Professional Documents
Culture Documents
Repercussões Territoriais do
Desenvolvimento Desigual-Combinado
e Contraditório em Mato Grosso
1
Reitora
Célia Maria Silva Correa Oliveira
Vice-Reitor
João Ricardo Filgueiras Tognini
CONSELHO EDITORIAL
Jeovan de Carvalho Figueiredo (Presidente)
Carmen de Jesus Samúdio
Celina Aparecida Garcia de Souza Nascimento
Claudete Cameschi de Souza
Edgar Aparecido da Costa.
Edgar Cézar Nolasco
Elcia Esnarriaga de Arruda
Gilberto Maia
Maria Rita Marques
Maria Tereza Ferreira Duenhas Monreal
Rosana Cristina Zanelatto Santos
Sonia Regina Jurado
Ynes da Silva Felix
ISBN 978-85-7613-520-3
2
Rosemeire Aparecida de Almeida
Tânia Paula da Silva
ORGANIZADORAS
Repercussões Territoriais do
Desenvolvimento Desigual-Combinado
e Contraditório em Mato Grosso
Campo Grande - MS
2015
3
Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica,
Coordenadoria de Editora e Gráfica - PROPP/UFMS
Direitos exclusivos
para esta edição
Coordenadoria de
Editora e Gráfica - PROPP/UFMS
Portão 14 - Estádio Morenão - Campus da UFMS
Fone: (67) 3345-7200 - Campo Grande - MS
e-mail:conselho.editora@ufms.br
Editora associada à
ISBN: 978-85-7613-520-3
Depósito Legal na Biblioteca Nacional
Impresso no Brasil
4
Dedicatória
5
6
Sumário
7
Mudanças Espaço-Temporais da Paisagem dos
Assentamentos Providência III e Tupã, no Contexto das
Transformações Socioterritoriais do Município de Curvelândia-MT
Sandra Mara Alves da Silva Neves
Junior Miranda Scheuer
Miriam Raquel da Silva Miranda_________________________________217
8
Prefácio
9
crorregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra; a dinâmica fundiária,
agricultura capitalista e resistência camponesa; o descumprimento da
função social da terra e a invisibilização do latifúndio como estratégia
de classe; a formação da propriedade capitalista nos campos mato-gros-
sense e sul-mato-grossense, conflitualidade e resistência; e a Geografia
das ocupações e manifestações em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Os demais capítulos retratam as problemáticas (econômica, social e am-
biental) vividas nos assentamentos rurais.
Os autores mostraram objetivação nos capítulos do livro com apre-
sentação de problematização das questões sobre a ocupação no campo,
que poderão subsidiar reflexões de ordem teórica e prática sobre o tra-
tamento da temática, estimulando, assim, o interesse do leitor.
10
Apresentação
11
de Reforma Agrária, particularmente o efeito das políticas públicas
para a reprodução familiar – destaque para a microrregião do Alto
Pantanal pelo número elevado de assentamentos rurais. Segundo, a
eleição de áreas-foco para estudo da expansão da agricultura capita-
lista (Agronegócio), em especial os efeitos socioambientais da espe-
cialização do território – destaque para a Microrregião Geográfica de
Tangará da Serra como área de expansão da soja e da cana. Terceiro, a
proposição de análises resultantes, basicamente, de pesquisas de Dou-
torado, Mestrado e Iniciação Científica, que correlacionam a realidade
agrária de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
A coletânea inicia-se com as reflexões de Rosemeire Aparecida de
Almeida, no capítulo “O desenvolvimento capitalista desigual-combi-
nado e contraditório nos campos matogrossenses”, que assume a tarefa
teórica de ler os números do último período intercensitário por meio
da teoria do desenvolvimento desigual-combinado e contraditório a
fim de explicar a expansão da agricultura capitalista vis a vis com a re-
criação camponesa, refutando, desse modo, a tese da homogeneização
das relações capitalistas no campo mato-grossense. Longe de entender
a permanência camponesa como funcional ao capital, a autora bus-
ca elementos na realidade para demonstrar que a conflitualidade tem
sido a marca dessa disputa, cuja correlação de forças desigual sela com
sangue o chão dessa contradição. “[...] o término desta reflexão não
poderia ser outro senão a defesa da Reforma Agrária e das lutas políti-
cas, visto que dividir a terra num país como o Brasil, com histórico de
grilagem de terra e estrutura fundiária concentrada, não é matéria do
reino da economia, mas, sim, da política – como exercício pedagógico
de democracia!”.
Onélia Carmem Rossetto, com o capítulo “Faces da agricultura
familiar camponesa nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da
Serra - Mato Grosso – Brasil”, destaca e analisa tendências marcantes
nas microrregiões em estudo, como a inconsistência de dados quan-
titativos e qualitativos acerca da diversidade que se enseja no termo
“agricultor familiar”, situação que produz equívocos no direcionamen-
12
to das políticas públicas, uma vez que a marca da distinção dos povos
do campo não se refere apenas às atividades econômicas, mas, sobre-
tudo, ao modo de vida. Por conseguinte, a autora contribui para “des-
velar as múltiplas faces e o ‘lugar’ da agricultura camponesa no Estado
de Mato Grosso” – tanto no território pantaneiro como no território
do complexo agroindustrial de Tangará da Serra. E mais: entende que
a territorialização camponesa, ao defrontar-se com a territorialização
do capital, diversifica os elementos de resiliência – ora estando na si-
tuação de subordinação, ora buscando mecanismos de manutenção da
sua autonomia.
No capítulo “O descumprimento da função social da terra e a
invisibilização do latifúndio como estratégia de classe: o caso de Mato
Grosso”, Eliane Tomiasi Paulino trabalha com o princípio metodológi-
co do preceito constitucional inscrito no título do texto. A articulação
entre os dados do último Censo Agropecuário, da Companhia Nacional
de Abastecimento e do Cadastro de Imóveis, resulta na perscrutação das
representações ideológicas que tomam o progresso técnico como por-
tador de transformações sociais traduzidas em desenvolvimento, visan-
do ocultar a persistência do latifúndio improdutivo no estado de Mato
Grosso. Estratégia que, segundo a autora, permite simultaneamente o
ocultamento das profundas implicações territoriais da emergência do
latifúndio produtivo, traduzida em não menos intenso processo de
destruição ambiental em nome de fins supostamente agrícolas, mas
igualmente incapazes de proporcionar dinâmicas territoriais virtuosas.
Renuncia, assim, à abordagem estritamente agrícola para captar a com-
plexidade do agrário em terras mato-grossenses, demonstrando a insu-
ficiência do tratamento analítico do campo com base no desempenho
das commodities.
A contribuição de Sedeval Nardoque, no capítulo “Tangará da
Serra (MT): dinâmica fundiária, agricultura capitalista e (re)criação
camponesa”, permite entender a expansão das monoculturas como
irmã siamesa da concentração e da reconcentração fundiária; um mo-
vimento que não se faz de forma isolada, pois os camponeses abrem
13
brechas na estrutura por meio da luta. Dessa maneira, agricultores
familiares camponeses, muitas vezes imersos no território capitalis-
ta, são protagonistas nas disputas territoriais e na produção de ali-
mentos (legumes, frutas, verduras, doces e queijos), como ocorre em
Tangará da Serra. Em suas palavras: “Contraditoriamente, o avanço
das empresas e empresários capitalistas no campo [...] promoveu o
contato e o conflito, novamente, com os camponeses, via expropriação
e violência. A expansão das monoculturas propiciou a concentração
e a reconcentração fundiária em Tangará da Serra, contribuindo para
a diminuição da população residente no campo, mas também para a
luta dos camponeses para voltarem à terra e nela permanecerem, no
processo de (re)criação camponesa. Isso se deve, sobretudo, às ações
dos movimentos sociais [...]”.
O capítulo “Reflexões sobre o acesso a terra e as relações de traba-
lho em Mirassol D’Oeste (MT)” é parte das reflexões da tese de Dou-
toramento da autora Sinthia Cristina Batista. Por meio de referencial
teórico potente e análise rigorosa das fontes, o texto brinda o leitor com
reflexões acerca do processo histórico de formação da propriedade capi-
talista e das relações de trabalho em Mato Grosso, mais especificamen-
te no município de Mirassol D’Oeste, região da Grande Cáceres (MT).
O conjunto de análises, alicerçadas em revisão bibliográfica, leitura de
dados e trabalho de campo, permite aos leitores questionar a história
oficial da apropriação da terra, bem como a propalada produtividade
do agronegócio no sentido de cobrar do Estado a realização da Reforma
Agrária. Alerta a autora que, no campo mato-grossense, existe e resis-
te o campesinato: “O trabalho desenvolvido no município de Mirassol
D’Oeste, no Assentamento Roseli Nunes, nos permite afirmar que a terri-
torialização do capital em Mato Grosso, apesar de histórica, não tem sido
via de mão única, pois tem encontrado resistências camponesa, indígena
e quilombola, intensificando-se assim a luta pela terra e pela Reforma
Agrária no território mato-grossense”.
As reflexões do capítulo “Vida e luta camponesa em Cáceres (MT):
um olhar sobre os assentamentos rurais na região de fronteira Brasil-
14
Bolívia” são recortes de tese de doutorado em Geografia. Tânia Paula da
Silva e Jacob Binzstok, autora e coautor do texto, evidenciam, por meio
das fontes orais, que o modo de vida camponês não é um a priori, mas,
sim, o processo de fazer-se camponês nas terras da Reforma Agrária na
Microrregião Geográfica do Alto Pantanal. Com o olhar voltado para
os assentamentos rurais em Cáceres (MT), região de fronteira Brasil-
-Bolívia, tecem a compreensão do campo a partir dos próprios sujei-
tos que nele produzem e asseveram: “[...] não podemos apenas buscar
compreender o campo brasileiro e, em específico, o mato-grossense, se-
gundo a ótica das condições capitalistas, pois o processo de (re)criação
camponesa vai além das estruturas capitalistas e dos agentes envolvi-
dos na luta. Nele, a lógica camponesa ainda se faz presente, não sem
conflitos, mas engendrada em laços de solidariedade e reciprocidade,
o que tem permitido que às famílias mato-grossenses reproduzam-se e
mantenham-se camponesas na sua terra de trabalho e de (re)produção
de vida [...]”.
O texto do capítulo “Formação da propriedade capitalista nos
campos mato-grossense e sul-mato-grossense: conflitualidade e resis-
tência” traz questões fundamentais discutidas em Dissertação de Mes-
trado em Geografia, orientada pela coautora do capítulo. Nele, Mariele
de Oliveira Silva e Rosemeire Aparecida de Almeida buscam os nexos
históricos sinalizadores do ordenamento desses territórios para a ex-
pansão do capital no campo, obedecendo a interesses de acumulação,
tanto pela via produtivista como pela rentista. Desse modo, reafirmam
a relação intrínseca entre a formação e a manutenção do latifúndio, me-
tamorfoseada em grande propriedade, e as lutas dos pobres para a re-
produção social do seu modo de vida. Entendem, pois, que não apenas
de concentração de terra e modernidade se faz a história dos campos
mato-grossenses e sul-mato-grossenses: “[...] presenciamos também a
luta, a versatilidade, a criatividade do povo camponês, que há séculos
tem desafiado as teses que apregoavam e apregoam o seu desapareci-
mento, contrapondo-se ao desemprego, e a perda de autonomia, com a
conquista da terra de vida e trabalho”.
15
O capítulo de Danilo Souza Melo, intitulado “Geografia das ocu-
pações e manifestações em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (2000
– 2012)”, é também fruto de Dissertação de Mestrado em Geografia. No
texto, a temática da terra é tratada como expressão de resistência cultu-
ral e política dos sujeitos do campo. O estudo da dinâmica da luta pela
terra, nos dois estados (MT e MS), deu-se pela sistematização dos dados
da Rede DATALUTA e por meio de trabalho de campo nos municípios
de Cuiabá (MT), Cáceres (MT), Mirassol D’Oeste (MT), Campo Gran-
de (MS), Dourados (MS) e Itaquiraí (MS). As investigações permitiram
ao autor atestar a continuidade da luta pela terra a despeito das teses
contrárias e, mais, a mudança de estratégias e atores como, por exem-
plo, o protagonismo indígena em Mato Grosso do Sul. Nas palavras do
autor: “A análise da dinâmica da luta pela terra revela que, apesar dos
números sobre ocupações indicarem redução, a luta em MT e MS não
está acabada, pelo contrário, percebemos a mudança de estratégia dos
movimentos sociais diante da atual conjuntura de paralisação da Refor-
ma Agrária”. A pesquisa representou também a articulação com a Rede
DATALUTA-NERA/FCT/UNESP.
Sandra Mara Alves da Silva Neves, Junior Miranda Scheuer e Mi-
riam Raquel da Silva Miranda, autores do capítulo “Mudanças espaço-
temporais da paisagem dos assentamentos Providência III e Tupã, no
contexto das transformações socioterritoriais do município de Curve-
lândia (MT)”, partem do pressuposto de que as geotecnologias podem
gerar subsídios e orientações na tomada de decisões quanto ao planeja-
mento territorial, em especial, para a conservação ambiental nos assen-
tamentos do Alto Pantanal. Desse prisma, investigam o uso da terra nos
assentamentos do município de Curvelândia, Providência III e Tupã e
constatam que a pecuária leiteira, por suas características intrínsecas,
representa o refúgio econômico de assentados mato-grossenses. Por
ser a terra um bem natural finito, e riqueza vital à reprodução familiar,
urgem, todavia, medidas para diminuição do impacto negativo, parti-
cularmente no tocante à proteção das nascentes. “Nos assentamentos
pesquisados, a predominância da pastagem e sua localização, próxima
a cursos de água, constitui um fator de preocupação por impactar, além
16
da biodiversidade vegetal e animal, o meio de sobrevivência do assenta-
do, que é a terra [...]”.
O capítulo “Agricultura: a história da comunidade Vale do Sol II,
Tangará da Serra (MT), Brasil” traz a contribuição de Daniel Ricardo da
Silva Sena, Hellen Simone Tortorelli e Santino Seabra Júnior. Os auto-
res, por meio da pesquisa participante, dão visibilidade ao processo de
formação e permanência na terra da Comunidade Vale do Sol II, que
representa um modelo diferente de acesso a terra em relação à Reforma
Agrária, uma vez que se trata da aquisição da área via financiamento
do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF). O estudo inves-
tiga os motores de êxito e os limites para a reprodução desses agricul-
tores na Microrregião Geográfica de Tangará da Serra. Nesse sentido,
são enfáticos nas críticas ao PNCF, alertando o poder público para que
os insucessos do Programa não recaiam sobre os agricultores, como de
costume. Para tanto, afirmam: “[...] analisando o texto do PNCF, é pos-
sível ver que a estrutura oferecida aos agricultores que adquirem a terra
por meio do Programa não foi consolidada no caso da Vale do Sol II,
pois os agricultores relatam grandes dificuldades de acesso a assistência
técnica, estrutura e políticas públicas que auxiliem no desenvolvimento
efetivo do sistema de produção”.
O cultivo de hortaliças por agricultores familiares na Microrregião
Geográfica do Alto Pantanal é o tema do capítulo “Agricultura familiar
e a produção de hortaliças no município de Cáceres (MT)”, apresenta-
do por Andréia Gonçalves Ladeia, Ronaldo José Neves e Sandra Mara
Alves da Silva Neves. A investigação das condições em que vivem os su-
jeitos envolvidos na produção de hortaliças no campo de Cáceres abran-
geu dois assentamentos, duas comunidades e em um distrito. O estudo
coaduna-se com pesquisas em âmbito nacional, reforçando premissas
de que esse tipo de atividade pode ser economicamente viável por pos-
suir alternatividade, servir ao autoconsumo e à geração de renda, não
exigindo grandes áreas e propiciando desenvolvimento de canais curtos
de comercialização, a exemplo das feiras, além dos mercados institu-
cionais, como PAA e PNAE. Assim, a reflexão proposta pelos autores
17
ressalta a importância da temática na: “[...] geração de subsídios para
o planejamento e desenvolvimento da atividade em âmbito municipal”.
O texto que compõe o capítulo “Comunicação e agricultura fami-
liar na comunidade Vale do Sol II – Tangará da Serra – Mato Gros-
so”, de Kelly Sinara Alves de Carvalho, Ana Cristina Peron Domingues,
Raimundo Nonato Cunha de França e Santino Seabra Júnior, caminha
no sentido de apresentar impactos positivos do trânsito de informações
no sistema cooperativado da comunidade Vale do Sol II, no municí-
pio de Tangará da Serra. Os pesquisadores partem da premissa de que
os conceitos de comunicação participativa e de cooperativismo estão
intrinsecamente ligados, uma vez que ambos configuram importante
ferramenta de interação entre os grupos. Em relação aos acertos da co-
mercialização, destacam que a comunicação ocupa papel decisivo, in-
clusive na certificação dos produtos. Concluem os autores: “[...] que a
certificação é considerada pelas cooperadas como ferramenta de redu-
ção de assimetria informacional, ao apresentar os atributos intrínsecos
dos produtos, proporcionando segurança ao consumidor em relação ao
consumo. Nesse mesmo contexto, o rótulo também constitui elemento
de comunicação, uma vez que o produto, possuindo valor simbólico,
estimula as sensações humanas, tendo função de transferir todas as in-
formações, sejam visuais ou verbais”.
As reflexões de Edgar Aparecido da Costa e Rozilene Cuyate, ma-
terializadas no “Estudo comparativo das práticas de agroecologia no
assentamento Roseli Nunes, Mirassol D’Oeste (MT) e no assentamento
72, Ladário (MS)”, fecham a Coletânea e representam o exercício, no
marco da Transição Agroecológica, de comparar as induções de desen-
volvimento territorial e de práticas agroecológicas em dois projetos de
Reforma Agrária – assentamento Roseli Nunes, com apoio da Fede-
ração de Órgãos da Assistência Social e Educacional (Fase), e assen-
tamento 72, com apoio da UFMS e da Embrapa Pantanal. Concluem
os autores que tanto os agentes exógenos de indução de desenvolvi-
mento territorial como os endógenos são fundamentais em situação de
transição agroecológica e de estímulo aos canais curtos de comerciali-
18
zação, especialmente num quadro de carência histórica de assistência
técnica nos assentamentos rurais. Nesse sentido, asseveram os autores:
“[...] pode-se dizer que a indução do desenvolvimento territorial assu-
me as mesmas feições, independente das características territoriais, dos
camponeses envolvidos e das instituições indutoras”.
19
20
O Desenvolvimento Capitalista
Desigual-Combinado e 1
Introdução
Os períodos de crise são também períodos de dramática reestru-
turação. O capitalismo está sempre transformando o espaço à sua
própria imagem, mas em períodos de expansão isto significa a subs-
tituição de padrões mais ou menos estabelecidos num período an-
terior. Precisamente durante as crises é que os novos padrões se
estabelecem, numa reestruturação sem precedentes do espaço geo-
gráfico. Esta é a fase na qual nós ingressamos hoje. (SMITH, 1988,
p. 223. Grifo nosso).
1
Para Smith (1988), a preocupação com a “Lei do Desenvolvimento Desigual e Com-
binado” está associada à tradição trotskista como parte da Teoria da Revolução Perma-
nente.
2
O capítulo articula-se ao projeto de pesquisa “Questão Agrária e Transformações So-
cioterritoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT na última dé-
cada censitária”, da Rede Centro-Oeste de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação (Edital
MCT/CNPq/FNDCT/FAPs/MEC/CAPES/PRO-CENTRO-OESTE nº 31/2010).
21
O momento atual do capitalismo ainda é de reflexo da crise global
de 2008. Oportunas, portanto, as contribuições de Smith (1988) e Har-
vey (2005) a respeito das crises do capitalismo como oportunidades de
acumulação, em especial pela via da destruição seletiva de capitais e, até
mesmo, de países - a chamada “acumulação por espoliação”:
A crise é, não somente, o produto de uma contradição inerente en-
tre a necessidade de desenvolver as forças produtivas e as condições
sob as quais esta deve ocorrer; em seu desenvolvimento concreto,
assim como em sua gênese, a crise econômica é também essencial-
mente contraditória. Devemos olhar para alguns dos resultados
contraditórios da crise, pois, não importa quão destruidoras e
disfuncionais elas sejam, as crises podem ser agudamente fun-
cionais para o capital. As fusões, encampações e falências, assim
como a desvalorização geral (das mercadorias, da força de trabalho,
da maquinaria, do dinheiro) e a destruição do capital (tanto do va-
riável quanto do constante), que acompanham as crises, também
preparam o terreno para nova fase de desenvolvimento capitalista.
(SMITH, 1988, p. 185. Grifo nosso).
22
por menos, tem-se presenciado a atual migração de capitais em direção
às commodities e compra de terras, como possibilidade de recuperação
da acumulação:
El colapso del mercado hipotecario, las empresas dot.com, la bio-
tecnología, la banca financiera y otras burbujas especulativas han
contribuido a la primera crisis económica mundial generalizada de
este siglo (Stédile 2008, Cox 2008, Rosset 2009). Esto ha creado una
búsqueda algo desesperada por nuevas oportunidades de inversión,
empujando a los inversionistas a mirar con mayor énfasis en el Sur,
especialmente enfocándose en los recursos naturales rurales. Esto
está generando un nuevo boom de cultivos de exportación, agro-
combustibles, minería y plantaciones de monocultivo industrial
(Humphreys 2003, Barney 2007, Stédile 2008, Rosset 2009, Mc-
Michael 2010). A pesar de que los agronegocios transnacionales
ya tenían gran presencia en Latinoamérica, por ejemplo, desde al
menos los 1980s (Burbach and Flynn 1980, Teubal 1987, Marsden
y Whatmore 1994), esta nueva ola de inversiones es mucho mayor
debido a la mayor inyección de capital en consecuencia de las crisis.
En la mayoría de los países, tanto en el Norte como en el Sur, las
empresas nacionales han sido parcial - o totalmente compradas
por las corporaciones transnacionales y los bancos financieros,
y/o han tenido una nueva re-capitalización con grandes créditos
que se les vuelvan casi subsidiarias de los grandes financiadores
transnacionales […]. (ROSSET, MARTINEZ-TORRES, 2012, p. 2.
Grifo nosso).
23
naturais, está na base da crise agroambiental – e civilizatória – que vi-
vemos e que Petras e Veltmeyer (2014, p. 20) identificam como sendo
expressão do capitalismo neoextrativista, com ampla participação do
Estado, também acumulador rentista:
Al apoyarse en el capitalismo extractivo, los regimenes de centro-iz-
quierda se convierten en complejos Estados rentistas que recolectan
regalías, ‘rentas’, provenientes de las materias primas de exportación.
Los ciclos de las mercancías del pasado son reemplazados por me-
ga-ciclos, a medida que los precios favorables de las mercancías du-
rante décadas reemplazan las fluctuaciones de un año al otro. El flujo
estable de ingresos deriva en presupuestos estables y financia las im-
portaciones sin súbitos y abruptos déficits presupuestarios y comer-
ciales (y problemas de la balanza de pagos). (Grifo dos autores).
24
en especial por el capital extranjero en el sector extractivo, con fre-
cuencia asociado con los tecnócratas del sector público con estre-
chas ligas pasadas y probablemente futuras con el sector privado.
(…) La concentración de la propiedad esta íntimamente correla-
cionada con el crecimiento de megamillonarios y la concentración
de la riqueza. Las firmas capitalistas y bancarias privadas de origen
nacional se unen a las sociedades y se benefician de dar servicio a
las firmas extractivas del Estado y de las CMN [Corporaciones Mul-
tinacionales]. Las CMN, los tecnócratas, casas de inversión, consul-
tarías y banqueros se convierten en la nueva clase gobernante en los
Reci [Regímenes de centro-izquierda]. (PETRAS; VELTMEYER,
2014, p. 21).
3
É fundamental expor que as referidas mudanças técnicas que afetaram o campo brasi-
leiro não significaram o expurgo do latifúndio; ao contrário, esse processo avançou lado
a lado com a permanência da figura da terra improdutiva como sinônimo de reserva
de valor. O acesso aos incentivos fiscais modernizou parcialmente o latifúndio, como
explica Martins (1994) e como comprovam os dados do IBGE (2006).
25
neste setor, há (re)concentração da terra; elevado investimento com uso
substancial do crédito público, escasso efeito multiplicador, posto que a
agregação de valor é pequena (95% da pasta de celulose são exportados
para fabricação de papel na Europa); pouca geração direta de emprego
e centralização do capital.
Reiteram os autores que, nesses setores agroindustriais que ban-
cam a reprimarização da economia, ditos modernos, a expansão/acu-
mulação do capital se dá por meios rentistas. Evidência maior disso é
a não separação entre interesses produtivos e especulativos no interior
dessas empresas, o que leva à vulnerabilidade de países como o Brasil,
onde parcela significativa dos lucros não é reinvestida no aumento da
capacidade produtiva do país, mas na remuneração dos giros especula-
tivos do capital.
Esse caminho de apropriação de bens primários, e das rendas deles
provenientes, como parte do eixo de acumulação do sistema capitalista,
recoloca o debate do campo e da questão agrária no processo de repro-
dução ampliada do capital.
Um dos termos desse debate é, fundamentalmente, o paradoxo que
representam as economias centradas na exportação de bens primários,
uma vez que a agropecuária tem sido, nos últimos anos, o setor que tem
a menor representação na composição do Produto Interno Bruto (PIB)
em diversos países. O caso brasileiro é modelar: de acordo com o IBGE
(2014), em 2011 a agropecuária contribuiu com 5,5% do PIB, enquanto
a indústria contribuiu com 27,5%, e o setor de serviços, com 67%.
Diante de desempenho econômico tão tímido do setor primário,
como entender a matemática do agronegócio brasileiro que alardeia
participações de até 25,11% no PIB nacional? A explicação está na forma
de atuação territorial do que Ploeg (2008) chama de “Império”, uma vez
que o agronegócio (a face visível do capitalismo no campo) é composto
por uma rede que envolve o mercado interligado, que em muito extra-
pola o setor primário, porque articula todos os momentos do processo
de produção, a saber: insumos/produção/indústria de processamento e
26
distribuição. “O Império é aqui entendido como um modo de ordena-
mento que tende a tornar-se dominante”. (PLOEG, 2008, p. 20). Esse or-
denamento dos “Impérios” (agrícolas e alimentares) significa o controle
do território (envolvendo os bens inalienáveis da natureza, como água e
terra) e a disseminação de normas e padrões, como forma de assegurar a
apropriação das riquezas. São impérios transnacionais que orquestram
a reprimarização das economias, em particular as latino-americanas; o
que há de nacional no agronegócio é o controle da propriedade da terra.
Oliveira (2007), crítico do agronegócio, ou melhor, da agricultura
capitalista, há muito destacou essa forma de dominação do campo por
setores exógenos. Situação possível em decorrência da transnacionaliza-
ção da agricultura, cujo controle se dá por meio de novas configurações
territoriais, a saber: territorialização e monopolização do território. Ci-
tando Jank, Oliveira (2007, p. 147) esclarece que:
O conceito de ‘agribusiness’ foi desenvolvido por Ray Goldberg, em
1957, nos EUA. Foi traduzido para o Brasil, e proposto como ‘com-
plexo agroindustrial’ ou ‘agronegócio’ por Ney Bittencourt, Ivan
Wedekin e Luiz A. Pinazza, nos anos 1980, com enorme repercus-
são nos meios empresariais e acadêmicos. O agronegócio nada mais
é do que um marco conceitual que delimita os sistemas integrados
de produção de alimentos, fibras e biomassa, operando desde o me-
lhoramento genético até o produto final, no qual todos os agentes
que se propõem a produzir matérias-primas agropecuárias devem
fatalmente se inserir, sejam eles pequenos ou grandes produtores,
agricultores familiares ou patronais, fazendeiros ou assentados.
27
desenvolvimento do capital no campo não significa a homogeneização
do território e das relações sociais no sentido da hegemonia do trabalho
assalariado. Esse processo de expansão da forma capitalista de apropria-
ção da terra caminha, contraditoriamente, com outras formas sociais, em
especial a agricultura familiar camponesa (PAULINO; ALMEIDA, 2010).
Significa dizer que o desenvolvimento desigual do capitalismo no
campo se faz a partir do movimento contraditório, em que se expandem
as atividades propriamente capitalistas alicerçadas na apropriação da
mais-valia e da renda – via territorialização e monopolização do capi-
tal4, concomitante com a recriação de espaços não capitalistas, a exem-
plo das frações camponesas.
A base teórica desta análise encontra-se, fundamentalmente, em
contribuições de Luxemburgo (1976); Martins (1981); Smith (1988);
Sevilla-Guzmán (1990); Harvey (2005); Oliveira (2007); Bartra (2007);
Paulino; Almeida (2010).
É inspirador resgatar os ensinamentos de Rosa Luxemburgo acer-
ca da impossibilidade de dominação universal da produção capitalista
e, portanto, da homogeneização espacial. O capitalismo não sobrevive
sem a existência de formas não capitalistas, é também desta contradição
que emana sua conflitualidade, uma vez que em seu processo de ex-
pansão, trava luta contínua a fim de submetê-las ao seu funcionamento
como mercado de consumo, fonte de matérias-primas e mão de obra:
O capitalismo é a primeira forma econômica com capacidade de
desenvolvimento mundial. Uma forma que tende a estender-se por
todo o âmbito da terra e a eliminar todas as demais formas econô-
micas; que não tolera a coexistência de nenhum outro. Mas é tam-
bém a primeira que não pode existir sozinha, sem outras formas
4
Os conceitos de territorialização e monopolização do capital são usados para explicar a
realidade agrária no Brasil a partir de uma análise que tem como foco principal o desen-
volvimento capitalista no campo e a permanência contraditória do campesinato. Esses
conceitos têm como matriz as obras de Ariovaldo Umbelino de Oliveira, que entende a
territorialização do capital como controle da terra pelo capital a partir do processo pro-
dutivo, e para quem a monopolização do território é o controle do capital na circulação
da mercadoria. Esses processos podem ocorrer imbricados, como no caso do complexo
eucalipto-celulose.
28
econômicas de que possa alimentar-se. Ao mesmo tempo que
tende a converter-se em forma única, fracassa pela incapacida-
de interna de seu desenvolvimento. Ele oferece o exemplo de uma
contradição histórica viva. Seu movimento de acumulação é a ex-
pressão, a solução progressiva e a intensificação dessa contradição.
(LUXEMBURGO, 1976, p. 411-412. Grifo meu).
29
A essência da contradição:
desenvolvimento desigual-combinado,
concentração da terra e permanência
camponesa em Mato Grosso
Cabe previamente esclarecer a intencionalidade do uso de dados
dos censos agropecuários do IBGE: refutar a tese da homogeneização
das relações capitalistas no campo considerando o contexto mato-gros-
sense. Este que, sem dúvida, representa, no cenário nacional, a hege-
monia das estratégias de acumulação do capital expressas, sobretudo,
no avanço da agricultura tipicamente capitalista, alicerçada na grande
unidade de produção, com foco nas mercadorias de renda alta, com di-
namismo seletivo e gerador de desigualdade espacial. Por outro lado, o
estudo da posse e uso da terra cumpre ainda a tarefa de expor como o
desenvolvimento do capitalismo se faz a partir da lógica das contradi-
ções e conflitualidades – expressas tanto no uso capitalista do território
como na luta para recriação da agricultura familiar camponesa.
Para fins deste estudo, classificamos, como pequena unidade, os
estabelecimentos do IBGE (unidade de produção) de menos 01 hec-
tare a menos de 200 hectares; como média, de 200 a menos de 1.000
hectares; como grande unidade, acima de 1.000 hectares. Essa classi-
ficação é a adaptação da Lei 8.629/1993, que define a propriedade no
Brasil (unidade jurídica), a saber: pequena propriedade, até 4 módulos
fiscais; média, acima de 4 até 15; grande, acima de 15 módulos fiscais. É
também a aproximação com o disposto na Lei 11.326/2006, que trata da
definição do universo da agricultura familiar como sendo aquele que,
em área, não excede a quatro módulos fiscais, dentre outras característi-
cas. A promulgação dessa Lei, em 2006, é o reconhecimento institucio-
nal da existência camponesa e, mais, do desenvolvimento contraditório
do capitalismo, em que a recriação camponesa se faz num movimento
ambíguo, porque misto de resistência e subordinação.
Os dados acerca do comportamento da estrutura fundiária no in-
tervalo de uma década revelam duas situações marcantes. A primeira
30
é a conhecida concentração da terra: dez anos após o censo 1995/96, a
classe de área de 1.000 ha acima representa 7,63% dos estabelecimen-
tos e domina 77,51% da área. A segunda diz respeito à permanência e
expansão da pequena unidade de produção, ou seja, os dados revelam
a resistência e recriação do campesinato no Brasil, a despeito da pouca
área que detém (Tabela 1).
Nesse sentido, vale registrar que, no censo 1995/96, a classe de área
com menos de 200 ha representava 73% dos estabelecimentos, ocupan-
do 6% da área total de MT. Em 2006, na classe de área com menos de
200 ha, subiu para 78,65% o número de estabelecimentos, passando a
ocupar 8,76% da área total. A tabela 2 impede, todavia, idealizações acer-
ca dessa permanência, uma vez que a área média dos estabelecimentos
de menos de 200 ha recuou no período intercensitário, acelerando o já
conhecido processo de minifundização do qual a Reforma Agrária é par-
tícipe, pois a regra tem sido diminuir a cada ano o tamanho dos lotes.
31
Outro dado que evidencia o desenvolvimento desigual e contradi-
tório nos campos mato-grossenses diz respeito ao pessoal ocupado. Na
tabela 3, percebe-se aumento no número de pessoal ocupado nas classes
de área com menos de 100 hectares, situação que certamente é reflexo
do impacto da Reforma Agrária. Processo que, embora lento e incon-
cluso, tem sido a porta aberta na luta da recriação camponesa no Brasil
e também em Mato Grosso, como revela a Figura 1.
32
No período intercensitário, são também esses extratos com menos
de 100 ha os responsáveis pelo aumento na produção de leite, enquanto
o restante sofre significativa redução - menos de 100 ha aumentou a
produção em 94,66%, ao passo que acima de 1000 ha, houve queda de
55,41%. Como mencionado, esses extratos menores se aproximam da
área média dos lotes dos beneficiários da Reforma Agrária. Portanto,
embora o leite também esteja inserido no circuito da monopolização
do território, responsável pela drenagem de renda dos pequenos para as
indústrias, ele continua sendo estratégia defensiva da pequena unidade
de produção. Ao mesmo tempo em que atende ao autoconsumo, gera
renda monetária e alimenta a indústria doméstica de doces, queijos e
iogurtes.
33
Tabela 5 – Mato Grosso: valor da produção agropecuária total
(mil reais) por classes de área (ha) - 2006
-200 200 a -1.000 + 1.000 Sem área Total
Animal 639.322 558.178 1.760.107 2.344 2.959.952
Permanente 35.202 10.805 51.892 ----- 97.899
Temporária 534.060 939.414 7.535.688 774 9.009.938
Horticultura 36.658 1.847 1.276 433 40.215
Floricultura 2.776 1.560 ----- ----- 4.372
Extração vegetal 21.927 3.561 3.912 ------ 29.407
Silvicultura 11.689 4.399 26.879 377 43.372
Agroindústria 4.429 982 1.016 31 6.458
Total 1.286.063 1.520.746 9.380.770 3.959 12.191.613
Fonte: IBGE. Org. Mieceslau Kudlavicz, 2015.
34
Considerações
O exercício de análise da realidade desigual-combinada e contra-
ditória dos campos mato-grossenses, por meio dos dados do IBGE, per-
mite destacar alguns processos basilares em curso. O mais emblemático
é a recriação da pequena unidade de produção na classe de área com
menos de 200 ha, em vista da expansão tanto do número de estabeleci-
mentos quanto da área. Situação que aponta para a possibilidade de re-
produção social do modo de vida camponês, que se encontra subjacente
nessa pequena fração do território.
Outra questão conclusiva é a diferenciação geográfica na escala
das microrregiões em Mato Grosso, pois elas apresentam dinamismos
agrários seletivos, em que prevalece o binômio capitalista, que sinteti-
zamos em microrregiões marcadas pelo domínio da pecuária, como é
o caso de Aripuanã, Alta Floresta, Colider, Norte Araguaia, Alto Gua-
poré e Jauru, e microrregiões em que a hegemonia é agrícola, com o
exemplo da soja, que, em 2006, tinha 74,84% da produção concentra-
da nas microrregiões de Parecis, Alto Teles Pires, Canarana, Primavera
do Leste e Rondonópolis. Há também microrregiões que, no período
intercensitário, se isolaram na especialização do território, como Tan-
gará da Serra, que é responsável por 49,92% da cana-de-açúcar produ-
zida em Mato Grosso.
Por fim, e não menos importante, depreende-se que essa reprodu-
ção da pequena unidade ocorre como contradição e, por isso, carrega
a marca da conflitualidade, da luta para entrar e permanecer na terra
– não se trata de concessão do capital. A marca de sangue dessa contra-
dição em Mato Grosso está estampada nos dados de conflitos da CPT,
conforme se visualiza nas tabelas 7, 8 e 9.
35
Tabela 7 – Mato Grosso: conflitos no campo – 2013-2014
2013 2014
Conflito
Quantidade Famílias Quantidade Famílias
Conflito por terra 33 2.150 25 1.306
Conflito por água 2 134 6 1.247
Ocupação/retomada 5 398 4 262
Acampamentos 0 0 1 50
TOTAL 40 2.682 36 2.865
Fonte: Caderno de Conflitos da CPT.
36
Destaca-se, a título de alerta, que, embora a tônica deste texto te-
nha sido o exercício de ler a realidade nos dados censitários de posse
e uso da terra, prioritária se faz a premissa da questão agrária anterior
a toda e qualquer discussão das políticas agrícolas, da viabilidade (ou
não) da agricultura familiar, ou coisa que o valha, em relação a mudan-
ças na base técnica. Isso porque o enfrentamento da concentração da
terra em poucas e privilegiadas mãos – e da violência dela derivada – é
tarefa inconclusa no Brasil e, em particular, em Mato Grosso.
Portanto, o término desta reflexão não poderia ser outro senão a
defesa da Reforma Agrária e das lutas políticas, visto que dividir a terra
num país como o Brasil, com histórico de grilagem de terras e estrutura
fundiária concentrada, não é matéria do reino da economia, mas, sim,
da política – como exercício pedagógico de democracia!
Merecem menção, aqui, as ponderações de R. Luxemburgo:
É uma ilusão esperar que o capitalismo se conforme com os meios
de produção que pode obter pelo caminho do comércio de mer-
cadorias. A dificuldade nesse ponto consiste em que, nas grandes
zonas da superfície terrestre, as forças produtivas estão em poder de
formações sociais que ou não se encontram inclinadas ao comércio
de mercadorias ou não oferecem os meios de produção mais impor-
tantes para o capital porque as formas econômicas ou estrutura so-
cial constituem um obstáculo. É o caso, por exemplo, da terra, com
suas riquezas minerais, seus prados, bosques e forças hidráulicas,
enfim, dos rebanhos dos povos primitivos dedicados ao pastoreio.
Confiar-se ao processo secular lento de decomposição interna des-
sas estruturas econômicas e em seus resultados equivaleria para o
capital a renunciar às forças produtivas daqueles territórios. [...]. O
capital só conhece, como solução para esse problema, o uso da
violência, que constitui um método permanente da acumulação
de capital no processo histórico, desde sua origem até os nossos
dias. (LUXEMBURGO, 1976, p. 319-320. Grifo nosso).
37
último figura como complementar às lógicas de construção do urba-
no, à mercê do agronegócio, basicamente porque não há, infelizmen-
te, sinais de diluição das contradições - tampouco estamos vivendo um
acirramento destas. O dilema parecer ser outro, qual seja, a (re)criação
camponesa refém de um capitalismo moldado pelas conflitualidades e
que bem por isso as elas se antecipa, criando tutelas para conciliar os
historicamente desiguais. Para tanto, conta com um parceiro também
histórico e decisivo, o Estado.
Referências
ALMEIDA, Rosemeire A.; GALLAR-HERNANDEZ, David; CALLE-COLLADO, Án-
gel. A “nova” questão agrária em Andalucía: processos de recampesinização em tempos
de impérios agroalimentares. Revista NERA. Presidente Prudente. Ano 17, n. 24, p.
09-35, Jan-Jun./2014.
ALMEIDA, Rosemeire A. A questão agrária, internacionalização e crise agroambiental.
CAMPO-TERRITÓRIO: revista de Geografia Agrária. Edição especial do XXI ENGA-
2012, p. 1-27, jun./2014.
ALMEIDA, Rosemeire A., KUDLAVICZ, Mieceslau, SILVA, Tânia P. Agropecuária e
transformações territoriais em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul na última década: es-
tudo comparativo dos dados censitários. In: ARAUJO, Ana Paula Correia de; VARGAS,
Icléia A. de (Orgs.). Dinâmicas do rural contemporâneo. Campo Grande: Editora da
UFMS, 2014. p. 59-88.
AMIN, Samir; VERGOPOULOS, Kostas. A questão agrária e o capitalismo. 2. ed. Tra-
dução de Beatriz Resende. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
BARTRA, Armando. Elogio de la diversidad: globalización, multiculturalismo y et-
nofagia. 2. ed. México: Siglo XXI Editores, 2007.
BARTRA, Armando. Esa quimera llamada campesino. Disponível em: < http://www.
jornada.unam.mx/2015/04/10/opinion/026o1eco>. Acesso em ago. de 2015a.
