocratas, mas
N o R ein o U nido, o Partido N acional B ritânico rapidam ente pro­ os R epublicanos considerados insuficientem ente com prom etidos com
vocou um susto, arrebatando vitórias nas eleições da U nião Européia em os cortes de impostos e o m enor governo tam bém foram ameaçados.
2009, apenas para im plodir devido à grosseria de seu líder. Seria m uito O C om itê N acional Republicano, em 2010, foi forçado a adotar um a
otim ism o pensar que as propensões ocultas que levaram à sua onda de regra instando os líderes do partido a apoiarem candidatos que pudessem
popularidade serão esquecidas. O utros grupos igualm ente desagradáveis, provar suas credenciais de extrem a-direita passando por um conjunto de
com o a English Defence League [Liga de Defesa Inglesa], perceberam dez critérios estabelecidos pelo Tea Party.
o espaço, enquanto algumas figuras centristas não se opuseram a incitar O s interesses da elite flertaram com o Tea Party. Ele tem atraído
os sentim entos anti-im igração. o apoio de grupos ligados a com panhias de petróleo e a W all Street

226 227
2010). C om ponentes da elite estão se unindo com os com ­
(F if ie l d , Q u erid o leitor, G len B eck pode ajudar você. Ele se levantará com
você e dirá: “N ão pise em m im ”.
ponentes da m inguante classe trabalhadora e do precariado, aqueles
financiando e garantindo a cobertura da m idia, e estes fornecendo os Beck se tornou um a celebridade m ultim ilionária. O que era m ar­
soldados rasos e os eleitores. A m enos que os partidos da corrente do­ ginal se tornou a corrente principal. A velha corrente política dom inante
m inante ofereçam ao precariado um a agenda de segurança econôm ica e não possuía um a narrativa alternativa para oferecer, além da esperança de
de m obilidade social, parte substancial do precariado continuará sendo crescimento econômico e de empregos. Não apresentou resposta para o au­
levada ao lim ite do perigoso. m ento da insegurança e da desigualdade; indiferente, a parte progressista
N a prim eira convenção nacional do Tea Party houve muita conversa do precariado ficou longe das mesas de voto nas eleições parciais de 2010.
sobre a imigração ilegal e a oposição ao “culto do m ulticulturalism o” e N o Japão, o precariado tam bém está dividido; um grande núm ero
à “islamização”. As camisetas tinham slogans como “Vou m anter m inha de pessoas com raiva, a m aioria hom ens jovens, está se ju n tan d o em
liberdade, minhas armas e meu dinheiro”. Os Birthers estavam lá, alegando grupos apelidados pela m ídia de N e t Far R igh t (R ede de E xtrem a-direi­
que Obam a era um im postor alienígena. Assim como o Partido Nacional ta), porque os mem bros se organizam pela internet e se reúnem apenas
Britânico, na Inglaterra, o Tea Party acusava os imigrantes de inundarem para manifestações. A m aioria recebe baixos salários e tem contratos de
os Estados Unidos com valores judaico-cristãos. “Esse país é nosso”, disse emprego de tem po parcial ou de curto prazo. D e acordo com o profes­
um delegado em meio a aplausos frenéticos, “Peguem -no de volta!” Não sor de sociologia Kensuke Suzuki, “esses são os hom ens que se sentem
havia ninguém por perto para dizer que o país não havia sido tomado. marginalizados em sua própria sociedade. Eles estão procurando alguém
O Tea Party é neofascista —quer um pequeno Estado social e um para culpar, e os estrangeiros são o alvo mais óbvio” (F a c k l e r , 2010).
governo autoritário. E constituído predom inantem ente por “ hom ens O m aior grupo, com mais de 9 m il m em bros em 2010, é chamado de
e m ulheres brancos irritados” afetados pela perda de empregos e dim i­ Zaitokukai, abreviação de seu nom e um tanto complicado — Cidadãos
nuição do nível de vida. Dois terços dos postos de trabalho existentes que não Perdoarão Privilégios Especiais para os Coreanos no Japão. Tais
durante os dois anos posteriores a 2008 eram empregos de “colarinho grupos têm intensificado as manifestações hostis contra os m igrantes e
azul” ocupados por hom ens. Os brancos irritados são críticos quanto a dizem que seu m odelo é inspirado no Tea Party dos Estados Unidos.
“ dar dinheiro” para as pessoas, e as pesquisas m ostram que os brancos se A menos que a mercadorização da política seja restringida, veremos
tornaram mais conservadores. O apoio aos “direitos às armas” aum entou mais um enfraquecim ento do envolvimento democrático, especialmente
de 51% em 2008 para 64% em 2010. da parte progressista do precariado. A política é agora dom inada por
Glen Beck, apresentador da Fox New s aclamado pela direita am e­ profissionais do mercado. U m exemplo assustador foi a eleição presiden­
ricana, é um confesso ex-viciado em cocaína e álcool que chama a si cial de 2010 da U crânia, vencida por V ictor Yanukovich, um hom em
mesmo de “esquizofrênico lim ítrofe”. Ele investe naquelas pessoas com ligado aos oligarcas do país e com condenações crim inais por roubo e
pouca instrução ou conhecim ento político. N o seu best-seller Glen Beck’s assalto. Os oligarcas levantaram recursos e contrataram um a empresa para
Com m on Sense, ele se dirige ao leitor da seguinte forma: vender sua im agem aos eleitores. Isso foi conduzido por um estrategista
do Partido R epublicano norte-am ericano, Paul M anafort, cuja empresa
A cho que sei quem é você. Você é um a pessoa de “ fortes crenças”,
tinha sido contratada com o consultora de vários presidentes dos Estados
com um “coração q uente”. Trabalha m uito, não é descuidado com o
Unidos. Antes de com eçarem a trabalhar, Yanukovich estava caindo nas
dinheiro, está preocupado com o que a econom ia significa para a sua
pesquisas, tendo sido rejeitado em 2004. A empresa contratada retratou
fam ília. N ão é sectário, mas parou de expressar suas opiniões sobre
questões delicadas há m uito tem po porque não quer ser cham ado de
sua im agem sob um a nova embalagem . Enquanto isso, a empresa de
racista ou de hom ofóbico e defender seus valores e princípios. N ão consultoria fundada por David Axelrod, conselheiro político de Obam a,
com preende com o o governo pode lhe pedir que se sacrifique apenas estava ajudando o outro candidato principal, com o estava fazendo John
para que os banqueiros e os políticos possam colher os benefícios. Anzalone, que tam bém trabalhou para a cam panha de Obam a.

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Três coisas são dignas de nota sobre essa eleição bizarra em um país Conclusões
europeu de 50 m ilhões de habitantes. Ela exemplificou a mercadorização
O precariado é descrito com o um grupo de pessoas que necessita
da política; foi um a mercadorização externa coerente com um a forma
de acom panham ento, terapia e coerção para assumir empregos. Mas a
m utante da globalização; e envolveu um a elite criminosa, financiando seus
solução paternalista libertária do workfare é um m eio de interrom per
interesses na forma de um candidato. Enquanto isso, um grande núm ero
qualquer tentativa de construir carreiras profissionais, com o o é a terapia
de ucranianos anunciava seus votos para venda na internet. A empresa re­ quando usada como política social. O diagnóstico de incapacidade mental
publicana norte-am ericana superou a empresa democrata norte-americana. e o prognóstico da terapia com binam -se para acentuar os sentimentos
A m ercadorização global da política deveria preocupar principal­ de precariedade. Essas não são políticas para apelar para a inquietação e
m ente o precariado. Talvez o desenvolvim ento mais regressivo nos Es­ a revolta no precariado. E mais provável que aconteça o inverso.
tados U nidos, e por conseqüência em outros lugares, dada a form a como A vigilância está perm eando todas as instituições da sociedade. Em
seus regulam entos legais tornaram -se precedentes globais, foi a decisão cada ponto ela vai gerar a sousveillance ou um a contracultura, e isso, por
de 2010 da Suprema C orte sobre a C itizens United contra Federal Election sua vez, terá um efeito de resposta que induz um a vigilância mais firme.
Commission. A C orte decidiu que qualquer corporação, sindicato ou as­ A vigilância não descansa, um a vez que foi legitim ada. Ela só pode ser
sociação comercial podia fazer contribuições ilimitadas para campanhas interrom pida pela resistência ativa, pela ação baseada em classe.
políticas, pelas razões peculiares de que tinham os mesmos direitos que A vigilância prom ove a agressão e a suspeita de motivos. Se um
os indivíduos de participar nas eleições. N ão foi nenhum a surpresa que as hom em é capturado em um circuito fechado de televisão acariciando o
eleições legislativas parciais subsequentes fossem dominadas por “anúncios rosto de um a jovem garota, isso é um sinal de bondade ou de intenção
de ataque” ferozes, financiados por organismos criados para esconder de sexual predatória? Se houver dúvida, a verificação será justificada como
onde veio o dinheiro. Os fundos para os candidatos de direita subiram m edida de precaução. Jamais podem os nos sentir totalm ente seguros.
seis vezes, a m aioria indo para os candidatos que fizeram cam panha em U m protetor nunca está longe de ser um controlador. U m a das conse­
favor de cortes de impostos, mais subsídios para as corporações, enfra­ qüências será o retraim ento de gestos norm ais de amizade. A mesma
quecim ento da proteção ambiental, reversão da reform a de saúde e um a ambivalência e tendência de distanciam ento são alimentadas dentro das
posição mais rígida sobre a m igração e os im igrantes. empresas. A aplicação da pontualidade, assiduidade no trabalho e audi­
D e im ediato, a decisão desgastou um princípio dem ocrático de que torias de eficiência são instrum entos para penalizar os não conformistas,
cada cidadão tem igual direito de votar e igual peso no processo. O maior que podem ser as mentes mais inovadoras e criativas. Afinal de contas, a
perdedor é o precariado. Considerando que as corporações vão colocar vigilância corrói a confiança e a amizade entre as pessoas, tornando-as
dinheiro em campanhas para a elite e para os assalariados, enquanto os mais temerosas e mais ansiosas. O grupo com mais razão para sentir esse
sindicatos enfraquecidos vão apoiar os funcionários do seu núcleo, não m edo e ansiedade é o precariado.
há grande interesse em representar o precariado. A inda não. O utilitarismo que sustenta o Estado neoliberal se reduz ã crença de
E m suma, o precariado deve estar preocupado com a onda de tornar a maioria feliz ao mesmo tem po em que torna a m inoria obediente
neofascismo e a pressão para u m Estado social m enor. N o m om ento, ele às norm as da m aioria, por m eio de sanções, estímulos e vigilância. E a
não pode resistir. Algum as pessoas, cujas situações sociais e econômicas tirania da m aioria levada a um novo nível de intensidade. Os utilitaristas
as colocam no precariado, foram politicam ente infantilizadas: estão tão poderiam sair im punes desde que estivessem lidando com um a pequena
ansiosas e inseguras que são facilm ente levadas a apoiar ações populis­ subclasse e desde que as rendas estivessem, na pior das hipóteses, estag­
tas e autoritárias voltadas para quem é retratado com o ameaça. M uitos nadas no extrem o mais baixo da sociedade. U m a vez que o precariado
m em bros do precariado perderam (ou têm m edo de perder) o pouco cresceu e as rendas começaram a cair acentuadam ente, a indignação para
que tinham e estão partindo para o ataque porque não têm políticas de com a agenda utilitária e o acolhim ento das desigualdades acabaram se
paraíso que os conduzam a melhores direções. tornando obrigatoriam ente explosivos.

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Capítulo 7 perdulário”. Pelo contrário, é mais im portante do que nunca. É o único
princípio que pode reverter as crescentes desigualdades e a insegurança
Uma política de paraíso econômica. E o único princípio que pode deter a propagação dos bene­
fícios sujeitos a verificação de recursos, a condicionalidade e o estímulo
paternalista. É o único princípio que pode ser usado para m anter a esta­
bilidade política na m edida em que o m undo se ajusta à crise da globa­
lização que está levando a m aioria das pessoas no m undo industrializado
a um declínio nos padrões de vida.
Para o precariado, o trabalhism o do século X X não é atraente. Por
sua vez, o projeto social-dem ocrata foi progressista, mas chegou a um
beco sem saída com a austera Terceira Via. Os políticos social-democratas
que tem iam falar na desigualdade, quanto mais abordá-la, abraçaram o
hora de revisitar a grande trindade - liberdade, fraternidade e trabalho flexível inseguro e desistiram da liberdade, prom ovendo o Esta­
igualdade —no desenvolvimento de um a agenda progressista a partir da do panóptico. Eles perderam credibilidade com o precariado quando se
perspectiva do precariado. U m bom com eço seria um renascim ento da descreveram como “classe média” e tornaram a vida dos não conformistas
liberdade republicana, a capacidade de agir em conjunto. A liberdade é mais difícil e mais insegura. E hora de seguir em frente.
algo que está revelado na ação coletiva. H á um a necessidade de um a nova política de paraíso que seja leve
O precariado quer liberdade e segurança básica. C om o o teólogo e orgulhosam ente utópica. O m om ento é adequado, já que um a nova
Kierkegaard colocou, a ansiedade faz parte da liberdade. Ela é o preço visão progressista parece surgir nos prim eiros anos de cada século. Havia
que pagamos pela liberdade e pode ser um sinal de que a temos. N o en­ os rom ânticos radicais do início do século X IX exigindo novas liber­
tanto, a menos que a ansiedade seja m oderada, ancorada em segurança, dades, e houve um a corrida de pensam ento progressista no início do
estabilidade e controle, corremos o risco de que ela se transform e em século X X exigindo liberdade para o proletariado industrial. Já é tarde,
medos irracionais e nos torne incapazes de funcionar racionalm ente ou mas o descrédito do trabalhism o ju n to com a falência m oral do m odelo
de desenvolver um a trajetória coerente para viver e trabalhar. E nesse neoliberal da globalização representa um m om ento de esperança para
estado que o precariado se encontra hoje, desejando controle sobre a vida, u m igualitarism o em ancipatório voltado para o precariado.
u m renascim ento da solidariedade social e um a autonom ia sustentável, Ao se pensar que forma isso tomaria, é bom refletir que o que parece
enquanto rejeita velhas formas trabalhistas de segurança e de paternalismo impossível hoje costum a tornar não apenas possível, mas em inentem ente
estatal. Ele tam bém quer ver o futuro assegurado de um a forma ecológica, praticável. E m seu prefácio à edição de 1982 de Capitalismo e liberdade,
com o ar lim po, a poluição em retrocesso e o reavivam ento de espécies; escrito originalm ente em 1962, quando o m onetarism o e o neolibera-
o precariado tem mais a perder com a degradação ambiental. E ele está lismo ainda estavam sendo ridicularizados, o astuto m onetarista M ilton
se m ovim entando no sentido de querer reviver a liberdade republicana, Friedm an com entou: “Nossa função básica é desenvolver alternativas às
ao invés da liberdade individualista alienante da mercadorização. políticas existentes, para m antê-las vivas e disponíveis até que o politi­
Em bora o precariado ainda não seja um a classe-para-si, ela é um a camente impossível se torne politicamente inevitável” (F r ie d m a n , 1982,
classe-em -construção, cada vez mais capaz de identificar o que deseja p. ix). E nisso que o pensam ento progressista se apoia hoje.
com bater e o que quer construir. Ele precisa reviver um etos de solida­ U m a prim eira tarefa é afirm ar o que tem sido negado pelos traba­
riedade social e universalismo, valores rejeitados pelos utilitaristas. Sua lhistas e neoliberais. E preciso confiar que as pessoas pensarão e agirão
presunção foi com preendida por um líder no influente Financial Times para o próprio bem , bem como respeitarão os outros. Elas não devem ser
(2010b), que declarou sem rodeios: “A universalidade é um princípio tratadas com o preguiçosas, criminosas em potencial, transgressoras da

