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Hipótese
EDIÇÕES HIPÓTESE é nome fictício da coleção de livros editados pelo Núcleo de
Estudos Transdisciplinares: Ensino, Ciência, Cultura e Ambiente, o Nutecca.
http://nutecca.webnode.com.br
Introdução ........................................................................................................................................................ 06
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Apresentação
Faz-se necessário expressar os agradecimentos aos dois parceiros que tornaram isso
Hildegard Jung, colega que traduziu a obra para nossa língua pátria.
O livro que temos em tela é sobre PESQUISAR. Tarefa que, apesar dos excessos
fácil. Requer, antes de tudo, paciência: ler, observar, refletir, ler de novo, ler mais,
observar mais, experimentar, reler, testar e testar... enfim, é preciso ter calma para que a
conhecimento.
Dessa forma, fica a esperança de que essa obra e os esforços para trazê-la ao
público brasileiro no idioma português apenas ajude a termos mais e melhores pesquisa.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Introdução
A que se deve essa aparência que desanima tantos a cada dia? Tal mal-entendido
que o progresso de um país está no fato de que sua gente, além de acumular anos de
poderemos associar aquele progresso com a liberdade de seus cidadãos (além de seu
autoengano.
Na medida em que as reflexões que aqui são expostas fazem parte da sociologia
leitores. E espero ter mostrado, de passagem, que não são especialidades aptas
abstração. Igualmente como sucede com a pesquisa, qualquer um pode praticá-las, daí o
lema que ao final resumirá boa parte das conclusões: tudo pode ser pesquisado por
todos. De fato, o trabalho de pesquisa pode ser considerado independente até um certo
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Aventura porque o objetivo desta obra é mostrar como o trabalho de pesquisa
haverá também tipos ideais com os quais os leitores poderão se identificar: explorador,
seguindo o papel de jornalista, trabalhando para o Daily Planet, como colega do Super-
Eco e não gosta dos visitantes de Krypton), e de acordo com as indicações e exemplos
que aqui serão dados, antes digo, em uma primeira e mais extensa primeira parte, que
temores e das fobias os quais deve enfrentar no dia a dia, com a finalidade de extrair,
Trata-se de uma leitura obrigatória que obriga a refletir sobre o sentido de ter ao
lado de sua escrivaninha o pôster gigante que lhe deram de presente na universidade
esse que tem a imagem de Cristo com a cruz ao fundo ou a de Sísifo subindo e descendo
a montanha carregado de livros (normalmente, lhe pedem para escolher um, às vezes se
Tal desconstrução deve ser entendida como a versão amável da destruição, destruição
por desmantelamento e não por explosão e, por isso mesmo, destruição mais terrível,
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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parcimônia, retirando as peças uma por uma, então os vizinhos “fofoqueiros”, ou seja,
esses aposentados que nunca faltam ao lado de uma obra, ao espetáculo de sua
vivissecção. A cada manhã verão uma peça podre diferente, poderão assombrar-se
perante o estado de putrefação que apresenta, exclamando: “Quem diria, veja como
estava! ”.
na memória a marca do mal que estava, não no edifício em si, mas em todas as suas
partes, o que significa que devem acabar pensando que se o edifício tivesse caído
totalmente, teria suposto um desastre afundando cada parte. A cozinha incendiada, parte
problemas. Algo que estava pensado para proteger e melhorar a qualidade de vida teria
parêntesis. É algo totalmente planejado. Mais ainda, pretende servir de ilustração prática
que parece, muitos escritores, como Cortázar, odeiam o parêntese. Também um dos
mas insistente. Na época, eu não relacionava a posição social de tais doutores com sua
posição acadêmica e com seus conselhos de orientação. Ou seja, não refletia sobre as
condições sociais nas quais se pratica a ciência. Puxando o fio dessas pequenas manias,
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Como exemplo, podemos falar sobre o que acontece com o referido parêntese.
exemplo, que o sinal interrompe a leitura, mas isso não lhe diminui a funcionalidade,
pelo contrário, tal como sucede com o silêncio numa conversa, ao permitir ao falante
que respire e que reflita para continuar se comunicando. É evidente que na maior parte
desconfiança que sentiram seus ancestrais ao ter que passar (os olhos se veem obrigados
a passar durante a sessão de leitura pelas ruas das letras) por um bairro judeu ou árabe,
esconde um medo antropológico no leitor, maior quanto mais obcecado esteja pela
A gente nunca sabe o que nos aguarda por trás do parêntese. Talvez uma
emboscada. De qualquer modo, não pode evitar o incômodo que produz a surpresa, o
leitor é um reflexo da comodidade da posição social que assume a cultura livresca como
alta cultura) sob a forma de crítica. Curiosamente, essas mesmas raízes culturais, de
altura, fazem com que adore a música clássica e, dentro dela, a polifónica. Entretanto, é
incapaz de ver o jogo de vozes nos parênteses que balizam o texto, ou seja, o jogo da
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diferença enriquecedora, de pluralidade orquestrada, dialogante. Aqui está outra das
avaliar os estilos, assim como uma incapacidade para relaxar e aproveitar a leitura como
aventura e descobrimento.
Por certo que a intenção polifônica do texto também poderá observar o leitor na
mudança de pessoa adotada pelo narrador, na maneira como o autor se dirige a ele ou a
coerência. Mas a coerência que o autor e o pesquisador estão obrigados a manter, por
respeito ao leitor, se refere ao conteúdo, às ideias. Uma das mais incômodas hipocrisias
fragmentado, tanto em suas conexões semânticas como na relação que guardam com
outras obras do autor, quando as tem, e com seus comportamentos na vida real. É assim
também quando muitos autores, por um lado, pregam uma coisa e fazem outras, y por
outro, escrevem livros onde as teses se perdem de vista, e desde o começo perdem
Igualmente, em uma casa onde o uso do estilo formal é obrigatório, ainda que seja de
maneira informal, o mínimo gesto de transparência poderá ser interpretado como uma
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obscenidade. Desde a perspectiva da cultura burguesa, tanto a nudez como a
Gostaria de destacar, por último, que esta obra foi escrita com uma paciência
poderíamos dizer que oposta àquela usada hoje em dia pela maior parte dos autores, que
trabalham sob pressão. Isto inclui, obviamente, os autores acadêmicos, posto que eles
constituem uma subespécie caracterizada, entre outras coisas, pelo super estresse. Dessa
maneira, se por definição, o autor de nosso tempo está estressado pelo estilo de vida
sociedade mais-que-moderna, mais ainda estará o autor acadêmico, o qual compete não
somente pela fama, como seus homólogos do campo da ficção, mas também pelo status
acadêmico. Esta nota informativa é importante para o leitor porque, justamente o que
Essa tem sido uma das motivações fundamentais para escrever o livro. Convido
o leitor observador a passar por uma das salas que costumam abrigar as bibliotecas
pudesse conversar amistosamente com algumas das vítimas escolhidas ao acaso, muito
apresentada: a insônia, o consumo conseguinte de drogas (em general mais legais que
ilegais, o que já é sintomático) para dormir, a ansiedade declarada, as queixas pela falta
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caso em que o sacrifício é obrigatório, por exemplo ao acompanhar alguém em uma
grave estadia hospitalar, mas não está. A firme convicção de que se trata de um dos
sofrimentos mais inúteis e absurdos que existem, unida à forte suspeita de que fazemos
(nos, os doutores orientadores) vista grossa porque é mais fácil e cômodo para nós do
que refletir sobre o problema, porque no fundo sabemos que não se trata simplesmente
conselhos terapêuticos, mas sim de um mal-estar que indica una falha fundamental e
são as que me levaram a escrever estas páginas. Não o fiz somente pensando em ajudar
aqueles que precisam enfrentar pela primeira vez uma pesquisa, grande ou pequena, que
cada vez são mais e mais. Não pretendi escrever um livro de autoajuda, mas denunciar
moral urgente em escrevê-lo. Contudo, sempre intuí que, para fazê-lo, necessitaria, além
quais não tivesse que compartilhar a energia intelectual com outras tarefas, conectando
viram confirmadas. Cada manhã, quando ia escrever, não podia evitar uma sensação de
vertigem, como se a estrutura pudesse desmoronar a qualquer momento. Tão frágil era,
acontece que, se toda obra passa por um processo de construção durante o qual é, por
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está pensada, como já referi, como des-construção. Neste caso, pretendia construir um
mostrassem seus tendões, vasos sanguíneos, nervos e, sobretudo, ossos. Como nessas
roupagens, suas carnes e suas maquiagens, tornar evidentes seus defeitos, mostrando a
cozinha da pesquisa, implicava um risco, pois não todos estão dispostos a admirar um
esqueleto. Este, por si mesmo, apenas se mantém em pé. O expositor deve engendrar
maneiras para alcançar o equilíbrio e vigiar para que se mantenha constantemente. Por
outro lado, o trabalhinho tem algo de politicamente incorreto, por muito que nos digam
verdade é que hoje mais que nunca tendemos a esconder a feiura e todo o rastro de
mesmo e nos demais qualquer sinal de decrepitude, quanto mais não o será em se
tratando dos que a ciência mostra, último bastião onde sobrevive – ainda que seja a
secularização?
Como toda obra que mostra esqueletos, esta é também terrível. Confio, em
princípio, na atração que nossa época sente pelo grotesco para convidar à leitura.
Depois, na que sente pelo anti-herói para enfrentar seus medos. Ambas coisas
constituem nosso alter ego e nos atraem precisamente porque devem repelir-nos,
portanto, por pura perversão, o que indica que, a estas alturas, ainda continuamos
representando a comédia social da velha burguesia da qual somos herdeiros, ainda que
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1. O paradigma do pesquisador como herói
O trabalho de pesquisa é, antes de mais nada, e como seu próprio nome indica,
um trabalho, de maneira que seu sentido último deve ser interpretado de acordo com o
valor cultural que este tenha em uma determinada época e sociedade. Na nossa, está
costumam acatar tais ordens com menos resistência ainda do que na graduação, como se
etapa educativa especial cuja altura reforça a autoridade sagrada dos professores
doutores, geraram a obrigação moral de agradecimento por ter sido admitido, por fazer
parte dos privilegiados, o que implica não discutir normas tão arbitrárias como o
não deve ser considerada típica do estudante. É na verdade um dos objetivos chave de
criativas, participativas e dinâmicas. Uma das funções sociais que cumpre referido
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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passiva de conteúdos e valores. Precisamente inculca os valores mais desejados pelos
mais qualificado. Mas este esquema lógico parece mais do que discutível hoje em dia
crítico, o que, por sua vez, se explica não somente pela falta de instrução a respeito –
rede no estudo, assim como pela falta de alternativas institucionais que permitam uma
identidade, esses que durante toda a história o converteram em algo mais que um
simples expert que transmite um programa concreto dentro de una relação contratual
pesquisa, o faz a partir de una situação de fragilidade máxima. Isso contribui para que
perspectivas – e ainda seria necessário falar de uma que envolve todas, um último
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círculo concêntrico, macrossociológico, no qual a sociedade deve ser definida como
Tudo o que você diga ou escreva pode ser usado contra você, essa parece ser a
professores e orientadores, em infantilismo, cortando pela raiz qualquer uma das fontes
de energia que o estudante pudesse ter. Com isso, se dá uma nova volta no parafuso da
Andar pisando em ovos é uma questão que afeta o tempo e as forças implicadas.
serve de inspiração, fica descartada desde o princípio a hibris, essa potência básica que
graça assestados às páginas ou telas em branco que esperam desafiantes. Ambos, tempo
manifestação do autocontrole do sujeito burguês, faz parte das heranças que passam ao
A esse nível, o autocontrole tem sido observado em trabalhos clássicos, desde Elias a
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doutorando, como expressão máxima da pessoa que enfrenta um trabalho de pesquisa,
Paralelamente, a orientação é tão flexível que não tem um horário obrigatório nem um
calendário que o pressione para realizar as distintas atividades. Precisamente por essa
teórica liberdade, o êxito depende do autocontrole. Somente aqueles que têm alcançado
um domínio máximo de seu corpo, acabam a tese. Tal corpo não somente abarca,
obviamente, as vastas planícies físicas da preguiça, mas também as que têm a ver com a
intelectual.
Ortega y Gasset luta contra este preconceito aproveitando uma deliciosa anedota
acadêmica:
ocidental se rege pelo mesmo princípio. “Deixar entrever cólera ou ódio em gestos ou
homem do animal e sujeitar o corpo, esta exigência será ainda maior se supomos que
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vão fazer parte da elite da sociedade. Os que aspiram a dirigi-la devem concentrar em
sua pessoa as virtudes da época. É lógico, pois, que o trabalho de pesquisa, além da
da função igualmente explícita de revelar a verdade sobre alguma questão obscura que
preocupa a humanidade, sirva para cumprir outra função social oculta. Um trabalho de
inconfessado: a ciência a serviço da distinção social. É mais, ambas coisas podem ser
vistas como contraditórias. O trabalho de pesquisa serve para separar quem o faz
vulgarmente, não somente porque lhe outorga um título que lhe faculta para ascender a
melhores postos de trabalho, mas também porque lhe instrui no manejo da linguagem
que o separa do povo. Dessa forma, o fato de que não possa se materializar a primeira
não invalida o argumento, pois dentro dessa maioria de desempregados, o uso culto da
carácter grave após a passagem pelo calvário da pesquisa, segue criando categorias
sociais.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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do conhecimento. Pois bem, o estilo acadêmico que se exige nos trabalhos de
investigação é, por natureza, elitista. Antes pelo contrário, odeia o vulgar e, portanto,
seu matiz, o vulgo ou povo como o demonstra o fato de que identifica e agrupa seus
anterior.
Esta contradição é mais grave nas ciências sociais por dois motivos, um indireto
e outro direto. Em primeiro lugar, quanto mais técnicos sejam os trabalhos de pesquisa,
quanto mais ininteligível e crítico for seu estilo, mais facilmente os intermediários serão
Em segundo lugar, mais difícil será que quando forem publicados, possam chegar à
entendidos. Por qual razão uma tese de mestrado ou de doutorado sobre a violência
para citar alguns exemplos, não deve ser divulgada? O menos que se pode dizer é que
consiste um triste desperdício que montanhas de trabalhos de pesquisa a cada ano sejam
proporções que não podemos permitir nem desde o ponto de vista prático, nem desde o
ponto de vista ético. Da mesma forma, quem atira no lixo um pedaço de pão que lhe
sobrou. Pode ser que não lhe dê importância. Pode ser que lhe desse mais se pensasse na
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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soma de todos os pedaços de pão que são desperdiçados e nas vidas que seriam salvas
se fossem distribuídos entre aqueles que passam fome. O problema que se objetará
talvez neste caso, é justamente a distribuição: como fazer com que os pedaços de pão
cheguem aos seus destinatários? Pois o mesmo acontece nos trabalhos de pesquisa. A
condição prévia necessária para sua divulgação é que sejam construídos com um estilo
senso comum avalia o lema, pois por mais profunda que seja una pesquisa, sempre
haverá uma maneira de expressar seus resultados de forma transparente para que possa
Parler sans accent; esta velha regra das gentes do mundo propõe que
deixemos ao senso comum do outro adivinhar o que é o que foi dito;
se é lento, antes de que tenha terminado, já estaremos longe. Por
outro lado, parler avec accent significa falar aos sentimentos; com o
que tudo resulta de modo contrário (Ibidem).
A ocultação dos sentimentos é uma habilidade que se treina. Pois bem, o que se
sentimento não é outra coisa, senão um cavalo de Troia que alberga o pensamento,
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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consciência de nossa intenção última de uso manipulador da verdade, algo que será
mais evidente ali onde haja mais quantidade da mesma, na casa do pesquisador
científico. Trata-se de uma simples estratégia das “pessoas do mundo” que se exporta
argumental das séries de ficção, gera, no pensador, ou seja, em quem reflete sobre isso,
ainda que não chegue ao fundo, um pouso de má consciência. Tal pouso pode ser visto
como uma sombra fantasmagórica que persegue com mais ou menos insistência –
precisamente porque planeja sobre seu trabalho certa associação vaga e inconsciente
com a bruxaria, portanto com a tentação da manipulação dos fatos pesquisados. Aquele
que use esse trabalho para ser distinguido socialmente pelo poder que lhe outorga o
“saber superior” que teoricamente representa - contradizendo assim seu juramento e seu
2009, p. 1073). Hoje, em pleno século XXI, as políticas de igualdade não conseguem
negar estas palavras com números. Quantos prêmios Nobel são concedidos a mulheres
nivelamento dos gêneros não é uniforme nem imparável, como poderia parecer à
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primeira vista. As reformas legislativas em matéria de educação e ciência podem
implicar em retrocessos ainda que seja como efeitos não procurados. Tal é o caso da
fatal combinação, que se vive no caso específico da Espanha, nos primeiros anos da
segunda década do século XXI, de crise econômica e novos sistemas de promoção. Uma
avaliados por uma comissão nacional de avaliação. Posto que cada tramo consta de seis
anos, na melhor das hipóteses são exigidos 24 anos de dedicação exclusiva e intensa na
funcionário a um posto de professor universitário, ascende aos quarenta anos. Por outro
pesquisadores.
defeitos que definem a mulher em comparação com o homem e que pairam como uma
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Nota da tradutora: Na Espanha, período de seis anos para desenvolver uma pesquisa, os quais podem ser
consecutivos ou não, a ser avaliada após solicitação. Uma avaliação “favorável” implica no
reconhecimento de mérito individual do pesquisador, requisito para a percepção de retribuição financeira
adicional por méritos de pesquisa, cuja regulamentação está prevista no Decreto n. 405/2006. Este
estabelece as retribuições adicionais a serem pagas ao Personal Docente e Investigador (PDI). Mais
informações em http://www.aqu.cat/doc/doc_16214949_1.pdf (Acesso em 23.04.2017).
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meteorologia que representa o filósofo clássico que presta seu testemunho em pleno
coração da época moderna. Por que as mulheres não estão capacitadas para os trabalhos
intelectuais que a pesquisa exige? Em primeiro lugar, porque “tomam a aparência das
lugar, a mulher costuma tomar suas decisões de forma apressada (sic), o que se
terceiro lugar, a mulher, devido ao fato de que sua natureza se aproxima mais à do
especialmente lacerante para quem decide dedicar seu tempo à pesquisa, porque todo
trabalho nesta matéria deve partir, por definição, de um capítulo inicial de antecedentes
Todos estes aspectos podem ser considerados ao mesmo tempo com a finalidade
de extrair uma conclusão, voltando a vista ao plano dos sentimentos, fechando assim o
círculo de nosso argumento: a mulher mostra mais “compaixão, mais amor ao ser
humano” (sic). E a ideia básica que mobiliza toda esta ideologia sexista, ao consistir na
da criança. Sendo as mulheres “crianças grandes durante toda a sua vida” (Ibid, 1073),
afetadas por um infantilismo que certifica seu déficit ou incapacidade congênita, podem
aquilo que a ciência pretende exorcizar, não de passagem ou indiretamente, mas como
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objetivo principal. Pois sua missão não é outra, senão a herança ilustrada que concebe a
razão científica como a arma mais letal idealizada pela humanidade mais civilizada da
problema, um trabalho moral no qual se deve perseguir o mal e acabar com ele. Daí que
neste peculiar paradigma o pesquisador possa ser comparado com um herói ou com um
valor devem ceder perante a razão objetiva, como a mulher deve submeter-se ao
público – ao que pertence o acadêmico -, como o saber inferior puramente prático deve
submeter-se ao saber superior de caráter místico (ou capaz de tornar-se mito, como a
acadêmicos.
do sistema acadêmico que, por sua vez, faz parte da cultura ocidental moderna. Sua
mais socorridos e famosos, o da projeção, emerge neste ponto com toda sua força
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gráfica: a “irresistível inclinação da mulher à mentira” (Ibid., p. 1076), esconde a
Não estamos aqui perante o temor à mulher como uma constante antropológica,
trabalho que realiza. Neste sentido, a mulher representa a felicidade ignorante, a ilusão
consciência científica sobre sua história, se descobriremos que por trás da máscara da
desse grande querer-saber que recorre a humanidade põe, pois, de manifesto que não há
educativo, o ensino vai perdendo seu aspecto lúdico, somente desculpável nas etapas
insistido que ele seja lugar de dureza emocional e autoridade a toda prova”
(RESTREPO, 1994, p. 15). O autor destas palavras confessa que quando um homem,
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como é o seu caso, se atreve a defender um discurso sobre a ternura, “aparece de
pouco afetivo, longe da mãe presente que anima. O ritual da defesa dos trabalhos de
julga se enfurecem em suas críticas. Se estas fossem todas gravadas e depois mostradas
a um júri popular de pessoas graduadas ou licenciadas nessa área, com toda certeza este
pesquisa avaliado. Este duplo movimento é tão acusado, com o contraste entre os
observador externo não pode sentir-se menos que abrumado pelo mesmo, em princípio,
caráter científico que por sua vez herda o gênio burguês patriarcal, masculino e
autoritário. De acordo com nosso esquema, o beijo (ou o abraço) final dos doutores
acadêmicos é tão falso como o de Judas, e tanto mais quanto mais santo for o doutor
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do acadêmico, sua situação de classe contraditória, ao ver-se obrigado a cooptar um
tranquilizando sua consciência como servidor público, de semental que cumpre com a
santos.
