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CAP. 2. Uma abordagem lúdica dos textos: o jogo teatral entre os atores, o
diretor e o dramaturgo
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3.3.2. A teoria e a criação de imagens durante a leitura..........87
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Introdução
Como aprender a ler, criar e ensinar a cena teatral contemporânea que vai
além do modelo dramático? Como abordar de forma integrada a teoria e a
prática da dramaturgia e da encenação em sala de aula? Como desenvolver
experimentos1 de encenação e recriação dramatúrgica centrados numa
abordagem lúdica e crítica do texto teatral? Estas questões são o ponto de
partida desta investigação e dizem respeito ao professor de teatro em
formação, tendo em vista o seu trabalho futuro com alunos da disciplina
“Teatro” no ensino fundamental e médio ou com participantes de oficinas e
outros processos de ação cultural.
1
Utilizamos este termo no sentido resumido por Koudela : “Brecht utiliza os termos Erlebnis
(experiência) e Experiment (experimento). (...) A diferenciação estabelecida por Brecht para o
conceito de aprendizagem insinua uma visão crítica do princípio pedagógico learning by doing,
que se limita a expor o aluno a uma situação de aprendizagem, sem que haja uma
problematização do objeto a ser aprendido. Brecht refere-se a elementos de comentário que
devem ser introduzidos na experiência. Ou seja, a reflexão deve conduzir o processo de
aprendizagem, transformado, então, em experimento.” ( Koudela, 1996, p.103 ).
2
MEC. Diretrizes Curriculares para o ensino do Teatro e da Dança, em nível de graduação”.
Brasília:SESu-CEEARTES, 1998.
3
A esse respeito, veja-se Santana, Arão.Teatro e formação de professores, São Luís, EDFMA,
2000.
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A encenação na pedagogia
4
“ Utilizamos o termo no sentido de eventos fora dos padrões convencionais do espetáculo
teatral, que podem associar idéias, artes visuais, teatro, dança, música, vídeo, poesia,
geralmente, utilizando espaços não destinados ao teatro e, muitas vezes, envolvendo o público
em um ritual cênico, no qual tende a se tornar participante, em detrimento de sua posição de
assistente”. (Cohen, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de
experimentação, São Paulo, Perspectiva, Edusp, 1989. pp. 28-30)
5
Atos organizados em torno do jogo teatral com textos da peça didática brechtiana, que no
Brasil tem no trabalho de Ingrid Koudela sua principal referência. São rituais sociais nos quais
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e Peter Brook, quando afirmam que o encenador não deve entender por ensaio
a submissão àquilo que já está estabelecido anteriormente, mas como uma
experimentação de diferentes possibilidades de configuração das cenas. Cabe
ao coordenador descartar as soluções fáceis e desvendar crises que promovam
novas descobertas, sem receio de reconhecer que nem sempre conhece a
solução dos problemas que surgem. A confiança que os participantes
depositam nele é resultante do fato de que ele é capaz de decifrar aquilo que
não é a solução. Sendo assim, o encenador deve utilizar os mais variados
estímulos, provocando a multiplicidade de pontos de vista, estimulando novas
experiências e a atitude de pesquisa dos participantes.
Sendo assim, consideramos que uma das opções para a formação do professor
de teatro é a perspectiva do professor como encenador, entendido aqui como
aquele que busca realizar o ato cênico sem quebrar a continuidade da oficina,
mantendo o caráter coletivo do trabalho e o respeito ao grupo. O objetivo
central de sua prática não é montar espetáculos, mas sim, o desenvolvimento
do grupo na leitura e na criação da cena em moldes contemporâneos. Ao
professor cabe ser capaz de propor e coordenar experimentos de encenação
nos quais os grupos participem como co-autores do discurso cênico.
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A maioria das montagens vem sendo desenvolvida através do jogo teatral com
diferentes espécies de textos: narrativos (romances, contos, literatura de
cordel), literatura oral (romances cantados, músicas, provérbios) ou
dramáticos. Até o presente momento foram realizadas diversas mostras que
apresentaram ao público da cidade do Natal mais de vinte encenações, cuja
dramaturgia foi elaborada através de jogos com textos de autores como Kafka,
Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Bráulio Tavares, Nelson Rodrigues, Bertolt
Brecht, Shakespeare e Fernando Arrabal, dentre outros.
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Expressão utilizada por Monique Borie para analisar a natureza pedagógica da prática teatral
de Grotowski e Eugenio Barba (1987, p. 127)
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Assim procedem Augusto Boal, Ingrid Koudela, Maria Lucia S. B. Pupo, Joana Lopes, Beatriz
Cabral, Joaquim Gama, Arão S. Paranaguá, dentre outros.
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Esse diálogo ocorreu entre os ensaios, em reuniões sobre o encaminhamento da dramaturgia,
e na entrevista concedida em 30 de março de 2006, na qual o diretor José Celso Martinez Corrêa
expôs sua visão sobre a aprendizagem de importantes textos clássicos brasileiros na escola e na
prática teatral. A realização de uma mesa redonda sobre a relação criativa entre o diretor e os
demais membros do grupo, no evento Ilhas de Desordem, - que coordenamos em conjunto com
o prof. Marcelo Denny, no Departamento de Artes da Escola de Comunicações e Artes da USP,-
também foi esclarecedora para complementar o estudo sobre esse diretor.
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11
Cf. Koudela (1997), Pupo (1997) e Spolin (1999).
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O leitor desta tese terá a oportunidade de constatar que alguns dos tópicos
apontados são retomados em diferentes capítulos. Como aqui se trata de
expor linearmente modalidades de trabalho que não ocorrem dessa maneira,
salientamos que em cada um dos capítulos é lançada uma luz mais direta
sobre determinado aspecto da proposta.
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Capítulo 1. O texto como ponto de partida de
experimentos coletivos de aprendizagem e criação.
Como aprender a ler e a criar a cena teatral contemporânea que vai além
do modelo dramático? Esta questão é o ponto de partida de nosso trabalho
e diz respeito ao professor de teatro em formação, tendo em vista seu
trabalho futuro com alunos da disciplina Teatro no ensino fundamental e
médio - a partir da 5ª série - ou com participantes de um processo de ação
cultural. A proposta que sintetizamos nesta pesquisa articula dois princípios
fundamentais na tentativa de solucionar esta questão: o jogo de encenação
colaborativa - com a vivência de diferentes funções criativas pelo mesmo
indivíduo - e a análise hipertextual da dramaturgia, que visa integrar o
exercício da criação cênica com a apropriação da teoria e da história do
teatro.
Partimos de alguns princípios que podem contribuir como uma das opções
metodológicas para o professor de teatro interessado em fazer de um texto
teatral o início de um experimento de aprendizagem da encenação. São
eles:
- Uma primeira fase de contato direto dos atores com a textualidade, sem
mediação do professor ou da teoria ou da história, é fundamental para
gerar material cênico próprio do grupo, ver como os participantes reagem
ao tema e à estrutura do texto, sem racionalizações prévias nem mediação
teórica do professor. Nesta etapa da abordagem consideramos importante a
prática de jogos de apropriação de textos, como defendidos por Koudela,
Pupo, Ryngaert e Steinweg.
1
formal, pelo uso de espaços não previamente destinados ao teatro, assim
como, a apropriação lúdica ou estranhada (Meyerhold/Brecht) da caixa
cênica (à italiana) e a mistura de linguagens: teatro, performance, vídeo,
música.
1
No sentido do ator como “compositor de ações” físicas e vocais, segundo os principais
autores da pedagogia do ator (Aslan, 1994). Em recente trabalho, Bonfitto concluiu que são
três os aspectos centrais do trabalho do “ator-compositor”: ”a ação física, seu eixo; as
práticas improvisacionais e os seres ficcionais”. Esse autor ressalta a importância da ação
como instrumento central, uma espécie de “fio condutor” do trabalho do ator
contemporâneo para ”fazer das diferentes teorias ou técnicas de interpretação, pontos de
um mesmo fio, engrenagem de um mesmo eixo, faces de um mesmo sólido”. (Bonfitto,
Matteo. O ator-compositor. São Paulo, Perspectiva, 2002, p.140).
2
1.1.1. Relações entre pedagogia e encenação
2
Cruciani, Fabrizio. “Aprendizagem:exemplos ocidentais”. In: BARBA, Eugênio e SAVARESE,
Nicola. A Arte secreta do Ator, Dicionário de Antropologia Teatral. Campinas, São Paulo,
Hucitec/ Unicamp, 1995, pp.26-29., p. 26.
3
Picon-Vallin, Bétrice. "Stanislavsk et Meyerhold, metteurs en scène-pédagogues” In: Le
metteur en scène en pedagogue, L’ Art du théâtre n.8, Actes Sud/Théâtre National de
Chaillot, 1987. p. 106.
3
Meyerhold concretizou a ampliação da perspectiva pedagógica do
encenador moderno quando manteve o seu próprio estúdio (1913-1917).
Em 1918 ele criou cursos para encenadores e cenógrafos, e em 1921
inaugurou as “oficinas de encenação” e um “laboratório de técnicas do
ator”. O ator Garine escreveu que nos atelliers todo mundo aprendia, "os
professores e os alunos".
Por outro lado, a pedagogia para a cena é vista como uma pedagogia para
a vida, devendo extrapolar o aprendizado da linguagem teatral. Para
Dantchenko, “um autêntico encenador deve ser um pedagogo”, ao passo
que para Stanislavski, o ator deve ser um "homem ideal", a saber:
4
Stanislaviski, 1989, p. 110.
5
Copeau cit. in Ertel, Èvelyne. “Commencer par le commencement” In: L’ art du théâtre
n.8: Le metteur en scène en pédagogue. Paris, Actes Sud/ Chaillot Théâtre National, abril de
1988. p. 119.
4
“A pedagogia como um ato criativo é uma realização da necessidade de criar
uma cultura teatral, uma dimensão do teatro cujos espetáculos somente
satisfazem parcialmente, e que a imaginação traduz em tensão vital. É por
isso que no princípio do século vinte o teatro existiu primariamente por
intermédio da pedagogia (antes que isso se tornasse enaltecido, organizado
e didático) e porque a pedagogia pode ser vista como uma linha direta na
6
continuidade da maioria das experiências teatrais significantes da época.”
No início dos anos 20, Renato Vianna deflagra sua luta utópica pela
renovação dos processos artísticos e do sistema ético no teatro, com o
lançamento da sua peça “A Batalha da Quimera”. A história do teatro
brasileiro ainda não valorizou o suficiente a figura desse artista como sendo
a primeira manifestação brasileira da arte do encenador. Na pesquisa ainda
não publicada “A Batalha da Quimera – Renato Vianna e o modernismo
cênico brasileiro“, Sebastião Milaré defende a tese de que foi Vianna o
pioneiro da encenação brasileira. Segundo ele, para a maioria dos autores,
parece suficiente citar o espetáculo “A Última Encarnação do Fausto”,
(1922), com a participação dos modernistas Heitor Villa-Lobos e Ronald de
Carvalho, como sendo apenas uma tentativa de se fazer “teatro síntese”
representando uma contestação à velha escola teatral através da subversão
dos valores cênicos, sem perceberem a raiz profunda da tentativa de
modernização do teatro realizada por Renato Vianna.
6
Barba in Cruciani, op.cit., p. 28.
7
Borie, op.cit., p.128.
8
Milaré, Sebastião. “Apontamentos cronológicos do desenvolvimento da encenação no
Brasil”. IN: Sete palcos, revista da cena lusófona. Lisboa, 1998.
5
situações e palavras, usar de recursos luminosos e sonoros” e, para
escândalo dos seus contemporâneos, ousou “representar de costas para o
público tentando esquecer-se deste na procura da verdade na arte”.9 Milaré
vai de encontro a críticos do relevo de Sábato Magaldi, Gustavo Doria,
Bárbara Heliodora que apenas mencionam de passagem o significado
histórico de “A Última Encarnação do Fausto”, como tentativa de
modernização dos nossos palcos, mas não cogitam consignar-lhe o título de
“modernista cênico”.
9
Paschoal Carlos Magno, artigo publicado sob o título “Jesus bate às portas, no Regina”, no
Correio da Manhã, RJ, 15/01/1948 (cit. in Milaré s.d., p.2.).
10
Viana cit. in Milaré, Sebastião. Renato Vianna. São Paulo, (texto inédito, s/d), p.197.
11
Renato Vianna, cit. in Milaré, op. cit, p.198.
6
influenciaram diversos grupos no país, tais como Os comediantes. Na
década de 1940, com a intenção de valorizar o surgimento de uma
dramaturgia moderna, este grupo convida Ziembinski para dirigir a
montagem de “Vestido de Noiva”, espetáculo que se tornou um marco
fundamental na renovação do palco brasileiro.
12
Antunes Filho, cit. in Raulino, op.cit., p.262.
13
Raulino, op.cit., pp.182 e 184.
14
Fernando Peixoto, cit. in Raulino, op.cit, p.263.
7
“A única atitude respeitável para o teatro de hoje consiste em pôr à prova,
até o extremo limite de nossas energias, tudo o que sentimos vibrar de vida
humana, de protesto, de revolta. Qualquer tentativa de acorrentar essa
exigência de liberdade a teses e programas rígidos deve ser considerada
uma ameaça grave. Até mesmo a ambigüidade é importante e necessária”.
(…)15.
15
Jacobi cit. in Raolino, Berenice. Ruggero Jacobbi: presença italiana no teatro
brasileiro.São Paulo, Perspectiva, 2002 , p.274.
16
Jacobbi cit. in Raulino, op.cit., p.271.
17
Cf. Corrêa, 1998, p. 39.
8
pedagogia para o atuador/performático foi desenvolvida por Hamilton Vaz
Pereira à frente do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone (RJ). Os cursos de
Naum Alves de Souza deram origem ao grupo Pod Minoga (SP), dentre
outros.
18
Projeto da FUNARTE, órgão do governo federal que selecionava grupos de teatro fora do
eixo das grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, produzindo temporadas de seus
espetáculos nessas cidades.
19
No espetáculo Apocalipse 1,11, o público percorre o espaço de um presídio desativado, no
Brasil. A peça estreou em janeiro de 2000, como conseqüência de um projeto artístico e
pedagógico coordenado pelo diretor Antônio Araújo e seu grupo de atores do Teatro da
Vertigem, sendo considerada pela imprensa como a conclusão da “trilogia teatral da
década”.(Cf. Teatro da Vertigem.Trilogia Bíblica.(organização de Arthur Nestroviski).São
Paulo, Publifolha, 2002.)
9
O processo começou com workshops de improvisação a partir do tema
“apocalipse brasileiro”. Deste material, o autor criou um protótipo de texto,
que serviu de ponto de partida para o processo colaborativo de construção
das cenas e reconstrução simultânea do texto (cinco horas, cinco dias na
semana, durante dez meses). Neste período, o autor desta tese participou
na função de assistente do diretor e como membro da equipe do autor,
Fernando Bonassi. A metade dos ensaios com os atores foi voltada para
práticas de improvisação de novas cenas e de retomada dos jogos teatrais.
20
Na época, o maior presídio da América Latina, com mais de sete mil apenados.
21
Algumas delas, como a de direção, com acesso através de entrevistas e testes. Outras
permitiram o ingresso de iniciantes, sejam jovens atores ou técnicos em cenografia e
iluminação.
22
Baseamo-nos em autores como Sábato Magaldi, Décio de Almeida Prado, David Jorge,
Armando Sérgio, Mauro Meiches, Sílvia Fernandes, Luiz Fernando Ramos, dentre outros.
10
montagens, podemos compará-lo ao de uma escola de teatro, abordando e
recriando as propostas de autores como Stanislavski, Brecht, Oswald de
Andrade, Artaud, Grotowski, para ficarmos com os exemplos clássicos,
além de ter avançado e canibalizado a estética “pós-moderna”. Este diretor
investigou possibilidades da encenação não-dramática para, em seguida,
encontrar uma abordagem dramatúrgica que sintetizasse as propostas de
Brecht, Artaud e Oswald: o "Te-Ato" com texto clássico brasileiro, em “Os
Sertões”.
Propomos então que esta “atitude canibal” possa permear todo o processo
de criação dos experimentos conduzidos pelos alunos, desde a seleção e
utilização do espaço, à concepção cenográfica e dramatúrgica da
encenação. A Antropofagia é entendida em nosso trabalho, não como
movimento artístico, forma fixa ou modelo, mas como uma atitude:
23
ANDRADE, Oswald. Do pau-brasil à antropofagia e às utopias. (Obras Completas, vol. 6)
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1972.
24
GEORGE, David. Teatro e antropofagia. São Paulo, Global, 1985, p. 87.