BARTRA, Armando. Economia política do campesinato. São Paulo: ENFF. Coletânea
n. 21. São Paulo. Abr. 2015b.
GIARRACCA, Norma, TEUBAL, Miguel. Del desarrollo agroindustrial a la expansión del
‘agronegocio’: el caso argentino. In: FERNANDES, Bernardo M. (Org.). Campesinato e
agronegócio na América Latina: a questão agrária atual. São Paulo: Expressão Popu-
lar, 2008. p. 139-164.
HARDIN, Garrett. La tragedia de los comunes. “The tragedy of commons”. In Science,
v. 162 (1968), p. 1243-1248. Tradução de Horacio Bonfil Sánchez. Gaceta Ecológica,
Instituto Nacional de Ecología, n. 37, México, 1995. Disponível em <http://www.ine.
gob.mx/>
38
HARVEY, David. O novo imperialismo. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005.
KUDLAVICZ, Mieceslau. Dinâmica agrária e a territorialização do complexo
Celulose/papel na microrregião de Três Lagoas/MS. 2011. 176f. Dissertação
(Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três
Lagoas, 2011.
LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação de capital. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1976.
______. O poder do atraso. São Paulo: Hucitec, 1994.
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. 4. ed. Petrópolis: Vo-
zes, 1981.
MELO, Danilo S. Geografia das ocupações e manifestações em Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul (2000–2012). Dissertação (Mestrado em Geografia)
- Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três Lagoas, 2015.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrá-
ria. São Paulo: FFLCH, 2007, 184p.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. de. Barbárie e modernidade: as transformações no campo
e o agronegócio no Brasil. Revista Terra Livre. São Paulo: AGB. ano 19, v.2, n. 21. jul/
dez 2003, p. 113-156.
PAULINO, Eliane T.; ALMEIDA, Rosemeire A. Terra e território: a questão camponesa
no capitalismo. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
PETRAS, James; VELTMEYER, Henry. Surgimiento y muerte del capitalismo extracti-
vo. México. Observatorio del Desarrollo. Vol. 3, N. 9, 2014.
PLOEG, Jan Douwe V. D. Sete teses sobre a agricultura camponesa. In: PETERSEN,
PLOEG, Jan Douwe V. D. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia
e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: UFRGS, 2008.
ROSSET, Peter M., MARTINEZ-TORRES, Maria Elena. Movimientos Sociales Rurales
y Agroecología: contexto, teoría y proceso. Traducción de: Rosset, P. M., and M. E. Mar-
tinez- Torres. 2012. Rural Social Movements and Agroecology: Context, Theory, and
Process. Ecology and Society 17(3): 17. http://dx.doi.org/10.5751/ES--‐05000--‐170317
(Traducido por Viviana Tipiani).
ROSSETO, Onélia C.; NORA, Giseli D.; PAULLI, Lucas. Faces da questão agrária em
Mato Grosso: agronegócio e trabalho escravo contemporâneo. Boletim DATALUTA.
Presidente Prudente: NERA, mai. 2015. Disponível em: < www.fct.unesp.br/nera>
Acesso em: mai. 2015.
SILVA, Mariele de O. A (re)criação do campesinato em Cáceres/MT e no
contexto de expansão territorial do agronegócio em Três Lagoas e Selvíria em
Mato Grosso do Sul. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, Três Lagoas, 2014.
SEVILLA-GUZMÁN, Eduardo. Redescubriendo a Chayanov: hacia un neopopulismo
ecológico. Agricultura e Sociedade. Madrid, nº 55, p. 201-237, 1990.
39
SEVILLA-GUZMÁN, Eduardo; GONZÁLEZ DE MOLINA, Manuel (Ed.). Ecologia,
Campesinato e História. Madrid: Ediciones Endymión. 1991.
SHANIN, Teodor. Lições camponesas. In: PAULINO, Eliane T.; FABRINI, João E.
(Orgs.). Campesinato e territórios em disputa. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
p. 23-47.
SMITH, Neil. Desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1988.
40
Faces da Agricultura Familiar
Camponesa nas Microrregiões
do Alto Pantanal e Tangará da Serra
- Mato Grosso – Brasil
Introdução
Inserido no modelo capitalista de produção, o estado de Mato
Grosso apresenta 52,92% (IBGE, 2009) da sua área territorial voltados
para atividades agropecuárias, configurando um mosaico heterogêneo,
com diferentes formas de manejo das atividades econômicas, relações
sociais de produção, cultura e modo de vida. Apesar dessa diferencia-
ção, é comum, nas 22 microrregiões, a dependência das atividades do
agronegócio, em diferentes proporções, uma vez que a ideologia predo-
minante apregoa sua supremacia para o crescimento econômico e ob-
tenção de superávits na balança comercial.
É importante salientar que o agronegócio não se resume apenas na
posse de grandes áreas utilizadas para monocultura de espécies agrícolas
voltadas para exportação. Na realidade, além de se materializar no espaço
41
geográfico via infraestrutura e logística, também se consolida nos fluxos
financeiros, nas relações políticas, comerciais, de trabalho e nas transfor-
mações da cultura e das relações sociais, buscando homogeneizar as rela-
ções de dependência e subordinando a agricultura camponesa.
Na perspectiva de Batalha; Souza Filho (2003), o conceito de agro-
negócio reside na noção de que há uma cadeia de negócios e ativida-
des produtivas, que não podem ser analisadas de forma isolada, pois
envolvem os produtores rurais e o manejo das atividades econômicas
por eles desenvolvidas, a indústria ligada ao setor e as redes de benefi-
ciamento, armazenamento e comercialização. Envolve também o setor
de comércio e serviços, formando um sistema articulado com relações
de dependência.
Ademais, o agronegócio traz o estereótipo da modernidade, da
tecnologia, produtividade e eficiência, sendo apontado como única
alternativa de crescimento econômico para o estado de Mato Grosso,
buscando subordinar ou invisibilizar a agricultura camponesa, as et-
nias indígenas, enfim, os grupos populacionais considerados atrasados
e retrógrados, empecilhos para o avanço do capital. Nesse cenário, os
movimentos socioterritoriais de resistência e a luta pela reforma agrária
no território mato-grossense têm, no entanto, desafiado a ordem estabe-
lecida e vêm obtendo sucesso nos processos de reorganização fundiária
e na manutenção do modo de vida camponês.
As microrregiões do Alto Pantanal e de Tangará da Serra, no su-
doeste de Mato Grosso, apresentam duas fisionomias diferentes do
agronegócio. A primeira se caracteriza por municípios colonizados no
século XVIII, e com uma particularidade: estão localizados no Pantanal
mato-grossense, ou seja, durante cerca de seis meses, anualmente, ficam
encobertos pela água.
Segundo Rossetto (s.d./no prelo), esse fenômeno resulta do con-
junto de três fatores inter-relacionados e que influenciam as técnicas de
manejo das atividades produtivas: o clima, a topografia e a proximidade
ou não dos mananciais aquíferos. Pesquisas realizadas pela autora re-
42
gistram que o município de Barão de Melgaço tem cerca de 99% da sua
área inundável; Cáceres e Curvelândia, cerca de 51%; Poconé, cerca de
80,3%. Como correlato, o manejo do gado é diferente em cada estação
climática e de acordo com a localização geográfica.
No pântano ou Pantanal baixo, área inundável, é desenvolvida
a pecuária extensiva; já no Pantanal alto ocorre a semiextensiva, am-
bas com diferentes graus de tecnologia. Ainda é possível encontrar, no
Pantanal baixo, o manejo tradicional do gado, criado solto nos cam-
pos nativos, com quase nenhum trato e baixos índices zootécnicos. No
mesmo contexto, é possível identificar o agronegócio, via extensas áreas
de pastagens exóticas, uso de tecnologias e insumos químicos, com a
produção voltada para a exportação (ROSSETTO, 2004). A necessida-
de de manejo do gado das terras baixas para as terras altas favoreceu a
concentração fundiária, uma vez que os detentores do capital justificam
o monopólio das terras no pantanal a partir da sazonalidade climática,
elemento discutível no âmbito da luta pela reforma agrária.
É possível registrar, todavia, na Microrregião do Alto Pantanal, a
diversidade de atividades econômicas que não estão calcadas na gran-
de produção, a exemplo da pesca profissional artesanal, praticada pelas
populações ribeirinhas, ou da produção agrícola familiar realizada pe-
las comunidades remanescentes de quilombos e assentados da reforma
agrária. Não há, entretanto, dados quantitativos sobre a distribuição
espacial dessa população e as políticas públicas; e respectivos progra-
mas são criados e implantados desconsiderando a complexa realidade
agrária do Pantanal.
Na Microrregião de Tangará da Serra, o agronegócio desenha suas
características na paisagem, não restando dúvidas sobre a sua supre-
macia: os municípios de Nova Olímpia, Barra do Bugres e Denise re-
gistram, em sua história econômica, dois períodos: antes da década de
1980, quando tinham incipiente base econômica, e após a década de
1980, com a chegada das Usinas Itamarati, o moderno complexo agroin-
dustrial que cultiva diferentes espécies de cana-de-açúcar e as transfor-
mam em etanol, açúcar e energia elétrica.
43
A mão de obra da agroindústria é arregimentada entre os residen-
tes na região e também trazidos de outras localidades do país, especial-
mente da região nordeste. Rossetto (1997) registra que, durante cerca de
20 anos, a contratação dos trabalhadores braçais foi efetuada por “gatos”,
ou seja, agenciadores de mão de obra que se responsabilizavam por gru-
pos de cerca de 200 pessoas e recebiam, em 1997, 4% sobre a produção
de cada trabalhador. Pesquisas realizadas em 2012 revelam que, com
o aprimoramento das técnicas de produção e a adoção do plantio e da
colheita mecânica, reduziu-se o número de trabalhadores e a figura do
agenciador desapareceu (GECA, 2012). Por outro lado, a pequena pro-
priedade está sendo subordinada ao capital agroindustrial via arrenda-
mento das suas terras para o plantio da cana-de-açúcar, integrada ao
agronegócio. Além disso, sobretudo, está perdendo sua autonomia por
meio da dependência e, talvez, a sua identidade.
O principal fator em comum entre as microrregiões em estudo é
o escasso conhecimento do perfil do camponês do território pantaneiro
e do camponês do território do complexo agroindustrial. Tal questão
norteia a reflexão aqui proposta, que busca desvelar as múltiplas faces
e o “lugar” da agricultura camponesa no estado de Mato Grosso, desta-
cando alguns dados publicados nos Censos Agropecuários 1996/97 e
2006 e, em alguns casos, registrando dados atuais oriundos de diferentes
fontes.
A próxima seção apresenta alguns conceitos essenciais para a aná-
lise e registra dados na escala estadual e nas microrregiões em estudo
para o período censitário 1996/97 e 2006. Na sequência, desenham-se
as diferenciações da agricultura camponesa, buscando revelar sua iden-
tidade no território do agronegócio.
44
forma de lei. Tem-se, entretanto, a clareza de que tal conceito integra
o Paradigma do Capitalismo Agrário (ABRAMOVAY, 1992), que de-
fende a transformação do camponês em pequeno capitalista integrado
e subordinado ao mercado e ao Estado, sem identidade e autonomia,
contribuindo compulsoriamente para o avanço da exploração e da con-
centração do capital. Dessa forma, é importante esclarecer que o termo
agricultor familiar está sendo aqui utilizado não como conceito, mas
como condição de organização do trabalho, perspectiva já evidenciada
por Fernandes (2001).
A definição do termo agricultor familiar encontra-se no artigo 3º
da Lei Federal 11.326, de 24 de julho de 2006:
o trabalhador rural que atende, ao mesmo tempo, aos seguintes crité-
rios: (I) não detenha área maior do que 04 (quatro) módulos fiscais;
(II) utilize predominantemente mão de obra da própria família nas
atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
(III) tenha percentual mínimo da renda familiar originada de ativida-
des econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na for-
ma definida pelo Poder Executivo; e (IV) dirija seu estabelecimento
ou empreendimento com sua família. (BRASIL, 2006).
46
guardadas as significativas diferenças no formato de realização entre os
dois censos em análise, pode-se afirmar que, de maneira geral, o Cen-
so Agropecuário 1996/97 (BRASIL, 1996) demonstra que existiam, em
Mato Grosso, cerca de 70.738 estabelecimentos da agricultura familiar,
contudo, como não é possível identificar o número de propriedades
entre 200 e 400 hectares, tal número se torna apenas uma aproximação.
Os dados do Censo da Agricultura Familiar 2006 (BRASIL, 2009)
revelam que o Estado de Mato Grosso era ocupado por 86.167 estabele-
cimentos de agricultura familiar, entretanto o documento não indica os
perfis dos agricultores, se pertencentes a assentamentos, comunidades
tradicionais, remanescentes de quilombos ou a outras categorias.
47
de 100 ha, bem como o aumento do número de estabelecimentos em
16,15 %. As áreas entre 100 e menos de 1.000 ha sofreram o acréscimo
de 12,06%, fato que resultou em acréscimo do número de estabeleci-
mentos na ordem de 11,38%.
Entre 1996 e 2006, o número de estabelecimentos agropecuários
com 1.000 ha ou mais aumentou em 7,65%, entretanto a área ocupada
diminuiu em 5,74%. A estrutura das propriedades intermediárias (10 a
menos de 100 hectares e de 100 a menos de 1.000 hectares) sofreu pouca
variação. Enquanto os estabelecimentos de 10 a menos de 100 hectares
concentravam, respectivamente, 39,4% e 38% da área total dos estabe-
lecimentos nos censos agropecuários de 1995/96 e 2006, a participação
dessas propriedades quanto ao número total de estabelecimentos pas-
sou de 17,7% (em 1995/96) para 19% (em 2006).
No que se refere às propriedades de 100 a menos de 1.000 hectares,
a variação passou de cerca de 35%, em 1995/96, para 34%, em 2006;
quanto à área ocupada, em relação ao total da área dos estabelecimen-
tos, a variação foi de cerca de 9%, em 1995/96, para 8,2%, em 2006. A
área total dos estabelecimentos agropecuários de Mato Grosso (2006)
diminuiu em 2.044.147,54 milhões de hectares (-4.10%) em relação ao
Censo Agropecuário 1995/96.
Os dados registrados revelam os resultados da intensificação dos
movimentos socioterritoriais de luta pela terra em Mato Grosso via ele-
mentos que sinalizam para a desconcentração fundiária, mas que não
pode ser confundida com reforma agrária, pois tal questão integra a
estrutura do sistema capitalista e sua dinâmica forma o círculo vicio-
so, ora de concentração extrema, ora de moderada desconcentração. A
reforma agrária organiza-se de forma processual e depende basicamen-
te de transformações na lógica de acumulação de capital, dificilmente
transponível no âmbito do sistema capitalista.
As atividades econômicas desenvolvidas no espaço agrário refle-
tem o processo de concentração de terras e capital. Em 2006, na Micror-
região do Alto Pantanal e na Microrregião de Tangará da Serra (Tabelas
2 e 3), constata-se a liderança do agronegócio ligado à pecuária e à cul-
48
tura de lavouras temporárias, ou seja, plantio de culturas de curta dura-
ção e que necessitam geralmente de novo plantio após a colheita, como,
por exemplo, a soja e a cana-de-açúcar (a cana é considerada lavoura
temporária mas a colheita e novo plantio obedecem o ciclo que varia de
cinco a sete anos). Tais atividades são caracterizadas pela adoção de tec-
nologia intensiva em capital e em mão de obra qualificada, assim como
de crescente escala de produção.
49
Como decorrência da adoção do elevado padrão tecnológico, a
oferta de trabalho diminui, incluindo os postos de trabalho relativos à
agroindústria canavieira, presente na Microrregião de Tangará da Serra,
que durante muito tempo absorveu grande contingente de mão de obra
temporária. A baixa qualificação dos trabalhadores sazonais implica a
inaptidão para o manuseio de equipamentos da agricultura de precisão
e gera desemprego. Tal questão tem suas raízes no sistema educacio-
nal deficitário adotado no Brasil, onde as escolas, em decorrência de
problemas estruturais, não cumprem o seu papel de subsidiar as classes
populares para que construam o conhecimento básico e a leitura crítica
de mundo. (ROSSETTO, 1997).
No contexto das lavouras de soja e cana-de-açúcar, a principal
forma de subordinação da agricultura familiar camponesa é o arrenda-
mento das terras dos pequenos proprietários pelos complexos agroin-
dustriais, tornando-os dependentes exclusivamente do agronegócio. Tal
fato é comum na Microrregião de Tangará da Serra, onde a Usina Itama-
rati ocupa 67 mil hectares de terras cultiváveis (próprias e arrendadas)
e, em 2015, planta 70% da sua área mecanicamente e já utiliza a colheita
mecanizada em 100% da sua área. (ITAMARATI, 2015).
A esse respeito, cabe notar que a absorção de mão de obra restrin-
ge-se a alguns tratos culturais e a funções que exigem melhor qualifica-
ção. Para a agricultura familiar camponesa residente na região, a alter-
nativa é o arrendamento e dependência; para os trabalhadores sazonais,
a alternativa reside na contínua migração, na sujeição da venda da força
de trabalho em outros setores, como a construção civil e a permanente
proletarização.
Essa análise é relevante, também, para a Microrregião do Alto
Pantanal, onde a prática da pecuária tradicional extensiva em pastagens
nativas está sendo substituída pelo cultivo de pastagens exóticas e o uso
de insumos químicos e a mecanização se dão de forma acelerada. Dessa
forma, como aponta Rossetto (2009), a oferta de trabalho para os deno-
minados peões pantaneiros, sábios no manejo do gado nas extensas pla-
nícies inundáveis, vem diminuindo gradativamente, e outras funções de
50
maior complexidade são criadas, a exemplo do manuseio e aplicação de
insumos químicos e condução de tratores ou demais veículos utilizados
nos tratos culturais das pastagens cultivadas.
Por outro lado, em face da dificuldade de adquirir meios de sobre-
vivência, observa-se, na Microrregião do Alto Pantanal, a intensificação
dos movimentos socioterritoriais de luta pela terra, por meio dos quais
os trabalhadores rurais têm conseguido paulatinamente influenciar a
organização fundiária. Como correlato, no município de Cáceres desta-
ca-se o maior número de manifestações e de ocupações entre 2000-2013
(DATALUTA MATO GROSSO, 2013).
A leitura direta do aumento do número de propriedades da agri-
cultura familiar remete à temática da segurança ou soberania alimen-
tar, pois, segundo a Organização das Nações Unidas – ONU, as pro-
priedades agrícolas familiares detêm, em escala global, cerca de 80% da
produção de alimentos e 75% dos recursos agrícolas do mundo. Como
correlato, são agentes essenciais para o desenvolvimento sustentável e
para a erradicação da insegurança alimentar.
Os indicadores econômicos levantados em dados secundários
pelo Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e Conservação da Bio-
diversidade – GECA enfatizam a importância da Agricultura Familiar
do estado de Mato Grosso na produção agropecuária. Para chegar a
isso, foram analisados alguns produtos agrícolas selecionados que,
com base no conhecimento empírico, são cultivados pela agricultura
familiar.
Tais indicadores revelam que, em 2006, no estado de Mato Grosso,
11.340 estabelecimentos da agricultura familiar produziram 4.121.606
toneladas de milho e 10.411 produziram 108.381 toneladas de mandio-
ca, enquanto 3.699 estabelecimentos produziram 10.659.324 toneladas
de soja (Tabela 4).
Os produtos mais cultivados na Microrregião do Alto Pantanal
são a soja (10.262T), milho (4.161T) e a mandioca (1.998T); na Mi-
crorregião de Tangará da Serra a produção de soja também destaca-se
51
(106.483T), destinada à indústria e à exportação. Portanto, a hipótese
que se desenha é o arrendamento das terras da agricultura familiar cam-
ponesa pelos grandes sojicultores e a substituição do plantio de pro-
dutos alimentícios, muitos dos quais voltados para o mercado interno,
pelo plantio da soja direcionada à exportação.
No conjunto das microrregiões de Mato Grosso, a Microrregião
de Rosário Oeste era a maior produtora de mandioca do estado, com
25.059 toneladas em 2006, e a de Alto Teles Pires liderava a produção
de milho, com 1.961.980 toneladas. Seguindo a tendência da Micror-
região de Tangará da Serra, os agricultores familiares da Microrregião
do Alto Teles Pires lideraram a produção de soja com 3.988.311 tone-
ladas.
52
Em 2006, a produção resultante da atividade pecuarista destacava
a avicultura, com 30.953 estabelecimentos produtores e 2.983 cabeças
abatidas, e a pecuária bovina, com 25.612 estabelecimentos e 265.517 ca-
beças abatidas, enquanto 33.299 estabelecimentos produziram 517.305
mil litros de leite (Tabela 5).
As microrregiões de Jauru e Rondonópolis, em número de esta-
belecimentos, lideravam a produção de leite em 2006, e a segunda li-
derou também o número de abates de bovinos. A produção de suínos,
em número de estabelecimentos da agricultura familiar, em 2006, estava
concentrada na Microrregião de Canarana, Rondonópolis e Norte Ara-
guaia. Na Microrregião do Alto Pantanal, observava-se a predominân-
cia da produção de bovinos, aves e leite; na Microrregião de Tangará da
Serra caracterizava-se pela produção de aves e leite.
53
De maneira geral, a Agricultura Familiar Camponesa busca sua
inserção nos mercados via agroindústrias. Observa-se que, em 2006, fo-
ram registrados 998 estabelecimentos da agricultura familiar que agre-
gavam valor à mandioca, fabricando farinha, e também à cana de açú-
car, fabricando rapadura e aguardente (Tabela 6).
A Microrregião do Alto Pantanal registrava a presença de 26
agroindústrias de farinha de mandioca e a Microrregião de Tangará da
Serra, 17. No conjunto das microrregiões em análise, a produção da fa-
rinha de mandioca concentrava-se nas microrregiões de Rosário Oeste
(2.327 t) e Norte Araguaia (178 t).
54
A agroindústria camponesa familiar rural pode representar espaço
de resistência, uma vez que possibilita a oportunidade de fuga da de-
pendência do complexo agroindustrial, reaproximando-se de atividades
que podem conduzir à relativa autonomia camponesa no mundo globa-
lizado. Ademais, como no caso da farinha de mandioca e da rapadura,
entre outros elementos da cultura material e imaterial, permite a rein-
venção de práticas tradicionais.
55
Figura 1 – MRGs de Mato Grosso: total de estabelecimentos
da agricultura familiar Camponesa – 2013.
Fonte: INCRA, 2015. Org. Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e
Conservação da Biodiversidade do Pantanal - GECA/UFMT, 2015.
56
A distribuição geográfica municipal revela que os três municípios
com maior número de agricultores familiares são Alta Floresta, Colíder
e Juína. Em 2015, segundo registros do INCRA, o município de Cáce-
res, pertencente à Microrregião do Alto Pantanal, ocupa a 5ª posição
entre os 10 municípios que apresentam maior número de agricultores
familiares.
Na categoria Agricultor Familiar Assentado pela Reforma Agrária,
o INCRA aponta a existência de 128 assentamentos sob jurisdição do
Instituto de Terras de Mato Grosso – INTERMAT (Figura 2), 403 assen-
tamentos federais sob os auspícios do INCRA (Figura 5) e 15 assenta-
mentos municipais, totalizando 546 assentamentos da reforma agrária
no estado de Mato Grosso.
57
Figura 3 – MRGs de Mato Grosso: distribuição dos assentamentos
sob jurisdição do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA) - 2015
Fonte: INCRA, 2015. Org. Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e
Conservação da Biodiversidade do Pantanal - GECA/UFMT, 2015
58
a Microrregião de Tangará da Serra figura entre aquelas que apre-
sentam diminutas taxas de estabelecimentos resultantes da reforma
agrária.
Importa destacar a fragilidade dos indicadores estatísticos, que ig-
noram a diversidade de categorias da agricultura familiar camponesa. A
propósito, aqueles atores que não se enquadram como beneficiários da
reforma agrária e não apresentam título de propriedade são excluídos
das políticas ou de créditos e, como correlato, tornam-se invisíveis para
o poder público. É o caso, por exemplo, das comunidades tradicionais
conceituadas como “grupos culturalmente diferenciados e que se reco-
nhecem como tais, que possuem formas próprias de organização so-
cial, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição
para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição” (BRASIL, 2007. DECRETO FEDERAL nº 6040, de 7 de
fevereiro de 2007).
A Secretaria de Estado Planejamento e Coordenação Geral – SE-
PLAN/MT (2008) registra a presença de 66 comunidades tradicionais
no estado de Mato Grosso. A Microrregião de Rosário Oeste, formada
pelo município homônimo, Acorizal e Jangada, apresenta maior número
de comunidades tradicionais (Fig.4). A Microrregião do Alto Pantanal
ocupa o 3º lugar em relação às comunidades tradicionais, distribuídas
entre os municípios de Nossa Senhora do Livramento, Poconé e Barão
de Melgaço. (Figura 5)
Os problemas enfrentados pelas comunidades tradicionais no
acesso às políticas públicas oferecidas aos demais segmentos da socieda-
de decorre da ausência de reconhecimento das diferenciações campone-
sas e de suas práticas culturais, sociais e econômicas. Enfim, é necessário
assegurar o acesso à terra e às políticas de bem-estar social a todas as
categorias de camponeses e dar visibilidade a essa expressiva parte da
população, estabelecendo diretrizes e objetivos que permitam seu aces-
so às políticas universais e à melhoria da qualidade de vida.
59
Figura 4 - Mato Grosso: total de comunidades tradicionais
por microrregiões - 2008.
Fonte: Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral
– SEPLAN/MT – 2008. Elaboração: Grupo de Pesquisas em Geografia Agrária e
Conservação da Biodiversidade do Pantanal – GECA/UFMT, 2015.
60
Considerações finais
Os indicadores estatísticos existentes, além de apresentarem índi-
ces quantitativos variáveis, raramente categorizam os múltiplos perfis
dos agricultores familiares, impedindo a formulação de políticas públi-
cas específicas para, por exemplo, os agricultores familiares que não re-
sidem em assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicio-
nais e os remanescentes de quilombos. Os dois últimos são comumente
classificados como a única categoria, fato que conduz a equívocos no
direcionamento das ações.
A agricultura familiar camponesa vem paulatinamente resistindo
ao agronegócio e reterritorializando-se no estado de Mato Grosso, ora
estando na situação de subordinação, ora buscando mecanismos de ma-
nutenção da sua autonomia. Na Microrregião do Alto Pantanal, o cam-
ponês vive no ritmo das águas e o trabalho está vinculado à pecuária; já
na Microrregião de Tangará da Serra, o camponês vive da agricultura e
do arrendamento das suas terras.
A maneira como cada uma dessas áreas se configura diante das di-
ferentes problemáticas resulta de complexos fatores, em especial a orga-
nicidade criada pela construção coletiva dos camponeses e movimentos
sociais. Portanto, as lideranças e as escolhas políticas, sociais e econômi-
cas feitas por cada grupo refletem-se na territorialidade de cada lugar,
na forma como são organizados e também como se desenvolvem. Nesse
sentido, a territorialização camponesa defronta-se com a territorializa-
ção do capital e diversifica os elementos de resiliência.
Referências
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: Huci-
tec; Rio de Janeiro: ANPOCS; Campinas: Edunicamp, 1992.
BATALHA, M.O; SOUZA FILHO,H.M. A falsa dicotomia entre agronegócio e agricul-
tura familiar. Agroanalisys. São Paulo, v.23, n.8. nov. 2003.
BERNARDES, Júlia Adão. Circuitos espaciais da produção na fronteira agrícola moderna:
BR-163 matogrossense. In: BERNARDES, J.A. & FREIRE FILHO, O.L. (Orgs). Geografias
da soja: BR-163 fronteiras em mutação. Rio de Janeiro: Edições Arquimedes, 2006.
61
BRASIL. Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006. Disponível em: <www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.
BRASIL. Lei nº 6.746 de 10/12/1979. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/
L6746.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.
BRASIL. Lei 8.629/93. <www.planalto.gov.br/CCivil_03/Leis/L8629.htm>. Acesso em:
10 jul. 2015.
FERNANDES, B. M.. Agricultura Camponesa e/ou Agricultura Familiar. Anais do
XIII Encontro Nacional de Geógrafos, 2002. Disponível em: <http://www.geografia.
fflch.usp.br/graduacao/apoio/Apoio/Apoio_Valeria/flg0563/2s2012/FERNANDES.pdf.
Acesso em: 20 jul. 2015.
GECA. Relatório Dataluta Mato Grosso. Disponível em: <http://www.ippri.unesp.br/
Home/pos-graduacao/desenvolvimentoterritorialnaamericalatinaecaribe/relatorio_da-
taluta_mt_2013.pdf>. Acesso em: 10 out. 2014.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Agro-
pecuário 2006. Agricultura Familiar. Primeiros Resultados. Brasil, Grandes Regiões e
Unidades da Federação. Rio de Janeiro, 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Agropecuá-
rio 2006. Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação. Rio de Janeiro, 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Agro-
pecuário 1995-1996. Mato Grosso, n. 24. Rio de Janeiro, 1998.
ITAMARATI. Disponível em: <http://www.usinasitamarati.com.br/itamarati/conquis-
tas.html>. Acesso em: 20 jul. 2015.
ROSSETTO, O.C. Ordenamento fundiário no Estado de Mato Grosso e o processo de con-
centração de terras no Pantanal Norte Mato-grossense. In: ROSSETTO, O.C; TOCANTINS,
N. (Orgs.). Ambiente agrário do pantanal brasileiro: socioeconomia & conservação da
biodiversidade. Porto Alegre: Editora Compasso Lugar Cultura (no prelo).
ROSSETTO, O. C. Peões e fazendeiros do Pantanal Mato-Grossense: identidades em
(re) construção. In: HIGA, T. C. C. S. (Org.). Estudos Regionais Sul-Americanos: con-
trastes socioterritoriais e perspectivas de desenvolvimento regional. Cuiabá: EdUFMT,
2008. p. 228-246.
ROSSETTO, O. C. “Vivendo e mudando junto com o Pantanar...”: um estudo das
relações entre as transformações culturais e a sustentabilidade ambiental das paisagens
pantaneiras. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Desen-
volvimento Sustentável, Universidade de Brasília, 2004.
ROSSETTO, O.C. Percepção ambiental e educação: um olhar sobre os trabalhado-
res braçais de uma agroindústria canavieira, Nova Olímpia, Mato Grosso. Dissertação
(Mestrado em Educação Pública) – Instituto de Educação. Universidade Federal de
Mato Grosso, 1997.
SEPLAN/SECRETARIA DE ESTADO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GE-
RAL. MT. Anuário Estatístico de Mato Grosso. 2008. Cuiabá, MT.
62
O Descumprimento da Função Social
da Terra e a Invisibilização do
Latifúndio como Estratégia de Classe:
o Caso de Mato Grosso
Introdução
O capítulo articula-se ao projeto de pesquisa “Questão agrária e
transformações socioterritoriais nas microrregiões do Alto Pantanal
e Tangará da Serra/MT na última década censitária”, da Rede Centro-
-Oeste de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação (Edital MCT/CNPq/
FNDCT/FAPs/MEC/CAPES/PRO-CENTRO-OESTE nº 31/2010)
63
Em volume de produção agrícola, atualmente o estado de Mato
Grosso ocupa a primeira posição nacional, condição assumida muito
recentemente em vista da expansão das áreas cultivadas com lavouras
temporárias. O caráter monocultor profundo da agricultura aí desen-
volvida repercute no expressivo volume da produção, e a dianteira em
relação aos demais estados vem aumentando a cada ano, notadamente
quando se consideram as principais culturas de sua pauta produtiva: a
soja e o milho.
Considerando que, até o início do milênio, a área de lavouras em
Mato Grosso era irrelevante, diante da extensão territorial do estado,
que é de 90,3 milhões de hectares, novas dinâmicas territoriais acaba-
ram por combinar-se com outras outrora existentes, sendo o objetivo
deste texto problematizá-las à luz do viés analítico dos estudos agrários.
De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (CO-
NAB, 2015), na safra 1995/96 a área utilizada para plantio de grãos em
Mato Grosso foi de 3021,1 milhões de hectares, tendo atingido 4.656,1
milhões no ano de 2000. A superfície lavrada acabou praticamente du-
plicada ao final da década e, desde então, expandiu-se ao ritmo não in-
ferior a novos 700 mil hectares incorporados a cada ano, chegando-se à
estimativa de 13,3 milhões de hectares semeados na safra 2014/15.
Assim, não deixa de ser oportuno destacar o desempenho da ativi-
dade pelo viés do volume colhido, até porque essa tem sido a referência
predominante, senão única, evocada na maior parte dos estudos agrícolas
no Brasil. Aqui são utilizados, entretanto, alguns parâmetros para esmiu-
çar os valores brutos, porque, quando descolados da variável espacial, eles
nada podem dizer sobre o enquadramento das propriedades mato-gros-
senses nos critérios legais que justificam sua manutenção, pois a própria
Constituição Federal (1988) determina a desapropriação de quaisquer
grandes propriedades descumpridoras da função social. É nesses termos
que os estudos agrários diferenciam-se dos estudos agrícolas.
Com isso, a análise percorre duas frentes de investigação: a imo-
bilização de terra e o produto gerado, eliminando-se aqui a expressão
“agropecuária”, porque se entende que todo uso do solo mediante a com-
64
binação entre trabalho humano e ciclos naturais, visando à obtenção de
alimentos, é do âmbito da agricultura. Ademais, em caráter extensivo,
a pecuária mais nega do que afirma esse princípio produtivo, cabendo
aqui a advertência de que conceitos nunca são inocentes, especialmente
quando tratam de representações forjadas nas disputas de classe, variá-
vel parametrizadora deste estudo.
Por isso, é o princípio da função social da terra que orienta as aná-
lises aqui traduzidas em triangulações comparativas, sem perder de vis-
ta a temporalidade da investigação sobre a qual repousa este texto, bem
como o principal instrumento analítico, o último Censo Agropecuário,
realizado em 2006, publicado integralmente em 2009 e republicado com
alterações em 2012, com o que o Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística denominou de Segunda Apuração. Os dados estão disponíveis
no Sistema IBGE de Recuperação Automática (IBGE/SIDRA, 2015), de
onde foram extraídos os números aqui apresentados.
Como forma de transcender as limitações do trabalho somente com
essa base de dados, recorreu-se também a duas outras fontes oficiais: ao
levantamento de safras da Companhia Nacional de Abastecimento (CO-
NAB, 2008, 2015), observando-se a cronologia capaz de preencher lacu-
nas analíticas, e aos dados do Programa de Monitoramento da Floresta
Amazônica Brasileira por Satélite (MCT/MMA/PRODES, 2015), cuja
correlação com os demais objetivou a análise que almeja ser menos quan-
titativa e mais territorial, a fim de refletir sobre as implicações deletérias
da monopolização fundiária, do ponto de vista ambiental.
65
Mas, como lembrou Oliveira (2015), “dado bom é o dado que exis-
te”, até porque nenhuma fraude declaratória será capaz de ocultar as
tendências que a justificam, sendo esse um princípio metodológico que
deve nortear qualquer estudo agrário em um país onde os mecanismos
de constituição da propriedade privada são eivados de fraudes. Tanto
quanto a necessidade de simular atividade econômica compatível com
o preceito constitucional do cumprimento da função social, a produ-
tividade, o caráter autodeclaratório do Censo Agropecuário cai como
uma luva para os que operam no plano da ilegalidade passível de ser
institucionalmente ocultada.
Certamente as estratégias hoje disponíveis para que o aparelho de
Estado colete, armazene e verifique dados retiram do âmbito técnico o
problema da nebulosa representação oficial que se tem do campo bra-
sileiro, restando a explicação política, pois, num país em que impera a
lógica latifundista, a licença para fraudes declaratórias é condição para
a sua perpetuação.
Como o solo, em sua dimensão espacial, é um dado que não
compreende variações, os dados contidos nos dois últimos censos
agropecuários podem confirmá-lo: no censo de 1995/96, a área de-
clarada dos estabelecimentos em Mato Grosso era de 49,8 milhões
de hectares e, em 2006, aparece reduzida para 48,7 milhões de hecta-
res, malgrado o crescimento exponencial da apropriação capitalista,
revelada inclusive na consolidação da produção de commodities no
período.
O improvável recuo na área sob cercas privadas revela-se no deta-
lhamento dos dados: no período, o número de estabelecimentos rurais
aumentou 30,3%, fato verificado em todos os estratos de área. Dentre os
estabelecimentos com até 200 hectares, a área média encolheu aproxi-
madamente seis hectares, uma evidência de que nem mesmo a política
de assentamentos, em seu período de maior densidade, foi capaz de mi-
tigar o movimento de monopolização fundiária. Tanto que, no estrato
intermediário, que vai de 200 a 1.000 hectares, os estabelecimentos cres-
ceram, em média, mais de oito hectares.
66
Por sua vez, os dados relativos aos estabelecimentos com mais de
1.000 hectares apontam a perda média de 805 hectares por estabeleci-
mento, não havendo qualquer fenômeno de ordem econômica ou jurí-
dica que pudesse explicar o encolhimento. Destaque-se que, caso isso
tivesse ocorrido, os demais estratos teriam que ter absorvido a diferença
territorial, fato que não aconteceu.
Ainda assim, os pretensos proprietários de áreas com mais de 1.000
hectares afirmaram monopolizar nada menos que 37,9 milhões de hec-
tares, ou 77,9% da superfície declarada do estado, cuja situação agrária é
das mais díspares: enquanto 79,4% dos estabelecimentos dispunham de
área média de 40 hectares, cada membro dessa generosa classe fundiária
controlava, em média, 4.340 hectares.
A hipótese é que o falseamento das informações ao IBGE é a ação
amplamente orquestrada pelo latifúndio improdutivo, como forma de
ocultar a dimensão especulativa dos imóveis que imobilizam a maior
parte do solo mato-grossense, sem propiciar produção minimamente
compatível com os brandos índices de produtividade vigentes, devida-
mente demonstrados na tabela 1, mais à frente.
Ainda que a adjetivação aqui proposta pareça pleonástica, trata-se
de uma saída explicativa para o próprio aprisionamento conceitual do
latifúndio num marco temporal que, a julgar pelos argumentos de Buai-
nain et al (2013), teria sido superado. Afirmam os autores que o concei-
to de latifúndio seria aplicável aos domínios extensos, combinados com
primitivismo técnico e próprios dos tempos do autoritarismo político,
ambos, em tese, superados naturalmente em vista da dinâmica técnica,
que, segundo suas palavras, teria redimido a agricultura brasileira.
Ocorre que, mesmo essa representação do que era e que, supostamen-
te, teria deixado de ser o latifúndio, contempla tão somente a unidade agrí-
cola em sua dimensão econômica – leia-se: da produção estrita –, quando o
conceito é mais amplo. Basta atentar ao preconizado pela Carta Magna em
vigor, pois o texto constitucional elimina qualquer possibilidade de peque-
nos e médios imóveis rurais serem desapropriados, admitindo apenas que
grandes propriedades não cumpridoras da função social o sejam.
67
A propósito, em vez de uma, o documento define quatro variáveis
e, mais que isso, indissociáveis entre si, como indicadoras do requisito
função social. Com isso, não basta às grandes propriedades serem pro-
dutivas; simultaneamente, deverão ser ambientalmente inimputáveis,
não infringir normas trabalhistas e, além disso, assegurar o progresso
social dos proprietários e dos que ali trabalham, sob pena de incorrer no
vício instaurador do processo de desapropriação.
Inquirir a produção acadêmica a fim de verificar se esses preceitos
estão sendo considerados pelos que afirmam ter havido a substituição
do latifúndio pela empresa rural não deixa de ser um exercício de rigor
metodológico necessário para explicitar ideologias travestidas de verda-
des científicas. Como lembra Fernandes (2006), a expressão “agronegó-
cio” tem servido como saída linguística para escapar ao debate neces-
sário sobre o latifúndio produtivo e, nessas condições, tão passível de
desapropriação quanto o improdutivo.
Martins (1995) já advertira que o conceito de latifúndio é prenhe
da luta política que o incluiu no léxico brasileiro pelo enfrentamento
do campesinato, o outro conceito político forjado na luta de classes que
o Estado brasileiro tratou de suprimir. Primeiro, na letra da Lei Agrá-
ria (Lei 8.629/93), que invisibilizou esse muro interposto ao desenvol-
vimento brasileiro excluindo-o literalmente, ao mesmo tempo em que
instaurou uma classificação fundiária baseada em duas categorias de
propriedades: pequenas e médias.
Pelo silêncio, institucionalizou a ficção de que, no Brasil, o limite
das propriedades seria de 15 módulos fiscais, embora o último Cen-
so Agropecuário (IBGE, 2015) identifique apenas 13,8% da superfície
mato-grossense em propriedades de tais dimensões, lembrando que os
módulos fiscais no estado variam de 60 a 100 hectares1.
No caso de Tangará da Serra, a participação dos estabelecimentos
com até 15 módulos fiscais na superfície da microrregião é de 15,5% e,
por fim, em Alto Pantanal apenas 7,9% da extensão territorial da mi-
1
A única exceção é Cuiabá, em que o módulo fiscal é de 30 hectares.
68
crorregião encontram-se sob estabelecimentos de dimensões não supe-
riores a 1.200 hectares, já que o módulo fiscal de todos os municípios
dessas microrregiões é de 80 hectares (INCRA, 2013).
