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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Instituto de Ciências Sociais

Curso de Ciências Sociais

Disciplina: Teoria e Ensino das Ciências Sociais Turma: 2

Prof.: Raquel Emerique

Aluno: Anderson Ribeiro da Silva

O conhecimento, mais do que incomensurável, representa um exercício, um movimento


que incorpora leituras e impressões da realidade e da memória coletiva, capaz de fomentar
apropriações e pertencimentos, o que corrobora para a adesão e fortalecimento da vida social.
O marco da Era Moderna nos exemplifica o quão importante pode ser a universalidade do
ensino. A educação representa a condição básica da cidadania, o que justifica comungar dos
interesses do conjunto da sociedade. É um inclusor primário, sem o qual não se pode planejar
qualquer outra iniciativa ou política pública derivada dessa premissa.

O mesmo marco que revela a importância de uma base de ensino universal e ampla,
também expõe uma deficiência que se estenderá até os dias atuais. O conhecimento quando
vertical e imposto, se traduz em saber hegemônico, que deve ser assimilado e incorporado, sem
discussões ou questionamentos. Essa verticalização da matriz do conhecimento só ratifica as
cisões e desigualdades históricas, fixando na consciência coletiva a ideia de que um estado de
coisas vigente não poderia ser transformado.

Gabriel, o Pensador relata em sua composição "Estudo Errado" os desdobramentos de


uma educação inflexível na vida de um adolescente na rede pública de ensino. É comum
fixarmos a escola como a instituição garantidora da evolução e da ocupação do sujeito até sua
emancipação. Pensa-se cotidianamente em um mero reprodutor da vida social, onde a
competição fomentada pelos mercados seria o grande ensejo do ensino. Médias, performances
e condutas são as tônicas que conduzem a prática pedagógica. Tudo isso iria na contramão do
que vem se debatendo, especialmente a partir da segunda metade do século XX.
Gabriel identifica que o aluno, que é o grande interessado e objeto do esforço
pedagógico, não pode ser qualificado como mero receptor de conhecimentos. Esse sujeito é
dotado de capacidades pouco aproveitadas nesse processo, que deveria servir justamente para
inspirá-las. Ao ser posicionado na condição de acumulador, sem nenhum princípio contestador
ambientando o processo de aprendizagem, a égide da educação, que é a participação, é
sobreposta pela competição, o que produz distanciamentos, tornando a adesão ao projeto de
sociedade uma incógnita, apenas referendado por uma lógica reprodutora de disputas e isenções
sobre a coisa pública.

O processo de formação do saber requer ação deliberativa, participação ativa mirando


a capacidade de articular conhecimentos prévios com saberes outrora restritos.
Definitivamente, o conhecimento não se produz em mão única, sem considerar o agente
interessado, que também tem posições e ideias de mundo, mesmo que preliminares. O saber-
fazer precisa estar alinhado com as dinâmicas sociais em questão, sendo capaz de trazer o aluno
e sua comunidade para o ambiente de produção desse conhecimento.

A abordagem multidisciplinar confere um caráter inclusivo ao processo de


aprendizagem e é nesse sentido que podemos olhar para a Sociologia. Todo conhecimento
depende de um instrumental analítico que dê condições de dialogar com a sociedade,
considerando toda forma de entendimento e de leitura da realidade e ampliando a perspectiva
de compreensão do universo social que rege as relações em questão. A Sociologia, mais do que
ferramenta de análise dos movimentos sociais e da história das relações de classe, é um artifício
que pode articular saberes para promover leituras ampliadas do contexto.

É importante que tenhamos em mente que o mundo que circunscreve a vida social dos
indivíduos possui alegorias que constitui o campo terreno das realizações e percepções dos
mesmos. Assim afirma Mills:

"Hoje em dia, os homens sentem, frequentemente, sua vidas privadas como uma série
de armadilhas. Percebem que dentro dos mundos cotidianos, não pode superar suas
preocupações, e quase sempre têm razão nesse sentimento: tudo aquilo de que os
homens comuns tem consciência direta e tudo o que tentam fazer está limitado pelas
órbitas privadas em que vivem. Sua visão, sua capacidade estão limitadas pelo
cenário próximo: o emprego, a família, os vizinhos; em outros ambientes,
movimentam-se como estranhos, e permanecem espectadores. E quanto mais
consciência tem, mesmo vagamente, das ambições e ameaças que transcendem seus
cenários imediatos, mais encurralados parecem sentir-se." (MILLS: 1969)

A educação nesse sentido precisa ser objeto de transformação, de transposição dessas


disposições, procurando estimular interpenetrações sobre essas órbitas privadas das quais o
Mills nos cita. A mera percepção cotidiana da realização pessoal sugere uma busca, que se
propõe incessante, pelos meios necessários para acessá-los e mantê-los, sustentando a ideia de
uma labuta diária, pessoal e intransferível, quando sabemos que diversos outros indicadores
sociais regulam e influem nos arranjos os quais almejamos.

Uma vida em sociedade requer, não apenas uma boa finança e uma sólida formação
familiar. Além de questões econômicas, afetivas e materiais, é preciso prezar pela herança e
apropriação história. Nossa memória precisa ser perpetuada para gerar horizontes de
comparação e de análise para interpretarmos nossas ações. E não falo de lembranças, das que
fixamos no tempo para cristalizar, lançando uma camada de ternura, a distinguindo do tempo
presente.