11
Deste ponto de vista, o termo canibal tenta abarcar o indivíduo que olha a
obra cultural alheia com interesse, estranhamento o desejo de apropriação
crítica, sem a intenção de imitar, nem sentimento de inferioridade. Um
canibal sabe escolher o melhor referencial artístico de outro contexto,
capturá-lo, desconstruí-lo e rearranjá-lo conforme a dinâmica da sua
própria cultura. Ele se opõe ao colonizado e ao tradicionalista. O primeiro é
aquele indivíduo que absorve o elemento cultural produzido noutros lugares
como um modelo a ser seguido ou simplesmente admirado com respeito. A
abordagem tradicionalista compreende aqueles que defendem a não-
contaminação entre culturas, e a conservação das formas tradicionais do
passado recente, ou do folclore.
Dentro da trajetória dos quarenta e sete anos do grupo, até hoje, esse
projeto se destaca pela realização de oficinas pedagógicas sistematizadas,
abertas a atores de outros grupos e iniciantes, cujas pesquisas
contribuíram para a criação dos espetáculos. O encenador resume a gênese
da montagem de “OS SERTÕES” de Euclides da Cunha:
25
THOMAS, Gerald. “Menino você esteve com ele?” In: Fernandes, Silvia e Guinsburg,
Jacó.(orgs.) Um encenador de si mesmo: Gerald Thomas. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1996,
p.162.
12
eleitoral da primeira eleição direta para presidente, o teatro estava em
26
construção, e o livro tornou-se o objeto de força da luta do Oficina.”
“Na oficina Três Rios, apenas com seus corpos, um bastão, planejamentos e
seus pouquíssimos elementos, jovens reproduziam o que Zé Celso chamou
de ‘maquete de música, encenação para um espetáculo’ (...) Imagens
fotográficas arranhadas dão uma idéia do excelente resultado dos exercícios
que, inspirados pela força do texto, os alunos foram aos poucos
29
arquitetando” .
26
José Celso M. Corrêa em página do grupo na Internet: www.teatroficina.com.br
27
Ramos, Luis Fernando.“Dossiê Os Sertões”, Revista Sala Preta, São Paulo, Escola de
Comunicações e Artes, USP, 2002, pp.137-138.
28
Ramos, op. cit., p.137.
29
Vargas, Maria Tereza. “Dossiê Os Sertões”, Revista Sala Preta, São Paulo, Departamento
de Artes Cênicas da Escola de Comunicações da USP, 2002, p.141.
30
Jovem diretor paulista que há alguns anos pesquisa a estética teatral do dramaturgo e
encenador Samuel Beckett, através de diferentes montagens das suas peças com a Cia Nova
de Teatro Moderno.
13
apaixonada, exigente. Zé Celso me ajudou a estruturar questões antes não
pensadas como ‘Qual o sentido de encenar este texto?’ ‘Como atualizar a
questão do texto para o Brasil de hoje, como fazê-la ter sentido para uma
platéia contemporânea?’ Estudar para ensaiar, criar, voltar ao estudo, ler
muito, entender o que se está dizendo, como se está dizendo, para depois
poder improvisar. Aprendi também a respeitar o ator, e os demais
participantes, também como proponentes da cena, como alguém que não
apenas interpreta mas também propõe músicas, ações. Aprendi, no Teatro
Oficina, que a total liberdade é possível, quando se é rigoroso e se trabalha
31
muito, sem se contentar com as primeiras soluções” .
”Nesta adaptação, que nos serviu como referência para o trabalho atual, a
Campanha de Canudos se funde com a história dos presidentes (de Getúlio
às eleições diretas) e, com a transformação do Teatro OFICINA (de 1961 até
32
sua reconstrução).”
31
Polonini, Lenerson. (Entrevista ao autor, dezembro de 2004).
32
Corrêa, José Celso Martinez. “Os quatro tempos dos quarenta anos do Oficina”. Sítio do
Teatro Oficina na Internet: www.teatroficina.com.br
33
Corrêa, idem, ibidem.
14
Nos planos de José Celso pudemos perceber a influência da pedagogia
brechtiana 34 na mistura de atores e público, quando ele planejava
determinados encontros-happenings em torno de trechos literários, eventos
que se inspiraram na proposição do ato artístico coletivo de Brecht35.
Segundo esta proposta utópica de um teatro do futuro sem separação entre
atores e a audiência, os textos poéticos (fragmentos ou peças curtas) são
jogados, no sentido do Theaterspiel, ou seja, podem ser recriados conforme
as necessidades e o contexto:
34
Cf. Koudela (1997)
35
Conforme abordagem descrita por Koudela (1991;1997).
36
Corrêa, idem,ibidem.
37
Corrêa, idem,ibidem.
15
Após a primeira fase de leituras e improvisações, a edição de uma nova
versão do texto, feita no escritório, pelo diretor-autor e seus auxiliares
dramaturgistas, é o ponto de partida de um novo processo: a montagem,
onde podem ser ainda incorporadas cenas, quadros coreográficos, músicas,
sugeridas ou criadas pelos atores, técnicos, diretores e, por vezes, alunos.
16
Destacamos ainda a forma de avaliação das cenas. Enfoques como os
critérios de avaliação da atuação que diferenciam da atuação
“ensimesmada, narcisista, egocêntrica” da atuação “poética, em conexão
com os demais”, por exemplo, podem ser referência na prática do
professor.
38
Utilizamos neste trabalho a noção de procedimento teatral de Pavis, que denomina tanto
os recursos de criação dramatúrgica como os de encenação: ”O procedimento teatral é uma
técnica de encenação, de jogo cênico ou de escritura dramática da qual o artista se serve
para elaborar o objeto estético e que conserva, na percepção que temos dele, seu caráter
artificial e construído. (Pavis, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo, Perspectiva, 1999.
p.306).
17
esse imperialismo de ocupação da fantasia e liquidação por clichês pré-
fabricados e modelo da mídia. Serão apenas pequenos grupos que no futuro
possibilitarão a experiência estética e serão capazes de formular uma
qualidade política, ilhas de desordem no mar da nossa sociedade
capitalista.” 39
39
Muller, Heiner. Guerra sem batalha: uma vida entre duas ditaduras.(tradução de Karola
Zimber) Estação Liberdade,1997, p.57.
40
Nesta tese, utilizamos o termo dramático para designar tanto uma modalidade de
construção do texto teatral quanto de encenação, na perspectiva resumida por Pavis: ”O
dramático é um princípio de construção do texto dramático e da representação teatral que
dá conta da tensão das cenas e dos episódios da fábula rumo a um desenlace (catástrofe ou
solução cômica), e que sugere que o espectador é cativado pela ação. O teatro dramático
(que BRECHT oporá à forma épica) é o da dramaturgia clássica, do realismo e do
naturalismo da peça- bem-feita: ele se tornou a forma canônica do teatro ocidental desde a
célebre definição de tragédia pela Poética de ARISTÓTELES: imitação de uma ação de
caráter elevado e completo, de uma certa extensão [...],imitação que é feita pelas
personagens em ação e não através de um relato, e que, provocando piedade e terror, opera
a purgação própria de tais emoções”.(Pavis, op.cit., p.110.)
18
Torna-se necessário, por exemplo, relativizar o sistema de jogos teatrais
propostos por Viola Spolin. Quando o professor utiliza o jogo teatral e adota
critérios de avaliação de Spolin, como dizer ao ator “procure mostrar e não
contar” está utilizando e cobrando dos atores critérios inerentes ao modelo
de representação cênica do realismo. Nesta proposta, consideramos que o
professor pode contextualizar esteticamente estes critérios, assumindo
quando está experimentando um jogo realista, mas ressaltando nas
avaliações que existem muitas outras formas de configurar cenicamente a
mesma ação escolhida pelo grupo. É importante apresentar um leque de
opções, para que o grupo experimente um jogo teatral necessariamente
épico, com a instrução que visa a inserção de narrador(es) ou de coro(s),
cuja função seja “contar” (Cf. Pupo e Koudela). Além do contar e do
mostrar, a cena pode abstrair, pode trazer uma visão onírica, abstrata,
“não-figurativa,” do mundo representado. Um exemplo da imposição de
uma modalidade de representação se deu em um experimento num bairro
popular de Natal. Ao pedir que os alunos improvisassem uma situação que
gostariam de abordar no futuro espetáculo de um grupo que sairia da
escola, eles começaram a improvisar sem nenhuma ação no palco, apenas
com alguns gestos comedidos, reforçando um jogo de narrações em versos
rimados. Não havia ação dramática, apenas narração. Na posição de
coordenador, utilizamos as instruções de Spolin: “Não mostre, conte”, e em
determinado momento a dupla de atores parou e disse: “O senhor quer
parar de atrapalhar nossa invenção?” Percebemos naquele momento que
estávamos impondo a forma dramática tradicional, buscando a identificação
do espectador com os personagens mostrados. Enfim, cada exercício de
criação dos alunos, nesta proposta, deve ser comentado pelo professor, que
estimula o grupo a situar a opção adotada no contexto das demais
modalidades de encenação e opções dramatúrgicas.
19
espontaneamente. Muitas vezes percebemos que os grupos, por exemplo,
são moldados pelas referências de narrativa cênica da televisão e do
cinema realista hegemônico, e quando muito, da sua experiência anterior
como público de teatro, na maioria das vezes limitada, no Brasil, por vários
problemas de ordem econômica, social e educacional, dentre outros, que
dificultam o acesso às manifestações teatrais. A partir deste diagnóstico, o
coordenador pode propor a investigação coletiva de outras formas de
espetáculo.
20
Concordamos com Pavis que a análise do espetáculo não pode mais estar
vinculada a uma visão filológica, pela qual a encenação deve ser estudada
em função das operações em relação ao texto. Esta posição é importante
quando tratamos da disciplina e da análise dos espetáculos. Nossa pesquisa
considera esta visão uma contribuição importante para a análise da cena
contemporânea, que não deve ser descartada.
21
”(...) a principal função do professor não pode mais ser uma difusão dos
conhecimentos, que agora é feita de forma mais eficaz por outros meios.
Sua competência deve deslocar-se no sentido de incentivar a aprendizagem
e o pensamento. O professor torna-se um animador da inteligência coletiva
dos grupos que estão a seu encargo. Sua atividade será centrada no
acompanhamento e na gestão de aprendizagens: o incitamento à troca dos
41
saberes, a mediação relacional e simbólica (...).”
41
Lévy, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Editora 34, p.171.
42
Boal, Augusto. Jogos Para Atores e Não Atores. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,1998
pp.5- 10.
22
encaminhadas questões artísticas e pedagógicas. Em nosso experimento a
parti de Hamlet avaliamos que o protocolo digital, através da redação
coletiva de um ‘blog’ pode ser um instrumento excelente para democratizar
as informações, o planejamento dos encontros e as sugestões de inclusão
de textos no roteiro.
43
Brook, 1999, pp. 85-102.
23
parte dos alunos. Na fase final do experimento (analisada no capítulo 4), os
grupos propõem roteiros de encenação para um dos textos ou para novos
textos teatrais baseados na adaptação, na colagem, e/ou reescritura, dos
diferentes fragmentos analisados.
44
Sarrazac, Jean-Pierre. “L írruption du roman au théatre”. (tradução não publicada de
Paulo Roberto Massaro e Denise Radanovic) Théâtres en Bretagne, n. 9, avril, 1996, pp. II-
VII.
45
Sarrazac, Jean-Pierre. L`avenir du drame. Lausanne, Éditions de l’Aire, 1981, p.37.
24
Pretendemos estimular o desenvolvimento do rapsodo que existe em cada
um, o contador de estórias, que assume uma voz narrativa, isto é,
posicionar-se levando em consideração os diferentes pontos de vista sobre
o mundo. Valorizamos, porém que o aluno seja também capaz de
fragmentar sua fonte narrativa – nesta proposta, o texto teatral - e
conectar os trechos que lhe interessam, renovando a significação do texto
em função dos seus objetivos de comunicação com o espectador do seu
contexto.
46
Sarrazac, op.cit., p.28.
47
Sarrazac, op.cit., p. 230.
25
dialética apologética do Novo - a grande forma épica do teatro - em
48
detrimento da Antiga - o teatro dramático considerado moribundo.”
48
Sarrazac, op.cit., p.226.
49
Sarrazac, op.cit., p.229-230.
50
Voz esta que, segundo Sarrazac, não podemos reduzi-la ao sujeito épico szondiano.
(Sarrazac, op.cit., pp.229-230).
51
Sarrazac, op.cit., p.227.
26
Deste ponto de vista, os textos clássicos modernos são encarados em sala
de aula como um espaço de tensões, de linhas de fuga, de
transbordamentos do modo dramático pelo épico e/ou pelo lírico, um livre
jogo de contrários52 que os alunos são convidados a desvendar, mediados
pelo confronto com textos sobre teatro e fragmentos de outros textos
teatrais, provocado pelo professor.
52
Sarrazac, p.229.
52
Lescot, David; Ryngaert, Jean-Pierre. “Fragment/Fragmentation/Tranche de vie” in
SARRAZAC, Jean-Pierre (org.) Poétique du drame moderne et contemporain, lexique d’une
recherche. Études Théâtrales, n.22, Centre d’études théâtrales/Institut d’ études théâtrales-
Paris III, 2001, P.51.
27
efeito de quebra-cabeça ou de caos cuja eventual reconstituição é deixada,
54
em parte, à iniciativa do leitor”.
Muitas obras de Heiner Müller, por exemplo, nos oferecem o que ele próprio
prefere chamar de materiais teatrais, constituídos por verdadeiros blocos
maciços compactos de texto sem pontuação nem emissor definido, o que
ainda hoje perturba os mais conservadores. Uma característica é a
retomada de fábulas e da História, num cruzamento de citações, exigindo
do leitor o acesso a outros textos.
54
Ryngaert, 1998, p. 86.
55
A intertextualidade é a irrupção de um texto no outro. As relações existentes de texto
para texto são de ordens diversas e estabelecem os limites da intertextualidade: “Fora da
intertextualidade, a obra literária seria muito simplesmente incompreensível, tal qual a
palavra de uma língua desconhecida. De fato, só se aprende o sentido e a estrutura de uma
obra literária se a relacionarmos com seus arquétipos - por sua vez abstraídos de longas
séries de textos, de que constituem, por assim dizer, uma constante. (...) Face aos modelos
arquetípicos, a obra literária entra sempre numa realização, de transformação ou de se
transgressão.”(Jenny Laurent citado por Machado, 1998, p.1) A intertextualidade se revela
através da transformação e assimilação de vários textos, operada por um texto
centralizador, que detém o comando do sentido.
56
Müller citado por Ryngaert, op.cit., p. 193.
28
Se considerarmos o fato de as obras terem provocado uma quantidade
considerável de análises críticas e das respectivas encenações como critério
de seleção, esse amplo leque disponível se reduz. Nem todos os textos
teatrais interessantes do ponto de vista temático e formal serviram de
exemplo em métodos de análise de textos teatrais, ou em estudos sobre a
redação de roteiros de cinema e vídeo. Menor ainda é o número de textos
críticos de fácil acesso ao professor, apesar da revolução ocasionada pelos
bancos de dados e da Internet.
29
Com relação ao recorte na Teoria e na História do Teatro consideramos dois
aspectos principais: a relativização das classificações e o enfoque dos
procedimentos cênico-narrativos.
57
Roubine, Jean- Jacques. Introdução as grandes teorias do teatro. Rio de Janeiro, Zahar
Editores, 2003, p.140.
58
Roubine, op. cit., p.141
59
Roubine, op. cit., p.201.
30
Do ponto de vista do nosso interesse em formular princípios pedagógicos,
não faria sentido que a consciência desta realidade múltipla nos conduzisse
ao “indiferentismo teórico”, um dos “efeitos perversos da evolução”. Nas
palavras de Roubine não devemos concordar com o “cinismo”, ou com o
“relativismo” de certa crítica dita pós-moderna, alardeando o fim da teoria:
O fim dos modelos teóricos exige olhares não dogmáticos, faz caducar
divisões estanques e categorizações absolutas. Portanto, a partir do
enfoque da análise de espetáculos de Pavis - para o qual, hoje em dia, não
faz sentido a defesa de uma única estratégia de analisar os espetáculos -
consideramos que o professor deve confrontar o educando com diferentes
enfoques do fenômeno teatral.62
60
Roubine, op. cit., p.202
61
Roubine, op.cit., p.140.
62
Pavis, Patrice. A análise dos espetáculos . São Paulo, Perspectiva, 2003.
31
A conexão entre a análise do texto teatral e a leitura de citações teóricas
Sendo assim, nesta pesquisa optamos por testar o uso de textos sobre
teatro como complemento da prática cênica dos educandos. A leitura de
recortes de textos sobre teatro após a análise do texto teatral e a prática
do jogo desenvolve uma gradual apropriação de conceitos importantes para
a prática teatral contemporânea, tais como: estranhamento, identificação,
antropofagia, partitura cênica, superobjetivo, espaço vazio, dentre outros.
