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14 MichaeI Angrosino

um pouco mais de contexto ao que é esboçado aqui com certo detathe.


Aqueles [ivros, somados a este, permitem decidir quando usar a etnografia
e a observação e fornecem uma base metodotógica e teórica para usar essa
estratégia no campo. Aqui, os estudos exemptares repetidamente usados,
como ilustração, ajudam a ver a etnografia não tanto como um método,
mas mais como uma estratégia, e a ver quando eta é adequada aos campos
e questões em estudo.

tr,TNOGRÂF'IA
E, OBStr,RVAÇÃO
PARTICIPANTE,

pode ser adotado'par pesquiíádÉffi


contexto ao qual uma variedade de t
16 I Michael Angrosino Etnografla e observação participante I 17

w UMA BREVE HTSTORIA DA PESQUISA ETNOGRAFICA


Matinowski e Boas eram ambos fortes defensores da pesquisa de campo e
ambos defendiam aquito que veio a ser conhecido como observação partici'
Etnografia significa [iteratmente a descrição de um povo. É importante pante, um modo de pesquisar que coloca o pesquisador no meio da comu-
entender que a etnografia tida com gente no sentido cotetivo da patavra, e nidade que ete está estudando. Por causa de compticações causadas petas
não com indivíduos. Assim sendo, é uma maneira de estudar pessoas em gru- condições internacionais durante a Primeira Guerra Mundiat, Matinowski,
pos organizados, duradouros, que podem ser chamados de comunidades ou qu" fazendo um estudo de campo das lthas de Trobriand (Pacífico
sociedades. O modo de vida peculiar que caracteriza um grupo é entendido "rturu
deste), ficou retido no seu campo de pesquisa durante quatro anos. Embora
como a sua cuttura. Estudar a cuttura envotve um exame dos comportamen- raramánte tenha sido possivel dupticar aqueta façanha não ptanejada, a
tos, costumes e crenças aprendidos e compartithados do grupo. etnografia de Matinowski sobre os trobriandeses é com frequência tomada
Foi em fins do sécuto XIX e início do XX que os antropó[ogos começaram .orõu áurea medida para a imersão totat de longo prazo de um pesquisador
a utitizar o método etnográfico para estudo dos grupos humanos, a partir na sociedade estudada.
da convicção de que as especulações acadêmicas dos filósofos sociais eram
inadequadas para entender como viviam as pessoas reais. Etes chegaram à
conctusáo de que apenas em campo um estudioso poderia encontrar verda- os pioneíros da pesquisa de campo acreditovam que estavam aderin-
deiramente a dinâmica da experiência humana vivida. A partir da lngtaterra do a um método consoante com o das ciências naturais, mas o fato
(e de outras partes do lmpério Britânico, mais tarde Comunidade Britânica, de estarem vivendo nas proprios comunidades por eles anolisodas
como Austrátia e índia), pesquisadores desenvotveram uma forma iniciat introduziu um grau de subietividade nas suas análises que estava em
de pesquisa etnográfica. Eta reftetia o seu trabatho de campo em áreas dissonôncío com o senso comum do método científico-
ainda então sob controte coloniat, tais como as sociedades na Africa ou no
Pacífico que pareciam estar preservadas em suas formas tradicionais. Em
retrospecto, é claro, podemos ver como o encontro cotonial mudou drasti- Apartir da década de í920, sociótogos da Universidade de chicago adap-
camente muitas daquetas sociedades, mas há cem anos era ainda possível taram os métodos de pesquisa etnográfica de campo dos antropótogos ao
othá-tas e considerá-tas como retativamente intocadas peto mundo exterior. estudo de grupos sociais em comunidades "modernas" nos Estados Unidos
Os britânicos, portanto, enfatizaram um estudo das instituições duradouras (Bogdan e Éikten, 2003). A inftuência da "Escota de Chicago" estendeu'se
da sociedade; este procedimento veio a ser chamado de antropotogia so- a áieas como educação, negócios, saúde púbtica, enfermagem e comuni'
ciat. Os dois antropótogos sociais mais inftuentes da escola britânica foram cação.
A.R. Radctiffe-Brown e Bronistaw Matinowski (McGee e Warms, 2003, ver
p.1s3-215).
outro lado, os antropótogos nos Estados Unidos estavam interessados
Por
Ú reontAs DA cuLTURA E PESQUIsA ETNoGRÁFlcA
em estudar os índios norte-americanos, cujos modos de vida tradicionais já À medida que o método etnográfico se espathou petas disciptinas, ete
haviam sido drasticamente atterados, se não comptetamente destruídos. Os ficou associado a uma ampla variedade de orientações teóricas.
antropótogos dos Estados Unidos não podiam supor que esses índios vives-
sem no contexto de instituições sociais que representassem efetivamente . funcionatismo
sua condição nativa. Se não se pudesse encontrar a cuttura naquetas insti-
. interacionismo simbótico
tuições, eta teria então de ser reconstruída através da memória histórica . feminismo -

dos sobreviventes. Assim, a antropotogia americana veio a ser chamada de I marxismo


antropotogia cultural. O antropótogo cuttural mais influente foi Franz Boas, . etnometodotogia
que treinou toda uma geraçáo de estudiosos americanos, entre etes Atfred . teoria crítica
Kroeber, Ruth Benedict, Margaret Mead e Robert Lowie (McGee e Warms, . estudos cutturals
2003, ver p. 128-1521. . pós-modernlsmo

d*
í8 Michael Angrosino Etnografia e observação participante I 19

FUNCIONALISMO na tradição funcionatista é a tigação das regras de comportamento (nor-