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lei ou inerentem ente egoístas. É preciso dizer aos incentivadores pater­ individual e coletiva para representar seus interesses. O precariado deve
nalistas libertários para não se m eterem nos negócios e nas arquiteturas forjar um a estratégia que leve em conta esse duplo imperativo.
de escolha dos outros; é preciso elim inar o panóptico. A educação ade­
quada e o “tem po de qualidade” são o cam inho para ajudar as pessoas
Tornar Justa a denizenship^^
a tom arem suas próprias decisões. Ao contrário do que os paternalistas
libertários dizem , a m aioria das pessoas não tom a decisões abaixo do O precariado é composto de m uitos tipos de “ habitantes”, com
ótim o porque elas são oprim idas pela inform ação, mas sim porque não diferentes pacotes de direitos, porém lim itados. Ele lucraria se as dispa­
têm tem po ou energia para fdtrar as inform ações relevantes, não têm ridades fossem reduzidas e se os direitos fossem devidam ente defendidos.
acesso a um possível aconselham ento especializado e não têm Voz para Cada parte do precariado tem um interesse no reforço dos direitos dos
exercer suas escolhas. outros “ habitantes”, mesmo que alguns grupos políticos tentem virar
O mesmo pode ser dito sobre os empregos. O fato de haver um a um grupo contra o outro. “H abitantes, uni-vos!” não seria um m au
aversão aos em pregos em oferta não significa que um a m ultidão de slogan. E é im portante lem brar que não são apenas os m igrantes que
pessoas não queira trabalhar. H á evidências incontestáveis de que quase têm o status de “habitante”. Cada vez mais, o Estado está convertendo
todas as pessoas querem trabalhar. Faz parte da condição hum ana. Mas mais cidadãos em “ habitantes”.
não podem os concluir que todos deveriam ocupar empregos ou ser tra­ D e m aneira mais flagrante, ele está tirando os direitos do indivíduo
tados com o se sofressem de um “hábito de falta de trabalho” quando na “crim inalizado”. Esta é um a form a de dupla incrim inação. A menos
verdade isso não acontece. que um crim e seja abertam ente político, ou se um processo legal tiver
O precariado se defronta com a insegurança sistemática. E simplifi­ determ inado que um a pessoa não deveria ter o direito de votar, não
car demais dividi-lo em um precariado “bom ” e um “m au”. N o entanto, há justificativa para se tirarem os direitos políticos e os direitos sociais.
há um a parte dele que quer enfrentar as inseguranças com políticas e Dada a tendência do Estado de prender e crim inalizar mais pessoas, essa
instituições para redistribuir segurança e oferecer oportunidades para questão m erece m aior discussão pública.
que todos possam desenvolver seus talentos. Essa parte, praticam ente Os m igrantes são os principais “habitantes”. H á várias propostas
toda jovem , não vê com bons olhos a garantia de vínculo empregatício para a criação de um processo pelo qual eles poderiam obter a cidadania
trabalhista da era pré-globalização. com um a ampla gama de direitos, incluindo a “cidadanização”, separando
O precariado “m au”, em contraste, é abastecido pela nostalgia por status e nacionalidade. U m conceito de residenceship integraria m elhor
um a idade de ouro imaginada. E revoltado e amargo, vendo os governos os m igrantes, um a vez que eles se tornariam autom aticam ente cidadãos
salvarem bancos e banqueiros, dando subsídios para as elites favorecidas após certo período, em vez de serem “naturalizados”. Isso contrasta
e os assalariados, perm itindo que a desigualdade cresça à sua custa. E com a noção de “permissões perm anentes”; em bora protegesse contra a
atraído para o neofascismo populista, atacando governos e dem onizando deportação arbitrária, m eram ente confirm aria esses “habitantes” como
aqueles que parecem favorecidos por eles. A menos que as aspirações do estrangeiros. A universalidade consiste em superar tais distinções em um
“ bom ” precariado sejam enfrentadas, mais pessoas vão ser arrastadas para m undo globalizado. Da form a com o está, os governos têm aum entado
os círculos do “m au” precariado. Se isso acontecer, a sociedade estará as condições necessárias para desfrutar até m esm o do status de “habitan­
ameaçada. E isso está acontecendo. te”. Em paises que adotaram os “testes de cidadania” para aqueles que
A principal necessidade do precariado é a segurança econômica, para desejam se estabelecer, o precariado deveria exigir que qualquer pessoa
que seus membros tenham algum controle sobre suas perspectivas de vida que pretenda exercer serviço político tam bém devesse ser submetida a
e a sensação de que os choques e os riscos podem ser gerenciados. Isso
só pode ser alcançado se a segurança de renda for garantida. N o entanto,
“ N o con ceito de cidadania cívica, denizenship co rresp o n d e ao status in te rm e d iá rio entre
os grupos mais vulneráveis tam bém precisam de “agência”, a capacidade o h a b ita n te estran g eiro e o cidadão. (N.T.)

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eles. M elhor ainda seria aboli-los como fraudulentos, já que seu principal precariado é que tem mais necessidade de proteção e deve exigir que
objetivo é levantar barreiras à entrada. sua condição de “ habitante” seja de fato revertida.
E ntre as reform as mais necessárias que afetam os “ habitantes”,
estão aquelas relacionadas ao direito à prática, o direito de trabalhar na
Recuperação de Identidades
esfera de sua com petência e “vocação”. M ilhões têm esse direito negado,
através de licenciam ento e outros meios. As profissões liberadas para a O precariado está no centro da confusão em torno do m ulticul­
prática abririam essa possibilidade aos m igrantes, que, de outro m odo, turalism o e das identidades pessoais. U m a característica definidora de
seriam relegados ao precariado. A A lem anha, por acaso, pode assumir a todos os “ habitantes” é a ausência de direitos. A cidadania consiste no
liderança aqui. E m outubro de 2010, o m inistro do Trabalho disse que, direito de term os um a identidade, na sensação de sabermos quem somos
para atrair mais m igrantes qualificados, a A lem anha introduziria um a e com quem temos valores e aspirações comuns. O precariado não tem
lei reconhecendo qualificações estrangeiras. Essa é um a resposta ad hoc a identidade segura. Mas, em um m undo globalizado, não podem os fugir
u m desafio global. O que é necessário é um sistema de credenciam ento do m ulticulturalism o e das múltiplas identidades.
internacional, por meio do qual os governos e as corporações profis­ Os Estados devem perm itir múltiplas identidades; todo m undo é, de
sionais estabeleçam padrões de qualificação e reconhecim ento m útuo, certo modo, um “habitante” que tem direitos dentro de algumas identidades
de m odo que aquelas pessoas com habilidades qualificadas em um país autorreguladas e não em outras. Cada identidade carrega pacotes distintos
possam praticá-las em outros países com mais facilidade. N a m aioria das de “direitos”. Assim, se um a pessoa tem um a identidade como adepto de
profissões, não há necessidade de licença. U m sistema de credenciam ento um a religião ou como ateu, isso lhe dá direitos que os outros não possuem
poderia exigir que os profissionais mostrassem um a prova de qualifica­ dentro de um a comunidade (direitos de certos feriados, direito de rezar
ção por m eio dos potenciais clientes de seus serviços, o que perm itiria ou de não rezar, etc.). Os desafios cruciais surgem com os mecanismos de
aplicar o princípio de caveat emptor (cuidado, comprador) de form a justa. hierarquia, opressão e excomunhão, e com a garantia de que o exercício de
Os m igrantes, sobretudo os que solicitam asilo, carecem de m e­ qualquer direito comunitário não afeta os direitos de identidade dos outros.
canism os para representar seus interesses. U m a estratégia igualitária Os direitos decorrentes do fato de se pertencer a um a identidade
exigiria que fossem dados espaços aos órgãos representativos em que profissional específica são ainda mais cruciais para o precariado. Se o
eles atuassem e que fossem ajudados financeiram ente. Em 2010, um a sujeito é encanador ou enferm eiro, ele deve ter os direitos concedidos
cam panha britânica chamada Strangers into C itizens fez lobby a favor de a todos os m em bros de sua profissão, inclusive o direito de afirm ar que
um a “anistia adquirida” para os m igrantes não registrados após cinco é qualificado e aprovado por seus pares. N o entanto, é um a questão di­
anos. Se dois anos após se registrarem eles estivessem em um emprego e ferente dizer que quem é aceito por seus pares não deve ter o direito de
falassem inglês, receberiam autom aticam ente a cidadania. Essa m edida praticar - e é dessa m aneira que m uita gente está entrando no precariado.
poderia ser criticada, mas as corporações legitimadas pelo Estado são É por isso que a identidade profissional deve se basear num sistema de
necessárias para representar todos os grupos de “ habitantes” que lutam credenciam ento, não no licenciam ento voltado para a competitividade,
para obter direitos de jure e de Jacto. e é por isso que ela deve se assentar em estruturas de governança dem o­
M uitos outros perdem os direitos econômicos e sociais em virtude crática dentro de corporações profissionais das quais todos os interesses
de um com portam ento passado ou de algum a ação que resulta num possam participar (sobre com o isso acontece, ver St a n d in g , 20 0 9 ). A
registro oculto que m acula seu caráter, sem que eles saibam ou sem que democracia profissional é fundam ental para a liberdade do século X X L
possam refutá-lo. Tony Blair disse um a vez que quem não tivesse feito Voltando para o lado político da identidade, o neofascismo m oderno
nada de errado deveria se preocupar com o avanço da vigilância. Essa é é veem entem ente contra a aceitação da identidade e da cultura dos outros.
um a perspectiva ignóbil. U m a razão é que não sabemos o que está sendo Os neoliberais tam bém se opõem à ideia de identidade, alegando que os
coletado sobre qualquer u m de nós ou se isso é correto ou incorreto. O indivíduos em um a sociedade de mercado não têm nenhum a identidade

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comum . Eles presum em que existe um a personalidade com um , um a m is­ Aqueles que querem que as universidades sirvam ao em preendedo-
tura de pessoas, como está implícito nas Constituições norte-am ericana e rismo e aos negócios e prom ovam um a perspectiva de mercado deveriam
francesa. Ambas as posturas são inúteis, para dizer o m ínim o. Seria m elhor prestar atenção aos grandes intelectuais do passado. C om o disse Alfred
afirm ar que podemos e de fato temos identidades múltiplas, e precisamos N o rth W hitehead, o filósofo: “A universidade é justificada pelo fato de
construir instituições e políticas para defendê-las e melhorá-las. preservar a conexão entre o conhecim ento e o entusiasm o pela vida,
O precariado é mais exposto a um a crise de identidade. Ele não unindo o jovem e o velho na consideração imaginativa da aprendizagem”.
deve desistir do m ulticulturalism o ou da legitim ação de múltiplas iden­ A nteriorm ente, Jo h n Stuart M ill, ao falar sobre sua instalação no
tidades. N o entanto, deve fazer mais, visto que precisa ter seus interesses cargo de R eitor da St A ndrew University, em 1867, declarou: “As univer­
representados em todas as instituições e estruturas identitárias. Isso não sidades não têm a intenção de ensinar o conhecim ento necessário a fim
é um a justificativa para um a nova form a de corporativism o. E um apelo de preparar hom ens para algum m odo especial de conquistar o próprio
para o precariado se tornar um a classe-para-si. sustento. Seu objetivo não é form ar advogados hábeis, ou médicos ou
engenheiros, mas seres hum anos cultos e capazes”. A rejeição comercial
desse princípio é algo que o precariado deve evitar ao m áxim o. E preciso
Resgate da educação
deter os filisteus.
A m ercadorização da educação deve ser combatida por aqueles que H á outra questão mais pragm ática. U m a resposta parcial à frus­
estão sendo m anipulados para se ju n ta r ao precariado. O espectro de tração de status oriu n d a dos jovens que são form alm ente educados
universidades sem professores apoiadas por técnicas panópticas deve ser para os em pregos disponíveis n u m nível acadêm ico mais alto do que o
banido po r um a regulação dem ocrática e transparente, envolvendo as necessário seria transform ar os títulos acadêm icos em “bens de ócio”
associações profissionais e as leis que especificam que o ensino superior, (em vez de bens de investim ento). As pessoas poderiam ser encorajadas
bem com o de outros níveis, não deveria ser sem professores. a obter seus diplom as em u m prazo mais longo, facilitando-se licenças
A determ inação de conteúdo deve ser devolvida ãs mãos dos pro­ sabáticas para mais pessoas durante o curso de sua vida adulta e não
fissionais - professores e acadêmicos —, enquanto os “clientes”, ou alu­ colocando tanta ênfase na im portância de ir direto da escola secundária
nos, deveriam ter um a Voz na definição da estrutura e dos objetivos da para a universidade.
educação. E o precariado deveria estar habilitado para conquistar um a O precariado pode sonhar com um a espécie de “universitização”
educação libertadora em um a base contínua, e não apenas ser sujeito ã da vida, um m undo no qual aprenda de form a seletiva e ampla em todos
preparação do capital hum ano. Isso não é ser idealista ou ingênuo. É os m om entos. Para isso, ele deve ter um sentim ento de m aior controle
claro que os alunos não sabem o que é m elhor para eles. N en h u m de sobre o tem po e o acesso a um a esfera pública que m elhore a educação
nós sabe. O que é necessário é haver um sistema de governo que equi­ com o processo deliberativo lento.
libre as forças modeladoras do processo. A tualm ente, os que prom ovem
a m ercadorização da educação estão no controle total. Isso é aterrador.
E preciso haver um a reversão do em burrecim ento envolvido na Trabalho, não só tarefa
educação do “capital hum ano”. Nos Estados U nidos, os peritos se refe­ Para a moral moderna, tornou-se artigo de fé
rem a um a perda da capacidade de ler e a um a síndrom e de déficit de que toda tarefa é boa em si mesma — uma crença
atenção “massificada”. E não é assim só nos Estados U nidos. A educação conveniente para quem vive da tarefa dos outros.
libertadora deve recuperar a prim azia por si só, e os que prom ovem a W iL L iA M M orris (1885), Useful Work Versus Useless Toil
mercadorização devem ser combatidos. Nós não podem os rem ovê-los
completamente, mas é preciso alcançar institucionalm ente um equilíbrio O trabalho precisa ser resgatado dos empregos e da tarefa. Todas
em favor da educação libertadora. as formas de trabalho deveriam ser tratadas com igual respeito, e não