63
Koudela in Jogos Teatrais: o fichário de Viola Spolin.(tradução de Ingrid Koudela) São
Paulo, Perspectiva, 2001.
64
Tais como “emoção”, “energia”, “foco”, “instrução”, “marcação não-direcional”.
65
Spolin, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo, Perspectiva, 1978, p.335.
66
Pavis, op. cit. 2003, p. 208.
32
A abordagem da diversidade cênica
A definição do ponto de vista pelo qual se olha o teatro gera uma discussão
interessante que deve passar, e ser retomada sempre, não só pelo
iniciante, como por todo e qualquer ser humano envolvido com esta
prática. Em nossa abordagem recomendamos alguns procedimentos, como
o debate através da leitura de citações teóricas e verbetes. Responder a
esta questão é tomar uma atitude diante de um leque de opções. Para os
principais encenadores que ajudaram a mudar os rumos da história do
teatro, a resposta dada por seus antecessores a esta pergunta tão simples
não pareceu óbvia, nem fácil, e muito menos, definitiva.
33
acabou de ver apresentado e se posicionar criticamente diante desta
afirmativa citada, através das seguintes instruções: “Você concorda com
este pensar sobre o teatro? Você já conhecia esta visão da prática teatral?
Qual espetáculo você conhece que poderia servir de modelo para este
enfoque?”
67
Müller, cit. In Koudela, Ingrid. Heiner Müller o espanto no teatro.São Paulo, Perspectiva,
2003, p.111.
34
Podemos, além de complementar o estudo de um texto teatral ou a
avaliação do jogo, utilizar as fichas teóricas como ponto de partida de jogo
teatral, assim como elemento estimulador de um debate. É o que ocorre
quando dividimos a cena em grupos, segundo as opiniões contraditórias
sobre o mesmo tema e pedimos para que os participantes encontrem
argumentos e os defendam através de um discurso que vai aos poucos se
apropriando dos conceitos. Cada participante defende a sua idéia, a
discussão busca determinar os prós e os contra de cada abordagem, uma
síntese possível. Nestes momentos o grupo discute teoria de forma aplicada
à prática de jogo.
35
“Por outro lado acredito, que mesmo as peças tardias de Brecht contêm
bastante material incendiário, quero dizer, incendiário também politicamente
para nós aqui. Apenas acredito que elas deveriam ser estripadas. É
necessário que essas pecas de Brecht sejam estripadas e retiradas de sua
canonização. Ou seja, é preciso encená-las de uma forma totalmente
diferente daquilo que Brecht fez, daquilo que Wekwerth fez... é preciso
encontrar outras abordagens para que os textos possam operar novamente.
Tal como é feito, os textos já não operam mais, são meros textos de ópera e
68
monumentos. Eles não operam”.
“Eu acho que deve haver uma relação contraditória, uma relação de conflito
entre o palco e a platéia. Porque eu acho monótono quando lá embaixo
existe apenas um público que concorda. E também não leva a nada quando
lá embaixo está sentado um público que apenas discorda. A diferença talvez
esteja no fato de que, para Brecht, ainda se tratava de AuflKarung,
(esclarecimento) no teatro. Eu acho que isto acabou, pois agora isso é
assumido (ou deveria ser assumido) por outra mídia. E o teatro não pode
mais assumir a função de Auflklaren (esclarecer). No teatro trata-se agora,
ao menos para mim, de envolver as pessoas em processos, torná-las
participantes.” 69
Outra visão mülleriana que nos parece muito apropriada para ser
compartilhada e debatida com iniciantes é a de que o teatro deve tratar de
questões e levantar perguntas que não são colocadas e respondidas pela
imprensa. Concordamos que se o teatro não colocar outras perguntas,
deixa de ter função social e política. Por outro lado, existe uma série de
perguntas que não são tratadas pela imprensa e, nesses casos, o teatro
“tem de assumir as tarefas que caberiam à imprensa“.
68
Müller, Heiner. “Diálogo com Bernard Umbrecht.” In Koudela, op.cit., 2003, p.112
69
Müller, Heiner. “Diálogo com Bernard Umbrecht.” In Koudela, op.cit., 2003, p.106.
70
Como preconizou Wolfgang Heise, citado por Müller in Koudela, Ingrid, op.cit., p.107.
71
Müller, dramaturgo que buscava a “arte como perturbação do consenso e como
instrumento de subversão”, utiliza a expressão “ilha de desordem” ao se referir ao potencial
político do teatro em pequenos grupos, no contexto do Terceiro Mundo. Koudela destaca
que, “de um lado, objeto de colonização, exploração e refugo, lugar de caos e desordem, o
Terceiro Mundo é visto por ele como fermento do novo - ‘ilhas de desordem’, espécie de
36
cultural provocada tanto pelo processo, quanto pelo resultado; é o
acontecimento cênico em si. Por exemplo, um espetáculo de texto idealista,
que fale de esperança, mas realizado no contexto de uma prisão ou de um
hospital, pode ser muito mais importante socialmente do que a repetição
da cartilha marxista para uma platéia de estudantes da elite intelectual.
37
A escolha do texto seguinte a ser trabalhado recaiu sobre aquele que
estabelecesse fácil comunicação com o público que interessava ao grupo.
Pensamos em textos que provocassem a revisão da auto-imagem dos
alunos, que os levassem a refletir a existência da sua própria significação
como ser nordestino. Neste sentido, estimulamos a professora a propor a
montagem de a comédia A Pena e a Lei de Ariano Suassuna. O confronto
com a leitura e o estudo sobre outras formas de encenar a partir desse
texto, abriu novas perspectivas àquele grupo potiguar.
38
Poderíamos dizer que, do ponto de vista temático, o texto de Shakespeare
trata da questão da consciência humana, da decisão entre acomodar-se ao
contexto e usufruir regalias ou tomar uma atitude contra a injustiça, lutar
pelo que se acredita, mesmo arriscando perder tudo. Este enfoque
específico do “ser ou não ser” nos interessa muito, tendo em vista a
avaliação diagnóstica que fizemos dos participantes de nossa oficina. Qual,
onde, quando e com quem?
39
CAP. 2. Uma abordagem lúdica dos textos: o jogo
teatral entre os atores, o diretor e o dramaturgo
Neste capítulo apresentamos o princípio metodológico da ampliação das
funções criativas do educando, que propomos para a formação do professor
de teatro, tendo em vista sua utilização com alunos da disciplina teatro na
escola de ensino fundamental e médio. Propomos a vivência de diferentes
papéis pelo mesmo indivíduo – dramaturgo, diretor e ator – em experimentos
de jogo, análise e encenação a partir de fragmentos de textos teatrais.
40
b) A resolução do problema de jogo: questionamos se o grupo conseguiu
resolver o foco do jogo teatral apresentado antes e durante a improvisação.
São exemplos: o relacionamento com um espaço imaginário, a configuração
de uma ação cênica, a representação de um personagem;
1
Pupo, Maria Lúcia de Souza Barros Pupo. Entre o Mediterrâneo e o Atlântico, uma aventura
teatral. São Paulo, 2005, p.24.
41
por exemplo, foi muito interessante ver como cada grupo se apropriava do
texto dividindo-o entre os personagens inventados de diferentes maneiras.
Jogos teatrais com diferentes atitudes e posições do narrador são muito úteis
nas fases de exploração de textos e de levantamento de temas.
2
Pupo, op.cit., pp. 25-30.
3
Ryngaert, Jean Pierre. Jouer, représenter. Paris, Cedic, 1985 e Pupo, op.cit.
4
Ryngaert, op.cit., p.108.
42
didascálias que fornecem pistas sobre o contexto original da peça ou a forma
de atuação dos personagens.
O theaterspiel de Brecht
5
Ryngaert, op. cit, p. 107.
6
Gestus é o termo latino para gesto e é entendido neste trabalho como uma maneira
característica de usar o corpo para configurar uma atitude para com o outro, conceito que
Brecht formula em sua teoria do gestus social: “Ao espectador é conferida oportunidade para
uma crítica do comportamento humano segundo uma perspectiva social e a cena á
representada como uma cena histórica. O espectador deverá passar a ter possibilidade de
estabelecer comparações no domínio do comportamento humano.De um prisma estético isto
significa que o gesto social dos atores adquire especial importância. A arte tem, pois, de
cultivar o ‘gesto’.(gesto que possua, evidentemente, significado social, e não que ilustre e
exprima.)O princípio da mímica é assim, a bem dizer, substituído pelo princípio do gesto”
(Brecht, Bertolt. Estudos sobre teatro. Lisboa, Portugália Editora (s/d), p.297.)
7
“As peças didáticas oferecem como modelo de imitação modelos ‘associais mas altamente
qualificados’, segundo Brecht.(...) Ao experimentar, no jogo, o comportamento negativo, ‘os
impulsos associais’(...) o atuante experimenta a contradição proposta pelo ‘modelo de ação’
43
de uma análise das diversas possibilidades de ação para a transformação da
realidade. Valorizamos na abordagem brechtiana da peça didática a noção do
texto teatral como um modelo de ação:
“- modelo: como um exercício artístico coletivo que tem por foco a investigação das
relações dos homens entre os homens”.
- modelo como um texto que é objeto de imitação crítica.”8
(texto) refletindo sobre ela.” (Koudela, Brecht, um jogo de aprendizagem. São Paulo,
Perspectiva/EDUSP, 1991, p.37).
8
Koudela, Ingrid.Texto e Jogo. São Paulo, Perspectiva, 1996, p.15.
9
Koudela, Ingrid. Brecht, um jogo de aprendizagem. São Paulo, Perspectiva,1991, p.16.
10
Koudela, op. cit, p.158.
44
2.1.2. A criação de imagens
11
Meyerhold cit. in Pavis, Patrice. Dicionário do teatro, Perspectiva, 1999, p.187.
12
Boal, Augusto. O Arco Íris do desejo.Rio de Janeiro,Civilização Brasileira,1996, p.232.
45
Um exemplo destas técnicas de Boal que utilizamos é o instrumento da
imagem cinética, que tem como foco a configuração de um desenho dos
movimentos das ações “purificados, simplificados e magnificados naquilo que
eles têm de essencial”. Ela é a imagem do movimento e do significado.13 Boal
ilustra sua proposta com o seguinte exemplo:
“João Paulo I morreu muito pouco tempo depois de João XXIII. Vendo-se cada
foto em separado, pode-se ver o papa respectivo - as duas juntas mostram a
morte papal.” 14
13
Boal, Augusto. O Arco Íris do desejo. Civilização Brasileira, pp. 265-266.
14
Boal, op. cit., p. 266.
46
Imagens cênicas no espaço vazio
15
RÖHL, Ruth. O Teatro de Heiner Müller, São Paulo, Perspectiva, 1997, p.154.
16
Estas modalidades foram desenvolvidas em nosso experimento “1999” (Cf. Martins, Marcos
Bulhões. Encenação em Jogo. São Paulo, Hucitec, 2004).
47
2.1.3. O revezamento de papéis pelos atores
17
Boal, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 1977, p. 189.
48
2.2. A ampliação das funções no jogo teatral: o aluno nos
papéis de ator, diretor e dramaturgo.
49
adequação com a forma estética adotada, o superobjetivo da cena em
relação ao efeito no público que se pretende encontrar.
18
Este marco inicial é consenso em boa parte dos principais críticos que influenciam a teoria
teatral no Brasil, tais como Anatol Rosenfeld, Bernard Dort, Peter Szondi, Patrice Pavis, Anne
Ubersfeld e J-J. Roubine.
50
Ao longo do século XIX o preconceito contra o que não é literário no teatro
ainda se impunha fortemente e o âmbito da dramaturgia ficou circunscrito à
análise dos textos. Neste enfoque, que prioriza a natureza literária,
dramaturgia significa a poética da arte dramática que procura estabelecer os
princípios da construção da obra, seja indutivamente a partir de exemplos
concretos, seja dedutivamente, a partir de um sistema de princípios
abstratos. Esta noção pressupõe um conjunto de regras especificamente
teatrais cujo conhecimento é indispensável para escrever uma peça e
analisá-la corretamente. O objeto da dramaturgia é, desse ângulo, a
literatura teatral. Esta dramaturgia clássica que examina exclusivamente o
trabalho do autor e a estrutura narrativa da obra é, na maioria das vezes,
descartada pela crítica teatral.
19
Lessing,Gotthold Ephraim. Dramaturgia de Hamburgo. (tradução de Manuela Nunes).
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
20
Pavis, 1999, p.114.
51
Compreender como as idéias sobre o homem e sobre o mundo são enfocadas
em texto e cena. Examinar como a cena se articula com o mundo. Estudar as
relações entre ideologia e estética da cena. Estas são as diretrizes principais
da dramaturgia contemporânea, segundo autores como Sarrazac, Szondi e
Pavis:
“Ao escolher ler e montar o texto de acordo com um ou vários pontos de vista
coerentes, o dramaturgo esclarece a historicidade do texto, sua ancoragem ou
seu desvinculamento da história dos homens, a defasagem entre a situação
dramática e o nosso universo de referência. Ao interpretar a peça, —
conforme este ou aquele gênero literário — produzem-se fábulas e
personagens muito divergentes, de sorte que o seletor genérico dá ao texto
uma configuração particular a cada vez. Todas essas escolhas permitem
situar, senão explicitar, as ambigüidades (estruturais e históricas), os não
ditos (dizíveis e indizíveis) e os pontos cegos (dificuldades de leitura que
resistem a todas as hipóteses)”.21
21
Pavis, idem, ibidem.
22
Pavis, op.cit., p.115, (grifo nosso).
23
Roubine, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral:1880-1980. Rio de Janeiro,Zahar
Editores, 1882, p.72. (grifo nosso).
52
“Que é este trabalho dramatúrgico senão uma reflexão crítica sobre a passagem do
fato literário para o fato teatral?”24
24
Dort, cit. in Pavis, op.cit., p.115.
25
Adaptação nossa de descrição de Pavis, op. cit. 1999.
26
Pavis, 1999, p. 132.
53
Neste sentido, se na maioria das vezes a análise dramatúrgica ocorre tanto
antes, quanto depois da encenação, pelo dramaturgo e pelo diretor, em
nossa abordagem optamos por uma participação bem maior dos atores
envolvidos. Além de pensar e discutir as cenas nas quais participam, os
alunos são convidados a se manifestar sobre o todo da escritura cênica,
influenciando e contribuindo para as instruções do aluno que joga o papel do
diretor.
27
Pavis, op. cit., p.116.
54
dramatúrgico. Esta é uma condição para que o aluno possa aprimorar o
aprendizado da atuação cênica e interferir, em diversos níveis, na escritura
da cena. Trata-se de estimulá-los para a composição de uma partitura de
focos de jogo teatral, concebida neste trabalho como sendo a sistematização,
por escrito, de uma seqüência de focos que os atores levam em conta para
mobilizar as ações que conduzem a cena de forma lúdica, elaborada
coletivamente: podem ser imagens projetadas pelo ator no espaço, uma
seqüência de ações físicas e vocais ou a relação com pontos determinados
nos espaços, mudanças de luz, percepção e manipulação de objetos. O
aspecto complementar a esta redação de partituras que vão orientar o jogo
dos atores é o encaminhamento de uma tomada de posição sobre o mundo
através da seleção e da atitude em relação ao texto escrito.
55
2.2.2. A encenação textocentrista: em busca das indicações cênicas
do autor
Vale salientar que sempre tivemos fortes ressalvas diante da idéia deste
exercício de “respeito” ao que supomos ser as intenções do autor, seja
durante nosso trabalho de formação, seja em oficinas com iniciantes. Sempre
questionamos as pretensões de transmissão de modelos inerentes ao ensino
de teatro tradicional. Antes da guinada metodológica implementada pela
difusão entre os professores que trabalham com teatro na escola, da noção
de jogo e de dramaturgia elaborada pelo próprio aluno, com ou sem auxílio
de recortes de textos (Spolin, Koudela, Pupo), sabemos que quando o
professor de tendência pedagógica tradicional levava um texto para ser
analisado ou memorizado pelos alunos, na função única de atores dirigidos
pelo professor durante a preparação para o espetáculo de final de ano,
estava implícito um modelo prévio a ser seguido, – uma forma de encenar, a
do professor, entendida como unívoca, – que por vezes pretendia uma visão
de “fidelidade” a uma suposta estrutura clássica, que deveria ser respeitada e
tida como única forma de pensar aquele material.
28
Termo usado por Pavis para designar e criticar uma visão das relações entre texto e cena,
contrapondo-se à visão “cenocentrista”. (Pavis, Patrice. A análise dos espetáculos. São Paulo,
Perspectiva, 2003, pp.189-193.)
56
estimular a aprendizagem da dramaturgia. Segundo a avaliação dos
participantes, ao tentarem descobrir a forma como o escritor pensou a
concretização de seu texto em cena, eles puderam entender a peça com
muito mais propriedade, sentiram-se mais instrumentalizados para as
operações rapsódicas que fizeram em seguida, montando sua próprias
versões dramatúrgicas.