Escota de antropotogia dominante na lngtaterra durante a maior parte do mas) ao comportamento própriamente dito; as divergências entre o que as
pessoas disseram que tinham de fazer e o que etas reatmente fizeram sáo
sécuto XX, o funcionatismo tem ligações metodotógicas e fitosóficas de longa
data com a sociotogia, tanto no Reino Unido quanto nos Estados Unidos. O desenfatizadas. Ta[ suposição funciona methor em comunidades pequenas
funcionatismo é caracterizado petos seguintes conceitos básicos: retativamente homogêneas; assim os funcionatistas preferiram o trabalho
de campo nas sociedades tradicionais isoladas ou em vizinhanças contidas
Aanalogia orgânica, o que concebe a sociedade de modo análogo a um nas modernas áreas urbanas.
organismo biotógico, com estruturas e funções paraletas às dos siste- Os funcionatistas abordam a etnografia como se ela fosse um exercício
mas físico-orgânicos. Cada instituição sociat, taI como um órgão, tem puramente empírico. Os comportamentos e crenças das pessoas são consi-
uma função específica a desempenhar para manter vivo o organismo/ derados fatos sociois reais; etes são "dados" que devem ser cotetados com
sociedade inteiro, mas nenhum detes pode operar perfeitamente a objetividade por pesquisadores com um mínimo de interpretaçáo. Embora
menos que esteja corretamente conectado a todos os demais órgãos prefiram trabathar com dados quatitativos (em oposição a dados numéricos
da instituição. gerados por sondagens, etc.), eles defendem a natureza científica da etno-
Um modelo orientado de acordo com as cíências naturois, o que signi- grafia porque sua coleta de dados está a serviço de uma concepção de ordem
fica que a sociedade deve ser estudada empiricamente, para melhor na vida sociat, onde os fatos têm preeminência sobre as interpretações e
desvelar seus padrões subjacentes e sua ordenação gerat. onde cada evento tem sua função dentro de um sistema coerente.
Um estreitamento do campo conceitual, o que significa que os funcio-
Peto fato de o parentesco ser considerado a chave-mestra para a organi-
nalistas preferem enfocar a sociedade e seus subsistemas (por exem-
zaçáo sociat, os funcionatistas se orgutham muito de usar métodos genea-
plo, família, economia, instituições políticas e crenças); etes deram
lógicos para reconstruir e ituminar todos os aspectos de uma sociedade.
retativamente pouca atenção à arte, à linguagem, ao desenvolvimento Etes tendem também a apticar questionários onde as Perguntas são feitas
de personatidade, à tecnotogia e ao ambiente. verbatmente por um pesquisador, que preenche o formutário; este método
Uma pretensão de universalidade, o que significa presumir que todas difere do questionário escrito, que é distribuído aos que vão respondê-to
as instituições sociais e suas respectivas funções são encontradas em e no qual eles mesmos preenchem os vazios. O ideat é que todas as entre-
estruturas equivatentes, em todas as sociedades. vistas sejam feitas na língua ainda que nativa, atgumas vezes se contrate o
A preeminência dos estudos de parentesco, o que significa que os auxítio de intérpretes.
laços de famítia são considerados a "cota" que mantém as sociedades
coesas; nas sociedades modernas, outras instituições desempenham A pesquisa etnográfica nesta tradição depende muito, portanto, das in'
funções equivatentes aos da famítia tradicional, mas presume-se que terações pessoais dos pesquisadores e seus "informantes". Mesmo que os
sempre façam isso a partir do modelo da famítia. dados sejam considerados objetivamente reais, as circunstâncias nas quais
Uma tendêncio para o equilíbrio, o que significa supor que as socie- foram cotetados não podem ser facilmente reproduzidas. Por isso, a tradição
dades devem ser caracterizadas por harmonia e consistência interna; de pesquisa funcionatista enfatiza avalidade mais do que a "fidedignidade"
as perturbações ou anomatias são, ao fim e ao cabo, corrigidas por (sendo esta úttima um critério do método científico que enfatiza as expe-
mecanismos existentes dentro da própria sociedade. Esta suposição riências repticáveis).
imptica a tendência em ver as sociedades como algo estático em seu A etnografia nesta tradição exige longa imersão em determinadas so-
equitíbrio gtobat, assim como uma indisposição para estudar fatores ciedades. Consideradas as restrições logísticas para se cumprir tal missáo,
históricos responsáveis por mudanças na vida socia[. geratmente não é possivet conduzir uma pesquisa comparativa genuina-
mente intercutturat. Um retrato comparativo intercutturat pode emergir do
Em termos de método, os funcionatistas sáo fortes defensores do tra- acréscimo gradual de estudos particutares, mas a reatização de um projeto
batho de campo baseado em observação particlpante, que, pelo menos de pesqulsa padronlzado, conduzido simuttaneamente por pesquisadores
ideatmente, é um compromisso de longo prazo, pols â ordem subJacente em dlferentes tocals nâo é uma prática corriqueira. Uma consequência pos-
de uma sociedade só pode ser revetada peta lmcrrâo paclcnte nas vidas das slvetmente não lntonclonat dessa tendêncla é dar uma ênfase exagerada à
pessoas estudadas. Uma grande ênfase do trabrtho dr campo etnográflco sln3utarldadc percGbldâ Gm ctdâ tocledâde.