A Lei Agrária, que traduz o preceito constitucional da possibilida-
de de desapropriação unicamente das grandes propriedades improdu-
tivas, determina que o índice de produtividade seja avaliado mediante
o cálculo de duas variáveis: o Grau de Utilização da Terra (GUT) e o
Grau de Eficiência na Exploração (GEE), que dizem respeito, respecti-
vamente, à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e con-
servação do meio ambiente e ao aproveitamento racional e adequado
dos recursos, e, para cumprir a função social, a propriedade rural terá
que ter GUT igual ou superior a 80% e GEE de 100%. A tabela 1, adian-
te, mostra a discrepância entre os índices médios efetivamente obtidos
pelos agricultores mato-grossenses e os que estão vigentes, segundo de-
terminação da Lei mencionada.
Como forma de garantir a triangulação com dados oficiais, para
apurar a produtividade em 2006, utilizaram-se dados da CONAB re-
lativos às lavouras predominantes em Mato Grosso, e, em face da au-
sência de levantamento similar para a bovinocultura, recorreu-se aos
rendimentos mensurados pelo Censo Agropecuário 2006. Eis a razão
do uso desse ano-referência para tratar a problemática do cumpri-
mento da função social da terra como processo cada vez mais violado,
consentido e em processo de aprofundamento, instituído na tradição
e reafirmado na modernização técnica, como mostram os estudos de
Rossetto (2009).
69
Os resultados expressos na tabela exigem que se considere a ge-
ografia de Mato Grosso segundo forma e conteúdo: além da enorme
extensão territorial, compreendendo 10,6% do território nacional, o es-
tado é constituído por três biomas distintos. Assim, deve-se levar em
conta que a variabilidade de clima é um dos fatores que interferem no
resultado anual das colheitas. Acrescente-se que características do solo,
topografia e posição em relação às vias de escoamento completam o
quadro físico que não pode ser negligenciado quando se afere a produ-
tividade segundo o cálculo do produto obtido por hectare.
Complementarmente, consideram-se relações imanentes, indisso-
ciáveis e amalgamadas no conteúdo expresso num aspecto identificável:
a comoditização célere. Há uma singularidade nesse conjunto, revelada
na lógica destruidora de florestas e seres que, eventualmente, possam
emperrar as engrenagens das máquinas de fazer dinheiro e, simultane-
amente, semear desastres.
Assim está posicionado o imperativo da técnica no estágio em que
os resultados da agricultura são diretamente proporcionais à capacidade
de submissão dos ciclos naturais e dinâmicas sociais, quando mediado
pela capacidade de investimento monetário dos produtores: resultam
disso passivos de duas ordens; primeiro, os ambientais, a serem social-
mente pagos sempre que a terra arrasada cobrar seus tributos; segundo,
os sociais. Como escapam ao escopo deste trabalho suas implicações aos
povos indígenas, tratamos os passivos sociais pelo viés da dinâmica que
fere o campesinato tanto como classe como modo de vida.
O fato de uma classe se definir, em primeiro plano, pelas condi-
ções materiais de reprodução social, as situações desiguais em relação
a recursos públicos e privados têm muito a dizer sobre capacidades e
resiliências – e farão toda a diferença enquanto prevalecer a lógica pro-
dutivista.
Do ponto de vista do modo de vida, vislumbram-se passivos que
afetam a dimensão societária do campesinato. São eles os guardiões do
saber criativo e criador do alimento cultivado com a natureza, e não
70
contra ela. Os moinhos satânicos do mercado autorregulável anuncia-
dos por Polanyi (1980) proliferam-se sob a forma de técnicas indutoras
de consumo produtivo que necessita mobilizar insumos externos em
prejuízo dos aliados naturais singularmente mobilizáveis em favor da
agricultura. Isso leva à perda do patrimônio cultural que até agora per-
mitiu o sustento de grupos humanos nas mais diferentes condições eda-
foclimáticas.
Por isso, optamos pela expressão índices de (im)produtividade
na tabela anterior, até porque a inocuidade normativa para mensurar
o descumprimento da função social da terra é flagrante: o aumento do
potencial produtivo médio decorreu da tecnificação alavancada em me-
ados da década de 1970, momento em que foram captados os índices
desde então inalterados. Nesse caso, verifica-se que o próprio Estado
brasileiro descumpre a legislação regularmente instituída e em vigor,
senão vejamos o prescrito no artigo 11 da Lei 8.629/93:
Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de
produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em
conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desen-
volvimento regional, pelos Ministros de Estado do Desenvolvimen-
to Agrário e da Agricultura e do Abastecimento, ouvido o Conselho
Nacional de Política Agrícola.
71
gerado pelos estabelecimentos com até 50 hectares, que reúnem parte
relevante dos assentados em condições produtivas precárias pela pró-
pria situação de transição que a instalação recente impõe, o valor gera-
do por hectare foi de R$ 641,00. Evidência que derruba a tese de que a
reforma agrária somente se justifica como política social, por suposta
inviabilidade econômica per si. (BUANAIN et al., 2013). Estudos feitos
por Oliveira et al. (2013) em assentamentos do município de Cáceres
são reveladores do grau de convergência ideológica dessa assertiva com
os asseclas do latifúndio no Brasil.
No caso da Microrregião de Alto Pantanal, o resultado por hectare
contido pela cerca dos grandes foi de R$ 95,00 enquanto o dos micro-
estabelecimentos foi de R$ 1.255,00. Por sua vez, na Microrregião de
Tangará da Serra, a discrepância foi menor, porém não menos signifi-
cativa: cada hectare dos menores estabelecimentos gerou R$ 2.853,00
enquanto, nos grandes, gerou R$ 793,00.
Como a produção dentro da porteira é variável insuficiente para se
pensar o cumprimento da função social da terra, que só se fará quando
garantidas as possibilidades de progresso social, variável delimitável em
termos de desenvolvimento local, outro dado relevante é a quantida-
de de pessoas ocupadas por mais de 180 dias por ano, segundo a área
cultivada. Considerando a média do estado, verificou-se que, dentre
os grandes estabelecimentos, são necessários 462,1 hectares para gerar
uma ocupação em metade do ano, enquanto entre os estabelecimentos
menores é necessário apenas 1,6 hectare para prover igual ocupação.
Poderíamos desdobrar tal dado afirmando que, em Mato Grosso, os
estabelecimentos micro geram 288 vezes mais oportunidades de inclusão
produtiva do que os grandes. Ignorar esse dado é desconhecer a geografia
desse estado, onde a renda local é decisiva para a população que vive fora
da capital, e de algumas poucas cidades cuja dinâmica do setor secundá-
rio e terciário independem do campo a elas contíguo. Mais grave que isso
é ignorar que parte significativa da renda advém da manutenção, e não da
destruição dos biomas Pantanal, Amazônia e Cerrado, como comprovam
os estudos realizados por Mendes et al. (2014).
72
Na Microrregião de Alto Pantanal, a discrepância é assustadora: os
microestabelecimentos necessitam de 1,4 hectare para empregar uma
pessoa durante pelo menos seis meses no ano enquanto os grandes imo-
bilizam em média 1.049 hectares para igual provimento de uma opor-
tunidade de trabalho.
É evidente que tais dados não se explicam exclusivamente pela in-
corporação de tecnologias poupadoras de força de trabalho, ainda que
isso seja parcialmente verdadeiro. O fato é que aquilo que aparece como
regra –a suposta eliminação do latifúndio improdutivo – não passa de
exceção, e o caráter patrimonial especulativo sobrepuja significativa-
mente a prática empreendedora pontual em grandes domínios.
Tese comprovável quando se mensura um indicador ícone do pro-
cesso de tecnificação: a mecanização. De acordo com o Censo (IBGE,
2015), enquanto se identificou um trator para cada 135,7 hectares con-
trolados pelos menores estabelecimentos, nos grandes a relação é de um
trator para cada 1.532 hectares.
Mesmo na Microrregião de Tangará da Serra, fortemente marcada
pela agricultura capitalista reduzida à produção de commodities, cada
superfície de 507,8 hectares fracionada em unidades produtivas com
área inferior a 10 hectares comportava um trator, enquanto nos grandes
estabelecimentos a disponibilidade de tratores estava mensurada segun-
do a razão de uma máquina a cada 1.095,6 hectares.
Tais números são apropriados para confrontar elucubrações teóri-
cas sobre as quais repousam os argumentos clássicos de incompatibili-
dade da agricultura camponesa com o desenvolvimento do capitalismo
no campo, pelo pressuposto de que eficiência é condição emanada de
domínios extensos, em si portadores da vocação de otimização dos re-
cursos naturais e técnicos. (KAUTSKY, 1980; LÊNIN, 1980).
Acontece que a agricultura é atividade sui generis porque envolve
um meio de produção singular: a terra. Antes que qualquer ato produ-
tivo seja empreendido, esse meio de produção irá proporcionar moda-
lidade de riqueza derivada do caráter de escassez que a envolve: apesar
73
de se constituir no único aporte sobre o qual repousam as condições
materiais de existência da vida, é irreprodutível.
Por sua vez, a escassez não é variável fixa e nem necessariamente
física, conforme esclarecido por Raffestin (1993), porque determinada
socialmente segundo o modo como se instituem as demandas de consu-
mo e as respectivas salvaguardas e controles a elas inerentes.
Nisso repousa a lógica da gestão do território. Segundo Correa
(1987), somente indagações sobre seu fim último permitirá desvendá-
-la. Enquanto sociedades igualitárias organizam o território de forma
que se possam atenuar as diferenças entre os indivíduos ocupacional-
mente estabelecidos, em sociedades de classes se almeja exatamente o
oposto, sendo a organização espacial socialmente induzida para ser in-
dutora das assimetrias territoriais, que, como o próprio Raffestin (1993)
ensina, são as imagens do poder de incluir e excluir.
Assim, há de se indagar o que determina a comprovada incapaci-
dade da grande propriedade em responder aos desafios da produção,
dadas suas incomparáveis condições objetivas para se sobressair sobre
unidades agrícolas coagidas pela escassez fundiária e sua infindável ca-
deia de determinações fragilizadoras. Ter a seu favor artimanhas eco-
nomicistas que, em regra, simulam sua superioridade, limitando-se ao
fator produto total, é boa pista para a explicação, que, certamente, não
se esgota nisso.
Dada a monopolização fundiária, que, no estudo em tela, se mani-
festa na diferença de 1.164 vezes entre a área média dos estratos extremos
aqui destacados, ignorar o fator superfície na geração de receita é menos
um ato falho de cálculo que uma opção metodológica coerente com uma
opção de classe. Nutrida pela renda, disputa espaços de representação e
legitimação social tão primordiais como o são os da ciência, como forma
de garantir que essa riqueza continue fluindo graciosamente pelo cerco
das cercas sobre o solo, um bem que é comum por natureza.
Sob o signo da isenção ideológica, estudos agrícolas dessa estir-
pe arvoram rigor científico, promovendo a abstração do fator terra.
74
Limitam-se, assim, a tratar a agricultura como provedora indistinta de
mercadorias e dividendos (BUAINAIN et al., 2013), quando o desdém
aos princípios geográficos da localização, distribuição e densidade não
permite compreendê-la como atividade complexa e transcendente ao
campo, que, por mãos humanas, mobiliza o conjunto dos bens ambien-
tais que provêm as mais básicas necessidades de todos. Não sem razão,
esclarece Marés (2003, p. 11):
As sociedades humanas sempre tiveram, em todas as épocas e for-
mas de organização, especial atenção ao uso e ocupação da terra.
A razão é óbvia: todas as sociedades tiraram dela seu sustento. E
entenda-se sustento tanto o pão de cada dia como a ética refundi-
dora da sociedade. A argamassa espiritual que une uma sociedade
flui a partir das condições físicas do território em que o povo habita.
Considerações finais
Malgrado a tese de que o progresso técnico é portador de trans-
formações sociais traduzidas em desenvolvimento, ao se eleger o tema
agricultura tendo como recorte geográfico o estado de Mato Grosso, que
detém a característica ímpar de representar veloz processo de destruição
de biomas florestais em nome de fins supostamente agrícolas, verifica-se
76
o quanto isso está distante das possibilidades de proporcionar dinâmi-
cas territoriais virtuosas.
Buscando fugir de representações simplificadoras que encontram,
no desempenho das commodities aí verificado, o seu melhor argumen-
to, este texto recorreu ao exercício de escala para evidenciar uma sé-
rie de esbulhos que a apropriação capitalista da terra afiançada por um
Estado leniente acarreta. O processo que tanto interdita possibilidades
concretas de economia parcimoniosa quanto dissipa bens comuns, se-
jam eles de ordem natural ou monetária, impondo passivos a serem pro-
gressivamente absorvidos pela sociedade.
Tais desdobramentos somente aparecem quando a dimensão de
classe é tomada como fio condutor das análises, por permitir abordagens
transcendentes ao pressuposto de que o fim econômico da apropriação
da terra é o uso agrícola per si. Menos que um detalhe, isso é decisi-
vo para compreender a virulência de um mecanismo sobressalente aos
propósitos produtivos: o especulativo-rentista. Considera-se a caracte-
rística singular da terra, por se tratar de meio de produção incompará-
vel com os demais pelo simples fato de a propriedade capitalista do solo
possibilitar a apropriação de riqueza sem qualquer utilização: qualquer
empreendimento produtivo proporcionará dupla remuneração, renda e
lucro respectivamente.
Tal perspectiva analítica permite o escrutínio da eficiência produ-
tiva que culmina no desvelamento da ideologia do agronegócio, dado
que a grande propriedade se mostra proporcionalmente ineficiente. Ine-
ficiência aqui explicada pela hipótese da ociosidade das terras. Conclui-
-se que os latifundiários assim o são por não elegerem como princípio
mobilizador da manutenção da terra a produção eficiente, mas o trunfo
eficiente em sacar mais valia social traduzida em renda fundiária.
O desdobramento territorial mais imediato dessa apropriação é o
cerceamento do trabalho capaz de fazer que a terra dê frutos, sendo essa
uma das formas de descumprimento dos preceitos legais no tocante ao
controle da terra condicionado ao uso produtivo. Trata-se de situação
77
em que Mato Grosso é apenas um exemplo pronunciado, não havendo
distinção relevante em relação às demais unidades da federação brasi-
leira, salvo disparidade (maior ou menor) que não altera a essência do
fenômeno ardilosamente representado às avessas mediante a expressão
“agronegócio”.
Qualquer levantamento temático preliminar em que circulam
prestigiadas produções acadêmicas poderá atestar a prevalência de
abordagens focadas no suposto circuito virtuoso da apropriação ca-
pitalista da terra, em que as grandes propriedades são identificadas
com empresas rurais modernas e jamais com os latifúndios. A simples
correlação com o banco de dados referente ao Cadastro de Imóveis do
Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA, 2013) retira qualquer
possibilidade de se atenuar o caráter ilegal da grande propriedade no
tocante ao cumprimento da função social, mesmo limitado ao quesito
produtividade.
Embora não se possam comparar diretamente tais informações
com as contidas no Censo Agropecuário e aqui elencadas, por agregar
os dados segundo o status de propriedade oficialmente avalizada e de-
tentora do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), a diferença
da superfície apurada pelo IBGE e pelo INCRA entre os imóveis com
mais de 1.000 hectares é de 43,8%.
O fato é que parte relevante dos 29,5 milhões de hectares que fal-
tam no censo foram efetivamente omitidos no momento da declaração
da extensão dos estabelecimentos, com dois objetivos: primeiro, porque
certamente parte dessa área é grilada e poucos se submetem ao risco
de explicitar o ilícito a um órgão oficial; segundo, porque a omissão de
parte da área faz que a aparência da produtividade logre maior êxito,
lembrando que essa variável é a que tem permitido a desapropriação
para fins de reforma agrária. Portanto, a diferença de valor monetário
entre os menores e os maiores imóveis em Mato Grosso é maior do que
as sete vezes aferidas mediante os dados do IBGE.
Em suma, ao se considerarem os números em seu conjunto, é pos-
sível identificar que, quanto maior o índice de concentração fundiária,
78
menor a produção em valor por hectare – e isso se verificou tanto na es-
cala dos estados quanto na das mesorregiões. Por outro lado, observou-
-se que, quanto menores os estabelecimentos, maior a capacidade de
geração de empregos e renda proporcional, o que efetivamente mantém,
na agenda do dia, a necessidade de reforma agrária no país.
Ainda que os dados da agricultura capitalista, particularmente
a manifesta nas lavouras temporárias de soja e milho, demonstrem a
enorme capacidade de produção, nem de longe alcançam o equivalente
ao que é fornecido pelo fundo público, via fomento à agricultura.
Os dados são a melhor evidência dos fatos que contrariam a no-
ção dominante de que a pequena propriedade é incapaz de responder
aos desafios econômicos no campo. Antes, é o oposto que é verdadeiro,
embora isso não sirva como boa desculpa para bloquear o projeto de
reforma agrária no Brasil, coisa que nenhum governante do regime de-
mocrático o fez com tanta convicção quanto Dilma Roussef (PAULINO,
2015).
Menos do que a personalização de competências ou escolhas,
trata-se de inquietante sinal da aliança para o atraso nessa sociedade
de história lenta, para parafrasear Martins (2011). Sociedade que mais
uma vez silencia, para não dizer que compactua com a coalizão da casa
grande, para a qual há pouco foi promovida como sócia virtual e que
nela não ingressará malgrado a penhora do bem mais precioso de que
poderia dispor: a democracia como valor universal.
Referências
BRASIL. Lei 8.629/1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos cons-
titucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII,
da Constituição Federal. Diário Oficial da União, 25 fev. 1993.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988.
BUAINAIN, Antônio Márcio et al. Sete teses sobre o mundo rural brasileiro.
Revista de Política Agrícola, v. 22, n. 2, p. 105-121, abr./jun. 2013.
CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB. Acompanhamento da sa-
fra brasileira: grãos, décimo segundo levantamento. Brasília: CONAB, set. 2008.
79
CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB. Série histórica de área
plantada por unidades da federação safras 1976/77 a 2014/15. Brasília: CONAB, 2015.
CORREA, Roberto Lobato. Gestão do território: reflexões iniciais. LAGET: Textos,
1987 (mimeografado).
DOMINGUES, Mariana Soares; BERMANN, Célio. O arco de desflorestamento na
Amazônia: da pecuária à soja. Ambiente e Sociedade, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 1-22,
maio-ago. 2012.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Um nome para “modernizar” o sistema de latifún-
dio. Jornal da Unesp, v. 20, n. 211, 2006.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário 2006, segun-
da apuração: Brasil, grandes regiões e unidades da Federação. Rio de Janeiro: IBGE,
2012.
IBGE SIDRA. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Sistema IBGE de
Recuperação Automática. Censo Agropecuário 2006. Disponível em: <http://www.si-
dra.ibge.gov.br>. Acesso em: 15 jul. 2015.
INCRA. Instituto Nacional de colonização e Reforma Agrária. Sistema Nacional de Ca-
dastro Rural: estatísticas cadastrais situação jurídica 2013. (Banco de dados)
KAUTSKY, Karl. A questão agrária. 3. ed. São Paulo: Proposta, 1980.
LANDAU, Elena Charlotte et al. Geoespacialização de indicadores cadastrais rurais
do Brasil. EMBRAPA: Documentos 156, 2013.
LÊNIN, Vladimir I. Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da América: novos
dados sobre as leis do desenvolvimento do capitalismo na agricultura. São Paulo: Brasil
Debates, 1980.
MARÉS, Carlos Frederico. A função social da terra. Porto Alegre: Safe, 2003.
MARTINS, José de Souza. A política do Brasil: lúmpen e místico. São Paulo: Contexto, 2011.
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. 4. ed. Petrópolis: Voz-
es, 1995.
MCT/MMA/PRODES. Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Ministério do
Meio Ambiente. Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por
Satélite. MCT/MMA: PRODES, 2015. Disponível em: <http://www.obt.inpe.br/prodes/
index.php>. Acesso em: 05 ago. 2015.
MENDES, Maurício Ferreira. Perfil dos agricultores familiares extrativistas da Região
sudoeste matogrossense, pertencente à bacia do Alto Paraguai. Boletim de Geografia,
Maringá, v. 32, n. 3, p. 94-109, 2014.
MORENO, Gislaene. Terra e poder em Mato Grosso: política e mecanismos de burla:
1892-1992. Cuiabá: Entrelinhas, 2007.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Um século de conflagração pela terra. In: Semi-
nário Estadual de Estudos Territoriais, 7., Londrina: UEL, 2015. (Comunicação Oral
- Conferência)
80
OLIVEIRA, Renata Karla Pinto et al. Agricultura familiar em assentamentos rurais no
município de Cáceres/MT: uma leitura socioeconômica. Cadernos de Agroecologia, v.
8, n. 2, p. 1-6, nov. 2013.
PAULINO, Eliane Tomiasi. Estratégias territoriais rentistas e contrarreforma agrária no
Brasil. In: HARACENKO, Adélia Aparecida de Souza et al. Geografia: temas e reflexões.
Maringá: Eduem, 2015. p. 187-213.
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro:
Campus, 1980.
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
ROSSETTO, Onélia Carmem. Sustentabilidade ambiental do Pantanal Mato-Grossense:
interfaces entre cultura, economia e globalização. Revista NERA, v. 12, n.15, p. 88-105,
2009.
SANO, Edson Eyji et al. Mapeamento de cobertura vegetal do bioma cerrado: estraté-
gias e resultados. EMBRAPA: Documentos 190, nov. 2007.
81
82
Tangará da Serra (MT):
Dinâmica Fundiária,
Agricultura Capitalista e
(Re)Criação Camponesa
Sedeval Nardoque
Doutor em Geografia. Docente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Introdução
O texto objetiva analisar a relação entre dinâmica fundiária e
a agricultura capitalista na Microrregião Geográfica (MRG) de Tan-
gará da Serra (MT) a partir dos dados dos censos agropecuários de
1995/6 e de 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) e das nuances da resistência camponesa no município sede da
microrregião e sua (re)criação. A sua composição resultou de ações
vinculadas ao projeto de pesquisa “Questão Agrária e Transforma-
ções Socioterritoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará
da Serra/MT na última década censitária”, da Rede Centro-Oeste de
Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação (Edital MCT/CNPq/FNDCT/
FAPs/MEC/CAPES/PRO-CENTRO-OESTE nº 31/2010). Para tanto,
ante as suas ações, desenvolveram-se dois projetos de Iniciação Cien-
83
tífica, nos anos de 2013/14 e 2014/151, obedecendo a editais internos
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, orientados pelo autor
deste trabalho.
Para a elaboração do capítulo, fez-se levantamento bibliográfico e
sua breve revisão, objetivando apresentar algumas características con-
sideradas relevantes da MRG de Tangará da Serra (MT), especialmente
da sua conformação territorial pelo avanço da agricultura capitalista e
seus negócios e negociantes nas últimas décadas. Posteriormente, com
base nos dados dos censos agropecuários do IBGE, fez-se a análise do
comportamento dos principais produtos da agricultura capitalista e
suas derivações na dinâmica fundiária e populacional na mencionada
microrregião. Por último, analisam-se aspectos do município de Tan-
gará da Serra no que diz respeito à gênese da apropriação capitalista da
terra e suas derivações; às ações de empresas vinculadas à agricultura
capitalista atuantes na cidade, ligadas ao consumo produtivo do campo
e, também, de agricultores familiares camponeses, muitas vezes imersos
no território capitalista, mas protagonistas nas disputas territoriais e na
produção de alimentos.
1
O primeiro projeto de iniciação científica foi desenvolvido pela acadêmica Talita Sgobi
Martins (2013-2014), realizando-se trabalho de campo em Tangará da Serra. O segundo
foi desenvolvido pela acadêmica Talita Paula Casagrandi (2014-2015). As duas são aca-
dêmicas do Curso de Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e rece-
beram bolsas do CNPq. Agradecemos a colaboração do Prof. Msc. Mieceslau Kudlavicz
no levantamento de dados e na realização do trabalho de campo.
84
Figura 1 - Mato Grosso: Microrregião Geográfica de Tangará da Serra
Fonte: IBGE, 2002.
85
Tabela 1 - MRG de Tangará da Serra (MT): áreas municipais – km2
Tangará da Serra Barra do Bugres Denise Nova Olímpia Porto Estrela
11.323,649 6.060,199 1.307,188 1.549,821 2.062,760
Fonte: IBGE – Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/>.
Acesso em: 15 jun. 2015.
2
Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=5
10795&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas>. Acesso em: 15 jun.
2015.
86
(ha)3, totalizando, em 2013, 253.065 hectares. A soja (figura 2) desta-
cou-se, contribuindo para a ampliação da área plantada, pois saltou de
28.831, em 1996, para 60.206 hectares, em 2006 (tabela 3). De toda for-
ma, dados mais atualizados indicam a ampliação da área para 76.500,
em 20134, somente no município de Tangará da Serra. A cana-de-açúcar
despontou como a principal lavoura temporária, em área plantada, jus-
tamente pelo crescimento significativo nas últimas décadas, saltando de
58.372ha, em 1996, para 102.262ha, em 2006. Assim como a soja, novos
números indicam, em 2013, na MRG, área de 130.793 hectares plantada
com cana.
O município de Tangará da Serra destaca-se, em área plantada,
com soja; Barra do Bugres, com cana, conforme se observa na tabela
3. Na safra 2013/14, a área plantada de cana, no município de Barra do
Bugres, atingiu 54.202 hectares; Denise, 46.053 hectares; Nova Olímpia,
3
Dados referentes ao Censo Agropecuário do IBGE de 1995/6.
4
Dados referentes à Produção Agrícola Municipal (PAM) de 2013.
87
21.180 hectares, de acordo com o Monitoramento da cana-de-açúcar,
pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Canasat).5
5
Para mais informações, acessar: <http://www.dsr.inpe.br/laf/canasat/tabelas.html>.
Acesso em: 10 jul. 2015.
6
Informações disponibilizadas em: <http://www.usinasitamarati.com.br/itamarati/pro-
ducao.html> . Acesso em: 20 jul. 2015.
88
Os municípios com maior redução da área de pastagens são os de
expansão da área plantada de soja e de cana, com destaque para Tangará
da Serra e Nova Olímpia.
É certo que, mesmo não fazendo parte da MRG de Tangará da Ser-
ra, há, na Chapada dos Parecis, outros municípios próximos, de topo-
grafia suavemente ondulada, como Diamantino, Campo Novo dos Pa-
recis, Sapezal e Campos do Júlio, possibilitando a expansão das lavouras
mecanizadas de soja.
Em Tangará da Serra, por exemplo, a área destinada às lavouras
apresentou crescimento de quase 37% em dez anos. Por outro lado, a
área ocupada por pastagens, mesmo sendo significativa, apresentou re-
dução de mais de 13%, conforme os dados apresentados na tabela 4. A
área ocupada com soja saltou de 26 mil para 55 mil, de 1995/6 para 2006
(tabela 3). Para a safra 2014/15, estimou-se em 101.698 hectares a área
plantada com soja no município de Tangará da Serra; 401.782 hecta-
res, em Sapezal; 383.149 hectares, em Campo Novo dos Parecis; 211.236
hectares, em Campos do Júlio; 381.352 hectares, em Diamantino.7
7
Os dados apresentados são do Instituto Mato-Grossense de Economia Aplicada
(IMEA). Disponível em: <http://www.imea.com.br/upload/publicacoes/arquivos/
R404__14_12_11_Tratamento_plantio_14-15.pdf> . Acesso em: 30 jul. 2015.
89
de Tangará da Serra, com redução somente no município de Denise.
O município de Tangará da Serra apresentou o maior incremento no
efetivo de bovinos, saltando de 190.267 para 275.406 cabeças no perí-
odo. Em grande parte, o incremento deve-se ao avanço tecnológico do
setor, especialmente pela integração lavoura-pecuária. Nesse sistema,
as lavouras são plantadas no início das primeiras chuvas, na primavera
(setembro ou outubro), colhidas ao final de janeiro ou fevereiro e, após,
planta-se o capim (Brachiaria ruziziensis), utilizado como pastagem
para o rebanho bovino8. Além das áreas de soja, as de milho, com 24.868
hectares, plantadas em 2013 (IBGE/PAM-2013), em Tangará da Serra,
são utilizadas para o sistema de integração lavoura-pecuária.
Dessa maneira, os avanços tecnológicos espraiaram-se no cam-
po, atingindo a lavoura e a pecuária, especialmente pela nova face do
processo de modernização do campo, via uso intensivo de agrotóxicos,
adubação química pesada, mecanização intensiva, melhoramento gené-
tico e transgenia. Assim, mesmo com a expansão das áreas de lavoura
nos últimos anos, o efetivo de bovinos continuou em expansão pelo in-
cremento de novas tecnologias em áreas de criação bovina tradicional.
8
Disponível em: <http://g1.globo.com/mato-grosso/agrodebate/noticia/2014/10/inte-
gracao-lavoura-pecuaria-garante-bons-resultados-no-oeste-de-mt.html> . Acesso em:
25 jul. 2015.
90
expandindo as áreas de cultivo de cana e soja, além da pecuária bovina
melhorada.
Nota-se, pelos dados da tabela 6, a manutenção, entre 1995/6 e
2006, da concentração fundiária na MRG de Tangará da Serra, pois os
estabelecimentos com mais de 1.000 hectares diminuíram em núme-
ro no período, passando de 13,75% para 6,1% do total. Em 2006, 229
estabelecimentos, no estrato com mais de 1.000 hectares, totalizavam
74,98% da área ocupada na microrregião. Dessa maneira, diminuiu-se
em número e área total, mas aumentou o tamanho médio dos estabele-
cimentos, passando de 3.230 para 4.095 hectares. Por sua vez, o tama-
nho médio dos estabelecimentos do estrato de área de 100 a menos de
500 saltou de 93 para 235 hectares, e o estrato de área de 500 a menos
1000 passou de 315 para 713 hectares.
Por outro lado, nota-se aumento em número e área no estrato dos
estabelecimentos entre 10 e 100, correspondendo, em 2006, a mais de
63% do total e ocupando mais de 77 mil hectares, mas com tamanho
médio reduzido, justamente aquele dos assentados de reforma agrária.
Apesar de território do capital e do latifúndio, há 16 assentamentos na
MRG de Tangará, destacando-se na sua sede dois com 1.149 famílias
assentadas em 41.385 hectares.9
9
Disponível em: <http://www.ippri.unesp.br/Home/pos-graduacao/desenvolvimento-
territorialnaamericalatinaecaribe/relatorio_dataluta_mt_2012.pdf>. Acesso em: 23 jul.
2015.
91
A concentração fundiária na MRG de Tangará da Serra deve-se
ao modelo de ocupação das terras em Mato Grosso, especialmente via
titulação ou venda, pelo Estado, de grandes extensões de terras a latifun-
diários e empresários, destacando-se empresas colonizadoras atuantes
em outros estados desde a década de 1950. Por corrupção e má-fé, em
vários lugares de Mato Grosso, os agentes do Estado em órgãos governa-
mentais (como instituto de terras) e, também, em cartórios, por exem-
plo, emitiam títulos em duplicidade na mesma área. Segundo Ferreira
(1984, p. 64): “Estes títulos entraram no mercado de terra e passaram a
ser denominados de ‘Títulos Voadores’, cabendo aos seus adquirentes
ajustá-los a alguma ‘terra livre’, desocupada, condição necessária à re-
gularização da propriedade real do imóvel”. Após a década de 1950, as
ações de grileiros foram comuns em todo o Mato Grosso, desdobrando-
-se em vários conflitos fundiários que perduram até os dias atuais, pois
titularam terras ocupadas por posseiros, indígenas, quilombolas e ou-
tros. Outro desdobramento foi a forte concentração fundiária em Mato
Grosso (e na MRG de Tangará da Serra), pois os títulos emitidos eram
de grandes áreas10.
10
Para ver mais sobre o assunto, consultar: FERREIRA, Eudson de Castro. Posse e pro-
priedade: a luta pela terra em Mato Grosso. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Ins-
tituto de Filosofia e Ciências Humanas – UNICAMP, Campinas, 1984.
92
sudoeste de Mato Grosso, especialmente em Tangará da Serra, Campo
Novo dos Parecis, Conquista do Oeste e Sapezal, totalizando 1.119.300
hectares. Em Tangará da Serra, são 29 aldeias (OLIVEIRA, 2002, p.193;
NASCIMENTO, 2007, p. 2).
Para Oliveira (2002, p. 217), o Estado, ao demarcar as terras indí-
genas dos Paresí, permitiu a perda do espaço de suas matas, usado tra-
dicionalmente para roças, majoritariamente no vale do rio Sepotuba.
Os Paresí, anteriormente à demarcação, na mata de poaia, realizavam
suas roças, mas, posteriormente, ficaram restritos às áreas de cerra-
do, nas chapadas. Esse fator, além de limitante do ponto de vista das
atividades desenvolvidas e relacionadas às tradições, contribuiu para
a redução de seus espaços, justamente pelo avanço da frente pioneira
entre 1970 e 1980, com fluxo migratório em direção às terras altas
de Mato Grosso, sobretudo oriundo do sul do Brasil, denominado de
“segundo fluxo migratório” (OLIVEIRA, 2002, p. 218). Esse fluxo con-
tribuiu, definitivamente, para o encurralamento dos Paresí em áreas
inferiores àquelas tradicionalmente ocupadas, mas, por outro lado,
concorreu para a expansão do processo de apropriação capitalista da
terra e de atividades econômicas vinculadas à agricultura moderna,
tecnificada.
Para Nascimento (2007, p. 36), esse segundo fluxo resultou do for-
te modelo de intervencionismo da ditadura civil-militar (1964-1985)
para ocupação do “espaço vazio”, desconsiderando os índios, posseiros,
poiaeiros e seringueiros como ocupantes desse espaço. Segundo o autor,
o objetivo era atrair migrantes para “colonizar” a região, diminuindo a
pressão por terra, especialmente no sul do país, evitando-se, assim, fazer
a reforma agrária nas regiões de ocupação mais antiga. De toda forma,
esse segundo fluxo relaciona-se ao processo mais geral de moderniza-
ção da agricultura em curso no Brasil, mormente ligada aos cultivos
para exportação e à pecuária de corte.
Diferentemente, o primeiro fluxo de migração (OLIVEIRA, 2002)
decorreu da ação de empresários/latifundiários que, nos anos 1950 e
1960, oriundos do estado de São Paulo, obtiveram grandes extensões
93
de terras tituladas pelos órgãos governamentais de Mato Grosso, geral-
mente via conluios.11
Ainda de acordo com Oliveira (2002, p. 99), no caso de Tangará da
Serra, a empresa denominada Sociedade Comercial Imobiliária de Tupã
para Agricultura Ltda. (SITA)12colonizou quatro glebas de terras: Santa
Cândida, Santa Fé, Juntinho e Esmeralda. Os empresários/latifundiários
tinham por objetivo lotear as terras rurais e, para tanto, fundaram, em
1959, a cidade – Tangará da Serra – para dar suporte ao propósito e, ao
mesmo tempo, vender lotes na futura área urbana. Essa prática foi mui-
to comum, sobretudo no oeste do estado de São Paulo e no Paraná13. A
empresa colonizadora adotou procedimentos anteriormente utilizados
em glebas loteadas, projetando a cidade com ruas e avenidas largas (Fi-
gura 3), formando planos ortogonais, rodeada com um primeiro con-
junto de pequenas áreas (chácaras), depois por áreas um pouco maiores
(sítios) e, por fim, mais distantes, as fazendas (ANDRADE, 2009, p. 92).
Essa prática relaciona-se ao capitalismo rentista brasileiro, pois
a produção/reprodução do capital dá-se pela apropriação da renda da
terra, no caso da renda absoluta14, extraída como imperativo do pro-
prietário de cobrar pela sua antecipação. Acrescente-se que esse pro-
prietário comercializa frações do espaço privatizado-mercantilizado,
tornado renda capitalizada, e transforma a em dinheiro no momento da
venda de lotes (chácaras, sítios, fazendas, lotes na cidade) aos migrantes
provenientes de outros estados brasileiros que, atraídos pelo mito da
11
Para ver mais sobre a questão do acesso à terra em Mato Grosso, consultar: MORENO,
Gislaine. Os descaminhos da apropriação capitalista da terra em Mato Grosso. São Pau-
lo, 1993. Tese (Doutorado em Geografia) Universidade de São Paulo.
Até o dia 30 de janeiro de 1969, denominava-se Companhia Imobiliária Tupã para
12
94
fronteira, estimulados pelo desejo de libertação do patrão15, conseguem
pedaços de chão para o trabalho ou para ampliação de suas terras de
cultivo, como ocorrido em Tangará da Serra.
De acordo com Nascimento (2007, p. 2), Tangará da Serra, eman-
cipado em 13 de maio de 1976, concentra a maior parte de seu Produto
Interno Bruto (PIB) nas atividades de serviços e indústria ligadas à agri-
cultura capitalista moderna, como a produção de soja e de cana, mas
diversificada por lavouras de milho, criação de aves e pecuária bovina
moderna.
A tabela 7 demonstra a composição do PIB de Tangará da Serra e
de Mato Grosso. Constata-se, pelos dados, que, em Tangará da Serra, os
serviços são os mais representativos no município, destacando-se, dian-
te dos demais setores, com o PIB de R$ 864.792,00 (oitocentos e sessenta
e quatro mil, setecentos e noventa e dois reais) ou 60,4% do total. A
cidade, pela diversidade de comércio e serviços, polariza as atividades
desenvolvidas no campo de seu município e de outros, além de outras
cidades, sendo a sexta economia do estado de Mato Grosso, segundo o
IBGE. Ao longo dos últimos anos, Tangará da Serra tornou-se impor-
tante centro comercial e de serviços após o incremento das atividades
modernas no campo, atraindo empresas ligadas à agropecuária capita-
lista, como os frigoríficos Marfrig (bovinos) e Anhembi (aves). Além
disso, há diversas empresas prestadoras de serviços, em agronomia e
veterinária, e de comercialização e armazenamento de grãos.
15
Para ver mais sobre o assunto, consultar: MARTINS, José de Souza. Os camponeses
e a política no Brasil. Petrópolis (RJ): Vozes, 1991 e _______. O cativeiro da terra. São
Paulo: Hucitec, 1998.
95
As transformações significativas no espaço, em Tangará da Serra e
na região, decorreram das ações do Estado brasileiro, na ditadura civil-
-militar (1964-1985), sobretudo nos anos 1980. Várias foram as ações,
por meio de programas federais: o Programa de Desenvolvimento de
Mato Grosso (PROMAT), o Programa de Desenvolvimento Integrado
do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE) e o Programa de Desenvol-
vimento dos Cerrados (POLOCENTRO). Boa parte dessas ações, em
Tangará da Serra e região, destinava-se a dotar o território de infraes-
trutura, como abertura de estradas e linhas de transmissão de energia,
financiamentos para expansão de monoculturas e armazenamento de
grãos. Além de incentivos à agricultura de grãos, o setor sucroalcooleiro
também os recebeu, viabilizando a instalação de duas usinas (Itamarati
e Barralcool) na MRG de Tangará da Serra, no ano de 1980, com subsí-
dios do Programa Nacional do Álcool (Proálcool).
96
Parte do processo migratório para Tangará da Serra deu-se, nos
anos 1960 e 1970, pelo denominado primeiro fluxo migratório (OLI-
VEIRA, 2002) de famílias originárias de Minas Gerais, São Paulo, Para-
ná e de estados do nordeste brasileiro, atraídas pela colonização privada,
promovida pela empresa SITA. Muitas famílias, seguindo a migração
campo-campo, migraram em busca de terras para plantação de café,
mas plantaram milho, arroz e feijão, além de desenvolver a criação de
aves, suínos e bovinos, atividades desenvolvidas nos locais de origem
(OLIVEIRA, 2002, p. 17-8).
Os migrantes instalaram-se em pequenas porções de terras (ge-
ralmente de 40 hectares) e plantaram de 3 a 4 milhões de pés de café e,
nos anos 1970 e 1980, motivados pelos baixos preços e sua baixa pro-
dução, muitos camponeses deixaram de produzir a rubiácea e passaram
a trabalhar como assalariados, nas fazendas de criação de gado, ou na
produção diversificada de alimentos (legumes, frutas) em seus sítios ou
ainda se dedicaram à criação de animais, como frangos e vacas de leite
(PASSOS; DUBREUIL; BARIOU, 2006, p. 72).
Segundo Oliveira (2002, p. 23), a vinda dos migrantes, considerados
neste trabalho como a origem significativa dos camponeses em Tangará
da Serra, deu-se por aqueles oriundos do projeto de colonização da SITA,
proprietários ou não de terras em seus locais de origem, atraídos por terra
“barata” ou possibilidade de acesso a ela, pelo menos nas propagandas
feitas pela empresa, promovendo a mobilidade na fronteira. Além deles,
há os ex-poaieiros e indígenas (ou descendentes), “que estriaram o am-
biente antes da chegada dos picadeiros, que fizeram o serviço de demar-
cação de glebas de terras”. Para o mesmo autor, “[...] no período de 1959
a 1979, as famílias que vieram para Tangará da Serra possuíam poucos
recursos financeiros, a ocupação do espaço rural foi das áreas próximas à
cidade [...]” (OLIVEIRA, 2002, p. 24). Muitos dos migrantes deslocaram-
-se para a fronteira como porcenteiros, meeiros, seguindo o movimento
migratório do Nordeste para São Paulo e Minas ou para o Paraná, outros
passando pelo sul de Mato Grosso (atual sul de Mato Grosso do Sul) e
deslocando-se até Tangará da Serra (OLIVEIRA, 2002, p. 87, 100).
97
É certo que algumas das famílias do “primeiro fluxo de migração”
tornaram-se proprietárias em Tangará da Serra porque eram, também,
proprietárias nos seus locais de procedência (OLIVEIRA, 2002, p.172).