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podemos presum ir que um a pessoa não esteja trabalhando por não ocupar estatísticas que revelem a quantidade de trabalho realizado. Poderíamos
um emprego, ou que quem não realiza trabalhos hoje seja um parasita então zom bar de quem afirma ou conclui que as pessoas que não ocupam
ocioso. N ão é a ociosidade que prejudica a sociedade. As pessoas real­ um “em prego” identificável são preguiçosas ou parasitas de benefícios
m ente ociosas prejudicarão a si próprias se desperdiçarem a própria vida. sociais. Com ecem os com as estatísticas sobre a quantidade de tem po que
Porém , a sociedade tem um custo m uito m aior para policiar e p unir a o precariado gasta para lidar com os burocratas estatais e com outros in­
pequena m inoria do que ganharia forçando-a a aceitar um emprego de termediários.
baixa produtividade. Além disso, um pouco de ócio não faz mal nenhum .
C om o sabemos que a aparente ociosidade de um a pessoa não é o seu
Mercadorização do trabalho pleno
m om ento de repouso ou contemplação? Por que sentimos a necessidade
de presum ir e condenar? Algumas das maiores mentes da história tiveram Ao contrário da declaração trabalhista de que “ Trabalho não é
períodos de ociosidade, e qualquer pessoa que leu o ensaio de B ertrand m ercadoria”, deveria haver a m ercadorização do trabalho pleno. Em
Russell, Elogio ao ócio, deveria se envergonhar de exigir que os outros vez de em purrar as pessoas para os empregos, reduzindo seus salários e
trabalhem freneticam ente. dos outros afetados pela pressão negativa que resulta dessa redução, as
N ão se deve perder o senso de proporção. O trabalho é necessário; pessoas deveriam ser atraídas por incentivos apropriados. Se há empregos,
os empregos são necessários. Acontece que eles não são a essência e a com o se diz, e se ninguém se apresenta para ocupá-los, então deixemos
finalidade da vida. O utras formas de trabalho e de usos do tem po são o preço subir até que a pessoa que oferece os empregos ache que eles
igualm ente im portantes. não valem o preço (salário) que ela está disposta a pagar, ou até que as
John M aynard Keynes, o m aior economista do século X X , previu pessoas se sintam atraídas o bastante para ocupá-los. Vamos deixar que os
que, a essa altura, as pessoas nas sociedades ricas estariam cum prindo não governos apliquem no m ercado de trabalho as mesmas regras que dizem
mais do que 15 horas semanais nos seus empregos. Antes dele, Karl M arx aplicar em outros mercados. Para a adequada m ercadorização, o preço
predisse que, um a vez que o nível de produtividade permitisse à sociedade deve ser transparente e totalm ente m onetizado. Isso significa elim inar
satisfazer suas necessidades materiais, nós gastaríamos o nosso tempo desen­ aqueles benefícios empresariais extravagantes e convertê-los em benefí­
volvendo nossas capacidades humanas. N o final do século X IX , W illiam cios que podem ser comprados por escolha de mercado. O respeito aos
M orris, em seu visionário Notícias de lugar nenhum, viu um futuro em que princípios da solidariedade social pode ser tratado separadamente. Os
as pessoas não teriam estresse, trabalhariam com o que lhes interessasse e benefícios não m onetários são um a im portante fonte de desigualdade
seriam inspiradas para reproduzir a natureza, prosperando ju n to com seus e são contrários aos mercados de trabalho eficientes. O precariado não
vizinhos. N enhum deles previu o insaciável impulso de consumo e o cres­ tem perspectiva de obtê-los. Eles vão para os assalariados e para um a
cimento interminável definido por um sistema de mercado mercadorizado. m inoria privilegiada de trabalhadores essenciais - um a m inoria que só
C hegou a hora de dizer que forçar as pessoas a aceitar empregos é a dim inui. Para incentivar a mercantilização, os benefícios devem ser tri­
resposta para a pergunta errada. Devemos encontrar maneiras de perm itir butados a um a taxa m aior do que os ganhos m onetários; no m om ento,
que todos nós tenham os mais tem po para o trabalho que não é tarefa e eles costum am ser u m m eio de evasão fiscal. A lém disso, os sistemas de
para o ócio que não é diversão. Se não insistirmos em um conceito mais pagam ento deveriam ser transparentes, por serem associados à aplicação
rico de trabalho, continuarem os a ser levados pela insensatez de m edir de habilidade, esforço e tem po. E relevante que a pesquisa m ostre que
o valor de um a pessoa pelo em prego que ela tem e pela tolice de que a os trabalhadores ficam mais satisfeitos se são pagos por hora, que é o
geração de empregos é a m arca de um a econom ia bem sucedida. m étodo mais transparente de todos.
O precariado tem mais a ganhar. Ele realiza um a quantidade des­ A m ercadorização propriam ente dita é um m ovim ento progressivo.
proporcional de trabalho que não é emprego e é forçado a realizar m uito C onsidere a prática clássica da licença-m aternidade, do ponto de vis­
trabalho que não é produtivo, nem agradável. Q ue tenham os melhores ta da equidade social e da posição do precariado. Se a m ulher é um a

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em pregada assalariada, ela pode receber o pagam ento e a licença do intensificando, e assim com o muitas formas valiosas de trabalho estão
em pregador, com a m aior parte do salário paga pelo governo. N o R e i­ sendo realizadas em circunstâncias estressantes abaixo do ótim o, do mes­
no U nido, as m ulheres recebem salário m aternidade estatutário por até m o m odo a diversão está ajudando a restringir o ócio. U m dos grandes
39 semanas, e licença de até um ano. H á tam bém licença-paternidade patrim ônios da sociedade terciária é o tempo.
de duas semanas, e um dos pais pode se afastar durante um tem po não E m vez de tratar empregos com o instrum entais, somos instruídos
rem unerado até que a criança com plete cinco anos de idade. Tendo em a tratá-los com o o aspecto mais im portante da vida. Existem muitas
conta que os empregadores são compensados pelo governo para a m aior formas de trabalho fora dos empregos que podem ser mais satisfatórias e
parte do custo do pagam ento da m aternidade e da paternidade, trata-se socialmente valiosas. Se partim os do princípio de que ter um emprego
de um benefício regressivo que favorece o assalariado em detrim ento é necessário e que isso define a nossa identidade, as pessoas que têm
do precariado. M esm o que seja atraente para os trabalhistas, quantos em prego fixo vão se sentir estressadas se tem erem perder não apenas um
assalariados de baixa renda estão em posição para receber o benefício? em prego, mas o seu valor social, seu status e seu padrão de vida visiveis.
Foi som ente em 2009 que a Com issão de Igualdade e D ireitos H u ­ N o final de 2009, o W all Street Journal publicou um com entário de
m anos do R e in o U nido propôs derrubar o período de qualificação de Alan Blinder, ex-vice-diretor do Federal Reserve dos Estados Unidos,
trabalho para a obtenção dos benefícios sociais. Mas muitas m ulheres dizendo que os norte-am ericanos tinham “somente três coisas em m ente
precariadas estarão fora de um em prego em algum m om ento durante a nesse m om ento: empregos, empregos e empregos”. N ão apresentou ne­
gravidez. Então, seria improvável que elas obtivessem u m novo emprego nhum a evidência para apoiar essa observação. Porém , se um a m aioria só
e, portanto, não teriam acesso aos benefícios da licença-m aternidade. consegue atingir algo que se aproxime da segurança m antendo empregos,
O precariado deveria ter os mesmos direitos que todos os outros. A então obviam ente os empregos serão fundam entais e estressantes. N ão
universalidade im porta. é utópico afirm ar que isso é insalubre e desnecessário. Precisamos parar
Isso leva à próxim a demanda; os empregos deveriam ser tratados de fazer dos empregos u m fetiche.
com o instrumentais, um a transação comercial propriam ente dita. Aqueles A inda não está claro que o crescim ento econôm ico nos paises ricos
que alegam que os empregos são a principal fonte de felicidade e que exige mais empregos, como foi m ostrado pelas evidências de “aumento de
relutam em aproveitar dos encantos dos empregos deveriam ser coagidos desempregados” e até m esm o “aum ento da perda de em prego”. E tentar
a tratar os empregos com o instrum entais para sua própria felicidade, elevar o crescim ento através da criação artificial de empregos pode ser
considerada em longo prazo; além disso, deveriam saber que seria m e­ ecologicam ente destrutivo. Afinal, empregos e trabalho tendem a com ­
lhor se cuidassem de suas próprias vidas. Para a m aioria do precariado, binar com a utilização e a exaustão de recursos, enquanto outras formas
os empregos não são o cam inho para o nirvana. D izer a eles que os de trabalho tendem a ser reprodutivas e preservar recursos.
empregos são a fonte da felicidade é transform á-los em algo que nunca N a m udança de empregos, o direito ao trabalho deve ser reforçado;
pretenderam ser. Os empregos são criados porque alguém quer que algo para isso, é preciso facilitar a realização de trabalho que não é tarefa e
seja feito. O u pelo menos é para isso que eles deveriam ser criados. Q ue igualar as oportunidades dessa realização. Em bora a necessidade desse
sejam devidam ente m ercadorizados. Se essa é a regra de um a econom ia tipo de trabalho esteja crescendo, as pessoas em m elhor posição para
de livre m ercado, então que se aplique a todas as mercadorias. realizá-lo são abastadas, porque têm tem po ou podem com prá-lo. Essa
é um a form a velada de desigualdade, porque os que detêm as vantagens
estão em m elhor posição para acum ular vantagens adicionais.
Liberdade profissional
N os Estados Unidos, a pós-recessão de 2008 m otivou um cresci­
O precariado quer desenvolver um senso de profissão, com binando m ento no trabalho que não é tarefa. A ironia passou despercebida. Por
formas de trabalho e tarefa de m aneira a facilitar o desenvolvim ento exemplo, m ilhares se conectaram ao Volunteernyc.org, um órgão centra­
e a satisfação pessoais. As dem andas de tarefas e em pregos estão se lizador de trabalho voluntário. Em parte, isso aconteceu em resposta ao

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apelo do presidente O bam a por mais serviço público; reavivar o espírito mas deve ter efeitos de deslocam ento. Por exemplo, 10 m il advogados
de com unidade voltou a ser algo popular. Adoraríam os que isso fosse foram dispensados nos Estados U nidos durante o prim eiro trim estre de
verdade. N o entanto, nenhum partido político tem um a estratégia para 2009 e m uitos foram induzidos a fazer trabalho pro bono para grupos de
oferecer incentivos ou oportunidades para esse tipo de trabalho. A pressa interesse público, a taxas nom inais. E m m arço de 2009, o Congresso
em oferecer estratégias atesta o desejo de realizar trabalhos em atividades dos Estados U nidos aprovou a Lei E dw ard K ennedy Serve Am erica,
socialmente válidas. Perder o emprego pode ser libertador. Nesse sentido, um a abrangente reform a do program a de serviço nacional lançado
estar no precariado é um a experiência bilateral. Estar preso a um em ­ em 1993. Isso efetivam ente triplicou o tam anho da A m eriC orps, que
prego é o inferno da sociedade do em prego fixo, como era tem ido por passou a ter sete m ilhões de pessoas com o voluntários com unitários no
H annah Arendt (1958). O pertencim ento orgânico torna-se esclerosado, ano seguinte. A lei visivelm ente m obilizou os norte-am ericanos mais
em brutecedor. Mas ser econom icam ente inseguro não é nada melhor, velhos por m eio de “bolsas de repetição” [encorefellowships], dando-lhes
deixando o precariado incapaz de assum ir o voluntariado ou outro tipo um a “segunda ocupação” em educação, cuidados de saúde e gestão
de trabalho social. Suas dívidas e precariedade o im pedem . sem fins lucrativos. U m a pesquisa realizada em jan eiro de 2009 pela
A corrida para o voluntariado atesta o desejo de realizar atividades A A R P (A m erican A ssociation o f R e tire d Persons), que representa
que consideraríamos trabalho se não tivéssemos passado por décadas de norte-am ericanos com idade acim a de 50 anos, descobriu que quase
doutrinação sugerindo que trabalho e emprego são a mesma coisa. Tanto três quartos dos idosos queriam dedicar tem po ao trabalho social, em
Polanyi ([1944] 2001) quanto A rendt entenderam isso, mas nenhum dos vez de dinheiro.
dois levou esse entendim ento para a esfera política. Polanyi lamentava a A lém do voluntariado, há muitas outras iniciativas para trabalhos
m ercadorização, A rendt lamentava o ato de m anter empregos fixos, mas na região em que se m ora ou de assistência. A m aioria das pessoas na
nenhum dos dois soube dizer como alcançar um a sociedade de trabalho sociedade m oderna sente que pode dedicar m uito pouco tem po para o
e ócio. N a esteira da crise da globalização, há um a oportunidade para cuidado dos parentes, amigos e com unidade, e recebem m uito pouco
seguir em frente. de outras pessoas quando precisam. Precisamos cham ar essas atividades
Alguns nomes de O N G s emergentes são encorajadores - N ew York de “trabalho” e incorporá-la no senso de profissão.
Cares, “Big Brothers, Big Sisters”, Taproot Foundation, etc. Os profis­ E m suma, a liberdade profissional requer um a oportunidade igual
sionais fora de empregos que usavam apenas um leque restrito de seus para que o precariado e os outros realizem um a ampla variedade de tra­
talentos e aspirações encontraram saídas para pôr em ação seus talentos balho e tarefa na construção de seu próprio senso de carreira profissional,
e interesses latentes. Pense tam bém na O N G que existe em Nova York sem que o Estado torne determ inada form a de tarefa superior a outras
chamada Financial C linic, que providencia especialistas para aconselhar em term os morais e econômicos.
trabalhadores de baixos salários na gestão financeira. Esses são proficians
que, de outra m aneira, poderiam cair no precariado.
Direitos relacionados ao trabalho
O governo tem feito sua parte. E ntre o crescente núm ero de or­
ganizações estavam a A m eriC orps, que recebe jovens voluntários por O precariado deve exigir que os in stru m en to s dos cham ados
u m ano, a Teach for A m erica, que envia universitários form ados para “ direitos em pregatícios” [labour rights] sejam convertidos em meios de
lecionar em escolas de áreas de baixa renda, e a V olunteernyc.org, site prom over e defender os direitos relacionados ao trabalho [work rights]
de serviço público de N ova York. Em meados de 2009, as organizações Cada vez mais, as pessoas que realizam trabalhos não são empregadas,
norte-am ericanas sem fins lucrativos tinham 9,4 m ilhões de empregados e é artificial definir em pregados de m aneiras complexas apenas para
e 4,7 m ilhões de voluntários de tem po integral. E as empresas estavam p erm itir que eles tenham direitos baseados no em prego. Os direitos
concedendo aos empregados regulares um tem po de folga para ser dedi­ relacionados ao trabalho deveriam incluir regras sobre práticas acei­
cado aos serviços públicos. Isso pode pressagiar um novo padrão social, táveis entre trabalhadores e dentro das com unidades profissionais, bem