Acontece que a meta não é uma meta normal, mas uma mescla de realidade e
ficção. Como toda Terra Prometida, o objetivo da pesquisa é de natureza mítica. O grau
de dificuldade e a conseguinte carga de ansiedade arrastada são tais que, ainda que se
chegue à meta, a frustração está garantida. O maná recebido terá pouco sabor, tanto por
como por seu benefício espiritual – que, traduzido à linguagem de nossa reflexão
significa prestígio pelo título ao que o trabalho dá acesso -. O grau de doutor, o circuito
de máxima dificuldade, deixa uma sensação de forte ressaca (pensemos que o número
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euforia, após a defesa, chega o momento depressivo do Eclesiastes, no qual se toma
flamante doutor consegue olhar para trás com a suficiente serenidade, recordará os
sua memória, para sentir-se superior ou para sentir-se culpado, dependendo de sua
de sofrimento existente, seja indiretamente, nos outros, ao fomentar nos novos doutores
arrependimento.
seja, aquele que conseguiu superar com êxito as três travessias, observa que a corrida
continua na prática. Ouve nos corredores acadêmicos com inquietação o rumor de novos
doutorados. Assim pois, o que foi vendido como fim não era o fim. A corrida parece
não acabar nunca. Um suor frio o embarga, deverá continuar sofrendo. Até quando? Por
toda a vida. Porque o sentido da carreira do pesquisador não é autônomo, mas foi
pesquisa só pode ser um vale de lágrimas. Aqueles que pereceram no intento são heróis
mártires. Aqueles que envelhecem e colhem êxitos são simplesmente heróis. Estes
últimos irão se decantando por uma trajetória lúdica ou por outra esforçada. Ainda que
se trata de opções que têm a ver com reações lógicas explicadas por um complexo
rodeiam a cada sujeito, a sorte tem um papel fundamental. Alguns, sobretudo se têm a
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possibilidade de alcançar uma sinecura graças ao seu novo título de doutor, se afanarão
por viver o mais comodamente possível. Posto que sofreram tanto durante tantos anos,
transforma, como se fosse tratar-se de uma moeda de ouro no mercado do prazer. Assim
tão esforçadas e contidas que até o final de suas vidas tentam convencer-nos a fazer
parte da seita do carpe diem da qual são fanáticos seguidores. No caso oposto, se
Ainda que muitos estudantes a enfrentem, para eles, penosa tarefa de realizar um
trabalho de pesquisa contra sua vontade, pois se trata de um requisito para a graduação
ou como opção pessoal (ainda que geralmente com escassa convicção) para o mestrado
e o doutorado, existe uma figura que resume de forma exemplar o perfil do trabalhador:
o bolsista.
existem associações a distintos níveis territoriais que tentam defender seus direitos,
bolsista recebe uma ajuda ou salário para realizar seu trabalho de pesquisa. Dado que
essa ajuda tem um prazo de tempo limitado de vários anos, o aprendiz de pesquisador
trabalha sob uma pressão a mais, a qual emana da natureza do trabalho e da organização
do sistema acadêmico no qual cobra vida, as quais, como se verá, são maiúsculas.
concepção imperante da pesquisa, não só porque concentra a pressão por sua situação
diacrônico, projeta esse facho de luz densa sobre toda sua trajetória vital, sobre seu
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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futuro, tingindo seu destino com a mesma cor da incerteza. Pois se supõe que, no caso
de superar com êxito a prova da via dolorosa de seu primeiro trabalho de pesquisa,
depois haverá outro, e logo outro mais, e assim até o final de sua carreira, e inclusive,
diferentemente das demais ocupações, mais além da mesma, quando tenha acabado sua
vida laboral, se é que vai estar vivo para conta-lo. Por essa razão, sua figura está
não só sua identidade pessoal e profissional, como também seu status social e sua
posição económica.
calvário. Nunca como ao princípio, dada sua lógica falta de experiência, sentirá com
tanta força o sentimento de perda (no sentido de estar literalmente perdido). É certo que
referida ansiedade é compartilhada de forma universal por todo neófito. Até o aprendiz
alcança a proporção máxima. Isso se deve, de novo, tanto à forma que toma a divisão do
presunções subjacentes que servem de guia orientativa não escrita para avançar nas
tarefas diárias. Quanto ao primeiro aspecto, se bem que é certo que todo aprendiz ocupa
a posição mais baixa na escala laboral e costuma se encarregar, ademais de seu trabalho,
de tarefas inferiores de intendência que não figuram em seu contrato, escrito ou verbal,
como trazer um café ou comprar folhas, o normal é que esta dimensão negativa se
compense com outra de signo oposto na qual está submetido a reforços positivos ou
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sua tese. No caso da pesquisa, especialmente a ligada à tradição universitária espanhola,
entretanto, a relação com os chefes, com os catedráticos (no masculino), está baseada no
A solidão vem a ser para o bolsista como o vento, um agravante de sua já - por si
mesma -, difícil situação. Assim como a sensação térmica faz com que se experimente o
qualificativo de negro, coisa que sucede frequentemente quando nos referimos aos
trabalhos sujos que deve realizar como favores aos membros com mais poder do
departamento – como realizar entrevistas para seus projetos de pesquisa, processa dados
neste caso, se aproxima à categoria mais baixa das mesmas, aquela que no folclore
de trabalho ao entardecer por canções tristes do gênero negro espiritual: Nobody knows,
particular via crucis do acadêmico aprendiz são os encontros com seu orientador de
como Jesus Cristo no Getsêmani e encomenda a alma a Deus: -Pai, se possível, afasta
de mim este cálice de amargura; mas não se faça o que eu quero, mas o que queres tu
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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A história é bem conhecida. Deus não parece estar para o trabalho, com o qual
condena aos seus filhos – o paternalismo nas relações acadêmicas é evidente -, a seguir
diário de seu apadrinhado resulta, de maneira geral, sinistro. O habitual é que lhe diga,
inevitavelmente conduz: Elí, Elí, lema sabactaní? – Senhor, senhor, por que me
final tem sentido de morte. Crucificação de Cristo e do Bolsista na banca que julga a
Mas a morte não é definitiva para o cristão, o qual acredita na ressurreição. Após
a prova mais dura, Cristo reaparece ao terceiro dia, como o bolsista após uns dias de
período de transição, uma nova fase com a qual sonhava o escravo, a era da liberdade.
Entretanto, a nova era fica de repente diferida. Jesus Cristo ascende aos céus, se vai e
com isso volta a deixar sós os humanos, isso sim, com a promessa de que voltará, uma
segunda vinda, supostamente a definitiva, precedida de uma longa tribulação (Mt 24,
29-31). Da mesma forma, ao bolsista recém alforriado lhe dura pouco tempo a alegria
de seu novo status. Em realidade, acaba tendo que admitir que tal condição é, em uma
boa parte, fictícia. De novo se vê imerso no caminho. Em realidade, sua carreira apenas
acaba de começar, de maneira que a via dolorosa de seu primeiro trabalho de pesquisa
deve repetir-se uma segunda vez, e deveria repetir-se uma terceira, e uma quarta, e
assim indefinidamente, até o fim de seus dias. A lógica que alimenta esse impulso é
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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extrínseca, para consolidar sua posição acadêmica, mas também intrínseca, pois alguém
que investiga como diletante não poderia deter sua curiosidade em um momento dado
posto que seu objetivo não é conseguir um simples título (algo demasiado grosseiro e
pouco defendível não somente para as amizades, mas também para o ideal do eu), senão
conhecer o mundo (algo muito mais louvável desde o ponto de vista ético e mais
pesquisador nunca termina. Sua redenção fica protelada a uma segunda existência, a
uma segunda vida, fase, dentro de sua carreira, como no caso do cristão. A segunda
bolsista arrastam uma existência miserável, uma vida falsa por trás de outra verdadeira
que não se sabe quando chegará - Velai, pois não sabes o dia nem a hora (Mt 25, 13)-,
uma vida que ao passar pela prova de transição, converte o atuante em morto vivo, um
conceito que, desde o ponto de vista da sociologia da morte, remete à eclosão pós-
personagens imortais-, o que leva à revisão das relações sociais com a morte (GIL
VILLA, 2011), e desde a perspectiva cristã, remite a modelos de vida místicos como o
de São João da Cruz, para os que o sofrimento é não somente o pão de cada dia, mas o
coisas Deus há de provar os que são soldados fortes para vencer sua batalha (JOÃO
categoria). As chagas que demonstram que Cristo passou pelo ritual de iniciação da
morte ficam representadas no caráter de quem passou pelas mortes das bancas de
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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graduação, mestrado e doutorado e, posteriormente, pelas comissões que julgaram seus
projetos e suas sucessivas obras. As pegadas que todos esses trabalhos de pesquisa
deixam, se inscrevem umas sobre as outras. Quantas mais haja, mais potente será o
Merton, se oporia ao tipo social rebelde, ao inovador como desviado, ao que se salta às
normas (MERTON, 1972, p. 149). Extraímos aqui outra das conclusões. Tal e como se
que em tantas ocasiões tem feito avançar a ciência rompendo com a tradição.
mais, na academia, aquele prolongamento chega a sua expressão máxima e, por isso, é
fica anulada pela necessidade do próximo, de modo que a celebração verdadeira e final
se anula e pospõe para a outra vida, literalmente. O pesquisador, como o cristão, deve
primeiro experimentada como via dolorosa. Ou, dito de outra forma, o pesquisador
somente chegará a sua máxima realização se conseguir que seu trabalho ou trabalhos
serviço especial. Então o esforço de toda uma vida de sacrifício teria valido a pena. A
fama, a glória, constituem, pois, seu verdadeiro objetivo. Como o cristão, o pesquisador
é consciente de que somente uns poucos o conseguirão, os que fazem parte do santoral e
do reduzido círculo dos clássicos. Daí que, ao final de sua carreira laboral, a angústia
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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que sempre lhe acompanhou em algum grau ao longo de toda sua carreira, volta a lhe
incomodar com uma intensidade superior, a mesma que sentiu quando começou como
bolsista. É assim que o círculo se fecha. Ao final da carreira, como ao final do primeiro
processo pelo qual se eleva um autor à categoria de clássico. Para um cristão não há
honra maior que chegar a ser santo, como para um pesquisador chegar a que o
que a imortalidade procede em boa medida do recordo. Temos os santos mais venerados
como temos os protoclássicos mais citados. De fato, citar é sinônimo de rezar (reza
assim, ou seja, diz assim tal autor). E como no caso dos santos, muitas vezes os citamos
quando troveja -. Os rezadores (recitadores) sabem tão pouco das pessoas especiais aos
que se encomendam como os citadores daquelas que conseguiram dotar sua voz de
autoridade. Muitas vezes nem sequer foram lidos, ou o fizeram superficialmente, apenas
proclamado emérito deve igualmente defender com várias memórias sua postulação
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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através de uma relação de méritos acadêmicos especiais. Não é qualquer professor que
“fama de santidade” não pode se basear na simples popularidade, mas deve ser
na Universidade de Salamanca, exige que o candidato tenha pelo menos seis tramos de
não funciona como filtro, mas o primeiro, sim. Trinta e seis anos de pesquisa avaliada
positivamente por agencias externas que aplicam critérios sumariamente restritivos dado
nunca se consegue totalmente, se trata de uma aproximação, mas posto que a lista é
aumenta no grau sumário, razão pela qual uma boa porcentagem dos professores
toda sua carreira. Muitos são os chamados e poucos os escolhidos. Muito poucos,
pouquíssimos, são ao menos aqueles que podem optar pela categoria de eméritos. Após
o resultado seja duplamente positivo, deverá ser ratificado pelo Santo Padre e o
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Normativa sobre nomeação de professores eméritos da Universidade de Salamanca (aprovada pelo
Conselho de Governo em 26 de maio de 2011).
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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O título de Emeritus era outorgado na antiga Roma ao soldado veterano que
tinha se destacado por seus serviços. O professor emérito atual tem muito de soldado
veterano que sacrificou sua vida à pesquisa, o que no plano cristão equivale a ter vivido
O bolsista soldado inicia, mancando, sua épica ascensão à glória. Deverá coroar
38 mil em um período mínimo de 36 anos, não podendo assaltar mais de uma torre por
ano. Completar com êxito a série lhe garante um posto entre a elite acadêmica de sua
área científica em seu país, mas não no mundo inteiro nem eternamente. Via de regra,
reconhecimento de sua obra. Passados alguns anos, seus livros irão passar ao depósito
das bibliotecas, e ao não completar um certo número de vendas e não ser reeditado,
deixarão de fazer parte das bibliografias dos programas acadêmicos, toda vez que estas
se vejam obrigadas a ser colocadas em dia, entendendo por isso o ano de publicação.
Isto quer dizer que o esforço de toda uma vida, inclusive no melhor dos casos, ali onde
rendeu seus máximos benefícios, não garante o objetivo da fama. Sua consecução se
aloja fora da lógica. Faz falta a confluência do acaso para conquista-lo. Ou utilizando a
gíria cristã, faz falta um milagre, o mesmo que necessita o beato para ser declarado a
posteriori santo. Para que algo seja considerado milagre, a igreja exige que não se possa
livro e, portanto, podem ser relativamente controlados, em função dos recursos. Mas a
essência de um êxito editorial continua sendo um mistério. Não faz parte dos
acontecimentos previsíveis, não se guia pela lei das probabilidades. É catalogável como
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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o médico. O escritor faz o mesmo esforço para atrair um leitor que, para cativar
trabalho para aumentar suas clientelas, topando cedo ou tarde com um teto. O
“Por regra geral, quanto mais longa vá ser a fama, mais tarda em chegar”
(SCHOPENHAUER, 2009, p. 423). Daí que na maioria dos melhores casos chegue
após a morte, como a santidade. Então, pode-se dizer que porta a imortalidade, essência
do credo cristão e crença igualmente básica da ideologia que regula nossa tradição
mesma se difere por definição a um futuro imprevisível, como fica dito, incorrendo com
isso na alienação, já que sua consequência mais importante é que a recompensa se torna
extrínseca. Pesquisar não é grato, nem muito menos prazeroso nem divertido, senão
É por isso que a figura mítica de Jesus Cristo pode servir-nos de apoio para
Existem outros personagens que compartilham boa parte das ideias deste paradigma.
Em especial, me parece oportuno o mito de Sísifo. Como se sabe, este foi castigado a
subir a ladeira de um monte carregando um grande penhasco para logo, uma vez no
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Sísifo é pois, também, um escalador nato. E é, como os cristãos, após cometer o
podemos ficar com este: ousou revelar os segredos dos deuses aos homens. De ser
pela mesma audácia, ao tentar descobrir o mistério que rodeia um problema científico y
Não seria talvez uma ação que deveriam recompensar a divindade? A resposta é a
contradição ou, se preferirmos, o mistério. Cristo também veio a revelar a boa nova. É
mais, aparece como o profeta por antonomásia, posto que não somente desvela com sua
palavra os arcanos de Deus pai – no princípio era o verbo – mas também o encarna em
audácia com os judeus e com Roma está fora de toda dúvida), não foi a fortuna, como
reza o aforismo latino, mas o sofrimento. A moral das histórias coincide: a revelação
está proibida. A profissão de pesquisador estaria maldita em suas origens. Isso nos
ajudaria a entender a grande quantidade de cadáveres que deixa pelo caminho, de cruzes
nas montanhas, de jovens e não tão jovens que não acabam seu trabalho de pesquisa,
grande pena (um aspecto compartilhado com outros mitos que versam sobre o mesmo
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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tema, como o do vampirismo. Ao nosferatu lhe pesa a vida). Conta a lenda que a Sísifo
desfazer seu caminho carregado de peso, como um aprendiz de pesquisador autor que
escreve cem vezes um rascunho e cem vezes o joga no lixo, ainda que seja a lixeira
Por isso podemos polemizar, sempre de acordo com o sentido desta exposição,
com as versões idealistas de Sísifo, como a realizada pelo genial Albert Camus.
Obviamente que podem ser feitas interpretações otimistas, mas sua força estará sempre
limitada à sua beleza, à sua dimensão estética. Um ser humano poderia diminuir sua
graças a sua imaginação, certo, mas em pura lógica, isto deve ser considerado um mal
pelo disfrute dos prazeres intelectuais que a vida do interior proporciona, vai unido,
como proposta filosófica clássica, à condição material de uma mínima liberdade que
somente outorga uma combinação de tempo livre indolor e solidão. Sísifo não cumpre
estas condições objetivas, assim como não as cumpre o prisioneiro de guerra, o escravo
ou o operário explorado.
sua esperança cada vez que sobe a montanha. De onde se deduz que a tragédia depende
uma operação retórica que quando deixa de sê-lo para converter-se em real tem
cristã da redenção. Sofra e esqueça de seu sofrimento, porque uma vez morto, será
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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recompensado no outro mundo. Omita-se – e, portanto, converta-se em seu cúmplice -
daqueles ao seu redor que não sofrem, mas que vivem como deuses, porque são
realmente, como Zeus ou Jesus Cristo, porque são socialmente, como os ricos. Ambos
derrota. Concentrar-se nos pequenos gestos da vida para aferrar-se a ela é uma tarefa
insensato: cedo ou tarde se corre o risco de que a parte vertiginosa do absurdo conduza
O absurdo é voraz. Toda voracidade está dotada de vida. Sua vida consiste em
fagocitar qualquer coisa quando esta se descuida. Há que estar continuamente alerta. A
consciência não é a tragédia, mas o único remédio contra a tragédia. No absurdo não há
vida, há mal-estar. Subir o penhasco com uma carga a vida toda, não é vida para os
humanos, senão para os animais ou para os humanos degradados de sua parte animal.