É necessário pensar a história de maneira crítica, capaz de extrair análises e avaliações


de momentos históricos, visando justamente o futuro, este que é o grande interesse da
Humanidade. Mills avança afirmando que:

"E, apesar disso, os homens não definem, habitualmente, suas ansiedades


em termos de transformação histórica e contradição institucional. O bem-estar que
desfrutam, não o atribuem habitualmente aos grandes altos e baixos das sociedades
em que vivem. Raramente tem consciência da complexa ligação entre suas vidas e o
curso da história mundial; por isso, os homens comuns não sabem, quase sempre, o
que essa ligação significa para os tipos de ser em que estão se transformando e para
o tipo de evolução histórica de que podem participar. Não dispõe de qualidade
intelectual básica para sentir o jogo que se processa entre os homens e a sociedade, a
biografia e a história, o eu e o mundo. Não podem enfrentar suas preocupações
pessoais de modo a controlar sempre as transformações estruturais que habitualmente
estão atrás deles." (MILLS: 1969)
Educar exige trazer o sujeito para dentro do debate, procurando inferir sobre os
paradigmas que compõe o cenário cotidiano. Somos sujeitos advindos de um momento
histórico, que dialoga com uma complexa rede de tensões e enfrentamentos, os quais o
indivíduo precisa perceber. E isto deve integrar a prática educativa. Mills, ao teorizar a
imaginação sociológica, nos diz que "... nos permite compreender a história e a biografia, e as
relações entre ambas, dentro da sociedade. Essa a sua tarefa e sua promessa."

A Sociologia é de fato um instrumento de análise e fomento da prática de pesquisa


indispensável à vida acadêmica em todos os momentos da trajetória escolar. E isto é realçado
no texto por precisarmos considerar a vital importância do exercício da autonomia. Como
réplica da vida social, almejando estar em consonância com as abstrações e previsões de
atmosferas políticas em constante transformação, a escola deve ambientar o processo
democrático, conjeturando as relações que ali se manifestam ao constarem as representações
imediatas, ou seja, os alunos. Durks e Silva, em referência a Cornélius Castoriadis. Afirmam
que:

"O universo da educação, em Castoriadis, confunde-se com o universo de


autoconstituição do humano no mundo social e histórico. A tarefa da educação, numa
sociedade democrática, articula-se com a constituição da autonomia humana. Só
podem existir sociedades democráticas (âmbito social) quando existem indivíduos
autônomos (âmbito individual). Mas, o que significa autonomia? Como se articulam
as dimensões individuais e sociais no conceito de autonomia de Castoriadis? Qual o
significado do conceito de autonomia na esfera da vida política?" (DURKS e SILVA:
2015)

Uma escola precisa expor as dinâmicas que ditam os rumos da vida social futura,
colocando o sujeito em contato permanente e aproximado com os tocantes que influem suas
vidas. O processo de inclusão só pode ser mediado por meio da concessão da participação na
construção da abordagem educacional. O conhecimento é fruto da relação autônoma entre
aqueles que mantem algum nível de relação, de troca. A aprendizagem não se origina apenas
da oralidade vertical, produzida por uma agente mirando um conjunto. O processo depende da
adesão das partes integrantes. Estão todos em meio a um processo histórico, mesmo com suas
competências mantidas, que não cessa e solicita sua elucidação.
Autonomia e deliberação são parcerias indispensáveis à abordagem educacional, pois
são dimensões indissociáveis, que costumam manter uma frequência permanente. Eu exerço
minha autonomia deliberando sobre minhas intenções e, por conseguinte, legislo porque exerço
minha plena autonomia de juízo. Os dois autores anteriormente citados constatam nas reflexões
de Catoriadis sobre a tese freudiana que:

"Segundo Castoriadis (2010), a influência do discurso do Outro para a constituição


da autonomia individual é o fator considerado como “o problema” da dimensão social
em muitas interpretações da teoria psicanalítica freudiana. Por isso, em sua leitura da
teoria freudiana, a autonomia se dá pelo entrelaçamento da compreensão das
instituições imaginárias instituídas na sociedade e a própria compreensão e
elaboração da constituição do imaginário social radical (criativo) do coletivo
anônimo." (DURKS e SILVA: 2015)

O conhecimento não se constitui de uma retórica hegemônica e imparcial, de modo que


todo indivíduo é parte integrante do processo de formulação das bases desse ensino. O ensino
é prática corrente do exercício da deliberação, o que pressupõe o necessário fomento da
autonomia na condição de princípio ordinário da vida social e, portanto, da prática educativa.

A composição do rapper carioca enuncia sobre o distanciamento patente entre o alunato


e a escola, reprodutora de um claro raciocínio hegemônico. E a inquietação relatada pelo autor
descreve a sensação de um sujeito em vias de formação mas obstruído pela ineficácia de uma
pedagogia da competição e da reprodução. Ele quer fazer parte da discussão, intervir no
processo decisório, ser parte efetiva na transformação coletiva. E até o aluno da letra percebe
que a escola é o espaço da formação do caráter e do exercício democrático.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MILLS, C. Wright. "A imaginação sociológica", cap. I, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1969.

DURKS, Daniel Bardini e SILVA, Sidinei Phitan da. "Autonomia e educação: um percurso em
Cornéluis Castoriadis" 37ª Reunião Nacional da ANPEd – 04 a 08 de outubro de 2015, UFSC
– Florianópolis, disponível em http://www.anped.org.br/sites/default/files/poster-gt17-
4129.pdf às 23:12 do dia 12 de dezembro de 2016.

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