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com o entre “em prego” e “capital”. O precariado está em desvantagem m aioria gostaria de im pô-los aos seus m embros. Infelizmente, algumas
nesses aspectos; um regim e de “negociação colaborativa” que dê Voz profissões poderosas, com o os contadores, carecem deles há m uito tem ­
ao precariado é necessário a fim de com plem entar os regim es de ne­ po, o que perm ite que suas elites gananciosas obtenham rendas altas por
gociação coletiva entre representantes de em pregadores e empregados, deixarem de lado as considerações éticas e hum ilharem as classes mais
um a questão a que voltarem os mais tarde. baixas em suas com unidades de trabalho mais amplas. As profissões que
O precariado tam bém deveria exigir a construção de um regime não tinham um a tradição de ética coletiva, com o os banqueiros, contri­
internacional de direitos relacionados ao trabalho, começando com um a buíram visivelmente para a crise financeira. O precariado deve insistir
revisão da Organização Internacional do Trabalho, um baluarte do traba­ que os códigos de ética se tornem parte de toda com unidade profissional
lhismo. A forma como essa construção poderia ser realizada é tratada por e atividade econômica.
m im em outro texto (St a n d in g , 2010). Sem um órgão global adequado,
a Voz do precariado será silenciada ou ignorada.
Todo trabalho que não é emprego precisa fazer parte dos direitos
Combater o workfare e a condicionalidade
relacionados ao trabalho. Por exemplo, se é esperado que as pessoas li­ A m enos que o precariado se torne u m incôm odo em si, suas
dem com a gestão financeira e tom em decisões sobre com o gastam seu preocupações serão ignoradas nas dem ocracias utilitárias. U m a tirania
dinheiro, em vez de estarem sujeitas ao em purrão paternalista do Estado, da m aioria pode acontecer sim plesm ente porque o precariado está
elas deveriam ter acesso à inform ação disponível e ao aconselham ento desorganizado ou esquecido po r causa de sua desarticulação e falta
profissional, além de bastante tem po de qualidade para lidar com isso. de Voz no processo político. Essa é a situação atual. C om o resultado,
O trabalho referente ao cuidado ainda não está na esfera de direitos o que prevalece são as políticas que agradam o eleitor m ediano e as
garantidos pela legislação e por instrum entos de proteção social. Isso é pessoas que financiam a política. Para com bater isso, o precariado deve
de vital im portância para as m ulheres no precariado, sobretudo porque ser institucionalm ente representado e exigir que as políticas atendam
a tripla jornada fem inina aumenta. Mas tam bém é im portante para os a princípios éticos. A tualm ente existe um vazio institucional que al­
hom ens, na m edida em que mais hom ens percebem o potencial de se gum as O N G s corajosas tentam preencher esporadicam ente, na m elhor
envolverem em cuidados e em outras formas de trabalho que não seja das hipóteses.
emprego. Aqui, a agenda de direitos relacionados ao trabalho envolveria C onsidere o workfare, com o foi introduzido em países com o A le­
refletir sobre o prestador de cuidados, o receptor de cuidados e os inter­ m anha, Austrália, Estados U nidos, R e in o U nido, Suécia, entre outros.
m ediários, todos os quais podem facilm ente sofrer exploração, opressão Essencialm ente, o desem pregado deve aceitar em pregos designados
e autoexploração. ou perder os benefícios, possivelm ente sendo m arcado pelo resto da
O trabalho como atividade social tam bém deveria se tornar um a vida com o um “parasita” em algum sistema de vigilância de dados. As
zona de direitos. V im os com o o trabalho voluntário e com unitário pessoas empregadas —um a m aioria —podem achar o m odelo justo, mas
tem se ampliado, especialm ente a partir de 2008. O risco é que ele se não o aceitariam caso fosse aplicado a elas próprias (ou a seus filhos).
torne um a atividade privilegiada para um a m inoria e um instrum ento Infelizm ente, num a situação utilitária, a iniqüidade será ignorada ou
de workfare para outros. A lém disso, os aposentados e os subempregados descartada. U m a m aioria será feliz.
são efetivamente subsidiados se entram num m ercado para serviços que O Estado está delegando as atividades de colocação de em prego
tam bém são prestados por pessoas que dependem da renda por realizarem para provedores comerciais, pagando-lhes pelo núm ero de desem pre­
esse trabalho como tarefa. Nestas circunstâncias, a presença de voluntários gados colocados em em pregos ou pela redução m edida do núm ero
reduz as oportunidades econômicas do precariado. de reclam antes. Essa com ercialização do que era outrora um serviço
Por fim, os direitos relacionados ao trabalho abrangem os códigos público configura vários perigos m orais. Ela se despersonaliza, a ponto
de ética. Cada com unidade ocupacional deveria ter esses códigos, e a de não se to rn ar nem um serviço, nem um a atividade pública, mas

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m eram en te um a transação m ercadorizada. O in te rm e d iá rio é um a sucesso de 80% nas apelações ( C o h e n , 2010). Tais entidades deveriam
empresa e, num a econom ia de m ercado, um a empresa existe com um fazer parte da política pública, inclusive sendo financiadas pelo gover­
m andato prim ordial: produzir lucros. no. E os reclam antes deveriam ser representados dentro das agências,
Im agine o cenário. U m agente quer que um hom em seja rapida­ de m odo que as chances de abuso dos vulneráveis fossem reduzidas.
m ente colocado num emprego para aum entar a renda do próprio agente. Afinal, apelar é arriscado, custoso e consom e tem po. N em todos os
H á um emprego pagando salário m ínim o no outro extrem o da cidade; é lugares são com o Islington, com sua com unidade local de advogados
desagradável, mas é um emprego. O hom em diz que não pode aceitá-lo e jornalistas ativistas.
por causa da distância e de outros custos, porque as longas horas gastas O precariado deve exigir que princípios democráticos transparentes
tornariam difícil para ele passar um tem po com a família ou porque o sejam aplicados a cada estágio de desenvolvimento e implem entação de
em prego não está de acordo com as habilidades que ele passou a vida políticas. A condicionalidade e o policiam ento social comercializado
adulta desenvolvendo. E ntão o hom em é registrado na m esm a hora devem ser revertidos por serem alheios ã liberdade, ao universalismo e
com o tendo recusado o emprego. Sob as novas regras do R ein o U nido ao respeito ã não conform idade. Se os empregos são tão maravilhosos,
que copiam os projetos norte-am ericanos, se ele recusar três empregos as pessoas deveriam ser atraídas por eles, e não forçadas a assumi-los. E
desse tipo, perderá o direito aos benefícios durante três anos. Essa perda se os serviços são tão vitais, então que se deixe a educação e o acesso
não será baseada num processo adequado ou num julgam ento justo, mas disponível serem o m eio pelo qual todos possam obtê-los.
apenas na decisão do agente comercial, que é o acusador, o ju iz e o júri.
O Estado fica feliz porque as listas de benefícios dim inuem de tam anho.
Liberdade associativa: a agência do precariado
O hom em não tem direito nenhum de apelar contra a pena que lhe foi
imposta, o que pode ameaçar a sua vida com o um cidadão funcional e Isso nos leva de volta à natureza da liberdade. Ela não é a capaci­
m anchar seus registros, colocando-o num a arm adilha de precariedade. dade de fazer o que queremos, mesmo partindo da ressalva de que não
N inguém que entenda dos princípios básicos da justiça aceitaria tal faremos mal aos outros. A liberdade surge do fato de pertencerm os a um a
procedim ento para si ou para seus familiares. Mas, visto que isso não é com unidade na qual possamos perceber a liberdade no exercício dela
problem a deles, ou contanto que essas regras não exijam a sua atenção mesma. Ela é revelada por m eio de ações, não algo concedido das alturas
de m odo que os obrigue a pensar nesse tipo de injustiça, o m ovim ento ou adivinhado em tábulas de pedra. O precariado é livre no sentido neo­
vai continuar. liberal, livre para com petir entre si, para consum ir e trabalhar. Mas não
D e m anheira semelhante, o governo do R ein o U nido contratou é livre na m edida em que não existe um a estrutura associativa em que
um a empresa chamada Atos O rigin para realizar os exames médicos para os paternalistas possam ser rejeitados ou em que a iniciativa com petitiva
a concessão de benefícios por incapacidade; prontam ente, a empresa de­ opressiva seja colocada em cheque.
clarou que três quartos dos requerentes eram aptos para o trabalho e que O precariado precisa de Voz coletiva. O movimento do EuroMayDay
por isso teriam seus benefícios reduzidos em um terço. Em bora a maioria é somente um precursor, ou seja, são atividades dos prim eiros rebeldes
dos requerentes provavelmente tenha sido intim idada demais a ponto que precederam o surgim ento da ação coletiva. Agora é a hora de surgi­
de não poder contestar por conta própria, algumas áreas tinham grupos rem corporações que representem o precariado de m aneira regular para
para representar os requerentes; dentro de alguns meses, havia num ero­ negociar com os empregadores, com intermediários, tais como corretores,
sos apelos, 40% dos quais foram bem -sucedidos. O s médicos disseram à e acima de tudo com as agências governamentais.
BBC (British Broadcasting Corporation) que foram pressionados a fazer C om o um a prim eira tarefa, é imperativo recuperar o controle sobre
consultas rápidas e baratas e a declarar os pacientes aptos ao trabalho. a privacidade. O precariado vive em espaços públicos, mas é vulnerável à
Islington, um m unicípio londrino de baixa renda, tem um a orga­ vigilância e aos estímulos não democráticos. Deveria exigir regulamentos
nização voluntária, o Islington Law C entre, que registrou um a taxa de para dar aos indivíduos o direito de verem e corrigirem as informações

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que qualquer organização m antenha sobre eles, para exigir que as em ­ U m novo tipo de corporação colegiada terá de assum ir o desafio
presas inform em os empregados, incluindo trabalhadores externos, se da “negociação colaborativa” (S t a n d i n g , 2009). Essas corporações
ocorrer qualquer quebra de segurança que os afete, para exigir que as terão de considerar toda a gama de atividades de trabalho e de tarefas
organizações passem por auditorias anuais de segurança de inform ação que o precariado tem de em preender e suas aspirações sociais. Devem
feitas por um a terceira pessoa credenciada, para colocar datas de expiração desenvolver um a capacidade de negociar com empregadores, corretores
sobre as inform ações e lim itar o uso de dados que definem perfis com trabalhistas, agências de tem porários e um a série de órgãos estatais, prin­
base em certa probabilidade de com portam ento. A proteção de dados e cipalm ente aqueles que lidam com os serviços sociais e as atividades de
as leis de liberdade de inform ação têm sido um passo na direção certa, m onitoram ento. Tam bém devem ser capazes de representar o precariado
mas não vão longe o suficiente. E preciso Voz ativa. O precariado deve nas relações com outros grupos de trabalhadores, porque seus interesses
se m obilizar em torno de um a agenda para recuperar e fortalecer a pri­ não são os mesmos dos assalariados ou da parte mais im portante dos
vacidade e o direito de corrigir inform ações incorretas. funcionários, que podem ter sindicatos para falar p o r eles. E devem ser
O precariado vai se irritar ainda mais com a destruição ecológica associações que facilitem a m obilidade social, proporcionando com u­
que ocorre ao seu redor. As pessoas que negam as mudanças climáticas nidades estruturadas em que a m obilidade pode ser mais ordenada e
provocadas pelo hom em têm m obilizado a extrem a-direita e o popu- viável do que no presente.
lismo a fim de descrever os esforços do governo para lim itar a poluição U m problem a é escapar da arm adilha neoliberal, baseada na afir­
com o um plano para estender o poder do Estado. O precariado deve ser mação de que qualquer corporação coletiva de prestação de serviços
sábio em relação a isso. Porém , está assustado pela perspectiva de menos corrom pe o mercado e deveria ser bloqueada em razão do antitruste.
empregos —que são apresentados como fonte de garantia de renda —e Felizm ente, há m odelos prom issores surgindo em vários países. U m
por um crescim ento mais lento, descrito com o algo que, de certo m odo, deles são as cooperativas de trabalhadores, m odernizadas para perm itir
afeta indiretam ente os empregos. N os países ricos, é dito ao precariado um envolvim ento mais flexível.
que o aum ento dos custos de produção aceleraria a transferência de em ­ U m a m ensagem de Polanyi é que as associações que surgem para
pregos para os países mais pobres. Nos países em desenvolvimento, é dito ajudar a “reincorporar” a econom ia na sociedade após a crise da glo­
que as medidas para reduzir o uso de energia dim inuiriam a geração de balização deveriam perm itir o inconform ism o, para acom odar o pre­
empregos. Em todos os lugares, é dito ao precariado que ele deve aceitar cariado e reforçar ao mesmo tem po o igualitarismo. Os princípios do
o status quo. Ele precisa perceber que o problem a é a prim azia dada aos cooperativism o têm algo a oferecer a esse respeito. C uriosam ente, an­
empregos e não ao meio ambiente. Para reverter isso, precisamos depender tes de sua eleição com o prim eiro-m inistro britânico, David C am eron
menos da geração de empregos. anunciou a intenção de perm itir que os trabalhadores do setor público,
A Voz do precariado na esfera do trabalho e da tarefa é fraca. Em com exceção da polícia, tribunais e serviços prisionais, dirigissem suas
princípio, os sindicatos poderiam ser reformados para representar os inte­ organizações como cooperativas de trabalhadores, negociando contratos
resses do precariado. Mas há várias razões para pensar que isso é im pro­ com o departam ento apropriado do governo. Isso avançaria para um a
vável. Os sindicatos fazem lobhy e lutam por mais empregos e um a m aior form a m oderna de socialismo dos sindicatos e para um a transformação
distribuição da produção; eles querem que a torta da economia seja maior. da gestão de profissões em associações profissionais. Os desafios a serem
Eles são, necessariamente, antagônicos e economísticos. Eles gesticulam superados incluiriam a transparência, os pagamentos excessivos, a pres­
para os desempregados, para quem realiza trabalhos de assistência e para tação de contas um a vez que os contratos tivessem sido negociados e o
as questões ecológicas. Porém, sempre que houver um conflito entre os dom ínio das regras sobre distribuição de renda, oportunidades de trabalho
interesses financeiros de seus m embros e as questões sociais ou ecológicas, e prom oções internas. Tam bém surgiriam problemas na jurisdição e nas
eles vão optar pelos primeiros. Os progressistas devem parar de esperar que relações com outros serviços. C om o um serviço lidaria com mudanças
os sindicatos se tornem algo que vá contra os seus propósitos. técnicas na econom ia de m ão de obra?

