Este memorial aborda a difícil viagem historiográfica na disciplina
Historiografia Brasileira, ministrada pelo professor Luiz Blume, aqui nos prenderemos a quatro textos (A operação historiográfica, Historiografia: teoria e prática. História e conhecimento: uma abordagem epistemológica. E História, memória e tempo presente), por fim tentaremos estabelecer um diálogo entre o texto é Possível uma Hermenêutica Urbana? De Bernard Lepetit com nossa proposta de pesquisa.
Em uma primeira parte procurarei fazer pequenas resenhas dos textos
elencando os principais pontos que me chamaram atenção, tentando relacionar o “eu” antes dos textos e o quanto essas leituras me fizeram melhorar enquanto historiador, por se tratar de uma reflexão intima deixarei o formalismo acadêmico um pouco de lado, nada que prejudique a leitura, mas algo que se aproxime de “impressões primarias” ou um papo mais casual.
Por fim concluirei o texto revisitando meu projeto somando as reflexões
de Lepetit ao texto, buscando meus equívocos e amadurecendo meu projeto como um todo.
1 texto
CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica. In: A Escrita da História, Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1201, p. 31-119.
Revisitando minhas anotações após primeira leitura me deparei com
opiniões que ainda concordo “Texto cansativo, por conta da linguagem bastante erudita” foi um esforço grande localizar o debate, minha primeira leitura desse texto se deu na disciplina de história e literatura, ministrada pela professora Laila Brichta, naquele momento pouco entendi do texto, fiquei apenas no debate do lugar social do historiador e os limites estabelecidos pela academia. No texto o autor defende que a História seria ao mesmo tempo uma disciplina, uma prática e uma escrita.
“Encarar a história como uma operação será
tentar, de maneira necessariamente limitada, compreendê-la como a relação entre um lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão, etc.), procedimentos de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma escrita). É admitir que ela faz parte da ‘realidade’ da qual se trata, e que essa realidade pode ser apropriada ‘enquanto atividade humana’, ‘enquanto prática’. Nesta perspectiva, gostaria de mostrar que a operação histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas ‘científicas’ e de uma escrita.” (p. 66)
Esse pensamento retira da História o caráter filosófico e aloca a História
em uma disciplina, assim a História não é refém do historiador que a escreve, a História não é um ato interpretativo do passado ao qual qualquer um pode fazer. O que garante a História seu status é a sua revisão disciplinar feita pelos seus pares de profissão.
Hoje em tempos de WhatsApp, Facebook e pós verdade a fala do
historiador e jogada na vala rasa, junto com todo o senso comum, pra se falar de leis chama se um jurista, de arquitetura um arquiteto, pra se falar do passado, qualquer um serve, desde que sustente as ideias previas. Com o avanço dos jornalismos históricos a História “cientifica” tem sido colocada como ideológica, como se uma produção de cunho pessoal, feita com fontes costurada para dar sentido a uma interpretação anterior à pesquisa fosse isenta de posicionamento politico.
O texto é quase uma terapia dizendo onde está o limite da nossa
profissão, uma reflexão sobre o nosso ofício, hora defendendo como uma operação, hora nos alertando sobre os nossos passos. História é uma OPERAÇÃO, um fazer, não é um mero discurso que se torna concreto ao proferi-lo, mas uma relação constante de fabricação, talvez a história não seja idêntica ao passado proferido, mas não é esse o objetivo da história, a História busca compreender, com fontes verificáveis, o passado, essa é nossa profissão e ela tem um lugar.
“Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar
de produção socioeconômico, político e cultural. Implica um meio de elaboração que circunscrito por determinações próprias [...] É uma função deste lugar que se instauram os métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões que lhes serão propostas, se organizam.” (p. 66-67).
Toda produção historiográfica tem um lugar social, e este lugar é um não
dito no texto historiográfico, não que isso seja invisível aos historiadores, fatalmente bons historiadores identificam o “entre linhas” e o “pré-texto”, além disso, muito da nossa crítica vem dessa análise, mas captar os caminhos teóricos e as escolhas dos documentos é um debate muito dentro da linha de pesquisa ou do grupo de trabalho, correndo o risco de ser uma produção muito de nicho, importantíssima para um grupo de poucos, contudo sendo esses poucos muito importantes essa produção ganha muita relevância.