“Ser fiel à letra do texto significa uma infidelidade no sentido que o realizador
deverá interpretá-la para o público a que se dirige. Uma representação que
seja a fiel reprodução de outra, digamos que faz trinta anos, por não nos
trazer de volta o tempo, não emite talvez mais que uma mensagem: eu sou
uma representação de trinta anos atrás, perdendo-se os sentidos que o texto
possa ter hoje para nós. Brecht representado como no Berliner Ensemble,
29
antes de sua morte, (...) não teria mais significação que a arqueológica”.
29
Ubersfeld, Anne. L’ école du spectateur. Lire lê théâtre 2. Les Éditions sociales, Paris, 1981,
p.12. (tradução do autor).
57
importância desses signos presentes no texto, que indicam a
espetacularidade pretendida pelo escritor, embora incompletos e
insuficientes. Principalmente nas peças dramáticas modernas e
contemporâneas, como bem demonstrou Ramos30, as indicações de ações e
gestos, mudanças de luz e de espaço não são meros indícios de uma
representação datada, muitas vezes ignorada de antemão pelos jovens
ávidos por encenar novas possibilidades de encenação do texto. Essas
indicações – de ação gestual, ritmo, jogo de diferentes planos espaciais,
presença da música, etc., fazem parte da poética do dramaturgo estudado,
auxiliam os alunos a perceber as diferenças entre o seu enfoque e a proposta
inicial do autor. Sendo assim, percebemos que a leitura de diferentes
maneiras de escritura das rubricas, assim como a forma dialógica, o uso de
narrador e coro, etc, ampliam as referências cênicas dos alunos,
instrumentalizando a redação do próprio aluno de futuras recriações. A
análise das diferenças entre as versões textocentristas estimula o debate
sobre a impossibilidade de afirmação de um modelo e das relações entre
texto e cena.
30
Ramos, Luiz Fernando Ramos. O parto de Godot: e outras encenações imaginárias: a rubrica
como poética da cena. São Paulo, Hucitec, 1999.
58
interrompa, como recomenda Spolin. Consideramos importantes as regras
básicas abaixo mencionadas.
59
objetivo é que na última rodada de jogo somente o texto do dramaturgo seja
pronunciado em cena.
31
Stanislavski, Constantin. A Criação de um Papel. (4ª edição) Civilização Brasileira, Rio de
Janeiro, 1990 pp.263-286.
60
da proposição do escritor? Quais as lacunas dessas indicações? De que forma
ela foram resolvidas pelo grupo?
Na maioria das práticas do jogo teatral com texto, os fragmentos são o ponto
de partida, e a retomada de jogo ocorre isenta da proposição de novos
materiais textuais por parte do coordenador. Assim procedem autores como
Jean-Pierre Ryngaert, Reiner Steinweg, Ingrid Koudela, Maria Lúcia Pupo,
Jean Baune e Bernard Grosjean.
32
Martins, op.cit., 2004.
61
escolha deste texto-base se dá após a fase de análise e jogo de diversos
fragmentos, conforme veremos no próximo capitulo. A operação de recriação
dramatúrgica será resultado de diferentes experimentos. Na busca da
condição de criador, os alunos ampliam seu repertório expressivo para poder
criar não só a forma de representar personagens, como também participar da
análise dramatúrgica nos papéis de ator, dramaturgo e diretor, através da
redação, da pesquisa, do recorte e da montagem de fragmentos de textos.
62
contraponto à falta de esperança em relação ao futuro profissional,
demonstrada pela turma concluinte naquele ano.
A aluna Naize Araújo, reunindo uma dupla de senhoras com mais de sessenta
e cinco anos, que havia passado a juventude em um sítio em Mulungu (RN),
levantou os seguintes temas, através de jogos teatrais (Spolin, 1999): a
espera, a natureza da morte, o medo do vazio, a esperança dos excluídos, a
passagem do tempo. Nos jogos, esses conteúdos surgiram através de
imagens e brincadeiras repletas de humor negro, quando as duas senhoras
reviviam danças, jogos, desafios através de provérbios e piadas, poemas e
canções, revelando um repertório de literatura oral que sobrevive na
memória da juventude, do tempo em que as duas irmãs brincavam à sombra
de uma quixabeira, na margem de uma estrada do interior, numa região de
salinas, de paisagens desérticas.
63
3. Aborda dois temas que consideramos interessantes para serem debatidos
em classe com o grupo: a passividade diante da espera (os protagonistas) e
a exploração de um homem pelo outro (Pozzo e Lucky).
64
Os alunos podem experimentar o jogo centrado na diversidade de ações
físicas com os fragmentos de textos, levantando diferentes possibilidades
para as cenas que podem ser incorporadas na síntese dramatúrgica, em
forma de jogo, de criação de imagens ou a redação de texto que transcreve o
resultado dos jogos.
33
Protocolo de aluna Renata Carozza.
34
Protocolo, idem, ibidem.
65
pelo dramaturgo irlandês, até aquela que poderia realizar o mais ousado
procedimento de recorte e colagem, acrescentando novos recortes aos
fragmentos de Beckett:
“As atrizes foram até as igrejas, participaram dos cultos e trouxeram para os
ensaios muito material para trabalharmos. (...) Até conseguir fechar a
dramaturgia houve várias discussões e alguma resistência por parte das
36
atrizes”.
Momento inicial.
E – O quatro?
E – (Estragon faz o quatro, com os olhos fechados) Será que Deus está me
vendo?
V – E de mim.
35
Idem, ibidem.
36
Idem, ibidem.
66
E – Deus tenha piedade de mim.
V - De mim.”
Momento final.
“E – É Godot (silêncio).
37
V – A gente espera.”
D - Santa Rita de Cássia, São Pedro, Santa Terezinha! (abre a Bíblia e desafia
Gogo para um duelo de Salmos) Salmo 2 Versículo 3, porque tumultuam as
nações, tramam os povos em vãs conspirações...
37
Beckett, Samuel.Esperando Godot. São Paulo, Editora Abril, 1976.
67
(Didi pula e começa a cantar, de forma insana, uma música de louvor. Gogo
rebate com o exorcismo cantado.)
Para encerrar a cena, após a decepção causada pela falta de Godot, elas
caem lentamente em pranto silencioso até formarem o quadro da espera
inicial, complementado pelo texto de Beckett.
“Devo destacar que tive alguns problemas com a minha dupla, proveniente
desta metodologia. (...) Notei que no decorrer do processo os caminhos foram
levando para a “sensibilidade”, que não admite que mexam em seu trabalho,
pois faz parte de uma criação profunda e não pode ser alterado pelo ser
humano. Quando ia editar o que era proposto por elas, havia uma resistência
39
muito grande, e isto prejudicava, logicamente, o trabalho como um todo.”
Como vimos, mesmo que a regra seja colocada de forma clara no início do
processo, é natural um envolvimento mais intenso entre ator e texto que, às
vezes, dificulta o abandono de descobertas, sejam elas movimentações
cênicas, ações físicas, textos, canções ou simples gestos: “Os atores, como
dramaturgos, são essenciais para um melhor resultado, contudo, o
responsável pela edição destes materiais é o diretor. É ele que vai dar a
palavra final, porque estará pensando no todo e no superobjetivo da
encenação”.
38
Protocolo da aluna diretora.
39
Protocolo do aluno Márcio Rodrigues.
68
do tipo: ‘Imagine que a personagem esteja exausta fisicamente, após uma
noitada intensa. São 8 horas da manhã e ela mal consegue andar de tão
cansada’. Com essa instrução, o andar sensual foi substituído por um
40
caminhar mais adequado à cena”.
“Isso não significa que o espetáculo fosse algo perfeito, havia muitas falhas,
algumas, inclusive, consideráveis. Mas era teatro vivo e a platéia
imediatamente se identificava. A cena das fundamentalistas religiosas provoca
euforia na platéia, era um tiro” de comédia e todos adoravam. Quanto à cena
que dirigi tenho uma crítica. Acho que poderia até ser engraçada, mas
discordo quando ela acaba virando comédia. Na primeira versão, creio que a
cena perdeu algumas características que são evidentes e fundamentais neste
texto de Beckett, as quais pretendemos recuperar com a inclusão de novos
fragmentos da peça no final da cena, acentuando o tom trágico. São elas: o
vazio, a angústia, o sofrimento, a agonia. Acabei não alcançando o super-
objetivo, o que de certa forma me deixou um pouco frustrada como diretora.
Caso o trabalho seja retomado, esta cena será repensada.” 42
40
Idem, ibidem.
41
Protocolo da aluna Nara Kelly.
42
Protocolo do aluno João Júnior.
69
conforme ressalta o protocolo de avaliação escrito pelo ator iniciante, Pedro
Costa:
43
Em suma, as modalidades de adaptação do texto que propomos para os
alunos nos papéis de dramaturgo e de diretor são as seguintes:
43
Utilizamos o termo fábula no sentido de estrutura da narrativa dramática que é objeto de
uma reconstituição por parte de toda a equipe teatral, como defende Brecht no “Pequeno
Organon”: tudo depende da fábula, cerne da obra teatral. São os acontecimentos que ocorrem
entre os homens que constituem para o homem matéria de discussão e de crítica, e que
podem ser por ele modificados.” (Brecht, Bertolt. Estudos sobre teatro, Lisboa, Portugália, s/d.
pp.204-205).
44
Na perspectiva de recriação de textos que vai da adaptação de alguns termos à recriação
completa do final, por exemplo, como fez Augusto Boal no Teatro de Arena. (Boal, 1977,
pp.180-183).
70
c) aberta a todo tipo de procedimento intertextual, por exemplo, às citações
de elementos alheios à peça teatral em estudo, tais como imagens, textos,
cenas da história do teatro, soluções cênicas dos principais encenadores
profissionais.
45
(Cf. Teatro da Vertigem, Trilogia Bíblica, São Paulo, Publifolha, 2002)
71
As mesmas questões são postas para os alunos que estiverem jogando o
papel dos diretores e dramaturgos, nesta primeira fase. Os diretores são
convidados a trazer roteiros cênicos (story-boards) – ou estórias em
quadrinhos, quando o grupo não tiver referência do que seja este tipo de
roteiro – que descrevam, no máximo, cinco ações cada um, com ou sem
desenhos esquemáticos ilustrando-as. Os dramaturgos têm a missão de
redigir no espaço máximo de uma folha de papel, um texto que descreva um
personagem imaginário concepção de personagem feita por adolescente)
e/ou uma cena teatral para ser lida, com o limite máximo de 10 falas. A
imagem é outro elemento importante neste momento. Em cada subgrupo o
diretor e o dramaturgo são convidados a trazer para o encontro seguinte
fotografias que eles considerem interessantes para gerar sua transposição
para a cena, ou como proposição temática.
Cada subgrupo volta para seu espaço e deve agora pensar numa proposta
consensual de criação de cinco imagens fixas que serão apresentadas ao
grupo. As imagens são apresentadas e os grupos anotam em fichas
dramatúrgicas os elementos que eles consideram mais significativos. Esta
síntese é lida para todo o grupo antes da avaliação final da aula.
72
proponente de textos e imagens – permite ao aluno a vivência ampliada do
teatro.
73
irá continuar encenando o texto na fase seguinte – na licenciatura, na
disciplina Encenação II, no segundo semestre – seja com a encenação
composta de quadros independentes e com linguagens cênicas diferentes,
seja optando por realizar uma montagem de dois ou mais modos, – ou ainda
optando por encenar em estilo único do início ao fim.
47
Conforme definição utilizada por Fernandes (Fernandes, Sílvia. Grupos Teatrais: anos 70.
Campinas, UNICAMP, 2000.)
74
Cap. 3. A análise do texto: jogo, leitura e contextuali-
zação
75
3.1. O aquecimento para a leitura: o jogo a partir de imagens e
recortes do texto teatral
76
A partir do acordo entre os participantes, iniciamos uma fase de exploração
do tema através do jogo teatral. Várias sugestões de personagens foram
surgindo: pessoas que esperam a cura, por um grande amor, pelo dia do
juízo final, ou por melhores condições de vida, dentre outros.
“Entram Pozzo e Lucky. Pozzo conduz Lucky através de uma corda passada
em seu pescoço. A corda dever ser longa o suficiente para permitir que Lucky
chegue até o centro do palco antes que o público possa ver Pozzo. Lucky car-
rega uma pesada valise, uma cadeira dobradiça, uma cesta de piquenique e
um sobretudo nos braços. Pozzo carrega um chicote”.
77
é demais para um homem só
78
recriação dramatúrgica fundamentada em um estudo coerente sobre o mate-
rial, e não como um exercício aleatório de fragmentação e montagem.
1
Neste item, a tradução das citações de Vinaver foi realizada pelo autor, em conjunto com
Phillipe Combes, acrescentada de trechos inéditos traduzidos por Luis Fernando Ramos. (C.f.
Vinaver, Michel. Écritures dramatiques, Actes Sud, 1993.)
79
uma pequena amostra retirada do tecido da obra permite determinar o modo
de funcionamento do conjunto da peça como um todo e fornece todas os
meios necessários para a compreensão da obra em sua totalidade. Este en-
foque de Vinaver para a análise do fragmento dramatúrgico tem as seguintes
características:
-Ele não desemboca numa tipologia dos textos de teatro, mas permite
traçar uma topografia no interior da qual uma obra encontra sua posi-
ção singular;
-Não deve ser utilizado num espírito cientificista, mas de forma lúdica.
As ferramentas propostas são suficientemente imprecisas para desen-
corajar a construção de um sistema. Nem por isso deixa de ser peda-
gógica no sentido de estimular o rigor e a precisão. Não se coaduna
com a utilização prematura de idéias gerais.2
2
C.f. Vinaver, op.cit.,1993.
80
3.2.2. A seleção do fragmento
3
Vinaver, Michel. Écritures dramatiques. Paris, Actes Sud, 1993. (tradução de Luís Fernando
Ramos).
81
a isolar no texto o que é propriamente ação. O essencial da leitura detida
consiste em apontar as ações de uma fala à outra, ou mesmo no interior de
uma fala. Quer dizer, a ação no nível molecular do texto. Trata-se de micro-
ações produzidas pelas palavras de uma fala, ou, se calhar, pelas rubricas.
Procura-se determinar então: O que acontece de uma fala à outra e no inte-
rior desta fala? Por qual meio isso acontece, através de qual figura textual?
Que ligações funcionais ocorrem entre a micro-ação de um lado, e os aconte-
cimentos, informações e temas do outro?
Sabemos que analisar uma cena é, antes de tudo, tentar se fazer perguntas
eficazes. Na perspectiva de Vinaver, separamos as informações que a cena
comporta e que permitem identificar a situação da palavra, mesmo quando
não se conhece o resto da obra. Apresentamos a seguir uma síntese das
questões propostas para situar e analisar um fragmento, no âmbito dos ex-
perimentos realizados durante esta pesquisa:
- Qual é o espaço onde se dá a ação? Em que tempo? Quem está em ce-
na? Existe um único espaço, ou diversos espaços superpostos? Como o
espaço cênico dá conta das dimensões espaciais? Que distâncias existem
entre os personagens em função de suas relações? Existe contato físico
entre personagens?
82
- O que dizer sobre a ação e a relação da palavra com a ação? A palavra
serve para transmitir informações ou ela muda a situação? Há um confli-
to? Quais os obstáculos aos desejos dos personagens? Do seu ponto de
vista alguém ganha nesse conflito? Quais as ações físicas descritas pelo
autor? Qual é a ação da fala, o que ela provoca? Quais são os assuntos
que podemos destacar da conversação, da narração ou da ação ou das
imagens em cena?
Para dar suporte à sua proposta, Vinaver apresenta dois glossários. O primei-
ro é dedicado ao que ele denomina de “palavras-ferramentas”, ou seja, as
noções fundamentais que podem nortear a leitura do fragmento. O segundo
sistematiza as “figuras textuais” que este autor elege e nomeia, dividindo-as
em quatro categorias. Consideramos estes dois glossários sintetizados por
Vinaver também como possibilidades de material teórico a ser levado para a
sala de aula, servindo inclusive para basear as anotações dos alunos em re-
lação aos conteúdos trabalhados em classe.
83
análise em seis colunas justapostas, num quadro que sintetiza os eixos pro-
postos por Vinaver:
4
Grosjean, Bernard e Lulibine, Chantal. Coups de théâtre en classe entière, au college et au
lycée.CRDP, Académie de Créteil, 2004, p.195.
5
Vinaver, op.cit,1993.p.89.
84
Desde a perspectiva desta investigação, esta abordagem de Vinaver não é
um modelo rígido, mas um guia de exploração nos momentos nos quais utili-
zamos o fragmento como ponto de partida de aprendizagem. Sua importân-
cia reside principalmente no fato de ele permitir abordar o texto teatral sem
mediação teórica pré-existente, baseando-se unicamente no material textual.