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Ao lançar a ideia em fevereiro de 2010, C am eron citou exemplos, m odelo de segurança foi esta: com o os benefícios e a renda aum entaram
tais com o centrais de atendim ento, trabalho social, equipes de saúde com o tem po no serviço, na empresa ou na organização, as pessoas se
com unitária e de enferm agem , departam entos de patologia de hospitais agarraram ao trabalho quando na verdade um a m udança teria sido mais
e serviços de reabilitação e educação nas prisões. A lista incita várias vantajosa, em term os tanto pessoais quanto organizacionais. A gaiola
questões. Q ual deve ser o tam anho do grupo designado com o “coope­ dourada muitas vezes se tornava um a gaiola de chum bo. O princípio de
rativa de trabalho” ? Se todos os hospitais do Serviço N acional de Saúde cooperação é louvável, mas não deve se tornar outro m eio de reprim ir
em um a área de autoridade local fossem selecionados com o um grupo, a m obilidade profissional.
surgiriam prohlemas para determ inar que parcela da renda iria para grupos A lém das cooperativas, outra form a de agência que atenderia o
com rendim entos e habilidades técnicas m uito diferentes. Será que a cota precariado é um a associação de trabalhadores tem porários. H á muitas
seria paga em um a base pro rata, de acordo com os ganhos relativos no variantes. A Freelancers’ U nion, fundada para permalancers (Jreelancers per­
início? O u será que a regra seriam cotas iguais, independentem ente da m anentes ou temporários) em Nova York, fornece um a ampla variedade
habilidade ou da quantidade de tem po gasto para fazer o trabalho? Se a de serviços para mem bros individuais. O utra variante, baseada na ajuda
unidade cooperativa fosse menor, restrita apenas aos médicos, enfermeiros legislativa, é a associação de editores freelancers no Canadá (St a n d in g ,
ou departam entos de patologia, então as norm as internas poderiam ser 2009, p. 271-273). U m terceiro m odelo pode ser algo com o a SEWA
mais simples, mas qualquer m udança interna poderia ter implicações (Associação de Trabalhadoras Autônom as da índia). O utras associações
para os indivíduos do grupo. Por essa razão, as mudanças que oferecem estão surgindo e deveriam ser apoiadas pelos políticos progressistas. Elas
um serviço m elhor ou mais barato podem perfeitam ente ser impedidas darão novo significado para a liberdade associativa.
ou simplesmente não consideradas. Acim a de tudo, os mercados de trabalho flexíveis e o Estado au­
A dificuldade com serviços sociais integrados é determ inar o valor toritário significam que o precariado precisa de voz dentro das agências
m onetário de suas partes específicas. Será que os médicos m erecem 70% políticas. A classe assalariada sabe com o se defender contra os burocra­
do valor dos serviços médicos e as enfermeiras ficam com os 30% res­ tas e os procedim entos adm inistrativos complexos. Ela pode levantar a
tantes? O u essa divisão deveria ser de 60 e 40, ou 80 e 20? Pode-se dizer voz. Mas o precariado está em desvantagem. E nquanto m uitos de seus
que as cotas deveriam ser dem ocraticam ente determ inadas, visto que os m em bros são apenas inseguros, outros têm desvantagens adicionais. Por
departam entos governam entais negociariam com as cooperativas. Mas, exemplo, no R ein o U nido, duas em cada cinco pessoas com benefício
só de afirm ar isso, seriamos levados a pensar nas possíveis esferas de nego­ por incapacidade são consideradas doentes mentais. Adicione a isso o
ciação, incluindo os custos de transação. Haveria tensões legítimas entre indivíduo que teve um a educação pobre e os m igrantes com dom ínio
os vários grupos profissionais relacionados. Pense em com o os auxiliares lim itado da língua e conseguiremos avaliar sua necessidade de defensores
de enferm agem reagiriam se a alocação de serviços de enferm agem fosse e de grupos de pressão dentro das estruturas de form ulação de políticas.
dividida em duas partes, sendo 70% para os enfermeiros. N o entanto, Eles precisam ser capazes de contestar as demissões injustas, os benefí­
a proposta é um m ovim ento em direção à negociação colaborativa. Ela cios não pagos ou m al pagos, lidar com as dívidas e resolver problemas
reconhece que, em um a sociedade terciária, nós existimos não apenas enquanto cuidam sozinhos de procedim entos cada vez mais complexos,
com o indivíduos, mas com o m em bros voluntários de grupos com um aparentem ente projetados para dificultar ainda mais a o processo de
senso de identidade. Essa ideia rem onta às sociedades amigáveis e “m ú­ classificação e obtenção de benefícios.
tuas” do século X IX e às guildas profissionais.
Para funcionar bem , teria de baver um a forte base de direitos,
Restabelecer a igualdade
de m odo a facilitar a flexibilidade e dar segurança de renda suficiente
para induzir as pessoas a serem favoráveis a mudanças na organização N o século X X , a desigualdade era vista em term os de lucros e sa­
e no próprio perfil pessoal. U m a desvantagem subvalorizada do antigo lários. Para os social-democratas e outros, a redistribuição se daria pelo

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controle dos meios de produção, pelo nacionalism o e pela obtenção de Renda básica
m aior divisão de lucros por m eio da taxação, que depois poderiam ser
A proposta já foi tem a de manifestações do precariado e tem um a
redistribuídos em benefícios estatais e serviços públicos.
longa história com m uitos adeptos ilustres. Passou por m uitos nomes: o
O m odelo caiu em descrédito e os socialistas estão sem esperanças.
mais popular deles é “renda básica”, mas outros incluem um a “bolsa-ci-
N um a coletânea de ensaios chamada Reimagining Socialism [Repensando o
dadão”, “dividendo social”, “bolsa-solidariedade” e “ajuda demográfica”.
socialismo], escritas por socialistas norte-am ericanos que viram os meios
Apesar de usarmos o nom e mais popular, propom os aqui um a variante
de produção indo para a China, Barhara Ehrenreich e Bill Fletcher (2009)
que leva em conta dois objetivos desejáveis que até agora não fizeram
escreveram: “Temos ou não temos um plano? Conseguimos ver um a saída
parte da argum entação.
dessa situação e um a entrada para um futuro justo, dem ocrático e sus­
O núcleo da proposta é que cada residente legal de um país ou co­
tentável (acrescente seus adjetivos favoritos)? Coloquem os às claras: não”.
m unidade, tanto crianças, quanto adultos, deveria receber um pagamento
Eles deviam ter esperança. O etos igualitário m udou. O bastão
mensal modesto. Cada indivíduo teria um cartão que lhe daria o direito
está sendo levantado pelo precariado, a classe em ascensão num a socie­
de sacar um a quantia mensal para as necessidades básicas, para gastar
dade terciária, onde os meios de produção são nebulosos e dispersos, e como bem entender - sendo que haveria um acréscimo para necessidades
muitas vezes pertencentes aos trabalhadores, de qualquer m odo. Toda especiais, com o deficiência. N a m aioria dos países ricos, isso seria menos
transform ação é m arcada por um a luta em relação aos principais recur­ radical do que pode parecer, um a vez que significaria consolidar m uitos
sos da época. Nas sociedades feudais, os camponeses e os servos lutaram esquemas de transferência já existentes e substituir outros que são cheios
para ganhar o controle da terra e da água. N o capitalismo industrial, a de complexidades e de um a condicionalidade arbitrária e discricionária.
luta era sobre os meios de produção, as fábricas, as fazendas e as minas. Essa renda básica seria paga a cada indivíduo, e não a um grupo
Os trabalhadores queriam trabalho decente e um a parte dos lucros em contestável m aior, tal como “a fam ília” ou “residência”. Seria universal,
troca de conceder o controle do trabalho aos gerentes. Mas na sociedade pois seria paga a todos os residentes legais, com um período de espera
terciária de hoje, a luta progressista acontecerá por causa do acesso e do para os m igrantes por razões pragmáticas. Seria em form a de dinheiro,
controle desiguais em relação a cinco recursos principais. perm itindo ao receptor decidir com o usá-lo, não de um a form a paterna­
Esses recursos podem ser resum idos em segurança econôm ica, lista, tal com o um vale-refeição ou outros itens predeterm inados. Deve
tem po, espaço de qualidade, conhecim ento e capital financeiro. A luta prom over a “livre escolha” e não ser u m m eio de persuadir as pessoas.
progressista será sobre esses cinco recursos. Sabemos que a elite e os Deveria ser inviolável, no sentido de o Estado ser incapaz de tom á-la
assalariados têm a m aior parte do capital financeiro e que eles são mais de volta, a m enos que um a pessoa deixe de ser um residente legal ou
astutos ou trabalham mais arduam ente que seus predecessores. Sua ri­ com eta u m crim e para o qual a negação seja um a penalidade especifi­
queza ridiculariza as reivindicações de um a m eritocracia. O controle da cada. E deveria ser paga com o um a soma m odesta regular, não com o um
renda proveniente do capital financeiro significa que eles podem comprar pagam ento em bloco dentro dos moldes das “apólices de baixo valor” ou
mais do espaço privatizado de qualidade, com prim indo as áreas públicas de “auxílios financeiros de investidores”, com o pretendido pelo C hild
com que o precariado e os outros contam , e podem ter controle sobre Trust Fund do R ein o U nido, o que causa “ fraqueza de vontade” e outros
o próprio tem po —algo com que os outros só sonham. problemas ( W r i g h t , 2006).
N ão há fórm ula mágica para a redistribuição desses cinco recursos. O auxílio seria incondicional em termos comportamentais. Existem
Em cada caso serão necessárias mudanças institucionais, regulamentações leis, tribunais e processo adequado para lidar com o com portam ento
e negociações. N o entanto, um a política que tem sido discutida por m ui­ questionável, e isso não deve se m isturar ã política de fornecim ento da
tos anos poderia ajudar em todos os aspectos. Antes de analisar a form a segurança básica. Q uando essas coisas se m isturam , não há nem seguran­
com o o precariado poderia obter um a m aior fatia dos cinco principais ça, nem justiça. E m princípio, as transferências de renda libertam ; dão
recursos, vamos definir a ideia principal, justificá-la em term os éticos. segurança econôm ica com a qual é possível fazer escolhas sobre como