A migração tinha sentido para ampliar a terra de vida e trabalho para
a família, pois vendiam-se áreas menores e compravam-se maiores na
fronteira, justamente pelas diferenças nos preços16. De toda forma, a
maioria das famílias dos camponeses migrantes constituía-se de lavra-
dores pobres, agregados de outras famílias, com esperança de acesso à
terra. (OLIVEIRA, 2002, p.172-3). Na fronteira, a terra tinha dono e,
para acessá-la, era necessário ter dinheiro para comprá-la.
Dessa maneira, a concentração fundiária em Tangará da Serra deu-
-se pela apropriação de latifúndios adquiridos com fins especulativos
(reserva de valor) ou pela aquisição, no processo migratório, por aqueles
proprietários em seus locais de origem17. Por outro lado, pelo processo
migratório, a terra fragmentou-se parcialmente, via aquisição de peque-
nos sítios e chácaras por migrantes menos abastados. Segundo Oliveira
(2002, p.177-8), a ausência de políticas para os pequenos proprietários e
meeiros causou a muitos a expropriação, sobretudo pelo abandono das
lavouras cafeeiras e pela venda da terra ou pela substituição das lavouras
por pastagens, causando, também, desemprego no campo.
É certo que o movimento no campo atingiu plenamente seus su-
jeitos. A migração para a cidade foi a condição imposta aos camponeses
pequenos proprietários ou não, justamente pela crise proporcionada na
16
O depoimento de uma migrante ilustra o objetivo de migrar: “Eu queria ser fazendei-
ra, vim comprar terras, deu pra comprar uma pequena fazenda, maior do que o sítio que
tínhamos em Nova Granada. Depois que eu mudei pra cá, trouxe junto minhas noras,
Maria e Adelaide, elas reclamavam do lugar, muito mato, cobra, aranha, sapo, casas de
tábua, coberta de tabuinha, eu achava a mesma coisa, mas não falava, pois eu já conhecia
Tangará, eu que falei em São Paulo que aqui era bom, mas se pudesse voltar, voltava na
hora. Quando cheguei ainda era debaixo de chuva, chovia mais dentro de casa do que
fora”. (OLIVEIRA, 2002, p.77).
17
“Em todos os casos, os proprietários adquiriram superfícies exploráveis bem mais
importantes que no sul-sudeste do Brasil: o proprietário da fazenda São Benedito ven-
deu uma de suas fazendas de 400 ha no Paraná para comprar 4.000 ha no Mato Grosso
e constituir um domínio de 11.000 ha de terras em 1982”. (PASSOS; DUBREUIL; BA-
RIOU, 2006, p.73).
98
fronteira, pelo declínio mais imediato das lavouras tradicionais, como a
do café, pelas dificuldades de acesso a terra, a escolas, a assistência mé-
dica, mas, mormente, pelo avanço das ações do capital no campo, via es-
praiamento das lavouras comerciais, como soja e cana, e intensificação da
técnica pelo processo de modernização do campo, seletivo e excludente.
Na opinião de Pereira (1999), o desenvolvimento econômico de
Tangará da Serra, antes baseado na agricultura tradicional e substituído
pelo modelo de alta tecnologia, com monocultura de soja para expor-
tação, proporcionou, nos últimos anos, grande fluxo de migrantes do
campo para a cidade. Outro fator importante na redução da população
residente no campo, em Tangará da Serra, é a concentração/reconcen-
tração fundiária nos últimos anos, contribuindo para a expropriação
e expulsão de pequenos proprietários tradicionais e trabalhadores do
campo, sobretudo meeiros, arrendatários e parceiros.
Dessa maneira, houve interferências na dinâmica demográfica,
como se observa na tabela 8. No ano de 1980, 59,25% da população do
município de Tangará da Serra era considerada rural, ou seja, residente
no campo. Ano após ano, essa população reduziu-se, em termos percen-
tuais, chegando, em 2010, a apenas 9% do total constante no município.
Essa redução tem relação direta com a reconcentração fundiária no mu-
nicípio e nos municípios do entorno (basta rever a tabela 6), com a crise
das lavouras da agricultura tradicional e o avanço das atividades econô-
micas, no campo e na cidade, ligadas à agricultura capitalista. Conco-
mitante à redução da população do campo, houve aumento significativo
da população absoluta, saltando de 31.293, em 1980, para 83.431 ha-
bitantes, em 2010. No mesmo período, houve aumento da população
residente na cidade, passando de 12.745 (40,75%), em 1980, para 75.921
(91%), em 2010.
De toda forma, de 2000 para 2010, houve aumento, em termos ab-
solutos, da população residente no campo, saltando de 7.345 para 7.510,
provavelmente em consequência dos projetos de reforma agrária. Ape-
sar do pequeno crescimento, os números contradizem a tendência, pois
resultam da resistência dos camponeses em permanecer na terra, mas,
99
acima de tudo, da luta para entrarem na terra, no processo contínuo de
(re)criação camponesa.
100
assentamentos de reforma agrária e o aumento do número e da área dos
estabelecimentos de até 100 hectares, houve reconcentração da terra no
município.
101
As contradições no processo de apropriação da terra em Tangará
da Serra contribuíram para a criação e a recriação camponesa18, via re-
sistência em permanecer na terra, particularmente pelos camponeses
tradicionais, e pela luta para entrar na terra, por meio dos camponeses
não proprietários e expropriados na fronteira em movimento. A luta
para entrar na terra deu-se pela ação dos movimentos sociais no campo,
sobretudo pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)
em Mato Grosso, arregimentando e organizando aqueles camponeses
pobres, sem acesso à terra, que seguiram a fronteira em movimento. A
materialização dessa luta deu-se pela criação e instalação de dois pro-
jetos de assentamentos de reforma agrária no município de Tangará da
Serra, como demonstrado na tabela 11: o Antonio Conselheiro, com
área de mais de 38.000 hectares e quase 1.000 famílias assentadas, e o
Triângulo, com mais de 3.000 hectares e 150 famílias.
18
A criação e a recriação camponesa baseiam-se, neste trabalho, na obra de ALMEIDA,
Rosemeire Aparecida. (Re)criação do campesinato: identidade e distinção. A luta pela
terra e o habitus de classe. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
102
cendo relações de poder no âmbito econômico e na divisão territorial
do trabalho, entre campo e cidade, promovendo rearranjos na produção
agropecuária. A lógica territorial do capital tornou a cidade de Tanga-
rá da Serra polo econômico regional, ligado aos negócios vinculados à
agricultura capitalista, como empresas processadoras de produtos agro-
pecuários (frigoríficos, por exemplo) e empresas vinculadas ao consu-
mo produtivo do campo, como as concessionárias de tratores, máquinas
e implementos agrícolas (Figura 4).
103
rem, mesmo que contraditoriamente, subordinando-se, via integração,
às empresas frigoríficas de aves e suínos, ou buscando emancipação,
inserindo seus produtos e alimentos em feiras ou fornecendo-os para
o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e para o Programa Na-
cional de Alimentação Escolar (PNAE).
A figura 5 demonstra a comercialização dos produtos da agricultu-
ra familiar camponesa na Feira Central de Tangará da Serra, constituída
por mais de 300 agricultores familiares camponeses tradicionais que ad-
quiriram terras no período inicial da colonização do município. Nota-se
sua importância justamente pela qualidade e pela diversidade de produ-
tos oferecidos para a população da cidade. Os camponeses enfrentam
muitas dificuldades no deslocamento até a cidade para a realização da
comercialização na feira, além da falta de assistência técnica e de maio-
res incentivos à produção. Isso concorre para a comercialização de lotes
pelos assentados, que acabam por ceder às propostas exorbitantes, feitas
pelos agentes vinculados à agricultura capitalista, por suas terras, seja
para arrendamento ou compra19.
Notam-se claramente, na cidade vinculada aos negócios e nego-
ciantes da agricultura capitalista, as contradições postas pelo avanço do
capital no campo e a resistência camponesa em seu processo de criação
e de recriação, sobretudo pela luta para retornar à terra e nela permane-
cer, via produção e comercialização, realizada pelos agricultores fami-
liares camponeses tradicionais e assentados de reforma agrária.
Considerações finais
As leituras, os levantamentos de dados censitários e o trabalho de
campo, realizados em Tangará da Serra, permitiram, mesmo que par-
cialmente, a compreensão do processo de apropriação capitalista da
terra, via expansão da frente pioneira, suas formas e conteúdos, e, es-
sencialmente, pelas suas contradições geradas na fronteira. Sem dúvida,
19
De acordo com entrevistas realizadas com camponeses, em trabalho de campo reali-
zado no novembro de 2013, no município de Tangará da Serra.
104
Figura 5 - Tangará da Serra: Feira Central dos camponeses.
Fonte: Trabalho de campo, nov. 2013. Fotos: Talita Sgobi Martins (2013).
105
As ações de empresas de colonização, como a SITA, em Tangará
da Serra, contribuíram para a fundação de cidades e o retalhamen-
to das terras para a efetivação de novas especulações imobiliárias e
atração de migrantes de outras partes do Brasil, na ânsia de vender
lotes para camponeses sem terra ou àqueles que eram possuidores/
proprietários de terra em outras paragens para ampliação das áreas
de cultivo.
Contraditoriamente, o avanço das empresas e empresários capita-
listas no campo, nas últimas décadas, via espraiamento das monocultu-
ras de soja e cana, além da pecuária melhorada, promoveu o contato e o
conflito, novamente, com os camponeses, via expropriação e violência.
A expansão das monoculturas propiciou a concentração e a reconcen-
tração fundiária em Tangará da Serra, contribuindo para a diminuição
da população residente no campo, mas também para a luta dos campo-
neses para voltarem à terra e nela permanecerem, no processo de (re)
criação camponesa. Isso se deve, sobretudo, às ações dos movimentos
sociais, que culminaram na criação e instalação de dois projetos de
assentamento em Tangará da Serra, com destaque para o PA Antonio
Conselheiro, com quase 1.000 famílias assentadas.
Dessa maneira, em meio ao avanço do capital no campo (e na ci-
dade), em Tangará da Serra, os camponeses situam-se como sujeitos da
História, lutando para entrar e permanecer na terra.
Referências
ALMEIDA, Rosemeire Aparecida. (Re)criação do campesinato: identidade e distinção.
A luta pela terra e o habitus de classe. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
ANDRADE, Alex Sandre Marques. O discurso do pioneirismo e suas representações:
Tangará da Serra, MT (1976-1997). Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
ASEVEDO, Tayrone Roger Antunes de. Territorialização e reestruturação produti-
va dos agronegócios nas microrregiões geográficas de Tangará Da Serra/MT e Três
Lagoas/MS: desdobramentos e desafios para as classes subalternas. 2013. 252 f. Dis-
sertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três
Lagoas, 2013.
106
FERREIRA, Eudson de Castro. Posse e propriedade territorial: a luta pela terra em
Mato Grosso. Campinas (SP): EDUNICAMP, 1986.
_______. Posse e propriedade: a luta pela terra em Mato Grosso. Dissertação (Mestra-
do em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – UNICAMP, Campinas,
1984.
MARTINS, José do Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Hucitec, 1998.
_______. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis (RJ): Vozes, 1991.
MORENO, Gislaine. Os descaminhos da apropriação capitalista da terra em Mato
Grosso. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
NARDOQUE, Sedeval. Apropriação capitalista e desconcentração fundiária em Jales
–SP. Dourados (MS): EDUFGD, 2014.
_______. Renda da terra e produção do espaço urbano em Jales-SP. Tese (Doutorado
em Geografia), IGCE/UNESP, Rio Claro (SP), 2007.
NASCIMENTO, Odair Alves. A produção do espaço geográfico indígena Paresí em
Mato Grosso: impactos e perspectivas socioeconômicas. Dissertação (Mestrado em Ge-
ografia) – Universidade Federal de Mato Grosso, 2007.
OLIVEIRA, Ariovaldo U. Renda da terra absoluta. Orientação, São Paulo, IGEOG-USP,
n. 07, p. 77-79, dez. 1986.
OLIVEIRA, Carlos Edinei de. Famílias e natureza: as relações entre famílias e ambiente
na construção da colonização de Tangará da Serra – MT. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal de Mato Grosso, 2002.
PASSOS, M. M.; DUBREUIL, V.; BARIOU, R. Evolução da fronteira agrícola no centro-
-oeste do Mato Grosso. Geosul (UFSC), v. 21, p. 65-85, 2006.
PEREIRA, Aires José. Urbanização na fronteira agrícola de Mato Grosso: o caso de
Tangará da Serra. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, 1999.
107
108
Reflexões Sobre o Acesso a Terra
e as Relações de Trabalho em
Mirassol D’Oeste-MT
Introdução
Este texto traz questões fundamentais discutidas na tese de Dou-
toramento Cartografia Geográfica em questão: do chão, do alto, das
representações, orientada pela professora Dirce Maria Antunes Suer-
tegaray, defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em
maio de 2014. O capítulo cumpre o objetivo de contribuir com as reflex-
ões do projeto de pesquisa “Questão Agrária e Transformações Socio-
territoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT
na última década censitária”, da Rede Centro-Oeste de Pós-Graduação,
Pesquisa e Inovação (Edital MCT/CNPq/FNDCT/FAPs/MEC/CAPES/
PRO-CENTRO-OESTE nº 31/2010).
Em meio a realidade agrária concentrada e extremamente foca-
da na produção e exportação de commodities como a mato-grossense,
propõe-se, neste capítulo, refletir sobre o processo histórico de acesso a
terra e as relações de trabalho em Mato Grosso, mais especificamente
109
no município de Mirassol D’Oeste (MT), inserido na região da Grande
Cáceres, porção sudoeste do estado de Mato Grosso. Esta análise é rel-
evante porque, na atualidade, Mirassol D’Oeste vem disputando força
política e econômica com o município mais antigo da região, Cáceres,
a partir da irrestrita abertura para o avanço da produção das commod-
ities.
O processo de abertura dessas terras das fronteiras mato-grossens-
es para o capital abriu-se igualmente para o camponês, que, no percurso
em busca de terra e trabalho, desenrolou diversos conflitos pela terra e,
nos anos 1990, teve sua força ampliada e motivada pela aliança entre os
trabalhos das Comunidades Eclesiais de Base e a chegada do Movimento
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra em Mato Grosso.
Processo que se apresenta, neste trabalho, concomitante aos contextos
políticos e econômicos atuais do município de Mirassol D’Oeste, para
que seja compreendido o sentido da luta por terra e trabalho nas ter-
ras do agronegócio, com olhar específico sobre o assentamento Roseli
Nunes, que se situa, em maior parte, no município de Mirassol D’Oeste,
estabelecendo com ele suas relações político-administrativas.
110
vimento capitalista. Assim, o processo que leva os grandes capita-
listas a investirem na fronteira contém o seu contrário, a necessária
abertura dessa fronteira aos camponeses e demais trabalhadores do
campo (OLIVEIRA, 1997, p. 135).
111
brasileira. Para Oliveira (2013; 2007; 2001; 1997), o desafio histórico de
compreender a questão agrária no Brasil sob o modo capitalista de pro-
dução se apresenta a todos aqueles que assumem a necessidade de situar
o papel e o lugar do campesinato, aos povos indígenas e quilombolas na
sociedade capitalista contemporânea, em sua marcha e luta pela terra e
pelo território no Brasil. Desafio de compreender a contradição da su-
jeição dos trabalhadores a cativar (e estar cativo) a terra ao mesmo tem-
po em que buscam o trabalho livre e, portanto, questionam a sociedade
em que vivem e o modo de produção que a viabiliza.
Assumindo a análise do autor, toma-se como pressuposto o desen-
volvimento desigual e contraditório do capitalismo no campo brasileiro,
que simultaneamente atua em direção à implantação do trabalho assala-
riado e desenvolve, de forma articulada e contraditória, a produção cam-
ponesa. Desenvolve-se a partir de seu caráter rentista “pela fusão, em uma
mesma pessoa, do capitalista e do proprietário de terra” (OLIVEIRA, 2001,
p.186), num país em que a propriedade privada da terra é também reti-
da para fins não produtivos, funcionando ora como reserva de valor, ora
como reserva patrimonial.
Para compreender esse processo no estado de Mato Grosso, é
fundamental resgatar dois momentos: a passagem e tomada das ter-
ras públicas e devolutas do Brasil, em especial em Mato Grosso, para o
domínio privado – Moreno (2007) – e a territorialização da produção
monopolista a partir da abertura da Amazônia tanto para os campone-
ses quanto para os capitalistas/proprietários de terra – Oliveira (1997) –,
aqui apresentada junto ao processo histórico de Mirassol D’Oeste.
Segundo Moreno (2007, p. 24), “na medida em que a terra é ele-
mento essencial, indissociável e particular de toda atividade agrícola, a
renda fundiária, que é decorrente do seu monopólio, torna-se um con-
ceito-chave para a compreensão do desenvolvimento do capitalismo no
campo”. E este, por sua vez, exige entendimento das diversas formas de
apropriação da renda fundiária, bem como do papel do Estado no uso
capitalista do território, conferindo as condições materiais necessárias
para sua produção e reprodução.
112
Em meticuloso trabalho analítico de leis e documentos históricos
sobre a história da terra em Mato Grosso entre os anos de 1892 e 1992,
Moreno (2007) aponta, como principais formas legais de distribuição
de terra no território mato-grossense, as seguintes: alienação de terras
devolutas e públicas, por meio da venda direta, via processo de licitação,
ou de concessões do governo; a regularização fundiária, com ou sem a
exigência de concorrência e concedendo ou não o direito de preferência;
e a colonização oficial e particular, segundo a política maior, empreen-
dida pelo Governo Federal, para a ocupação dos “espaços vazios” e sua
integração à economia nacional, especialmente na sua fase recente de
acumulação capitalista.
Durante o final do século XIX, a partir dos atos legitimatórios
das posses da terra, estabeleceu-se o beneficiamento dos grandes pro-
prietários, favorecendo os projetos econômicos do Estado com base
na agricultura, pastoreio e na exploração extrativa vegetal, sobretudo
erva-mate, borracha e poaia. Excluía-se a possibilidade da compra pe-
los pequenos posseiros, pois estes não tinham condições econômicas e
políticas para o desenvolvimento da monocultura estimulada pelo Es-
tado.
O início desse processo de acesso à terra já anunciava os mecanis-
mos utilizados pelo Estado brasileiro, em especial em Mato Grosso, em
sua política fundiária: a burla, o envolvimento político dos responsáveis
pelos serviços de demarcações e registros para fim de transferência
de grande volume de terras aos grandes proprietários e a contradição
necessária do acesso a terra (e expulsão dela) pelos pequenos propri-
etários, condição de sua expropriação, reprodução e produção no modo
de produção capitalista.
Dessa forma, Moreno (2007) explicita como o Estado, por meio
dos processos legislativos, escreve a “história legal da terra em Mato
Grosso caracterizada por uma política de favorecimento à monopo-
lização da propriedade privada da terra”, expressão máxima das “pre-
tensões das classes dominantes que comandaram esse processo por anos
a fio, seja como governantes, seja como beneficiários do poder econômi-
113
co e político”. Tais beneficiários foram fundamentalmente os interesses
econômicos e político-partidários locais interessados em se manter no
poder e manter seus aliados, assim como beneficiar grupos econômicos
fora do território de Mato Grosso.
Em síntese, a autora situa historicamente esse processo nos se-
guintes momentos: a predominância da política geral de venda de terras
no estado de Mato Grosso (1940-1960), com o objetivo de aumentar
sua arrecadação legitimando grandes posses, reconhecendo inúmeros
domínios particulares – sendo a maior parte grilos; o breve estímulo
para a imigração e concessão gratuita, entre 1822 e 1892, de terras que
não chegaram a 1% das terras alienadas do estado, formando restritos
núcleos de povoamento; a colonização agrícola oficial no Estado Novo
de Vargas, anos 1940, com a promessa de solucionar os problemas do
homem do campo facilitando o acesso à terra aos colonos imigrantes,
objetivando, a partir da Marcha para o Oeste, a política de trabalho-col-
onização como “conquista” do interior do país; o processo de concessão
da colonização às empresas particulares, entre os anos 1947 e 1964, pro-
movida pelos governos estaduais de MT, cedendo áreas destacadas aos
núcleos de colonização do Estado Novo, a partir da política de expansão
das fronteiras agrícolas de Mato Grosso, incorporando-a na economia
nacional e, ao mesmo tempo, visando absorver a mão de obra excedente
do restante do país (esses projetos mais serviram à concentração de ter-
ras do que ao povoamento). Nas décadas de 1970 e 1980, todas as outras
ações repetiram-se inseridas num contexto mais amplo da geopolítica
militar da ocupação da Amazônia.
Moreno (2007) contribui significativamente para essa reflexão ao
esclarecer como a passagem das terras devolutas às propriedades parti-
culares, a partir dos processos de ação discriminatória, retirou a possibi-
lidade de posse da terra pela transformação do devoluto em terra pública.
Assim, as terras públicas sujeitas a regularização passaram por processos
de compra e venda, concedendo ao capital a possibilidade da compra em
detrimento das posses, permitindo que “a discriminação também funcio-
nasse como um ato de expropriação”. (MORENO, 2007, p. 275).
114
Aspectos históricos de Mirassol D’Oeste
O município de Mirassol D’Oeste foi criado pela Lei nº 3.698, de 14
de maio de 1976, de autoria do deputado Airton dos Reis. A veiculação
de sua história oficial não toca nas questões sobre a terra, tampouco no
processo de exploração da classe camponesa para a expansão do capi-
tal na região. Nos sites oficiais, tanto da prefeitura, quando do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), exaltam-se as iniciativas
de grandes “aventureiros”, bons investidores, homens “de bem” e de boa
vontade para viabilizar o processo “civilizatório” em Mato Grosso:
Foi Antonio Lopes Molon que fundou o núcleo que deu origem ao
atual município de Mirassol D’Oeste. Por volta de 1958, Molon co-
meçou a interessar-se por terras em Mato Grosso e investiu todo o
seu capital nesta região, requerendo terras devolutas por meio do
Departamento de Terras do Estado. A seguir decidiu dividir a gleba
em lotes rurais e urbanos. Molon montou um escritório de venda
de terras, no local da futura Mirassol de Mato Grosso. Para melhor
gerir os negócios associou-se a Mário Mendes, José Lopes Garcia,
Nírcia Lopes D’Áuria e Paulo Mendonça. A cidade ganhou esta de-
nominação em homenagem aos familiares de Molon, que residiam
na cidade de Mirassol, no Estado de São Paulo. O termo D’Oeste foi
acrescentado para que não fosse confundido com o município de
Mirassol, no Estado de São Paulo. (IBGE “Cidades”, 2013).
115
pessoas são descritas, nesse discurso, como os que trabalharam bem
a terra, souberam aproveitar a fertilidade do solo, tornaram-se prós-
peros proprietários, transformando a cidade também em próspera,
portanto, são verdadeiros heróis. Para tanto, os interesses que ela-
boram a produção escrita sobre a história de Mirassol D’Oeste e que
estabelecem um tipo de memória - a memória do vencedor - tomam
como ponto de partida aquele que deve fazer parte dessa memória:
o pioneiro. Selecionam esses indivíduos que, via-de-regra, têm uma
história de ascensão sócio econômica e, ao mesmo tempo, excluem
a multiplicidade das experiências vividas quotidianamente pelas
pessoas que fizeram parte da chegada e vivenciaram o duro trabalho
de abertura da área, tomando como parâmetro apenas o par pro-
gresso/pioneiro. Consequentemente, os pioneiros apresentados são
sempre pessoas voltadas para o trabalho com a terra. Essa história
que busca as origens, para dar tons de verdade a certos interesses do
presente, encontra na figura do paulista o pioneiro mais ajustado
aos interesses de fixar uma história de progresso para o Estado. Sen-
do assim, elegem o paulista que se deslocou para Mato Grosso como
herdeiro dos grandes bandeirantes, responsáveis por seus locais de
origem, as regiões Sudeste/Sul, regiões, segundo tais discursos, mais
desenvolvidas que os demais Estados do país (HEINST, 2007, p. 3,
04-05).
116
ertura para o processo de colonização visando a integração do país, há
também a corrida pelo acesso à propriedade da terra e incorporação de
terras ao mercado nacional.
Essas terras não eram, entretanto, despovoadas; ali habitavam in-
dígenas, quilombolas e também antigos posseiros, até mesmo descen-
dentes de ex-bandeirantes, que compreendiam a inserção destas terras
na nação de outra forma, pois seria preciso, a partir do poder do Estado,
que “a lei nova (a revolução)” viesse a obrigar “toda gente a entrar para
a nação do Brasil” (fala de Seu Melanias – velho cuiabano descendente
de paulistas que povoaram Mato Grosso, citada por OLIVEIRA, 1998,
p. 67).
A história contada nos sites do Estado escamoteia os processos
de expropriação dos povos residentes sob a égide da valorização do
avanço e da modernidade produtiva com poder civilizatório. Subsume
as relações de trabalho que se estabelecem e, portanto, a sujeição do tra-
balhador e a sujeição da terra ao modo de produção capitalista.
As histórias “oficiais” não expõem os mecanismos para estimular
o desenvolvimento regional e, ao mesmo tempo, atrair a mão de obra
barata de outros pontos do país, como no caso da construção da ponte
sobre o rio Paraguai, no município de Cáceres, em 1960, e os projetos
de colonização, federal e estaduais, dos anos 1950. São escamoteados
seus sentidos políticos e econômicos como os incentivos fiscais à colo-
nização do centro-oeste para a ocupação da Amazônia, ou melhor, para
o avanço das fronteiras da produção capitalista e da entrada do capital
internacional no Brasil, que viabilizaram o processo de estruturação e
consolidação do capital monopolista em Mato Grosso. Para revelar to-
dos esses sentidos e significados e para que possamos compreender os
motivos que levaram os diversos paulistas a migrarem “trazendo consi-
go muitos sonhos a serem realizados na região”, exige-se a história dos
não vencedores.
Dessa forma, a partir de Oliveira (1998), compreendemos que par-
te desses paulistas – camponeses expropriados das terras, já em mãos
117
dos grandes latifundiários produtores de cana-de-açúcar e café, migrou
em busca de terra e trabalho, em decorrência de inúmeros conflitos,
no noroeste paulista, entre os anos 1950 e 1960, como arrendatários
que lutavam junto ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao Fórum
Nacional do Trabalho (FNT) e a lideranças sindicais por seus direitos
trabalhistas. Buscavam, por meio de seu processo migratório, “a pos-
sibilidade de recriação do modo de vida camponês, uma vez que es-
sas famílias ao migrarem, reconstruíram a condição social de sitiantes,
portanto, passaram pela crise e superação, negando o destino à prole-
tarização”. (OLIVEIRA, 1998, p.13). Mais tarde, esse processo de luta
geraria os conflitos em torno da área que se tornaria, nos anos 1980,
o assentamento de Mirassolzinho. Conflitos que não podem ser com-
preendidos fora do movimento histórico do Brasil dos anos 1950 com
as Ligas Camponesas1.
Segundo Oliveira (1998), nessa região o movimento deu-se a par-
tir de muitas mudanças na agricultura: a expansão das fazendas de gado
(anos 1960), como extensão da atividade pecuária do oeste de São Pau-
lo, fortalecida pela entrada do gado, já em tempos coloniais, na região
de Cáceres; o aumento do fluxo migratório, nos anos 1960 e 1970, de
camponeses das regiões Sul e Sudeste; o alto crescimento populacional
urbano da região do Alto Guaporé-Jauru (anos 1970-80); a expansão
dos chamados empreendimentos agropecuários (anos 1970 e 1980),
alavancados por planos e programas federais para o desenvolvimento
econômico por meio de incentivos fiscais; as derrubadas da mata e cer-
rado com o crescimento da agricultura, mais pela expansão espacial do
que por sua modernização.
O forte incentivo da “Marcha para o Oeste” e a abertura das vastas
áreas de terras públicas e devolutas aos grandes proprietários de ter-
ras, e também aos posseiros, estabeleciam a contradição que marcou a
região, pela ideologia e pelas ações do Estado, dos propalados “vazios
1
Movimento social camponês, surgido nos anos cinquenta, no Engenho Galileia, em
Vitória de Santo Antão, Pernambuco. Essas ligas existiram até 1964, ocasião em que fo-
ram desmanteladas pelo regime militar instalado no país, e seus dirigentes condenados
à ilegalidade e perseguidos.
118
demográficos e vazios econômicos”: a abertura da área para os proje-
tos agropecuários e a colonização dirigida (públicas e privadas), esta-
belecendo relação direta entre as áreas de interesse do capital nacional
e internacional para resolver os problemas da contingência da mão de
obra não absorvida nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste e diminuta na
Amazônica.
Esse processo também deve ser compreendido a partir da pas-
sagem das terras devolutas a terras privadas, como assinala Moreno
(2007, p. 276):
As vítimas mais visíveis desse processo foram e têm sido os lavrado-
res ou camponeses que, na recusa de se tornarem proletários, ten-
tam se reproduzir como trabalhadores livres em outros lugares, por
meio da posse de terras devolutas, indígenas ou privadas. Também
são vítimas do mesmo processo de expropriação os povos indíge-
nas que sistematicamente, foram e têm sido massacrados, escravi-
zados, espoliados e dizimados. No auge da expansão da fronteira
econômica em toda a Amazônia Legal, exacerbou-se o processo de
expropriação, tornando mais acirrada a luta destes povos contra o
capital, pois afigurava-se uma luta entre desiguais, envolvendo, de
um lado, índios e ou posseiros e, de outro, latifundiários, empresá-
rios ou grileiros.
119
[...] terra aqui não era devoluta. Essa família Saraiva fez os requeri-
mentos, cada membro da família recebeu um título de aproxima-
damente 2.000 hectares e, eu adquiri esses títulos. Esse pedaço de
terra pertencia a Eurico Saraiva, Alírio Saraiva e mais os irmãos e
cunhados [...]. Cada título era de 2.000 hectares, era nove [...] en-
tão eram 18.000 hectares aqui meu. Mato Grosso tinha muita terra
barata, ainda tava saindo daquela fase do devoluto para o terreno
titulado né, então comprava bastante terra com pouco dinheiro [...]
(HEINST, 2003, p. 46).
Aqui aconteceu o seguinte; nessa região aqui, antes de eu vir com-
prar, veio trabalhar um agrimensor francês que fez amizade com
gente importante de Cuiabá. Então ele descobriu essas terras aqui
e requeriu para essa família Saraiva. Edio Otolfo por exemplo, é mé-
dico da Santa Casa de Cuiabá, é cunhado do Arnaldo Saraiva que
é irmão do Eurico Saraiva, essa família Saraiva, gente de bens em
Cuiabá. Por meio do conhecimento do pessoal do estado e o enge-
nheiro agrimensor fazendo o levantamento dessas terras para aten-
der o pessoal, que aí compra isso aqui por requerimento. Nem sabia
onde era! E aí o engenheiro dava informação. Então aconteceu o
seguinte, os amigos compravam essa terra aqui que era muito
boa. O Luiz Ambrózio era advogado ali em Cáceres, foi prefeito,
era pessoa bem colocada, ele comprou dez mil hectares por meio
de requerimento, não custou quase nada. [...] Comprei também
do senhor Aurélio, do Cartório do 1° Ofício de Cáceres, o homem
é cacerense de nascença, então quer dizer, o pessoal, os amigos,
os mais chegados, adquiriram essas terras todas do Estado por
meio de requerimento, quase de graça, depois me venderam [...].
(HEINST, 2003, p. 51). (Grifos nossos).
120
nos projetos de colonização privada dos anos 1950/60, apesar da pro-
moção da aquisição de terras.
Observamos que a região sudoeste de Mato Grosso (antes conheci-
da como Vale do Guaporé) teve seu processo de ocupação iniciado ain-
da no século XVII, com a marcha bandeirante à procura de ouro. Num
segundo momento, foi intimamente ligada ao processo de passagem das
terras devolutas às terras privadas de Mato Grosso e o avanço do capital
nacional e estrangeiro com vistas não só ao estabelecimento dos proje-
tos agropecuários; mas, antes de tudo, atrás da renda privada da terra,
ao mesmo tempo em que houve a abertura aos camponeses expropria-
dos das diversas regiões do Brasil. Inseriu-se no eixo dos projetos ofici-
ais de colonização, nos focos de conflitos, representado especialmente
pelo conflito de Mirassolzinho, contudo não contou com os projetos de
colonização privada acompanhados pelo Estado, que se concentraram
na região norte/nordeste de Mato Grosso e no eixo da BR 364.
Esse contexto sugeriu a fundação de Mirassol D’Oeste a partir de
processo de colonização particular especulativa, estimulada pelo estado
de Mato Grosso nos anos 1950 e 1960, a partir da ocupação dos “vazios”.
Como apontado por Paulo Mendonça, especulador imobiliário que, a
partir do processo de requisição de terras devolutas ao estado de Mato
Grosso, realizou sua própria colonização com a venda de terras na re-
gião:
A intenção minha não era fazer loteamento, nem imobiliária, meu
negócio é criar boi, e só isso. Eu resolvi lotear porque no primeiro
ano que eu cheguei aqui, eu vim na época das águas, cheio de ribei-
rãozinho aí, cheio de peixe. Eu voltei na seca só tinha peixe morto,
secou tudo. Aí eu consultei um geólogo de Cuiabá, e ele falou: en-
quanto tá coberto de mato segura uma aguinha, mas quando tirar a
mata vai secar tudo e vai acabar. Então, vou lotear e vender, quem
tem a área pequena fura um poço, bebe água, dá água para vaca.
Agora eu vou dar água para dez mil bois? Quer dizer, aí eu comecei
a vender, o pessoal começou a abrir. [...] Então vamos marcar aqui
uma cidade, fazer um loteamento aqui de cidade. Ao redor vamos
fazer de chácara. Então vamos tirar 400 alqueires, tira 40 para a ci-
dade, 360 em chácaras. [...] eu tinha uma equipe de agrimensores
121
para cortar o terreno, então o pessoal vinha aqui, a gente andava e
procurava a terra que servisse para aquele indivíduo. Ele determina-
va a quantia, a área que ele queria adquirir e o agrimensor cortava,
então foi feito de acordo com a possibilidade do comprador, podia
comprar cinco alqueires, dez, cinquenta, duzentos, era de acordo
com a possibilidade [...] pra vender eu tinha que trazer gente de lá,
vender picadinho, pra vender fazenda, dois, três, quatro mil alquei-
res já dava trabalho [...]. Foi feito na época o mapa, dividi os lotes
em chácaras de um alqueire e a pessoa comprava o que podia pagar
[...]. (Entrevista de MENDONÇA, citada por HEINST, 2003, p. 64).
122
viabilizam a ligação continental e a saída para o Pacífico. O foco é atingir
o mercado asiático e facilitar a conexão por terra entre os dois oceanos
(Pacífico e Atlântico), desenvolvendo “forte integração físico-territorial e
logística, que ampliará o comércio regional” (BRASIL, 2007).
Tal contexto foi reforçado por Oliveira (1998), ao explicar que alta
soma de recursos do POLONOROESTE foi distribuída em municípios do
Vale do Guaporé (região sudoeste do estado de Mato Grosso), atendendo,
ao mesmo tempo, aos interesses geopolíticos de integração e de alargamen-
to das fronteiras, proporcionando o desenvolvimento econômico especial-
mente em Araputanga e Mirassol D’Oeste,
onde as fazendas de soja e gado se expandiram, concentrando
terra e onde as propriedades já pertencem às classes das médias e
grandes. É nesse sentido que, posseiros e colonos aparecem como
“amansadores de terra” e fornecedores de mão de obra e gêneros
alimentícios ao grande empreendimento rural, possibilitando a va-
lorização das terras e apropriação do trabalho camponês. (OLIVEI-
RA, 1998, p. 35).
2
É preciso registrar que, no Atlas do Trabalho Escravo no Brasil (THÉRY et al. 2012,
p. 28), consta que, em Mirassol do Oeste, um foco de trabalho escravo foi identificado
entre os anos de 1995 a 2006, com a liberação de mais de 250 trabalhadores. Em trabalho
de campo, durante conversas informais, soube-se de grupos ligados à Igreja que atuam
ainda hoje na liberação de escravos na região, especialmente no trabalho com a cana-
-de-açúcar.
124
serviços: 6.525 pessoas; na agropecuária: 1.818 pessoas; em indústria de
transformação (também relacionada à agropecuária, como laticínios e
frigoríficos): 1735 pessoas.
O município aumentou, entre 2000 e 2011, em mais de 40% o re-
banho bovino, 50% do rebanho ovino e apenas 10% do rebanho suíno,
conforme SEPLAN-MT (2012). A análise dos diversos Cartogramas
do IBGE Cidades indica Mirassol entre os municípios de expressão
na produção de gado em Mato Grosso, fundamentalmente no eixo
da Grande Cáceres. Ainda de acordo com a Associação Brasileira das
Indústrias Exportadoras de Carnes (que congrega os grandes grupos
frigoríficos de capital nacional e internacional), do total de 83 plantas
industriais no Brasil, 18 estão em Mato Grosso e 4 estão na região da
Grande Cáceres: Araputanga; Mirassol D’Oeste; São José dos Quatro
Marcos e Cáceres.
Algumas dessas empresas, a JBS e a Brasil Foods S.A., enfrentam
problemas trabalhistas em Mato Grosso e outras partes do país, ampla-
mente divulgados na internet, respondendo judicialmente por várias
denúncias relacionadas, em geral, a “sobrecarga de trabalho”. Situação con-
firmada, durante os trabalhos de campo, pelos camponeses, ao afirmarem
que quem se sujeita ao trabalho nessas empresas está subordinado à su-
perexploração, tanto para quem trabalha entregando sua produção quanto
para quem trabalha nos frigoríficos.
Apoiadas pelo governo federal, essas grandes corporações consolid-
am seu espaço político de produção a partir de reformas estruturais a fim
de aumentar substancialmente sua produtividade, ampliando até mesmo
o processo de desestruturação da legislação trabalhista:
Vivemos um momento em que o governo Dilma aprofunda as re-
formas que visam retirar toda e qualquer legislação restritiva ao
avanço do capital no Brasil, e não encontra nenhuma oposição! [...].
Dá pra ilustrar com exemplos como tais ações que vêm ocorren-
do [...]. A BR Foods, produto da fusão da Sadia com a Perdigão, é
um desses exemplos [...] Ou seja, o capital continua em sua marcha
de concentração, centralização. E o governo apoia. Contraditoria-
mente, vemos que uma parte dessas empresas brasileiras que vão
125
se tornando mundiais têm dinheiro dos fundos de pensão das es-
tatais. É uma coisa curiosa, pois assim os próprios trabalhadores
se tornam ‘interessados’ no fortalecimento de tais empresas. É uma
espécie de nova soldagem da relação capital-trabalho, de forma a
mostrar ambos como duas faces da mesma moeda. E penso que as
contradições na relação capital-trabalho vão se aguçar, pois, inevita-
velmente, o país terá posto na pauta política a discussão da questão
previdenciária [...] É só olharmos o item principal das medidas na
Europa no momento de crise: retirada das conquistas sociais dos
trabalhadores. O governo ainda não implementou tais políticas,
mas inevitavelmente vai fazer isso no ano que vem, principalmente
se tivermos o aprofundamento da crise mundial. E tudo indica que
ela irá se aprofundar, o que, se ocorrer, impactará o Brasil também.
Aí, tais questões vão aparecer, o que permitirá aos trabalhadores ve-
rificarem de que lado está o Partido dos Trabalhadores. E não tenho
dúvidas de que esse lado é o do capital, não o do trabalho. (OLI-
VEIRA, 2013, n.p.). Disponível em: http://terralivre.org/2012/01/
entrevista-com-ariovaldo-umbelino-pelo-o-correio-da-cidadania/.
Acesso em: 16 dez. 2013.
126
dutores, que, aos poucos, expandiram-se e tornaram-se grandes. O frig-
orífico do grupo, na lista do Indea (2012), é o único regularizado no
tocante a “saúde animal” para abatimento de aves. Realiza sua produção
em parceria com os pequenos produtores, mas, assim como na relação
com os frigoríficos de carne bovina, em geral os assentados da região
não comercializam sua produção com essa empresa.
A análise dos números da produção pecuária de Mirassol D’Oeste,
série histórica 2000-2011, de acordo com a SEPLAN (2012), indica a
diminuição do rebanho avícola de galinhas em quase 50% e também
de seus ovos – cerca de 20% de diminuição (produção camponesa para
consumo e venda), pequeno aumento dos rebanhos avícolas (galos,
frangos e pintos) em 2011, apesar de quedas nos intervalos entre os anos
2001 e 2010.
Há trabalhos de análise de economistas que revelam a falta de
“qualidade” da produção de aves na região da Grande Cáceres, em
decorrência da falta de regularização das áreas de abate e criação, ou
seja, insere-se o camponês na produção e busca-se o enquadramento
industrial da produção, porém, como não é alcançado, diminui-se o
valor pago pelos produtos. Assim, a região apresenta “dificuldades”
para sua inserção nas plantas industriais das produções avícolas de
Mato Grosso, especialmente se comparada a outras regiões como o
meio norte, onde estão os municípios de Sorriso, Campo Verde e Lu-
cas do Rio Verde3.
De acordo com a SEPLAN (2012), a produção de leite aumentou
expressivamente neste período. O rebanho de ordenha, na ordem de
6.076 cabeças (2000), passou para 12.560 (2011), e a quantidade de leite
produzida passou de 7.291 (mil litros) para 14.243 (mil litros); ambos
dobraram seu volume. Vale assinalar que o rebanho bovino efetivo do
município é de 132.416 cabeças (2011).