“Há que imaginar-se Sísifo como um afortunado”, nos diz Camus (CAMUS,
1957, p. 97). Não podemos. A idealização de Sísifo exige a renúncia ao suicídio como
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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depois a tese de doutorado. E depois, se tiver a sorte de conseguir uma bolsa – o que é
mais difícil ainda em conjunturas de crises econômicas-, terá que apresentar projetos e
ainda agradecer pelo sacrificado trabalho que comportam em caso de serem financiados,
seguindo as maneiras e modos de Frei João, porque dessa forma nos permitimos
continuar sofrendo uma estação mais no calvário da fama. O bolsista se faz eterno,
catedrático conserva sua alma de bolsista como o bom general conserva o espírito do
soldado raso. Essa filosofia de base, que no fundo dá sentido a sua vida, ainda que logo
Mas convém que não despachemos esta questão tão rapidamente. Se pensarmos
mais detalhadamente, aqui deve-se achar o restante do traço necessário para fechar o
círculo do paradigma. O que ajuda Hércules a realizar seus 12 trabalhos (12 capítulos da
tese?), a Cristo a completar as 14 estações de sua Via Crucis (ou eram 14 os capítulos?),
sugerido até aqui, a motivação do êxito. “A fama (essa última fragilidade das almas
quem não tem intenção de segui-la após sua tese. Existe uma versão muito menos
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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situa os indivíduos em uma posição de vantagem no momento de competir por um bom
passaporte para aceder às elites de poder europeias. Entre 1960 e 1990, entretanto,
produz-se uma massificação dos estudos superiores que diminui rentabilidade da antiga
licenciatura. Já durante o último terço do século XX, a teoria do capital humano, que
um bom posto de trabalho, nem que seja um posto de trabalho qualquer, mas um posto
ocupações não se consertam com decisões racionais de cada indivíduo, mas apresentam
rigidez devida a fatores muito variados, desde a cultura empresarial e sindical (que em
país onde a maioria dos egressos do Ensino Médio opta pela universidade e, dentro
Para o caso que aqui tratamos, o importante é observar que quanto mais
pesquisa. Este ocupa uma porcentagem de créditos muito inferior na graduação que no
defensiva na sobrevivência, com o que cada vez mais as pessoas precisam enfrentar o
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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trabalho de pesquisa em mais de uma ocasião. Daí a importância de uma reflexão crítica
um título não é incompatível com a meta romântica do heroico pesquisador que aspira
competitiva de raízes puritanas. É possível que, no fundo, o altruísmo do santo não seja
outra coisa, senão uma manifestação invertida e inconfessada de seu egoísmo, de acordo
com certa interpretação filosófica. Nesse caso, não será maior ainda o desejo de fama do
a ostentação do sacrifício pessoal parece ser una condição necessária para consegui-lo.
O problema não é a objeção às metas pessoais, nem o destino cruel que aguarda tantos
mártires, mas a perda de qualidade de vida que arrasta, com seu exemplo, todo um
exército dos milhares de recrutas que se alistam a cada ano nas universidades para
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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2. Genealogia da pesquisa
qual escrevem. Cortázar agradecia a Borges por tê-lo ensinado a fazer um uso comedido
da linguagem, segundo lemos na contracapa de uma edição dos contos completos deste
harmonia quieta que deve envolver a comunicação humana e o mundo, como os gritos
pouco não caem em um saco furado. Os escritores, como as pessoas, têm ou não têm
gesticulam. O bom estilo literário é o que se rende à elegância, que vem de êlegantia,
contaminação pelo mesmo preconceito cultural, a mesma carga que converte aqueles
metafórica se produz com a orografia do plano, o melhor do altiplano. Ali não cabe o
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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nossos medos. Para digerir o suspense, o leitor burguês necessita duas coisas: o familiar
menores onde a alta cultura condescende com a cultura popular, assim como o estudioso
(pré-doutor ou já doutor) deve romper seu sagrado isolamento por alguns minutos e dar
sorriso, na bola perdida de alguns meninos que por ali andam jogando.
Tampouco cabem as interjeições, como não cabem plantas que se elevem no ralo
declarada não grata. Tudo o que sobressai inquieta o espírito que reina na planície e se
apoderou da mente do escritor pesquisador. A não ser que este se preocupe com refletir
enunciados falsos, certos preconceitos - com relação a seu trabalho, coisa que não
ocorre em 99% dos casos, se encontrará servindo ao demônio que o possui, ao fantasma
deserto que assola não somente sua pobre mente, incapaz de imaginar, mas também sua
adormece suas faculdades. Qualquer movimento será facilmente detectado nas planícies
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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de pesquisa, consiste em dar algumas voltas pelo prédio. Cada volta é uma correção no
rascunho. Em cada volta se limpa algo, se acaba com algum movimento incômodo, com
movimentos, e vistas do alto, são saltos, às vezes mortais, acrobacias que surgem
espontaneamente nas criaturas da noite. “Nunca mais voltei a presenciar – dizia Max
Brod sobre seu amigo Kafka - associações de ideias tão ágeis, saltando desde a mais
inovadoras que acabam por iluminar os problemas. Mas não podem existir sem o
desenvolvido em um ensaio do mesmo nome escrito por Wright Mills, que se converteu
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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introdução à pesquisa. Com ele ocorre como com os clássicos da pedagogia aos que nos
sociológica, os mesmos que logo lecionam nos cursos de pós-graduação, onde se veem
uma dissociação da qual não são conscientes dentro de sua prática docente entre a
são sumamente nocivos: nem se faz pesquisa enquanto ensina, nem se ensina enquanto
se faz pesquisa. Neste último caso, que é o que aqui mais nos ocupa, a conclusão se
sociológica, limitando-se quando foi aluno, no pior dos casos, a ter uma noção extraída
realmente o livro de Mills, mas nunca refletiu posteriormente sobre como ativar essas
ideias, como leva-las à prática de forma pessoal, o mais lógico, então, é que também
não seja capaz de mostrar caminhos concretos aos alunos aos que orienta trabalhos de
pesquisa, de mostrá-los de forma rápida, com a centelha inteligente que deve se acender
em seu cérebro após dar uma olhada no rascunho do projeto que lhe mostram. Algo que
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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só pode acontecer se esse cérebro está preparado para funcionar como um forno
De uma maneira geral, isso não é o que ocorre, pois ocorre exatamente o
vivo, atrevido. Desta forma cai em uma de suas mais famosas contradições. Por um
lado, existe a ideia de que o trabalho deve ser original. Entretanto, a aprendizagem e o
como resultado, mas também de toda aproximação lúdica e prazerosa às tarefas que
conduzem ao mesmo.
imaginação não é incompatível com o trabalho sério, em termos de disciplina, nem com
o distanciamento que exige a análise social. De novo aqui nos assaltam preconceitos
que, assim como os demônios, habitam nas antípodas do paradigma dominante e que
completam o cerco desde o outro lado, fazendo imprescindível, agora sim, o exorcismo.
grande escritor que entra em transe para escrever, abduzido por algum entusiasmo
Voltando ao caso de Kafka, por um lado se necessita concentração para escrever, algo
que não é fácil de conseguir, o que leva a algum desespero: “Não poderei escrever nada
enquanto tenha que ir à fábrica… O contato com a vida laboral…, me impede toda a
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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visão de conjunto” (KAFKA, 2004, p. 600). O ruído é outra das grandes ameaças: “O
vizinho passa horas e horas conversando com minha patroa… Interrompida, quem sabe
por quanto tempo, a escrita, que tinha sido iniciada há dois dias. Puro desespero” (Ibid.,
p. 603). E um mês mais tarde: “Perseguido pelo ruído” (Ibid., p. 605). Estamos em
1915. Como se sentiria Kafka – enquanto figura que encarna qualquer pobre diabo que
precisa redigir sua tese de doutorado ou seu enésimo trabalho de pesquisa - na Espanha
sobre as associações pouco usuais deste autor, indício de suas geniais qualidades,
que destacava sua “frieza de espectador implacável”, ainda que com delicadeza, sem
o trabalho de pesquisa, se estende como uma mancha uniforme, uma colmeia de abelhas
compostas por sua vez de vários estratos. A verdade é que sobre a cidade plana paira o
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Falam de fato os mortos, posto que, em sua maior parte, a escrita comenta o dito
por autores que têm mais probabilidades de estar mortos que vivos, dado que sua
autoridade depende, como vimos, de sua santidade, a qual quase garante seu enterro.
andores. Quanto maior for, mais poder terá, como ocorre com as megalópoles dos vivos.
O valor de uma tese, obviamente, mas também para muitos leitores, o valor de
restos de tinta, como se o detrito orgânico que supõe o papel e a tinta fosse no fundo a
verdadeira medida pela qual se deve julgar a obra, um valor, portanto, fora de qualquer
critério acadêmico.
Ou talvez se trate de uma ironia que expressa a falta de base dos cânones
acadêmicos, que incluem os usados pelos críticos literários, sua arbitrariedade, sua
Flaubert: “As obras mais bonitas são aquelas nas quais há menos matéria”
(1998, p. 120). Pode-se prender uma flor em uma montanha de matéria caracterizada
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Nos resta o consolo da passagem do tempo. Somente nos restam oito séculos e
social. Bauman se alinha com Arendt na defesa da ideia de beleza como força motriz da
cultura porque, segundo ele, “é o epítome mesmo de objeto esquivo que desafia toda
p. 78). Desgraçadamente a tribo dos flaubertianos abunda pouco não somente nas lindes
literárias, mas também na ciência social. Aqui, continua o sociólogo polaco, a cultura
segue sendo entendida como “mecanismo estabilizador que gera rotina e repetição: um
instrumento de inércia” (Ibidem). Pois bem, nos perguntamos, onde se observa mais
claramente esta opaca concepção, a não ser no estilo acadêmico dos trabalhos de
pesquisa, sementes das obras que constituem a cultura legítima das ciências sociais, o
corpo da tese e nas conclusões, mas também à repetição das ideias de outros autores.
original. Mais graves são os outros traços opostos à ideia de beleza, e que aludem à
com acerto ao critério da regularidade e da ordem. A condição moral das pessoas, para
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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evitar seu destino errático e imprevisível, deve ser encarrilada unicamente por leis e
deveríamos fazer e não fazer. A moralidade, como o resto da vida social, deve estar
A erradicação das emoções das burocracias será um dos efeitos imediatos desse
fenômeno, extremo facilmente comprovável nos passos estipulados que deve seguir um
outras implícitas às quais deve ater-se o conteúdo. As primeiras são regulações às quais
os estudantes têm acesso nas páginas eletrônicas que regulam os trabalhos de TCC da
procedimentos para defender e aprovar o trabalho. Resta dizer que tais regulamentos
preocupações pela forma – como oposta à ideia de beleza, se seguirmos a corrente aos
autores citados, mas, também simplesmente à ideia -, são tão constantes que
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escassamente têm tempo, e o que é pior, consciência da necessidade de dedica-lo à
reflexão prévia e fundamental do sentido de seu trabalho. É mais, inclusive pode chegar
estrategicamente para burlar a burocracia. Corre o rumor de que, com tal orientador, os
uma limitação a seus efeitos negativos. Entretanto, tal pensamento não deixa de ser
superficial e romântica, ao menos no tema que em concreto aqui nos ocupa. Porque se
polícia administrativa censora e proibidora, mas também pelo objetivo a cujo serviço
trabalha. A trapaça não é o fim, dado que então se corre o risco de trivializar a visão do
qual deve estar conectado com a con/ciência social - que nos levou a realizar o trabalho
de pesquisa. Se ele não existe, mas utilizamos tal trabalho como um mero instrumento
para conseguir um grau, um título, então a trava burocrática se torna tão imoral quanto
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Com relação a este tema é importante separar o sentido desta reflexão da retórica
ideológica barata. A burocracia não é má per se, pois, certa dose é necessária se
queremos manter sadio o corpo democrático de uma comunidade, já que contém alguns
dos escassos princípios ativos capazes de gerar defesas, que é a garantia da igualdade de
todos os cidadãos perante a lei, e uma mínima objetividade que igualmente assegure
desgastará o órgão que o protege, o simples pensamento. Hoje nossa sociedade não se
pensamento?
deveria ser entendida como uma arte de equilibrismo, ideia que vai ficando mais clara à
medida que avançamos em nossa reflexão. Pois bem, justamente o verbo pensar alcança
um sentido congruente com esta proposta graças a sua referência etimológica à ação de
indagação, em manter um equilíbrio entre dois polos cujos valores são sempre relativos,
razão pela qual devem estar continuamente sendo contrapesados. De modo que o
sentindo as correntes de ar, por muito finas que sejam, que se contra arrestam a ambos
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Poderíamos, assim, perguntar-nos como é possível que se pense nesse sentido
boa medida, porque as novas tecnologias socializam os jovens em uma vida acelerada
compatível com a velocidade das mudanças sociais e culturais. Ao final, se produz uma
fatal confluência entre o crescimento das administrações, inercial posto que ninguém se
preocupa em colocar-lhe freios, algo que se veria como politicamente incorreto, dada a
tempo em que o faz o rio da informação proporcionada pela rede. Incapaz de assimilá-
“fontes”, ou os não menos perigosos, pesados, velhos ainda que mil vezes repintados,
da forma e da técnica.
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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A lógica do procedimento que se aplica ao trabalho de pesquisa é duplamente
lógica envolvente dos procedimentos normativos aplicados aos trabalhos tem letra
miúda, que deve ser observada com lupa constantemente, esbanjando uma energia
escassa que deveria ser utilizada em outra parte. Não é somente questão de energia, mas
da comodidade. Basta deixar-se levar, com as normativas sempre à mão, sem perguntar-
nos pelas exceções, sem necessidade de questionar os passos e as regras, e menos ainda
que mais aceitarem este jogo “pensem” menos, sejam menos arriscados em suas
seus desejos, se permitam menos dar uma oportunidade a suas ideias mais loucas sobre
fazer parte do grupo de iniciados que aspira a ter um título superior que os eleva do
resto do mundo, de transitar os níveis mais altos de uma universidade, que é o nível
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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mais alto do sistema educativo, escada ao céu, um céu que não se sabe muito bem em
que consiste porque nunca se pensou nisso e que precisamente por não ter refletido a
ação de cada um seja totalmente impessoal, o que significa que não se pode permitir
enquanto caminhamos pela rua ou quando estamos deitados, com suas associações
extravagantes, é uma loucura para a qual não estamos dispostos. É muito melhor
funcionar com a ordem que regule as tarefas e os objetivos, ordem nos horários e ordem
nas leituras. O procedimento ordenado manda ordenar as ideias como regra básica. As
ideias dos outros, não as nossas. O artifício dos procedimentos casa bem com o
paradigma da pesquisa como montanha tomada de obstáculos artificiais que podem ser
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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A biblioteca é uma instituição regida pela ordem.
Queremos dizer aqui que o pensamento deve ser submetido a certos patamares e
sentir-se bem nas bibliotecas, protegido por tanta sabedoria presente, morta, mas sempre
O investigador deve passar por uma etapa de iniciação na qual deve lutar com a
São raros os pesquisadores que sentem claustrofobia nos espaços sagrados dos
livros. Toda uma complexa concepção da cultura, da qual aqui somente podemos
Daí o sucesso das bibliotecas com espaços reservados para pesquisadores e daí o
sucesso dos livros que ensinam como fazer uma tese, baseados na idolatria dos
Como se faz uma tese? Vamos ao ponto, ao capítulo que explica o “Plano de
trabalho”. Este deve ser preparado minuciosamente, com um esquema prévio onde se
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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aparecer fugazmente a imaginação sequer nos títulos dos capítulos, inclusive nas
Mas este período não dura muito. É provisório, precisa da ajuda do professor e
uma união de termos que diz tudo. O procedimento a seguir consiste em resumir as
ideias dos outros sobre o tema para tentar combiná-las de forma particular. Poderíamos
dizer original, e essa é precisamente uma das justificativas oferecidas pelo sistema
acadêmico aos aprendizes para acalmar sua insatisfação. A verdade é que a combinação
de citações de 50 autores, e não digamos 100, são infinitas, mas irrelevantes. Se trata,
menos) à mão.
Umberto Eco explica como se deve fazer uma ficha, que nomenclatura seguir,
como, enfim, havíamos proposto “um pequeno fichamento bibliográfico” e agora nos
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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humor: “verdadeiramente é necessário fazer todos estes fichamentos? Naturalmente que
Ufa! Suspira o aprendiz (eu, por exemplo, quando fazia minha tese nos anos
oitenta do século passado, pois o livro de Eco foi publicado em 1977 e continua sendo
uma atenção especial. Nela reina, além do silêncio, a ordem (o silêncio é o cadafalso da
ordem). Não existe lugar sobre a terra mais ordenado que uma biblioteca. A ordem
elevada a sua máxima potência causa, desde que se entra no recinto, uma sensação de
estudante -, quando enfrenta pela primeira vez o desafio de escrever uma pesquisa que
aspira ocupar um pequeno espaço nessas torres sagradas que encerram a história da
Passados alguns instantes necessários para digerir essa dupla emoção, experimentamos,
como satisfação e rastro que deixa a primeira impressão do perfume recém sentido, uma
sensação desconcertante: o absurdo. Como tudo em excesso, a super ordem que reina
nas bibliotecas parece burlar-se de nós. Sequer por um segundo, ao dobrar um dos
corredores ao levantar a vista até uma prateleira inacessível, nos parece vislumbrar um
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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uniforme; cada livro é de quatrocentas e dez páginas; cada página,
de quarenta linhas; cada linha, de umas oitenta letras de cor preta
(Borges, 2011: 137-138).
Mas esta sensação de ordem kafkiana que beira o absurdo também passa com o
tempo, à medida que avançamos, dando passagem, talvez aproveitando que nos
pensamos que, entre todas essas estantes, estão contidos todos os segredos do mundo,
portanto, todos os sortilégios para acabar com todos os problemas dos humanos.
Isso deveria incluir o pequeno, modesto problema que nós, como aprendizes,
queremos pesquisar. A fantasia de que ali estão todos os ingredientes que necessitamos
para alcançar nossa particular e modesta fórmula nos satisfaz. Certamente que há que
procurá-los na selva de livros, mas ali estão. Talvez seja como procurar uma agulha em
um palheiro, mas ao menos já sabemos onde está o palheiro, é mais, já estamos dentro,
cochilo.
livros, não muito longe da cena imaginada por Borges: “à esquerda e à direita do saguão
biblioteca das bibliotecas, tal e como imaginou Borges em seu relato A biblioteca de
e periódica, ao cabo dos séculos nos daríamos conta que os livros voltam a repetir-se na
mesmo desordem, a qual, “repetida, seria uma ordem: a Ordem”. E o autor acrescenta,
arrematando o relato: “Minha solidão se alegra com essa esperança” (Ibid., p. 145).
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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alegria da pseudo-originalidade aludida e que agora se compreende melhor: com nossa
obra reproduzimos a Ordem. Nosso trabalho de pesquisa é apenas mais uma palhinha,
mas não totalmente igual às outras palhinhas. Esse não totalmente representa 0,001%
quando muito, mas com isso nos conformamos, pois ao menos nossa obra-grão de areia
modestamente.
Pequena vitória sim, mas única sombra de esperança que alegra o deserto da
solidão por onde passa seu obrigado e sacrificado retiro, o iniciado nas artes da
pesquisa.
A Ordem nos possuiu e pariu em nós uma obrinha com os conteúdos muito bem
ordenados e contidos.
podemos encontrar em nossa longa travessia pelo deserto da investigação. Sem dúvida,
levantada na solidão do deserto. Isso já havíamos combinado. Mas ali não há pedras à
de forma solitária os pesquisadores. Marcam suas lápides com graffiti, inscrições que
permitem identificá-las, dado que todas estão cortadas com o mesmo padrão.