+fln$'
r Etnografia e observação participante I 21
20 Michaet Angrosino

etnografia funcionatista cumpre um programa mais indutivo do que de-


A Em todo caso, a impticação é que o pesquisador precisa fazer uma imersão
dutivo na investigação científica. lsto é, os pesquisadores começam com uma no mundo dos seus sujeitos; ete não pode ser um observador neutro das
tribo, vita, comunidade ou vizinhança especia[ na qual estão interessados, atividades detes, mas precisa subjetivamente tornar-se um detes. A chave
em vez de começar com um modeto, teoria ou hipótese para testar. Espera-se para a etnografia interacionista é descobrir o sistema de símbotos que dá
que temas ou padrões emerjam dos próprios dados cotetados ao longo do significado ao que as pessoas pensam e fazem.
trabalho de campo. (Ver Turner, 1978, p. 19-120, para um tratamento mais Um interacionista especiatmente inftuente é o sociótogo Erving Goffman,
completo da história, fitosofia e dos métodos do funcionatismo.) que desenvotveu o que ete chamou de abordagem dramaturgíca no estudo
de interações. Ete se preocupava com as maneiras das pessoas agirem e
I NTERACIONISMO SIMBOLICO
formarem retações, porque acreditava que esses processos ajudavam-nas a
alcançar significado para suas vidas. Sua pesquisa frequentemente envolve
Esta orientação foi muito poputar em sociotogia e psicotogia socia[ e descríções de como as pessoas constroem suas "apresentações de self" e
também tem alguns adeptos na antropotogia. Ao contrário dos cientistas depois representam estas apresentações na frente dos outros. Goffman su-
sociais que podem parecer dar ênfase demasiada ao papet da cuttura na geriu que há intencionatidade por trás dessas performances onde os sujeitos
"formatação" do comportamento humano, os interacionistas preferem ver átuam visando a passar a methor impressão possíve[ (ta[ como o "ator" a
as pessoas como agentes ativos e náo como partes permutáveis de um entende) perante seus outros significativos. Elas se tornam não simptesmen-
grande organismo, sofrendo passivamente a ação de forças externas a etas te "criadores de papéis", mas ativos "atorês de papéis".
mesmas. A sociedade não é um conjunto de instituições entrelaçadas, como
os funcionalistas pensavam, mas um caleidoscópio em constante mutação Por causa de seu interesse na natureza das interações, os interacionistas
de indivíduos interagindo uns com os outros. Na medida que muda a natu- simbóticos devotaram considerávet atenção às interaçóes que são típicas
reza dessas interações também a sociedade está em constante mudança. O do próprio trabatho de campo etnográfico. De certa forma, etes foram [e-
interacionismo é, portanto, uma abordagem mais dinâmica do que estática vad'os a conduzir uma etnografia do fazer etnográfico. Para resumir rapi-
no estudo da vida sociat.
damente uma vasta bibtiografia sobre este assunto, podemos dizer que os
papéis interativos dos etnógrafos situam-se ao [ongo de um continuum com
Há muitas variedades de interacionismo (quatro, sete, ou oito, dependendo quatro pontos principais: (a) o participante compteto (o pesquisador está
da versão), mas todas etas compartitham atguns principais pressupostos: totalmente imerso na comunidade e não divutga sua agenda de pesquisa);
(b) o participante-como-observador (o pesquisador está imerso na comuni-
. as pessoas vivem em um mundo de significados aprendidos que são
dade mas sabe-se que ete faz pesquisa e tem permissão para fazê-ta); (c) o
codificadas como símbolos e que são compartithadas através de inte-
observador-como-participante (o pesquisador está um pouco destigado da
rações em um grupo social específico;
. comunidade, interagindo com eta apenas em ocasiões específicas, talvez
símbotos são motivos que impetem as pessoas a desempenhar suas
para fazer entrevistas ou assistir eventos organizados); e (d) o compteto
atividades;
observador (de tonge o pesquisador coteta dados totatmente objetivos sobre
. a própria mente humana cresce e muda em resposta à quatidade e à
a comunidade sem ficar envotvido em suas atividades nem anunciar sua
extensão das interações nas quais os indivíduos se envotvem;
presença). cada um desses papéis é potenciatmente útit, dependendo das
. o self é uma construção socia[ - nossa noção de quem somos desen-
circunstâncias, embora pender para o lado "participante" do continuum
votve-se apenas no curso da interação com os outros. pareça servir mais efetivamente aos objetivos do interacionismo simbótico.
A pesquisa de campo etnográfica, na tradição interacionista, busca des- iver ilerman e Reynotds, 1994, para uma revisão mais compteta da teoria
vetar os significados que os atores sociais atribuem às suas ações. A ênfase e métodos da abordagem interacionista. Ver Gotd, 1958, para a exposição
funcionatista no comportamento como um conjunto de fatos objetivos é ctássica dos papéis do pesquisador referidos nesta seção.)
substituída por um detineamento mais subjetivo sobre como as pessoas
entendem aquito que fazem. Atguns interacionistas referem'se a este pro' FEMINISMO
cesso como "introspecção compreensiva", enquanto outros preferem usar
a patavra atemã verstehen em homenagem ao grandG loclótogo atemão Max Esta abordagem do conheclmento ganhou proeminência nas úttimas dé'
Weber, que lntroduzlu o concelto no dlscurso dâl cllnclu loclüls modernas. cadâs em todai ar clÔnclqs soclals (e clênclas humanas de um modo geral).

,+ffi'
Etnografia e observação participante r 23

em estudo. O ideat científico da neutratidade vatorativa é rejeitado pelos


feministas, pois buscam ativa e explicitamente promover os interesses das
mutheres.
Da mesma forma, os modetos organizados e coerentes de equitíbrio
sociaI preferidos petos funcionatistas (entre outros) são postos de tado em
favor áe uma visão da vida sociat entendida como eventuatmente desor-
denada, incompteta, fragmentada. Para tanto, pesquisadores feministas
buscam uma forma de etnografia que permita a empatia, a subjetividade
e o diátogo, a fim de exptorar methor os mundos interiores das mutheres,
até o poÃto de ajudá-tas a expressar (e assim superar) a sua opressão. A
,,entrevista" tradicionat (que impticitamente coloca o pesquisador em um
papet de poder) também é rejeitada em favor de um diátogo mais iguatitário,
frequentemente incorporado na form adahistoria de vido na qua[ uma pessoa
e incentivada a contar a sua própria história de sua própria maneira e nos
seus próprios termos, com um mínimo de interferência do pesquisador' A et-
nografiabaseada na abordagem da história de vida é vista como uma maneira
de-"dar voz" a pessoas historicamente retegadas às margens da sociedade
(e da anátise sociat); é tambem uma maneira de preservar a integridade
dos indivíduos, ao contrário de outras técnicas de entrevista que tendem a
segmentá-tas em peças anatiticamente separadas. (ver Morgen, 1989, para
apiofundar a compreensão da perspectiva feminista emergente')

MARXISMO

O marxismo teve um enorme impacto no estudo de história, economia


e ciência potítica, mas sua inftuência nas disciptinas que [idam com com'
portamento socia[ humano (antropotogia, sociotogia, psicotogia sociat) tem
sido um tanto indireta. É raro encontrar cientistas sociais representantes
dessas disciptinas que sejam marxistas no pteno sentido filosófico, e mais
raro ainda (especiatmente desde a queda da União Soviética) encontrar
aquetes que veem o marxismo intrinsecamente como uma ideotogia que pode
apoiar com sucesso um programa de reforma sociat. Não obstante, diversos
eiementos importantes do marxismo continuam no centro do discurso atual
sobre sociedade e cu-ttura.
Tatvez o conceito de inspiração marxista mais retevante seja o do conf ll'
to. Os teóricos do conftito propõem que a sociedade seja definida por seus
grupos de interesses, que estão necessariamente em competição uns com
os outros por reçUrsoS báSlCos, que podem ser econômicos, potíticos e/ou
de natureza Socla[. Ao Contrárlo dos funclonalistas, que, por considerarem a
socledade governadâ por ttfum tlpo de slstema de vator fundamenta[, veem
o conftlto cãmo uma lnomftlf quG prêclst ser suPerada parâ quê a socledade
22 Michaet Angrosino