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viver e desenvolver as capacidades de cada um . A pobreza consiste na Filosoficam ente, um a renda básica pode ser pensada com o um
falta de liberdade, bem com o em não ter o suficiente para comer, nem “ dividendo social”, um retorno a um investim ento passado. D e m odo
o suficiente para vestir e um lugar inadequado para viver. A imposição geral, quem ataca a renda básica com o se fosse o mesmo que dar algum a
de condições, sejam com portam entais ou em term os do que o receptor coisa em troca de nada são as pessoas que receberam algum a coisa em
está autorizado a comprar é um ato de falta de liberdade. U m a vez aceito, troca de nada, muitas vezes tendo herdado riquezas, pequenas ou grandes.
o que poderá evitar que os estrategistas políticos sigam para a próxim a Isso leva a um argum ento colocado elegantem ente por Tom Paine (2005)
etapa? Eles podem facilmente pensar que sabem o que é m elhor para quem em seu Agrarian Justice, de 1795. Toda pessoa rica em toda sociedade
recebe baixa renda e é menos escolarizado. Os condicionalistas tenderão deve grande parte de sua boa sorte aos esforços de seus antepassados e
a estender as condições e estreitar a form a com o elas operam até que se aos esforços dos antepassados de pessoas menos ricas. Se todas as pessoas
tornem coercitivas e punitivas. U m a renda básica iria noutra direção. recebessem um a renda básica com a qual desenvolvessem suas capacidades,
U m a renda básica não seria exatam ente com o u m im posto de ela eqüivaleria a um dividendo dos esforços e da boa sorte daqueles que
renda negativo, com o qual é muitas vezes comparada. Não criaria um a vieram antes. O precariado tem tanto direito a esse dividendo quanto
arm adilha de pobreza, em que o benefício é perdido na m edida em que a qualquer outra pessoa.
renda sobe, agindo como um desincentivo ao trabalho. A pessoa m anteria U m passo desejável para um a renda básica é a integração dos sistemas
a renda básica, independentem ente de quanto recebesse de seu trabalho, fiscais e dos sistemas de benefícios. E m 2010, um avanço que m ovia o
da mesma forma que a renda seria paga independentem ente do seu estado R ein o U nido para um a renda básica veio do que m uitos poderiam ter
civil ou familiar. Todos os rendim entos auferidos seriam tributados com pensado ser um a direção improvável. Os planos do governo de coalizão
os índices padrão. Se o Estado quisesse lim itar a quantidade que vai para para a reform a radical do sistema de benefícios fiscais reconheceram que
os ricos, poderia reavê-la por m eio de impostos mais elevados sobre os o sistema de cinqüenta e um benefícios que o governo anterior havia
rendim entos mais elevados. construído, m uitos deles com diferentes critérios de elegibilidade, era
As objeções a um a renda básica têm sido exaustivam ente revistas, atordoante e repleto de perigos morais associados ã pobreza e às arm a­
nom eadam ente em um a rede internacional form ada em 1986 para pro­ dilhas do desemprego. Ao com binar os benefícios estatais em dois - um
mover o debate. O riginalm ente chamado B IE N (Basic Income European C rédito Universal de Trabalho e um C rédito Universal de Vida - teria
NetWork), m udou de nom e em seu Congresso de Barcelona, de 2004, sido possível prom over a integração de benefícios fiscais e facilitar um
para B IE N (Basic Incom e E arth NetWork), para refletir o fato de que afundam ento mais ordenado da retirada de benefícios na m edida em que
um núm ero crescente de seus mem bros era de países em desenvolvimen­ a renda recebida aumentasse. A integração poderia criar as circunstân­
to e de outros países fora da Europa. Em 2010, tinha redes nacionais cias para o surgim ento de um a renda básica. Infelizmente, o m inistro
florescendo em m uitos países, incluindo Brasil, Canadá, C oreia do Sul, do Trabalho e da Previdência, um católico, foi persuadido a forçar os
Estados U nidos, Japão e M éxico, assim com o Europa. beneficiados a trabalhar, inaugurando o workfare e perm itindo que os
As principais reclamações feitas contra um a renda básica incon­ agentes comerciais tivessem o controle. Porém , a integração seria um
dicional são as de que ela reduziria a oferta de trabalho, poderia ser passo para a reconstrução de um sistema de proteção social, com um a
inflacionária, seria inviável, seria usada por políticos populistas e seria hase universalista.
um a “esmola”, um a recom pensa para a preguiça e um im posto sobre as
pessoas que trabalham . Todas essas afirmações foram respondidas por
Redistribuir a segurança
publicações da B IE N e outros trabalhos acadêmicos. N o entanto, pen­
sando nas vantagens da renda básica para o precariado no que se refere O recurso da segurança tem vários elementos —social, econôm ico,
aos principais recursos (e com o pagar por isso), responderem os aqui a cultural, político, etc. Estamos preocupados aqui com a dimensão econô­
algumas dessas críticas. mica. A insegurança crônica é ru im em si mesma e é instrum entalm ente

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ruim , afetando o desenvolvimento das capacidades e da personalidade do e burocratas podem apelar para mentes preconceituosas e ganhar votos,
indivíduo. Se isto for verdade, então deveria haver um a estratégia para mas elas são caras e, em grande m edida, contraproducentes. E m uito
proporcionar segurança básica. O precariado está agitado justam ente mais caro para o contribuinte forçar algumas pessoas im produtivas a
porque sofre de insegurança sistêmica. ocuparem empregos im produtivos do que apenas deixá-las ã deriva, se
Podem os ter segurança de mais ou de menos. Se tivermos pouca isso é realm ente o que elas querem . Seria m elhor oferecer conselhos
segurança, a irracionalidade prevalece; se tivermos m uita, prevalece um a imparciais, como um serviço, e não com o um a sanção sutil.
falta de cuidado e de responsabilidade. U m a ênfase na segurança pode se A grande m aioria das pessoas se contentaria em viver apenas com
tornar reacionária, resistir à m udança e justificar controles regressivos. um a renda básica. Elas querem trabalhar e estão anim adas com a possi­
N o entanto, a segurança econôm ica básica ainda produziria a insegu­ bilidade de m elhorar sua vida m aterial e social. Perseguir um a pequena
rança existencial (nos preocupam os com aqueles que amamos, a nossa m inoria por sua “preguiça” é sinal da nossa fraqueza, não de nosso mérito.
segurança e saúde, etc.) e a insegurança do desenvolvim ento (queremos A esse respeito, um pequeno experim ento realizado nas ruelas de Londres,
desenvolver nossas capacidades e viver um a vida mais confortável, mas em 2010, teve lições comoventes. Perguntou-se a cada um dos sem -teto
é preciso correr riscos para fazer isso). Além disso, para sermos racio­ o que eles mais queriam ; seus sonhos eram modestos, com o convinha
nais, tolerantes e compassivos, precisamos de um senso de estabilidade. a sua situação. O dinheiro para realizar esses sonhos foi fornecido sem
A segurança básica deve ser assegurada, e não é um a coisa que pode ser condições; alguns meses mais tarde, quase todos eles tinham deixado de
tirada de acordo com critérios pessoais, sem causa justa e comprovada. ser sem -teto e um fardo para as autoridades locais. A econom ia que os
Os utilitaristas e os neoliberais ignoram a necessidade de segurança contribuintes fizeram dando o dinheiro eqüivale a 50 vezes o valor dado.
econôm ica universal com o u m m eio de p erm itir que internalizem os A segurança básica consiste, em prim eiro lugar, em ter um a incer­
u m com portam ento baseado em princípios. Eles tendem a considerar teza m oderada, não extrem a; em segundo lugar, saber que se algum a
com o “outro ” coletivo as pessoas que são um fracasso na sociedade de coisa desse errado haveria maneiras acessíveis e com portam entalm ente
m ercado. Ter com o alvo um grupo de pessoas cham ado de “pobres” é aceitáveis de superar; e em terceiro lugar, ter formas acessíveis e com ­
ter pena delas e condená-las praticam ente na mesma m edida. “Elas” são portam entalm ente toleráveis para se recuperar de um choque ou perigo.
m erecedoras, indignas ou transgressoras, devem ser benevolentem ente N um a sociedade de mercado com programas de benefícios condicionais,
ajudadas, remodeladas ou punidas, de acordo com a form a com o nós, a opções privadas caras e pouca m obilidade social, essas condições não
boa gente, as julgam os. Falar dos “pobres” é falar de piedade, a qual se existem e devem ser construídas. O ponto de partida para o precariado
assemelha ao desprezo, com o David Ffume nos ensinou. “Elas” não são é lidar com a incerteza, um a vez que ele é confrontado por coisas não
com o “nós”. A resposta do precariado é que elas somos nós ou poderiam seguráveis, coisas que ele “ desconhece que desconhece” .
ser em qualquer m om ento. A necessidade de segurança ex ante extratificada (em contraste com
Pensar na segurança básica universal é deslocar o pensam ento da a segurança ex post oferecida pelo seguro social, que lida com riscos de
pena para a solidariedade social e a compaixão. O seguro social consistia contingência específicos), é, portanto, um a razão para desejar que a boa
em produzir segurança em um a sociedade industrial. N ão poderia fun­ sociedade do futuro inclua um a renda básica incondicional. Aqueles
cionar agora e não funcionou m uito bem na época. Mas o princípio da políticos ricos que tiveram bastante sorte de ter vivido à custa da previ­
segurança solidária era louvável. Ele se perdeu na infinidade de programas dência privada durante toda a vida deveriam saber que ter “previdência
dirigidos que buscavam elim inar o “ indigno”. Q ue im porta se 0,5% das social por toda a vida” é o que todo m undo m erece, não só eles. Somos
pessoas são preguiçosas? D everiam as políticas ser concebidas com esses todos “ dependentes” dos outros ou, para ser mais preciso, somos “in­
0,5% em m ente ou dar segurança e liberdade para os 99,5% restantes, de terdependentes”. Faz parte da condição hum ana norm al, não é algum
m odo que a sociedade tivesse um a vida m enos ansiosa, mais relaxada? vício ou doença. E fornecer a outros seres hum anos a segurança básica
M uitas políticas de controle concebidas pelos políticos, seus assessores não deve ser algo condicionado a algum com portam ento m oralm ente

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determ inado. Se determ inado com portam ento é inaceitável, ele deve ser equivalente às corporações m onetárias quase independentes criadas nos
tratado com o um a questão jurídica, sujeita ao devido processo legal. A últim os anos. A sua missão seria ajustar o valor principal da concessão de
vinculação da proteção social com a condicionalidade visa ignorar a lei renda básica de acordo com o crescimento econômico, como tam bém do
que, supostamente, é a mesma para todos. seu valor suplem entar de acordo com a condição cíclica da economia. O
A segurança básica é um a necessidade hum ana quase universal e objetivo é redistribuir a segurança básica de quem tem “m uita segurança”
um objetivo digno para a política estatal. Tentar fazer as pessoas “felizes” para quem tem pouca ou nenhum a.
é um a artim anha m anipuladora, enquanto proporcionar um esteio de
segurança criaria um a condição necessária para que as pessoas fossem Redistribuir o capital financeiro
capazes de perseguir sua própria concepção de felicidade. A segurança
H á muitas maneiras de pagar a renda básica ou bolsas de estabiliza­
econôm ica básica tam bém é instrum entalm ente benéfica. A insegurança
ção. A questão contextual é que hoje as desigualdades são maiores do que
produz estresse, o que dim inui a capacidade de concentração e aprendiza­
já foram durante um bom tem po, e em m uitos países elas são maiores do
gem, afetando especialm ente as partes do cérebro mais associadas com a
que foram em qualquer m om ento. N ão há nenhum a evidência de que
m em ória de trabalho (E va n s ; S c h a m b e r g , 2009). Assim, para prom over
tais desigualdades sejam necessárias. Porém , grande parte dela se deve
a igualdade de oportunidades, devemos procurar reduzir as diferenças de
aos altos retornos para o capital financeiro. O precariado deveria obter
insegurança. Mais fundam entalm ente, os psicólogos têm mostrado que as
um a parte desse capital.
pessoas basicamente seguras são m uito mais propensas a serem tolerantes
O s governos dos países ricos perderam a oportunidade de reduzir
e altruístas. E a insegurança socioeconômica crônica que está atiçando o
a desigualdade após o choque do sistema bancário. Q uando salvaram os
neofascismo nos países ricos na m edida em que eles enfrentam a atrasada
bancos usando o dinheiro público, poderiam ter dado aos cidadãos um a
redução dos padrões de vida trazida pela globalização.
Isso leva a um a prim eira m odificação possível da proposta para participação perm anente em seus patrim ônios, requerendo um represen­
um a renda básica (ver tam bém St a n d in g , 2011). Sabemos que a eco­ tante do interesse público na diretoria de todos os bancos, ou que todos
nom ia globalizada produz mais insegurança econôm ica e é propensa ã recebessem assistência pública. Q uando os bancos começaram a ter lucros
volatilidade, e que o precariado experim enta flutuações não seguráveis novamente, um pouco teria retornado ao público que tinha efetivamente
na insegurança econôm ica. Isso cria um a necessidade de estabilidade investido nos bancos. N ão é tarde demais para fazer algo assim.
de renda e de estabilizadores econômicos automáticos. O últim o papel Duas reformas ajudariam. E m prim eiro lugar, os subsídios para o
costumava ser desempenhado pelo seguro-desemprego e por outros bene­ capital e o emprego deveriam ser progressivamente eliminados. Eles não
fícios da segurança social, mas estes têm encolhido. Se um a renda básica beneficiam o precariado e não são igualitários. Se a m etade do dinheiro
fosse vista com o um a “concessão de estabilização econôm ica”, ela seria gasto para socorrer os bancos fosse alocada para concessões de estabili­
um a form a igualitária de reduzir a volatilidade econômica. Seria mais zação econômica, um a concessão mensal decente poderia ter sido dada a
eficiente e equitativa do que a política m onetária e fiscal convencional, todos os cidadãos durante anos (St a n d in g , 2011). O utros subsídios têm
e do que todos os subsídios deploráveis que prom ovem a ineficiência e efeitos de distorção e contribuem para a ineficiência.
um a série de efeitos de inércia e de substituição. E m segundo lugar, é preciso encontrar maneiras de redistribuir
O valor do cartão de renda básica podia ser alterado contraciclica- parte dos altos retornos para o capital financeiro, retornos que não têm
m ente. Q uando as oportunidades de ganho fossem altas, o valor poderia qualquer relação com o trabalho de quem agora lucra com sua posição
ser menor, e quando as condições de recessão estivessem se espalhando, ele estratégica na econom ia global. P or que as pessoas com habilidades
poderia ser aum entado. Para evitar o m au uso político, o nível da renda específicas - que sempre as aceitam com o habilidades - deveriam viver
básica poderia ser definido por um organismo independente, incluindo um a vida econôm ica m uito m elhor do que outros que têm diferentes
representantes do precariado, bem com o de outros interesses. Isso seria habilidades?