3
Ver artigo de Cleiton Franco et al, 2009. Disponível em: <http://www.sober.org.br/pa-
lestra/13/279.pdf>. O autor assinala ainda subsídios do Estado e o avanço da produção
de aves em Mato Grosso e as fusões para o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva
da avicultura.
127
Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastec-
imento (MAPA) (s.d.), na região da Grande Cáceres há grande número
de fábricas de laticínios e usinas de beneficiamento de leite: são onze
estabelecimentos. Destes, o grupo “Vencedor” é a maior usina de bene-
ficiamento de leite, confirmando os dados levantados em campo a partir
das experiências dos assentados. O laticínio Vencedor é de um grupo
paulista com sede em São José dos Quatro Marcos, com mais de oito
municípios fornecedores na região.
A produção de leite é estimulada nos assentamentos desde a
elaboração do Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA): “a
pecuária leiteira não constava no planejamento inicial de muitos mu-
nicípios, sendo que foi amplamente estimulada pelos programas de fi-
nanciamento” (BRASIL, 2010, p. 46), mas tem-se apresentado, forçosa-
mente, como alternativa mais viável e certa de produção. Nesse sentido,
observa-se que o governo federal, a partir do Plano Territorial de Desen-
volvimento Rural Sustentável - Território da Grande Cáceres4 (BRASIL,
2010, p.45-48), aponta o desenvolvimento da produção do leite como
alternativa ao autoconsumo para a modernização do camponês, desde
que se agregue às cadeias produtivas maiores e busque estratégias para o
aumento de sua produtividade.
A expectativa, coincidentemente ao “Plano Territorial de Desen-
volvimento Rural Sustentável - Território da Grande Cáceres5” (BRA-
SIL, 2010), é do aumento da produtividade e da qualidade do leite pe-
los pequenos e médios produtores e, consequentemente, o aumento do
preço e a inserção no mercado internacional. Todavia, ao contrário do
que se anuncia, o programa Leite Legal, sob o rótulo “o que se paga é a
qualidade”, e os mecanismos desse controle certamente favorecerão os
grandes laticínios. Provavelmente diminuirá o pagamento pelo produto
4
Para aprofundar este debate, ver o artigo de Conceição (2013). Estado, Capital e a far-
sa da expansão do Agronegócio. MERIDIANO. Revista de Geografía, número 2, 2013,
p.81-104. – versión digital. <http://www.revistameridiano.org/>.
5
Para aprofundar este debate, ver o artigo de Conceição (2013) Estado, Capital e a far-
sa da expansão do Agronegócio. MERIDIANO. Revista de Geografía, número 2, 2013,
p.81-104. – versión digital. Disponível em: <http://www.revistameridiano.org/>.
128
bruto por causa do aumento da exploração da capacidade de trabalho
do camponês6.
O gado, ao longo do século XX, constituiu-se como a força
econômica do capital da região da Grande Cáceres, contudo anun-
cia-se a abertura de outra relação: o avanço da produção de soja. A
análise dos dados do Censo Agropecuário de 2006 para o estado de
Mato Grosso, considerando as décadas de 1970 a 2006, indica a aceler-
ação desse processo, inserido no contexto de modernização e monop-
olização do capital na produção do espaço agrário mato-grossense.
Para compreender o processo, faz-se importante apresentar breve-
mente alguns dados sobre o estado, para, em seguida, retomar os da-
dos do município e estabelecer a relação da expansão da produção de
grãos em Mato Grosso.
Em Mato Grosso, houve, entre 1970 e 2006, o acréscimo de 10
vezes o número de tratores, aumentando brutalmente a ocupação
das áreas com a produção de lavouras: de 753.749ha (1970) para
6.865.763ha (2006); aumento de mais de 9 vezes, ou seja, superior ao
aumento das pastagens, uma vez que o aumento de áreas ocupadas por
atividades agropecuárias é de 3,5 vezes. No estado, as pastagens dimi-
nuíram em números absolutos e relativos, pois, de 31.588.303ha, em
1970, passaram para 22.809.021ha, em 2006. O interessante do dado
sobre pastagens é que são somadas as pastagens pecuárias às pastagens
naturais, o que sugere que as pastagens ocupavam quase o dobro das
áreas agropecuárias ocupadas em 1970. A questão é: para assa expan-
são das lavouras, o que diminuiu foram as áreas do gado ou as áreas
do Cerrado?
Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente/SEMA-MT
(2013, p. 57), com base nos dados do IBGE, Mato Grosso é o maior pro-
dutor bovino do Brasil, com 12,86% da produção total, contando com
6
O incentivo do Estado para a produção de outros produtos, como, por exemplo, o mel
de abelha, apesar de estar presente em muitos planejamentos para pequenos produtores,
não se consolida no município. Os camponeses do Roseli Nunes reclamam da dificulda-
de de formação técnica para seu desenvolvimento.
129
27.357.089 cabeças de gado. A maior parte desse rebanho está no Bioma
Amazônia, sendo 22. 809.021 hectares de áreas de pastagens. Da região
da Grande Cáceres, estão, entre os dez maiores produtores de bovinos
do estado: Vila Bela da Santíssima Trindade, Pontes e Lacerda e Porto
Espiridião (Bioma Amazônia) e Cáceres (Bioma Pantanal).
Há forte relação entre o desmatamento e a pecuária. A partir da
leitura dos dados de 1970, quando as matas e florestas representavam
quase 50% das áreas ocupadas, verifica-se que, em 2006, não chegam a
36%. Considerando que essas áreas somam, além das áreas de reserva
legal, as áreas de proteção permanente, tanto no Bioma Cerrado quanto
no Amazônico, observa-se que os estabelecimentos agropecuários não
cumprem minimamente os 35% nas áreas de Cerrado e 80% nas áreas
da Floresta Amazônia, exigidos na Lei Federal 12.651/2012 (o novo Có-
digo Florestal).
No tocante à produção agrícola, Mato Grosso também lidera no
ranking nacional da produção de grãos e oleaginosas. É o primeiro ex-
portador de soja e algodão e o terceiro na produção de arroz. O Bioma
Cerrado é o que aporta a maior produção agrícola, quase 70% do total
do Estado. (SEMA-MT, 2013). Hoje se busca conciliar a consolidação do
desmatamento ao “melhor aproveitamento das áreas” com o avanço da
produção de grãos, fundamentalmente soja, no circuito das commodi-
ties agrícolas.
A partir dos dados apresentados pela SEPLAN-MT (2011), é pos-
sível identificar a desigualdade entre área, volume de produção e va-
lores das colheitas de grãos (geralmente commodities) e os produtos
alimentícios no estado de Mato Grosso. Entre os anos de 2001 e 2010,
enquanto a mandioca aumentou somente cerca de 10% da sua área e
20% da sua produção e o tomate aumentou cerca de 30% em área e
em produção, a melancia diminuiu em ambas, alcançando certa insta-
bilidade ao longo dos dez anos. O milho quadriplicou e a soja dobrou,
em área e produção, acompanhados de aumento do sorgo – plantio de
alternância e preparo para o plantio de soja. Cerca de 70% da produção
agrícola do estado é de soja.
130
Noutra tabela, com outra matriz de produtos, também se observa
a mesma movimentação. Ainda que haja aumento das áreas e dos volu-
mes de produção de abacaxi, amendoim, feijão, há aumento significati-
vo da cana-de-açúcar, apesar de certa oscilação ao longo dos dez anos, e
manutenção da área e do volume do algodão. Há, no entanto, diminui-
ção expressiva do plantio de arroz no estado, com 40% a menos de sua
área e quase 50% de seu volume de produção. Para a Sema-MT (2013),
a produção de alimentos é, em grande parte, fruto da agricultura fami-
liar camponesa, representando, a mandioca, a banana, o café, o feijão, o
abacaxi, o maior volume de produção. Também são grandes produtores
de borracha. O município de Cáceres é o 4º produtor de mandioca do
estado, sendo este o principal produto atribuído à agricultura campone-
sa na região da Grande Cáceres.
Os dados do município de Cáceres, apresentados pela Seplan
(2011; 2012), a banana teve, ao longo de dez anos (entre 2000-2011),
redução na área produzida e pequeno aumento no volume da produ-
ção. Nesse mesmo intervalo, o tomate apresenta manutenção em área
de produção e queda de 10% em produção. A melancia teve redução em
sua área de produção e oscilação em seu volume de produção, manten-
do, ao longo dos dez anos, entre 150 e 200 toneladas anuais.
Boa parte desses produtos existe nos assentamentos da região para
consumo dos camponeses, e não para comercialização. A comercial-
ização é local, à exceção do algodão e da banana, que tiveram queda em
sua comercialização, mas vem sendo retomada.
Assim como em todo o estado de Mato Grosso, entre 2000-2011 a
área de produção de arroz foi reduzida a menos da metade (de 500 ha para
200 ha) e a produção, de 1.000 para 600 toneladas, o que representa quase
1% da produção do estado de Mato Grosso (687.137 toneladas). O feijão
também teve sua área reduzida, de 250 ha, em 2002, para 150 ha, em 2011,
mostrando a oscilação que pode ser explicada pelo aumento inicial dos
anos de 2003 a 2005, com a fase de estruturação de muitos assentamentos
do entorno. As dificuldades apresentadas em entrevistas, como, por exem-
plo, a falta dos subsídios para o plantio, o uso de agrotóxicos de fazendas
131
de cana próximas às áreas de plantio de feijão, forçaram o abandono da
produção na região. A crise do preço do feijão em 2007 impulsionou, to-
davia, nova produção, mantendo-a por um tempo e agora apresentando
nova queda. Assim como ocorreu com o arroz, o município foi responsável
por cerca de 2% da produção do estado – 133.813 toneladas –, com 275
toneladas em 2010.
Em dez anos, a mandioca ampliou sua área de produção de 30 ha
para 150ha, aumento de cinco vezes; em volume, aumento de 4 vezes,
passando de 450 para 1.950 toneladas. Além de a mandioca represen-
tar um dos alimentos mais importantes da cultura camponesa em Mato
Grosso, outra possível explicação é a promoção das farinheiras pelo
estado como proposta de consolidação dos assentamentos no começo
dos anos 2000. A produção de cana-de-açúcar aparece registrada a par-
tir de 2003 e sua produção aumenta expressivamente, de 250 ha (2003)
para 5.527ha (2011), mais de 22 vezes, com 469.795 toneladas produz-
idas em 2011, perfazendo cerca de 3% da produção total do estado em
2010 – 14.564.724 toneladas –, indicando sua expansão na bacia do Alto
Paraguai. A produção do milho apresentou forte oscilação no período
apresentado, com aumento entre os anos de 2002 e 2005; queda entre os
anos de 2006; aumento nos dois anos posteriores e agora parece estar
em queda novamente, tanto em área quanto em volume de produção.
A produção de soja no município ainda é pequena; seus registros
aparecem somente no ano de 2003, com área de 800ha, chegando a
1.865ha de área plantada e colhida em 2011, sendo produzidas 1.920,00
toneladas (2003) e 5.819 toneladas, em 2011. Seu valor no município
passou de R$975.000,00 (Novecentos e setenta e cinco mil reais) para
R$3.491.000,00 (Três milhões, quatrocentos e noventa e um mil reais),
por tonelada produzida, demonstrando aumento crescente.
Vale assinalar que, no tocante a relações de trabalho, os municípios
que compõem a Grande Cáceres apresentam fraco processo de arren-
damento, com poucos estabelecimentos usando essa relação; segun-
do dados do IBGE (2006), em Mirassol D’Oeste são somente 5. Caso
se confirme o avanço da produção de grãos na região, é possível que
132
a prática de arrendamento estabeleça-se como mais um elemento de
desestruturação dos assentamentos.
Todo esse contexto de produção realiza o PIB per capita a preços
correntes de R$15.600,43 (Quinze mil, seiscentos reais e quarenta e três
centavos), situando Mirassol D’Oeste medianamente em relação a out-
ros municípios de Mato Grosso ao ser comparado com grandes PIB,
como o de Sapezal: R$27.202,68 (Vinte sete mil, duzentos e dois reais
e sessenta e oito centavos), onde predominam terras do Senador Blai-
ro Maggi, com forte concentração fundiária (De acordo com o Índice
de Gini, por volta de 0,8, conforme apresentado pelo DATALUTA–MT,
2012). Segundo o sociólogo Inácio Werner, em entrevista à Revista
Unisinos, em 20117:
O latifúndio se renovou e hoje gerencia um moderno sistema cha-
mado agronegócio, que controla as terras e a produção. Dados do
último censo agropecuário de 2006 indicam que 3,35% dos estabe-
lecimentos, todos acima de 2.500 hectares, detém 61,57% das terras.
Na outra ponta, 68,55% dos estabelecimentos, todos até 100 hecta-
res, somente ficam com 5,53% das terras. A concentração das terras
traz um reflexo direto para a agricultura familiar. Enquanto a média
nacional de apropriação é de 33,92% dos recursos, em Mato Grosso
esta fatia cai para 6,86%. Em outras palavras, 93,14% do bolo fica
com a agricultura empresarial. (REVISTA USININOS, 2011).
7
Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/45914-do-latifundio-ao-
-agronegocio-a-concentracao-de-terras-no-brasil-entrevista-especial-com-inacio-wer-
ner>. Acesso em: 10 set. 2014.
133
lecimentos ocupam 59,8% da área do município), ao mesmo tempo em
que indicam alguma parcela de terras nas mãos dos antigos posseiros,
vindos ainda nos anos 1950 (com 19,6% de estabelecimentos em áreas
menores de 10 hectares), e de muitos assentados (com 929 estabeleci-
mentos com área entre 10 e 100 hectares, perfazendo 70% do número
de estabelecimentos do município). Situa-se como o segundo município
com maior concentração de terras dessa região, precedido por Cáceres;
contraditoriamente, também o segundo em número de estabelecimen-
tos próximos ao seu módulo fiscal (80 ha) certamente representado pe-
los assentamentos.
Em Mirassol D’Oeste, são seis assentamentos: Roseli Nunes (331 fa-
mílias); Santa Helena II (53 famílias); Providência I (67 famílias); São Sa-
turnino (112 famílias); Margarida Alves (144 famílias) e Vila Rural Mode-
lo Fitoterápico (25 famílias); com o total de 732 famílias (BRASIL, 2010).
Para refletir sobre a luta pela terra na região, partirmos dos da-
dos do IBGE (2006), que apresenta, no total do estado de Mato Gros-
so, 3,8% de estabelecimentos na categoria produtor sem área declarada,
com 1.016 (unidades). Seriam esses produtores famílias sem terra? Caso
sejam, as mobilizações pelo estado de Mato Grosso mostram número
muito maior.
De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de
2003 até 2012, foram mais de 15 acampamentos com mais de 8 mil
famílias. As informações da Ouvidoria Agrária do INCRA de Mato
Grosso reiteram informalmente esse número (não há dados publiciza-
dos), confirmando a distribuição de 8 mil cestas básicas, sugerindo no
mínimo 8 mil famílias acampadas. Segundo o Movimento dos Tra-
balhadores Rurais Sem Terra de Mato Grosso (MST/MT), são mais de 2
mil famílias sem terra em luta a partir desse movimento. De acordo com
a FETAGRI–MT, no final de 2012 eram 800 famílias nas proximidades
da Gleba Marzagão I e II, na baixada Cuiabana.
A concentração fundiária em Mato Grosso desdobra-se na luta
pela terra, gerando conflitos, e nos últimos três anos foram mais de
134
Porto
Jauru
D’Oeste
D’Oeste
D’Oeste
Cabaçal
Lacerda
Cáceres
Lambari
Pontes e
Mirassol
4 Marcos
Município
Esperidião
Reserva do
Pedra Preta
Curvelândia
Salto do Céu
Porto Estrela
Figueirópolis
85.911 73.296 111.615 139.702 352.011 525.653 276.808 171.035 76.828 102.211 70.169 28.192 1.182.936 Área
55 61 227 88 96 145 98 262 46 63 52 121 285 Número
12,7 22,7 17,1 17,5 10,7 11,7 10,8 19,6 16,4 7,06 9,75 25,7 11,3 Percentual
0a
252 219 1.211 443 327 616 346 1.005 276 330 229 669 1.372 Área
menos 10
0,3 0,29 1,09 0,32 0,08 0,12 0,12 0,6 0,36 0,31 0,33 2,38 0,12 Percentual
252 139 884 252 440 697 501 929 159 688 367 301 1.697 Número
58 52 67 50 49 56 55 70 57 77 69 64 67 Percentual
8.823 4.764 29.588 9.567 16.584 27.627 13.723 27.645 5.269 24.486 13.354 9.117 57.440 Área
10 a - 100
34.344 14.084 56.156 44.744 96.217 94.257 55.066 33.939 19.572 27.590 28.622 14.472 137.366 Área
a - 1.000
40 19 50 32 27 18 20 20 25 27 41 51 12 Percentual
19 8 16 14 52 49 58 4 11 11 4 2 67 Número
4,37 2,97 1,21 2,79 5,82 3,95 6,39 0,3 3,91 1,24 0,75 0,43 2,65 Percentual
27.389 15.286 24.657 20.263 79.105 80.726 92.408 6.108 17.886 16.614 6.305 X 104.969 Área
a - 2500
31,9 20,9 22,1 14,5 22,5 15,4 33,4 3,57 23,3 16,3 8,99 X 8,87 Percentual
3 10 - 11 27 44 23 13 4 9 4 - 75 Número
0,69 3,72 - 2,19 3,02 3,55 2,53 0,97 1,42 1,01 0,75 - 2,97 Percentual
mais
2.500
15.101 38.943 - 64.684 159.776 322.426 115.265 102.338 33.817 33.188 21.659 - 881.789 Área
17,6 53,1 - 46,3 45,4 61,3 41,6 59,8 44 32,5 30,9 - 74,5 Percentual
5034 3894 #### 5880 5918 7328 5012 7872 8454 3688 5415 #### 11757 Média dos acima de 2.500
2 - - 6 - 4 # 3 1 - 2 - 2 Produtor sem área
135
Tabela 1 - Região da Grande Cáceres-MT: estrutura fundiária em hectares (ha)
24 casos, mantendo-se cerca de 10 até 2013, dois deles na região de
Cáceres (Fazenda Nova Mutum e Fazenda Rancho Verde). Os prin-
cipais casos estão nas regiões norte e nordeste do estado, envolvendo
terras indígenas e acampamentos, além de desapropriações de pos-
seiros e assentados por obras de construção de barragens. Nos últimos
25 anos, foram mais de 110 pessoas assassinadas em MT. Segundo da-
dos da CPT, em 2012, no Brasil, foram 794 casos de conflitos envol-
vendo 81.074 famílias em área de 13.181.559 hectares, indicando que
a luta pela terra ainda é forte.
A análise de Oliveira (2013) questiona a situação das terras no
estado de Mato Grosso e a ausência do Estado na viabilização de as-
sentamentos e na realização da reforma agrária. A partir de dados do
IBGE (2006), Oliveira (2013) expõe que, da área total de Mato Grosso,
90.338.609 hectares, somente 58.231.757 hectares (64%) dessas áreas
são cadastradas, estando o restante em situação de desconhecimento de
sua “natureza”. Deste total de áreas, 56.843.815 hectares (12.557 imóveis)
são improdutivos e 32.106.852 hectares (36%) são terras devolutas.
Nos mapas da distribuição de terras devolutas em Mato Gros-
so por municípios, Oliveira (2013), chama atenção ao fato de que, na
região da Grande Cáceres, os municípios de Mirassol D’Oeste e São José
dos Quatro Marcos, ambos produzidos a partir de projetos de coloni-
zação privada, apresentam de 50% a 90% de suas terras devolutas. Essa
região é também movimentada por acampamentos de luta pela terra,
além de apresentar enorme capacidade de realização de projetos de as-
sentamentos.
Considerações finais
Compreender e identificar as forças que atuam na produção do
espaço regional da Grande Cáceres, em especial no município Mirassol
D’Oeste (MT), vivenciado pelos camponeses do assentamento Roseli
Nunes, conduziram a que paulatinamente fosse possível compreender
as palavras de Oliveira (2001, p. 186):
136
[...], a chamada modernização da agricultura não vai atuar no senti-
do da transformação dos latifundiários em empresários capitalistas,
mas, ao contrário, transformou os capitalistas industriais e urbanos
– sobretudo do Centro-Sul do país – em proprietários de terra, em
latifundiários. A política de incentivos fiscais da Sudene e da Sudam
foram os instrumentos de política econômica que viabilizaram esta
fusão [...]. No Brasil, esta aliança fez com que, ao invés de a burgue-
sia atuar no sentido de remover o entrave (a irracionalidade) que
a propriedade privada da terra traz ao desenvolvimento do capita-
lismo, atuasse no sentido de solidificar, ainda mais, a propriedade
privada da terra.
Dessa forma, a concentração da propriedade privada da terra no
Brasil não pode ser compreendida como uma excrescência à lógi-
ca do desenvolvimento capitalista. Ao contrário, ela é parte consti-
tutiva do capitalismo que aqui se desenvolve. Um capitalismo que
revela contraditoriamente sua face dupla: uma moderna no verso
e outra atrasada no reverso. É por isso minha insistência na tese
de que a concentração fundiária no Brasil tem características sui
generis na história mundial. Em nenhum momento da história da
humanidade houve propriedades privadas com a extensão das en-
contradas no Brasil.
Referências
BRASIL/INCRA. PDA – Plano de Desenvolvimento do Assentamento Roseli Nunes,
Cuiabá – MT, 2002.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário – Secretaria de Desenvolvimento Ter-
ritorial. Plano territorial de desenvolvimento rural sustentável: Território da Grande
Cáceres. Cuiabá, 2010.
137
HEINST, A. de C. Memória e pioneirismo: batalha de narrativas em uma área de ocu-
pação recente em Mato Grosso. Revista História, imagem e narrativas. n. 5, ano 3, set.
2007.
HEINST, Andréia de C. Pioneiros do século XX: memória e relatos sobre a ocupação
da cidade de Mirassol D’Oeste. Dissertação (Mestrado em História) - Departamento
de História, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato
Grosso, Cuiabá, 2003.
IBGE. Censo Agropecuário. 2006. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/
tabela/listabl.asp?z=t&o=11&i=P&c=1244>. Acesso em: 10 ago. 2015.
MORENO, G. Terra e poder em Mato Grosso. Cuiabá: Entrelinhas, 2007.
MORENO, G. O processo histórico de acesso à terra em Mato Grosso. GEOSUL. Flori-
anópolis, v. 14, n. 27, p.67-90, 1999.
OLIVEIRA, A. U. de. O desenvolvimento do capitalismo na agricultura e a questão
agrária. Seminário Educação no Campo e a Questão Agrária. MST. Auditório Madei-
rão. Faculdade de Engenharia Florestal. UFMT, 07 jun. de 2013.
OLIVEIRA, A. U. de. Imobilismo do movimento social permite nova ofensiva do
grande capital. Entrevista concedida a “O Correio da Cidadania”, 2011. Disponível em:
<http://terralivre.org/2012/01/entrevista-com-ariovaldo-umbelino-pelo-o-correio-da-
-cidadania/>. Acesso em: 10 jan. 2012.
OLIVEIRA, A. U. de. Modo de produção capitalista, agricultura e reforma agrária.
São Paulo: FFLCH, 2007.
OLIVEIRA, A. U. de. Barbárie e modernidade: as transformações no campo e o agro-
negócio no Brasil. Revista Terra Livre. São Paulo: AGB, ano 19, v. 2, n. 21, p. 113-156,
2003.
OLIVEIRA, A. U. de. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais,
conflitos e reforma agrária. Estudos Avançados. São Paulo, vol. 15, n. 43, p.185-206,
2001a.
OLIVEIRA, A. U. de. A fronteira Amazônica mato-grossense: grilagem, corrupção e
violência. 1997. Tese. Livre Docência. Departamento de Geografia, Faculdade de Filo-
sofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1997. Volumes
1 e 2.
OLIVEIRA, A. U de. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto,
1996.
OLIVEIRA, B. A. C. de. Tempo de travessia, tempo de recriação: profecia e trajetória
camponesa. 1998. Tese (Doutorado em Ciência Social - Antropologia Social) - Facul-
dade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
1998.
SECRETARIA DE ESTADO DE PLANEJAMENTO (SEPLAN – MT). CAMARGO, L.
(Org.) Atlas de Mato Grosso: abordagem socioeconômico-ecológica. Cuiabá: SEPLAN
MT, 2011.
138
SECRETARIA DE ESTADO DE PLANEJAMENTO (SEPLAN – MT). Anuários esta-
tísticos SEPLAN – MT. Disponível em: <http://www.seplan.mt.gov.br>. Acesso em: 30
set. 2013.
SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE DE MATO GROSSO (SEMA).
Disponível em: <http://www.sema.mt.gov.br/index.php?option=com_content&view=a
rticle&id=156&Itemid=289>. Acesso em: 20 ago. 2011.
SILVA, A. da et al.. Padrões de canal do Rio Paraguai na região de Cáceres – MT. Revista
Brasileira de Geociências. 38(01), p. 167-177. 2008.
THÉRY, H. et al. Atlas do trabalho escravo no Brasil. São Paulo: Amigos da Amazônia
Brasileira, 2012.
139
140
Vida e Luta Camponesa em Cáceres-MT:
Um Olhar Sobre os Assentamentos
Rurais na Região de Fronteira
Brasil-Bolívia
Jacob Binzstok
Doutor em Geografia. Docente na Universidade Federal Fluminense. Campus de Nite-
rói-RJ.
Introdução
Este trabalho é parte da tese de doutorado intitulada “Territórios
de Esperança: o processo de (re)criação camponesa em Mato Grosso”,
desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Univer-
sidade Federal Fluminense (UFF), que, por sua vez, se insere em estudo
mais amplo financiado pela Rede Pro-Centro-Oeste, Pesquisa e Ino-
vação CNPq/MCT e do FUNDECT – Rede ASA, intitulado: “Questão
Agrária e Transformações Socioterritoriais nas Microrregiões do Alto
Pantanal e Tangará da Serra/MT na última década censitária”.
Neste capítulo, apresentam-se algumas reflexões a respeito do pro-
cesso de (re)criação camponesa em Mato Grosso, em específico nos as-
141
sentamentos rurais em Cáceres-MT, região de fronteira Brasil-Bolívia1.
Objetiva-se compreender o campo a partir dos próprios sujeitos, seu
modo de vida e de trabalho, suas práticas para manutenção e perma-
nência na terra conquistada: os assentamentos do território fronteiriço.
Do total de assentamentos rurais implantados no município de
Cáceres-MT (21), verifica-se que, na região da fronteira Brasil-Bolívia,
existem atualmente sete assentamentos rurais devidamente catalogados
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),
cada um com suas especificidades e em diferentes estágios de desenvol-
vimento, conforme se visualiza na tabela 1.
1
A fronteira Brasil-Bolívia compreende uma faixa de aproximadamente 3423,2 km de
extensão, dos quais 250 km de território brasileiro estão dentro do município de Cáce-
res, sob guarnição do 2º Batalhão de Fronteira contribuindo para a segurança nacional
através dos Destacamentos Militares da Corixa e Fortuna, com atuação no patrulha-
mento e manutenção dos marcos de fronteira na área considerada “Zona Neutra” – faixa
correspondente e a 25 metros para o lado brasileiro e 25 metros para o lado boliviano, a
partir do marco (JANUÁRIO, 2004).
142
da prática da agricultura camponesa. Esses assentamentos estão locali-
zados a distância de 95 a 145 km da cidade de Cáceres (MT) e a pouco
mais de 20 km da Bolívia, situação que estimula as relações comerciais
com o país vizinho.
Nesse sentido, objetiva-se, por meio de dados coletados em campo
(observação participante, aplicação de questionários, entrevistas e aná-
lise documental), analisar e compreender o processo de luta pela terra
e na terra em Cáceres, e a dinâmica da vida camponesa presente nesses
assentamentos rurais fronteiriços.
Tais reflexões, resultantes de análise da realidade efetivamente
vivida pelos camponeses nesse território, foram complementadas por
nossa experiência profissional em trabalhos de extensão e pesquisa nos
assentamentos rurais dessa região fronteiriça e apoiadas, por sua vez,
pela literatura sobre a agricultura camponesa e os assentamentos rurais
no Brasil, os quais são compreendidos como:
O conjunto de famílias de trabalhadores rurais vivendo e produ-
zindo num determinado imóvel rural, desapropriado ou adquirido
pelo Governo Federal (no caso de aquisição, também pelos Gover-
nos Estaduais) com o fim de cumprir as disposições constitucionais
e legais relativas à Reforma Agrária. A expressão assentamento é
utilizada para identificar não apenas uma área de terra, no âmbito
dos processos de reforma agrária, destinada à produção agropecu-
ária e ou extrativista, mas, também, um agregado heterogêneo de
grupos sociais constituídos por famílias de trabalhadores rurais.
(CARVALHO, 1998, p. 29).
143
nesa, por novas alternativas de renda, por novas formas de produção e
organização do trabalho e pela conquista de direitos necessários à vida
digna (moradia, água, estradas, energia elétrica, educação, saúde, entre
outras) e voltados à realidade do campo.
A esse respeito, Carvalho (2006, p. 164) afirma que:
A luta pela/na terra é sempre e ao mesmo tempo uma luta pela pre-
servação, conquista ou reconquista de um modo de ser e de traba-
lho. Todo um conjunto de valores culturais entra em linha e conta
como componente do modo de ser e viver do campesinato.
2
Expressão utilizada por Martins (1981).
3
Expressão utilizada por Woortmann (1990).
144
Figura 01 – Cáceres (MT): localização do município
Fonte: LABET, 2014.
145
diversas culturas e lavouras para autoconsumo praticadas em pequenas
unidades de produção familiar. Na região da Província Serrana, a nor-
deste, e bem próximo à sede do município, começaram a surgir, no ano
de 2003, as primeiras áreas exploradas para a monocultura de soja e de
teca (Tectona grandis). O município também se destaca porque desem-
penha a função de polo regional nas áreas de saúde, educação superior
e prestação de serviços.
Os movimentos de luta pela democratização do acesso à terra e
combate ao latifúndio na Região iniciaram-se em 1996, quando fo-
ram organizados vários acampamentos, caracterizando a chegada dos
movimentos sociais do campo à região. Cabe ressaltar que a chegada
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) possibi-
litou melhor organização das famílias no processo de luta pela terra.
Desse modo, em 1996, essas famílias, incentivadas pela movimentação
nacional de luta pela terra e organizadas pelo MST, a Igreja e o Sin-
dicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, ambos formadores
das lideranças da mobilização inicial da região, iniciaram as primeiras
reuniões de base de mobilização para a constituição dos acampamen-
tos na região.
Contudo, segundo relato dos camponeses e de militantes do MST,
desde o começo da organização, as famílias foram vigiadas e pressiona-
das para que não ocupassem a terra:
Quando nós decidimos com o coletivo fazer o acampamento aqui
na região, sofremos tudo quanto é tipo de perseguição, teve prisão
de liderança, de camponês, teve di tudo, né? Eu passei alguns meses
preso por conta da nossa organização [...] (MILITANTE DO MST
NO MT, 2013).
Naquela época, quando a gente começou a fazer as reunião de base,
começamos a sofrer ameaças, a polícia já veio com tudo pra cima
da gente, teve muitos companheiros que responderam processo por
conta dessa primeira ocupação, teve muita família que desistiu com
medo das represálias e outros por causa da polícia, nós passamos
por muito sofrimento, mas não desistimos não. (ASSENTADO EM
CÁCERES, 2013).
146
O acampar era, no entanto, naquele momento, a única possibili-
dade de retorno à terra para as famílias. Assim, a efetivação da primei-
ra ocupação ocorreu na páscoa do mesmo ano, mais precisamente na
data de 08 de abril de 1996, na fazenda Santa Amélia, no distrito do
Caramujo, e contou com a participação de 1.500 famílias. Desta primei-
ra ocupação surgiram dois assentamentos: Che Guevara (que migraria
para a região de Tangará da Serra, originando o assentamento Antônio
Conselheiro) e Margarida Alves (que originou o assentamento de mes-
mo nome, e as famílias excedentes foram posteriormente para o assen-
tamento Roseli Nunes). Em segundo movimento de ocupação, surgiu o
acampamento do Facão, que, posteriormente, gerou os acampamentos
Roseli Nunes e Paulo Freire.
A partir dessas conquistas, outras ocupações e mobilizações fo-
ram sendo realizadas pelos acampados e lideranças da luta, entre elas
a ocupação da sede do INCRA, por motivos diversos: a pressão para a
agilidade da desapropriação de fazendas improdutivas; a agilidade da
definição dos assentamentos; a falta de infraestrutura para a manuten-
ção das famílias acampadas (especialmente nos períodos de pré-assen-
tamento), entre outros. De acordo com lideranças do MST, tais ações
políticas, de mobilização e resistência foram amplamente divulgadas na
mídia mato-grossense, situando de forma explícita o MST como movi-
mento violento de ameaçava a ordem pública e exigia condições para a
continuidade de sua desordem. Ou seja: a mídia propagava a luta como
ação de baderneiros, que objetivava fundamentalmente tomar a terra
dos outros sem ter trabalho algum; essa situação gerou o processo de
criminalização da luta e do Movimento.
Nesse contexto, foram mais de dois anos de negociação entre
MST e INCRA para a compra ou desapropriação de fazendas para
realizar o assentamento das famílias em luta. Em 1998, cerca de 100
integrantes do MST ocuparam o INCRA/MT, representando mais de
mil famílias dos acampamentos da região de Cáceres, especialmente
do Margarida Alves, acampadas desde 1996, para pressionar a conso-
lidação do assentamento. Assim, depois de muita tensão e negocia-
147
ção, o movimento de luta conseguiu a primeira conquista na região: o
comodato da fazenda Prata, que possibilitava o assentamento de 350
famílias que estavam instaladas no acampamento Roseli Nunes. Veja-
mos alguns relatos:
O comodato da fazenda Prata para assentamento das famílias acam-
padas foi uma das primeiras conquistas da luta organizada pelo
Movimento aqui no Estado. Na época nós estávamos lutando pela
liberação emergencial de três fazendas: a São Saturnino, a Santana,
e a Prata. Realizamos várias mobilizações em prol da liberação e
desapropriação das fazendas para o assentamento das famílias em
luta; pressionamos o Estado, por meio do INCRA, de várias formas,
pois sabíamos que o problema da terra em Mato Grosso é político,
porque o que não falta aqui é terra [...], foram vários anos de luta
para que nossas reivindicações fossem atendidas. (LIDERANÇA
DO MST EM CÁCERES, 2013).
Na época das primeiras ocupações de terra no Estado, nós realiza-
mos muitas mobilizações, pressionamos o INCRA de tudo quanto
é forma para a liberação de várias fazendas na região, buscávamos
uma solução para o conflito, para a realização da Reforma Agrária.
As famílias acampadas vivenciaram situações de extremo abandono,
inclusive tivemos vários problemas com a questão dos alimentos.
Para você ter uma ideia a luta e os conflitos aqui no Estado foram
tão violentos que ganhou repercussão nacional [...], neste processo
o INCRA passa a exercer uma pressão maior sobre os processos de
vistoria de áreas consideradas improdutivas, essa pressão culminou
na liberação da fazenda Prata e de várias outras aqui na região. Essa
foi a nossa primeira grande conquista aqui na região. (LIDERAN-
ÇA DO STTRs de CÁCERES, 2013).
148
Tabela 2 – Cáceres (MT): assentamentos rurais – 1995 a 2006.
ASSENTAMENTOS FAMÍLIAS ÁREA CRIAÇÃO
São Luiz 27 4.033,74 1995
Margarida Alves 142 3.902,00 1997
Nova Esperança 48 1.695,29 1997
Paiol 221 16.067,41 1997
Rancho da Saudade 47 2.407,46 1997
Jatobá 30 906 1997
Laranjeira I 126 10.944,00 1997
Laranjeira II 33 1.210,00 1997
Ipê Roxo 28 1.247,00 1998
Barranqueira 77 2.326,05 1999
Sapicuá 39 1.249,77 1999
Limoeiro 166 8.649,39 2000
Corixinha 71 3.413, 18 2001
Facão 84 1.639,96 2001
Flexas 7 309 2002
Bom Sucesso 14 433,2607 2002
Sadia/ Vale Verde 422 13.666,91 2003
Katira 46 1.886,37 2003
Flor da Mata 22 1.187,07 2004
Arraial Santana - 15.720,00 2005
Facão/Bom Jardim 168 4.782,47 2006
21 Assentamentos 1.818 97.676,32
Fonte: INCRA/MT, 2011.
149
a implantação de novas dinâmicas de organização social, econômica e
política. Além disso, percebe-se também que esses assentamentos rurais
exercem importância significativa na interação com a Bolívia, especial-
mente pelo aumento do fluxo de pessoas com suas práticas sociais e
culturais de integração entre as comunidades.
150
dades camponesas está voltada para os valores de uso, e não para os
valores de troca:
Portanto, me inclino mais a usar outras hipóteses para explicar teo-
ricamente as peculiaridades organizativas que se observaram – uma
hipótese baseada no conceito da unidade de exploração agrícola
como uma unidade econômica familiar na qual a família, como o
resultado do seu trabalho de um ano, recebe uma simples remune-
ração do trabalho e mede seus esforços em relação aos resultados
materiais obtidos. Em outras palavras, [...] tomamos a motivação
da atividade econômica do camponês não como a de um empre-
sário que como resultado do investimento do seu capital recebe a
diferença entre o ganho bruto e os gastos gerais de produção, mas
como a motivação do operário por um sistema peculiar de salário
ao trabalho que lhe permite determinar por si mesmo o tempo e a
intensidade do seu trabalho. (CHAYANOV, 1974, p. 33).
4
Segundo Woortman (1995, p. 29) a principal limitação da abordagem de Chayanov é
tratar a família a partir de uma ótica econômica e não como um valor cultural. A família
é concebida por ele como “um conjunto de produtores e de consumidores, quer dizer,
uma unidade de força de trabalho e de consumo centrada num casal e seus filhos, aos
quais se podiam agregar outros membros”.
151
aqui, né? Aí com o tempo as coisas foram melhorando, né? A gente
trabalhava duro na lida com a terra, pra produzir, né? Nesse tempo
também já comprava algumas vaquinhas e ia vendendo o leite, né?
Cuidando das criação [...], a turma toda aqui foi aos pouquinhos se
estabelecendo, foi conseguindo tira da terra o sustento da família, ih
hoje a gente pode dizê que a luta valeu a pena, porque os fios (filhos)
tão criado, a rendinha do leite e de outras vendinhas dá para viver.
Hoje a gente pode dizer que é feliz, porque a gente se ajuda e trabaiá
no que é nosso, né fia? (ASSENTADO EM CÁCERES, 2013).
152
Aqui no sítio todo mundo trabalha, a família inteira desenvolve
uma atividade, a muié cuida do quintal, da horta e das coisas da
casa, os meninos ajudam a mãe com a casa e as criação e eu faço
minha parte na lavoura, com as criação e, quando dá tempo, tam-
bém ajudo nas tarefas da casa e da horta, porque de lá a gente tira
uma rendinha também, né? Então, desse jeito aí que eu to te dizen-
do ninguém fica parado, porque aqui na roça tem sempre serviço
sobrando, tem sempre coisas para fazer, roçar, arar, cuidar do gado,
das plantação, da casa, da horta mas se todos colaboram a gente fica
bem, senão fica como uns e outros aí que os fios (filhos) tão tudo
perdido, que o trabalho no lote no rende, não dá para sustentar a
família [...]. (ASSENTADO EM CÁCERES, 2013).
Então fia, aqui em casa é assim, tem serviço o dia todo, todos os
dias, se a gente não se ajuda o trabalho não rende, a gente não
sobrevive. Os meninos estudam, mas também ajudam na lida da
roça, na casa e ainda sobra tempo para eles se divertir; a muié não
fica parada também não, tá sempre procurando alguma coisa pra
fazer e por aqui tem muita, mas ela lida mais com o pomar, com a
horta, a casa, os animais e, quando precisa, ajuda na roça também;
eu e a véia trabaiamo o dia todo, ela com as atividades que te falei
e com as bolachas, pão e doce que elas fazem lá na associação e
eu na lida da roça, porque no sítio a gente tem muita tarefa para
realizá, muito trabaio pra fazer, mas graças a Deus minha famia
(família) é unida, a gente trabaiá pra gente, então a gente consegue
sobrevive com dignidade aqui nesta terrinha. (ASSENTADO EM
CÁCERES, 2013).
153
consequentemente, reforça a teoria sobre a lógica camponesa baseada
na família, na terra e no trabalho e do campesinato como “ordem mo-
ral5”:
A família, seja a família singular seja a ampliada, produtora ou
extrativista de produtos e subprodutos agropecuários, florestais,
pesqueiros e artesanais, entre outros; Acesso (estável ou instável,
duradouro ou temporário, proprietário ou não proprietário) aos
recursos naturais e à terra; Diferentes formas e modos históricos
de apropriação dos recursos naturais ou de relação com a natureza;
Predominância do trabalho familiar direto e de formas diversas de
cooperação interpessoal, interfamiliar e comunitário; A presença de
um território de uso comunitário dos recursos naturais; Produção
e extração para o autoconsumo e para os mercados; Produção e re-
produção de saberes sobre a sua relação com a natureza e formas de
transformação produtiva; Formas de integração institucional (so-
cial, política, cultural, religiosa) que definem os valores e normas de
comportamento que as famílias vivenciam; Assim como as possibi-
lidades de alianças, tensões e contradições que explicam dinâmicas
próprias de transformação social. (p. 264).