Embora tigado ao movimento sociopotítico petos direitos das mutheres, o


feminismo acadêmico não diz respeito apenas às mulheres pesquisadoras;
ele representa uma abordagem gera[ para estudo da condição sociaI humana.
Vários princípios básicos caracterizam o feminismo no contexto da ciência
social moderna:
. a suposição de que todas as retações sociais são de gênero, o que sig-
nifica que uma consciência de gênero é um dos fatores etementares
que determinam o status socia[ de uma pessoa;
. a sugêstão (não universatmente compartilhada entre feministas,
cumpre ressattar) de que há um certo tipo de "essência" feminina
caracterizada petas quatidades fundamentais de atenção, carinho
e uma preferência peta cooperação acima da competição. Esta
essência é expressa de diferentes maneiras em diferentes cuttu-
ras, mas é reconhecida de atguma forma em todas as sociedades.
A razão de esta sugestão não ser universalmente aceita é que há
uma proposição contrária, qual seja:
o os coÍnportamentos considerados típicos de um ou de outro gênero
são mais sociatmente adquiridos do que biotogicamente herdados; isso
não os torna menos importantes nem influentes na maneira como as
pessoas agem e pensam, mas muda o foco da investigação da bioge-
nética para a perspectiva sociocutturat. Não importa se o gênero é
"essenciat" ou sociatmente adquirido, existe a percepção de que há
o uÍTlâ assimetria sexual universa[; mesmo naquetas raras sociedades nas
quais homens e mulheres são vistos como mais ou menos parceiros, há
um reconhecimento de que homens e mutheres são diferentes uns dos
outros, seja por causa de biologia inata ou por causa de processos dife-
renciais de socialização (as maneiras como aprendemos a incorporar os
comportamentos que nossa sociedade nos diz que são apropriados).

Uma abordagem feminista tem atgumas impticações claras para a reatiza-


ção da pesquisa etnográfica. Para começar, os feministas tendem a rejeitar a
separação tradicionaI de um pesquisador e seus "informantes". Considera-se
que tal distinção reftete as categorias científicas tradicionais que, diga-se o
que se disser a seu favor, vêm sendo há muito usadas como uma ferramenta
de opressão. A pesquisa científica internaciona[, com sua ênfase em testes,
definições operacionais, escatas e regras, tem servido principatmente aos
interesses daqueles que estão no poder, os quais, na maioria dos casos, não
inctuem mutheres. O pesquisador neutro em controle de todos os etementos
de um projeto de pesquisa era um símboto de autoridade por excetência, e
seu poder só era reforçado pelo cumprimento das normas de objetividade e
neutralidade na condução da pesquisa. Os femlnlstas buscam descentralizar
esta relacão atravás de ume lrlantlflrerãa mek arárlmr Êôm r ramrrnlr{er{a
24 Michaet Angrosino Etnografia e observação participante r 25

possa reestabetecer o equilíbrio, os teóricos do conflito creem que o conftito acontecendo há muito tempo. Adiferença cruciat, contudo, é que tais estudos
seja intrínseco à interação humana; de fato, é exatamente ete que suscita etnográficos são projetados para demonstrar não a autonomia e a singutari-
a mudança social. Para Marx e seus seguidores o conflito grupal repousa na dadJdessas comunidades, mas seus nexos com outras comunidades que se
instituição da classe sociol. As classes surgem de uma divisão fundamental do encadeiam formando sistemas gtobais. Atém disso, o etnógrafo neo-marxista
trabalho dentro da sociedade; etas representam redes de pessoas definidas tenderia a procurar evidências de estruturas, contradições e conftitos de
por seu stafus dentro de uma estrutura hierárquica. Na tradição marxista a ctasse considerados inerentes a quatquer formação social, até mesmo em
mudança social acontece porque há um processo dialetíco - as contradições sociedades que na superfície podem parecer igualitárias, não hierárquicas e
entre as ctasses sociais em competição são resotvidas através dos conftitos em um estado aparentemente próximo do equitíbrio. (Ver Wolf, 1982, para
de interesse. Como o feminismo, o marxismo (ou, mais genericamente, a uma excelente exposição dos princípios da economia potítica neo-marxista e
teoria do conflito) enfoca questões de desigualdade e opressão, embora este as maneiras como a pesquisa tradicional sobre cuttura pode ser transformada
prefira pensar em termos de categorias socioeconômicas, como ctasse, em para atender aos objetivos desta perspectiva teórica.)
vez das sociocutturais, como gênero, enquanto base de conflitos.
Os estudiosos contemporâneos do marxismo interessam-se especiatmente ETNOMETODOLOGIA
pela questão do cotonialismo e de como aqueta instituição potítico-econô-
mica distorceu as retações entre os estados centrais (os que mantêm um Esta forma de estudar o comportamento humano exerceu especiaI inftuên-
controle hegemônico da produção e distribuição dos bens e serviços do cia na sociotogia. O objetivo dos etnometodótogos tem sido expticar como
mundo, e portanto praticamente monopotizam o poder potítico e militar) o sentido de ráatidade de um grupo é construído, mantido e transformado.
e os periféricos (os que produzem basicamente matérias-primas e ficam Baseia-se em duas proposições principais:
perpetuamente dependentes dos primeiros). Este desequitíbrio persiste,
apesar de o cotoniatismo como instituição ter desaparecido no sentido for- A interação humana é reflexiva, o que significa que as pessoas inter-
mat. A área de estudos que trata das questões de hegemonia e dependência pretam ações significativas (tais como palavras, gestos, linguagem
denomina-se "Teoria do Sistema-Mundo". corporat, uso de espaço e tempo) de forma a manter uma visão com-
partitf,ada de reatidade; quatquer evidência que pareça contradizer a
Hoje em dia, os estudiosos de economia política estão particutarmente
visão compartithada ou é rejeitada ou é de atguma forma racionatizada
interessados no que se chama às vezes de retações materiais, o que imptica
no interior do sistema dominante.
um estudo da relação dos grupos com a natureza no decorrer da produção,
A informaçã o é indexada, o que significa que ela tem significado den-
interagindo uns com os outros em relações de produção que os diferencia
tro de um contexto específico, sendo importante então conhecer as
em ctasses, e interagindo com os países centrais, que usam seu poder coer-
biografias dos atores em interação, seus propósitos dectarados, e suas
citivo para moldar a produção e as retações sociais. Esta perspectiva retira
intãraçóes anteriores a fim de entender o que está acontecendo em
o foco das sociedades, comunidades, vizinhanças e outros grupos fechados
uma específica situação observada.
em si mesmos para considerar os modos em que grupos locais participam de
fluxos regionais e internacionais de pessoas, mercadorias, serviços e poder.
Apesquisa etnometodotógica presume que a ordem social é mantida peto uso
Para compreender o que está acontecendo em quatquer lugar, é necessário
de técnicas que dão aos participantes de interações a sensação de compartilhar
inserir aquela sociedade/comunidade/cuttura no contexto de áreas políticas
uma reatidade comum. A[ém disso, o rea[ conteúdo daqueta reatidade é menos
e econômicas de larga escata nas quais etas são inftuenciadas por outras
importante do que o fato de os envotvidos aceitarem as técnicas projetadas
sociedades e cutturas. A ênfase aqui é de natureza mais transculturol do
para manter a interação. Atgumas das técnicas mais importantes - que os etno-
que particutarizante.
metodótogos procuram quando estudam contextos sociais - são:
Considerando essas suposições, parece que o estilo um tanto subjetivo
e personalizado da pesquisa etnográfica não se ajustarla bem aos teóricos . AbuSCa de uma forma "normal", o que significa que se os participantes
do conftito nem aos que estudam a economla potítlcà de um ponto de vista da lnteração comêçarem a sentir que podem não concordar sobre algo
neo-marxista. Porém, é importante notar qur ot mátodog etnográflcos tra. que está âCOnteCendg, slnallzarãO, un5 Para os outros, a necessidade
dicionais podem ser utltlzados no estudo dc comunldtdo locrls, como vem de retorno à "normalldâde" presumlda naquele contexto'
26 Michaet Angrosino Etnografia e observação participante r 27