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Os países ricos devem chegar a um acordo sobre serem economias situações de pós-choque, com o depois de terrem otos e inundações.
rentistas. N ão há nada de errado com o investim ento de capital em eco­ Mais tarde, como observado anteriorm ente, os program as condicionais
nom ias de mercados emergentes e com o recebim ento de dividendos de transferência de renda varreram a Am érica Latina. Os doadores e as
justos decorrentes do investim ento. Esse lado da globalização deveria organizações beneficentes se voltaram para eles. As transferências de
dar origem a um a situação de benefício m útuo, mas somente se alguns renda, despojadas de sua falsa condicionalidade, deveriam se tornar a
dos dividendos fossem distribuídos para os cidadãos e “habitantes” do principal form a de ajuda, para garantir que o auxílio eleve os padrões
país investidor. de vida e não seja usado para fms regressivos ou corruptos.
Os fundos de riqueza (ou capital) soberanos, que já existem em D everíam os pensar novam ente sobre a redistribuição global da
quarenta países, são um a form a promissora de fazer isso. Se o rendim ento renda. U m livro da jurista Ayelet Shachar (2009), T h e Birthright Lottery,
auferido por tais fundos pudesse ser compartilhado, o precariado ganharia defendeu um imposto de cidadania nos países ricos para ser redistribuído
u m meio de controle sobre suas vidas. E m uito fácil para os economistas às pessoas dos países pobres, tratando os benefícios materiais da cidadania
afirm ar que os empregos surgirão em setores não negociáveis. O que como propriedade, um a herança. Isso é semelhante ao argum ento de Pai­
estamos aprendendo é que a m aioria das atividades é negociável. Espe­ ne. Talvez seja algo utópico demais para aplicação imediata; no entanto,
rar que os empregos sejam o meio para a redução da desigualdade é o essa ideia se baseia na percepção de que a cidadania não é um direito
mesrpo que gritar aos surdos. Os empregos não vão desaparecer. Pensar natural, um a vez que as fronteiras são arbitrárias. Ela evoca um a ligação
o contrário é aceitar o “inchaço da falácia do trabalho”. Mas m uitos, se entre impostos vinculados e redistribuição via transferências básicas para
não a m aioria, vão ser mal pagos e inseguros. as pessoas “ desafortunadas o suficiente” para nascer nas regiões de baixa
Os fundos de capital podem ser usados para acum ular retornos renda do m undo. A única razão para pensar que isso é utópico hoje é
financeiros a fim de ajudar a pagar um a renda básica. H á precedentes. que, num a sociedade de mercado globalizada, espera-se que todos nós
O Fundo Perm anente do Alasca, fundado em 1976, foi criado para sejamos egoístas, não cidadãos globais.
distribuir parte dos lucros da produção de petróleo para cada residente Assim, não deveria haver nenhum receio em dizer que há formas
legal do Alasca. Isso continua acontecendo. N ão é um m odelo perfeito, de m ovim entos de financiam ento para um a renda básica tanto em paí­
um a vez que seu controle pode resultar na negligência relativa do pre­ ses ricos quanto nos países em desenvolvimento. O desafio é político;
cariado ou dos futuros habitantes do Alasca em relação aos habitantes apenas se o precariado puder exercer pressão suficiente sobre o processo
de hoje. Mas, com o o Fundo N orueguês, ele fornece o núcleo de um de vontade política, o que é possível se tornará realidade. Felizmente,
m ecanism o de fundo de capital que poderia ser usado para financiar um a vez que ele exerce essa pressão, estão se acum ulando evidências dos
um a renda básica m odesta, não im porta com o fosse chamada. efeitos benéficos das transferências básicas de dinheiro em países que, há
O precariado tam bém seria beneficiado com as chamadas “taxas apenas alguns anos, teriam sido considerados com o lugares onde a renda
T obin”, que incidem sobre as operações de capital especulativo. H á básica seria impossível.
argum entos para se acreditar que a redução dos fluxos de capital de
curto prazo seria benéfica em qualquer caso. E depois há os impostos
Controlar o tempo
ecológicos, destinados a com pensar as externalidades causadas pela p o ­
luição e para retardar ou reverter o rápido esgotam ento dos recursos. U m a renda básica tam bém daria ãs pessoas mais controle sobre seu
E m suma, não há nenhum a razão para pensar que um a renda básica tempo. E seria um a resposta aos paternalistas libertários. Eles acreditam
universal seja inviável. que as pessoas não podem tom ar decisões racionais porque se deparam
Internacionalm ente, a recente legitim ação das transferências de com inform ação demais. Nesse caso, deveriam favorecer políticas que
renda com o instrum ento de ajuda ao desenvolvim ento é promissora. propiciassem às pessoas mais tem po para tom arem decisões racionais. As
Inicialm ente, elas foram aceitas com o esquemas de curto prazo para pessoas tam bém precisam de tem po para realizar trabalho por tarefa e

263 264
outras formas de trabalho que não sejam emprego. Vamos devagar. Pre­ Isso lem bra um a das piores arm adilhas da precariedade. O preca­
cisamos de um m ovim ento Slow Tim e, na mesma linha do m ovim ento riado se depara com um arrocho do tem po a partir dos retornos cada vez
Slow Food; ambos fundam entais ao localismo. menores ao emprego e da pressão para realizar mais trabalho por tarefa
H á poucos expedientes para perm itir que as pessoas desacelerem. e trabalho para reprodução, em parte porque seus mem bros não podem
E m vez disso, a política fiscal e a social “recom pensam ” a tarefa e pe­ se dar ao luxo de pagar por substitutos. Ansiosos e inseguros a ponto de
nalizam quem opta por menos tarefas. As pessoas que desejam menos estarem “esgotados”, eles precisam realizar um a quantidade excessiva de
tarefa são duplam ente penalizadas, não só por receberem salários mais trabalho por tarefa e são incapazes de digerir e usar a inform ação que
baixos, mas tam bém por perderem o direito aos chamados “ direitos recebem. A renda básica lhes daria um controle m aior do tem po e, assim,
sociais”, como as pensões. os ajudaria a tom ar decisões mais racionais.
U m a renda básica, desvinculada do emprego, seria desm ercadori-
zada na m edida em que daria ãs pessoas um a m aior capacidade de viver
Recuperar a área pública
fora do mercado e estar sob menos pressão das tarefas. Porém, ela poderia
aum entar a quantidade de tarefa, perm itindo que as pessoas entrassem Finalmente, há um a má distribuição do espaço público de qualidade.
e saíssem do m ercado de trabalho com mais facilidade. Em outras pala­ Isso tem duas dimensões relevantes. A m aioria das pessoas informadas
vras, poderia induzir a mais tarefa, mas o faria em condições de m aior reconhece a ameaça ecológica assustadora representada pelo aquecimento
segurança e independência das pressões de mercado. U m a renda básica global, pela poluição e pelo desaparecimento de espécies. N o entanto,
tam bém perm itiria aos cidadãos aceitar baixos salários e negociar com grande parte da elite e das camadas superiores da classe assalariada real­
mais veemência. Se eles julgassem que determ inada quantia é tudo o m ente não se im porta. Sua riqueza e suas conexões podem garantir que
que um potencial empregador pode pagar, poderiam assumir o emprego, não serão atingidos. Eles podem fugir para suas ilhas no claro m ar azul e
desde que tivessem o suficiente com que viver. seus retiros na m ontanha. Q uerem altas taxas de crescimento econôm ico
A necessidade de recuperar o controle sobre o tem po é extrem a­ para aumentar sua renda e riqueza, não im portando a destruição ecológica
m ente im p o rtan te. Precisam os dele para tom ar decisões sobre gestão causada pelo esgotamento de recursos. N aturalm ente, é o precariado que
de riscos. A lguns paternalistas libertários afirm am que a educação é a classe verde no debate por um a sociedade mais igualitária, em que
não m elhora a capacidade das pessoas para tom ar boas decisões, ju s ­ as atividades de partilha e de reprodução e conservação de recursos são
tificando seus estím ulos e uso de práticas am eaçadoras que parecem priorizadas. O rápido crescim ento só é necessário a fim de m anter as
incentivos. N o entanto, um a pesquisa no R e in o U n id o concluiu que desigualdades grotescas que a globalização produziu. Precisamos dim i­
os investidores identificaram a falta de tem po com o a principal barreira nuir a velocidade tanto para reduzir o estresse do trabalho e do consumo
para a gestão de riscos (G r e n e , 2009). Os riscos podem ser explicados frenéticos quanto para reproduzir a natureza.
de m odo que as pessoas possam fazer escolhas racionais. Os m édicos O precariado tam bém deve lutar por um a terra com um viável,
p o d em com unicar o risco aos pacientes, com o se isso fizesse parte mas precisa de um espaço público rico. Talvez os atos mais reveladores
de um a “escolha consciente”. Podem os cham ar a atenção das pessoas da ex-prim eira-m inistra britânica M argaret T hatcher —que arquitetou
para os resultados estatísticos. O s profissionais de serviços financeiros o neoliberalism o tão reverenciado pelos sucessores Tony Blair e David
p odiam ser obrigados a aceitar um a definição mais am pla de risco e a C am eron - fossem as vendas em massa de habitação social e os campos
se envolverem com os consum idores para que estes tom em decisões esportivos e outras instalações ligadas às escolas públicas. Isso divide o
m ais racionais, através de um a “ ferram enta de com unicação e reco ­ espaço público para os cidadãos de baixa renda e os “ habitantes”.
nh ecim en to de risco”. O im p o rtan te é que as pessoas precisam de Três décadas mais tarde, a política culm inou nas medidas de auste­
tem po para p onderar os riscos, desde que as políticas garantam que a ridade de 2010. E determ inado o fecham ento de centenas de bibliotecas
inform ação adequada seja disponibilizada. públicas, assim como têm acontecido nos Estados Unidos. Estes são lugares

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públicos preciosos para o precariado. O financiam ento do esporte para e redes sociais, há um déficit deliberativo. Haberm as descreveu a internet
as escolas públicas é alvo de grandes cortes, com os clubes freqüentados com o geradora de um a onda anárquica de circuitos fragm entados de
após o horário escolar enfrentando a devastação. O utras instalações com unicação que não poderiam produzir um a esfera pública. Bastante
públicas estão sendo cortadas ou terão preços fora de cobertura. E o justo. Mas ele é m uito pessimista. O precariado pode até ter a oferta de
zoneam ento urbano de residência se tornará mais sistêmico. A venda de um espaço público fragm entado, mas ele deve lutar por um espaço onde
habitações sociais criou um a escassez de m oradia com aluguel a preços a democracia deliberativa possa ser revivida. E um a renda básica pode
acessíveis para pessoas de baixa renda nas vilas e cidades. O aluguel de ajudar até m esm o aqui.
acomodações privadas subiu, aum entando os m ontantes pagos a título de
subsídio de habitação para as pessoas de baixa renda. Q uando o governo
buscou a poupança fiscal, o benefício de habitação era um alvo fácil.
Subsídios de ócio
Ele pretende restringir os níveis de benefícios para 30% das casas mais U m aspecto preocupante da sociedade de trabalhadores regulares
baratas em um a área e fixar um teto para o m ontante que um a família é a perda do respeito pelo ócio no sentido grego de schole. Essa perda do
pode receber. As reformas estão fadadas a levar as pessoas de baixa renda respeito acom panha o privativismo cívico e um individualism o baseado
para fora das áreas de alto custo e alto padrão de vida, o que o prefeito no m aterialismo bruto. Para a saúde da sociedade e para nós mesmos,
de Londres, um conservador, cham ou de “lim peza social” e o Arcebispo precisamos de mecanismos para inverter a tendência.
de C anterbury cham ou de “zoneam ento social”. A dem ocracia frágil, a m ercadorização da política e o poder das
Perversamente, a m udança tornará o mercado de trabalho mais caó­ relações públicas e do dinheiro da elite põem em risco o fortalecimento de
tico. C om o as pessoas de baixa renda e aquelas relativamente ignorantes um a tirania da maioria e um a difamação perniciosa da não conformidade.
se concentram em áreas de baixa renda, as oportunidades de emprego C om o um contram ovim ento, o precariado precisa de mecanismos para
vão se concentrar nas áreas de renda mais alta. O s bolsões de pobreza e o gerar a democracia deliberativa. Isso prom ove valores de universalismo e
desemprego vão se tornar zonas ou mesmo guetos, da mesma maneira que altruísm o, um a vez que incentiva as pessoas a pensar em term os de “véu
alguns banlieues de Paris são centros de privação, insegurança, desemprego de ignorância” e se afastar do ponto de vista influenciado por sua posição
e crim e de sobrevivência, e da mesma m aneira que cidades da África ao longo do espectro social e econôm ico. N o entanto, a democracia de­
do Sul, zoneadas sob o apartheid, perm anecem fragmentadas em áreas liberativa requer a participação ativa, o que não pode ser feito por pessoas
fechadas m uito bem vigiadas e sob a efervescente raiva dos moradores. distraídas alimentadas com um a dieta de lugares-com uns e chavões. Ela
H á tam bém a necessidade de espaços públicos mais seguros em exige debate, contato visual, linguagem corporal, escuta e reflexão.
que o precariado possa se reu n ir e desenvolver a amizade pública cívica. N a antiga Atenas, u m dispositivo de pedra cham ado kleroterion
A esfera pública precisa ser restabelecida. O sociólogo e filósofo Jürgen era usado para selecionar aleatoriam ente 500 pessoas para fazer política,
Haberm as, lam entando a fragm entação da esfera pública, referiu-se às entre 50 m il cidadãos. Isso era antidem ocrático, visto que as m ulheres e
cafeterias de Londres do século X V III, aos salões de Paris e às “conversas os escravos eram excluídos. Mas se assemelha à democracia deliberativa.
à mesa” da Alem anha. Sua visão, infundida de nostalgia, é que a esfera U m a pesquisa feita por James Eishkin, Bruce A ckerm an e outros indica
pública foi m orta pelo Estado do bem -estar social, pelos meios de co­ que as discussões públicas muitas vezes levavam a visões populistas. U m
m unicação de massa, pelas relações públicas e pelo enfraquecim ento da experim ento realizado em M ichigan, atingida pela recessão, levou a um
política parlam entar por parte dos partidos políticos. Está im plícita um a crescim ento do apoio ao aum ento dos impostos, nesse caso do imposto
crença de que, se tivéssemos esclarecidos “ habitantes” freqüentadores de de renda, de 27% para 45%. Nesses experim entos, as maiores mudanças
cafeterias, a democracia reviveria. de opinião vêm das pessoas que adquirem mais conhecim ento. Isso não
Isso tem sua im portância na medida em que, enquanto o precariado significa que as m udanças são sempre desejáveis. M as de fato indica
é a classe em ergente que povoa as m odernas cafeterias, bares, cibercafés que a deliberação faz a diferença. Experim entos psicológicos anteriores