5
No Brasil, esta linha de pensamento tem como base os estudos realizados por Woort-
mann e Woortmann 1990, 1995 e 1997.
154
colheita. Estas formas de cooperação estão baseadas em princípios
de reciprocidade e ajuda mútua, por isso o indivíduo que não seguir
as regras de dívida social da comunidade será marginalizado, po-
dendo ficar em situação de hostilidade e ter dificuldades em receber
ajuda comunitária quando necessitar. (MAIA, 2003, p. 26).
155
Tendo por base essa linha de raciocínio e a análise dos dados co-
letados no trabalho de campo, percebe-se que os assentamentos rurais
estudados têm possibilitado aos camponeses ter um “pedaço de terra”
próprio, não no sentido de ter a propriedade em si (propriedade privada
capitalista), mas pela liberdade que ter a terra significa. Ou seja: ter o
controle e a autonomia do processo de trabalho, notadamente familiar,
como também do seu espaço e do seu tempo, conforme pondera Bom-
bardi (2003, p. 205):
As famílias camponesas elaboram e constroem suas unidades terri-
toriais, primeiro, a partir de suas necessidades básicas. Desta forma,
o tempo e o espaço de que são possuidoras são dirigidos na busca
deste suprimento, não há trabalho inútil ou supérfluo, ou em exces-
so, o trabalho não tem um fim em si mesmo, ele é direcionado para
suprir as necessidades da família, e é dessa forma que cada uma ela-
bora o seu calendário agrícola (do ponto de vista do tempo) e a or-
ganização interna da sua propriedade (do ponto de vista do espaço)
em um movimento tal, que esses dois elementos não lhes aparecem
separadamente, são pensados de forma única.
156
plantar eu não colho e aí não tem como sustentá a família, né? Mas a
gente sabe que o fruto do trabalho é nosso, é da nossa família, então
a gente é feliz aqui, porque é deste pedacinho de terra que a gente
tira o sustento da família é, pra mim isso aqui é o céu. (ASSENTA-
DO EM CÁCERES, 2013).
157
mundo aqui que você perguntar vai dizer isso que eu tô te falando,
que ter esse pedacinho de terra aqui é um sonho realizado, é a cer-
teza de que a luta vale a pena, por isso a gente luta e vai continuar
lutando pra fazê desse espaço aqui a nossa casa, a nossa vida, por-
que todo mundo acha que viver aqui é fácil, mas se você pergunta
pros companheiros aí vai ver que não é nada fácil não, a gente tá
feliz com nosso pedacinho de terra, mais ainda falta muita coisa pra
nossa vida ser mais tranquila, ainda temos muito que lutar pra que
a gente tenha direito a saúde, pra que nossos filhos possam estudar
aqui mesmo, sem ter que ir pra cidade, pra gente consegui produzi
e vendê nossos produtos, vixe, fia (filha), pra isso aqui ficá do jeito
que a gente qué, falta muita coisa ainda, mas a gente já tá feliz com
nossas conquistas, com ter um teto para morar e dar de comer aos
meninos. (ASSENTADO EM CÁCERES, 2013).
A gente já enfrentou muita dificuldade, principalmente porque não
tinha dinheiro para nada, então quando eu olho para tudo que já
vivi, e olha que não foi pouca coisa não, eu olho e percebo que a
vida aqui no campo é bem melhor, aqui a gente tem sempre o que
dar de comer aos filhos, tem muita fartura, tem liberdade de ficar,
de produzir, de viver, a vida aqui é mais sossegada [...], e olha que a
gente trabalha, trabalha duro para manter tudo isso aqui, porque a
vida aqui não é fácil não, a gente passa muitas dificuldades, mas aqui
todo mundo se ajuda, todo mundo conhece todo mundo, a gente se
ajuda e se respeita, então temos problemas, temos, mas a gente tra-
balha contente, porque agora a gente tem um lugar digno pra viver e
criar os filhos. (ASSENTADA EM CÁCERES, 2013).
158
camponesa vai além das estruturas capitalistas e dos agentes envolvi-
dos na luta. Nele, a lógica camponesa ainda se faz presente, não sem
conflitos, mas engendrada em laços de solidariedade e reciprocidade,
o que tem permitido que as famílias mato-grossenses reproduzam-se e
mantenham-se camponesas na sua terra de trabalho e de (re)produção
de vida.
Considerações Finais
Em face do exposto, podemos dizer que o campesinato é modo de
vida que se reproduz por meio da tríade família, terra e trabalho e que
seu princípio fundamental é a reprodução material e cultural familiar,
por meio da produção para autoconsumo e da venda do excedente dessa
produção. Isso significa dizer que a vida camponesa não é organizada
pela lógica do capital, ou seja, pelas necessidades do mercado, pois não
tem como fundamento principal a acumulação, mas sim vínculos de
solidariedade. É modo de ser, de viver, de pensar, que implica a cons-
trução de relações sociais de produção e o entendimento da terra como
morada da vida.
Nos assentamentos rurais visitados, observou-se que grande par-
te dos camponeses assentados sempre viveu no campo e quase todos,
apesar dos entraves que limitam e dificultam a vida na terra – escassez
de água, baixa produtividade da terra, difícil acesso a saúde, educação
e transporte, dificuldades para acesso aos poucos incentivos governa-
mentais, entre outros –, não pensam em sair do campo. Para eles, a terra
é fruto de processo de luta empreendida pelos camponeses e suas famí-
lias na busca de sua reprodução e de manutenção do seu modo de vida.
Por fim, conclui-se que, para o desenvolvimento integral das fa-
mílias camponesas assentadas em Cáceres (MT), na região de fronteira
Brasil-Bolívia, há necessidade de desenvolvimento de políticas públicas
mais equitativas e integradoras, que visualizem o campo não só como
espaço de produção, investimento e especulação, mas também como
território de vida, de produção e reprodução camponesa. Sobretudo,
159
porque a pesquisa comprova que, no campo mato-grossense, os cam-
poneses resistem, se recriam e se redefinem de diferentes maneiras ao
longo do tempo; lutam, antes de tudo, por um projeto de vida que tem
como base a tríade família, trabalho e terra.
Referências
ALMEIDA, Rosemeire A. Recriação do campesinato, identidade e distinção: a luta
pela terra e o habitus de classe. São Paulo: UNESP, 2006.
BOMBARDI, Larissa Mies. Campesinato, Luta de Classe, e Reforma Agrária
(A Lei de Revisão Agrária em São Paulo). 2005. Tese (Programa de Pós Graduação em
Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo, São Paulo.
BOMBARDI, Larissa Mies. O papel da geografia agrária no debate teórico sobre os con-
ceitos de campesinato e agricultura familiar. Revista Espaço e Tempo – GEOUSP. São
Paulo, n. 14, p. 107-117, 2003.
CARVALHO, Horácio Martins de (Org.). O Campesinato no Século XXI. Petrópolis:
Vozes, 2006.
CARVALHO, Horácio Martins de. Formas de associativismo vivenciadas pelos traba-
lhadores rurais nas áreas oficiais de reforma agrária no Brasil. Curitiba: Ministério
Extraordinário de Política Fundiária (MEPF) e Instituto Interamericano de Cooperação
para a Agricultura (IICA), 1998.
CHAYANOV, Alexander. La organizacion de la unidad econômica campesina. Bue-
nos Aires: Ediciones Nueva Vision, 1974.
FELICIANO, Carlos Alberto. Movimento camponês rebelde: a reforma agrária no Bra-
sil. São Paulo: Contexto, 2006.
FERREIRA, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus municípios. Cuiabá/Secretaria de
Estado de Educação: Buriti, 2001.
FERREIRA, Eudson de Castro. Posse e propriedade territorial: a luta pela terra em
Mato Grosso. Campinas: Editora da UNICAMP, 1999.
GARCIA JR., Afrânio. Terra de trabalho: trabalho familiar de pequenos produtores.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
HEREDIA, Beatriz M. A. de. A morada da vida: trabalho familiar de pequenos pro-
dutores do nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. (Série Estudos sobre o
Nordeste; v. 07).
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA – IBGE. Dados sobre
os municípios brasileiros, 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/>.
Acesso em: 22 jul. 2010.
160
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (INCRA)/
FAO. Relatório de dados dos Assentamentos em Mato Grosso, 2010.
JANUÁRIO, Elias Renato da Silva. Caminhos da fronteira: educação e diversidade
em escolas da fronteira Brasil-Bolívia (Cáceres-MT). Cáceres: UNEMAT Editora,
2004.
MAIA, Claúdia. J. Formas tradicionais de solidariedade camponesa no Vale do Jequiti-
nhonha. Revista Unimontes Científica. Montes Claros, v.5, n.2, jul./dez. 2003
MARQUES, Marta I; OLIVEIRA, Ariovaldo U. de (Orgs.). O campo no século XXI.
São Paulo: Editora Casa Amarela e Editora Paz e Terra, 2004.
MARTINS, José de S. Os camponeses e a política no Brasil. 4. ed. Petrópolis: Vozes,
1981.
MEDEIROS, Leonilde S; LEITE, Sérgio. A formação dos assentamentos rurais no Bra-
sil: processos sociais e políticas públicas. Porto Alegre; Rio de Janeiro: Ed Universidade;
UFRGS; CPDA, 1999.
MEDEIROS, Leonilde Servolo de; SOUSA, Inês Cabanilha de; ALENTEJANO, Paulo
Roberto Raposo. O promissor Brasil dos assentamentos rurais. Proposta n. 77, jun./
ago. 1998, p.54-63.
MORENO, Gisele; HIGA, Tereza C. de Souza. Geografia de Mato Grosso: território e
sociedade. Cuiabá: Entrelinhas, 2005.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo:
Contexto, 2001.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A geografia das lutas no campo. São Paulo: Con-
texto, 2002.
PAULINO, Eliane Tomiasi. Por uma geografia dos camponeses. São Paulo: Ed. Unesp,
2006.
SCHREINER, D. F. Entre a exclusão e a utopia: um estudo sobre os processos de orga-
nização da vida cotidiana nos assentamentos rurais. 2002. Tese (Doutorado em Histó-
ria) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
2002.
SHANIN, Teodor. Lições camponesas. In: PAULINO, Eliane Tomiasi; FABRINI, João
Edmilson. (Orgs.) Campesinato. Território em disputa. São Paulo: Expressão Popular,
2008. p. 26-27.
SILVA, Tânia P. As formas organizacionais de produção dos camponeses assentados
no município de Batayporã/MS. 2004. Dissertação (Mestrado em Geografia) – FCT/
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2004.
SILVA, Tânia P.; ALMEIDA, Rosemeire A.; KUDLAVICZ, Mieceslau. Os assentamen-
tos rurais em Cáceres-MT: espaço de vida e luta camponesa. Revista Eletrônica da
Associação dos Geógrafos Brasileiros: Seção Três Lagoas. Três Lagoas: AGB, 2012,
p. 62-82.
161
TEDESCO, J. C. Terra, trabalho e família: racionalidade produtiva e ethos camponês.
Passo Fundo: EDIUPE, 1999.
VIEIRA, Vera H. O; MORENO, Gislaine. A transformação sócio-espacial na região de
Cáceres/MT, sob influência dos assentamentos rurais. Anais EnGEO, 2004.
WOORTMANN, Klaas. Com parente não se neguceia: o campesinato como ordem mo-
ral. Anuário Antropológico, n. 87. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990.
WOLF, Eric. Sociedades camponesas. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
WOORTMANN, Ellen; WOORTMANN, Klaus. O trabalho da terra. Brasília: UnB,
1997.
162
Formação da Propriedade Capitalista
nos Campos Mato-Grossense e
Sul-Mato-Grossense: conflitualidade
e Resistência
Introdução
Este trabalho é parte da dissertação de mestrado intitulada “A (re)
criação do campesinato em Cáceres/MT e no contexto de expansão ter-
ritorial do agronegócio em Três Lagoas e Selvíria em Mato Grosso do
Sul” e de discussões realizadas no Grupo de Estudos Terra e Território
(GETT), na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câm-
pus de Três Lagoas/MS. O capítulo articula-se ao projeto de pesquisa
“Questão Agrária e Transformações Socioterritoriais nas microrregiões
do Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT na última década censitária”,
da Rede Centro-Oeste de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação (Edital
MCT/CNPq/ FNDCT/FAPs/MEC/CAPES/PRO-CENTRO-OESTE n°
31/2010).
163
Não há dúvidas de que a luta contra a expropriação de terras,
hoje orientada por interesses políticos e econômicos, é resquício de
histórico de concentração fundiária do país, representado pelos gran-
des fazendeiros, grileiros de terra, pecuaristas, grupos industriais, co-
merciais e financeiros, que tentam, em geral de modo violento, como
pondera Grzybowski (1990), calar e controlar as manifestações dos
camponeses.
Pressupõe-se, desse modo, que as ações que visam à criação e o
controle da organização do território constituem-se poderoso meio para
viabilizar a existência e a reprodução da sociedade de classes, campone-
ses e capitalistas, responsáveis por transformá-lo e organizá-lo confor-
me as suas necessidades. Assim, para entender os processos históricos
da luta travada entre esses grupos sociais, propomo-nos, neste texto,
por vias econômicas, políticas e culturais, apresentar os processos que
autodefiniram os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul como
estados do latifúndio, pautando alguns dos caminhos reivindicatórios
da agricultura camponesa familiar perante a ação hegemônica dos pro-
prietários de terra.
Destarte, buscamos apresentar discussões de teóricos que
abordaram, em seus trabalhos, os motivos que teriam levado Mato
Grosso a constituir-se como um dos estados mais concentrados do
país, e, por conseguinte, os processos reivindicatórios dos agricul-
tores familiares camponeses para ter acesso a terra, via movimen-
tos sociais.
164
Ao analisarmos os arranjos da disputa dos grupos oligárquicos
pelo controle hegemônico do poder político, em Mato Grosso, não po-
deríamos deixar sem registro o cenário violento e armado dos coronéis
e bandidos. O primeiro grupo era representado pelos grandes proprie-
tários rurais, usineiros e comerciantes; o segundo, por grupos de ho-
mens armados e protegidos por esses coronéis.
Inicialmente, nos fins do século XIX, as ações do banditismo
estavam associadas, no norte (área do estado de Mato Grosso), aos
violentos embates políticos liderados pelos coronéis, nas constantes
lutas pelo domínio político e econômico; no sul (atual Mato Grosso
do Sul), eram ligadas à proteção da posse da terra, quando ondas
migratórias intensificaram-se rumo àquela região. Já no primeiro
período republicano, as ações desses grupos correspondiam priori-
tariamente às lutas políticas locais e, posteriormente, negando a tu-
tela dos coronéis, esses homens formaram bandos e agiram de forma
autônoma até meados de 1943, quando suas ações seriam encerradas
(CORRÊA, 2006).
Moreno (2007, p. 49) pondera sobre o poderio das oligarquias:
Após a proclamação da República dois grupos oligárquicos domi-
navam a vida política e econômica de Mato Grosso, alternando-se
no poder a oligarquia do norte, composta por usineiros, extrativis-
tas e pecuaristas, e a oligarquia do sul, composta por grandes pe-
cuaristas e comerciantes, destacando-se os coronéis da Companhia
Matte Larangeira. Estes grupos se aglutinavam em torno dos parti-
dos Nacional e Republicano. Os conflitos gerados entre os grupos
dominantes, em torno da hegemonia do poder político, acabaram
provocando ora alianças entre antigos rivais, ora separação de gru-
pos antes aliados. A ascensão ao poder dependia também do apoio
político do governo federal.
165
Aparece também, no viés político, substituindo o poder dos usi-
neiros, o clientelismo, destacando a dominação das elites políticas do
sul, compostas pela oligarquia rural e urbana. Sua principal caracterís-
tica foi a intermediação entre o Estado e a população civil, em que a
garantia de dominação dava-se pelo controle: tanto dos cargos políticos
e administrativos, como dos votos.
Cabe salientar que, em todas as relações políticas, a base susten-
tadora do poder político e fundiário da classe hegemônica oligárquica
esteve ligada à apropriação capitalista da terra, ou seja, em Mato Grosso,
a terra teve a função de salvaguardar o domínio dos proprietários lati-
fundiaristas.
A esse respeito, vale citar as elucidativas palavras de Leal (apud
SILVA, 2008, p. 279):
[...] No cerne da problemática coronelista estava a questão da per-
manência do poder privado, em crescente contradição com a in-
fluencia do poder público. Os remanescentes do privatismo eram,
entretanto, alimentados pelo poder público, em razão do regime
representativo de base eleitoral ampla, que deu uma importância
toda especial ao voto rural. [...] Desse modo, o coronel prestava um
serviço aos políticos estaduais nos períodos eleitorais, arregimen-
tando seus eleitores “de cabresto”, e esperava em troca os favores da
política estadual para o seu município e a sua pessoa.
166
eram lideradas pelos proprietários de terras: fazendeiros pecuaristas e
comerciantes.
Reiteramos que, desde o fim de sesmarias (1822), até a primeira
Constituição da República (1889), as formas de aquisição de terras so-
freram profundas mudanças. É sabido que, na vigência do sistema de
sesmarias, as concessões de posse eram de responsabilidade da Coroa
Portuguesa, e, com o fim desse sistema e a ausência de critério regu-
lador de posses (1822-1850), alguns senhores e possuidores de terras
apropriaram-se, ilegalmente, de áreas ainda virgens.
Com a implantação do sistema federativo, após a promulgação da
primeira Constituição Republicana (1889), as terras passariam, no en-
tanto, para o controle dos estados, ou seja, cada estado ficaria responsá-
vel pela regularização da apropriação territorial sobre as terras perten-
centes aos seus domínios.
Fabrini (2008), ao analisar a conjuntura do poder que se formou
depois da Proclamação da República, revela que, desde o momento em
que a República transferiu seu poder sobre as terras do Estado para as
oligarquias regionais, instalou-se a política de concentração, por meio
das transferências de terras devolutas para grandes fazendeiros e empre-
sas capitalistas. Ou seja: os grupos oligárquicos novamente exerceriam
seu poder sobre as posses de terras. A esse respeito, merece destaque a
seguinte reflexão:
Com a proclamação da república, a política fundiária passou para
a competência dos Estados. A república transferiu o poder sobre
as terras para as oligarquias regionais, que passam a decidir sobre
a sua propriedade dentro do domínio estadual, monopolizando a
sua posse e colocando em prática a política de concentração. Nes-
te contexto, ocorreu a transferência das terras devolutas do Estado
através da venda e arrendamento a grandes fazendeiros e empresas
capitalistas que atuavam no setor. (FABRINI, 2008, p. 60-61).
167
versas empresas de colonização privada. Com a expansão das fazendas,
o desenvolvimento econômico foi estimulado. A expressão “vocação
pecuária” surge nesse viés, sendo confirmada com a construção de um
dos essenciais meios de escoamento da produção, a Ferrovia Noroeste
do Brasil.
Nesse conjunto de expansão de fazendas e implantação de em-
presas colonizadoras privadas, a concentração fundiária liderada pelos
grandes proprietários foi usada também como potencial mecanismo
para evitar o acesso à terra pelos pequenos posseiros. Isso porque, como
mencionamos, com a transferência do poder para as esferas estaduais, a
organização da apropriação territorial passaria também a ser realizada
pelas oligarquias.
Percebemos, desse modo, que, no estado de Mato Grosso, a Lei
acabou sendo empregada para regularizar a posse de extensas áreas do-
minadas por um segmento específico de classe: os grandes proprietários
de terra. Por meio da legalização de posses e concessões gratuitas de
colonização, inclusive a regularização de áreas maiores que o tamanho
permitido em Lei, os fazendeiros pecuaristas alcançaram significativas
áreas, em especial terras dos pequenos posseiros, que acabavam sen-
do expulsos do campo. Segundo Silva (2008, p. 359): “Em longo prazo
não adiantava, portanto, ao pequeno posseiro, a pouca vigilância que se
exercia sobre as terras públicas. Sua permanência nas terras era tempo-
rária e instável; durava apenas até que forças mais poderosas os viessem
expulsar [...]”.
Após os anos de 1970, Mato Grosso presencia novas ondas de ocu-
pação, resultantes dos programas desenvolvimentistas organizados pelo
Governo Federal. O Programa de Integração Nacional (PIN) objetivava,
por meio da Transamazônica, intensificar a ocupação na Amazônia Le-
gal, com dois projetos principais: Poloamazônia e Polocentro. Este visa-
va propiciar a ocupação das áreas do Cerrado viáveis para a expansão da
fronteira agrícola; aquele tinha o intuito de promover o aproveitamento
das potencialidades em áreas prioritárias da Amazônia (ABUTAKKA,
2006).
168
Ao analisar a questão econômica de Mato Grosso após os anos de
1970, Abutakka (2006) destaca que a pecuária continua sendo um dos
pilares econômicos de alguns municípios, sobretudo nas áreas destina-
das aos assentamentos. Entre os municípios, destaca-se Cáceres, que
possui o segundo maior rebanho bovino efetivo do estado, economi-
camente ligado a três pilares bases: extrativismo (destacando a poaia),
agricultura (familiar e empresarial) e pecuária (produção, criação e dis-
tribuição de gado). As duas últimas sofreram algumas modificações,
mas ainda são predominantes. Esse município mato-grossense é carac-
terizado por conter elevado número de assentamentos.
Destacam-se também, no estado, algumas atividades da agricul-
tura familiar camponesa e da empresarial. A primeira, muito presente
nos projetos de colonização e assentamentos de trabalhadores rurais,
caracteriza-se pela economia de autoconsumo, voltada para a produção
de arroz, feijão, milho, mandioca, hortaliças, pequena pecuária (leite),
entre outros produtos, sendo o excedente destinado a comercialização.
A segunda é marcada pela consolidação do modelo agroexportador da
soja, seguido desde a fase de produção (monocultivo) até o seu proces-
samento nas unidades agroindustriais.
Para Carmo (2012), a consolidação do plantio da soja nessa re-
gião colaborou para a alteração do processo de modernização em outras
regiões pertencentes ao estado, além de haver sido a responsável por
alterar, em menos de 30 anos, a paisagem do Cerrado para o plantio
de grãos. Outro fator de alteração foi o desaparecimento dos lotes ru-
rais, resultante da mecanização da agricultura, que, dispensando o uso
de mão de obra, contribuiu para o processo migratório dos colonos ali
existentes. Desse modo, ao analisar a introdução da soja, em especial
para exportação, no estado de Mato Grosso, o autor pondera que:
[...] ocasionou inúmeras transformações no espaço agrário. Os pro-
prietários de terra que não conseguiram modernizar a produção e
acompanhar os rumos do mercado agroindustrial acabaram falindo
e vendendo suas terras para outros proprietários que estavam al-
cançando êxito. Este processo ocasionou o surgimento de grandes
empresários rurais no estado, entre eles, se destacou André Maggi,
169
que chegou a ser considerado o maior produtor individual de soja
do mundo (CARMO, 2012, p. 56-57).
170
Destarte, ao mesmo tempo em que o estado é considerado um
dos maiores produtores de soja, assentada na concentração fundiária,
aumenta ali a pressão dos movimentos sociais de luta pela terra. Das
lutas camponesas na região mato-grossense, entre 1994-1999, resultou a
implantação de vários projetos de assentamento. Estes foram efetivados
por meio da política de Reforma Agrária adotada pelo governo de Fer-
nando Henrique Cardoso no seu primeiro mandato, que visava ameni-
zar o quadro de conflito entre latifundiários e camponeses. (LAMERA;
FIGUEIREDO, 2013).
Segundo os autores mencionados, os projetos iniciais de assenta-
mento não tinham a infraestrutura básica para a permanência dos cam-
poneses. Além da baixa fertilidade da terra, faltava pavimentação das
vias de acesso aos projetos, assistência técnica e liberação dos créditos
básicos (custeio e investimento), entre outros itens.
Desse modo, evidenciamos que a apropriação capitalista privada
da terra gerou, além das mudanças territoriais, os conflitos fundiários
com os posseiros e os sem terra, excluídos no processo de moderniza-
ção. A terra do trabalho e da vida contrapondo-se à terra de negócio.
Sobre essa situação, pondera Silva (2011, p. 147):
Em áreas extensas de soja, cana e gado, quem olha não percebe que,
atrás do uso produtivo da terra, há uma face perversa, marcada pela
concentração fundiária, assassinatos, despejos e trabalho escravo. É
nesse cenário de contradições inerentes ao agronegócio que práticas
de resistência se afirmam e anunciam conflitos fundiários. A luta é
por direito à terra de trabalho em contraposição à terra de negócio.
Sendo assim, o agronegócio já carrega em si resistência a uma racio-
nalidade que é nociva à sociobiodiversidade.
171
estado, um total de 21 projetos, contemplando aproximadamente 1.830
famílias. Atualmente, o município destaca-se devido a participação sig-
nificativa da agricultura camponesa familiar nas Cotas Estatais: Progra-
ma Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Programa de Aquisição
de Alimentos (PAA).
Entendendo que essas cotas têm o objetivo de mitigar os bloqueios
impostos pela lógica do sistema capitalista de mercado à classe campo-
nesa familiar, percebemos que elas têm sido essenciais para a recriação
da agricultura camponesa familiar no município de Cáceres.
Em suma, concordamos com Kudlavicz (2010) ao enfatizar que
esses assentados, ao reconquistarem parcela de terra do território ca-
pitalista, reconstroem sua identidade camponesa. Ao conquistarem o
assentamento, essa parcela do território capitalista, transformada em
projeto de reforma agrária, se converte em terra de trabalho, morada da
vida, garantidora da alimentação familiar e da sociedade:
São camponeses que quando tem a posse da terra (re) constroem sua
identidade, seu modo de vida, livrando-se das imposições e dos pre-
conceitos do sistema vigente e acirrando as contradições na medida
em que se negam a ser meros produtores de mercadorias. Desejam
ser sujeitos do seu presente e protagonistas do seu futuro. Cultivam
a terra a partir dos seus conhecimentos e tecnologias apropriadas às
suas condições financeiras, e adequadas às características da região,
produzindo um alimento saudável para a sua família, para a comu-
nidade e para o país. (KUDLAVICZ, 2010, p. 104).
173
Mesmo diante do fracasso do projeto da Casa Comercial, entre os
anos de 1880 e 1890 a região recebe grande fluxo imigratório, formado
especialmente pelos “[...] rio-grandenses, paranaenses e mineiros dos
setores da economia [...]”. (BIANCHINI, 2000, p. 74). Esses imigrantes
foram atraídos para a região por três motivos essenciais: a construção
da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, no início dos anos de 1900, que
alcançava a região; os ervais; e a pecuária.
No final do século XIX, não possuindo, ainda, o estado, um sis-
tema de colonização, duas propostas para a região sul de Mato Grosso
entraram em discussão. A primeira defendia a colonização por meio de
concessões a empresas privadas, que ficariam responsáveis pela criação
dos municípios; a segunda buscava a mediação do estado, solicitando
aquisição de terras devolutas ou já ocupadas ao sul de Mato Grosso
(atual MS).
Em meio aos debates, o governo imperial, por meio do Decreto nº.
8799, cedia, em 1882, à Thomas Larangeira, o direito de exploração das
esparsas áreas de ervais naturais da região sul do atual Mato Grosso do
Sul. Essa concessão permitia a Larangeira, não só o direito de explora-
ção, mas também o de dominação das áreas circunvizinhas. Enquanto
ao norte despontava a exploração do ouro amarelo, no sul era o ouro
verde que ganhava a atenção.
A esse respeito, esclarece Bianchini (2000, p. 85):
A questão dos ervais nativos apresenta um aspecto que parece sin-
gular em relação ao regime de propriedade de terras no Brasil. O
que existiu de forma sistemática desde os tempos coloniais foi o re-
gime de sesmarias em que as terras eram doadas pelo Estado, e não
arrendadas, como é o caso que ora se estuda. O caso que se quer
caracterizar como singular é a questão do arrendamento de grandes
extensões de terras devolutas do Estado [...].
174
dos ervais destinado a um único “cidadão” permitiu a dominação deste
sobre vastas extensões de terras.
Segundo Bianchini (2000, p. 85), “[...] o regime implantado foi de
arrendamento de grandes porções de terras devolutas, por meio do qual
o indivíduo gozava da posse, mas não da propriedade da terra”.
Efetivada, no ano de 1891, a Companhia Matte Larangeira foi res-
ponsável tanto pela exploração quanto pela exportação da erva-mate,
enquanto a firma argentina Francisco Mendes & Cia foi encarregada da
industrialização e distribuição do produto nos mercados internacionais,
com destaque ao mercado argentino.
Com a associação das duas empresas a partir de 1892, várias mu-
danças ocorrem no processo de ocupação dessa região do Estado, entre
as quais destacamos: a presença do capital estrangeiro entre os acionis-
tas da empresa, as diversas infraestruturas construídas para melhorar o
escoamento da produção, como o porto localizado em Murtinho, poste-
riormente transferido para Guaíra, e a implantação de algumas cidades,
servindo como ponto de coleta da erva-mate (BIANCHINI, 2000).
As atividades de exploração da erva-mate não eram, no entanto,
as únicas desenvolvidas na região sul de Mato Grosso. Juntamente com
essa atividade estava a criação do gado, e, à medida que se iam esgo-
tando as matas de ervais, “[...] as terras ficavam livres para a criação
do gado, daí se originando as grandes fazendas”. (BIANCHINI, 2000,
p. 98).
Bianchini (2000), ao analisar o período anterior ao governo de
Vargas, em meados de 1929, evidencia a expansão da Matte além da
fronteira de Mato Grosso e o papel da empresa como banco financiador
aos estados de Mato Grosso e Paraná. Isso em troca de infraestrutura
para o escoamento do seu produto e do arrendamento de novas terras.
Neste último caso, a autora pondera sobre os empréstimos realizados
pela empresa ao atual estado de Mato Grosso do Sul:
Ora, não é difícil avaliar-se a forma pela qual a Matte Larangeira
fora se transformando de arrendatária, em proprietária, de direito e
175
de fato, das terras arrendadas. Um Estado como Mato Grosso, quase
sempre em dificuldades financeiras, encontrava na Matte uma for-
ma de sair delas ou pelo menos de atenuá-la e a Companhia por sua
vez, como empresa particular, tratava de procurar os meios que lhe
garantissem o retorno dos investimentos [Arrendamento de terras].
(BIANCHINI, 2000, p. 145).
176
a chegada dos europeus ao continente americano, que passaram a
disputar, inclusive entre si, o domínio de terras. A transferência de
poder sobre as oligarquias regionais mato-grossenses com a pro-
clamação da república contribuiu ainda mais para concentração de
terras, quando o governo vendia ou arrendava terras devolutas a
grandes fazendeiros e empresas capitalistas. (FABRINI, 2008, p. 53).
177
atual Mato Grosso do Sul não permitia nem a fixação, nem o acesso do
camponês à terra. Nessa perspectiva, escreve o autor:
A presença de trabalhadores camponeses despossuídos da terra no
sul de Mato Grosso do sul decorre de uma serie de razões, mas é a
concentração fundiária aí existente, originada no processo de ocu-
pação e colonização da região principal. Os elementos econômicos
como a modernização da agricultura, que, de modo geral, levou à
expulsão do pequeno proprietário, também contribuem para o sur-
gimento de trabalhadores despossuídas na região, mas de forma se-
cundária. (FABRINI, 2008, p. 71).
178
e ao sul). Ao sul, destacaram-se os municípios de Bodoquena e Campo
Grande e parte dos municípios que compõem a microrregião de Três
Lagoas.
Segundo Asevedo (2013, p. 45), nessas políticas:
Foram efetivadas aplicações de capital em infraestrutura de trans-
porte para o escoamento da produção agroindustrial, uma vez que
havia, por exemplo, frigoríficos e secadores de soja nessa área, além
de construção e reforma de estradas vicinais, objetivando interligar
a região ao Sudeste e Sul do país. Os investimentos também contri-
buíram com a expansão da transmissão de energia, melhorias no
beneficiamento e armazenagem da produção agrícola existente e
pretendida, assim como na pesquisa e experimentação do setor pe-
cuário e de “florestamento-reflorestamento” com eucalipto e pinus.
180
na luta pela posse e uso da terra, luta pela reforma agrária. Essa rea-
lidade tem aumentado os conflitos agrários e a violência no campo,
que é gerada pela estrutura agrária concentradora, excludente de
milhões de brasileiros de seus direitos fundamentais à vida e à cida-
dania. (AVELINO JUNIOR, 2008, p. 124).
181
Para Borges (1997, p. 139), nesse momento “o conformar” cede
espaço para “o resistir”, “[...] que pouco a pouco se transforma em neces-
sidade de enfrentamento para mudar a sua condição. Resistência que se
nutre da sua própria força de não resistir, de não enfrentar, e que agora
se manifesta como força de transformação [...]”.
Considerações Finais
Percebemos que o pacote da modernização agrícola ligado ao
avanço de atividades monocultoras muda o caráter do uso e ocupação
da terra e torna cada vez mais urgente, e difícil, a luta pela Reforma
Agrária por parte dos movimentos sociais do campo. Contraditoria-
mente, o Estado silencia sobre o problema da concentração fundiária,
aprofundada pela monocultura, num claro apoio a essas novas dinâmi-
cas modernizantes no campo.
Uma das soluções encontradas por vários grupos de famílias as-
sentadas, à medida que as dificuldades intensificavam-se, foi a migração
para a cidade, porém, mesmo diante do cenário de contradições nas po-
líticas agrárias instaladas no estado de Mato Grosso do Sul, as lutas cam-
ponesas não pararam. A continuidade do campesinato foi impulsiona-
da pela conquista da terra por meio dos Sindicatos dos Trabalhadores
Rurais, do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), entre
outros setores comprometidos com a justiça social, que exerceram papel
fundamental.
Destacamos, em especial, o movimento social formado pelos cam-
poneses, que, diante de possível ameaça a sua reprodução, resultante da
concentração de terra, insistentemente recria formas, como, por exemplo,
o movimento de luta pela terra. Neste, o camponês, ante a provável ame-
aça de perder sua parcela de terra, rebela-se contra as ações dominantes,
resistindo e superando a expulsão, conquistando o seu direito sobre par-
cela de terra e recriando múltiplos caminhos para permanência nela.
Em decorrência das mudanças socioambientais provocadas pela
“modernização conservadora do campo”, fruto do novo modelo agrá-
182
rio-agrícola, presenciamos também a luta, a versatilidade, a criativi-
dade do povo camponês, que há séculos tem desafiado as teses que
apregoavam e apregoam o seu desaparecimento, contrapondo-se ao
desemprego, e a perda de autonomia, com a conquista da terra de vida
e trabalho.
Referências
ABUTAKKA, Antonio. O significado da migração populacional para o município de
Cáceres (Município de Fronteira Internacional com a Bolívia). 2006. 166 f. Dissertação
(Mestrado em Geografia) - Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade
Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2006.
AVELINO JUNIOR, Francisco José. A Geografia dos conflitos pela terra em Mato Grosso
do Sul. In: ALMEIDA, Rosemeire A. (Org.). A questão agrária em Mato Grosso do Sul:
uma visão multidisciplinar. Campo Grande: Ed. UFMS, 2008. p. 113-138.
ASEVEDO, Tayrone Roger Antunes de. Territorialização e reestruturação produtiva
dos agronegócios no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: desdobramentos e desafios
para as classes subalternas. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Programa de Pós
Graduação- Mestrado em Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
Três Lagoas, 2013.
BIANCHINI, Odaléa da Conceição D. A Companhia Matte Larangeira e a ocupação
de terra do Sul de Mato Grosso 1880-1940. Campo Grande: Editora UFMS, 2000.
BORGES, Maria Stela Lemos. A identidade e a luta pela terra. In:_______ Terra: ponto
de partida, ponto de chegada: identidade e luta pela terra: reforma agrária. São Paulo:
Editora Anita, 1997, p. 107-172.
CARMO, Eduardo Margarit Alfena do. Tramas políticas e impactos socioambientais
na Amazônia: a dinâmica do processo de pavimentação da BR-163. Dissertação (Mes-
trado em Geografia) - Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, Três Lagoas, 2012.
CARVALHO, Horácio Martins de. Camponeses no capitalismo. In:_______. O cam-
pesinato no século XXI: possibilidades e condicionamentos do desenvolvimento do
campesinato no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005.
CORRÊA, Valmir Batista. Coronéis e bandidos em Mato Grosso: 1889-1943. Campo
Grande: Ed. UFMS, 2006.
FABRINI, João Edmilson. A posse e concentração de terras no sul de Mato Grosso do
Sul. In: ALMEIDA, Rosemeire A. (Org.). A questão agrária em Mato Grosso do Sul:
uma visão multidisciplinar. Campo Grande: Ed. UFMS, 2008, p. 53-80.
GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no cam-
po. Petrópolis: Vozes, 1990.
183
KUDLAVICZ, Mieceslau. Dinâmica agrária e a territorialização do complexo celu-
lose/papel na microrregião de Três Lagoas. 2010. 177 f. Dissertação (Mestre em Geo-
grafia) - Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul,
Três Lagoas, 2010.
LAMERA, Janice A.; FIGUEIREDO, Adriano M. R. Os assentamentos rurais em Mato
Grosso. Disponível em: <http://www.sober.org.br/palestra/9/147.pdf>. Acesso em: 29
jul. 2013.
MORENO, Gislaene. Terra e poder em Mato Grosso: políticas e mecanismos de Bur-
la/1892-1992. Cuiabá: Entrelinhas EdUFMT, 2007.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. BR-163 Cuiabá –Santarém: geopolítica, grilagem,
violência e mundialização. In:_______; TORRES, Mauricio (Orgs). Amazônia revela-
da: os descaminhos ao longo da BR-163. Brasília: CNPq, 2005. p. 67-184.
PIRAS, Danielle S. A territorialização da agricultura moderna de Primavera do Les-
te. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.
do?select_action=&co_obra=159556>. Acesso em: 29 jul. 2013.
SILVA, Ligia Osório. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. Campinas:
UNICAMP, 2008.
184
Geografia das Ocupações e
Manifestações em Mato Grosso
e Mato Grosso do Sul (2000-2012)
Introdução
Este trabalho é desdobramento da pesquisa de mestrado intitula-
da “Geografia das ocupações e manifestações em Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul (2000-2012)” e de discussões realizadas no Grupo de
Estudos Terra e Território (GETT), na Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS), Câmpus de Três Lagoas/MS. O texto encontra-
-se articulado ao projeto de pesquisa “Questão agrária e transformações
socioterritoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra/
MT na última década censitária”, da Rede Centro-Oeste de Pós-Gra-
duação, Pesquisa e Inovação (Edital MCT/CNPq/FNDCT/FAPs/MEC/
CAPES/PRO-CENTRO-OESTE nº 31/2010).
Partimos do pressuposto teórico de que o capital no campo se de-
senvolve de maneira desigual e combinada, ou seja, ao se reproduzir, cria
relações tipicamente capitalistas e relações não capitalistas. (OLIVEIRA,
1991). Nesse sentido, a (re)criação do campesinato é resultado do pro-
185
cesso de reprodução ampliada do capital no campo, entretanto este não é
processo mecânico; pelo contrário, há rebeldia: a (re)criação camponesa
ocorre por meio de disputas e conflitos com o capital e com o Estado.
Em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, o desenvolvimento do
capital no campo teve apoio do Estado, por meio de leis e decretos que
promoveram a apropriação capitalista da terra. (MORENO 1994). Para
Fabrini (2008), o Estado não foi apenas planejador, mas indutor da for-
mação das grandes propriedades a partir da concessão e venda de terras
devolutas às empresas colonizadoras e grandes capitalistas. É, pois, a
partir da lógica contraditória do capital, que camponeses e indígenas
lutam pela terra e por territórios que lhes pertenceram outrora, reali-
zando ocupações e manifestações. Para Fernandes (1999), as ocupações
e manifestações contribuem para a espacialização e territorialização da
luta pela terra e do campesinato.
Nessa perspectiva, objetivamos analisar a dinâmica da luta pela
terra em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul por meio das ocupações e
manifestações ocorridas no período de 2000 a 2012 e registradas pelo
DATALUTA1. Para tanto, articulamos, neste capítulo, resultados de pes-
quisa bibliográfica, documental e de campo (estes coletados por meio
de entrevistas).
186
tração. No sistema capitalista, a terra é um meio de produção, entretan-
to, por ser bem finito, limitado, é diferente de outros meios de produção.
Martins (1981, p. 159-160) assevera:
A terra é, pois, um instrumento de trabalho qualitativamente diferen-
te de outros meios de produção. Quando alguém trabalha na terra,
não é para produzir terra, mas para produzir o fruto da terra. O fruto
da terra pode ser produto do trabalho, mas a própria terra não o é.
2
Segundo o Art.5 da Lei 9.760 de 1946 as terras “São devolutas, na faixa da fronteira, nos
Territórios Federais e no Distrito Federal, as terras que, não sendo próprios nem aplica-
das a algum uso público federal, estadual territorial ou municipal, não se incorporaram
ao domínio privado”. (BRASIL, 1946). Ou seja: as terras não regularizadas após a Lei de
1850 deveriam ser devolvidas ao Estado.
187
Além do fundamento jurídico, a Lei de Terras promoveu a ideolo-
gia da propriedade capitalista, perdurando até os dias atuais, pois disse-
mina-se a ideia de que todo proprietário de terra conquistou-a por meio
da compra. É necessário destacar, contudo, que leis e decretos estaduais
permitiram a regularização de posses e a grilagem das terras devolutas
no antigo Mato Grosso, composto pelos atuais estados de Mato Grosso
(MT) e Mato Grosso do Sul (MS).
Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, a apropriação e concentra-
ção da propriedade capitalista da terra se deu essencialmente por polí-
ticas, leis e decretos criados com objetivo de motivar a migração para a
região da fronteira e “ocupar” o antigo Mato Grosso. Essa “política fun-
diária” – como aqui a chamamos – promoveu, entretanto, a apropriação
capitalista da terra e, consequentemente, a formação de latifúndios.
Nesse sentido, o Estado passou a ser disputado por oligarquias cons-
tituídas por grupos econômicos do norte e sul do antigo Mato Grosso.
Para as oligarquias, ter o controle do Estado significava também ter con-
trole do processo de regularização e compra das terras devolutas; em ou-
tras palavras, legislar em favor próprio em relação às questões de terras.
Dessa maneira, a apropriação capitalista da terra efetivou-se pela política
fundiária empregada por diferentes governos no espaço mato-grossense,
por meio de leis promulgadas entre 1893 e 1950, possibilitando a concen-
tração fundiária nas mãos das elites nortistas e sulistas do estado.
A partir do governo de Getúlio Vargas, em 1930, o Estado passa a
atuar no antigo Mato Grosso por meio de projetos e programas, objeti-
vando “integrar” as regiões norte e centro-oeste na economia nacional
e amenizar tensões sociais nas áreas de maior densidade demográfica
do país. Nesse contexto, foi lançada, em 1938, a “Marcha para o Oeste”,
resultando na criação, em 1948, da Fundação Brasil Central e das Co-
lônias Nacionais Agrícolas de Goiás, em Ceres (GO) e Dourados (MT),
no sul do antigo Mato Grosso. (ABREU, 2001).
Criada na Marcha para o Oeste, conforme Abreu (2001) a Funda-
ção Brasil Central tinha por objetivo auxiliar o processo de integração
188
rodoviária com o sul do país, substituída em 1967 pela Superintendên-
cia de Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO). A SUDECO par-
ticipou do planejamento de políticas públicas no espaço mato-grossen-
se, que contribuíram, segundo Abreu (2001, p. 20), para a expansão do
capital na fronteira:
Podemos citar as políticas de colonização e ocupação da Amazô-
nia mato-grossense; a implantação e pavimentação da BR-364; a
divisão de Mato Grosso; a modernização da agricultura e ocupação
dos Cerrados pela monocultura da soja; a implantação de distritos
industriais nos municípios de Corumbá, Cuiabá, Campo Grande,
Dourados; ou ainda a proposta da Ferronorte e da hidrovia Ara-
guaia-Tocantins etc. Todas são ações realizadas (ou em realização)
em diferentes momentos e cujos estudos foram realizados dentro
da SUDECO.
189
A expropriação dos povos indígenas no sul do antigo Mato Grosso
acentua-se com o monopólio das terras da Cia Matte Larangeira inicia-
do em 1882. Ao controlar as terras ervateiras, a Companhia procurou
implantar a política de “espaços vazios”, contanto com polícia própria,
dizimando a população indígena presente na área e impedindo a ocu-
pação das terras por pequenos proprietários ou posseiros. (MORENO,
1994). A esse respeito e na mesma direção, também se manifesta Guillen
(1999, p. 150-151):
[…] A manutenção de uma política de “espaços vazios” tornou-se
uma estratégia vital para a Companhia, facilitando o controle e a vi-
gilância sobre os ervais e as formas de trabalho, baseadas na escravi-
dão por dívida. Como dispositivo disciplinar, possuía a Companhia
uma polícia própria, os comitiveiros, que se encarregavam de expul-
sar quem se instalasse em seus domínios, bem como recapturavam
trabalhadores fugidos dos ervais.
190
Dourados (CAND) em 1948. Novamente, os povos indígenas foram afe-
tados pela política fundiária com a invasão de seus territórios e conflitos
com camponeses:
[…] não se tem conta que essa Colônia estava sendo implantada em
pleno território indígena, atingindo em cheio diversas aldeias Kaio-
wa. Confrontavam-se os índios, agora com colonos em busca de
propriedades. Portanto, o conflito entre as comunidades indígenas
e a CAND foi imediato e total. (BRAND; FERREIRA; AZAMBUJA,
2008, p. 33).
3
No índice de GINI (“R”), no intervalo de 0 a 1, quanto maior for a concentração, mais
próximo o índice estará de 1(um), valor de concentração absoluta. (INCRA, 2001). Des-
sa forma, os números de GINI são representados nos mapas por escalas de cores, sendo
1 a cor mais escura e 0 a mais clara.
191
Figura 1 - MT e MS: Índice de GINI por município 2012
Fonte: INCRA/DATALUTA
192
estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, as terras estão concen-
tradas nas mãos de poucos proprietários.
A extrema concentração fundiária e a desigualdade social no cam-
po de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são resultantes do desenvolvi-
mento desigual e combinado do capital. Nesse contexto, camponeses e
povos indígenas engajam-se em movimentos sociais na luta pela terra,
realizando ocupações e manifestações.
Essas ações de enfrentamento dos movimentos sociais do cam-
po são diariamente registradas e sistematizadas pelo DATALUTA e re-
velam-se, tanto para pesquisadores quanto para os camponeses, como
importante fonte de informação da resistência camponesa e povos tra-
dicionais. Os registros contidos no banco de dados do DATALAUTA
balizam nossa análise sobre a dinâmica da luta pela terra das manifesta-
ções e ocupações em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
193
tência dos trabalhadores sem-terra. O começo foi gerado pela expro-
priação, pelo desemprego, pelas desigualdades resultantes do desenvol-
vimento contraditório do capitalismo”.
O conflito é resultado da questão agrária produzida pelo avanço
do capitalismo no campo e, como contraponto, os camponeses e povos
tradicionais lutam por território por meio dos movimentos sociais para
garantir sua reprodução social. Os movimentos são, no entanto, repri-
midos pelas forças do Estado e, também, dos fazendeiros em defesa da
propriedade privada.
Dessa maneira:
Na luta pela terra, a ocupação é uma comprovação que o diálogo
não é impossível. Ao ocupar a terra, os sem-terra vêm a público e
iniciam as negociações, os enfretamentos com todas as forças políti-
cas. Ao ocupar espaços políticos, reivindicam seus direitos. Quando
o governo criminaliza essas ações, corta o diálogo e passa dar or-
dens. Tenta destruir a luta pela terra sem fazer a Reforma Agrária.
(FERNANDES, 2001, p. 36).
194
em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul apresentaram decréscimo, salvo
pequenas variações, no período de 2000 a 2012, como pode ser visuali-
zado no gráfico 1.
Com 266 ocupações (2000 a 2012), Mato Grosso do Sul apresen-
tou picos de ocupações nos anos de 2000 (88), 2001 (27), 2004 (28) e
declínio nos anos seguintes. As 88 ocupações, no ano de 2000, foram
resultantes da pressão dos movimentos, especialmente da CUT e da
CONTAG, com 33 e 21 ocupações, respectivamente.
Em Mato Grosso, ocorreram 93 ocupações (Gráfico 1), entre 2000
e 2012, e o pico de ocupações aconteceu nos anos de 2003 (26 ocupa-
ções) e 2005 (14), certamente motivadas por promessas políticas, uma
vez que a eleição do presidente Luís Inácio Lula da Silva criou o ambien-
te de otimismo junto aos movimentos sociais, particularmente no MST.
Com a entrada de um governo popular, esperava-se a desapropriação e
criação de mais assentamentos, razão por que as ocupações se intensi-
ficaram nos primeiros anos do governo Lula (2003, 2004 e 2005) como
forma de pressão.
195
em novo contexto político a partir de 2002, com a eleição de Luís Iná-
cio Lula da Silva para presidente da República. A Reforma Agrária não
ocorreu, todavia, de acordo com a expectativa dos movimentos, as ações
de ocupação reduziram-se nos anos seguintes em face da desistência das
famílias acampadas, como afirma5 uma das lideranças do MST (MT):
Aqui é um período que quando o PT assumiu o governo, o superin-
tendente do INCRA foi em cadeia nacional e disse “só vou assentar
quem estiver acampado”, isso estimulou o sem-terra a fazer luta ir
para o acampamento. Ai vem caindo de novo, porque a partir que
isso aqui não acontece, as famílias vão desistindo e cada vez mais
difícil fazer ocupação, por quê? Porque as famílias ficam muito tem-
po acampadas, um ano dois anos, hoje cinco anos. Então se eu vejo
meu vizinho acampando há cinco anos eu não me encorajo de ir.
(Entrevistado B).
5
Entrevista realizada em junho de 2014 na secretaria do MST em Cuiabá (MT).
196
veram diretamente a desconcentração fundiária. Portanto, não podem
ser chamados de Reforma Agrária.
Em Mato Grosso, 2001, 2003 e 2005 foram os anos com maior nú-
mero de assentamentos criados (44, 65 e 44 respectivamente). A partir
de 2008, a criação de assentamentos reduziu-se significativamente. O
quadro é semelhante em Mato Grosso do Sul: nos anos 2000, 2005 e
2007, houve o maior número de assentamentos (24, 22 e 26 respectiva-
mente); a partir de 2009, poucos assentamentos foram criados.
197
base realizado pelos movimentos sociais para arregimentar pessoas para
a luta.
No trabalho de base, os movimentos procuram encontrar pesso-
as com perfil de luta pela terra: não apenas trabalhadores rurais, mas
também aqueles trabalhadores urbanos que sempre moraram na cidade,
mas sonham com a vida e o trabalho familiar no campo. Como a con-
juntura político-social alterou-se, algumas estratégias adotadas pelos
movimentos também sofreram modificação a fim de possibilitar a orga-
nização das pessoas na luta pela terra. Como exemplo, podemos men-
cionar a flexibilização das atividades e organização dos acampamentos:
para as pessoas continuarem a lutar por terra, os movimentos permitem
que passem boa parte do dia, ou da semana, fora do acampamento (a
vida no acampamento é um período muito sofrido). Consequentemen-
te, estes constituem um grupo de acampados que não permanecem ali
em período integral. Trabalham na cidade e retornam ao final do dia
ou nos finais de semana. Isso decorre do fato de os acampamentos não
possuírem estrutura necessária para moradia e geração de renda.
A distribuição territorial das ocupações, outro elemento impor-
tante a ser considerado, revela as principais regiões de conflito de luta
pela terra nos estados. Assim, em Mato Grosso, as regiões com maior
número de ocupações são o Sul e o Norte; em Mato Grosso do Sul, os
conflitos concentram-se na região centro-sul, como demonstramos no
mapa 2.
Na região Norte de MT, destacam-se os municípios de Sinop (7
ocupações) e Cláudia (3 ocupações). No Sul de Mato Grosso, as ocupa-
ções são organizadas basicamente pelo MST, com destaque para os mu-
nicípios de Cáceres (9 ocupações), Rondonópolis (6 ocupações) e Jacia-
ra (5 ocupações). Em Mato Grosso do Sul, destacam-se, com os maiores
números de ocupações, no período de 2000 a 2012, os municípios de
Ponta Porã (18 ocupações), Rio Brilhante (14) e Sidrolândia (11).
Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, há tendência semelhante
no número de ocupações, excetuando-se o ano 2000, quando a luta se
198
Figura 2 - MT e MS ocupações por município (2000 a 2012)
Fonte: DATALUTA.
199
encontrava acirrada em MS, resultante do significativo número (88) de
ocupações. As regiões de concentração das ocupações de terras são as
mesmas com maior índice de GINI da concentração fundiária (Figura
1). Ou seja, há embate entre movimentos sociais e latifundiários, apre-
sentando-se como agronegócio.
Na região Norte de Mato Grosso, muitos municípios foram projeta-
dos e criados por ações de colonizadoras particulares. Posseiros e povos
indígenas foram expropriados ao mesmo tempo em que trabalhadores de
outras regiões migraram à procura de emprego e acesso a terra. Assim,
parte dos municípios da região Norte de MT “nasceram” com intensos
problemas sociais, provocados pela concentração fundiária e exclusão de
camponeses, povos indígenas, como no caso dos de Sinop e Jaciara.
A situação agravou-se com a intensificação do agronegócio no es-
tado, monopolizando as terras e dificultando ainda mais a reprodução
camponesa no campo. Assim como em MT, os conflitos pela terra em
MS gravitam em torno dos processos de posse e concentração fundiária
promovidos pela política fundiária. A região centro-sul de MS, onde se
concentraram as ocupações entre 2000 e 2012, possui, em sua formação
socioespacial, a expulsão de indígenas e camponeses, concomitante à
expansão do capitalismo no campo.
Quando analisamos as ocupações por movimento social em Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul, percebemos a diversidade dos movimen-
tos na luta pela terra. O MST (33 ocupações) foi o protagonista das
ocupações em Mato Grosso, acompanhado do MTAA (3) e Movimento
indígena (2). Já em Mato Grosso do Sul, o movimento indígena realizou
mais ocupações (58), seguido pelo MST (49) e CUT (39).
O protagonismo da luta pela terra em Mato Grosso do Sul é dividi-
do entre MST e movimento indígena. O gráfico 3 mostra o protagonis-
mo desses movimentos em períodos distintos. O primeiro período vai
de 2000 a 2004 e tem o MST como o principal movimento na organiza-
ção das ocupações no Estado. A partir de 2005 até 2012, o movimento
indígena assumiu o protagonismo da luta pela terra em MS.
200
Gráfico 3 - MS: ocupações do MST e do movimento indígena
de 2000 a 2012
201
procura obter respostas rápidas a suas reivindicações, e a cidade se mos-
tra importante no processo:
Agora a ocupação de terras é insuficiente para enfrentar o modelo
do agronegócio. Por isso, além das ocupações, o MST deve desen-
volver novas formas de luta, que envolvam todos os camponeses e
outros setores da sociedade interessados em mudar esse modelo de
exploração agrícola, que agride o ambiente e produz alimentos con-
taminados. (STÉDILE, 2010, p. 1).
202
Assim, as manifestações do campo (e que ocorrem, em sua grande
maioria, nas cidades) são, para os movimentos sociais, importante es-
tratégia na luta contra a agricultura capitalista e por Reforma Agrária. O
modelo de agricultura capitalista hegemônico reproduz-se no campo e
na cidade e, para tanto, o modo de produção solda a cidade e o campo
em unidade dialética, pois “[...] com relação aos processos contraditó-
rios e desiguais do capitalismo, devemos entender que eles têm se de-
senvolvido no sentido de ir eliminando a separação entre a cidade e o
campo, entre o rural e urbano, unificando-os numa unidade dialética”
(OLIVEIRA, 1991, p. 26).
Essa soldagem não elimina, entretanto, as diferenças entre cidade e
campo; ao contrário, provoca-as (ALENTEJANO, 2003). Ademais:
O espaço rural e o espaço urbano serão concebidos como partes
constitutivas de uma totalidade que se forma na diversidade. O que
se fará com base no conceito de divisão social do trabalho, conside-
rando-se a influência da lei do desenvolvimento desigual e combi-
nado. (MARQUES, 2002, p.105).
203
no campo (agronegócio) gera contradições e conflitos que refletem na
cidade, especialmente pela atuação desse poder e, contraditoriamente,
dos movimentos sociais por meio das manifestações (MELO; NARDO-
QUE, 2014).
Os dados do DATALUTA (gráfico 5) apresentam a dinâmica das
manifestações ocorridas nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do
Sul, durante o período de 2000 a 2012. O número de manifestações nos
estados apresenta tendência semelhante, exceto as variações maiores
ocorridas nos anos 2003 (67) e 2011 (66), em Mato Grosso, e 2005 (62
manifestações), em Mato Grosso do Sul.
204
Ressaltamos a diversidade de movimentos organizadores de mani-
festações nos estados de MT e MS, especialmente movimentos ligados
a sindicatos, lutando por direitos trabalhistas. O principal movimento
atuante nesses estados, o MST, tem suas propostas para mudanças da
sociedade bem definidas, assim como sua forma de atuação. Tornar pú-
blicos problemas e reivindicações, por meio das manifestações nas cida-
des, é estratégia, pois nelas se concentram o poder político e a presença
da mídia amplia o alcance espacial da luta.
Nesse contexto, a cidade, como espaço das decisões políticas, é o
principal local das manifestações. No gráfico 6, apresentamos as tipolo-
gias das manifestações do campo entre os anos de 2000 e 2012 em MT
e MS.
O bloqueio de rodovia aparece como a principal forma de mani-
festação em Mato Grosso (164 bloqueios), seguido de 162 ocupações de
prédios públicos. De forma muito semelhante, em Mato Grosso do Sul o
bloqueio de rodovia (177) é a principal forma de pressão exercida pelos
movimentos do campo, seguido pela ocupação de prédio público (132).
6
Entrevista realizada em maio de 2014, na sede do MST em Campo Grande (MS).
206
Figura 3 - Jornal Correio do Estado: ocupação do INCRA
Fonte: Correio do Estado, 2012.
207
terceiro lugar na pauta das manifestações. Por fim, emergem reivindica-
ções por água, saneamento básico e saúde em geral.
Quando mapeadas, as manifestações apresentam cidades politi-
camente importantes para os movimentos sociais do campo em Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul. Normalmente, as cidades com sede de ór-
gãos públicos de decisão e com importantes veículos de comunicação de
massa, formadores de opinião, são as de concentração de manifestações.
Na figura 4, Cuiabá (139 manifestações) aparece como a cidade
escolhida para as manifestações, seguida de Cáceres (39) e Rondonó-
polis (24). Estas são as principais sedes de municípios onde ocorrem
as manifestações no Mato Grosso. Campo Grande (81 manifestações),
Dourados (69) e Itaquiraí (24) concentram as manifestações em Mato
Grosso do Sul.
Apesar de, segundo o responsável7 pelo setor “Frente de Massa”
8
do MST, as manifestações em MT ocorrerem, sobretudo, nas cidades
de Cuiabá e Cáceres, o movimento passa por mudanças nas estratégias
de luta. Pelo fato de as ocupações de prédios públicos não alcançarem
os objetivos esperados, o movimento adotou os bloqueios de rodovias
como principal estratégia de luta na cidade:
[…] bloqueio de rodovia cresce muito porque os prédios públicos
não está dando mais resposta, por isso vai surgir aonde vai dar res-
posta, então para dar resposta hoje nas lutas do movimento seria
trancar rodovia, daí você tranca rodovia pra nós do MST é uma
situação crucial, porque você trancar uma rodovia você cria uma
antipatia com a sociedade, muitas vezes o governo não resolve esse
problema […] [sic]. (Entrevistado C).
208
Figura 4 - MT e MS manifestações do campo (2000 a 2012)
Fonte: INCRA/DATALUTA.
209
colocando a sociedade contra o movimento, é ação necessária. Nesse
sentido, as mobilizações são estrategicamente pensadas para atingirem
seus objetivos com, ou sem, apoio da sociedade:
Então muitas vezes, ah, trancou a BR para prejudicar! Não, não é
essa a intenção, a intenção é dialogar com a sociedade, para que
a sociedade saiba o motivo pelo qual aquela ação está sendo feita.
Paramos o trânsito e vamos dar essas informações e às vezes distri-
buímos materiais escritos, já teve ações da gente parar o trânsito e
distribuir produtos da Reforma Agrária, para mostrar que a gente
produz e informar os usuários daquela BR o que está acontecendo.
Mas em momento algum uma ocupação numa estrada, uma mani-
festação numa rodovia, uma paralisação na rodovia ela vem impe-
dir o cidadão de ir e vir. Não é! Jamais nós queremos impedir os ci-
dadãos de ter o direito de ir e vir, nós queremos parar o cidadão pra
informar pra ele o que nós estamos reivindicando. (Entrevistado D).
210
de moradia, saúde e educação. A urgência por soluções evidencia-se na
preocupante estatística apresentada por Brand (2012, p.104):
Informações divulgadas pelo Distrito Sanitário Especial Indígena,
DESEI-MS, da Secretaria Especial de Saúde Indígena, SESAI, do
Ministério da Saúde, entre os anos de 2000 e 2011 ocorreram, no
Mato Grosso do Sul, um total de 555 casos de suicídios entre índios,
sendo que 99% dos casos ocorreram entre os Guarani e Kaiowá e
70% eram de pessoas entre 15 e 29 anos. O mesmo relatório registra
para os últimos dez anos um total de 317 homicídios entre indíge-
nas, no Mato Grosso do Sul, sendo 39, em 2011.
Considerações finais
A análise da dinâmica da luta pela terra revela que, apesar de os
números sobre ocupações indicarem redução, a luta em MT e MS não
acabou; pelo contrário, percebemos a mudança de estratégia dos mo-
vimentos sociais diante da atual conjuntura de paralisação da Reforma
Agrária. Dessa maneira, as manifestações do campo realizadas nas cida-
des e rodovias foram constantes e, segundo resultados de trabalhos de
campo, são consideradas eficientes para atingir as reivindicações ime-
diatas.
211
De 2007 a 2012, houve redução significante nas ocupações. Se-
gundo informações colhidas em campo, a redução se deve ao impacto
dos programas de combate à pobreza e transferência de renda e à não
realização da Reforma Agrária. A Reforma Agrária, principal reivindi-
cação dos movimentos sociais, não ocorreu como se esperava, produ-
zindo decepção e contribuindo para a redução do número de famílias
em luta. Outro fator importante na discussão da luta pela terra é a falta
de políticas públicas para os assentamentos, gerando desmobilização,
como afirma Almeida (2011, p.1).
É também na busca de atingir esta premissa, que os movimentos
e organizações sociais têm construído lutas por políticas públicas
complementares à Reforma Agrária, como crédito, comercialização,
assistência técnica, saúde, educação – na sábia compreensão que “só
terra cortada não basta”.
212
longe de estar desmobilizada ou resolvida. A luta se refaz na lógica do
desenvolvimento desigual do capitalismo, que continua a territorializar-
-se e a monopolizar os campos mato-grossense e sul-mato-grossense,
reproduzindo os conflitos pela terra. Em contrapartida, com ou sem
apoio do Estado, a luta pela terra continua a especializar-se, de acordo
com as estratégias adotadas pelos movimentos diante da conjuntura po-
lítica e econômica.
Referências
A GAZETA, Cuiabá, ano 21, n. 7.038, 15 mar. 2011.
ABREU, Silvana de. Planejamento governamental: A SUDECO no espaço Mato-Gros-
sense: contexto, propósitos e contradições. 323f. Tese (Doutorado em Geografia) – Fa-
culdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2001.
ALENTEJANO, Paulo Roberto R. As relações campo-cidade no Brasil do século XXI.
Terra Livre, São Paulo, v. 2, n. 21, p. 11-23, jul./dez. 2003.
ALMEIDA, Rosemeire. A. Reforma Agrária e omissão em Canoas. 2011. Disponí-
vel em: <http://cptms.blogspot.com.br/2011/10/artigo-reforma-agraria-e-omissao-em.
html>. Acesso em: 7 nov. 2014.
ARRUDA, Zuleika A. Onde está o agro deste negócio? Transformações socioespaciais
em Mato Grosso decorrentes do agronegócio. 257f. Tese (Doutorado em Geografia) –
UNICAMP, Campinas, 2007.
BRAND, Antonio. A violência contra os povos indígenas em 2011: um novo governo e
velhos problemas. In: CANUTO, A. LUZ, R. S. WICHINIESKI, I. (Orgs). Conflitos no
Campo Brasil 2011, Goiânia, 2012.
BRAND, Antônio Jacó; FERREIRA, Eva Maria Luiz; AZAMBUJA, Fernando de. Os
Kaiowá e Guarani e os processos de ocupação de seu território em Mato Grosso do Sul.
In: ALMEIDA, Rosemeire A. (Org.). A questão agrária em Mato Grosso do Sul: uma
visão multidisciplinar. Campo Grande: UFMS, 2008. p. 27-51.
CORREIO DO ESTADO, Campo Grande, ano 59, n.18, 356, 24 mai. 2012.
DATALUTA. Apresentação. 2011. Disponível em: <http://www.lagea.ig.ufu.br/rededa-
taluta/apresentacao_dataluta_2011.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2012.
DATALUTA. Relatório Nacional 2011. Disponível em: <http://www2.fct.unesp.br/
nera/projetos.php>. Acesso em: 03 mai. 2014.
FABRINI, João E. A posse da terra e o sem-terra no sul de Mato Grosso do Sul: o caso
Itaquiraí.167f. Dissertação (Mestrado em geografia), FCT, UNESP, Presidente Prudente,
1995.
213
_______. As manifestações coletivas e comunitárias como componentes da resistência
camponesa. In: ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DA AMÉRICA LATINA, 10. , 2005,
São Paulo. Anais. São Paulo: USP, 2005.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Espacialização e territorialização da luta pela ter-
ra: Movimento dos trabalhadores rurais sem terra - formação e territorialização em São
Paulo. 207f. Dissertação (mestrado em geografia), FFLCH, USP, 1994.
_______.. Contribuição ao estudo do campesinato brasileiro: formação e territoria-
lização do movimento dos Trabalhadores rurais sem terra - MST (1979 –1999). 316 f.
Tese (Doutorado em Geografia) - FFLCH, USP, São Paulo, 1999.
_______. Movimento social como categoria geográfica. Terra Livre. São Paulo, n. 15,
p.59-86, 2000.
_______. A ocupação como forma de acesso à terra. In: CONGRESSO INTERNA-
CIONAL DA ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS LATINO-AMERICANOS, 23, 2001, WA-
SHINGTON – DC. Disponível em:< http://lasa.international.pitt.edu/Lasa2001/Fer-
nandesBernardoPort.pdf.>. Acesso em: 13 mai. 2014.
_______. Questão agrária: conflitualidade e desenvolvimento territorial. In: BUAI-
NAIN, Antonio M. (Ed). Luta pela terra, Reforma Agrária e gestão de conflitos no
Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.
GUILLEN, Isabel Cristina Martins. A luta pela terra nos sertões de Mato Grosso. Estu-
dos Sociedade e Agricultura, p. 148-168, abr. 1999.
LEMOS, Linovaldo M. O global e o local numa lógica reticular. Revista de Economia
Heterodoxa, n. 9, ano VII, p.77-91, 2008.
MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Terra Livre.
São Paulo, Ano 18, n. 19, p. 95-112, jul./dez. 2002.
MARGARIT, Eduardo. Tramas políticas e impactos socioambientais na Amazônia:
a dinâmica do processo de pavimentação da BR-163. 146f. Dissertação (Mestrado em
Geografia) - UFMS, Três Lagoas, 2012.
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes,1981.
MELO, Danilo S; NARDOQUE, Sedeval. As manifestações em Mato Grosso do Sul e a
relação campo-cidade. Boletim DATALUTA. Presidente Prudente, NERA, jan. 2014.
10 p.
MIZUSAKI, Márcia Y. Questão agrária e disputas territoriais em Mato Grosso do Sul:
novos conteúdos, velhas práticas. In: ARAÚJO, Ana C. de; BATISTA, Luiz Carlos; VAR-
GAS, Icléia Albuquerque (Orgs.). Dinâmicas do rural contemporâneo. Campo Gran-
de: Editora da UFMS, 2014. p.89-107.
MORENO, Gislaene. Os (Des) caminhos da apropriação capitalista da terra em Mato
Grosso. 633f. Tese (Doutorado em Geografia) - FFLCH USP, São Paulo, 1994.
_______.Terra e poder em Mato Grosso: política e mecanismos de burla (1892-1992).
Cuiabá, MT: Entrelinhas/EdUFMT, 2008.
214
MOTTA, Márcia Maria Menendes. Lei e justiça: Conflitos e grilagens em 2006 – Apon-
tamentos iniciais. In: Conflitos no Campo Brasil 2006/CPT. Goiânia: CPT Nacional
Brasil, 2007, p. 170-175.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo:
Contexto, 1991.
______. Barbárie e modernidade: as transformações no campo e o agronegócio no Bra-
sil. Revista Terra Livre, São Paulo: AGB, ano 19, v. 2, n. 21, p. 113-156, jul./dez., 2003.
SIQUEIRA, Eranir M de; SOUSA, Neimar M. de. A atuação do serviço de proteção ao
índio e a história dos guarani/kaiowá. ANPUH - SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓ-
RIA, 23. Anais... Londrina, 2005. 8 p.
STÉDILE, João Pedro. Questão agrária no Brasil. 10. ed. São Paulo: Atual, 1997.
_______. O MST e a ocupação de terras. 7 abr. 2010. Disponível em: < http://www.mst.
org.br/node/9438>. Acesso em: 03 dez. 2013.
STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente: a trajetória do
MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 1999.
215
216
Mudanças Espaço-Temporais da
Paisagem dos Assentamentos
Providência III e Tupã, no Contexto
das Transformações Socioterritoriais
do Município de Curvelândia-MT
Introdução
O presente texto foi gerado a partir de resultados obtidos na execu-
ção dos projetos de pesquisa: “Questão Agrária e Transformações Socio-
territoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT
na última década censitária” e “Modelagem de indicadores ambientais
para a definição de áreas prioritárias e estratégicas à recuperação de áre-
as degradadas da região sudoeste de Mato Grosso/MT”, da Rede Cen-
tro-Oeste de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação (Edital MCT/CNPq/
FNDCT/FAPs/MEC/CAPES/PRO-CENTRO-OESTE nº 31/2010).
217
A Microrregião Geográfica Alto Pantanal no estado de Mato Gros-
so é formada pelos municípios de Barão do Melgaço, Cáceres, Curvelân-
dia e Poconé, totalizando 53.156,66 Km2, totalizando 132.178 habitantes
(IBGE, 2015a). Nesta, há o predomínio da pecuária, desenvolvida desde
o século XVIII, basicamente de forma extensiva, em decorrência do pul-
so de inundação do Pantanal, que ocorre em 87% da microrregião.
Destas municipalidades, este texto dedica-se ao estudo de Curve-
lândia, que, dentre os municípios, é o de criação mais recente, entretan-
to possui o assentamento rural mais antigo da microrregião, o Tupã, e
o terceiro mais antigo, o Providência III, implantados, respectivamente,
nas décadas de 80 e 90 do século passado, oportunizando a realização de
significativa análise de dinâmica da paisagem.
Os incentivos governamentais advindos dos programas de inte-
gração ou desenvolvimento – Programa de Integração Nacional- PIN
(1970) e Programa integrado de desenvolvimento do noroeste do Bra-
sil - Polonoroeste (década de 1980) – viabilizaram que assentamentos
fossem implantados com base em infraestrutura precária, desprezando
características biofísicas e provendo pouco apoio à organização social
(FEARNSIDE, 1986).
O PIN, segundo Moreno (2005), foi criado com a finalidade de
financiar obras de infraestrutura, especialmente a abertura de rodovias
federais e o desenvolvimento da reforma agrária. No contexto mato-
-grossense, mais especificamente na microrregião Alto Pantanal, o pro-
grama possibilitou a implantação da BR 174, trecho que liga Cáceres até
a fronteira com o estado de Rondônia, enquanto o Polonoroeste con-
tribuiu para o “[...] aumento do fluxo migratório de colonos que diri-
giam para os projetos de colonização implantados ao longo da rodovia
asfaltada” (MORENO, 2005, p. 42). Foi nessa conjuntura que os assen-
tamentos rurais do município de Curvelândia foram estabelecidos, con-
figurando espaço que contém “todos os tipos de espaços sociais [que]
são produzidos pelas relações entre as pessoas, e entre estas e a natureza,
que transformam o espaço geográfico, modificando a paisagem e cons-
truindo territórios, regiões e lugares” (FERNANDES, 2005, p. 26).
218
O entendimento das mudanças na paisagem depende de docu-
mentação das alterações passadas e atuais na cobertura da terra. Desse
modo, as geotecnologias, como o sensoriamento remoto, por meio de
fotografia aérea e imagem de satélite, e os Sistemas de Informação Geo-
gráfica possibilitam, segundo Batistella e Brondizio (2004), entender e
integrar analiticamente as trajetórias das paisagens em transformação.
Os resultados proporcionados pelas geotecnologias fornecem sub-
sídios práticos aos tomadores de decisão, tanto na esfera pública como
privada, e são úteis no planejamento do desenvolvimento territorial e da
conservação ambiental.
Assim, teve-se, neste capítulo, o objetivo de caracterizar a configu-
ração territorial do município de Curvelândia, estado de Mato Grosso,
analisando as implicações das transformações socioterritoriais, relativas
aos usos da terra, na paisagem da municipalidade e de seus assentamen-
tos rurais.
Para gerar os resultados necessários à redação deste texto, foram
obtidas as bases cartográficas temáticas, na escala de 1:250.000, no sítio
da Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral de Mato
Grosso (MATO GROSSO, 2012). As bases selecionadas foram recorta-
das pela área do município e do assentamento e inseridas no Banco de
Dados Geográficos (BDG), implementado no ArcGis (ESRI, 2007). No
software Spring (CÂMARA et al., 1996), foram processadas as imagens
dos satélites Landsat, referentes aos anos de 1984, 1994, 2004 e 2014, e
gerados os mapas de cobertura vegetal e uso da terra.
A caracterização da configuração territorial municipal, compreen-
dendo os componentes bióticos, abióticos e antrópicos da paisagem, foi
realizada a partir de pesquisa bibliográfica e documental.
Para se alcançar o objetivo proposto, a pesquisa contemplou, além
dessa introdução, das considerações finais e das referências, três partes.
Na primeira, abordou-se a configuração territorial da municipalidade
de Curvelândia, considerando os contextos socioeconômico e ambien-
tal. Na segunda, priorizou-se a análise das implicações das transfor-
219
mações socioterritoriais relativas aos usos da terra no município; na
terceira, o foco recaiu sobre a dinâmica da mudança da paisagem nos
assentamentos rurais de Curvelândia.
220
desenvolvimento. Os índices do IDHM apresentaram evolução do ano
de 1991 a 2010, sendo Longevidade a dimensão que mais contribui para
aumento do IDHM, apresentando o valor de 0,811, seguida de Renda,
com 0,658, e Educação, com 0,615.
221
Tratando-se de saúde, em 2005, no município, havia quatro estabe-
lecimentos públicos municipais prestando serviço pelo Sistema Único
de Saúde (SUS), com atendimento ambulatorial médico em especialida-
des básicas e odontológico, entretanto sem internação pública. No ano
de 2009, houve redução de quatro para dois estabelecimentos, perma-
necendo a esfera municipal responsável pelos atendimentos na saúde. O
decréscimo foi maior para aquelas pessoas que carecem de tratamentos
odontológicos, com o registro de apenas uma unidade de atendimento
(IBGE, 2006, 2010).
Os elementos mencionados poderiam influenciar o índice de Lon-
gevidade do IDHM, motivado pela sensível redução do número de es-
tabelecimentos de atendimento em saúde (índice de 2000 – 0,723; e em
2010 – 0,811), entretanto isso não ocorreu. Segundo dados do Depar-
tamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS, 2012),
a morbidade hospitalar nos anos de 2009 a 2012, ou seja, a relação das
internações hospitalares advindas de doenças em determinado período
com a população (ROUQUAYROL, 1986), foi igual a zero (0); todavia,
em 2007, houve nove óbitos e, em 2005, sete óbitos.
Corrobora as informações de melhoria do índice de Longevidade
a esperança de vida ao nascer, de 68,4 anos, em 2000, para 73,6 anos,
em 2010; mortalidade até um ano de idade por mil nascidos vivos, de
30,1 para 17,6; mortalidade até cinco anos de idade por mil nascidos
vivos, de 33,4 para 21,5; e taxa de fecundidade (filhos por mulher), de
2,6 para 2,2, respectivamente. Inclui-se, ainda, o salto da porcentagem
da população em domicílios de Curvelândia com banheiro e água en-
canada, de 46,50%, em 2000, para 92,91%, em 2010; a porcentagem da
população em domicílios com energia elétrica, de 86,08% para 100%;
a porcentagem da população em domicílios com coleta de lixo (po-
pulação urbana), de 17,36% para 93,82%, na ordem (ATLAS BRASIL,
2013).
Em relação à educação, em 2005, na municipalidade, havia seis
escolas, entre elas uma (1) pública estadual (fundamental e médio) e
cinco públicas municipais (pré-escolar, fundamental e médio) e, no ano
222
de 2012, uma escola pública municipal encerrou as atividades (INEP,
2015).
Em 2000, o índice de Educação perfazia 0,346, com porcentagem
de crianças entre cinco a seis anos na escola de 56,68%; na faixa dos 11
aos 13 anos, nos anos finais ou com ensino fundamental completo, de
76,54%; dos 15 aos 17 anos, com fundamental completo, de 44,67%; dos
18 aos 20 anos, com ensino médio completo, de 13,56% e, para o ano
de 2010, 90,44%; 97,30%; 70,20%; e 49,26%, respectivamente (ATLAS
BRASIL, 2013).
No mesmo sentido, o percentual de escolaridade da população
curvelandense com 25 anos ou mais, em 2000, era: fundamental in-
completo e analfabeto, 34,4%; fundamental incompleto e alfabetizado,
57,19%; fundamental completo e médio incompleto, 6,31%; médio com-
pleto e superior incompleto, 4,94%; superior completo, 1,15%; em 2010,
18,95%; 48,24%; 14,32%; 13,75% e 4,74%, em ordem (ATLAS BRASIL,
2013). O conjunto das informações indicou melhorias no acesso e na
qualificação da população, refletindo no índice.
Compondo o indicador de Renda, o Produto Interno Bruto
(PIB) do município, no ano de 2001, distribuía-se da seguinte for-
ma (em milhões): primeiro setor – agricultura – R$ 1,044; segundo
setor – indústria – R$ 1,033; terceiro setor – serviços – R$ 5,940; no
ano de 2010: R$ 12,043; R$ 6,836; e R$ 22,061, respectivamente, com
crescimento de 1.053% na agricultura, 562% na indústria e 271% nos
serviços. Dessa forma, o PIB em 2001 era de R$ 8,312 milhões e,
para o ano de 2010, elevou 419%, passando para R$ 43,148 milhões
(IBGE, 2015).
Acompanhando o cenário positivo do PIB, a renda per capita, a
porcentagem de extremamente pobres, a porcentagem de pobres, a taxa
de desocupação e o Índice de Gini também apresentaram melhorias: em
2000 – R$ 322,52; 12,29%; 36,25%; 6,39 %; 0,53; em 2010 – R$ 480,92;
2,92%; 14,43%; 3,98% e 0,47, na ordem, com crescimento de 49% na
renda, redução de 76,24% dos extremamente pobres, 60,20% de pobres
223
e de 37,72% dos desempregados, além de diminuição da concentração
de renda em 11,32% (ATLAS BRASIL, 2013).
A produção agropecuária aumentou no município de Curvelândia,
conforme dados do Anuário Estatístico de Mato Grosso (MATO GROS-
SO, 2005, 2013, 2015). Na agricultura, a produção cresceu 260,90% e a
área, 98,28%, com destaque para a cultura da cana-de-açúcar. Na pe-
cuária, os resultados não foram tão expressivos quanto na agricultura,
porém houve acréscimo, no rebanho, de 24,80% (Tabela 2).
Coco 5 32* - -
Feijão 70 28 20 12
Laranja 3 41 - -
Mamão - - 13 260
Mandioca 10 150 120 1.680
Milho 200 500 180 576
Seringueira 10 10 10 16
Total 812 28.953** 1.610 104.941
Descrição Cabeças Cabeças
Bovinos, suínos e bubalinos 34.976 52.820
Pecuária
224
plantada, porém os avanços tecnológicos aumentaram a produtividade.
Para a pecuária, o incremento de cabeças foi para os bovinos, suínos,
ovinos e caprinos, com redução aos demais. O aumento da agricultura
deveu-se à atividade da cana-de-açúcar, como destacado, com perdas de
feijão e café e eliminação do arroz, ou seja, no espaço agrícola os produ-
tos alimentares foram substituídos por produto para exportação, nesse
caso, a cana para produção de etanol.
Relativo aos componentes ambientais, o município encontra-se
inserido na bacia do rio Cabaçal, sendo uma das unidades hidrográ-
ficas da Bacia Alto Paraguai (BAP), que contém o bioma Pantanal, que
abrange 235,37 Km2 (66,89%) da superfície municipal, enquanto o bio-
ma Amazônia 124,39 Km2 (33,11%).
As rochas presentes no município de Curvelândia pertencem às
seguintes formações geológicas: Aluviões atuais 72,74 Km2 (20,22%),
Pantanal 248,58 Km2 (69,10%) e Araras 38,44 Km2 (10,68%).
A geomorfologia da área investigada é constituída pelas seguin-
tes unidades: Sistema Regional de Aplainamento, 32,42 Km2 (9,01%);
Terraços fluviais, 10,78 Km2 (3%); Sistema de Dissecação em Colinas e
Morros 6,85 Km2 (1,90%); Sistema de Planície Fluvial, 1,91 Km2 (0,53%);
Planície Aluvionar Meandriforme, 60,05 Km2 (16,69%); e Sistema de
Dissecação, 247,76 Km2 (68,87%).
As formas de relevo e respectivas declividades estão assim distri-
buídas no município: 292,57 Km2 (81,32%) ocorrem em relevo plano
(0-3%), 57,13 Km2 (15,88%) em relevo suave ondulado (3,1 a 8%), 7,60
Km2 (2,11%) em relevo ondulado (8,1 a 20%) e 2,46 Km2 (0,68%) em
relevo forte ondulado (20,1-45%).
As classes de solos presentes no município são: Neossolos 80,59
Km2 (22,40%), Latossolos 279,17 Km2 (77,60%) e Argissolos 0,004 Km2
(0,001%).
De acordo com o Climate-data.org (2015), o tipo do clima de Cur-
velândia é o Tropical (Aw), com concentração de chuvas no verão. A
temperatura média municipal é de 25.8°C, e a pluviosidade média anual
225
é de 1458 mm, sendo janeiro o mês em que ocorre maior quantidade de
precipitação e julho o mais seco (Figura 2).