. A confiança em uma "reciprocidade de perspectiva"; o que significa O trabatho da etnografia, então, para os etnometodólogos, não é respon-
que as pessoas comunicam ativamente a crença (aceita como fato) de der à questão "O que é 'cuttura'?" ou "O que é 'sociedade'?", mas responder
que suas experiências são intercambiáveis, mesmo que implicitamente à questão "Como as pessoas se convencem de que 'cuttura'e 'sociedade'são
elas se deem conta de que estão "vindo de lugares diferentes". proposições viáveis?" (Ver Mehan e Wood, 1975, para uma ctara exposição
. O uso do "princípio de et cetero", o que significa que em quatquer da posição etnometodotógica. )
interação muita coisa fica sem ser dita, de modo que os participantes
da interação precisam preencher os vazios ou aguardar a informação
necessária para entender as patavras ou ações do outro; implicitamen- TEORIA CRíNCA
te etes concordam em não interromper para pedir esctarecimentos de Este termo genérico compreende uma variedade de abordagens no estudo
forma exptícita. da sociedade e da cuttura contemporâneas. O nexo centra[ é, como o títuto
Estas técnicas são quase sempre de natureza subconsciente e, como tat, sugere, o uso da ciência social para desafiar os pressupostos das instituições
aceitas como evidentes pelos membros de uma sociedade. O trabatho de dominantes da sociedade. O feminismo e o marxismo, de fato, participam
um pesquisador é, então, descobrir esses significados encobertos. Já que desta empreitada e podem ser considerados variantes da "teoria crítica",
não adianta pedir que as pessoas etucidem ações das quais etas nem estão embora tenham suas próprias e distintas histórias e bibtiografias. Nesta
conscientes, os etnometodótogos preferem a observação direta à pesquisa seção, contudo, podemos considerar os pesquisadores que usam métodos
baseada em entrevistas. Certamente, etes refinaram os métodos observa- etnográficos para estudar e inftuir nas potíticas púbticas e participar ativa-
cionais até a menor das "microtrocas", tais como a análise da conversação.
mente em movimentos políticos por mudança sociat, muitas vezes desem-
penhando um pape[ de porta-voz que vai muito atém das noções tradicionais
Atguns etnometodótogos afirmam que a linguagem é a base fundamental
da ordem sociat, pois é o veículo da comunicação que sustenta tal ordem de neutratidade do pesquisador.
em primeiro lugar. A principal abordagem fitosófica dos etnógrafos críticos é o desenvotvi-
Os etnometodótogos usam o método etnográfico para lidar com o que é
mento de epistemotogias de múttiptas perspectivas e representa um desafio
mais facitmente observávet, concebido como o dado mais "reat". Na maio- exptícito ao pressuposto tradicional de que havia uma definição objetiva e
ria dos casos, esta realidade ganha substância nas tentativas de indivíduos universatmente entendida daquito que constitui uma cuttura. Quando um
em interação de persuadir uns aos outros que a situação na qua[ etes se funcionalista, por exempto, descrevia uma determinada comunidade, en-
tendia que esta descrição poderia ter sido gerada por quatquer pesquisador
encontram está simultaneamente ordenada e apropriada ao cenário social
bem preparado e que era consenso geral entre as pessoas da comunidade
imediato. O que é "realmente reat", como disseram atguns anatistas, são os
que as coisas eram assim mesmo. Uma retativização de perspectivas, toda-
métodos que algumas pessoas usam para construir, manter e algumas vezes
sutitmente atterar umas para as outras um determinado senso de ordem.
via, baseia-se no pressuposto de que não apenas haverá inevitavetmente
diferentes correntes de opinião dentro da comunidade, mas que diferentes
O conteúdo daquito que estão dizendo ou fazendo é menos real do que as
etnógrafos, que trazem por assim dizer suas próprias bagagens, produzi-
técnicas que usam para se convencerem mutuamente sobre o que é rea[.
rão diferentes imagens daquito que observaram. As diferentes correntes de
A impticação é que a etnografia não está habituada a estudar atguns gran-
opinião podem não estar em conftito exptícito umas com as outras, como
des sistemas transcendentes como "cultura" ou "sociedade", já que tais
na teoria marxista, mas etas certamente não favorecem a homogeneidade
abstrações nunca poderão verdadeiramente ordenar o comportamento das
cuttural ou social. Para a Teoria Crítica, entáo, é importante saber qual
pessoas. Em vez disso, a pesquisa etnográfica é projetada para descobrir
segmento da sociedade está sendo estudado por qua[ etnógrafo. Por conse-
como as pessoas convencem umas às outras de que reatmente existe uma
guinte, um retrato que pretenda representar uma visão mais gera[ é, nesta
coisa chamada "sociedade" ou "cuttura" no sentido de normas coerentes
abordagem, intrinsecamente suspeito.
guiando sua interação. Não há nenhum "sentido de ordem" predeterminado
que torna a sociedade possivet; ao contrário, a capacidade dos indivíduos Os teoricos críticos passaram assim a preferir um estito de pesquisa et-
de criar e usar métodos para persuadir uns aos outros de que há um mundo nográflca dlológlca, dlaléttco e colaborativo. Uma etnografia diatógica e
social real ao qual ambos pertencem - e fazer isso ativa e contlnuamente - é âqueta que nâo é baseada nas relações de poder tradiclonais de entrevista'
a tese centratda etnometodotogla. dor e "lnformânte". Em vez dlsso, o pesqulsâdor estabelece conversaçôes
28 Michael Angrosino Etnograf,a e observação participante r 29