Salientamos ainda que, diferentemente do mestre francês, nossa intenção
não é a compreensão da obra através do fragmento, nem apenas como in-
trodução da análise do texto na íntegra. A diferença entre nossa abordagem
e a proposta francesa é que utilizamos a análise de diversos fragmentos, um
em cada aula, como forma de viabilizar o contato dos alunos com diversos
temas e tipos de textos. Analisar fragmentos, após um primeiro contato de
experimentação lúdica ou mesmo com ponto de partida de cada encontro, é,
em nosso enfoque, apenas uma fase de preparação para o confronto do gru-
po com um texto na íntegra, na perspectiva do exercício futuro de encena-
ções e/ou de re-escritura de trechos da peça escolhida.
6
Esse autor é uma das bases do trabalho de professores de dramaturgia no Institut del Teatre
de Barcelona como Lluis H. Fors, e Carles Batle. (Cf. Lavandier, Yves. “Análisis de las obras”
La dramaturgia: los mecanismos del relato: cine, ópera, radio, televisión, cómic, Ediciones
Internacionales Universitarias, Madrid, 2003..
85
a de Michel Vinaver, de Rynagert e o de Ubersfeld, dentre outros. Assumi-
mos, portanto, que estaremos adotando o enfoque específico, de um dos di-
versos autores, David Ball, pelo fato de seu texto estar publicado em portu-
guês e termos comprovado sua eficácia com grupos a partir de 16 anos, ini-
ciantes em teatro.
Encontramos no guia para leitura de peças teatrais de Davi Ball,8 “Para Trás
e Para Frente”, uma proposta centrada na leitura seqüencial das ações, de
origem stanislaviskiana, porém, numa linguagem acessível tanto aos profes-
sores em formação quanto aos adolescentes na escola. 9 Salientamos que foi
este linguajar simplificado que levou a profª. Nanci Fernandes a traduzi-lo
para o Português, para ser utilizado na disciplina “Introdução ao teatro” que
ministrava na Escola de Arte Dramática de São Paulo.10 Sendo assim, utili-
zamos esse linguajar como base. Não pretendemos descrever nem adotar o
método de leitura de Ball, de forma absoluta. Partimos da noção deste autor
de que não existe uma única interpretação correta de uma peça; mas, técni-
cas eficazes de leitura contribuem para a apreciação da obra.
7
Barrientos, José Luis García. Cómo se comenta una obra de teatro: ensayo de méto-
do.Madrid, Editorial Síntesis, 2003.
8
Ball, David. Para Trás e Para Frente. Um guia para leitura de peças teatrais.(tradução de
Leila Coury). Perspectiva, São Paulo, 1999.
9
c.f. Nanci Fernandes in Ball, p.10.
10
Em função do curso de formação de atores para jovens, de nível escolar médio, fundado por
Alfredo Mesquita, Nanci utilizou sua tradução nos últimos quinze anos de sua carreira de mais
de 40 anos dedicados ao ensino de teatro, na qual perseguiu a questão “É possível ensinar ao
ator a Ver e a Entender teatro?”
11
Ball, op. cit., p.34.
86
Um segundo enfoque de Ball que incorporamos nesta proposta é o de esti-
mular, num primeiro momento, uma análise do funcionamento do texto tea-
tral, antes da discussão sobre os temas. Esta medida evita que uma raciona-
lização sobre a temática termine por nublar as possibilidades de levantamen-
to de imagens geradas pelo confronto direto do aluno com a obra.
Neste sentido, enquanto fazemos a leitura analítica, pedimos aos alunos que
elaborem, cada um, uma lista de temas. Comentamos que algumas peças
têm vários temas, embora nem todos sejam da mesma importância. A lista
será o guia aos conceitos abstratos de que trata a peça. Procuramos evitar
que na análise nos deixemos enredar nos temas e entremos em discussões
abstratas, que fujam de uma leitura das ações que visam, neste momento,
decifrar a dinâmica das ações do texto:
12
Ball, op. cit., p.34.
13
Ball, idem, ibidem.
87
atores, em sistema rodízio, trocando sempre de grupos que representam as
imagens. Trata-se de buscar a fisicalização das ações que podem ser perce-
bidas a partir da leitura.
Valorizamos neste momento, que recortes de textos sobre teatro que tratam
de questões de metodologia da leitura sejam lidos em sala de aula e comen-
tados pelo professor. Como complemento da leitura, esses textos críticos po-
dem esclarecer conceitos relativos à natureza das ações dramáticas, tais co-
mo, a dupla natureza da ação, a noção de “detonador” e de “monte”, de “es-
tase” e “intrusão”, a analogia do roteiro de ações com uma fileira de domi-
nós. Estas noções relacionadas a aspectos concretos examinados na peça em
foco, são apresentadas pelo professor para que o aluno se aproprie também
dos conceitos e características dos procedimentos de decupagem de um tex-
to teatral. Por exemplo, podemos ler o Capítulo 1 do livro de Ball em conjun-
to, cada membro do grupo lê um parágrafo dedicado ao conceito de “Ação”,
citada como uma “entidade muito especial” na análise:
“A ação ocorre, quando ocorre algo que faz com que, ou permite que, uma
outra coisa aconteça. A ação são duas coisas acontecendo, uma conduzindo à
outra; alguma coisa causa a ação e permite que a outra coisa aconteça. Se eu
disser como vai? É metade de uma ação. A outra metade é a sua fala. ”Bem,
obrigado”. A primeira metade conduz à segunda; as duas compõem uma a-
ção.“14
14
Ball, op. cit.,p.35.
88
existe uma precisão absoluta a ser encontrada, mas que tudo depende da
escolha das ferramentas que nos auxiliam na tarefa de divisão do texto. Ca-
da aluno é estimulado a complementar sua leitura fora da sala de aula, sem-
pre com instruções que remetem o aluno para a listagem das ações contidas
no texto. Após a divisão coletiva, todos possuem a mesma seqüência de a-
ções, que será o norteador da redação da fábula, que abordaremos posteri-
ormente.
89
Todos os alunos são convidados a ler texto em casa (por exemplo, Antígona).
O professor na aula seguinte introduz o jogo que denominamos de Julgamen-
to dos protagonistas, anunciando: ”Vamos fazer um julgamento do persona-
gem Antígona e outro de Creonte.” A turma é dividida em quatro grupos. No
primeiro dia de jogo os grupos se reúnem para criar argumentos de ataque e
defesa de dois personagens antagônicos em uma peça teatral; argumentos
que contenham o embate entre dois personagens contraditórios e complexos
e que apresentem justificativas para suas atitudes.
Toda a sala de aula se transforma num tribunal, com a divisão explícita dos
quatro grupos. Desenvolve-se o ritual de entrada, convocação de advogado,
réu e defesa, o professor assume o papel, uma atitude física, tom de voz e
estimula a ação sempre com perguntas que provocam: “Antígona é uma ma-
nipuladora? Porque ir contra as leis? Creonte tem que ser responsável depois
de uma guerra civil? Antígona agiu corretamente? Creonte foi justo?” Os alu-
nos podem ler também outras obras teatrais clássicas. Neste tipo de jogo,
voltado para a análise do texto, os argumentos somente podem vir do autor,
no caso Sófocles.Trata-se de um julgamento legal e ético. Os grupos devem
pensar não somente na preparação de seus argumentos, como também pre-
ver os dos outros grupos e como atacá-los. No enfoque de Fors, eles têm que
analisar, sem a ajuda de professores eruditos, as matrizes e a complexidade
da obra, descobrir numa frase, ou mesmo numa palavra, que aquilo pode ser
a chave para uma defesa, a chave de um momento de possibilidade de juízo.
Todos os participantes dos grupos de ataque e de defesa têm que intervir
pelo menos uma vez. O professor introduz a sessão: “Cidadãos de Tebas,
15
Hansen, em entrevista ao autor (Barcelona, 8 de fevereiro de 2006).
90
estamos aqui para julgar, depois deste terrível acontecimento, se Creonte
agiu bem ou mal. Por favor, o presidente dos jurados recolha os votos contra
e a favor.” Após anos de prática deste jogo com iniciantes em teatro, Fors
observa que nunca houve um julgamento unânime, o que é um dado interes-
sante, demonstrando a riqueza de argumentação que aflora neste clima de
jogo e que envolve emocionalmente a todos: “Quando o jogo funciona, em
geral, os alunos, enquanto discutem seus argumentos chegam a subir nas
cadeiras, de tão empolgados que ficam com a situação do jogo“. Esse profes-
sor observa que o envolvimento dos alunos, em geral, gera a descoberta de
informações importantes no texto. Na seção que citamos como exemplo, dos
quinze alunos que julgaram, dez condenaram e cinco aceitaram seus atos.
16
Monod, Richard. Les textes de théâtre, Cedic, Paris, 1977.
17
Grosjean e Lulibine, op cit., 2004.
91
“- Precisar as durações, datas, lugares, deslocamentos ind icados pelo texto e
enunciar todos os acontecimentos e as ações (a distinguir dos sentimentos e
dos discursos: assim, ser ciumento não pode ser levado em conta, a não ser
que o ciúme provoque as ações)”.
- Marcar com um sinal gráfico (cor, itálico) o que está em cena (ações repre-
sentadas sob os olhos do espectador) e o fora de cena (ações contadas pelos
personagens ou pelo mensageiro).
- Não confundir fábula e resumo, sendo este muitas vezes entulhado de peripé-
cias ou silenciando sobre elementos narrativos julgados secund ários.” 18
18
Monod, Richard. “Les six règles de constitution et de rédaction de la fable”, Op.cit.p.110.
92
tos produzidos pelos alunos constituem interessante objeto de reflexão e de
debate. O texto necessita em geral de um comentário paralelo daqueles que
o redigem.
b) qualidade da redação;
93
Brecht, percebemos a necessidade de propor a redação de duas fábulas.
Quando as cenas descrevem concomitantemente duas narrativas que se dife-
renciam entre si, de acordo com o ponto de vista do papel social de quem
narra, a redação de duas fábulas comprovou-se um procedimento eficaz.
No que se refere à análise dos textos que não se sustentam pela fábula, per-
cebemos nesta pesquisa a importância de o professor se basear na tradição
dos estudos teatrais acerca das teatralidades contemporâneas. O enfoque da
dramaturgia da imagem de Sánchez19 , a descrição da cena – seqüência de
moléculas de ação, de Silvia Fernandes para a cena de Thomas, a análise de
estruturas rizomáticas em Müller, por Toro e R. Hohl, a sistematização de
Cohen para seus próprios roteiros, são alguns exemplos de estudos que auxi-
liam o professor de teatro a encontrar instrumentos para analisar este tipo
de texto cuja fábula escapa da ordenação lógica. Os principais pesquisadores
do texto teatral contemporâneo não se voltam mais para as operações de
representação de uma fábula, mas buscam a descrição dos eventos em ter-
mos de seqüências de ações isoladas ou justapostas, na redação dos elemen-
tos que formam as estruturas rizomáticas inerentes aos blocos de textos co-
mo os de Müller, ou mesmo de uma evolução dramatúrgica das imagens que
só pode ser transcrita em termos de roteiros de ação (story-boards).
Portanto, para dar conta do texto que foge do modelo dramático nos experi-
mentos desta pesquisa, testamos de forma produtiva dois procedimentos: a
elaboração de listagens de ações cênicas e a confecção de roteiros. Nestes
roteiros, os alunos são convidados a conectar seus desenhos com o resumo
de ações ou a citação de textos mais importantes, promovendo a visualiza-
ção da cena. Os experimentos demonstraram que a construção de imagens
propostas nos textos como Hamlet-Máquina, Palavras, palavras de David I-
ven, através da corporalidade dos atores, são excelente estímulo para a vi-
sualização e a compreensão do texto não-dramático.
19
Sánchez, José A. Dramaturgias de la imagen. Cuenca,Ediciones de la Universidad de Castil-
la-La Mancha,2002.
94
tes de terem desvendado, por si mesmos, um caminho de compreensão da
obra.
95
texto de Shakespeare, nos moldes orientados por David Ball, permitiu ao
grupo traçar uma linha narrativa dramática modelar. Para estudar, via leitura
do texto, os principais procedimentos rapsódicos utilizados na cena contem-
porânea, escolhemos como contraponto à peça dramática inglesa, o texto
Hamlet-Máquina, de Heiner Müller. Esta escolha é coerente com nosso crité-
rio de seleção que visa trazer para a sala de aula textos contemporâneos cu-
jos autores não perderam o interesse de provocar o “espanto” que pode g e-
rar uma reflexão filosófica e política no público, considerados pós-modernos
de resistência20 . São textos que abdicam do desejo de “esclarecimento” polí-
tico do público, mas que não abrem mão de provocar a reflexão sobre as re-
lações sociais, as relações entre a micro e a macro História. Do ponto de vis-
ta estrutural a análise deste texto permite que os alunos possam comparar,
por exemplo, o diálogo dramático tradicional com blocos de monólogos que
revelam uma montagem de fragmentos provenientes do desmembramento
de textos de origens e gêneros os mais variados.
20
Utilizamos este termo na perspectiva de autores como Johannes Birringer, destacada por
Röhl: “Mesmo Birringer, embora condene o pós-moderno, ao falar em “trocas vazias” (...)
ainda assim vê com bons olhos experimentos cênicos e ‘energias transgressivas da perfor-
mance pós-moderna’ que exijam co-produção do espectador. Por isso Birringer defende um
pós-moderno de resistência, que vê atualizado por Beuys, Fassbinder,Pina Bauch e ¨Müller,
artistas que em sua opinião mostram as contradições da cultura tecnológica e abrem a consci-
ência do espectador para mudanças sociais.” (Cf. Röhl, 1997, pp.162-163 e Birringer, Johan-
nes. Theatre, theory, postmodernism. Bloomington and Indianápolis, Indiana University Press,
1991).
96
declarações do próprio autor, retiradas de entrevistas, prólogos, publicados
nas edições do texto ou na Internet. Por exemplo, na oficina em foco selecio-
namos, para situar Müller, um artigo de Lehmann, pois tínhamos a intenção
de questionar aquele grupo com um outro tipo de visão sobre a eficácia de
um teatro político hoje:
(...) O teatro tem pouca chance de ter, de fato, um efeito político simples-
mente a partir da utilização dessa informação cotidiana, diária, sobre o políti-
co. Acreditamos que a coisa mais importante é como trabalhar essas informa-
ções. Política é o modo de como você trabalha a percepção dessas questões.
E são essas várias formas de percepção do político que variam. A questão já
era, para Brecht, para Heiner Müller e para todos que trabalharam com o tea-
tro político: como você muda a forma das percepções das questões políticas,
e influi nessa forma de percepção? “Para o teatro, o que é importante é a
forma de mudar essa percepção, a forma como se vai conseguir alterar essas
21
fórmulas de percepção que estão dadas.”
Não sou Hamlet. Não represento mais nenhum papel. Minhas palavras já não
me dizem mais nada. Atrás de mim monta-se a cena. (...) Não entro mais (os
contra-regras, sem que o intérprete de Hamlet se aperceba, instalam uma ge-
ladeira e três aparelhos de televisão. Ruído de frigorífico. Três programas sem
22
som).”
O professor interrompe a leitura e pergunta sobre qual recurso foi usado pelo
autor no trecho. Após o pronunciamento dos alunos, estimulados por novas
perguntas do professor, este destaca o recurso da desconstrução do perso-
nagem dramático que elucide o procedimento. A leitura é retomada:
21
Lehmann, Hans-thyes. “Teatro pós-dramático e teatro político” (tradução de Raquel Imani-
shi) in Revista Sala Preta N.3. ECA-USP, São Paulo, 2003, p.14.
22
Müller, Heiner. “Hamlet-Máquina”. in Müller, 1987, p.29.
23
Müller, Heiner. “Hamlet-Máquina”.in Müller, 1987, p.29.
97
Segunda pausa na leitura. Destacamos o recurso da imagem dialética: con-
ceito descrito em citação de Ruth Röhl. Retomada da criação de imagens.
Voltamos a ler o texto:
24
Müller, Heiner. “Hamlet-Máquina”.in Müller, 1987, pp.29-30.
25
Roubine, op. cit, 2003.
26
Müller, op.cit, 1997, p.195-196.
98
“O meu lugar, caso o meu drama se tivesse realizado, seria dos dois lados da
frente, entre as frentes, acima delas. Encontro-me no cheiro de suor das mul-
tidões e jogo pedras em policiais, soldados, ta nques, vidros à prova de bala.
(...) Agitado pelo medo e pelo desprezo, vejo -me na multidão que se aprox i-
ma, minha boca espumando, agitando o meu punho contra mim mesmo. Pen-
duro pelos pés minha carne uniformizada. Sou o soldado na torre blindada,
minha cabeça está vazia debaixo do elmo, o grito sufocado pelas correntes.