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Na margem da página 137 do libro anotarão:
mesmo modo, em vosso plano de trabalho anotareis, referindo ao parágrafo 4.5.6.: Cfr.
deserto. O processo de arrastamento não tem maior complicação ainda que não esteja
isento de riscos, depois de tudo podem chegar a pesar muitos kilo-bits. Podem nos
computador -. Outro risco: podemos trabalhar toda uma jornada em uma pedra e logo
pode cair de repente, com todo o sistema no qual estava apoiada (a isto se conhece
Em todo caso, se supõe que com a passagem dos dias e das horas, as lápides com
tumba. Há que comentar que no segundo caso o operário coincide com o destinatário da
obra, ou seja, o operário pensa que é o faraó. Os faraós pensavam que eram deuses e,
Claro que também poderia ocorrer que a obra acabaria com o operário não em
um sentido figurado, mas literal, que a pessoa deixasse a pele na tese, já fora no solar de
de um livro[…]. Agora que meus olhos não podem decifrar o que escrevo, me preparo
para morrer a umas poucas léguas do hexágono no qual nasci (BORGES, 2011, p.
138).
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E acontece que a grande biblioteca é uma matriz simbólica, Terra no feminino
O pesadelo do pesquisador é morrer lapidado, que lhe caiam por cima, enquanto
É também o pesadelo de seu herói favorito, Sísifo, que poderia perecer aplastado
então por sua carga, expressando dessa forma o risco constante que ameaça o trabalho
de todo pesquisador: passar de arrastar a ser arrastado pela matéria (supomos que
informação digital). Sísifo é congruente com o modelo piramidal. Sendo a pesquisa uma
pirâmide foi possível armazenar tantas pedras que temos um pequeno canteiro onde
meio de uma das estações do Calvário. Se levantamos a vista e vemos o plano inclinado
desde a perspectiva interior, sentimos que a obra vai deixando de ser nossa obra e cobra
vida própria, de forma tal que não somos nós quem à vontade se involucra, e nos
encerramos para refugiar-nos do mundo, mas ela se fecha sobre nós a seu próprio
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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capricho. Temos a amarga sensação de que podemos ser suas vítimas, de que talvez
confiamos demais, como esses insetos devorados pelas atrativas, mas letais, corolas das
A relação de todo pesquisador com sua obra esconde, por conseguinte, sempre
algo de sinistro. Tem a cara do amor, mas também a do ódio. Oferece a recompensa da
criação, de dar vida, que talvez seja a mais mágica que existe, mas em troca exige correr
o risco da morte, ao menos como sonho percutor. De alguma maneira, na obra vai-se
gasta depende da envergadura da obra. Quanto mais ambiciosa, mais imposto vital se
cobra. Uma pirâmide deve cobrar o tipo máximo. Se a isso somamos que o pesquisador
passa a vida obrando na biblioteca, e depois dentro de seu próprio mundo piramidal, que
é virtual, porque está dentro de seu computador, mas muito real, concluímos que cada
pesquisa que nos propusemos a desvendar. Todo trabalho de pesquisa aspira a ser uma
pirâmide, ainda que seja de brinquedo, como quando se diz que é um projeto. Nese
caso, é um projeto de pirâmide, uma pirâmide em potencial. Outra coisa é que pretenda
quinta, una dessas pirâmides que se confundem com as dunas. Não importa, o que conta
Todo trabalhador trabalha por empreitada para seu único dono e senhor, o deus
Eu, idolatrado, como se fosse um faraó pertencente à dinastia dos cientistas modernos,
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Todo trabalho de investigação, como toda pirâmide, deve estar envolto de
mistérios. Os mapas, as chaves para decifrar os hieroglíficos, existem mas resistem a ser
divulgadas. De fato, o leitor, o cidadão, habitante humano das cidades nas ribeiras dos
e a diversidade, frente à uniformidade que se desprende como uma pista que vai ao
Hesse -, oposto ao cristão monoteísta. Por último, na ribeira, a raça dos pesquisadores
estarem em contato com a divindade, portanto, com a verdade, somente a eles revelada.
Daí o esoterismo que rodeia o saber superior caracterizado em suas origens pela magia e
chaves para conhecer o mundo e, portanto, o poder para manipulá-lo. Se tal coisa fosse
fácil, qualquer um poderia fazê-lo. Mas o poder é escasso por definição. Por isso, pese a
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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que o cidadão comum se congratule por ter acesso à educação formal, se frustra ao
tentar decifrá-los. Não é suficiente poder entrar na biblioteca e tocar o livro. Ainda que
modernos, foi precisamente esse, o de que a ciência poderia divulgar suas investigações
sendo trabalhada em obras que se esforçam por atesourar segredos difíceis de entender,
que todo graduado pesquise, mas é como abrir as portas das pirâmides aos turistas.
O sistema acadêmico está organizado para permitir que o pesquisador acabe seu
conversa de café, lhe perguntemos quais foram seus resultados, literalmente, que coisas
encontrou? E não saiba nos responder, ou venha com desculpas: “Bom, a questão é
complexa…”. O que quer dizer que não pode – ou não quer - compartilhar seu saber
conosco, com o qual não se pode evitar de creditar entre os interlocutores a sensação de
que o pesquisador flutua no ar, de que, de alguma maneira, é superior ao resto de nós,
escatológica dos prêmios, envolto de forma paradoxal (e por que não dizer, pérfida) em
pesquisar, como o de Umberto Eco. Este autor escreveu um famoso romance nos anos
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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oitenta do século passado intitulado O nome da rosa. A rosa, observou depois, tem
tantos significados na história da humanidade que, por isso mesmo, perdeu todos.
“Assim, o leitor ficava desorientado e com razão… O título deve confundir as ideias,
Dito assim, parece que a escrita é um assunto divertido, um jogo. Claro que se
fosse assim, seria do tipo brincadeira, uma brincadeira para a qual talvez o leitor não
Tipo adivinhação, por isso precisa da pesquisa, por isso a escrita é pesquisa,
O autor dá como certo que o leitor aprecia essas brincadeiras, que encerram um
componente não só esotérico, mas também sádico, porque pode ser que você fique com
pela pesquisa, teremos que reconhecer que esta última foi manipulada, utilizada a
A citação anterior foi retirada de um livro publicado pelo mesmo autor, pouco
depois de lançar seu romance, Notas sobre O nome da rosa. A razão lógica para
escrever um livro sobre o romance de um sucesso nada comum, é que se quer esclarecer
algo sobre ele. Mas neste caso, o autor nos avisa de que não vai revelar o mistério, que
não é isso o que pretende. É este fenômeno extraordinário o que nos permite qualificar a
atuação do autor como jogo imposto e estranho. Para ele, “o narrador não deve facilitar
interpretações de sua obra” (Ibid., p 9). Isso é tarefa, se supõe, nesta concepção, do
leitor, que volta a sentir sobre seus ombros o peso da leitura como uma carga.
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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O que aconteceu aqui? Sísifo, o escritor pesquisador, decidiu compartilhar um
pouco de sua dor com o público, decidiu projetar ao leitor seu padecimento. Sejamos
dividir a dor, como a mãe que roga a Deus padecer ela a dor física de um filho. Talvez,
parte dos leitores estivessem dispostos a compartilhar algumas das feridas com as que
acabou o herói escritor pesquisador seu perigoso périplo pelos distantes desertos; talvez
comprar o livro, se o prazer que a leitura proporcionara fosse importante. Mas vemos
aqui que tal coisa é impossível, que a dor sentida pela criança enferma é pessoal,
extraído da leitura é relativo, pois é proporcional à igualdade como base sobre a qual se
não se compreendem, se não houver clareza, então não haverá igualdade na base,
porque poderá haver um calote. A clareza não és somente a cortesia do filósofo, como
pensava Ortega y Gasset, é algo mais, é a única cláusula que garante o respeito pelo
leitor.
escritor pesquisou, mas não pode comunicar seus achados. Entretanto, acabou seu
trabalho de pesquisa, pelo que se supõe que obteve resultados. Ou não, porque não o
mesmo se nos forem negados diretamente ou que nos digam que devemos imaginá-los.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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dura travessia pelo deserto que implicou o desenvolvimento da pesquisa foi uma viagem
Não havíamos de encontrar o Santo Grial, pois tal quimera era somente uma
resistir a corrida, suportar o sofrimento. Isso é o que distingue o herói, mais que as
escrita serve para separar os melhores do resto, as elites intelectuais dotadas do povo
lenda de professor maluco, de gênio misantropo, de escritor intratável, são todas elas
seus estágios mais primitivos. Pode ser que, de forma inconsciente, esta leitura, esta
interpretação que aqui fazemos de Umberto Eco, autorizados por ele mesmo, posto que
mas antes que isso (e sobretudo depois), é pesquisador, autor de Como se faz uma tese.
outra situação real na paródia do sumo sacerdote explicando a religião do Signo, como
cultural.
Parece então bastante provável que se o café ao que antes fazíamos referência, o
tomarmos com um discípulo de Eco que acaba de terminar sua tese doutoral sobre
semiótica, tendo seguido sua guia de procedimentos e plano de trabalho, e sentindo uma
certa admiração por seu mestre de forma que tente imitá-lo em algum dos aspectos de
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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sua personalidade (em algum de seus habitus) – não sei, talvez nos gestos, na
universidade mais antiga da Europa, símbolo do saber superior, esse que, como
observava Veblen na última parte de sua Teoria da classe ociosa, é superior aos saberes
espectro, conseguem unir, o que tem um certo cariz de proeza histórica, a velha
Superior, sob certa mentalidade tão tecnocrática que lhe granjeou numerosos detratores
intelectuais, não deve nos despistar. Bolonha, como símbolo ilustrativo da essência da
enganosa. Na Espanha, por exemplo, a educação obrigatória ostenta uma alta taxa de
fracasso escolar, que flutua ao redor de um terço e resiste a baixar de forma decidida e
sustentada. Realizada a conta da composição social do alunado que fracassa, e dos que
deve ser compatível com a função social, tão velha como Bolonha, de selecionar entre a
população aqueles que ocuparão as melhores posições sociais e econômicas, ainda que
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seja para repartir as miseráveis e migalhas da crise econômica, e com independência da
mistura exata e a reconversão efetuada em cada caso individual entre méritos e heranças
desigualdade social.
romance de Umberto Eco, qualificada pela crítica, entre outras coisas, como um
história social da universidade. Se este professor italiano foi proposto pelo Corpo de
Causa, o que supõe a culminação exitosa em vida, de uma carreira universitária com a
dizendo: “En librum apertum, ut scietiarum arcana reseres (Eis aqui o livro aberto,
Logo em seguida, lhe mostra o livro fechado e formula: “En clausum, ut eadem
prout oporteat in intimo pectore custodias (Ei-lo fechado, para que referidos segredos,
Somente então o padrinho lhe entrega ao novo doutor o libro, não sem antes
acrescentar a frase central pela qual lhe outorga o poder do saber: “Do ibi facultatem
interpretar)”.
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Inclusive, se nos afastarmos do contexto secular da atmosfera humanista das
filosofia, dos quais emana a interpretação dos símbolos como disciplina oficial, e
tecnologia, a ideia exposta não se veria ameaçada, mas reforçada. Porque a tecnologia
também representa um saber mágico, posto que o interior das tecnologias está cheio de
mistério para o público. Steve Jobs, o famoso gênio, guru ou visionário da Apple, como
descrito frequentemente, sobretudo depois de morto, não se via como um vulgar técnico
significativamente para nós de O caminho de Steve Jobs, observa que, no mundo dele,
os produtos não são criados por pessoal sustentado “por um rebanho de engenheiros ou
artesãos que colocam suas mãos e convertem as ideias em produtos funcionais”. Longe
deste enfoque, continua: “Steve compreendeu que a inovação […] precisa ser
evangelizada” (ELLIOT, 2011, p. 177-178). Ou seja, suas qualidades não eram atitudes
que pudessem ser treinadas, faculdades racionais. Na verdade, era capaz de ver coisas
pessoalmente pelo mistério do câncer em sua vida privada. Era difícil chegar a ele. Seu
meio era, como o de Eco e o de tantos famosos pesquisadores, o deserto, não o rio.
Uma última prova da coerência da interpretação aqui sugerida é que Eco odeia o
massas. Em realidade, desde sua perspectiva subjacente do investigador como herói, era
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Adotando supostamente uma atitude de intelectual crítico, Eco rejeita o Super-
Homem pela sua falta de passado e de futuro. Estando atado ao presente, seria incapaz
de lutar pela mudança social, promovendo ainda o valor da submissão (ECO, 1988, p.
O que significa que o personagem carece de passado? Quer dizer que carece de
universo de valores burguês (como as duas categorias de sexo)? Carece de Origem? Não
um criptoniano sem papéis não vai ser tratado com os mesmos direitos que um humano?
Por outro lado, a falta de futuro poderia estar indicando a preferência ante uma
aparece como um corte transversal da vida cotidiana, na qual o Bem luta contra o Mal
cópia do Eterno Retorno, o mesmo que, diga-se de passagem, ilumina o final do relato
de Borges sobre a biblioteca de Babel. Sua natureza especial, entretanto, não é relevante
como as dos personagens das telenovelas. Estas últimas também funcionam por
capítulos seriados com uma circularidade básica conflitante que admite variações na
fórmula de alternância, segundo o número de batalhas ganhas pelos maus e pelos bons.
Assim se apresenta a vida, definida por sua insegurança, uma concepção filosófica
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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realista especialmente compatível com a interpretação sociológica de nossa sociedade
passada. Frente a esta visão, opõe-se aquela outra que, a partir do idealismo, contempla
a vida como uma linha de progresso que vai até a utopia. Aqui não se encaixam nem os
super-heróis, nem os intra-heróis. Aqui somente se encaixa o herói, esse cujo problema
A crítica de Eco ao presente, a partir do futuro, muito bem poderia ser invertida.
A obsessão pelo futuro faz com que nos esqueçamos do que ocorre neste preciso
momento a nosso redor. E é aqui e agora, no presente, onde habita o sofrimento e onde
urge a chamada a nossa responsabilidade moral. O presente é o único tempo que tem
Se intui o perigo para o pesquisador, pois este, enquanto herói, não pode evitar
como todo romance deve tê-lo tradicionalmente, como toda humanidade tende a um
final feliz. O adjetivo feliz não é o de menos. O adjetivo é o que se contagia. Para o
momento no qual ele se permite certo prazer. Acabar uma tese supõe acariciar certa
pesquisas na mesma linha implica algo mais que uma falsa modéstia, politicamente
por uma vaidade que cresceu de maneira diretamente proporcional à distância e dureza
da prova, até perder o juízo e o sentido da realidade. Daí que quase todo pesquisador
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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principiante, como quase todo romancista ou autor de qualquer gênero na mesma
humanidade, sustentada neste preconceito idealista. As batalhas ganhas pelo Bem não
têm o mesmo valor que as ganhas pelo Mal, como em Super-Homem, nas telenovelas
ou na vida real. Os ganhos vão se acumulando, as forças vão se somando, como se fosse
um exército poderoso cuja fama lhe outorga a dupla vantagem psicológica do medo dos
forma, entre os cientistas se adverte um gosto pelas metáforas militares nas quais se vai
convertido em inimigo.
longo caminho até a felicidade, ao final de sua carreira, como a humanidade caminha
até o seu, próprio e geral, em um bonito caracol holístico ideal, onde todos os
um pedaço do bolo do triunfo, tão desejado com a conclusão do seu trabalho. Para isso,
devem ser aceitas as regras do jogo, aceitar que o curso do trabalho ou da obra, como o
história de uma superação (dentro da história da superação) possa ser entendida como a
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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um herói. Não em um herói qualquer, obviamente não em um herói de massas, posto
que as provas de iniciação não são feitas para maiorias, por definição, nem tampouco
natureza.
retrofuturismo expressado por Eco, bem que poderia ser contemplado no espelho de
muro pode ser interpretado como a cronificação do dualismo passado e futuro, incapaz
por cima de uma muralha desgastada pelo tempo, mas com força suficiente para
boa imagen de alta cultura. Na fotografia se lê que não pode descer, pese aos ataques
promessa de democratização cultural, porque não pode resolver com êxito a contradição
câmara blindada (toda biblioteca tem uma, de acordo com suas possibilidades), seus
tesouros, pequenos ou grandes, os livros que mais se aproximam ao Livro Total (os
frascos onde se guarda a essência da pesquisa pura, fragmentos da pedra filosofal). Mas
fetichista dos livros de papel, vestidos com seus melhores trajes antes de dormir o sono
http://www.elcultural.es/galerias/galeria_de_imagenes/408/ARTE/La_Cronologia_del_ruido_de_Pablo_
Genoves
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Toda biblioteca está hierarquizada: em seus espaços más pobres. Deste modo, a
subjaz, mas não para implantar uma cultura equilibrada da mesma espécie, senão para
voltar a uma época de barbárie na qual a cultura já não cumpre com a função de
fotógrafo citado. Suas composições digitais – lemos - mostram a desolação dos espaços
2012). Pois bem, não deveríamos esquecer que todos esses espaços de poder, contudo,
são atraídos, ao final da modernidade, pela órbita da esfera cultural. Acredito assim que
o conceito de ruínas futuras é muito conveniente para nosso caso. Porque os indícios, as
pistas que hoje temos, acerca do futuro, levando em conta os “precedentes” do século
utopia.
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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ambiental como no plano social, é a ruína, o cumprimento da profecia de Nietzsche:
Se queremos mudar esta visão, temos que abandonar o prisma pelo qual
A pesquisa precisa estar centrada nas urgências do presente, não perder de vista
o objetivo de diminuir o sofrimento das pessoas, mas sugerido não como um objetivo
necessário fazer o possível para permanecer com a pele da consciência, posto que a
céu impossível; uma nova perspectiva menos estressante na qual se recobra o sentido do
prazer além das superfícies e tempos lúdicos autorizados; na qual a pesquisa recupera
herói.
seu romance. A paixão pelo procedimento normativo é proporcional àquela que se sente
pela técnica.
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Existe uma relação entre o papel da técnica, em geral, como debate que tanto pó
técnicas, agora no plural, prescritas e recomendadas (as duas coisas) nos trabalhos de
pesquisa.
pesquisar, ou nos cursos preparatórios, que até se saem do seu curso normal e justificam
relação aludida com o papel da técnica na vida moderna somente pode ser entendida,
fundamentais, mas como acontece em outros casos, tal espírito democrático se desborda
eufórico pela vitória conseguida e faz sentir seus efeitos de ebriedade sobre as coisas
falácia é evidente, mas a crença segue viva, o que não deixa de ser curioso se pensarmos
que não estamos falando da técnica para construir barcos ou casas, mas obras de
pensamento. Uma vez mais, se demonstra que em casa de ferreiro, o espeto é de pau. Na
casa dos pesquisadores, é mais, na casa da alta pesquisa, na flor e nata do pensamento,
este somente se usa dentro do trabalho, mas não no trabalho. Ou seja, o pesquisador usa
o pensamento, como não poderia ser de outra forma, para implementar suas tarefas, para
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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não o usa para pensar em como o faz e se poderia fazê-lo de outra forma, nem tampouco
recebidas são absurdas, irracionais ou inclusive pouco humanas e, nesse caso, como
poderia burlá-las sem colocar em perigo seu interesse honesto pela questão que
Talvez não o faça como mecanismo de defesa. Porque usar o pensamento para
todas estas questões sobre seu trabalho, mas que vão além do mesmo (meta), ademais
de levar tempo, levaria à conclusão de que perdeu tempo, pois as obras baseadas na
mera aplicação das técnicas não podem ser originais, não aportam grandes inovações.