recíprocas com as pessoas da comunidade. O sentido de uma perspectiva po. Embora isso possa ser verdade em atguns casos, também é verdade que
"diatética" é que a verdade emerge da conftuência de opiniões, valores, métodos fundamentais de observação, entrevista e pesquisa em arquivos,
crenças e comportamentos divergentes e não de alguma fatsa homogeniza- que podem ser usados por quatquer outro pesquisador sociat, também fa-
ção imposta de fora. Atém disso, as pessoas da comunidade absotutamente zem parte da caixa de ferramentas dos especiatistas em estudos culturais.
não são "objetos de conhecimento"; são colaboradores ativos no esforço de Contudo, estes úttimos se juntam a outros na teoria crítica ao insistirem que
pesquisa. De fato, em certas formas de pesquisa crítica (especiatmente a tais métodos sejam postos a serviço de um contínuo desafio ao stotus quo,
que é conhecida como p esquiso-ação), não se medem esforços para envotver cuttural e socia[. Embora outros estudiosos críticos possam preferir usar suas
toda a comunidade como parceiros ativos no desenho e na imptementação pesquisas para lutar por determinados resuttados potíticos, os especiatistas
da pesquisa. No cenário ideat, a principal tarefa do pesquisador é treinar em estudos culturais tendem mais a pensar em termos de uma crítica geral
membros da comunidade em técnicas de pesquisa para que eles mesmos da própria cultura. (ver storey, 1998, para uma apresentação dos principais
possam fazê-[a. Todas essas tendências ajudam a criar um estito da pesquisa conceitos e abordagens dos estudos cutturais.)
detiberadamente crítico; tanto na maneira como a pesquisa é conduzida
quanto nas descobertas dela resuttantes, há um desafio explícito ao sfotus
guo. (Ver Marcus, 1999, para uma seteção de textos sobre teoria crítica em POS-MODERNISMO
antropotogia e disciptinas afins. ) Várias dessas abordagens desenvolvidas mais recentemente também foram
amontoadas sob o rótuto de pos-modernismo. "Modernismo" foi o moümento
nas ciências sociais que buscou emutar o método científico em sua objetividade
ESTUDOS CULTURAIS
e busca de modetos gerais. Já o "pós-modernismo", por seu termo, represen-
Outra forma de teoria crítica que emergiu nos úttimos anos como um im- ta tudo o que desafia esse programa positivista. O pós-modernismo abraça
portante domínio de estudo são os estudos culturais, um campo de pesquisa a pturaridade da experiência, critica as certezas a respeito das "leis" gerais
que examina como a vida das pessoas é motdada por estruturas repassadas do comportamento humano e situa todo o conhecimento social, cultural e
historicamente de geração a geração. Os especialistas em estudos cutturais histórico em contextos motdados por gênero, raça e ctasse.
estão preocupados antes de tudo com textos cutturais, instituições como os Embora signifique muitas coisas para diferentes autores, alguns prin-
meios de comunicação, e manifestações da cuttura poputar que representam cípios são recorrentes no vasto espectro de pesquisa identificado como
convergências entre história, ideotogia e experiências subjetivas. O objetivo "pós-modernista":
da etnografia em relação aos textos cutturais é discernir como "o público"
se retaciona a tais textos, e determinar como os significados hegemônicos Os centros tradicionais de autoridade são explicitamente desafiados;
são produzidos, distribuídos e consumidos. esta atitude é dirigida não apenas às instituições de dominação hege-
mônica na sociedade em gerat, mas também aos pilares do establish-
Uma importante característica dos estudos cutturais é esperar que os pes-
menf científico. Os pós-modernistas repetem a presunção de cientistas
quisadores sejam autorreflexivos, o que significa estarem tão preocupados
de "fatar por" quem etes estudam.
com quem etes são (em relação a gênero, raça, etnicidade, ctasse sociat,
Avida humana é fundamentatmente diatógica e potivocat, ou seja, ne-
orientação sexuat, idade e assim por diante) como fator determinante de
nhuma comunidade pode ser descrita como uma entidade homogênea
como eles veem a cuttura e a sociedade quanto estão com os artefatos da cut-
em equitíbrio; a sociedade é, por definiçáo, um conjunto de centros
tura e a sociedade em si. Os etnógrafos tradicionais, de certa maneira, eram
de interesse que fatarn com muitas vozes sobre o que sua cuttura é e
não pessoas - como se fossem extensões de seus gravadores. Pesquisadores
não é; por conseguinte, a pesquisa etnográfica deve levar em conta as
de estudos culturais, ao contrário, estão hiperconscientes de suas próprias
múttiptas vozes com as quais as comunidades de fato fatam. "Cuttura"
biografias, que são consideradas como partes tegítimas do estudo.
e "sociedade" são conceitos resuttantes de um processo de construção
O campo de estudos cutturais é por definição interdisciptinar e assim seus soçiat não representando entidades objetivas - embora isso não os
métodos derivam da antropotogia, sociotogia, psicotogla e história. Essa torne nem um pouco menos "reals".
escola já foi criticada por favorecer a "teoria" - por produzlr suas análises A etnograÍla é menos um re8l§tro clentífico obJetivo e mais um tipo de
à base de quadros conceituâls abstratos em vez dc fazer trabalho de cam. texto tlterárlo; eta é um produto do uso lmaglnatlvo de recursos llterários,
30 Michael Angrosino Etnografiaeobservaçãoparticipante I 31