Sou a máquina de escrever. Apronto o laço quando os líderes forem enforc a-
dos, puxo o banquinho de apoio, quebro o meu pescoço. Sou o meu prisionei-
ro. Alimento com os meus dados o computador. Os meus papéis são saliva e
escarrador, faca e ferida, dente e garganta, pescoço e corda. Sou o banco de
dados sangrando na multidão.“ 27
27
Müller, op. cit, p. 30.
28
Röhl, Ruth. O teatro de Heiner Müller. Perspectiva, São Paulo,1997, p.58.
99
“A questão é verificar como é vazada a intenção política. Através dos perso-
nagens Hamlet e Ofélia. Hamlet-machine oferece dois modelos de realidade
em coexistência tensa: um deles retoma a solução barroca da história-
destino, o autor resiste pela voz (de Electra) que se faz ouvir sem ser articu-
lada por Ofélia. A opção por dois modelos indica renúncia a um modelo único
ou à síntese enquanto modelo global de adoção do sentido, ou seja, renúncia
a uma mensagem ideológica clara e diretamente vazada.” 29
29
Röhl, Ruth.O teatro de Heiner Müller.Perspectiva, São Paulo,1997, p.86.
30
Röhl, Ruth. op.cit, 1997, p.87.
100
vou a discutir as relações da forma, da estrutura da peça, feita de “blocos de
monólogos”, com os objetivos políticos do autor :
“Não havia mais diálogo. Queria incluir diálogos, não era possível. Não havia
diálogo. Apenas blocos de monólogos. E o todo encolheu, ficou reduzido a esse
texto. Também o tema Budapeste 1956 não resultou mais em di álogo (...)” 31
“(...) A frase final (da peça) é de Susan Atkins, membro da sua “family”, uma
das assassinas de Sharon Stone, famosa por seus ‘scaring phone calls’, telefo-
nemas aterrorizantes. Um deles foi citado na Life. Este eu tinha lido por acaso
na Bulgária. Na Bulgária eu dependia mesmo do acaso, no que se referia à lei-
tura. A frase era: ‘quando eu andar com facas de açougueiro pelos seus dorm i-
32
tórios, vocês saberão a verdade’. “
Após a leitura do texto, perguntamos ao grupo: “Qual foi a cena que evocou
uma imagem que você considera como sendo uma imagem forte e pertinen-
te, que pudesse estar em uma versão do texto a ser encenada pelo grupo?.”
Nessa abordagem, não pedimos aos alunos justificativas pela seleção de de-
terminada imagem. Não é necessário que o aluno tenha que racionalizar de
imediato a sua escolha. A imagem é considerada como um material poético,
que pode estimular novos experimentos no futuro, sendo por isso registrada
em fichas que compõem o banco de dados coletivo.
31
Müller, op.cit.p.214.
32
Müller, op.cit., 214-215.
101
3.5.2. A criação de imagens durante a leitura
Por exemplo, uma questão levantada foi: com quais imagens cênicas Müller
encerra o seu texto? Após a criação dessas imagens por dois subgrupos dife-
rentes, o grupo percebeu que no final proposto existem duas imagens fortes
descritas no texto. A penúltima é quando o ator veste o costume e a máscara
de Hamlet, entra na armadura, racha com a machadinha as cabeças de Marx,
Lênin, Mao Tse Tung, cabeças estas pertencentes aos corpos de três mulhe-
res nuas, seguido da queda de neve. Na última rubrica que indica o espaço
do mar profundo, com peixes, cadáveres e ruínas passando, Müller encerra
seu texto através da voz feminina:
“OFÉLIA
(Enquanto dois homens, com batas de médico, a enrolam de baixo para cima,
na cadeira de rodas, em faixas de gaze)
“Aqui fala Electra. No coração das trevas. Sob o sol da tortura. Para as me-
trópoles do mundo. Em nome das vítimas rejeito todo o sangue que recebi.
Transformo o leite dos meus peitos em veneno mortal. Renego o mundo que
pari. (...) Abaixo a felicidade da submissão. Viva o ódio, o desprezo, a insur-
reição, a morte. Quando ela atravessar os vossos dormitórios com facas de
carniceiro, conhecereis a verdade”.
102
(Os homens saem. Ofélia permanece em cena, imóvel nas ataduras).”33
A comparação da peça em foco com outras obras do mesmo autor é uma re-
comendação dos principais autores que sistematizaram modalidades de in-
trodução à análise dramatúrgica, tais como Vinaver (1993), Grosjean, Dulibi-
ne (2004), David Ball (1999), e Lavandier (1997).
O que nos diferencia desses autores é que valorizamos uma forma de olhar
esses textos que complementam a leitura principal. Não se trata apenas de
ampliar a compreensão do texto-base, conforme propõem os estudiosos su-
pracitados. Valorizamos a construção de um enfoque rapsódico, do montador
(bricoleur), que recorta o texto em função de uma futura montagem, que
pode - ou não - vir a utilizar este material textual. Nessa proposta é preciso
estimular a análise dramatúrgica dos alunos numa atitude de apropriação
antropofágica, como mencionamos no capítulo 1. Este olhar canibal, que po-
de decompor para recompor qualquer material textual, deve ser estimulado
pelo professor durante toda a fase de análise.
33
Müller. Heiner. ”Hamlet-Máquina”. O Teatro de Heiner Müller, 1987, p.32.
103
Os critérios de escolha destes textos paralelos são três:
“Só pude escrever a peça depois de uma estada no México e em Porto Rico.
Antes eu não tinha a dramaturgia necessária. No México achei a forma. A se-
gunda parte do texto do elevador na peça é o protocolo de um sonho, o sonho
resultante de uma caminhada noturna de uma aldeia afastada até a rodovia
principal em direção à cidade do México, passando por um caminho rural en-
tre campos de cactáceas, sem lua, nenhum táxi. Às vezes surgiam vultos co-
mo nos quadros de Goya, que passavam por nós, algumas vezes com lanter-
nas de pilha, também com velas. Uma viagem do medo pelo Terceiro Mun-
34
do”.
34
Müller, 1997, p.217.
104
aferir os conteúdos anotados no sonho do autor após a referida vivência no
interior do Peru:
“Como explicar a minha presença nessa terra de ninguém. (...) a única coisa
que se move é um cachorro que remexe um monte de lixo fumegante. Hesitei
muito tempo. Os homens se afastam da parede de cartazes e atravessam a
rua em diagonal, na minha direção, a princípio sem olhar par mim. Vejo o
rosto deles perto de mim, um deles preto, olhos brancos, olhar indefinido: os
olhos não têm pupilas. A cabeça do outro é de prata cinzenta. Um longo,
tranqüilo olhar”. “Olhos cuja cor não consigo determinar; um vermelho cintila
neles. Pelos dedos da mão direita, que pende pesada e que igualmente parece
ser de prata, corre um tremor, as veias brilham através do metal. Depois o
prateado passa por trás de mim, seguido do preto. Meu medo se dissipa e ce-
de lugar à decepção: não mereço nem mesmo uma facada, nem ser estrangu-
lado com mãos de metal.”35
35
Müller, Heiner. ”A Missão”. O Teatro de Heiner Müller, 1987, p.49-50.
105
rou um pesadelo do personagem Hamlet, na periferia de uma metrópole lati-
no-americana.
36
Sartigen, Kathrin. Brecht no Teatro Brasileiro.(Tradução de José Pedro Antunes).São Paulo,
Hucitec, 1998.
106
Quando enfocamos Hamlet, após a apropriação da dramaturgia elizabetana,
propusemos a comparação com as seguintes peças:
Steve Berkoff: “Mal secreto: a vida amorosa de Ofélia” (cartas entre Hamlet e
sua amada)
37
Brecht, Bertolt. “Diário de trabalho, volume I:1938-1941”; org. de Werner Hecht; RJ, Roc-
co, 2002.
107
bre o pós-modernismo e capitalismo, citando, sem que se dêem conta de tre-
38
chos de clássicos da literatura.”
Pudemos comentar o fato de esta peça citar de forma irônica o tema Hamlet,
mas não possuir mais nenhuma relação com o modelo escrito por Shakespe-
are. Os jogos teatrais que realizamos a partir desta situação proposta por
Ives e de seus fragmentos, resultaram em um quadro cênico que chegou a
ser apresentado diversas vezes, mas que depois foi descartado quando o
grupo definiu as cenas que realmente fariam parte do roteiro final. Segundo
a avaliação dos participantes desta oficina, a análise, a criação de imagens e
de jogos a partir de diferentes dramaturgias em torno de foi essencial para
ampliar as possibilidades de adaptação do texto-base, inspirando, conforme
veremos no próximo capítulo, o uso de instrumentos cênicos que eram des-
conhecidos para o grupo até então.
3. Seleção de texto teatral que servirá de eixo para a segunda fase do expe-
rimento.
38
Ana Bernsteisn, in Ives, David, Tudo no Timing, 7 comedias em 1 ato. Viveiros de Castro
RJ,1999.
108
Capítulo 4: Experimentos a partir da análise de dossiês
de encenação modelares
Para que os alunos possam ampliar seu repertório formal, e visando comple-
mentar a análise e o jogo de textos que abordamos nos capítulos 2 e 3, pro-
pomos duas práticas em torno de dossiês que reúnam materiais referentes a
encenações modelares: a análise de registros e reflexões sobre espetáculos e a
experimentação dos procedimentos de adaptação e montagem do texto utiliza-
dos por diretores cujas poéticas cênicas sirvam de referência para o cidadão se
relacionar com a diversidade teatral contemporânea.
109
- Multiplicidade de óticas de um mesmo procedimento: o ponto de partida pode
ser a análise comparativa de fotografias e registros em vídeo de espetáculos,
assim como a leitura de declarações de diretores, que ilustrem distintas formas
de utilização de um mesmo procedimento de criação cênica. Como exemplo,
apresentamos uma síntese do enfoque que utilizamos com o recurso projeção
de imagens.
O capítulo se encerra com nossos comentários sobre a fase final desta proposta
na qual após os grupos terem ampliado o repertório teatral deles - através do
exame e do jogo com textos teatrais, assim como os procedimentos com os
materiais retirados dos dossiês - decidem quais princípios e procedimentos ex-
perimentados serão utilizados no desenvolvimento dos quadros cênicos que
serão apresentados em público.
1
Ubersfeld, Roubine, Lehmann, Fernandes, Cohen, Ramos.
2
Pavis, 1999, p.113.
3
Este exemplo já nos foi útil durante o experimento de encenação analisado na pesquisa de
mestrado (C.F. Martins, 2004).
110
regrinação ou cruzada. Estas formas são ainda habitadas de forma ímpia, tal
4
como no Ulisses de Joyce se reconhece a estrutura da missa.”
4
Sarrazac, op.cit, 1981. p.80.
5
Sarrazac, idem, p.76.
111
mente o texto teatral selecionado, apropriando-se da fábula e do modo de es-
truturação original (ou, no caso de texto não-dramático, do roteiro de situa-
ções, imagens ou acontecimentos), consideramos importante conhecer alguns
dos principais procedimentos de encenação do teatro contemporâneo. Neste
enfoque, o desenvolvimento da capacidade de análise e de criação dramatúrgi-
ca do educando é incrementado toda vez que este se apropria de uma premissa
ou procedimento desenvolvido pelos grandes diretores.
112
Nesta perspectiva, além das formas rapsódicas ou épicas da encenação, valo-
rizamos nesta proposta a aprendizagem da cena não-dramática, na visão de
Hans-Thyes Lehmann (2002), que pode ser visto como equivalente ao modelo
narrativo da justaposição. Para autores como Sílvia Fernandes (1996), o mo-
delo da justaposição se caracteriza por uma escritura que possui outra narra-
tividade, apoiada não mais no contar ou apresentar uma estória para o públi-
co, seja de forma linear ou não, mas sim, nas associações, nas justaposições,
conexões em rede, na não-causalidade que altera o paradigma aristotélico das
ações, da fabulação, de linha dramática, influenciado pelas novas formas nar-
rativas e tecnológicas como o cinema e a vídeo-arte, nas quais se operaciona-
liza o fragmento, a colagem, a simultaneidade. Renato Cohen por sua vez co-
menta que a cena teatral hoje, pode incorporar a não-seqüencialidade, a es-
critura disjuntiva, numa cena de simultaneidades, sincronias, superposições,
enfatizando ainda a natureza híbrida dos procedimentos utilizados na elabora-
ção deste tipo de cena:
6
Cohen, 1998, p. XXVII
7
Outros textos modelares para discutir esta forma narrativa: “Urubu-Rei” “O Arquiteto e o Im-
perador da Assíria”, “Cemitério de Automóveis” “O Balcão”.
8
Lehmann, Hans-Thyes. “Teatro pós-dramático e teatro político” (tradução de Raquel Imanishi)
in Revista Sala Preta N.3. ECA-USP, São Paulo, 2003, p.11.
113
o aprendizado de recursos como a justaposição dos elementos cênicos, por
exemplo, possa ser exemplificado não apenas como exercício da cena que a-
bre mão de uma visão crítica sobre as relações humanas, mesmo que a inter-
pretação do sentido seja feita de forma distinta por cada espectador. Portanto,
recomendamos que o professor em formação não abra mão de experimentar a
elaboração de cenas que provoquem o espanto no público, através de ima-
gens dialéticas (Röhl,1997), que pretende o impacto sensorial proposto por
Artaud e as intenções do estranhamento em Brecht.
9
Iden cit. in Rohl, 1977, cit, p.163.
10
Sarrazac (2001).
114
amento crítico do espectador, em função de um olhar novo sobre as relações
entre os homens. Os recursos rapsódicos utilizados de forma brechtiana visam
o choque e o espanto, provocam ruídos e introduzem comentários na narração
da fábula e provocam o efeito da ambigüidade, deixando, por exemplo, o final
da estória para a conclusão do público; estimulam o espectador a tomar uma
atitude crítica, na posição de co-autor na definição da fábula.
11
“Algumas formas atuais de teatro (o happening, a festa popular, o teatro invisível
de Boal(...), a performance buscam a versão mais pura da realidade ligada ao
acontecimento(...).” (Pavis, 1999, p.7).
115
Por exemplo, no experimento com o tema Hamlet, estudamos as diferentes
modalidades de procedimentos utilizados por alguns dos principais encenado-
res sobre o texto de Shakespeare. Nesta fase o foco central foi a exploração
dos temas a partir do confronto do grupo com o “Material Hamlet”, o dossiê
que passamos a organizar juntos. Visamos a experimentação com diferentes
tipos de textos e abordagens cênicas. Esta exploração teve como ponto de
partida o banco de dados criado pelo coordenador e pelos alunos, denominado
de “Material Hamlet”, que pode ser ampliado gradualmente pelas contribuições
dos professores e participantes das oficinas.
116
artistas diante deste mesmo texto? ”O grupo analisa o material artístico e re-
toma seu próprio exercício, considerando as imagens e soluções cênicas dos
artistas em foco como indutores de criação de imagens, jogos teatrais, concep-
ções cênicas, re-escritura de textos.
Para não direcionar a criação, para não fazer do material selecionado um vetor
de tomada de partido estético pelos dos alunos, antes de tudo, o material deve
servir para ampliar o repertório, para os alunos perceberem como os artistas
resolveram problemas de configuração cênica que já foram examinados por
eles na prática de criação de imagens, concepção e redação de cenas ou de
jogos teatrais. Antes de o grupo entrar em contato com os registros – fotogra-
fias, textos, roteiros, análises críticas, vídeo - de uma encenação considerada
modelar pelo professor, consideramos importante que experimente o(s) proce-
dimento(s) destacado(s). Sem a influência das imagens que demonstram as
soluções cênicas encontradas pelo diretor, os alunos podem descobrir por si
mesmos a forma como o grupo reage ao texto e ao procedimento, de acordo
com seus próprios interesses específicos.
117
de trilha sonora; Análise de imagens cênicas (fotografias, desenhos cenográfi-
cos) de trechos descrevendo ações, imagens (fotos), cenas em vídeo. Os alu-
nos recriam as cenas analisadas.
118
4.2. Poéticas cênicas como ponto de partida: investigando os ob-
jetivos possíveis da encenação.
119
“Historicizar implica julgar um determinado sistema social do ponto de vista de
outro sistema social. Os pontos de vista em questão resultam do desenvolvi-
12
mento da sociedade.”
12
Brecht, “Segundo apêndice à teoria do Messingkauf”. In Diário de Trabalho. Rocco, Rio de
Janeiro, 2002. p. 99.
13
“Tipologia das encenações: a encenação dos clássicos”, Pavis 1999, p.126.
14
Brecht, Bertolt. “A obra clássica intimida”. In Escritos sobre o Teatro, (s/d), pp.154.
15
Brecht, Bertolt. “A obra clássica intimida”. In Escritos sobre o Teatro, pp.154-156.