Se fosse assim, qualquer um poderia fazê-las. Qualquer um levaria seu filho à melhor
escola de letras desde pequenino e este sairia, anos depois, um Cervantes. Ou estudar
em Harvard garantiria o prêmio Nobel. Dizer isto não é defender que o gênio na
sistema de pesquisa estão erradas, posto que não só não facilitam o desenvolvimento da
os asfixiam. Da mesma maneira que você pode dominar as técnicas da escrita criativa e
ser incapaz de ter ideias originais e expressá-las de forma bela e precisa, você pode
conhecer as técnicas de pesquisa social e fazer uma tese sumamente medíocre na qual
complexas.
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Quando levamos muitos anos pesquisando e resolvemos, ainda que seja
Quando nos interessa uma questão determinada, não deveríamos nos preocupar
quando comprovei sua volatilidade, seu constante desenvolvimento que exige uma
reciclagem perpétua que drena uma energia e um tempo vital para o investigador.
Escher: “A técnica requer demasiado tempo e empenho de parte de quem, com direito
ou sem ele, acredita (como eu) que não se tem tempo a perder” (ESCHER, 2002, p. 6).
Pergunta: Durkheim precisou do SPSS para desenvolver sua tese sobre o suicídio?
“banco de tempo” entre pesquisadores, pedir emprestadas bases de dados ou, em última
instância, recorrer aos milhões de enquetes que circulam pela rede para “conseguir”
(conseguir como forma de vida facilitada pela sociedade-rede) algum dado que permita
caso anterior, de maneira que permite fazer entrevistas de diversos tipos, com a ajuda da
participante, ou inclusive das técnicas qualitativas, para justificar seu uso no trabalho,
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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desenvolvimento e as conclusões da análise, como uma etiqueta colada em um pacote
que o próprio capítulo de metodologia já parece unido à força na maior parte dos
trabalhos de pesquisa, o qual é uma arbitrariedade absurda porque não há uma relação
dos poucos momentos gratos que salpicam as tragicomédias das bancas nas quais se
julgam as teses é quando precisamos ler um trabalho no qual o pesquisador fez muito
com pouco, de uns quantos grupos de discussão levados com sensatez e empatia, e
organizados por critérios ditados pelo senso comum; ou de uma história de vida, soube
ordenando-as em dimensões coerentes, uma vez mais segundo lhe ditava a pura lógica.
com apenas nada, sem arranjos nem produções dispendiosas, inclusive com poucos
acordes, inventaram os melhores temas. Sem dúvida, algumas das canções mais belas se
pelo senso comum, desenvolvem sua imaginação ou cultivam a arte da empatia, tão
imbuídos que estão da mentalidade tecnocrática, tão (mal) educados estão na arte do
depois de mais de vinte anos de pesquisas. Entretanto, o passar do tempo não garante a
imunidade, da mesma forma que tampouco evita nossas manias, quaisquer que sejam
elas. De qualquer maneira, acredito que está mais que justificado falar de preconceito do
método para aludir a uma crença obceca a comunidade científica e artística (este é um
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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Pois bem, um preconceito, uma crença falsa, não poderia ser descrita como uma
alucinação? E por ser assim, esse estado transitório deveria se resolver, nos casos mais
Vejo refletida esta experiência de Escher quando me vejo obrigado a fazer parte
linguagem politicamente correta, pois a tendência de suavização não chega ao nível dos
atos, que são tão violentamente simbólicos e sádicos como antes ou más) de Dissertação
de Mestrado, muitas dos quais parecem puros relatórios técnicos feitos pelos burocratas
específicos e estratégias múltiplas, quadros e mais tabelas com atores de todo tipo,
por um bairro ou distrito rural fantasma. Durante sua leitura, e perante a penosa
possível paralelismo, nem na definição do objeto com o qual ambos trabalham, nem nos
curar, nem um bolo a repartir, nem um sítio para administrar. “Não se trata de conseguir
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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que funcione melhor – a partir de que objetivos? Para que grupos? – Mas sim de
atual funcionamento, o qual, sob outros supostos, poderia funcionar de outra maneira e
seguir outras leis diferentes” (LERENA, 1985, p. 225). Posteriormente, durante a defesa
conteúdo, nos modelos formais que na ideia que lhes preocupa e que, posteriormente,
aparece como enterrada, aplastada e deformada pela aparelhagem. Há que colocar muita
atenção, efetivamente, para poder reconhecer nela algum rastro da beleza ética com a
coisa não tem remédio, tento em minha intervenção, mais que recriminar, chamar a
atenção sobre o perigo da obsessão com a forma e os meios, tomando como base a
sensação expressada por Escher e que alguns compartilham plenamente, após um longo
impossíveis pelas suas sugestões, opostas à arquitetura funcional pensada para gerenciar
massas que encontra seu correlato no estilo acadêmico. Não em vão, a paradoxal e
estranha, mas sumariamente atrativa arte de Escher, devém de uma “potente imaginação
(FELLOWS, 1995 p. 7). Pudera que esta mesma comentarista exagere ao opinar,
ademais, que o pintor holandês seja “talvez o único artista do século XX que consegue
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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superar o abismo entre a ciência e a arte” (Ibidem). De qualquer modo, ambas opiniões
Voltamos outra vez à mesma ideia: o equilíbrio alcançado por alguns criadores
literárias que propõe nos colocam no mesmo não-lugar de Escher, abraçando o possível
e o impossível.
procedimental.
minoritários. Dado que a burocracia é cada vez maior, seu gélido espírito converte a
como destino malfadado da modernidade, se faz cada vez mais presente. Pelo visto,
seus comentários – como os de outros intelectuais críticos - não serviram para corrigir o
Sua defesa da beleza não faz parte das causas perdidas da retórica romântica. De
fato, aqui se sustará que é preciso ter um cuidado especial no momento de interpretar o
Vamos ver que não devemos dar carta branca, em nosso desesperado intento de
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Devemos buscar sua companhia, mas com desconfiança. Antes de dar-lhes a
mão, devemos submetê-las a certas provas, deve-se desvesti-las para demonstrar que
veem obrigadas a amontoar-se por causa de construtores que somente buscam ter lucro
com o menor custo e, perante a passividade dos políticos, ou por ação deles; um
referências. Da mesma forma, o escritor não deveria ficar obcecado pela originalidade,
por fazer coisas diferentes, buscando em cada impulso criativo mais a extravagância que
mas não suficientes. Também não seria certo refugiar-nos nos formigueiros de alguns
bairros comerciais para fugir dos cemitérios. É necessário que nos acostumemos a certa
solidão, aprender a aproveitar seu sabor agridoce, especialmente se vai escrever algo
pessoal, é através do conceito de Livro Total. Se seguimos Barthes, tal desiderato, como
fórmula mestra, pode ser destilada em duas bebidas aparentemente opostas: o Livro
Essência e o Livro Puro (Barthes, 2005). Este encerra uma essência de saberes, o sonho
até o final da aventura, que encontrou com O Objetivo, não com um concreto, mas com
o tesouro mais bem guardado pelos arcanos do mundo, com a Pedra Filosofal. Em
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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nenhuma época se evocou tanto este ideal como no Renascimento. Ali, o homem
essencial” (Ibid., p. 251). Barthes destaca o exemplo do livro sonhado por Mallarmé. Na
nossa época e entre nós, podemos encontrar alguns casos resenháveis, como o trabalho
versos com o qual o autor fecharia definitivamente sua obra, aos 85 anos, segundo suas
uma das trajetórias mais longas e afamadas, pode servir de referência para nossa análise.
A contraposição com o outro modelo parece clara se observarmos a forma, pois neste
poema-livro não há pontos nem vírgulas, mas foram mantidos os sinais de interrogação
Mas, as coisas são tão simples assim? Podemos então afirmar que o modelo de
tese de doutorado e, por extensão, o mito fantástico que se esconde por trás dos sinais
ambos servindo de referência. Pois bem, posto que ambos são isso, extremos, o ideal
ponto de vista de sua evolução. Assim, quando eu escrevi minha tese de doutorado, nos
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Entrevista publicada no Jornal El País, em 7-01-2012, sob o título “O poema total”
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anos oitenta, um dos membros da banca estendeu a mão para ver quanto pesava. Hoje
orientadores.
páginas-telas em branco, mas na profundidade das ideias. O tempo que se leva para
escrever uma página “de alta qualidade” se multiplicou por dois, com o que o tempo
A capacidade de síntese estressa tanto como o afã por conquistar território (todo
território sonhado é branco, por isso aquele que é oferecido como estímulo para a escrita
livro” (Ibid, p. 249). Para nós, poderia significar que é permitido ao aprendiz de
pesquisador, hoje em dia, manusear um material muito mais perigoso do que há trinta
Essência ao Livro Puro. Daí sua cautela. Daí também sua ansiedade, de novo cunho. O
manejo de cada palavra é delicado. Uma falha, uma queda, poderia ocasionar a explosão
todo o capítulo, posto que já não se dispõe de uma planície extensa que possa amortecer
e dissimular.
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como na relação dos médicos com os pacientes, conta a lenda que se tende a um novo
trabalho de pesquisa. Isso poderia ser considerado como prova a favor da mudança de
referência para o Livro Puro, pois este impõe à força um componente subjetivo. É que
sua essência é tão concentrada, como no caso dos perfumes, tão explosiva, que remete,
criativa se encontra em seu grau mais puro. Nesse primeiro momento mítico,
necessariamente, o subjetivo precisa fazer parte do magma do objetivo. Pois bem, cada
trabalho de pesquisa, por muito modesto que seja, deve reverberar o som da Criação. É
poético. A poesia é considerada o rei dos gêneros, o mais nobre (sem segundas
intenções), o mais puro. A lenda rosa a define perante a opinião pública como a arte dos
sentimentos. Cabe, por fim, descrever uma emoção, escrevê-la, observá-la, colocando-a
livro de poemas é, pois, o candidato que mais se acerca al Libro Puro. Sobretudo, se
individual e única, mas longa, um único poema que narra a gestação da vida, ou seja, o
que a vida ensinou ao autor. Nesse caso em particular, o Poema Total é como um
símbolo do Livro Total, porquanto entesoura, mais que vida, sabedoria. O suco extraído
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da vida do poeta é o conhecimento e teve que ser alcançado pela via da pesquisa. Neste
Mas as coisas não são tão simples assim. A história recente da epistemologia não
pode ser interpretada como uma simples substituição de modelos. O fato de que não
sejam poucos os que se veem tentados a entende-lo assim, deve-se a uma necessidade
assim como é mais fácil acreditar em fadas. Vamos a uma sociedade melhor, porque
temos mais direitos. Caminhamos para uma sociedade do conhecimento, como prova o
com os acadêmicos que, tanto em sua função docente quanto em suas tarefas de gestão
Puro (B). Com isso, a história entra em uma nova fase, muito mais justa e equitativa,
e que a falsifica. Nem A é tão mau, nem B é tão bom. Além disso, nenhum é tão puro,
pois A tem coisas de B, assim como B tem coisas de A. Isso provocará interferências
não somente nas maneiras, mas também entre as maneiras, aumentando a desorientação
dos pesquisadores.
também o motor dialético que a estimula. B seria o contraponto funcional que justifica
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forma borrada a má consciência da “palha” perante o “grão”, o sonho da transparência
sobretudo redentor.
O caso é que B promete mais do que pode dar ao cair em sua própria armadilha
publicado um poema em seu Manual de Infratores intitulado Summa Vitae, que foi
escolhido precisamente para encabeçar una antologia em 2007, com sua autorização. De
os verbos propostos por Barthes para falar do Livro Total) rubricar sua trajetória não
com una chave de ouro qualquer, ou seja, com uma obra mais, mas com A Obra, com
uma que a culmine sintetizando-a, um perfume novo, mas feito de ingredientes velhos e
concentrados, essência, não água de colônia, portanto, um livro muito mais explosivo.
interjeição, mas ponto e vírgula -. Entretanto, não pode evitar funcionar por
rememoração, não pode evitar uma ordem, ainda que seja de experiências relativamente
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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como se estivesse traindo o espírito do ideal que persegue: “Tenho medo do
tanto material, quanto espiritual. Por um lado, o temor de que uma crise acabe com as
médio ou longo prazo, em vão, pois não há garantia de que a fortuna acumulada não vai
ser dilapidada pelos herdeiros. Além disso, é mais provável que a acumulação se perca,
entropia. E se esta é a lei desde tempos imemoráveis, quanto mais não o será em uma
fase da história, como a que nos cabe viver ao final da modernidade, caracterizada pela
mudança, uma mudança que se faz crítica, que se associa à experiência de crise, com
capitalismo. Na verdade, sua vida longeva e seu trabalho de pesquisa poética lhe
permitiram sobrevoar essa modernidade e situar-se em seu final, em pleno século XXI.
perder tudo e cair na exclusão social. Esta conjuntura crítica, que não deveríamos, por
certo, subvalorizar, dado que sua definição, como tal, é discutível se atendemos a sua
duração no tempo e sua profundidade, apoia-se nas intuições do poeta que desconfiam
5
Nota da tradutora: A expressão surgiu em 2001, na Argentina, durante a grave crise financeira de 2001.
Corralito é uma restrição decretada pelo governo, que consiste em impedir que os cidadãos retirem seu
dinheiro dos bancos ao mesmo tempo, afundando o sistema financeiro. Maiores informações em:
http://www.eleconomista.es/diccionario-de-economia/corralito-financiero (consultado em 05.05.2-17).
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não. Os símbolos que utiliza para descrevê-las não deixam lugar a dúvidas. No poema
Summa Vitae se expressa às claras o temor de que após as essências da vida, não fique
nada: “Nada senão uma sombra/cruzando-se na noite com minha sombra” (BONALD,
2012, p. 297).
O modelo poético do Libro Puro não é tão puro, posto que bebe da acumulação,
ainda que seja para arrepender-se disso logo em seguida, o que lhe provoca
que sua razão de ser é simbolizar a antimercadoria, aquilo que não pode ser
comercializado, aspecto no qual coincidiria com a obra doutoral, e por extensão com
todo o trabalho de pesquisa, cujo valor de uso anula o valor de troca (é esta similitude a
que os define na esfera do Livro Puro). Caballero Bonald pertence, segundo os manuais
XX). Um dos representantes desse grupo ao qual se atribui maior influência nas
gerações posteriores é Jaime Gil de Biedma. Este último autor é também especialmente
digno de interesse, não somente por suas criações, mas também por suas opiniões sobre
politicamente correto, muito más do que o habitual. Encaixa bem, ademais, em nosso
comentário, posto que, entre outras coisas, chegou a ser qualificado, por exemplo, pela
a obra de Bonald.
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Entretanto, em outra entrevista, faz a dessacralização do conceito geracional
como categoria de identidade. “Eu não vejo – diz - a “promoção de 50” como a veem
decidimos nos lançar como grupo, em uma operação absolutamente publicitária, não
envolve seu “último” livro, exposto nas prateleiras, o que contém o definitivo Poema
objetivo das faixas e de suas frases de impacto, normalmente assinadas por críticos que,
por sua vez, são criticados pelos próprios autores (assim, Gil de Biedma: “Li muita
crítica e ainda leio quando não está escrita por teóricos da literatura nem por críticos” –
justificar alegando que não busca o enriquecimento, ou por que nasceu rico, caso de
muitos dos poetas santificados, ou porque se tornou esnobe e declara doar os direitos de
autor que poderia obter da venta de livros a alguma nobre obra de caridade (que na
versão moderna costuma passar por uma ONG). Mas com isso somente agravaria sua
situação de suspeito. O chamado marketing social é tão marketing como aquele ou mais,
da mesma forma como a fama e o desejo de glória, de imortalidade, tal e como vimos,
são o verdadeiro objetivo. Daí que a figura do poeta sempre esteja presente entre os
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chamados Imortais, ou seja, entre os membros da Academia de Letras de países com
a serviço da ideologia? O poeta pode admitir a pegada política em sua trajetória. Assim
Gil de Biedma esclarece: “Durante alguns anos fui marxista bastante ativamente”.
Mas, acrescenta, – e isto é o fundamental -, referido poema, “não fica aí, claro está,
senão, não seria um poema”. A poesia serve para demolir o edifício da Ditadura
obviamente que não. Em absoluto, não. E a missão da poesia nunca foi essa” (Ibid., p.
1285).
Certamente, encontramos autores cuja obra adquire sentido por seu conteúdo
político. Mas o que faz com que a poesia, assim como a pesquisa científica em geral, se
incline ao paradigma do herói, não é tanto a carga ideológica, como sua função social
messiânica. Para que esta última seja colocada em funcionamento, é necessário que seja
assumida voluntariamente por um poeta, ainda que isso não signifique que seja
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Veja-se a respeito meu artigo Zurita o el poeta como redentor (2012).
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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que da história. “A poesia estava toda escrita antes do mundo”, observava Emerson
(2010, p. 219). Ainda assim, esta concepção é demasiadamente ampla, seria necessário
separar o quefazer poético como diário do labor poético arqueológico que levanta
herói, por contraposição do pesquisador como anti-herói. Aqui defenderemos que tudo é
matéria de pesquisa e que não somente é falso, como também prejudicial para o
que a ela se dedicam. Tão idealizado têm o trabalho que, em vez de trabalho, o chamam
passar pelo semáforo, salvo nas piadas. Entretanto, deveríamos prestar atenção às
piadas, pois em muitas ocasiões nos ajudam a limpar a realidade de preconceitos. Mais
adiante, quando passaremos a expor nossa proposta, veremos como o simples gesto de
passar pelo semáforo é matéria de pesquisa e mais interessante do que parece à primeira
vista. O trabalho de pesquisa deve ter a aspiração de extrair o petróleo de baixo das
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encerra poesia sempre que, como destacava Emerson, tenhamos ouvidos finos. A
questão é que o ouvido pode ser educado. Todos podem pesquisar e tudo é pesquisável.
sem medo de uma obra de arte e dialogar com ela, imaginar o que diz, imitá-la,
inclusive exclamar “Eu também sou pintor!”, como reza a epígrafe de O mestre
uma linguagem que pode ser entendida e falada por qualquer um que tenha a
inteligência de sua própria linguagem. Com relação à arte, como se sabe, «não posso»
se traduz de bom grado por «isso não me diz nada». A comprovação da «unidade do
sentimento», ou seja, do querer dizer da obra, será assim o meio da emancipação para
aquele que «não sabe» pintar, o equivalente exato da comprovação sobre o libro da
“O poeta revela” – tal é sua missão - e não deve ser confundido nem com um
cronista, nem com um palhaço (COLINAS, 2008, p. 24). Com relação ao primeiro, já
vimos como este princípio teórico é desmentido pelo trabalho poético. Vamos nos
centrar agora nos outros dois aspectos que se complementam por oposição. Pois a
escola moderna durante o século XIX não se caracteriza precisamente por seu aspecto
lúdico. Pelo contrário, dado que seu objetivo mais urgente é a escolarização massiva, o
caminho mais fácil é empregar métodos marciais e hospitaleiros. Assim, durante esse
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Jacques Rancière, El maestro ignorante. Cinco lecciones sobre la emancipación intelectual, Barcelona,
Laertes, 2002, p. 38.