como metáforas e símbotos, na mesma escata em que é objetiva. Ademais, Apesar de ter sido desenvotvida como uma maneira de estudar sociedades
o texto etnográfico não precisa ficar restrito às formas tradicionais de de pequena escata, tradicionais e iletradas e de recontruir suas tradições
monografia escota6 artigo de revista, ou conferência expositiva; ete pode culturais, a etnografia é praticada hoje em todos os tipos de condições
ser incorporado em fitme, teatro, poesia, romance, mostras pictóricas, sociais. Em quatquer situação,
música, e assim por diante. um importante corotário desta proposição e a
presunção de que o etnógrafo é um ,,autor,, do texto - ete ou eta figura na rotineiras
os etnografos se ocupom bosicomente das vidas cotidionas
história como muito mais do que um simptes e neutro retator de ,,ãados,, das pessoas que eles estudam.
objetivos. (Ver Ctifford e Marcus, 1986, e Marcus e Fischer, í996, duas
inftuentes exposições sobre a posição pós-moderna.)
Os etnógrafos cotetam dados sobre as experiências humanas vividas a
Há uma mudança de ênfase dos modetos bem comportados de deter-
fim de discernir padrões previsíveis do que de descrever todas as instâncias
minação e causatidade para a expticação de significado, que exige um
imagináveis de interação ou produção.
processo de interpretação.
o estudo de quatquer cuttura, sociedade, ou quatquer outro fenômeno Aetnografia é feita in loco e o etnógrafo é, na medida do possívet, atguém
como tal é essencialmente retativístico - as forças que moldam esse que participa subjetivamente nas vidas daqueles que estão sendo estudados,
fenômeno são muito distintas daquetas que produzem outros fenôme- assim como um observador objetivo daquetas vidas.
nos, tanto que generatizações sobre processos sociais e cutturais estão
fadadas a ser enganadoras.
V aETNoGRAFTA como MÉToDo

M eTNoGRAFIA: pRlNcíptos BÁstcos O método etnográfico é


ciência socia[.
diferente de outros modos de fazer pesquisa em

Não obstante a diversidade de posições que os etnógrafos podem assu-


mir, podemos sublinhar atguns aspectos importantes que tigam as muitas e . Ete é baseodo no pesquisa de campo (conduzido no [oca[ onde as
variadas abordagens: pessoas vivem e não em laboratórios onde o pesquisador controta os
etementos do comportamento a ser medido ou observado).
Uma busca de modelos começa com observações cuidadosas de comporta- . Épersonalizodo (conduzido por pesquisadores que, no dia a dia, estão
mentos vividos e entrevistas detathadas com gente da comunidade em face a face com as pessoas que estão estudando e que, assim, são
estudo. Quando os etnógrafos fatam de ,,cuttura,,, ou ,,sociedade,,, ou ,,co_ tanto participantes quanto observadores das vidas em estudo).
munidade", é importante ter em mente que etes estão fatando em termos . i- multifaforial (conduzido peto uso de duas ou mais técnicas de coteta
que são abstrações gerais baseadas em numerosas informações que fazem de dados - os quais podem ser de natureza quatitativa ou quantitativa
sentido para o etnógrafo que tem uma visão panorâmica gtobat do todo - para triangular uma conctusão, que pode ser considerada fortatecida
social ou cuttura[ que as pessoas que nete vivem podem náo ter. petas múttiplas vias com que foi atcançada; ver também Ftick, 2007b,
os etnógrafos precisam prestar muita atenção aos processos de pesquisa para uma discussão desse tema).
de campo. É preciso estar sempre atento áos mod'os petos quais se tem . Ete requer um compromisso de longo prazo, ou seja, é conduzido por
acesso ao campo, ao modo como se estabetecem afinidades com as pes- pesquisadores que pretendem interagir com as pessoas que etes estão
soas que [á vivem, e se ele se torna um membro ativo daquele grupo. estudando durante um longo período de tempo (embora o tempo exato
possa variar, digamos, de atgumas semanas a um ano ou mais).
W ornurÇoEs É. indutivo (conduzidó de modo a usar um acúmuto descritivo de deta-
the para construir modetos gerais ou teorias expticativas, e não para
Assim neste ponto podemos afirmar que
testar hipóteses derivadas de teorias ou modetos existentes).
Ê. anbgco (conduzido por pesquisadores cujas conclusões e interpre-
o etnografia é a arte e a ciência de descrever um grupo humono taçoes podem ser discutidas pelos intormantes na medida em que etas
- suas
i nstituições, seus comportamentos interpessoals, suas produçóes ma- vão se formando).
terlols e suos crenças, t holtsttco (conduzldo para revelar o retrato mais compteto possívet
do grupo rm ÇBtudo).
32 MichaeI Angrosino Etnografia e observação participante I 33