O que permite e o que proíbe – o lugar: “Antes de
saber o que a história diz de uma sociedade, é necessário saber como funciona dentro dela. Esta instituição se inscreve num complexo que lhe permite apenas um tipo de produção e lhe proíbe outros. Tal é a dupla função do lugar. Ele torna possíveis certas pesquisas em função de conjunturas e problemáticas comuns. Mas torna outras impossíveis; exclui do discurso aquilo que é sua condição num momento dado; representa o papel de uma censura com relação aos postulados presentes (sociais, econômicos, políticos) na análise.” (p. 77)
Num bate papo pós-aula o assunto é polêmico, adentrar um grupo de
pesquisa estabelecido é um baita incentivo, te dá ânimo, força, no solitário trabalho de pesquisa, entretanto é necessário pensar que isso também desacelera a produção historiográfica criando “condados acadêmicos”, onde se estabelece uma cadeia de citação e leituras obrigatórias que se retro alimenta. De certa forma acabamos modelando a produção historiográfica e reduzindo o debate historiográfico a um debate entre os grupos de pesquisa, penso que essa polarização mais desagrega do que agrega, felizmente nunca vivi tal mundo, dada minha insignificância neste vasto mundo.
No fim é a academia em grande parte que decidirá nossos caminhos,
juntamente com nossas experiências, nossas predileções teóricas e políticas, o caminho da historiografia é um caminho mediado, isso não é de todo ruim sem mediação eu mesmo não seria um quinto do que sou. Sem a mediação dificilmente evoluiria na minha prática, mal sabia separar e selecionar fontes, logo não sabia pesquisar, para Certeau
“Não se trata apenas de falar estes ‘imensos
setores adormecidos da documentação’ e dar voz a um silêncio, ou efetividade a um possível. Significa transformar alguma coisa, que tinha sua posição e seu papel, em alguma outra coisa que funciona diferentemente. Da mesma forma não se pode chamar ‘pesquisa’ ao estudo que adota pura e simplesmente as classificações do ontem que, por exemplo, ‘se atêm’ aos limites propostos pela série H dos Arquivos e que, portanto não define um corpo objetivo próprio [não tem um problema definido]. Um trabalho é ‘científico’ quando opera uma redistribuição do espaço e consiste, primordialmente, em se dar um lugar, pelo ‘estabelecimento das fontes’ – quer dizer, por uma ação instauradora e por técnicas transformadoras.” (p. 83)
De modo simplista a prática do historiador é a articulação entre o natural
e o cultural e a seleção de suas fontes. Contudo, é importante pensar que o recorte da documentação está sujeito ao lugar social da produção e do individuo (CERTEAU,1982, p. 81-2) o autor propõe uma História interdisciplinar. A História buscaria por modelos e conceitos de outras áreas, criticando-os, experimentando-os e assim controlando o que poderia estar coerente e o que estaria equivocado (CERTEAU,1982, pp. 88-9).
O fazer historiográfico seria um grande trabalho operário, o historiador
se debruça em uma massa disforme de informações, seleciona os melhores “pedaços” para sua obra, usam as técnicas e os métodos da sua disciplina, assim o seu “estilo” é estabelecido pelo seu lugar social, e por fim produzimos História ao dar forma ao nosso objeto. Segundo o autor a diversas maneiras de fazer, contudo a técnica é indissociável do trabalho historiográfico, a técnica faz parte da operação. A operação historiográfica hoje se localiza nos limites, nos desvios.
“Atualmente o conhecimento histórico é julgado
mais por sua capacidade de medir exatamente os desvios – não apenas quantitativos (curvas de população, de salários ou de publicações), mas qualitativos (diferenças estruturais) – com relação às construções formais presentes. [...] O conhecimento histórico fez surgir, não um sentido, mas as exceções que a aplicação de modelos econômicos, demográficos ou sociológicos faz aparecer em diversas regiões da documentação. O trabalho consiste em produzir algo de negativo, e que seja ao mesmo tempo, significativo. Ele é especializado na fabricação das diferenças pertinentes que permitem ‘criar’ um rigor maior nas programações e na sua exploração sistemática.” (p. 91)
Ao procurar o coerente e o equivoco o historiador se especializa em
identificar os desvios, aquilo que não necessariamente negue a teoria ou o modelo explicativo, mas aquilo que possa ser entendido e significado qualitativamente, o objeto historiográfico é desenhado do desvio para o geral, sendo um recorte, nessa busca pelo particular o historiador reflete sobre o todo e compreende como é possível a particularidade, assim a operação historiográfica não destrói a História geral nem a entende como sólida e acabada.