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século e o seguinte, a história da pedagogia estará salpicada de experiências inovadoras
contra a corrente estabelecida. Mas o público beneficiado será minoritário e seu destino
acabará sendo fazer parte de manuais que são estudados nas faculdades de pedagogia
decorando, para uma prova, experimentos que lutam contra o sistema sádico e
educação, que marcou o início da minha carreira (minha tese de doutorado pesquisou
uma escola pública e outra privada). Como parte de minhas obrigações, tinha que
encarregar-me de ser orientador dos estágios de alunos de pedagogia nas escolas. Não
podia deixar de surpreender-me com a organização das práticas docentes dos futuros
pedagogos, estabelecidas sobre a mesma base cínica e inútil. Nos manuais se repetia que
o objetivo de tais práticas era a observação, supondo-a como base da pesquisa. Mas
99% dos estudantes repetiam ano após ano os mesmos memoriais, com os mesmos
da escola, uma pura descrição dos órgãos do governo; também com um diário que não
era um diário, mas uma fotocópia da unidade didática observada pelo professor ou
professora em exercício. Nas primeiras sessões que mantinha com eles, tentava fazê-los
ver que deveriam remontar essa prática docente baseada na repetição e que precisavam
inovação pedagógica.
duas identificações centrais que marcarão sua concepção sobre a equação. Em primeiro
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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bom trabalho de pesquisa, um bom memorial, chega a ser incompatível com realizar um
mal-estar na escola. Basta que se solicite as atas do Conselho Escolar, o principal órgão
para que comecem as negativas. A partir daí, experimentará na própria carne que a
aplicar na sala de aula uma unidade didática original, idealizada por ele ou ela, que
posto que se supõe que precisa dar o exemplo (dar exemplo assim, portanto, da cultura,
mostrar-se ao espectador como uma unidade harmônica. Pois bem, acontece que todo
trabalho de investigação opera como uma contra-tendência àquela que pode prestar uma
grande ajuda ao pensamento sociológico crítico, dado que sua função é “contribuir para
que se feche a cortina na qual se representa a farsa e que os verdadeiros atores apareçam
Junto com a sensação de frustração, o aluno não poderá evitar, também, levar
para casa, em segundo lugar, certa sensação de monotonia rotineira e o tédio. Poucos se
dão conta de que a pesquisa é o único meio que garante a ruptura epistemológica do véu
ninguém lhes ensinou o que significa pesquisar, deixando-os à mercê dos fantasmas
Sem dúvida, uma das estratégias responsáveis deste feito é o uso da linguagem.
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tese, com a sã e intuitiva intenção de ter uma ideia do que precisa fazer, pode acabar
Quanto mais aprofundar o exemplo lido na tendência que representa, mais conseguirá
serve de parábola para ilustrar a verdadeira função de separação entre o povo e a elite de
experts.
O poeta, assim como o pesquisador, revela. Como o que revela são palavras,
sinais, é normal que não seja compreendido pelo povo. Na contracapa da obra
Entreguerras, nosso exemplo de Poema Total como Livro Puro, se elogia a “riqueza do
saber superior, da alta cultura. É mais, no contexto de dessacralização cultural que vive
o ocidente nos últimos séculos, a poesia parece alçar-se como o último foco de
resistência.
bruxo que conjura, mas também do tecnólogo que sabe como funcionam os aparatos
eletrônicos que nos rodeiam e do médico que prescreve receitas que o paciente não pode
entender, mas sobretudo do investigador médico que escreve livros com fórmulas que o
Obviamente, não se pode dizer que sejam textos muito divertidos. Neste sentido,
teses radicais como a de Grombrowicz são compreensíveis para uma boa parte dos
poemas que circulam por aí com o certificado de qualidade expedido pela academia:
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“quase ninguém gosta dos versos e o mundo da poesia versificada é um mundo fictício e
Esta afirmação se baseia sobretudo no argumento de que “os bardos de hoje”, “já
não podem se expressar porque devem expressar a Poesia” (Ibid., p. 29). Ou seja,
seríamos quase todos nós, os membros desta sociedade caracterizada, entre outras cosas,
A Forma com maiúsculas convertida em ídolo (se bem que de barro, pois sua
governo não somente político, como também trabalhista e inclusive pessoal, é algo
limitado por leis rítmicas que, ainda que não são as leis rígidas do verso regular, existem
A novidade não é o perigo, o novo é a forma que toma em cada momento e lugar
esse perigo. Mostrá-la, torná-la visível, não é tarefa fácil, toda vez que sua definição
global passa pela recomposição das definições específicas em ao menos três das
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dimensões sinalizadas: a da pesquisa, a de seus referentes acadêmicos e a do contexto
como pesquisador. Como mecanismo de defesa, estes acabam por projetar a ansiedade
sobre o leitor cidadão, erigindo-a como uma barreira invisível, mas muito real.
segredos, nos quais outorga superioridade social, e não é lúdica. Mas há que insistir em
algo: todos estes preconceitos que vão tecendo a lenda do trabalho de pesquisa se
educação. Daí que encontremos suas pegadas e seus efeitos muito antes de que o
linguístico aludido, por exemplo, não é outra coisa senão uma versão refinada daquilo
alunos de classe média. Já ali, muito antes de ter sido processados como objetos de
descarte pelo sistema de ensino, dadas suas probabilidades de fracasso escolar, intuem e
comentário que se verte como um balde de água fria sobre o futuro epistemológico da
subtítulo Ou da natureza das coisas. Existe tal coisa? O essencialismo que pulsa em
reflexão como a que se faz nestas páginas. Trata-se de mitos, de lendas construídas
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socialmente para manter posições de poder de certos grupos sociais. Resgatamos aqui a
(Ursprung), porque para o genealogista por trás das coisas não há nenhum segredo
essencial “a não ser o segredo de que não têm essência” (FOUCAULT, 1988, p. 18).
Origem e fim possuem uma existência fantasmagórica. O que existe é o véu ideal
coisas, lemos: “Um conjuro contra…”. Mas o leitor, assim como o pesquisador (o leitor
é, ou deveria ser, antes que leitor, leitor-pesquisador), teria que trabalhar, que pre-
ocupar-se, não por encontrar conjuros, mas por achar conjuros contra os conjuros.
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3. Construir de forma fraudulenta
em sua utilização a serviço da crítica. A perversão, neste caso, salta à vista antes de sua
própria causa, dado o paradoxo que encerra. Supõe-se que o trabalho de pesquisa, mas
também seu mais oposto e distante referente, como o livro de versos, aniquila seu
demais, ante o público leitor, começando pelos próprios colegas. O efeito causado é,
ruptura com a norma, e se apresenta como uma promessa de um mundo melhor, como o
foco interior (intelectual) de uma revolução que depois se estenderá ao contorno vital
externo (material). Acontece que se trata de uma falsa aparência, pois o corpo não deixa
escritas com um estilo acadêmico heterodoxo, mas que trabalham, sem pretender, para o
melhor conservador é o que não sabe, mas atua como tal, sendo superado, em todo caso,
por aquele outro que acredita não ser, mas atua como tal. A contribuição à manutenção
palavras ocas que atuam à maneira de corifeus da “voz cantante”, o modelo implícito
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que guia ao investigador em suas tarefas. Um exemplo temos em algumas das obras do
francês Jacques Derrida. Sua obra Tímpano, está escrita à margem da filosofia (de fato,
o livro onde aparece editado este ensaio se intitula Margens da filosofia) não somente
observarmos, veremos que nas margens das páginas vai se tecendo outro texto. Com
isso, se pretende uma escrita intertextual onde cada texto remete a leituras diferentes e
Nenhum dos meus alunos pode entender até agora o sentido nem desse, nem de
outros textos cujos títulos parecem mais aproveitáveis para um trabalho de pesquisa do
que a filosofia confluindo com a sociologia, como Políticas da amizade para uma tese
Outra das maneiras das quais a forma perverte a pesquisa através da fraude é
usando linguagens alternativas como material de apoio. Entre eles, sem dúvida a
matemática constitui a linguagem formal por excelência, daí que se converta na tentação
sentiram sempre com relação às ciências “exatas”. Posto que a razão é a suposta
meio do filtro dos números. Estes, junto com os símbolos que os auxiliam, possuem
o pesquisador combate o medo ao caos original do qual parte e ao que deve enfrentar
todos os dias. A segunda funciona como promessa: se é boa, a pesquisa (como a obra
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como quem contempla um exótico pedaço do centro da terra, matéria pura e original,
fetiche.
grandes fiascos que passam a fazer parte da história da ciência. No terreno científico, é
bem conhecido o escândalo que causou há alguns anos a revisão da parte matemática
como nós nos preocupamos em mostrar aqui, funciona igualmente como referente para
deixou de sentir a fascinação pelas qualidades matemáticas. Isto é algo que se reflete
não somente nas regras da métrica, cujo objetivo consciente é a ordem, mas também na
busca constante da essência em cada poema, que a leva em muitas ocasiões a obcecar-se
pela forma, como se acreditasse que o trabalho poético fosse puro contorcionismo,
movimento da ideia.
asfixiar o duende, de maneira que o poema oferece o mesmo triste espetáculo que
consegue enganar ao leitor relativamente, ou seja, ele pode ser induzido a comprar, ou
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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retirar o livro da biblioteca, ou “baixá-lo” da rede, mas não a seguir lendo,
contemplando-o, uma vez comprovado que a cápsula formal contém um bicho morto,
não invalida seu uso adequado. Em algumas ocasiões, seus sinais podem servir ao
pesquisador para expor uma ideia de forma contundente, clara, simples e eficaz.
Cumprindo estes critérios, alguém que estivesse teorizando sobre o amor na alta
modernidade poderia expressar, por exemplo, que o amor sem reservas poderia
Para ilustrar este ponto, alguém poderia pensar em uma quantidade máxima
no casal sempre que o próprio sujeito se amasse a si mesmo X+1. Com isso, poderia
1) Que o amor não é um jogo de somar zeros, de forma que se ganha ou se perde
tudo. Pelo contrário, podemos apostar tudo em uma carta, mas sem perder de vista um
plus de egoísmo;
pensar-se com certa frequência e na dimensão das fantasias, com pensamentos positivos
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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4) Em caso de que, no hipotético caso de se produzir a ruptura (a catástrofe), o
seguro não cobriria todos os custos, pois o dano seria sentido não somente com o
sofrimento pessoal, mas também com consequências reais que afetam as rotinas e os
produtos das ações da vida cotidiana. Viria a ser, por conseguinte, um seguro com
franquia. A vítima (e aqui o sujeito deve se considerar vítima por definição, inclusive no
caso de que ele seja culpado pelo choque e a consequente ruptura) é consciente, durante
o tempo do romance, ou seja, durante a duração do contrato, de que terá que pagar uma
parte, portanto, de que não poderá evitar o sofrimento, mas ao mesmo tempo, lhe
pois nesse caso, perante um possível sinistro total, não poderia suportá-lo, vendo-se
Pois bem, este exemplo poderia ser refinado ajustando-se a comparação com as
Aqui nos limitamos a descrever a ideia de forma sugestiva a esse respeito, mostrando as
obsessivo e rígido da linguagem lógica que a reduz à pura esclerose. Em uma posição
parecida, poderíamos considerar algumas das obras citadas aqui, como O cisne negro,
cujo autor, doutor em matemática financeira, opta pelo pensamento empírico baseado na
seus livros, não duvida em ridiculizar o “estereótipo do matemático puro”, “um homem
anímico… (que) com o tempo está cada vez mais absorto em suas temática de teoremas
puros, alcançando níveis cada vez mais elevados de abstração”. Coloca o exemplo de
um desses personagens sinistros nos Estados Unidos, um que acabou matando pessoas
que fomentavam a tecnologia moderna, e observa que “não houve um só jornalista que
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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fosse capaz de sequer aproximar-se da temática de sua tese, Limites complexos, já que
“Não é que (Taleb) considere que a matemática não se corresponda com uma
estrutura objetiva da realidade, apenas sinaliza que não aplicá-las corretamente provoca
a ilusão de certezas onde elas não existem, criando perigos quando aparece um Cisne
Negro” (J. MIRA, 2011, p. 106). Desta maneira, estando o perigo na simples ausência
de sua consideração, o defeito dos estilos formalistas é mais nefasto do que possa
parecer à primeira vista, pois não se trata unicamente de uma questão de forma, mas de
fundo, na qual indiretamente se alimenta a crença em falsas utopias que nos levam, por
que lhes dão vida, coadjuvam ao advento do niilismo social, dos traumas que provocam
a longo prazo as falsas promessas coletivas, choques culturais que geram mal-estar na
interpretação do mundo.
mais “autêntico” ou “puro”, como Escher, acabassem atraindo mais os cientistas do que
holandês nunca soube explicar verbalmente suas intuições, nem as traduzir à linguagem
mas desta vez em sua totalidade, para ilustrar o estilo acadêmico formalista e plano
que ainda existem na literatura e que consiste em dizer em uma página o que tão bem se
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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concentração, parece ser a base de tal admiração, delatando que não é outra coisa que
Pois bem, podemos extrair um comentário muito mais suculento desta citação se
concisão. Ambas ideias se contradizem em parte e aqui reside o aspecto mais relevante
do comentário, o que o torna complexo e lhe confere certo interesse. Tanto o uso de
sinais “neutrais” no texto – o ponto e a vírgula, por exemplo - como sua redução à
máxima expressão, causam uma impressão de objetividade. Daí que possamos falar da
linguagem matemática como referente ideal com relação à precisão. Entretanto, o farol
não deve ser contemplado somente como o perigo imediato que acabamos de referir. O
investigador foi de tal forma seduzido pelos cantos de sereia das fórmulas matemáticas,
atrevem a tanto, sua sedução não é tão completa e, portanto, não caem tão diretamente
na armadilha do farol. Mas cair, caem e, ainda que tentem dissimular a sedução que
A maior parte dos trabalhos de pesquisa, assim como nas obras de ficção, estão
cheios de palha. A palha não só oculta o grão, como também tem por função ocultá-lo
contraditórios. Por um lado, permite ocultar os erros, as falhas, por isso é necessário
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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estar agradecido a ela. Por outro lado, não pode evitar de temer que o Outro, seja outro
colega ou qualquer leitor, ou seja a voz de sua consciência, queira rebuscar na palha. A
probabilidade é escassa, porque as pessoas não têm tempo e energia para encontrar
“uma agulha no palheiro”, mas existe como sensação geral, como fantasia que gera
de classe média lhe faz habitar uma zona social intermediária, com a descida como
percebida como uma espécie de salva-vidas. Mas como também está em contato com a
classe operária, ao proceder dela uma forma más direta que a classe alta, não pode evitar
apreciar, muitas vezes o seu pesar, certos traços da ideologia popular. Sem dúvida, um
fiquem presos na contradição última que ilustra a frase comentada de Cortázar. Por um
posição social da qual conseguiu escapar e na qual obviamente não gostaria de voltar a
cair por nada nesse mundo. Mas ao mesmo tempo, depois de romper o cordão umbilical,
não pode deixar de sentir saudade da “mãe”, sentimento profundo expresso em seu
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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O senso comum diz que isso de “ir ao ponto” é bom não somente para cultivar a
conversa, mas também como critério na escrita, porque a lógica da investigação na qual
se baseia o exige; exige desenvolver uma linha de argumentação para chegar a revelar o
problema que nos propomos a analisar, seja com fins de intervenção ou com fins de
Gramsci. Visto no plano dos dilemas culturais morais, posteriormente, o autor como
representante da burguesia intelectual em sua versão polifônica, mas coerente das novas
social (GIL VILLA, 2001, p. 82). Faça o que fizer, será um traidor. Se trair a classe da
qual procede, será não somente um traidor com suas origens, mas também um traidor
para escapar desta sensação, se inclinasse por uma escrita “razoável”, então estaria
traindo o hábito da academia, o hábito cultural das classes médias, copiado das altas,
feito para distanciar-se das baixas, desconectado por definição da realidade, portanto,
Entre estas duas posições se debate cada pesquisador, cada autor, cada dia, no
momento de escrever, de uma forma ou de outra. Tome a decisão que tome, por muito
classe contraditória. Sua importância também é relativa à sociedade na qual a cada autor
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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lhe compete viver, definida pelas tensões sociais do momento e o grau de sensibilidade
de escritor com outras ocupações análogas, merece sem dúvida uma consideração
tradicionalmente definido por seu caráter híbrido, entre profissional e operário, dado
que sua autonomia no trabalho não é tão grande como no caso das profissões liberais.
Suas limitações vêm da imposição dos planos de estudo e dos meios de ensino e,
sobretudo, pela submissão de suas atividades docentes a controles burocráticos que têm
tendência coincidiu, por um lado, com os cortes orçamentários, tanto na educação como
na pesquisa e, por outro, com a crise da indústria editorial, devido tanto à crise
pretendemos aqui que sua consideração seja interpretada como parte de uma análise
dos debates sobre o escândalo, os quais desviariam a atenção sobre a maior parte do
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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trabalho de pesquisa na maior parte dos casos. Alguns autores se atrevem a fornecer
números sobre os pesquisadores que admitem ter realizado falcatruas. Para citar um
exemplo recentemente publicado, Michael Brooks diz que afeta a um terço. Em seu
anedotas da vida privada dos pesquisadores, realizada mais com a finalidade de vender,
são os cientistas que ganham o Nobel sob os efeitos de LSD. Isso não quer dizer,
contudo, que o resto das pessoas que ocupam postos de poder não pratiquem em certas
doses, a corrupção. Além disso, uma boa parte da cidadania, em diversas escalas, se
tais que são processados e sancionados com penas de prisão. Da mesma forma, poucos
são os cidadãos cuja honestidade e solidariedade pode ser qualificada como absoluta. A
enunciado como este é reversível, e esse é precisamente seu traço central. Os demais
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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não se arriscam a comportamentos de extrema ou absoluta desobediência ou obediência,
portanto, aplicam este mesmo esquema racional a suas ações com relação à norma. O
mal-entendido que representa a leitura feita por Brooks consiste em associar o risco à
oposta: “obviamente, alguns cientistas não arriscam somente a vida de um único ser
humano. Em lugar disso (ao menos segundo eles), colocam em perigo todo nosso estilo
Este é um dos paradoxos que rege nosso sistema científico atual. Em matéria de
pesquisa, é menos arriscado brincar com um farol do que ser claro, encher o trabalho de
palha, do que ir ao ponto, da mesma maneira que em uma sociedade com uma forte
poderosa argamassa com a qual o estilo acadêmico vai construindo o texto como uma
fortaleza. Quanto mais alta, mais intimidará ao leitor que se aproxima. Este desconhece
se o interior alberga tesouros ou palha com teias de aranha. Seus olhos buscam
ótico intimidante; converter inclusive aqueles que aproximam como aspirantes para
entrar.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Quanto mais ceda em clareza de estilo, mais o pesquisador se arriscará, pois
Quanto mais alto seja o Castelo, mais importante (e altaneiro) será o senhor
simples, isso sim, rodeado de severos limites de segurança (com “bloqueio de grosserias
relação de forças objetiva entre as línguas que na prática se enfrentam no próprio ato de
Esses passeios pelas redes sociais nos quais o senhor escritor toma um rápido
banho de multidões, são fundamentais para alentar sua lenda de superioridade. Visto e
contrário da trivialidade.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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médias europeias desde o começo da modernidade. Através delas, importa para a
pesquisador forja seu caráter acumulativo, conservador (como atitude perante a vida
qual foi educado desde a educação infantil. Não obstante, se isso ocorresse, o sistema
acadêmico colocaria em andamento os dois controles formais de que dispõe para fazê-lo
voltar à razão.
pesquisa evitarão arriscar-se dando luz verde a aqueles casos em que, por sua vez,
externo das publicações científicas. Quanto mais prestigiada é uma coleção determinada
de uma editora de renome, mais conservador será o pesquisador acadêmico que a dirige
equilíbrio entre dois critérios chave: o prestígio intelectual do pesquisador autor que
possibilidade de publicar. Isto coloca a editora em um dilema que costuma ser resolvido
com uma solução salomônica. Um trabalho original e inovador, que seja claro e
contundente, será mal considerado por ter quebrado a distância entre a academia e as
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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aconselhando-se, na melhor das hipóteses, que seja publicado em coleções de
também no polo oposto, nas decisões sobre a tomada de postura nos debates que a
prostituição, somente por citar alguns exemplos. Sua cautela os levará a conduzir o
O escrito, desde o ponto de vista acadêmico, terá mais valor na medida em que
mostre mais equilíbrio entre argumentos contra e a favor de cada tema discutido.