de uma cena e não apenas seus atributos superficiais. (Ver Geertz,


A ETNOGRAFIA COMO UM PRODUTO 1973, para o tratamento ctássico desta questão e uma etaboração de
Os resuttados de certas formas de coteta de dados etnográficos podem suas ramificações para a reatização da pesquisa etnográfica.)
ser reduzidos a tabetas, gráficos e diagramas, mas ao todo o relatório etno- . Em seguida vem uma anátise na qual o pesquisador descreve em nu-
gráfico acabado toma a forma de narrativa, uma longa história cuja meta merosos detathes um conjunto de padrões socioculturais coerentes
principal é reproduzir para o [eitor a experiência de interação e vivência que ajudam o leitor a entender as pessoas e sua comunidade, e isto
do etnógrafo numa determinada comunidade. A forma de narrativa mais retaciona este estudo etnográfico específico àquetes produzidos em
comum é a prosa, que lança mão, com frequência (conscientemente ou outras comunidades mais ou menos semelhantes.
não), de algumas técnicas literárias comuns à arte de contar histórias. (Se . Finatmente, há uma conctusão na qual o pesquisador resume os prin-
o etnógrafo escolhe narrar a história em uma forma diferente da prosa, en- cipais pontos e sugere as contribuições deste estudo para seu campo
tão a "narrativa" resultante será igualmente inftuenciada petas convenções do conhecimento.
artísticas de artes visuais, dança, cinema, ou seja o que for.)
Entre os muitos modos pelos quais um etnógrafo pode contar uma historia,
três parecem ser as mais frequentes:
K l oBsERVAçÃo paRnctpANTE como Esrllo E coNTEXTo
Certamente é possível usar as típicas técnicas de coteta de dados da et-
Histórias contadas de modo reatístico são retratos objetivos e desper- nografia (ver Capítuto 4) sem reatizar observação participante. Por exempto,
sonalizados, feitos por um anatista emocionatmente neutro - mesmo pode ser mais eficaz, em atguns casos, pedir aos participantes para escrever
que ele tenha sido pessoa participante e engajada emocionatmente (ou gravar) suas próprias autobiografias, em vez de ter essas histórias de
durante a própria reatização da pesquisa. vida cotetadas por um entrevistador in loco. Mas este livro vai se preocupar
Histórias contadas de modo confessional sáo aquetas nas quais o etnó- principatmente com as situações nas quais o método e o produto etnográficos
grafo torna-se um personagem central e a história da comunidade em
são associados à observação participante em campo.
estudo é expticitamente contada de seu particular ponto de vista.
Histórias contadas de modo impressionista adotam abertamente pro- Na etnografia não participante, a única coisa que reatmente importa é
cedimentos literários ou de outras artes - como uso de diátogo, des- que os possíveis participantes reconheçam o pesquisador como um legítimo
crição etaborada de personagens, descrições evocativas de paisagem estudioso que tomou as necessárias precauções éticas ao estruturar a sua
ou ambiência, estrutura narrativa com flashbock e f toshforword, uso pesquisa. A disposição detes de participar é assim um tipo de arranjo de
de metáforas). (Ver van Maanen, 1988, para uma exposição ctássica negócios. O pesquisador se retaciona com etes estritamente como pesquisa-
dessas e de outras histórias do trabatho de campo.) dor. Mas na observação participante os membros da comunidade estudada
concordam com a presença do pesquisador entre etes como um vizinho e
Apesar do formato de narrativa, quatquer relatório etnográfico precisa, um amigo que também é, casualmente, um pesquisador. O observador par'
de atguma maneira, inctuir vários pontos-chave se for cumprir as metas ticipante deve, então, fazer o esforço de ser aceitável como pessoa (o que
tanto da ciência como da literatura ou da arte: vai significar coisas diferentes em termos de comportamento, de modos de
Em primeiro lugar, deve haver uma introduçõo na qual a atenção do viver e, às vezes, até de aparência em diferentes cutturas) e não simples-
[eitor é capturada e na qual o pesquisador explica por que seu estudo mente respeitável como cientista. Assim, eta ou ete deve adotar um estito
tem vator analítico. que agrade à maioria das pessoas entre as quais se propõe viver. Como tat, o
Então pode haver uma caracterização da ceno na qua[ o pesquisa- observador participante não pode esperar ter controte de todos os elementos
dor descreve o campo onde faz a pesquisa e exptica o que ete fez da pesquisa; eta ou ete depende da boa vontade da comunidade (às vezes
para coletar os dados naquete cenário; muitos autores usam o termo em um sentido bem [itera[, se é uma comunidade onde os recursos básicos
descrição densa para indicar a maneira peta qual a cena é mostrada de sobrevivência são escassos) e deve fazer um acordo tácito de "ir com
(embora o leitor deva ter cautela, pois este termo também é usado a maré", mesmo que isso não funcione dentro de um roteiro de pesquisa
de várias outras maneiras que fogem da nossa dlscussão nesta sessão). culdadosamente preparado. Como vizinho e amigo aceitávet, o observador
"Descrição densa" é a apresentação de detalhes, contexto, emoções e partlclpante Pode trâtar de fazer sua coteta de dados. Mas, para os nossos
as nuances de retaclonamento soclat a flm de gvocâr o ,.§en$mento,, propórltos ncstê tlvro, lembre.se de que a observação pârtlclpante não é,
34 Michael Angrosino

por si mesma, um método de pesquisa - eta é um contexto comportamental


a partir do qua[ um etnógrafo usa técnicas específicas para coletar dados.

&t poNros-cHAVE
Apesquisa etnográfica envolve a descrição hotística de um povo e seu
modo de vida.
A etnografia foi desenvolvida por antropótogos no finaI do sécuto XIX e
início do sécuto XX para o estudo de sociedades tradicionais, pequenas, QUETIPOS DE,Ttr,MAS
isotadas, embora hoje eta seja usada sem restrições por praticantes
de muitas disciplinas em todos os tipos de cenários de pesquisa.
PODtr,M SE,R tr,F'E,TIVÂ
A pesquisa etnográfica é conduzida frequentemente por estudiosos
que são ao mesmo tempo participantes subjetivos na comunidade em
tr, E,FICIE,NTE,MENTtr,
estudo e observadores objetivos daquela fonte.
A etnografia é um método de pesquisa que busca definir padrões
tr,STUDÂDOS
previsíveis de comportamento de grupo. Eta é baseada em trabatho
de campo, personalizada, muttifatoria[, de longo prazo, indutiva, dia-
Ptr,LOS ME,TODOS
tógica e hotística.
A etnografia também é um produto de pesquisa. É uma narrativa so-
E,TNOGRAFICOS?
bre a comunidade em estudo que evoca a experiência vivida daqueta
comunidade e que convida o [eitor para um vicário encontro com as
pessoas. A narrativa é tipicamente em prosa, embora possa também
tomar outras formas [iterárias ou artísticas a fim de transmitir a his-
tória.Em todos os casos, eta usa convenções literárias e/ou artísticas
do gênero apropriado para contar a história da maneira mais atraente
possíve[.
A observação participante não é propriamente um método, mas sim
um estito pessoal adotado por pesquisadores em campo de pesquisa
que, depois de aceitos peta comunidade estudada, são capazes de
usar uma variedade de técnicas de coleta de dados para saber sobre
as pessoas e seu modo de vida.

W leruRAs coMPLEMENTAREs
Estes quatro livros lhe darão mais informação sobre como ptanejar a
pesquisa etnográfica:
Agar, M. (1986) Speakingof Ethnography. Beverly Hilts, CA: Academic Press.
Creswett, J.W. (1997) Research Design: quafitative and Quantitotive Approoches.Thousand
B sognE A uILIDADE Dos MÉToDos ETNoGRÁFlcos
Oaks, CA: Sage. Como foi observado no capítuto anterior, métodos etnográficos foram
Fetterman, D.M. (1998) Ethnogrophy Step by Step (znd ed,). Thousand Oaks, CA:Sage. adotados por acadêmicos de muitas disciptinas e áreas profissionais. Há,
Ftick, U. (2007a) Destgntng Quolltotlve Reseorch (Book 1 of The SAGE Qyolltotlvc Research Klt). contudo, dlversas característlcas que são típicas de sltuaçoes que se prestam
London: Sage. Pubtlcado pela Artmed Edltora sob o título Desçnho do pasqulso quolltottvo,
à pesqulsa etnográflcâ, lndependentemente da dlsclptlna.

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