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que parece abraçar o localismo e um m aior papel para a sociedade civil
descobriram que quem tem segurança econôm ica básica é mais altruísta,
e o trabalho voluntário. A usina de ideias Dem os tam bém enfatizou o
tolerante e igualitário do que quem é econom icam ente inseguro, e as
localismo em seu folheto T h e Liberal Republic ( R e e v e s ; C o l l in s , 20 0 9 ),
deliberações desse grupo em relação a propostas relacionadas levaram a
que o associou a “um a vida autoescrita”, em que a autonom ia individual
um apoio ainda m aior para fornecer às pessoas um piso de garantia de
é fundam ental na formação da versão de Boa Vida do indivíduo.
segurança (F r o h l ic h ; O p p e n h e im e r , 1992).
Existem problemas pela frente. O localismo pode acom panhar o
Alguns defendem o uso da internet para adm inistrar a democracia
zoneam ento social, com as áreas ricas ganhando em detrim ento de outras.
deliberativa, por m eio de pesquisas. Ela tem sido usada na Grécia e na
Ele negligencia a necessidade de liberdade de associação, e não apenas
C hina por alguns projetos, com o para determ inar de que m aneira um
a autonom ia individual, o que deixaria o precariado em desvantagem.
fundo de infraestrutura local deveria ser alocado em Z eguo, na China.
A sociedade civil pode ser dom inada pelos ricos e bem conectados. E
Está sendo considerada um a válvula de segurança para a pressão social.
o localismo poderia conduzir a mais paternalism o. Ele já é associado a
N o entanto, em bora o uso da internet possa ser fascinante, ela não pode
medidas para prom over o “com portam ento pró-social”. U m a ideia é
substituir a concentração envolvida na participação física do público.
perm itir que os cidadãos votem a respeito de com o o dinheiro deve ser
Portanto, vale a pena considerar um a variante de subsídios de renda
gasto em seu bairro, em troca de fazerem um trabalho voluntário ou
básica que poderiam ajudar a desviar o precariado para longe do popu-
de participarem de reuniões públicas. Essa form a de condicionalidade
lismo. Isso é exigir que todos que têm direito a um subsídio de renda
ameaça os princípios da democracia. Votar é um direito universal, e o
básica, quando registram a elegibilidade, assumam um compromisso moral
objetivo deveria ser aum entar a democracia deliberativa, e não criar in­
de votar nas eleições nacionais e locais e participar de pelo menos um a
divíduos integrados e não integrados. Além disso, o localismo só poderia
reunião local por ano, convocada para discutir questões políticas atuais.
ter sucesso se as pessoas estivessem civicam ente empenhadas; e associar o
Tal compromisso não deveria ser juridicam ente obrigatório, com sanções;
direito de subsídio a um comprom isso m oral para participar da atividade
deveria ser apenas um reconhecim ento de responsabilidade cívica, como
dem ocrática seria a m elhor m aneira de seguir em frente.
convém a um etos de igualitarism o em ancipatório.
U m plano que agradaria aos progressistas seria elevar o nível de
M esmo sem o comprom isso m oral, um a renda básica seria um ins­
votação, tendo em m ente que, onde isso acontece, a propensão para
trum ento para incentivar a democracia deliberativa. A democracia frágil
apoiar valores liberais ou progressistas aum enta. O Brasil tem o voto
é susceptível de ser capturada pelas elites ou por agendas populistas. Se
obrigatório, e pode ser por isso que nesse país tem havido pouco apoio
as democracias são m enos corruptas do que as não democracias, como
para o neoliberalism o. U m grande núm ero de pobres, que pagam pouco
estima a Transparência Internacional, então as medidas pró-participação
im posto, mas ganham benefícios do Estado, em purram os políticos para
fortaleceriam a democracia. E, supondo um a relação linear entre o grau
a esquerda na política social. Desse m odo, os progressistas deveriam au­
de democracia e a corrupção, isso reduziria a corrupção. C om o baixo
m entar o núm ero de eleitores, um a razão para que eles apoiem subsídios
com parecim ento às urnas, é mais provável que os candidatos entrinchei­
condicionados ao ócio. O voto obrigatório pode ser o m otivo que levará
rados vençam. O precariado e os profidans, refletindo sua form a de vida
o Brasil a introduzir um a renda básica antes de outros países, e talvez
mais nôm ade, são mais propensos a m udar para os políticos considerados
tam bém por causa dele o comprom isso com a renda básica tenha sido
de confiança. M uitas eleições são decididas por quem não vota. Isso não
aprovado em lei em 2004.
pode trazer um bom resultado.
H á um precedente para a ligação da participação política aos sub­
Os subsídios de trabalho e ócio podem ser relacionados ao novo
sídios de renda básica. Em 403 a.C., em Atenas, os cidadãos foram agra­
entusiasmo pelo “localism o”. O desejo de descentralização sob a rubrica
ciados com um pequeno subsídio com o símbolo para a sua participação
de um a “era pós-burocrática” é sedutor, favorecido tanto pelos social-
na vida da polis. R ecebê-lo era um a questão de honra e um incentivo
democratas quanto pelos conservadores. N o R ein o U nido, os conserva­
para assumir a responsabilidade na condução dos assuntos públicos.
dores inventaram habilm ente o term o Big Sodety, um vago eufemismo
270
269
Conclusões Referências
O precariado em breve poderá descobrir que tem m uito mais
amigos. Vale a pena lem brar a famosa advertência atribuída ao pastor
M artin N iem õller na ascensão do nazismo na A lem anha nos anos 1930.
P rim eiro eles vieram buscar os com unistas,
e eu não protestei porque não era com unista.
D epois vieram buscar os sindicalistas,
e eu não protestei porque não era sindicalista.
D epois vieram buscar os judeus,
e eu não protestei p orque não era jud eu .
D epois vieram m e buscar
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- j m 1984, u m grupo de economistas, filósofos e cientistas sociais.
coordenado pelo Professor Philippe Van Parijs, que estava interessado em
com o resolver os problemas de desemprego, pobreza, injustiças causadas
pelo sistema econôm ico, se organizou no cham ado “Coletivo Charles
Fourier” para apresentar u m trabalho para o Colégio da Europa, em
Bruges, na Bélgica. Tratava-se de um concurso organizado pela p rin ­
cipal fundação belga, a Fundação R ei Balduíno. O trabalho propunha
a instituição gradual de um a renda universal incondicional e expunha
os fundam entos e as origens dessa proposta ao longo da história. Entre
outras contribuições im portantes estavam as que foram formuladas por
Thom as M ore, em Utopia (1516), Juan Luis Vivès, em De Suhventione
Pauperum Sive de H um anis Necessitatihus (1526) e Thom as Paine, em Justiça
Agrária (1795).
C o m o prêm io recebido pelo trabalho, Philippe Van Parijs con­
vidou cerca de cinqüenta pessoas, com as quais ele havia interagido na
Europa a respeito daquela proposta ao longo dos dois anos precedentes,
para realizarem u m colóquio. Ali com pareceram Guy Standing (OIT,
Genebra), Clauss Offe (Universidade de Berna), R o b ert Van D er Veen
(Universidade de Am sterdam), Yoland Bresson (Universidade de Paris-
Saint-M aur, M arie-Louise D uboin (La Grande Relève), Bill Jourdan
(Université d ’Exeter), entre outros.
Foi então que surgiu a ideia de se formar um a associação para estudar
todas as formas de transferências de renda existentes em cada país e de
propor que em cada um se instituísse um a renda básica incondicional.
Guy Standing então propôs que se desse o nom e à organização de Basic
Incom e E uropean NetW ork (BIEN, R ed e Européia de R enda Básica).

281 283
Por ocasião do X Congresso Internacional da B IEN , realizado em Bar­ longo dos últim os dez anos. Em dezem bro de 2012 havia atingido 4,6%,
celona, em 2004, por ali estarem pessoas de todos os continentes, por a m enor taxa da história. E m ju n h o de 2013 foi de 6%. O tem po m édio
m inha sugestão, ela se transform ou em Basic Incom e E arth N etw ork, que um a pessoa perm anecia desempregada passou de 17,8 semanas, em
R ede M undial de R enda Básica. Presentem ente, Guy Standing, Clauss 2003, para 12,4 semanas, em 2012. A proporção de trabalhadores con­
Offe e eu somos copresidentes de honra da BIEN . O Professor Guy Stan­ tribuintes para a seguridade social, com o proporção da população total
ding já esteve inúm eras vezes no Brasil, onde participou de conferências ocupada, que constitui um indicador de formalização, passou de 61,2%,
relacionadas ã R enda Básica. em 2003, para 72,9%, em 2013. A parcela de pessoas com 16 anos ou mais
N este livro, G uy Standing nos relata a respeito do fenôm eno so­ de idade ocupadas no mercado de trabalho brasileiro passou de 45,3%
cial que crescentem ente tem caracterizado tantos países do m undo em
para 56% entre 2001 e 2011. N ão obstante, o contingente de m ão de
função das conseqüências da globalização e de com o evoluem as econo­ obra inform al, em 2011, somava 44,2 m ilhões de pessoas, em torno de
mias capitalistas, tanto do m undo desenvolvido quanto no m undo em
22% do total da população brasileira, então estimada em 193 m ilhões.
desenvolvimento, e mesmo as economias do m undo socialista, como a Hoje, 2013, ela está estimada em 201 m ilhões.
chinesa e a vietnam ita. Este livro retrata as características do “preca­ Para a solução dos problemas enfrentados pela precarização da p o ­
riado”, um grupo econôm ico distinto, um a classe em formação, com pulação, Guy Standing considera fundam ental, prim eiro, que se assegure
um a estrutura global fragm entada. Fazem parte do precariado as pessoas o direito à Voz a todas as pessoas, sobretudo aquelas que até hoje estão
desprovidas de garantias relacionadas ao trabalho, com o as garantias de tão distantes de terem os direitos à cidadania. Isso através de meios que
mercado de trabalho, de emprego, de trabalho, de segurança no trabalho, possam aperfeiçoar as formas de participação nas decisões de todas as
de reprodução de habilidade, de segurança de renda e de representação.
com unidades e dos países, com efetivo avanço no processo de dem o­
O s mem bros do precariado, assim, são caracterizados pela falta de apoio cratização. Segundo, entre as proposições econômicas e sociais, como
da com unidade em m om entos de necessidade, pela falta de benefícios um dos mais im portantes estudiosos do tem a, ele sugere a instituição da
assegurados da empresa ou do Estado e a falta de benefícios privados para R enda Básica Incondicional e Universal. Em especial no capítulo 7, con­
com plem entar ganhos em dinheiro. Essas pessoas não se sentem parte de clusivo, ele destaca as im portantes vantagens dessa proposição, objeto da
um a com unidade trabalhista solidária. Lei 10.835/2004, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional
A evolução da crescente precarização das relações de trabalho em
brasileiro e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 8 de
quase todos os países do m undo, analisadas por Guy Standing, constituem janeiro de 2004. A lei explicita que a R enda Básica de Cidadania (R B C )
u m alerta para os leitores brasileiros. A inda mais porque em quase todas será instituída por etapas, a critério do Poder Executivo, iniciando-se
as regiões do Brasil —sejam naquelas onde a proporção de trabalhadores pelos mais necessitados, com o o faz o Program a Bolsa Família, o qual
inform ais é ainda alta, mas até nos centros mais desenvolvidos, como hoje beneficia aproxim adam ente um quarto da população brasileira.
São Paulo —presenciamos situações de grave precariedade, com o as que Por tudo, avalio que a leitura deste novo livro de Guy Standing
caracterizam as condições de trabalho das famílias bolivianas que em é de im portância para estudiosos do tem a e para todos aqueles que se
núm ero crescente têm realizado contratos com empresas têxteis que lhes interessam pelas questões sociais brasileiras.
pagam por produção, em regimes que superam em m uito a jornada legal
de trabalho, e com rem uneração irrisória.
Felizmente, entretanto, se levarmos em conta a crise internacional
na últim a década, a econom ia brasileira tem apresentado taxas razoáveis
de crescimento, com queda na taxa de desemprego e aum ento do núm e­
ro e proporção de empregos formais. A taxa de desemprego no Brasil,
m edida pelo IBGE, que havia sido de 12,3%, em 2003, foi baixando ao

284 285
N os anos 1970, economistas neoliberais
passaram a defender a ideia de que o cresci­
mento e o desenvolvimento dependiam da
competitividade do mercado. A partir daí, a
maximização da concorrência e a licença para
que os princípios de mercado de trabalho
permeassem todos os aspectos da vida m ol­
daram uma nova classe social mundial, emer­
gente e ainda em formação: o “precariado”.
O precariado: A nova classe perigosa é uma
obra necessária e urgente, que apresenta as
G U Y ST A N D IN G é professor de Desen­
características desse novo grupo e oferece
volvimento na Escola de Estudos Orientais e
aos leitores uma sólida reflexão política e
Africanos da Universidade de Londres (desde
socioeconôm ica que compreende a nova
outubro de 20 1 2 ). Foi pro fesso r d e Seguran­
ordem social global e responde aos anseios
ça Econômica na Universidade de Bath (de
julho de 2005 a janeiro de 2013) e de Eco­ dos indivíduos dessa nova classe, que não se
sentem ancorados em uma vida de garantias
nomia do Trabalho na Universidade Monash,
trabalhistas, não possuem empregos perma­
em Melbourne (de setembro de 2005 a ju­
nentes e muitas vezes nem sequer sabem que
nho de 2009). D e 1999 a 2005, foi diretor do
integram a classe dos precariados.
Programa de Segurança Socioeconômica da
Aqueles que estão no precariado carecem
Organização Internacional do Trabalho (OIT)
de autoestima e dignidade social em seu
e diretor da Filial de Políticas de Mercado de
trabalho; devem procurar por esse apreço
Trabalho da mesma organização.
em outro lugar, com sucesso ou não. Se fo­
Economista com PhD pela Universidade de
rem bem-sucedidos, a inutflidade das tarefas
Cambridge, é fundador e copresidente da Basic
que são obrigados a fazer em seus empregos
Income Earth Network (BIEN), oiganização
efêmeros e indesejáveis pode ser reduzida,
não governamental, com membros em mais de
na medida em que a frustração de status será
50 países, que promove renda básica como um
diminuída. Mas a capacidade de encontrar a
direito incondicional e universal. Além de ter
autoestima sustentável no precariado quase
vasta carreira como pesquisador, é conselheiro
sempre é vã. Existe o perigo de se ter uma
de vários governos e agências internacionais.
sensação de engajamento constante, mas
Entre 1995 e 1996, foi diretor de pesquisas da
também de estar isolado no m eio de uma
Comissão de Políticas de Mercado de Traba­
multidão sohtária.
lho do presidente Nelson Mandela, ocasião
O resultado é uma crescente massa de
em que foi coautor do Hvro Restructuring the
pessoas - em potencial, todos nós que esta­
Labour Market: the South Ajrican ChaUenge [Re­
mos fora da ehte, ancorada em sua riqueza
estruturação do mercado de trabalho: o desafio
e seu desapego da sociedade - em situações
sul-afficano].
que só podem ser descritas com o alienadas,
Seus hvros recentes são: Social Income and
anômicas, ansiosas e propensas à raiva. O
Insecurity: A Study in Gujarat, com J. Unni,
sinal de advertência é o descompromisso
R . Jhabvala e U. Rani (Routledge, 2010), e
político. A esperança consiste em investir
Work afier Glohalization: BuiUing Occupational
na liberdade associativa.
Citizenship (Elgar, 2009).

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