Quanto mais se distanciem as conclusões deste termo ideal, mais risco se corre
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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O problema é que tais raízes se dão como supostas a tal ponto que chegamos a
esquecer-nos delas, quando deveriam estar gravadas com letra maiúscula em nossos
gabinetes. Daí que muitas pesquisas nos pareçam paradoxais ou pelo menos chocantes,
apologia ao status quo, como se ao final, ao pesquisador lhe parecesse que demostrar
pela enésima vez que existe o problema do sexismo, não vai ser considerado original
nem suficiente, de forma que força a análise até conseguir, com seus resultados, o efeito
realidade que matiza o problema. O matiza tanto que quase o questiona, ou então o nega
em parte. Mas poucos são os que dão o “salto no abismo” e recomendam estratégias aos
atores, neste caso às mulheres, para melhorar sua situação; estratégias que cumpram a
dupla condição de deduzir naturalmente da análise e que não sejam teóricas (outro dos
abstenham desses atrevimentos. Prova disso é a divisão que propugna entre o trabalho
de mestrado chegam inclusive a sentenciar e legitimar tal divisão de forma que somente
A falta de risco que o sistema acadêmico inculca nos pesquisadores pode chegar
acabará por provocar uma mutação genética. Existem muitas probabilidades de que o
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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curiosidade e, por conseguinte, a fonte de alegria e a satisfação por seu trabalho. Nos
referimos não tanto às decisões que devem ser tomadas em cada trabalho de pesquisa,
mas principalmente à decisão geral do rumo das sucessivas pesquisas, à escolha dos
temas.
Talvez a melhor forma de valorizar este fenômeno seja propondo uma situação
fictícia, mas baseada em fatos reais. Suponhamos que um autor considerado clássico em
realidade, ambas são póstumas, mas neste exemplo a ordem cronológica dos fatores não
altera o produto).
Ainda assim, o senhor Emilio não se assusta e publica seu famoso livro sobre o
tema, mas depois de um tempo, volta ao tema e solicita uma subvenção para estudar o
que o recusaram pelo mesmo motivo, ainda que agora com mais veemência, pois o
Publica O suicídio e três anos depois concorre a bolsas com um novo projeto
sobre metodologia (do qual sairão As regras do método sociológico). Aqui sim já é
possível irritar os avaliadores, posto que não somente volta a dar uma virada
das subdisciplinas mais técnicas, para a qual o argumento da experiência é ainda mais
válido.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Teríamos assim um resultado realmente digno de atenção para a história das
religião, daí para a sociologia do desvio e, por último, para a metodologia das ciências
imprevisível.
Obviamente, quanto mais previsível seja tudo, quanto mais os pesquisadores se atenham
renascentista que procura saber tudo. Inclusive o próprio exemplo deveríamos tomá-lo
cum granum salis, para o qual valeria unicamente se mudássemos de figura intelectual e
precisamente por sua posição heterodoxa dentro da academia, por sua posição crítica
(sua obra é uma bela mostra de como a epistemologia leva indubitavelmente à crítica e
não ao contrário, por isso é bela). Me refiro a Pierre Bourdieu e seu seguinte
testemunho:
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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Sem dúvida é o empenho por “viver todas as vidas”, da qual fala
Flaubert, e por aproveitar todas as oportunidades de penetrar na
aventura que constitui cada vez o descobrimento de ambientes novos
(ou, de forma lisa e rasa, a excitação de iniciar uma nova pesquisa) o
que, unido à recusa da definição científica da sociologia, me levou a
interessar-me pelos mundos sociais mais diversos (BOURDIEU,
2006, p. 94).
sem dúvida deve se refletir em uma diminuição do potencial criativo e original de nossa
produção nacional.
literalmente ao primeiro tema investigado, como pedra que deverá arrastar por toda a
sua existência, triste réplica de Sísifo ou, se preferirmos, como a cruz que converterá
possibilidades de promoção.
Se, pelo contrário, seguir uma linha de pesquisa, sentirá que trai seus interesses
pessoais.
Não importa o que decida, pagará um preço alto. A maioria dos pesquisadores
de professor emérito. Mas à medida que passar o tempo, não poderão evitar uma
reflexão desoladora em forma de dúvida existencial sobre sua opção perante o dilema
enunciado.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Ao final de tudo, na cena simbólica do leito de morte, (real ou antecipada) esse
aguilhão será mais doloroso que nunca. Cada vez que empreenderam um projeto,
puderam corrigir o rumo, voltando-o para o interesse pessoal. Mas não o fizeram.
Quanto mais rica tenha sido sua trajetória, mais oportunidades tiveram. Talvez dez, ou
vinte. Pior ainda, mais culpados se sentem. Em sua solidão, os méritos reconhecidos
feito Durkheim. Se pudessem, optariam por uma bela e original trajetória no lugar de
de pesquisa agradável.
exploradores que competem por marcar o território virgem com a dupla bandeira,
acadêmicas são uma imposição, um pedágio que deverá ser pago obrigatoriamente no
futuro pelo resto dos viandantes, como reconhecimento do direito básico à propriedade.
Tal tema, tal tratamento de tal tema, são domínio do doutor tal e da sua disciplina.
território virgem onde possa se instalar, precisa ser o primeiro a escrever sobre o tema,
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dar fé em seu diário de campo, que como tal atua simbolicamente seu trabalho. Uma vez
que o conhecimento se traduz em domínio, não pode evitar sua deriva em dominação.
Para o herdeiro da civilização burguesa, sobre cujas costas recai o peso de seu
próprio destino, a esposa virgem supõe menos riscos que a mulher cujas experiências a
for o primeiro a se pronunciar sobre um tema. Daí que títulos e subtítulos consistam em
aplicar previamente porque simplifica seu trabalho. Apresentada como questão de grau,
quanto menos tocado esteja o objeto (de estudo), menos necessário será submetê-lo a
testes de contraste.
classificados e etiquetados com nomes e sobrenomes, associados, por sua vez, a nomes
e sobrenomes daqueles os obrigam a guardar para sempre uma relação de filiação. Por
obedecer às aparências.
O incremento constante dos títulos dos trabalhos de pesquisa anuncia para onde
leva esta política de terra queimada. Cada vez fica mais difícil encontrar um espaço, um
pedaço de terra não trabalhado. Na atualidade, o neófito tem a impressão, mais que
nunca, de que tudo já foi dito. Uma busca provisória e superficial na Internet com as
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Os nomes dos pesquisadores saltam na rede com a rapidez desesperada dos
peixes recém pescados que ainda têm a ilusão de voltar a ser livres. Em dezenas,
cada vez mais múltiplos estratos para encontrar um lugar no qual repousar. Tendo se
organismos.
de sua inutilidade, medida pela probabilidade de cada escrito de receber visitas. Quando
comprovará, contudo, o equívoco que supõe pensar que, por fim, se cumpre aquilo de
invisível, mas como potentes minas, semeadas por toda parte e dispostas a saturar a
atmosfera com suas ondas e sua luminescência perante um eventual tropeço em uma
fonte de energia.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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De qualquer modo, um modelo de conhecimento baseado na dominação e na
Nisto, se adverte uma coerência com seu papel de cidadão consumidor. Assim
como o consumo, em nossa época, deixa cada vez mais de ser um meio para satisfazer
necessidades, para funcionar como sob a força da inércia, como uma instituição
também a especialização do pesquisador deixa de ser funcional, uma vez que foi
via especialização deixa de ser rentável quando o bem escasso, o nicho espacial onde
macro, a vantagem das economias externas provocadas pelas pesquisas pode não ser
sociedade. Isso na melhor das hipóteses, ou seja, supondo que os conteúdos sejam
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de pesquisa e muito menos em países como a Espanha, ainda na segunda década do
século XXI, lastrados por una cultura política pouco consciente de sua importância, a
julgar pela porcentagem do PIB dedicado a este capítulo, muito abaixo da média
europeia.
O fato de que haja cada vez menos espaços disponíveis, ao mesmo tempo em
estresse que se combate com falsas soluciones, todas elas dentro da mesma linha da
procrastinação.
Reflexão paciente significa sempre zelo, estabelecer uma relação positiva com o
politicamente correto, tal perspectiva exige uma mudança de mentalidade para a qual
não está preparado. Entre outras coisas, porque é mais compatível com um enfoque
conservador. Por isso, tantos casos de teses e trabalhos que se dizem interdisciplinares,
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contudo, teses muito disciplinares, ou porque a formação acadêmica recebida está
puramente formal, mera propaganda para captar matrículas, mas desmentido depois pela
orientação.
algo que ninguém ainda disse sobre o tema; então, é claro que esse mesmo temor e a
diferentes perspectivas teóricas são não só infinitas e, portanto, originais, como também
muito mais produtivas e, portanto, aproveitáveis pela sociedade que espera respostas.
de reflexões como a que aqui se tenta, parece aumentar mais do que diminuir a
seus resultados.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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O mesmo temor profundo que leva o pesquisador a não assumir riscos com o
estilo e as ideias, fará com que tenda a interpretar mal e exagerar o simples e higiênico
de carne e osso, sendo no fundo suas esperanças e sofrimentos os que estão em jogo.
reajustes contínuos que, não obstante permitem marcar tempos desiguales, ou se opta
por uma estratégia radical que elimina o problema de raiz (morto o cão, se acabou a
raiva). É esta opção a que menos risco e vigilância epistemológica exige por parte do
emocionalmente.
A verdade é que todo pesquisador tem, a priori, uma postura geral sobre o tema,
Mas, principalmente, não podemos perder de vista que todo trabalho de pesquisa
tem por finalidade precisamente ajudar a assumir uma postura com relação ao problema
analisado.
objetivo possível, ou seja, deve tentar levar em conta argumentos a favor e contra, o que
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Entretanto, conforme vai adquirindo experiencia, o pesquisador deve conseguir
interpretar tal papel como se fosse uma dramatização teatral, o que significa que deve
O bom ator de teatro é aquele que alcança o difícil equilíbrio mental de usufruir
da interpretação do papel de mau, sem que por isso sua personalidade sofra uma
termos literários, conviríamos que aquele que desce ao inferno estará mais consciente
para lutar contra os horrores que causam sofrimento, do aquele que o contemplou à
distância.
uma coerência entre os resultados do trabalho e suas ações posteriores? Obviamente que
sim.
Fora desse extremo, sigo sem compreender muito bem como é possível que um
estar e da desorientação vem da diminuição do capital social que os pais dedicam aos
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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seus filhos em termos de tempo, daí se deduz, logicamente uma recomendação em
sentido contrário. Supondo que o pesquisador seja pai, e no caso de não seguir seus
próprios conselhos, poderia ouvir de certos colegas um comentário engraçado: “em casa
reflexão sobre o sentido de seu trabalho e suas repercussões na sociedade e em sua vida
pessoal. De outra maneira, suas opiniões e decisões serão provisórias; as explosões que
A estratégia radical que mata o cão para matar a raiva, uma espécie de taoísmo
eterno, em certas ocasiões pode levar a situações extremas nas quais a ciência se
enfrenta com a ética. Assim é o caso desse observador do mundo animal que narra e
filma a lenta agonia e morte de um filhote de cachorro de uma espécie selvagem ao qual
sua mãe não alimenta o suficiente perante a presença competidora do irmão. Ou então, o
Espanha, o lema da campanha de Cáritas, una das organizações mais ativas nessa luta, é
esclarecedor para esta reflexão: viva de maneira simples para que, simplesmente, os
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O fato de que devemos nos dedicar aqui a discutir sobre a implicação emocional
para não perder a conexão das pesquisas com os direitos fundamentais, a cujo serviço
devem trabalhar sempre e em todo o tempo. Isto implica, por definição, ter que correr
certos riscos nas decisões que rodeiam o trabalho de pesquisa, buscando abrir as portas
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4. O paradigma do pesquisador como anti-herói
Antes de iniciar a reflexão, convém esclarecer que a finalidade deste livro não é
fazer com que sua identidade se constitua em uma reação, nem os motivos para cultivá-
sentido rigoroso, apesar de que, em certas ocasiões, a forma com a qual nos
O objetivo final não é criticar e tentar desbancar uma forma de fazer as coisas
forma atrativa e gratificante, e inclusive dar um passo à frente e superar a brecha que
existe entre a elite acadêmica e o leigo, de maneira que a chamada divulgação científica
maus. Depois, a audiência, formada por atores sociais, amplifica as histórias narradas
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
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Na maioria dos casos, a história tem um final feliz. Entretanto, o telespectador
deve sofrer até chegar ao mesmo. De fato, seu gancho consiste em uma continuação de
um casal de atores principais, tudo isso com resultado incerto e dotado do componente
ineludível da surpresa.
esquemas pré-determinados. Ou “uma de cal e uma de areia”, ou então, “uma de cal por
várias de areia”. No primeiro caso, por cada vitória dos bons ocorre outra dos maus. No
segundo caso, assistimos uma sequência de triunfos do mal, uma curva ascendente que
parêntese temporal que dará lugar à repetição do ciclo. A maior parte dos roteiros se
inclina por este segundo esquema, que se rege mais pelo padrão da teoria das catástrofes
ou dos sistemas não lineares, do que pelo esquema explicativo geral, normal, de causa-
efeito. Isso se deve a que o desenlace é positivo e, portanto, não tem relação com “o
histórico” do caso. O previsível, o que se esperaria na vida real, é uma vitória final das
forças do mal. Ao acontecer o contrário podemos deduzir que as histórias não são reais,
mas fictícias.
outras personas, ante a observação direta, como a derivada das relações familiares. Por
sua vez, os modelos indiretos podem ser extraídos de várias fontes, dentre as quais se
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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fictícios.
parece que o recurso da alienação mental possa se justificar somente por seu atrativo no
argumento, a teor de seu uso recorrente e de sua definição reduzida ao sintoma das
alucinações. É muito provável que cumpra também uma função meta-literária, destinada
telenovela, que a siga com tanta paixão, a ponto de esquecer-se de todo o resto,
vida, realizando comparações, falando dela com seus familiares e amigos. Por esse
caminho, pode chegar a confundir, em algum grau logicamente relativo, a realidade com
identificação. Assim também como acontece em Dom Quixote, alguém poderia ver
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Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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O veículo para conseguir aproximar-se mais ou menos a esse extremo é,
comentário, o lugar de onde podemos tirar mais frutos para nossa reflexão geral sobre a
pesquisa.
responderá que com os bons. Tal resposta é previsível, mas parcial e incorreta. Dado
que a novela usa, como dito, o maniqueísmo, fazendo dos personagens tipos ideais onde
se concentra o bem ou o mal, o ator social não pode se identificar plenamente com
nenhum dos dois, mas com uma mescla. Por debaixo da razão aduzida, explicita, que
tempo em que, como desculpa politicamente correta destinada a obter benefícios nas
personagens bons das telenovelas se deixam levar pela suave corrente da vida cotidiana
que vai modelando seu destino. Constantemente, se escutam comentários nos salões dos
comportamento do ator uma visível lerdeza. Nela flutua e com ela obtém, assim, uma
sensação de doce rendição perante o destino que lhe aguarda. As atitudes perante a vida
que denota são, portanto, a passividade e a resignação, as quais conectam muito bem
momentos de lazer.
Pelo contrário, demora mais a identificar-se com os maus, além do plano moral,
no plano intelectual, porque sua atitude é mais exigente. Sua curiosidade é proverbial,
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Essa atitude básica de desconfiança faz com que se apliquem a uma infinidade de
não economizar recursos, não tanto o dinheiro, como o tempo e a imaginação. Mostram-
qualquer momento, como acontece com os gênios da pesquisa científica, podem perder
Os maus das telenovelas, enfim, são um bom modelo para aprender a pesquisar,
para afiar as garras da pesquisa, no plano cognoscitivo, porque são os únicos que optam
por revelar o mundo das aparências, de rasgar o véu fenomenológico que cobre as
Precisamente por dá-la por certa (por deixar-se levar, por estarem sentados
Essa grande diferença é a que faz com que os maus tenham o poder. Seu poder é
o poder que outorga o saber. O saber somente se obtém através da pesquisa. A pesquisa
dela e, por isso mesmo, conseguem controla-la. O controle sobre as coisas e as pessoas
se conquista da mesma forma: quanto mais saibamos sobre elas, ainda que sejam
pequenos detalhes, quanto mais informação esteja em nosso poder, mais poderemos
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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dominá-las. Assim poderemos ir ao mercado das relações para trocar conhecimento por
poder.
cada época e em cada lugar. Os grupos sociais majoritários alcançarão certa pontuação
em uma escala de menor a maior atitude pesquisadora. Não é fácil pronunciar-se neste
sentido sobre a influência das telenovelas nas audiências massivas e nos tempos atuais,
expor, que seus efeitos são contraditórios em ambos casos. Uma identificação centrada
desconfiança. Ambas funcionariam como filtros das crenças e ideias que conformam a
grupos primários aos que pertence cada indivíduo, assim como de estruturas sociais
mais amplas nas quais se veem envolvidos, como a classe social, em suas distintas
versões.
incompleta na maior parte dos casos. O instinto de sobrevivência pode chegar às classes
conscientemente, mas valioso para aumentar em pequenas doses o controle sobre o duro
mundo no qual lhes restou viver. Expressado em termos retóricos, de ser isto assim, as
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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telenovelas cumpririam uma função social útil para o povo, justo o contrário do que a
de equivalente funcional da religião que na melhor das hipóteses adormece (um ópio
colocá-lo a serviço do trabalho geral para diminuir o sofrimento imediato e próximo dos
outros.
demonstram que todo mundo pode pesquisar e que esse trabalho pode ser concebido
como um estilo de vida curioso que garante mais felicidade que muitos outros, pois
É interessante finalizar esta reflexão sinalizando como o próprio gênero é vítima de suas
próprias armas. Talvez a melhor forma de reunir esta ideia seja voltar à expressão
metafórica que usamos ao princípio para referir-nos à estrutura que seguem os roteiros.
Observávamos como estes últimos parecem seguir o esquema: “uma de cal e uma (ou
várias) de areia”. Pois bem, se perguntamos pelo significado desta popular frase
população em geral, veremos que a maior parte das respostas que aparecem nos fóruns
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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concebem a areia como o ingrediente nobre, associada ao “bom”, e a cal, como oposto,
Trata-se, contudo, de um preconceito. A origem desta frase feita teria que ser
buscada, ao que parece, no âmbito laboral da construção no qual se usa uma mistura de
escasso e, portanto, o mais valioso, era a cal, pelo que em muitas ocasiones a mistura
antecedentes, nossa metáfora cobra ainda mais sentido. As aparências enganam. O pior
da argamassa não é a cal, mas a areia. O pior das telenovelas são os bons, porque com
sua falta de senso de pesquisa, não sabem interpretar o mundo, nem podem, por
cal, um material caracterizado por sua capacidade para queimar, para destruir.