120
Após o debate sobre os objetivos de uma abordagem brechtiana e tendo em
vista uma apresentação de exemplos de atualização do texto clássico através
da encenação, o professor apresenta algumas montagens modelares. Um dos
eixos que Roubine apresenta para entendermos a cena contemporânea, o
princípio de atualidade, pode servir de introdução aos exemplos:
16
Roubine, 2003, p.190.
121
e o público, a memória do ator e do diretor é também sob certos aspectos, a
17
minha, a sua....”
“(...) em teatro todos os elementos têm igual importância. Uma c adeira pode
fazer o papel de um ator; a luz pode, igualmente, encarregar-se do papel do
ator; se convertem em ativos co-intérpretes em uma representação cênica: são
“atores”. O que se vê em teatro, pode ajudar ao público a escutar. Isto é, em
resumo, o mais importante em teatro: poder escutar. Com isto não quero dizer
‘escutar o texto’, senão que os intérpretes se escutem uns aos outros no palco,
e o diretor aos intérpretes. As pessoas, por certo, não ouvem somente com os
ouvidos, senão que, acima de tudo, ouvem com os olhos, com as mãos, os pés,
18
com o corpo.”
“(...) não importa tanto que estas estórias (do teatro Nô japonês) sejam narra-
das, porém como são narradas; por tal razão, cabe estar horas inteiras olhando
um desses velhos e famosos atores, mesmo quando por acaso se limita a ficar
sentado e cantando ou, simplesmente, cruze o palco com muita lentidão. A es-
tória narrada está em seu corpo, em sua voz, em sua expressão gestual. Esc u-
tando-se uns aos outros, esses atores ajudam o público a ver. (...) Minhas re-
presentações teatrais devem produzir-se na mente do espectador; por isso eu
não pretendo gerar interpretações de textos, mas sim, um material icônico (vi-
sual e acústico), que opera contra a ilustração do texto , e oferece ao especta-
19
dor a possibilidade de descobrir suas próprias associações.”
O seguinte trecho, no qual Robert Wilson cita outro exercício de sua professo-
ra, serviu de base para formularmos o procedimento “criação de imagem cêni-
ca central”:
“Ela entrava em classe e dizia: ‘alunos, vocês têm agora três minutos para pro-
jetar uma cidade. Prontos? Já!’ E eu me via obrigado a fazer que me ocorresse
uma grande idéia, uma idéia fundamental. Creio que isto vale também para o
17
Roubine, 2003, p. 193.
18
Wilson, Robert. “Oír com el cuerpo, hablar com el cuerpo”.(entrevista à Holger Teschke), Re-
vista de la Asociación de Directores de Escena de Espana, pp. 70-71, Madrid, outubro de 1998,
p. 265. (tradução do autor).
19
Wilson, op.cit. p. 66.
122
teatro: primeiro faz falta ter uma idéia básica... e logo podem somar-se um mi-
20
lhão de idéias que comentam ou questionam, ou o que seja.”
Wilson utiliza reiteradamente neste espetáculo o recurso de flash back 22, o que
nos estimula à discussão sobre esta possibilidade: fragmentar o texto, esco-
lher quadros independentes e transformá-los, do plano mimético da narrativa
para o do livre campo da memória, ou seja, misturando-os sem obedecer uma
lógica linear.
20
Wilson, op. cit., p. 266. (tradução do autor).
21
Criado em Houston, 1995.
22
Schmitt, Olivier. “Wilson dialogue au sommet”. Le monde, 14 de setembro de 1995.
23
Balaudé, In Shakespeare, La Scène et ses miroirs. Théâtre Aujourd´hui N. 6,CNDP,
1998,.p.142. (tradução do autor)
123
crofone em cena permite todas as variações melódicas e rítmicas, todas as
modulações entre o sussurro e o grito, amplia sobremaneira a interferência
das ações vocais sobre o público. Podemos exercitar a concepção e redação de
cenas nas quais os alunos imaginem a emissão das palavras (ou o canto) dos
atores nesta perspectiva do texto como base de uma partitura sonora.
“(...) jamais eu disse a um ator alguma coisa sobre psicologia, digo direções, tons,
musicalidades, deslocamento, ima gens, atitudes, não me preocupo com o que o
personagem pensa, o público deve ter a liberdade de imaginar e pensar.” 24
24
Wilson. op.cit., p.267.
124
dir aos alunos que selecionem cenas do texto, copiar, numerar e recortar as
falas, dispondo-as de várias formas sobre sua mesa de estudo, embaralhando-
as, lendo-as em ordens distintas da de Shakespeare, percebendo quais as
mudanças em nossa percepção.
25
Dort, Bernard, cit. in Fernandes, op.cit., p.294-295.
125
Fernandes salienta que Bernard Dort, ao aproximar Wilson de Brecht, revela
um aspecto da encenação contemporânea geralmente negligenciado, que é a
ação política da desconstrução dos textos e a subversão das convenções cêni-
cas consideradas clássicas:
26
Fernandes, op. cit., pp. 295-296.(grifos nossos).
27
Exceto em algumas de suas peças didáticas, como por exemplo, Fatzer. (C.f. Koudela, 1996).
28
Segundo Lehmann, a teoria de Brecht contém uma tese “fundamentalmente tradicionalista”,
na medida em que este dramaturgo não abre mão da estória a ser contada: “a partir da fábula,
é impossível compreender a parte mais significativa do novo teatro dos anos 1960-1990, nem
mesmo a forma textual assumida pela literatura teatral (Beckett, Handke,Strauss, Müller).O
teatro pós-dramático é um teatro pós-brechtiano. (...) o novo teatro abandona o estilo político,
a tendência dogmática e a ênfase do racional no teatro de Brecht.” (Lehmann, H. T. Le théâtre
postdramatique. L´Arche, Paris, 2002, p.44.)
126
a ideologia é atacar, em primeiro lugar, a si própria, demonstrando seu meca-
nismo construtivo e mostrando, com isso, que toda linguagem, mesmo aquelas
que se pretendem totalizadoras, são apenas linguagens, construções imaginá-
29
rias que camuflam seus processos construtivos.”
“Sem território fixo, com o espaço que se subleva à intenção da luz, com a mú-
sica impactante que norteia os sentidos, com os retalhos de personagens arras-
tados pelo ator, com o narrador que é também encenador e, como ele, se rec u-
sa à narrativa, com os corpos de leitmotive seccionando a cena em minúsculas
veias de sentido, com o movimento construtivo em progresso, que leva o espe-
táculo seguinte a negar o anterior, a encenação de Thomas transforma o es-
pectador em parceiro de um jogo libertário, feito sem regras fixas. Compõe um
anteparo subversivo ao desejo, demasiado humano, de totalização.” 30
Podemos utilizar uma descrição de cena inserida no texto teórico como ponto
de partida para a criação de imagens e jogos teatrais. Por exemplo, para de-
bater sobre o procedimento cênico de justaposição de comentário ao que se
passa em cena, podemos utilizar a descrição do quadro denominado “Samba”,
que conclui o referido espetáculo de Thomas. Nele, o diretor e dramaturgo in-
29
Fernandes, op. cit., p. 296.
30
Fernandes, op. cit., p.297. (grifos nossos)
31
www.geraldthomas.uol.com.br
32
Fernandes, op. cit., p. 296.
127
seriu um manifesto deslocado, sem conexão direta com as cenas anteriores.
Podemos usar também esta descrição de cena para chamar a atenção sobre o
recurso de quebra da relação entre platéia e palco:
“Samba
A luz baixa lentamente para concentrar-se no arco da ponte. À medida que fa-
la, a palavra verdade vai recebendo uma entonação aguda, sincopada, ritmada
como um repique de tamborim. A voz sambando no armário funciona como um
sinal para a entrada de percussão forte de bateria, que invade o espaço sonoro,
leva ‘Você’ até o proscênio e cadencia seu texto/manifesto:
33
Fernandes, op. cit., p.245.
34
Fernandes, op. cit. (checar página).
128
base, de Shakespeare, cujo texto cênico seja ambíguo. Cabe ao espectador
decidir o sentido e reconstruí-lo em sua imaginação.
35
Cf. Fernandes, Coehn, Ramos, Lehman.
36
Szondi, Peter. “Sept Leçons sur Hérodiade”, in Poésies et poétiques de la modernité, Presses
Universitaires de Lille, 1982, pp.130.
129
Após a contextualização histórica da origem do recurso da disjunção no movi-
mento simbolista do século XIX, o segundo passo de nossa abordagem é situ-
ar o recurso no âmbito da encenação brasileira. Nesse sentido podemos utili-
zar um outro trecho do mesmo artigo de Sussekind:
A utilização de fotos das cenas referidas para ilustrar o texto teórico é ideal,
sejam elas conseguidas através da publicação de Silvia Fernandes “Gerald
Thomas em cena”, ou na página de Gerald Thomas na Internet.
Com Hamlet, por exemplo, após o debate sobre as imagens citadas, foram
levantadas hipóteses distintas de se utilizar o recurso da disjunção. Pensamos
por exemplo, num quadro onde o texto do monólogo conhecido como “ser ou
não ser” seria dito de forma tranqüila, em gravação “em off”, para que o texto
pudesse ser entendido em sua plenitude. Enquanto isso, o ator que joga o pa-
pel do príncipe giraria no ar, pendurado por uma corda na vara de cenário do
teatro, de cabeça para baixo, girando sobre o público, que estaria sentado em
um círculo de cadeiras sobre o palco.
37
Süssekind, Flora. “A imaginação monológica” in Fernandes, Silvia; Guinsburg, J. Um encena-
dor de si mesmo: Gerald Thomas. Perspectiva, SP, 1996.
38
Sussekind, “A imaginação monológica” in Fernandes, S. Guinsburg. Um encenador de si
mesmo: Gerald Thomas 1996, p.284.
39
Sussekind, in Fernandes, op.cit., p.285.
130
participantes, a foto da capa de um disco do grupo “Secos e Molhados” na dé-
cada de 1970.
40
Pavis, 1999, pp. 317-318.
131
um espaço social ou natural específico? Ela se situa fisicamente estável, no
mesmo lugar ou precisa se deslocar para ver as cenas?
-Qual a relação ficcional entre o texto e a cena? Existe uma “quarta parede”
entre os atores e o público? Os espectadores estão dispostos em locais espa-
lhados no meio do espaço cênico? Quais são os ângulos de visão do público? O
posicionamento espacial obriga os espectadores, não apenas a assistir, mas, a
estarem envolvidos, dentro da ação?
- Modo narrativo: Qual a leitura do texto por essa encenação? Que escolhas
dramatúrgicas são feitas? Qual a organização da fábula ou como se estrutura
o evento cênico? A cena mostra uma única situação ou existem ações simultâ-
neas?
132
na? Qual a sua relação com a fábula e com a dicção dos atores? Em que mo-
mento a música interage com a ação dos atores, da luz, dos objetos? Optou-
se pelo uso amplificado de ruídos urbanos ou naturais?
- Ritmo: qual o ritmo das cenas? Ele é contínuo ou descontínuo? Qual o ritmo
da troca de diálogos, a relação entre a duração real e a duração vivenciada?
Após a proposição de cenas, textos e jogos a partir das questões, o grupo en-
tra em contato com diferentes indutores – recortes de textos sobre tea-
tro,imagens, registros em vídeos - que indicam as opções adotadas em ence-
nações modelares, clássicos da modernidade cênica. Após a análise, o grupo
experimenta os procedimentos enfocados e, em seguida, retoma sua escritura
cênica.
Este movimento pendular entre o jogo do grupo com recortes do texto e a
descoberta de diferentes formas adotadas pelos diretores para resolver os
mesmos problemas de configuração cênica é uma premissa fundamental nesta
proposta.
133
é não perder de vista o debate em sala de aula sobre a necessidade – ou não -
de adaptarmos o texto teatral para o universo cultural brasileiro.
134
Procedimentos metalingüísitcos
Recorte:
Recorte:
“Nas cinco horas do espetáculo que se seguem, mantém-se esse mesmo ritmo.
Música e canto fazem a pontuação da ação podendo comentá-la, contrapor-se a
ela, sugerir relações entre texto e personagens, dar ritmo e criar clima. Essa
variedade de funções é facilitada pela conjugação de trilha gravada com música
ao vivo e pela enorme gama de estilos e ritmos empregados: cantos indígenas,
canto lírico, blues, bossa-nova, samba, rock, rap, etc.”
Procedimentos:
41
Garcia. Silvana.op.cit.
135
- Citação de música como base da cena, como base de nova música, paródia.
Um grupo cria musicalidade para um trecho, enquanto outro grupo corporifica
imagens para cada passagem.
Podemos questionar com os alunos: Como podemos utilizar uma cena do texto
de Shakespeare para, através da citação de outro elemento (áudio, vídeo, ce-
na, som cores simultâneas, coro, ação cenográfica, justaposição de música),
dizer alguma coisa sobre o país em que vivemos, como se respondêssemos a
pergunta o que falar do Brasil, hoje? O que nos estimula o pensamento acerca
desta nação?
“As personagens, por sua vez, são aparadas em seus volumes e tornam-se pla-
nas, caricaturas de folhetim. A Rainha ostenta uma leveza quase infantil —
“Fragilidade, teu nome é mulher!”;
(...) Pintadas em seus traços mais caricaturais, mas confrontadas com um texto
de alta poesia e transcendência, as personagens parecem debater-se em des-
conforto. O efeito é de marcado estranhamento,(...).42
42
Garcia, op. cit.
136
Avaliação: “quem eles mostraram”? Do ponto de vista dos papéis sociais, quais
os personagens que nos interessam? Por exemplo, em Interlagos destacamos o
rei Cláudio, Polônio, a Ofélia frágil e acuada como possibilidade de ser confron-
tada com uma concepção contemporânea de mulher. Também se discutiu muito
a possibilidade de explorarmos a figura de Fortimbrás como representante do
chefe militar imperialista.
Redimensionamento de personagens
Recortes:
43
“(...) Hamlet perde seu caráter melancólico e ganha cinismo e agressividade.”
43
idem
137
mos complementar esta análise com o exame de outras encenações modelares
do mesmo texto, tais como as versões de Robert Wilson (Hamlet as monolo-
gue) e Gerald Thomas (M.O.R.T.E), já citadas, assim como as de Lioubimov
(1977), Heiner Müller (1990), Peter Brook (2000),) e Patrice Cheréau (1989) e
Robert Lepage (1995), dentre outros.
A abordagem do uso do vídeo pelo grupo Oficina nos estimulou a propor a in-
vestigação da pertinência - ou não - do uso de recursos tecnológicos que in-
crementassem algum quadro cênico, ou mesmo, todos eles, configurando uma
unidade formal à montagem de cenas distintas. O professor pode propor a se-
guinte questão aos alunos: de quantas formas poderíamos utilizar a projeção
de imagens em nossa encenação do texto? Podemos situar a noção de projeção
de imagens através de sombras chinesas, fotos, vídeo (monitores de televisão
com vídeo-cassete ou DVD player, ou mesmo data-show) para a encenação de
uma cena do texto de Shakespeare?
Após o exame coletivo das propostas dos alunos, todos pesquisam outras en-
cenações que tenham se utilizado deste recurso. Todos podem trazer para a
leitura em sala de aula, trechos de entrevista de diretores importantes que
utilizem a projeção de imagens, que esclarecem as diferentes motivações para
este uso.
138
em seu conteúdo real. (fuzilamento da família do Czar em filme na cena da
44
conjuração).”
44
Piscator, E. “Nuevas tecnologias em la escena”. In Revista ADE, Madrid, 1999.(tradução do
autor).
45
Maurin, Fréderic (org.). Peter Sellars. CNRS, Paris, 2003, p.360.
46
Sellars, Peter. In Delgado, Maria; Heritage, Paul.(orgs.) Diálogos no palco. Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1999, pp. 440-441.
47
Fouquet, Ludovic. Robert Lepage, l´horizon en images. Québec, L´instant même, 2005.
48
Lepage, Robert. “Le créateur se penche sur I'avenir du théâtre” (entrevista feita por Jean St-
Hilaire) Le Soleil, Québec, 22 de janeiro de 2000.
139
O questionamento do grupo em relação à possibilidade de usar esse recurso
em nosso experimento gerou diferentes propostas, escritas ou debatidas. Após
o comentário a partir de fotografias 49 sobre a projeção de imagens em vídeo
pré-gravado e ao vivo dentro do espetáculo Elsinor, ampliou a discussão.
Após o debate com textos sobre teatro e a análise das imagens de diferentes
abordagens multimídia de textos, o grupo é convidado a conceber cenas que
se utilizem da projeção de imagens. Se tivéssemos acesso ao equipamento
necessário, qual seria sua proposta para a inserção de imagens – pré-
gravadas, ao vivo, ou ambas? - e para o uso de microfones? Se houver dispo-
nibilidade técnica, podemos realizar experimentos com os equipamentos. Em
nossa oficina com Hamlet, na fase de elaboração de roteiros, foram discutidas
diferentes propostas tendo em vista que a abordagem multimídia interessou
ao grupo. Percebemos a importância do questionamento constante do motivo
da utilização de determinado recurso, alertando o grupo sempre para o perigo
da utilização aleatória que não contribui para a encenação. Ao final de nossa
montagem, os alunos decidiram utilizar o recurso do vídeo como forma de
projetar a imagem ao vivo do “Horácio/narrador” e dos solilóquios do protago-
nista, assim como possibilitou a projeção da cena do afogamento de “Ofélia”.
49
Lepage In Irvin, Polly.(org.) Directing for the stage, Rotovision, London,2003. pp.60- 71.
140
início de uma nova etapa que deve ser desenvolvida, pois o roteiro da encena-
ção deve, em princípio, ser reavaliado conforme o posicionamento e as reações
do público. Reiteramos, sempre que possível, que podem ser seguidas de deba-
tes com o público, após cada evento, para aqueles interessados. Em Interlagos,
o grupo alterou bastante a escritura cênica dos quadros, após a análise da ob-
servação da platéia.
50
Em nossa experimentação a partir de ”Hamlet” houve uma temporada de apresentações no
teatro do “CEU-Centro de Educação Unificado - Cidade Dutra”, na zona sul de São Paulo, entre
início de novembro e dezembro de 2004.
51
Na perspectiva de Cohen (1998).
141
Portanto, propomos variações em torno do seguinte exercício: todos são con-
vocados como dramaturgos para redigir sua versão da cena e trazer uma pri-
meira versão para a aula seguinte. As proposições individuais são lidas em
cada subgrupo, que elabora coletivamente uma versão que resultou do con-
senso. As versões individuais são anexadas ao seu relatório da disciplina, pro-
tocolo no qual ele relaciona leituras da teoria com o que fizeram na prática.
Outra possibilidade é que o professor possa conectar os dados que reuniu com
os procedimentos que realizou, - cada aluno poderia contribuir para escrever
os procedimentos utilizados e distinguir as formas de conectar esses dados
teóricos e artísticos sobre encenações modelares de um texto. Esse Banco de
dados poderia servir de ponto de partida de novos experimentos em outros
contextos, como fizemos ao levar o material reunido em Natal para a oficina
de São Paulo.
142
ampliando assim, sua compreensão das dificuldades do ator desenvolvendo
dessa forma sua habilidade na condução de grupos.
143
pofágica de diretores como José Celso, cuja formação artística se funda em
reflexões de artistas de teatro tão distintos quanto Bertolt Brecht, Oswald de
Andrade, Antonin Artaud e o grupo Living Theatre. Podemos lançar mão de
quaisquer componentes desses dossiês didáticos, dependendo da relação que
se estabeleça conforme o planejamento que não abre mão do estudo das poé-
ticas cênicas modelares tais como Brecht, Artaud, Wilson, La Fura, Marcelo
Gabriel, Marina Abramovich – mas também da avaliação do grupo pelo profes-
sor.
Por outro lado, foi perceptível também o alargamento da visão de mundo dos
grupos, estimulada pelos inúmeros debates, ocorridos nas avaliações após os
jogos e das análises dos registros e estudos sobre as encenações modelares.
O contato dos alunos com diferentes posicionamentos éticos, políticos e poéti-
cos dos diretores e grupos estudados mostrou-se um recurso pedagógico efi-
caz no sentido da educação do espectador crítico, mas também de um ser
humano mais aberto ao diálogo, o acostumar-se com o lidar com distintas i-
déias na busca de um consenso, de valores como a diversidade e o respeito ao
pensamento do outro.
144
Considerações finais
Como ensinar a ler e a criar a cena contemporânea que vai além do modelo
dramático? Como desenvolver a aprendizagem da dramaturgia tendo o
texto teatral como ponto de partida de experimentos de aprendizagem e
criação, no âmbito da formação do professor de ensino de teatro na escola?
Como vimos, essas questões permearam toda a nossa investigação.
145
1) O texto como objeto literário, histórico, antropológico, que serve de
modelo para a recriação dramatúrgica e estimula a capacidade de
argumentação dialética sobre a natureza das relações humanas: como obra
pertencente ao patrimônio artístico universal e nacional, um produto
cultural, um elemento integrante do acervo literário, como um reservatório
poético e mitológico de uma sociedade. O texto é um objeto cuja leitura
contribui para a apropriação das narrativas fundamentais que compõem o
imaginário, a memória coletiva de uma sociedade.
Como esta investigação teve como resultado uma proposta pedagógica que
se fundamenta num balanço constante entre a experimentação lúdica e o
acesso a fontes artísticas e teóricas, isto tornou necessário refletir sobre a
ordem em que esses aspectos se sucedem. Esta preocupação se resume na
seguinte pergunta: Como dosar informação e experimentação? Durante os
experimentos tivemos a preocupação de evitar um enfoque “intelectualista”
ou “conteudista” do ensino, que priorizasse a transmissão de informações
em detrimento da invenção cênica do aluno. O ideal é que as soluções
cênicas dos artistas profissionais sejam debatidas depois de os alunos
terem feito suas propostas. Isso é significativo, pois evita os efeitos
nefastos de um acúmulo de informações antes de os alunos se disporem a
experimentar.
146
Neste sentido interessa-nos também o texto do registro de encenação, ou o
roteiro cênico (story-board) pós-dramático, que muitas vezes inclui
imagens, (imagem de roteiro de Actions do La Fura del Baus), pois
percebemos em nossos experimentos que, ao se perguntar aos alunos por
roteiros pós-dramáticos, eles não tinham idéia de como seria a forma de
registro no papel de suas concepções, falta de referência esta que
dificultava sua expressão. Percebemos ainda, que ao lidar com roteiros de
Cohen, ou com vídeos e leitura de rubricas do texto de “Apocalipse 1,11”,
por exemplo, discutíamos a noção de teatro processional, de acontecimento
cênico, de teatro ambiental (“Enviroment theather” de Richard Schechner).
A leitura das rubricas em textos teatrais contemporâneos resultantes de
encenações, como “Apocalipse, 1,11”, por exemplo, demonstrou a eficácia
desse tipo de exercício para a ampliação da capacidade de expressão do
educando na linguagem cênica.
Nossa análise confirma que é desejável que estes bancos de dados possam
estar configurados sob a forma de fichários ou pastas. O professor de
teatro pode decidir por outras classificações diferentes da que adotamos,
pois não se trata de propor um modelo único. Recomendamos que, no
mínimo, duas modalidades distintas de encenação sejam abordadas em
cada experimento, permitindo a análise comparativa das soluções
adotadas.
147
A tese sugere, como uma das possibilidades de seu desdobramento, a
reflexão mais aprofundada sobre a documentação e o registro das
manifestações do fenômeno teatral. São itens que poderão ser
desenvolvidos em próximos trabalhos: a densidade dos suportes (textos,
vídeos, fotos, gravações sonoras); a divulgação e o acesso a essa
documentação; a importância da organização e da preservação desses
materiais, dentre outros.
148
Tendo em vista o aprendizado da leitura da cena teatral por parte dos
alunos, enfatizamos a recepção do discurso tecido através dos jogos de
encenação ao longo de toda a nossa trajetória. Esta leitura estética teve
como instrumento principal a noção de dramaturgia como sendo a forma de
entrelaçar os principais elementos da linguagem da encenação: o gesto e a
palavra do ator em sua relação com a música, os objetos, o espaço e o
público.
149
da encenação e, por outro lado, enquanto continuidade às investigações de
Ingrid Koudela e Maria Lúcia Pupo.
150
alguns atores podem se incomodar com alguma mudança na distribuição de
papéis, mesmo quando esta evidencia a necessidade estética da troca,
tendo em vista a representação como um todo. Neste momento, é
importante que o professor estimule o posicionamento do aluno enquanto
dramaturgo, no sentido de sua participação como co-autor do texto,
enfoque que exige um maior distanciamento crítico. Em nossa experiência,
quando não havia consenso, a decisão final sobre a distribuição dos papéis
cabia ao aluno que jogava o papel do diretor, e foi importante expor e
discutir os critérios no grupo, para esclarecer dúvidas e evitar mal
entendidos.
151
5. Leitura, análise e experimentação de textos teatrais com mesmo tema
ou narrativa, que possam exemplificar diferentes adaptações do texto
escolhido como eixo norteador.
152
Os experimentos analisados resultaram na elaboração de um esboço de
projeto de hipertexto didático, que se compõe de banco de dados, em
formato digital, por nós denominado Material Hamlet. Este banco de dados
reúne o material selecionado ao longo desta pesquisa, em torno dos textos
e as encenações que tiveram como ponto de partida o Hamlet de
Shakespeare. Os dados selecionados nesta pesquisa bibliográfica e os
procedimentos sistematizados para uma abordagem didática dos textos e
imagens podem ser utilizados como ponto de partida ou de retomada de
jogos teatrais, tanto na formação do professor quanto na sala de aula
escolar, com grupos a partir da adolescência. Para cada modalidade de
encenação estudada relacionamos dados teóricos, poéticos e históricos,
com procedimentos didáticos resultantes da investigação. O hipertexto
pode servir como ponto de partida ou de apoio didático para os professores
interessados e permite o acesso a todas os documentos, inclusive trechos
de cenas de encenações de Hamlet de artistas do porte de Peter Brook e
José Celso.
Avaliamos que uma falha da pesquisa foi não termos aprofundado, durante
as oficinas com iniciantes e os professores em formação, as possibilidades
pedagógicas do uso da Internet como Banco de dados ilimitado sobre
teatro. O diário coletivo - blog - que criamos durante o experimento a partir
de Hamlet, por exemplo, não foi desenvolvido a contento, pois os
participantes da referida oficina não tiveram tempo nem condições de
acesso para incrementá-lo como havíamos pensado inicialmente.
Pretendíamos utilizar o blog como instrumento de democratização das
opiniões de todos sobre a evolução das propostas de roteiro, mas faltaram
tempo e acesso aos equipamentos. Um outro desenvolvimento possível da
investigação é tentar averiguar o uso da Internet como hipertexto didático
na formação do professor e na educação escolar.
153
Comprovou-se que a proposta sistematizada que parte de jogos com texto,
— dando passagem à análise lúdica, experimentos de encenação e re-
escritura dos textos, — é eficaz como fase preparatória, anterior ao
delineamento dos objetivos, dos materiais textuais e das formas cênicas
que será examinada com maior profundidade no contexto da disciplina
“Encenação” na licenciatura, na fase seguinte, quando os grupos
desenvolvem os acontecimentos cênicos que serão levados ao público.
154
O procedimento de divisão dos subgrupos em quatro funções criativas
distintas é uma contribuição aos estudos metodológicos nesta área, pois
amplia as perspectivas do jogo teatral, anteriormente com os papéis de
ator e espectador.
155
Nosso propósito inicial era a proposição de uma tipologia modelar para
estruturação dos dossiês de encenação. Intentamos então, utilizar as
principais classificações da análise de espetáculos contemporâneos através
de autores como Roubine, Pavis, Lehmann e Abirached, mas, nenhuma
delas foi satisfatória, uma vez que apresentam tipologias de caráter
distinto. Nem mesmo a coincidência da divisão em 3 principais modalidades
estabelecidas por Lehmann e Abirached e recomendada por Pavis
constituem um modelo eficaz do ponto de vista de uso prático em sala de
aula. Portanto, abandonamos a idéia de propor uma tipologia modelar para
divisão das encenações. Sendo assim, sugerimos que o critério norteador
seja a resposta à seguinte questão: Quais são as encenações modelares do
texto teatral selecionado como eixo do experimento que servem de
exemplo para a aprendizagem dos instrumentos cênico-narrativos
rapsódicos e pós-dramáticos?
156
Um outro desdobramento possível desta investigação é a ampliação,
quando possível, das funções a serem exercidas pelos alunos incorporando
os papéis de sonoplasta e o de cenógrafo. O cenógrafo em nosso jogo de
encenação poderia ser o responsável por propor os elementos que
compõem a visualidade (cenário, figurino, objetos, iluminação) e as
relações espaciais entre cena e público. Correspondente, em Cinema, ao
“Diretor de Arte”. O cenógrafo pesquisa imagens que possam servir de
referência para a criação de objetos, adereços e figurinos, cenários, o
desenho da luz. Propõe diferentes utilizações do espaço, das relações cena-
público, assim como, ponto de partida e retomada de jogos: objetos,
ambiências (produz concepções e as registra em desenhos esquemáticos –
não precisa saber desenhar). O aluno que jogar o papel de sonoplasta
ouve as sugestões de todos e concebe a narrativa sonora da cena. Propõe
músicas, ruídos, silêncios, estruturas rítmicas, como ponto de partida ou
retomada das cenas, além das seguintes tarefas:
157
formados há mais de dois anos, no curso de especialização em ensino de
teatro que ministramos em conjunto com o professor e encenador Antônio
Araújo na UFRN em 2004. Após a experiência de ensinar teatro na escola,
os ex-alunos declararam que o fato de terem jogado os papéis de diretor e
de dramaturgo, de se confrontarem com o desafio de criar sínteses teatrais
após o trabalho com textos modelares e de terem de estudar e debater
textos sobre teatro, estimulou talentos até então não desenvolvidos.
Podemos resumir essas habilidades da seguinte forma: a) competência
para encontrar um grupo de iniciantes fora do contexto universitário e de
propor uma oficina; b) habilidade para reunir e manter um grupo de
pessoas em torno de um projeto de encenação; c) condições de assumir
um posicionamento artístico em relação a um determinado público – e não
simplesmente fazer teatro como uma expressão pessoal e “espontânea”,
desconectada de uma tentativa de comunicação com uma platéia
especifica; d) habilidade para elaborar criticamente o seu discurso teatral,
comprometido com o fazer teatral que questione a natureza das relações
humanas; e) capacidade de situar sua prática cênica na tradição da história
da encenação e da dramaturgia; f) conhecimento dos recursos rapsódicos
de encenação de um texto, ampliando o leque de opções de procedimentos
da escritura cênica.
158
cênico a ser desenvolvido na aula seguinte.” Neste exemplo, os subgrupos
desenvolveram cenas ao longo de um ou dois semestres, em torno do
mesmo texto teatral, cujo resultado é apresentado não como um
espetáculo ou produto acabado, mas como uma mostra dos resultados de
uma investigação coletiva sobre o teatro. Muitos desses professores têm
aplicado a noção de retomada de jogo que salientamos no capítulo 2, como
eixo de desenvolvimento gradual de cenas que são redimensionadas a
partir de novos indutores propostos pelo professor e pelos alunos nos
papéis de diretor e dramaturgo.
159
fundamentos da linguagem da encenação no âmbito do novo curso de
Licenciatura em Teatro, que substituiu o curso de Licenciatura em Educação
Artística, Habilitação em Artes Cênicas na UFRN e que terá inicio em 2007.
Após essa análise, defendemos uma nova seqüência para a evolução das
práticas em encenação durante a licenciatura. É recomendável que o aluno
possa experimentar práticas de jogos com textos teatrais, com fragmentos
de textos, conforme apontamos no capítulo dois. Uma abordagem lúdica
dos textos teatrais e literários, com ênfase na proposição metodológica de
Koudela, Pupo e Boal, pode servir de eixo para a introdução dessas
práticas. O segundo momento se daria a partir da escolha de um único
texto pelo grupo, que seria objeto de análise e fragmentação, tendo em
vista a elaboração de diferentes quadros cênicos. Nesta fase os alunos
passam a jogar papéis específicos. No terceiro momento, após a
experimentação do leque de opções de encenação, cada subgrupo definiria
quais princípios e procedimentos seriam adotados, constituindo então um
projeto de encenação que seria desenvolvido até o encontro com um
público específico. Na quarta fase, os alunos devem escolher um grupo fora
da universidade, formular e realizar um projeto de oficina de teatro que
deve resultar em um acontecimento cênico que será apresentado também
ao público de alunos e professores do curso. Em todas as três fases, os
experimentos são analisados em relatórios nos quais os alunos devem tecer
relações entre a teoria e a prática.
160
aprendizagem da encenação e da dramaturgia através de experimentos
que articulem a análise dramatúrgica com os bancos de dados e a vivência
dos papéis de ator, dramaturgo e diretor em encenações a partir de
fragmentos de textos teatrais.
161
146
Bibliografia
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poética do espetáculo”. Tese de Doutourado, ECA-USP, São
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Drama,1996.
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theaterpädagogische praxis. Frankfurt, Brandes & Apsel, 1995.
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Paris III, Paris, 1985.
THOMAS, Gerald. “Menino você esteve com ele?” In: Fernandes, Silvia e
Guinsburg, Jacó.(orgs.) Um encenador de si mesmo: Gerald
Thomas. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1996, pp.162-167.
155