A cal, como os bons, arrasta a vida para a morte, empurra o mundo para sua
todos temos para desenvolver trabalhos de pesquisa. Pode ser que estas obedeçam a um
mesmo impulso geral de curiosidade. Entretanto, tomam diferentes formas, adotam mais
ou menos riscos, expressam caracteres distintos e inclinações éticas que podem chegar a
ser opostas. A seguinte classificação tem um valor didático, mais que teórico. Pretende
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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unicamente imaginar figuras facilmente identificáveis no universo místico dos ofícios
que se baseariam na capacidade intuitiva para pesquisar. Por sua vez, cada tipo admitiria
duas grandes variações na hora de canalizar essa energia, vias que coincidem a grosso
2) Colecionador
2) Jogador de xadrez
2) Amante
É certo que todo ser humano necessita orientar-se. Alguns, contudo, fazem ou
poderiam fazer desse impulso básico o centro de sua existência. Pode ser que, no fundo,
todos gostemos de descobrir coisas novas. Nesse caso, será necessário dizer que é
ambivalente. Por um lado, surpreende. Por outro, classifica o mundo que nos rodeia. A
termo. Esteja onde esteja, “dará uma volta” sempre que seja possível. Observará os
lugares e falará com as pessoas. Elaborará uma lista mental de quem é quem, onde vive
e o que faz. Em algumas ocasiões, sua curiosidade “tranquila”, paga ou não, lhe renderá
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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maus bocados. Recordo que enquanto terminava a graduação de Sociologia, comecei a
fazer entrevistas em um bairro de classe média de Madri. O susto que nos causavam os
cachorros de algumas casas, imprevisível, nos ensinou uma das primeiras lições da
mundo que damos por certo. O aprendiz de pesquisador deve saber, portanto, de
desenvolver-se e enriquecer.
Através deste artifício, vai forjando sua identidade no caminho, nas interações
reais ou simbólicas.
Como a atividade central consiste na viagem, não pode aprofundar nas relações,
rio. Obviamente, trata-se de uma ilusão de ótica provocada pela magia do misticismo. A
realidade exige tempo para a amizade. A “rede social” do peregrino cresce diariamente.
reconciliação com uma natureza que supõe prenha de substância divina, que se oferece
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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gratuitamente como objeto de estudo, como Outro generalizado materializado nos
almoços no campo. Sua intimidade quase não existe porque se funde com o espírito do
mundo.
e quando quiser.
semiótica. Seu passatempo favorito são os acrônimos: “P.P.1” (pai entrevistado em uma
coisas é um processo com vários passos: detectar, limpar, nomear e conservar. O ideal
desde o ponto vista da fantasia, mas também de uma hipotética realidade, desembocaria
acaso perante a pretensão do científico (O que estou tentando dizer é que o fato de a ter
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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como hóspede sucedeu de repente, não foi algo que eu planejasse (…) Toda a ideia foi
tudo. Em princípio, “pensa mal” de todos e de tudo porque acredita que “as aparências
enganam”. A questão está na forma que dá a essa força, em como a canaliza. Pode
constantemente. Nesse caso, a solução dos problemas é uma questão quase lúdica
interesse. Na maior parte dos casos, - incluídos os assuntos amorosos -, esse interesse
tem tradução material, ainda que não seja direta. E nos poucos em que não se encontra
esse rastro, a musa da justiça se colocará a roupa de sua prima irmã, a verdade.
relações, porém, mais intensas, ou seja, inclina-se mais pelas técnicas qualitativas que
pelas quantitativas.
caso, temos o exemplo dos lakistas, esse pequeno grupo de famosos românticos ingleses
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Entretanto, o caso a caso, mais visível na relação amorosa, a identificação com o
conexão, de empatia. Será muito difícil não se projetar, não imputar, distanciar-se do
temidos do pesquisador-poeta.
4.3. Um artigo para o Daily Planet: pedestres que atravessam no sinal vermelho
encomenda um artigo breve sobre pedestres que cruzam o semáforo com o sinal
vermelho.
É possível que você saia um pouco decepcionado de sua sala. Talvez você
resta mais remédio, senão colocar as mãos à obra. Por onde você começa?
Por sentar-se em sua sala e montar um breve esquema com passos lógicos. Em
primeiro lugar, você liga o computador e escreve em um site de busca: “cruzar o sinal
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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- Segundo, lê algumas opiniões sobre o tema, distinguindo entre “experts”
- Terceiro, faz anotações para, se tiver tempo, revisar na biblioteca pública mais
aparecem como palavras-chave à primeira vista e que você pode dividir em dois
grupos:
2) livros ou artigos.
É possível (e um bom sintoma), que você não se sinta satisfeito com esse
primeiro banho de informação. Agora você gostaria de abordar o tema fora da sua sala,
na vida real. Trata-se de uma segunda parte, uma segunda olhada complementar, uma
por exemplo (lhe diz o senso comum), um ponto com certa complexidade, com várias
intersecções, onde apesar de que o semáforo está no vermelho, os carros estão parados,
que você recorde, por experiência própria, que fica nervoso nesse semáforo e que quase
sempre vê gente se atrevendo a cruzar. Suponhamos então que você fica plantado ali um
cruzamento) e anota em seu “caderno de campo” (se você gosta das novas tecnologias,
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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comprova se um aplicativo – app - para antropólogos urbanos) o perfil dos que cruzam
No pior dos casos, não encontrará nenhum padrão. Em tal caso, pode fazer duas
coisas:
bairros.
Com essa sondagem provisória, você tem uma parte da cena. Para ter uma ideia
mais completa, deveria entrevistar o chefe da polícia municipal ou alguém que possa
Suponhamos que, tanto pelo primeiro caminho, ou pelo segundo, ou seja, pelo
do padrão ou pela breve entrevista, encontras que as mulheres cruzam menos o sinal
Eureka! Você descobriu uma relação! Agora precisa reforçá-la da melhor forma
pedestres.
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Pode ser que, em algum deles, os pesquisadores tenham encontrado que,
efetivamente, a variável do gênero ajuda a entender quem infringe mais essa norma.
Nesse caso, você deverá prestar atenção na definição do objeto de pesquisa que esses
trabalhos utilizaram. Seguramente não queriam averiguar, assim como você, quem
cruza o sinal no vermelho simplesmente, mas, por exemplo, quem desobedece várias
normas de circulação viária. Isso lhe ajudaria a enquadrar sua modesta averiguação em
um grupo de objetos mais amplo, mas que você pode encaixar em uma mesma reflexão,
Uma última averiguação e você terá material suficiente para redigir um artigo
sensato para seu jornal. Você escreve um e-mail a algum professor universitário que
tenha trabalhado com o tema, seja especificamente, sobre infrações de pedestres, seja no
seu defeito, em general, sobre segurança viária. Pede o telefone para que possa com ele
fazer uma breve entrevista, que explique a relação de género com a infração.
E isso é tudo, ainda que, obviamente, você deve considerar que esse tudo é
senso comum.
semáforos. Esses pequenos tropeços são normais e podem ocorrer em cada passo. O
professor que você vai contatar, por exemplo, poderia fornecer dados gerais da infração
ou dizer onde encontrá-los, mas não aportar nada especial sobre a relação de género.
Nesse caso, você deve seguir indagando até encontrar uma saída. Muda de enfoque, se
situa em um plano mais geral (neste caso, em outro pode ser ao contrário, coloca o
atravessar a rua com o sinal verde? Obedecer uma norma. Estamos falando, portanto, de
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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normas e de sua ruptura. Deve ser comparável, até certo ponto, com outras rupturas. Dar
Internet com gênero. Assim encontrará o marco teórico que analisa porque as mulheres
gratificante, posto que parece indicar que suas intuições vão pelo bom caminho. A partir
daí, reconduzir a pesquisa é fácil. Pode chamar outro professor que investiga essa
relação e que fale das razões. Depois, pense quais são mais aplicáveis a seu caso
concretamente. Suponhamos que o teórico fale que a substância é uma estrutura social
patriarcal, dado que, ao seguir a mulher ocupando-se da criação dos filhos, passa todo o
tempo proibindo as crianças de quebrar as regras, de forma que logo é difícil que ela
mesma as rompa, posto que acaba se identificando com o papel socializador. Se esse
ângulo parecer interessante, você poderá tentar entrevistar algumas das mulheres que
viu cruzando a rua com o sinal vermelho e perguntar-lhes se têm filhos. Assim,
Sua pesquisa está em andamento. A partir daí, pode puxar o fio e complicá-la
mais ou complicá-la menos. Mais um exemplo a respeito: imagine que você descubra
que, se bem que as mulheres atravessam a rua menos no vermelho, por outro lado, as
que o fazem e são denunciadas, pagam menos multas (pode ser que seja mais fácil você
encontrar casos a respeito se ampliar seu campo de observação dos pedestres para os
motoristas). Ao perguntar por que isto acontece, o expert poderá dizer que poderia ser
mas também os policias e os juízes (as agências de controle social) tratam de forma
mais favorável as mulheres do que os homens perante uma mesma infração. Salvo no
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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caso de meninas que adotam modelos de comportamento masculinizados. Você poderia
dependendo do caso.
Seu artigo pode insistir mais ou menos em algum destes pontos. Você pode
que formem uma página coerente, ou dois ou três. Imagine que vai entregá-lo ao diretor,
ele gosta e lhe pede outro mais amplo (de dez ou vinte páginas, suponhamos) para uma
reportagem que sairá em uma revista mensal do mesmo grupo de imprensa. Você
Pois bem, não existe, no fundo, muita diferença entre esse artigo e um artigo
considerado “científico” de uma revista acadêmica. Pela mesma regra de três, você pode
diferença não está, como dirão alguns, em que um trabalho acadêmico deve ser menos
acadêmico deve mostrar certa erudição, ou seja, você deve apoiar a glosa de suas
é o mesmo. Além disso, fica claro, no exemplo que vimos, que não é necessário ser
a ponto de ter uma extensão da típica monografia. Pois bem, esse mesmo relatório, sem
citações, poderia ser submetido a certo embelezamento teórico estratégico que seria
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Citações e conceitos. Conceitos e citações. O trabalho de citação consiste em
intercalar no texto principal frases não muito longas de autores diferentes, como se
estivesse tecendo com fios de diferentes cores. Os conceitos são o orgulho da matéria,
casos, sua função real é servir para dar profundidade e coerência ao pensamento,
entre aspas ou em itálico, quando se trata de simples palavras ou expressões que vivem
Com tal gesto, a grande academia se delata uma vez mais perante uma mínima
mesma ideia, vestida de gala, se vende muito melhor se está vestida com a linguagem
acadêmica formal, pois seu valor aumenta muito. Isso quer dizer que o valor depende
que passa inevitavelmente por sua simplificação, para melhorar a vida das pessoas.
ter uma estrutura por contextos ou estratos que se limita a seguir o senso comum,
história moderna dos problemas do trânsito dentro das cidades, evolução da legislação
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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em matéria de trânsito e circulação (mostrando sua complexidade por níveis territoriais,
típicas (idade, lugar de residência, estudos, ocupação, etc.), colocadas a serviço de nossa
funciona na maior parte dos casos deste triste modo: o estudante solicita à professora
doutora Fulana (ou ao professor doutor Beltrano) que oriente seu trabalho de pesquisa.
Tem a vaga ideia de que gostaria de fazer algo sobre os acidentes de trânsito na cidade.
O doutor ou doutora em questão não se sentam tranquilamente com tal aluno para falar
amistosamente em uma primeira sessão para averiguar o porquê desse tema e chegar ao
estudante voltaria para casa satisfeito nesse primeiro dia. Longe disso, ele é induzido a
mudar de ideia. A estratégia do professor neste caso consiste em puxar a brasa para o
seu assado, ou seja, aos temas que a ele interessam, porque dessa forma o orientando
De qualquer modo, e ainda que não seja assim, o mais provável é que surja uma longa
lista de “materiais”, em geral, composta de artigos e livros, para que “se vá colocando a
par do assunto”. Também pode ser que a lista seja curta, porque o professor não sabe
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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muito sobre esse tema. Seu colega da sala ao lado sabe mais, mas como se trata de uma
potencial tese de doutorado e, portanto, possíveis pontos para seu currículo (se é um
TCC ou uma dissertação de Mestrado também conta, de alguma maneira), não vai
O estudante acaba sendo cúmplice do delito que se está cometendo, tanto contra
preocupou em saber quem é quem, o que inclui uma simples busca na Internet para
saber a trajetória dos professores doutores e adequá-la aos seus interesses, assim como
uma entrevista prévia para averiguar algo sobre o trato humano (ou desumano), estilo
pessoal e filosofia pedagógica que adotam em suas orientações. Uma vez, uma aluna
veio para pedir-me um conselho. Quando me disse que era orientada pelo doutor X, que
nunca tinha pesquisado essas questões, não pude evitar de perguntar-lhe por que então o
havia escolhido. Sua resposta ficará gravada para sempre na mina memória: “Veja, uma
tarde vim aqui e fui batendo nas portas, até que uma se abriu”.
de estar perdido, a angústia e a sensação de não saber nada, de ser pouca coisa, de ter
que carregar por uma eternidade, escadas acima, escadas abaixo (o elevador não evita o
mal, pois acrescenta claustrofobia), assim como Sísifo, pesadas talhas. Recordemos,
que aumenta o problema, pois a dificuldade para orientar-se na rede é maior. O único
consolo é que, aquele que conseguir terminar, será um herói ou um mártir. Mas até que
chegue a essa “terra prometida”, a essa longínqua outra e verdadeira vida, nesta em que
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Frente a este modelo, tão nefasto, mas tão estendido que aqui criticamos, a
exemplo, o estudante deixará a teoria para o final e se centrará em “fazer coisas”. Desde
o primeiro dia verá como crescem as pastas na sua mesa, seja fisicamente ou
virtualmente, tocará os papeis, as anotações, o que lhe dará uma sensação de que não
está perdendo tempo. Deve mimá-las, por pequenas que sejam, deve organizá-las,
pensar nelas com carinho. Enfim, este modelo aposta na autoconfiança, tenta de
Este modelo mostra ao menos duas coisas. Que todo mundo pode pesquisar e
primeiro ponto, trata-se de uma maneira de falar, porque não todos os cidadãos podem
dedicar seu tempo a fazer um trabalho formal de pesquisa. Para muitos lhes falta a
progredir de uma forma muito mais fiel aos valores que marcam os direitos humanos do
em realidade poderia ter estudado qualquer outra graduação. Ou seja, não teria
que, nem é preciso dizer, ter uma base de alguma dessas disciplinas seria muito bom
para ele. Isso seria o suficiente para fazer um trabalho de pesquisa. Um dos principais
preconceitos que pesam sobre os estudantes é precisamente que não têm base suficiente
para abordar a pesquisa. Este problema é mais visível naquelas pessoas que se
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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matricularam no mestrado ou no doutorado tendo cursado estudos em outros
este temor nas primeiras sessões, proporcionando o marco para a reflexão sobre a
relação entre educação formal e trabalho realizado. Por que a ideia geral - a saber, que a
maioria dos trabalhadores entrevistados com titulação superior acredita que para realizar
as tarefas que desempenham habitualmente não lhes serve nada daquilo que aprenderam
acadêmico, que faz parte do elenco de ideias que constitui o paradigma dominante, tem
pesquisador, menos controlável pelo sistema acadêmico ele é. Isto também não é algo
exemplo, o free-lance é aquele que “vai libre”, portanto, que está menos submetido às
usem o truque do aprendiz de jornalista. Com ele tenho colhido bons resultados. Serve
para estimular quem enfrenta um trabalho de pesquisa pela primeira vez. Serve para
tirar-lhe das costas os pesos que, de forma invisível (ainda que visível para um bom
fisionomista) arrasta o estudante, assim como Sísifo com pesar, como Prometeu
acorrentado e castigado antes de ter cometido seu delito, por somente ter planejado um
projeto. Serve enfim, num plano mais profundo, para substituir o nefasto paradigma do
Umberto Eco, segundo vimos, tem outra face. A face oculta do herói – portanto, a cara
Daily Planet (no caso análogo de Homem-Aranha, Peter Parker trabalha no Clarín).
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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No nosso exemplo, narrávamos o possível desencanto inicial de nosso jovem
consequências, que se estabelece sobre uma nova distinção hierárquica (que mostra a
moda, oferece um grande interesse ao princípio, mas logo costuma decair, à medida que
aprofundamos e nos damos conta de que a coisa não era tão extraordinária, depois de
tudo.
Funciona aqui o velho, tão humano, mecanismo mental da desilusão, tanto mais
efetivo quanto mais se idealizou seu objeto, fenômeno que tem seu reverso. Se, por
irrelevante, é muito possível que com o passar do tempo acabemos nos apaixonando
pelo tema. Chega a parecer que a modesta aparência com a qual se apresenta, é
enganosa. Algo parece lógico ao colocá-lo entre parênteses, ao tirá-lo de seu contexto
Por isso não devemos depreciar a priori nenhum tema nem fenômeno. Em
matéria de ciências sociais, parece que as coisas não podem ser medidas por sua
envergadura, não há coisa social pequena. Alguns dos mais importantes pesquisadores
sociológicos de nosso tempo parecem ter seguido esta consigna. Prestemos atenção ao
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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mediante a qual se assinala a altura filosófica, eu as engendrei para deixar as
contribuições teóricas mais importantes nos incisos ou nas notas ou para introduzir
arruinadas no panorama atual da pesquisa. Espero ter conseguido mostrar pelo menos
parte das estratégias das quais se vale o sistema acadêmico para ocultá-las, enterrando-
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Epílogo. O pesquisador como intelectual crítico
exceção até torna-la digna de tanta atenção como a que se empresta à regra. Mas
acontece que aquela linha não é estática, mas se modifica em função das circunstâncias
Estou de acordo com aqueles que, como Todorov, ao final de seu Morais da
história, reclamam uma tomada de postura por parte dos intelectuais como um dever
moral se o que se quer é que seus trabalhos de pesquisa sirvam para melhorar a vida das
pessoas e, em especial, as que fazem parte dos grupos sociais com menos
oportunidades.
alegre, que “tomar postura” equivale simplesmente a declarar-se crítico ou desejar sê-lo,
de pesquisa constante para sintonizar, a cada dia, uma frequência que muda
neste ponto, e apenas começamos a preparar as estratégias para desmontar suas ações
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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terroristas, quando desapareceram do mapa. Não só é que hoje se encontram já em outro
lugar, mas que se mostrarão seguramente sob outra forma ou disfarce. Daí que muitos
poder, por sua vez, posicionar-se e tentar de neutralizá-lo com a caneta e a palavra,
armas tão afiadas ou más que a espada, como se tem demonstrado ao longo da história.
Nessa busca, a utilidade dos mapas é relativa porque a “natureza” do social é um terreno
econômica, a posição do intelectual deve ser mais radical que em épocas de bonança
graves.
perderia um tempo vital que os inimigos da igualdade aproveitariam para fugir. De igual
maneira, tampouco podemos perder tempo em partes enfastiantes com uma linguagem
a esclarecê-los a cada pouco. Não pode, moralmente, porque deve ter presente que “sua
daqueles aos que pretende “salvar”, ou seja, aqueles que, neste momento, estão sofrendo
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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Com isso, o intelectual não recupera nenhuma função messiânica porque não é
um déspota. Sabe que, em uma época na qual a violência simbólica toma o relevo da
violência física em muitas dimensões da vida social, que é despotismo, ainda que seja
ilustrado. Faz bem em localizar a posição das armadilhas e sinalizá-las. Depois, pode
ficar ou não para ajudar aos que pedirem para evitá-las. Com sua sinalização, que
massivos, cumpre com seu dever como cidadão que aspira a melhorar a vida de seus
habitantes do planeta.
ainda que esta última dependa menos do passado recente do que se costuma pensar.
Nem o número de anos de uma população, nem o de suas normas de direito positivo
exclusão social que tem aspecto de buraco negro imprevisível. Nesse caso, a
degeneração pode ser tão rápida que as armadilhas podem parecer inclusive primitivas.
Daí que não requerem instrumentos heurísticos muito especializados por parte dos
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Gil Villa; Fernando. O que significa pesquisar? Exorcismo do trabalho de pesquisa.
Tradução: Hildegard Susana Jung São Paulo: Edições Hipótese, 2017.
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