226
Figura 3 - Curvelândia (MT): uso da terra e cobertura vegetal.
Fonte: organizada pelos autores (2015).
227
As Áreas de Tensão Ecológica ocupam locais onde ocorre a in-
terpenetração de diferentes regiões fitoecológicas, e, na área de estudo,
observou-se o contato entre a Savana Florestada e a Floresta Estacional
Decidual (Figura 3). No período de estudo, o total de área recoberta
pela classe apresentou baixa redução (Tabela 3), fato explicado pelo re-
levo acidentado, que dificulta ou muitas vezes impede a incorporação
da área para a execução de atividades produtivas. Situação diferente foi
encontrada por Neves et al. (2014) ao investigarem a dinâmica da co-
bertura vegetal e o uso da terra no assentamento Roseli Nunes, situado
no município vizinho de Mirassol D’Oeste, onde identificaram decrés-
cimo da Área de Tensão Ecológica.
A classe Água, que contempla os rios, córregos e lagoas, mante-
ve os valores de área muito próximos nos anos investigados (Tabela 3
e Figura 3), possivelmente por influência das variáveis climáticas, hi-
drológica e antropogênicas. Essa classe é imprescindível à vida animal,
vegetal e às atividades humanas, constituindo, conforme Merten e Mi-
nella (2002), recurso finito, sem o qual não é possível o desenvolvimento
de atividades produtivas. Assim, a situação de equilíbrio apresentada
mostra-se satisfatória.
A Floresta Aluvial, encontrada especialmente ao longo dos cur-
sos hídricos, ocorre, no município de Curvelândia, sobretudo ao lon-
go do rio Cabaçal, tendo apresentado, no período de trinta anos, bai-
xos valores de redução (Tabela 3 e Figura 3). Atribui-se a situação ao
cumprimento do Código Florestal (BRASIL, 2012), pois a classe, por
estar situada ao longo dos flúvios, tem porções de sua área definidas
como de preservação permanente (APP), podendo estar coberta ou
não com vegetação nativa. Neste caso, a função da Floresta Aluvial é
a de proporcionar a preservação dos recursos hídricos, da paisagem e
da biodiversidade e, por último, assegurar o bem-estar das populações
humanas (GOUVEIA et al., 2013; KREITLOW et al., 2013; NEVES et
al.; 2014).
A influência urbana que se refere à cidade de Curvelândia foi a
segunda classe que mais apresentou crescimento no período analisa-
228
do (Tabela 3 e Figura 3), fato que pode ser explicado pelo crescimento
populacional ocorrido na última década censitária (IBGE, 2013). Re-
sultados que corroboram o exposto foram apresentados por Cochev et
al. (2010) e Santos e Zamparoni (2012) ao realizarem análise multitem-
poral do município de Cáceres, em que constataram relação entre o au-
mento da área urbana e o crescimento populacional.
A Pecuária, embora tenha apresentado decréscimo no ano de 2014,
em consequência do crescimento da Agricultura (cana-de-açúcar), per-
maneceu como o uso predominante em Curvelândia (Tabela 3 e Figu-
ra 3). Pessoa et al. (2013), ao realizarem a análise espaço-temporal da
cobertura vegetal e uso na interbacia do rio Paraguai médio, localizada
na Bacia do Alto Paraguai, em Mato Grosso, assim como o município
de Curvelândia, verificaram diminuição da pecuária decorrente do au-
mento do cultivo de cana-de-açúcar.
Ao longo de trinta anos, a Savana Florestada foi quase completa-
mente substituída pela pecuária e agricultura (Tabela 3 e Figura 3). Lima
(2001) verificou que as áreas vegetadas, como a de Savana Florestada,
são importantes para as atividades agropecuárias por proporcionarem
maior concentração de biomassa, influenciando a fertilidade do solo.
Na tabela 04, é mostrado o estado de conservação da paisagem de
Curvelândia diante das ações humanas que modificaram os seus atribu-
tos naturais por meio dos usos. Destarte, os valores aferidos indicaram
que o processo de ocupação e uso da terra impactaram negativamente
os componentes naturais da paisagem, especialmente a vegetação, o que
pode acarretar distúrbios de ordem climática, hidrográfica e pedológica
(RODRIGUES et al., 2015).
229
Mudanças no uso da terra nos assentamentos rurais
de Curvelândia
A distribuição dos assentamentos da microrregião Alto Pantanal
por município mostra que, mesmo não tendo nenhum em Barão do
Melgaço, foram criados dezenove em Cáceres, dois em Curvelândia e
sete em Poconé, totalizando 28. Somente um dos assentamentos de Cur-
velândia está totalmente contido nos limites municipais (o outro não),
assim como há partes de dois outros assentamentos, que pertencem ao
município de Mirassol D’Oeste (Tabela 05).
230
(30 X 30 metros) não possibilita a sua distinção no processo de classifi-
cação utilizado para elaboração dos mapas.
231
tes, conforme pode ser observado na tabela 7. Aproximadamente 305
toneladas de alimentos foram comercializados (CONAB, 2015), dentre
eles os produtos de origem agroindustrializada, frutífera, olerícola e de
grandes atividades (milho e feijão).
232
Entre os assentamentos no território curvelandense, destaca-se
o de Tupã, com maior extensão de terra, mesmo não estando contido
integralmente nos limites do município. Assim como encontrado no
assentamento de Providência III, as classes Água e Savana Florestada
cederam espaço à atividade pecuária (Tabela 8 e Figura 5). Situação
análoga foi encontrada por Silva et al. (2012) e Oliveira et al. (2013) ao
realizarem estudos nos assentamentos rurais de Cáceres (MT), em que
constataram que a pecuária leiteira constitui a principal atividade eco-
nômica. Além do mais, Silva et al. (2012) afirmaram que, em Cáceres,
em média 70% das áreas dos assentamentos estão ocupadas com pasta-
gens e apenas 30% com atividades agrícolas.
233
Figura 5 - Curvelândia (MT): uso da terra e cobertura vegetal do as-
sentamento Tupã – 1984 a 2014.
Fonte: organizada pelos autores (2015).
234
ção por impactar, além da biodiversidade vegetal e animal, o meio de
sobrevivência do assentado, que é a terra e a água, seja pelo aumento da
erosão e compactação do solo, seja por meio do pisoteio dos animais,
da contaminação das águas, com a utilização de agroquímicos como
nutrientes e pesticidas, em suas atividades, da perda de fertilidade, do
assoreamento de rios e represas, seja pela perda de valor das terras, re-
dução da produção agrícola, entre outros fatores (NOVOTNY; OLEM,
1993; PESSOA et al., 2013).
Nessa ótica, os “assentamentos, embora representem grandes desa-
fios para a conservação, também apresentam oportunidades para abor-
dagens inovadoras em agroflorestas e planejamento da paisagem, com a
combinação efetiva entre agricultura de pequena escala e conservação”
(CULLEN JR. et al., 2005, p. 201). Assim, de acordo com Goulart et
al. (2005, p. 84), “a reforma agrária pode, pelas práticas agroflorestais,
uma ferramenta de conservação da biodiversidade, além do seu objetivo
maior, que é o assentamento de agricultores no campo”.
Considerações Finais
Constatou-se aumento das atividades agropecuárias, industriais
e de serviços executadas no município, o que provavelmente concor-
reu para a ampliação do uso da terra e a supressão da cobertura vege-
tal, reduzindo os Corpos d’água, a Floresta Aluvial e a Savana Flores-
tada.
No município, as classes Agricultura (sobretudo a cana-de-açúcar)
e Influência Urbana foram as que apresentaram maior dinâmica no pe-
ríodo 1984 a 2014, entretanto suas áreas territoriais somadas são infe-
riores à ocupada pela classe Pecuária. Tanto a Agricultura (cana-de-açú-
car) como a Pecuária tiveram a expansão de seus cultivos favorecida por
estarem adaptados às condições edafoclimáticas regionais.
Nesse sentido, averiguou-se que os agricultores familiares do as-
sentamento de Providência III exercem atividades agropecuárias e que a
comercialização realizou-se via PAA, entretanto não foram encontrados
235
dados relativos à produção e comercialização agrícola dos assentados
do Tupã.
O estado degradado da paisagem do assentamento Providência III
(embora tenha sido criado após a existência das legislações ambientais)
e do Tupã, demanda estratégias de trabalho em conjunto e a organi-
zação dos processos produtivos, visando alcançar o equilíbrio entre a
produtividade e a redução dos impactos à natureza.
Referências
ATLAS BRASIL. Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil. Curvelândia (MT).
Belo Horizonte: PNUD/ IPEA/Fundação João Pinheiro, 2013. Disponível em:
< http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil_m/curvelandia_mt>. Acesso em: 25
jul. 2015.
ANDRADE, A. A. X.; MOREIRA, D. C.; MOURA, R. A. O papel da organização social e
ambiental nos assentamentos rurais. Espaço do Produtor, 2013. Disponível em: <https://
www2.cead.ufv.br/espacoProdutor/scripts/verArtigo.php?codigo=31&acao=exibir>.
Acesso em: 06 ago. 2015.
BATISTELLA, M.; BRONDIZIO, E. S. Uma estratégia integrada de monitoramento e
análise de impacto ambiental de assentamentos rurais na Amazônia. In: ROMEIRO,
A.R. (Org.) Avaliação e contabilização de impactos ambientais. Campinas: Ed. Uni-
camp, 2004. p. 74-86.
BRASIL. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Poder Executivo, Brasília, 28 de maio de 2012. Seção 1, p. 1.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Projeto de Conservação e Utilização Susten-
tável da Diversidade Biológica Brasileira- PROBIO. Brasília: PROBIO, 2007.
BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Secretaria-Geral. Projeto Radambrasil. Folha
SD 21 Cuiabá; geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra.
Rio de Janeiro, 1982b. 520p.
CÂMARA, G.; SOUZA, R. C. M.; FREITAS, U. M.; GARRIDO, J.; MITSUO, F. In-
tegrating remote sensing and GIS by object-oriented data modeling. Computers
& Graphics, v. 20, n. 3, p. 395-403, 1996.
CLIMATE-DATA ORG. Clima: Curvelândia, 2015. Disponível em: <http://pt.climate-
-data.org/location/315093/>. Acesso em: 06 ago. 2015, 19 horas.
CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento. Transparência Pública do PAA –
Programa de Aquisição de Alimentos. Brasília, DF; 2015. Disponível em: <http://consul-
taweb.conab.gov.br/consultas/consultatransparenciapaa.do?method=abrirConsulta>.
Acesso em 08 ago. 2015, 8 h.
236
COCHEV, J. S.; NEVES, S. M. A. S.; NEVES, R. J. Espaço urbano de Cáceres/MT, ana-
lisado a partir de imagens de sensoriamento remoto e SIG. Revista GeoPantanal, v. 5,
n. 8, p. 145-160, 2010.
CULLEN JÚNIOR, L. C.; ALGER, K.; RAMBALDI, D. M. Reforma agrária e conser-
vação da biodiversidade no Brasil nos anos 90: conflitos e articulações de interesses
comuns. Megadiversidade, v. 1, n. 1, p. 198-207, 2005.
DATASUS. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Ministério da
Saúde. Morbidades Hospitalares – Curvelândia, 2012. Disponível em: <http://tabnet.
datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sih/cnv/nimt.def>. Acesso em: 6 ago. 2015.
FEARNSIDE, P. M. Settlement in Rondônia and the token role of science
and technology in Brazil’s Amazonian development. Interciencia, v. 11, n. 5,
p. 229–236, 1986.
FERNANDES, B. M. Movimentos socioterritoriais e movimentos socioespaciais: con-
tribuição teórica para uma leitura geográfica dos movimentos sociais. Revista Nera,
Presidente Prudente, v. 8, n. 6, p. 14-34, jan./jun., 2005.
FIETZ, C. R.; COMUNELLO, E.; CREMON, C.; DALLACORT, R. Estimativa da pre-
cipitação provável para o Estado de Mato Grosso. Dourados: Embrapa Agropecuária
Oeste, 2008. 239 p.
GOULART, F. F.; VANDERMEER, J.; PERFECTO, I.; MATTAMACHADO, R. P.
Análise agroecológica de dois paradigmas modernos. Rev. Bras. de Agroecologia,
v. 4, n. 3, p. 76-85, 2005.
GOUVEIA, R. G. L.; GALVANIN, E. A. S.; NEVES, S. M. A. S. Aplicação do índice de
transformação antrópica na análise multitemporal da bacia do córrego do Bezerro Ver-
melho em Tangará da Serra-MT. Revista Árvore, v. 37, n. 6, p.1045-1054, 2013.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Microrregiões. Disponível
em: <http://www.ngb.ibge.gov.br/Default.aspx?pagina=micro>. Acesso em: 25 jul.
2015a.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2000. Dis-
ponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/default_censo_2000.
shtm>. Acesso em: 25 jul. 2015b.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010. Dis-
ponível: em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.
shtm>. Acesso em: 25 jul. 2015c.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Curvelândia: 2006-2010. Disponí-
vel em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=510343&sea
rch=mato-grosso|curvelandia>. Acesso em: 5 ago. 2015d.
INCRA. Instituto Nacional da Reforma Agrária. Sistema de Informações de Projetos
de Reforma Agrária, 2014. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/sites/default/fi-
les/uploads/reforma-agraria/questao-agraria/reforma-agraria/projetos_criados-geral.
pdf>. Acesso em: 04 ago. 2015.
237
INEP. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Censo Educacional
2005-2012. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-sinopse-
-sinopse>. Acesso em: 06 ago. 2015.
KREITLOW, J.P.; NEVES, S.M.A.S.; NEVES, R.J.; SILVA, J.S.V.; NESPOLI, A. Análise do
uso da terra no assentamento Laranjeira 1 em Cáceres-MT: subsídios para a conserva-
ção água. Cadernos de Agroecologia, v. 8, n. 2, p. 1-5, 2013.
LIMA, M. A.; CABRAL, O. M. R.; MIGUEZ, J. D. G. (Orgs.). Mudanças climáticas
globais e a agropecuária brasileira. Jaguariúna, SP: EMBRAPA Meio Ambiente, 2001.
p. 397
MARGULIS, S. Causas do desmatamento da Amazônia brasileira. Brasília: Banco
Mundial, 2003. 100p.
MATO GROSSO (Estado). Lei n.º 6.981, de 28 de janeiro de 1998. Diário oficial [do]
Estado de Mato Grosso, Poder Legislativo, Cuiabá, MT, 28 de janeiro de 1998. p. 1.
MATO GROSSO (Estado) Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Ge-
ral. Diagnóstico socioeconômico-Ecológico. Cuiabá: SEPLAN, 2012. Disponível em:
<http://www.seplan.mt.gov.br/~seplandownloads/index.php/dsee/viewcategory/1393-
-base-250-mt>. Acesso em: 08 ago. 2015.
MATO GROSSO (Estado). Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral.
Anuário Estatístico de Mato Grosso 2014. Cuiabá: SEPLAN, 2015. Disponível em:
<http://www.seplan.mt.gov.br/index.php/2013-05-10-18-15-57/2013-05-10-19-32-21/
anuarios-estatisticos>. Acesso em: 05 ago. 2015.
MATO GROSSO (Estado). Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral.
Anuário Estatístico de Mato Grosso 2012. Cuiabá: SEPLAN, 2011. Disponível em:
<http://www.seplan.mt.gov.br/index.php/2013-05-10-18-15-57/2013-05-10-19-32-21/
anuarios-estatisticos>. Acesso em: 04 ago. 2015.
MATO GROSSO (Estado). Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Ge-
ral. Anuário Estatístico de Mato Grosso 2004. Cuiabá: SEPLAN, 2005. Disponível em:
<http://www.seplan.mt.gov.br/index.php/2013-05-10-18-15-57/2013-05-10-19-32-21/
anuarios-estatisticos>. Acesso em: 04 ago. 2015.
MERTEN, G.H.; MINELLA, J.P. Qualidade da água em bacias hidrográficas rurais: um
desafio atual para a sobrevivência futura. Agroecol. e Desenvol. Rur. Sustent, v. 3, n. 4,
p. 33-38, 2002.
MORENO, G. A colonização no século XX. In: MORENO, G.; HIGA, T. C. S. Geografia
de Mato Grosso: território, sociedade e ambiente. Cuiabá: Entrelinhas, 2005. p. 52-71.
NEVES, S. M. A. S.; NEVES, R. J.; GALVANIN, E. A. S.; KREITLOW, J. P. MENDES,
M. F.; COSTA, E. A. Dinâmica da cobertura vegetal e do uso da terra no assentamento
Roseli Nunes, Região Sudoeste de Planejamento de Mato Grosso. Cadernos de Agro-
ecologia, v. 9, n. 4, p. 1-12, 2014.
NOVOTNY, V.; OLEM, H. Water quality: prevention, identification and management
of diffuse pollution. New York: Van Nostrand-Reinhold, 1993. 1054p.
238
OLIVEIRA, R. K. P.; NEVES, S. M. A. S.; SEABRA JUNIOR, S.; SILVA, T. P.; NEVES,
R. J. Agricultura familiar em assentamentos rurais no município de Cáceres/MT: uma
leitura socioeconômica. Cadernos de Agroecologia, v. 8, n. 2, p. 1-5, 2013.
PEREIRA, G.; CHÁVEZ, E. S.; SILVA, M. E. S. O estudo das unidades de paisagem do
bioma Pantanal. Revista Ambiente & Água, v. 7, n. 7, p. 89-103, 2012.
PESSOA, S. P. M.; GALVANIN, E. A. S.; KREITLOW, J. P.; NEVES, S. M. A. S.; NUNES,
J. R. S.; ZAGO, B. W. Análise espaço-temporal da cobertura vegetal e uso da terra na in-
terbacia do rio Paraguai médio-MT, Brasil. Revista Árvore, v. 37, n. 1, p. 119-128, 2013.
RIBEIRO, R. C.; DALLACORT, R.; BARBIERI, J. D.; SANTI, A.; RAMOS, H. C. Zone-
amento do saldo hídrico anual da cana-de-açúcar para o estado de Mato Grosso. Enci-
clopédia Biosfera, v. 11, n. 21, p 1958-1970, 2015.
RODRIGUES, L. C.; NEVES, S. M. A. S.; NEVES, R, J.; GALVANIN, E. A. S.; KREI-
TLOW, J. P. Dinâmica da antropização da paisagem das subbacias do rio Queima Pé,
Mato Grosso, Brasil. Revista Espacios, v. 36, n. 10, p. 5- 5, 2015.
ROUQUAYROL, M. Z. Epidemiologia e saúde. 2. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1986. 527p.
SANTOS, L.; ZAMPARONI, C. A. G. P. Evolução demográfica e influência urbana no
uso e ocupação do solo urbano em Cáceres (MT) entre 1940 e 2010. Acta Geográfica,
v. 6, n. 13, p. 117-136, 2012.
SILVA, T.P.; ALMEIDA, R.A.; KUDLAVICZ, M. os assentamentos rurais em Cáceres/
MT: espaço de vida e luta camponesa. Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos
Brasileiros – Seção Três Lagoas/MS, v. 8, n. 15, p. 62-82, 2012.
239
240
Agricultura: a História da
Comunidade Vale do Sol II,
Tangará da Serra-MT, Brasil
1
Introdução
O capítulo articula-se ao projeto de pesquisa “Questão Agrária e
Transformações Socioterritoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e
Tangará da Serra/MT na última década censitária” da Rede Centro-Oes-
1
A realização deste capítulo apenas foi possível devido à colaboração da Professora DSc.
Aparecida Fátima Alves de Lima, que muito contribuiu com nosso estudo, viabilizando
as visitas técnicas e disponibilizando documentos. Ao senhor professor e secretário
municipal de agricultura e pecuária do município de Tangará da Serra (MT), Neuri Elie-
zer Singer, também diretor do Núcleo de Políticas para economia Solidária - NUPES,
por disponibilizar referências e conceder entrevistas. À Prefeitura de Tangará da Serra
(MT), por disponibilizar transporte durante a pesquisa. Aos agricultores e agricultoras
da Comunidade, em especial as pertencentes à Associação de Doces da Comunidade
vale do Sol II, que foram extremamente receptivos ao nos receber e conceder as entre-
vistas. Por fim, aos nossos orientadores professores, Dsc. Edinéia Galvanin e Ronaldo
José Neves, pelas contribuições científicas ao trabalho.
241
te de Pós-graduação, Pesquisa e Inovação (Edital MCT/CNPq/FNDCT/
FAPs/MEC/CAPES/PRO-CENTRO-OESTE nº 31/2010).
Em Mato Grosso, assim como em diversas regiões brasileiras, exis-
te grande desafio a ser superado pelas políticas públicas, que é a produ-
ção de alimentos para o mercado local e regional e o fortalecimento da
agricultura familiar. Com isso, o Governo Federal criou políticas públi-
cas de inclusão social que visam o fortalecimento da reforma agrária e o
financiamento da agricultura familiar.
Mesmo com incentivo de políticas, existem muitas barreiras a se-
rem vencidas, como, por exemplo, as condições de degradação de áreas
que deveriam proporcionar a possibilidade de exercer a agricultura com
condições mínimas de produtividade. Outro problema é a falta de in-
vestimentos que possibilitem o incremento da fertilidade, possibilitan-
do o desenvolvimento de sistema produtivo que vise a autoprodução de
alimentos e a comercialização local, atingindo a segurança alimentar e
nutricional das famílias assistidas e a qualidade de vida no campo.
Além disso, essas políticas têm que favorecer a conservação das
estradas, o acesso a água, o planejamento dos órgãos reguladores de
acesso a crédito, mitigando as dificuldades da agricultura familiar. No
caso do município de Tangará da Serra (MT), é notório que há desafios
à permanência do homem no campo e ao desenvolvimento de sua agri-
cultura, em especial nas comunidades formadas por meio de políticas
públicas.
Nesse contexto, este relato tem o objetivo de registrar o processo
de formação da comunidade Vale do Sol II em Tangará da Serra. Para
tanto, apresenta-se breve discussão sobre a história da trajetória de vida
dos agricultores e do acesso à unidade de produção, possibilitando o
exercício da agricultura familiar no município. Uma história da reali-
dade e da luta de agricultores beneficiários da reforma agrária, mas que
receberam áreas rurais com difícil acesso a água, solos que apresentam
baixa fertilidade e com escasso auxílio técnico para o desenvolvimento
dos sistemas de produção agrícolas.
242
Vale mencionar que este relato é justificado pela importância da
luta pela terra por agricultores familiares que, na sua trajetória histó-
rica, enfrentam desafios para desenvolver sistemas de produção que
possibilitem a autoprodução de alimentos e a inserção em mercados
regionais. Acrescente-se a necessidade da associação dos agricultores
e da adesão a princípios da economia solidária para que esses agricul-
tores consigam fixar-se na terra e construir ambiente favorável à vida
camponesa.
Para este estudo, foi realizada inicialmente consulta aos documen-
tos da constituição da Comunidade Vale do Sol II e levantamento de
trabalhos desenvolvidos na comunidade. Posteriormente, foram reali-
zadas entrevistas com agricultores da Comunidade, pesquisadores que
acompanharam a organização dos agricultores em associações e repre-
sentantes de órgãos municipais que auxiliaram nas associações das mu-
lheres e de moradores do lugar de pesquisa.
As entrevistas foram realizadas nas unidades produtivas, e os en-
trevistados foram indicados pelos próprios agricultores, seguindo o
critério do processo de ocupação da área e a participação na atual con-
figuração territorial da comunidade. A identificação dos informantes
seguiu a metodologia “bola de neve”, mediante a qual, durante visitas
às unidades produtivas, foi possível vivenciar a realidade dos sistemas
de produção. Para tanto, foram utilizadas técnicas qualitativas não pro-
babilísticas, como entrevistas semiestruturadas, análise de documentos
e relatos orais que possibilitam o registro, em documentos, da história
que poderia ser perdida.
Desenvolveu-se, pois, pesquisa qualitativa, que, segundo Golden-
berg (2004, p. 14), não tem preocupação com a representatividade nu-
mérica do grupo pesquisado, mas sim com o aprofundamento da com-
preensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição,
de uma trajetória. A isso se acrescentam preceitos de Durkheim (2007),
que se preocupa com a sociedade e sua influência sobre o homem, pro-
porcionando a unidade das ciências. Este mesmo autor defende a rela-
ção do indivíduo com os fenômenos sociais, por meio dos fenômenos
243
físicos, com base na consonância das relações do sujeito por intermédio
da experiência e da observação.
Metodologia utilizada
A metodologia utilizada na pesquisa para analisar a forma de
ocupação da terra no contexto histórico na Comunidade Vale do Sol II
compreendeu levantamento de bibliografia e documentos sobre a área
de estudo, visitas técnicas à comunidade e aplicação de formulários so-
cioeconômicos representativos da situação social.
Por realizarmos a descrição do convívio social dos produtores com
suas terras por meio dos sistemas de produção voltados diretamente à
agricultura familiar, à economia solidária e à qualidade de vida, opta-
mos pelo paradigma qualitativo de pesquisa. Segundo Ludke e André
(1986, p. 5): “O papel do pesquisador é justamente o de servir como
veículo inteligente e ativo entre o conhecimento acumulado na área e as
novas evidências que serão estabelecidas a partir da pesquisa”.
A identificação dos informantes se deu pelo método “bola de neve”
onde as unidades da amostra são selecionadas, por meio de identifica-
ção de pessoa que conhece a área a ser estudada e indicará os outros
participantes da pesquisa. Esta metodologia é muito utilizada na pes-
quisa social, considerada como pesquisa não probabilística por não ser
possível que seja determinada na amostra a probabilidade da seleção
dos participantes deste modo, Baldin e Munhoz (2011, p 51) afirma:
A snowball sampling ou “Bola de Neve” prevê que o passo subse-
quente às indicações dos primeiros participantes no estudo é soli-
citar, a esses indicados, informações acerca de outros membros da
população de interesse para a pesquisa (e agora indicados por eles),
para, só então sair a campo para também recrutá-los.
244
de um ou mais indivíduos, é também conhecido como método de cadeia
e referência. O processo começa de alguma forma pelo pesquisador, que
faz a identificação de alguém da comunidade-alvo da pesquisa e essa(s)
pessoa(s), por sua vez, indicar(ão) outros indivíduos para a amostra, e
assim sucessivamente, até que se alcance o tamanho amostral desejado.
245
da Serra, conhecidos como “os pioneiros”, que, segundo Barroso et al.
(2008, p. 18), conseguiram vencer a serra de Tapirapuã:
Tendo as serras como marcos referenciais de memória e da história
[...] a colonização de Tangará da Serra, local tradicionalmente ocu-
pado pelos índios Paresí. Esta região foi reterritorializada nas déca-
das de sessenta e setenta, especialmente por famílias de lavradores
de várias regiões do Brasil, particularmente naturais do Nordeste e
do Sudoeste do Brasil.
2
Fonte: Projeto de parcelamento de imóvel rural fazenda Bezerro Vermelho na gleba
Boa Vista, 09/10/2006.
3
Lei 2.460 de 2005, reconhecida como política pública municipal, sendo município pio-
neiro no Estado de Mato Grosso a propor como lei a economia solidária.
246
Figura 1 - Projeto de parcelamento de imóvel rural para constituição
da comunidade Vale do Sol II em Tangará da Serra (MT),
financiado pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário.
Fonte: Documento particular cedido pela pesquisadora
Prof. DSc. Aparecida de Fátima Alves de Lima.
247
função é intermediar o acesso a terra e garantir o investimento em infra-
estrutura básica da unidade produtiva. As famílias têm a oportunidade
de adquirir um lote por meio de financiamento com prazo de 20 anos
para o pagamento, com 36 meses de carência. Nesse programa, quem se
encaixa no perfil deve procurar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais ou
da Agricultura Familiar para ser cadastrado e receber orientações para
aquisição da terra.
Os produtores que adquirem a terra podem contar com a Rede de
Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) cadastrada, mediante pro-
cesso de contratação feito nos estados por meio das Unidades Técnicas
Estaduais (UTEs) e outros tipos de parcerias, para auxílio em técnicas.
Por meio destas, são determinados os tipos de produção viáveis a serem
cultivados nas comunidades; no caso do Vale do Sol II, predomina o
cultivo de fruticultura, tipo de produção determinado pelas entidades
governamentais na criação do projeto de formação da comunidade.
Para participar do programa PNCF, é necessário que os interessa-
dos sejam agricultores e sem terra, que exerçam atividade de diarista,
assalariado, arrendatário, parceiro, meeiro, agregado, posseiro e que se-
jam proprietários de terras com dimensões inferiores ao módulo rural
do programa, que, no caso, foi de 4,5 ha.
A aquisição de terras para o PNCF não pode ser passível de desa-
propriação para a reforma agrária, e os proprietários devem manifestar
interesse em vendê-las, opção muito usada pelos herdeiros de proprie-
dades rurais no momento da partilha da herança. Os interessados em
vender o imóvel tem que estar com a documentação regular, a fim de
garantir a transferência da propriedade, pois um dos fatores fundamen-
tais é que o imóvel não esteja hipotecado, com problemas jurídicos ou
dívidas com a União, relacionada a encargos trabalhistas de seus respec-
tivos funcionários.
Com o processo de modernização e de resistência camponesa, a
estrutura agrária brasileira, em especial os latifúndios, vive processo di-
nâmico de reestruturação, tanto no sentido da democratização do aces-
248
so como no da reconcentração. Por meio do PNCF, é possível observar
a reestruturação via partilha como, por exemplo, a compra pelo governo
de grande fazenda para dividi-la em pequenas unidades de produção.
Segundo Moreira (1990, p. 79), “o minifúndio ora se dissolve, ora re-
nasce, segundo o ritmo da marcha da modernização e da resistência
camponesa”. Nesse sentido, tem-se a ideia do que ocorreu na comunida-
de Vale do Sol II, resultante da desconstrução de latifúndio para o sur-
gimento de vários minifúndios para formação da agricultura familiar.
Nessas condições, no ano de 2006, alguns agricultores deixaram de
trabalhar como mão de obra contratada para obter seu lote e iniciar a
agricultura. Alguns afirmam que trabalhavam como peões em fazendas,
ou mesmo por conta própria, prestando serviços diversos como em-
pregados; outros afirmaram que eram funcionários de lojas na cidade;
outros ainda declaram que já se encontravam aposentados.
Existem, entretanto, aqueles agricultores que vieram para o mu-
nicípio de Tangará da Serra (MT) de outras regiões brasileiras na ex-
pectativa de adquirirem terra e desta retirarem as condições necessárias
para sustentarem as famílias. A maioria dos agricultores enfatizou que
foram informados sobre a possibilidade de acesso a terra nessa área por
indicação de parentes e amigos que já viviam ali.
Alguns agricultores, como o senhor JPS, embora enfrentem difi-
culdades, mantêm-se na unidade produtiva e orgulham-se de conseguir
tornar esse sonho realidade. JPS relata que, graças a muito trabalho e
persistência, tem cultivado maracujá, abacaxi, entre outras espécies,
e comercializado esses produtos na região de Tangará da Serra. Seu
otimismo é bastante expressivo: “Desde criança achava bonito aquele
monte de pé-de-fruta no sítio que meus pais trabalhavam, mas nunca
tinha imaginado que ao ter a minha própria terra, que as coisas seriam
tão difíceis de conseguir”. (JPS, 60 anos).
Essa fala remete aos desafios encontrados no início ao adquirir sua
unidade produtiva, pois transformar ambiente de pastagem em sistema
produtivo baseado no policultivo, com a possibilidade de produção para
249
o autoconsumo e comercialização, depende de aporte financeiro. Recur-
so que essas famílias não tinham, já que dependem de políticas públicas
para efetivar suas conquistas. A morosidade do processo e a escassez de
recursos fizeram que o sucesso da implantação desses sistemas de pro-
dução dependesse do conhecimento individual e da capacidade técnica
de cada agricultor e de sua força de trabalho.
Diferente do agricultor JPS, muitos agricultores deixaram seus lo-
tes, pois os desafios foram maiores que a capacidade de se manter na
terra, havendo necessidade de buscar emprego na cidade ou em outras
áreas rurais. Explica-se: o início do desenvolvimento de sistema de pro-
dução pode representar até períodos de restrição de necessidades bá-
sicas, podendo colocar o agricultor em risco de segurança alimentar e
nutricional. Isso ocorre porque o acesso à terra pela reforma agrária no
século XXI constitui muitas vezes o acesso a áreas já exploradas e, mui-
tas vezes, degradadas.
Outro problema enfrentado pela comunidade é a regularização
da área. Alguns lotes apresentam irregularidade: os produtores que não
efetuaram o registro da área no momento da aquisição do lote não estão
conseguindo por causa de ação judicial impetrada pelo então proprie-
tário da antiga fazenda Bezerro Vermelho, hoje Comunidade Vale do
Sol II.
250
Diante disso e por não possuírem maquinários agrícolas, muitos
produtores desenvolveram as primeiras atividades com ferramentas
manuais, como enxadões, enxadas e foices. O acesso à água do rio Be-
zerro Vermelho para possibilitar a irrigação foi desafio constante, so-
bretudo para as unidades produtivas mais distantes do rio. A irrigação é
primordial para o sucesso da implantação de sistemas hortícolas, pois a
maioria das espécies de interesse comercial necessita da suplementação
de água. A dificuldade de implantar a irrigação trouxe grandes prejuí-
zos, deixando os agricultores em condições mais delicadas por falta de
recursos financeiros.
Vale ressaltar que a fruticultura deveria ser a atividade agrícola
predominante nas unidades produtivas, pois estava prevista no projeto
de aquisição das terras e, aproximadamente dois anos após a ocupação
e reorganização territorial (2006 a 2008), os agricultores que tinham
maior conhecimento sobre o manejo dessas espécies tiveram êxito nos
seus sistemas de cultivo e conseguiram plantar, manejar o solo, as pragas
e as doenças, e colher. Para muitos, a adaptação ao novo ambiente e os
desafios de exercer atividade que necessita de conhecimento acumulado
e desenvolvimento de técnicas adaptadas à realidade local, gerou, no
entanto, desânimo, ampliado pelos insucessos, sobretudo com os danos
causados por pragas e doenças.
Diante das dificuldades e prejuízos, houve a oportunidade de pro-
duzirem novamente com entusiasmo por meio do incentivo de empresa
de processamento de frutos, que propôs, para os agricultores, o cultivo
de maracujá, com o compromisso de comprar a produção da Comuni-
dade Vale do Sol II. Com isso, os agricultores fizeram empréstimos para
investir em infraestrutura adequada para atender as especificidades da
espécie, porém uma doença atingiu de forma severa as plantas, causan-
do redução da produtividade, além de os frutos produzidos apresenta-
rem qualidade abaixo da exigida pela empresa.
Com isso, os agricultores novamente perderam a motivação com
a cultura do maracujá; alguns chegaram a vender suas propriedades e
outros passaram a cultivar outras espécies, visando atender o mercado
251
local e regional. A comercialização foi realizada via feira municipal ou
por meio de atravessadores, que buscavam os produtos nas unidades
produtivas. Uma das espécies mais cultivadas atualmente é o abacaxi.
A estruturação das unidades produtivas da reforma agrária está
baseada num contexto contraditório, cujo sucesso depende da produção
e sua articulação com a comercialização. A alta necessidade de insumos
externos é outro fator que, muitas vezes, contribui para o insucesso dos
sistemas de produção, ou seja, necessitam de insumos na produção e
comercialização e aquisição de outros produtos para a as necessidades
básicas da famílias, que dependem dessas unidades produtivas.
A extensão agrária e as políticas públicas pouco admitem que pro-
duzir para o autoconsumo e estruturar a qualidade de vida no campo
deveria ser o foco principal, para, posteriormente, produzir para comer-
cialização, respeitando a cultura de cada família. O insucesso está atre-
lado a receber a imposição sobre o que cultivar e políticas insuficientes
com pouca assistência e segurança ao agricultor, fazendo, desse insuces-
so da atividade imposta, limitante para a reprodução da vida no campo.
Segundo Oliveira (1994, p. 55), o campo brasileiro vai no seio das con-
tradições do desenvolvimento capitalista do país, forjando sua unidade
de luta na diversidade de suas origens. E este é o caminho para a com-
preensão e entendimento do diverso e contraditório campo brasileiro.
Portanto, essas áreas rurais destinadas às políticas agrárias, visan-
do ao desenvolvimento da agricultura em pequenas áreas, apresentam
inúmeros problemas a serem enfrentados para a implantação da agri-
cultura familiar, que, por sua vez, desempenha a função de abasteci-
mento interno, especialmente na produção de alimentos.
252
públicos nas esferas municipal e estadual, visando atender demandas de
interesses comuns dos agricultores familiares.
Com base no processo de formação da Comunidade, e por não
se tratar de assentamento nos moldes tradicionais, há dificuldades em
relação a algumas questões ligadas às políticas públicas. Assim, organi-
zaram-se em associação, na tentativa de trazerem benefícios à Comu-
nidade.
Desse modo, vale destacar os objetivos da política da Economia
Solidária discutida pelos produtores na Comunidade:
A economia solidária comporta consigo um projeto de desenvol-
vimento local sustentável capaz de alavancar pequenos grupos e
localidades esquecidas pelas políticas públicas [...]. A autogestão,
um dos princípios básicos da economia solidária, é uma ferramenta
pedagógica de todos os envolvidos, pois exige a participação dos
sujeitos em relação de igualdade não só no processo de produção,
mas na tomada de decisão do empreendimento, ou, em grau mais
elevado, na sociedade. Daí a necessidade da consolidação do movi-
mento de economia solidária numa perspectiva político-pedagógica
e teórico popular para disputar a hegemonia e emancipar trabalha-
dores. (SGUAREZZI et al., 2011, p.8).
253
Diante disso, durante as entrevistas realizadas com os agricultores,
foi verificado que ao adquirem o pedaço de terra e com ele garantir as
necessidades básicas, principalmente a alimentação e a moradia, simbo-
liza, para eles, a conquista, além de poderem representar, nesse espaço,
a sua cultura e imprimir nesse novo ambiente símbolos que os remetem
ao passado de fartura da agricultura familiar.
Na atualidade, impasses burocráticos e falta de assistência técni-
ca com ênfase agronômica são os principais desafios (do passado e do
presente) em muitas propriedades da Comunidade Vale do Sol II. Nesse
cenário, entendemos que esse descompasso entre distribuição da ter-
ra agrícola e desenvolvimento econômico e social em áreas de assenta-
mentos rurais depende das políticas públicas para ser superado (GON-
ÇALVES, 2014, p. 6).
Desse modo, vale enfatizar a situação da Comunidade in loco com
relação aos agricultores, que financiaram suas terras por meio da polí-
tica pública do crédito fundiário, mesmo com as grandes dificuldades
mencionadas para reproduzir e aplicar seus conhecimentos no cultivo
e produzir alimentos, tem-se luta diária, oportunizando a conquista em
face aos desafios impostos pelo sistema capitalista de produção.
As políticas públicas são, no entanto, a oportunidade para que
o pequeno produtor possa promover o trabalho na terra, mesmo que
com condições mínimas para produzir e inserir-se na economia lo-
cal. Nesse contexto, “o espaço de lugar nesse sentido se caracteriza a
possibilidade de realização de iniciativas e de projetos que promovam
a intervenção social, econômica e epistemológica para a transforma-
ção social” (SGUAREZZI et al., 2011, p.31). A economia solidária tem
sido compreendida como força motora de desenvolvimento no qual o
estabelecimento de novas forças produtivas e a instauração de novas
relações de produção resultem em processo sustentável de crescimen-
to econômico. Nesse processo, a redistribuição dos resultados do cres-
cimento realiza-se de modo a favorecer os trabalhadores e trabalha-
doras que se encontram à margem do modo de produção capitalista
(SINGER, 2004).
254
Tangará da Serra foi o primeiro município de Mato Grosso a criar
a política pública de economia solidária com todos os marcos regulató-
rios4. Nesse sentido, pode-se afirmar que este é um ponto muito positivo
para o desenvolvimento municipal, o que vem garantir, aos agricultores
(não apenas da Comunidade Vale do Sol II, mas para toda a classe de
agricultores familiares do município de Tangará da Serra), auxílio direto
sobre a organização política.
Em outubro de 2008, criou-se o Conselho Municipal de Economia
Solidária (COMSOL), órgão municipal de caráter deliberativo, consul-
tivo e fiscalizador, com participação da sociedade civil em sua composi-
ção, pela Lei N° 2991, de 1º outubro de 2008:
Art. 1º - Fica instituído o Conselho Municipal de Economia Soli-
dária – COMSOL –, de acordo com as Leis municipais 2.460/2005
e 2.752/2007, ao qual incumbe deliberar em caráter permanente so-
bre a Política Municipal de Fomento à Economia Popular Solidária.
(TANGARÁ DA SERRA, 2008).
255
lhorar suas rendas junto à Associação de Moradores da Comunidade,
mas, como não obtiveram nenhum apoio, fundaram a Associação de
Produtoras de Doces e Conservas Frutos do Vale (AMFRUVALE). Com
a formação dessa nova Associação, as produtoras relataram as dificul-
dades que enfrentaram – no início, enfrentaram até a falta de apoio de
familiares – para dar continuidade ao projeto, que só foi possível com
parcerias de instituição públicas:
A maioria dos esposos das mulheres da associação falavam para elas
largarem mão da produção de doces porque não ia dar certo, mas
agora com as coisas encaminhadas, passaram a nos ajudar buscando
as frutas e levando os doces nas feiras. (ECS, 40 anos).
256
produção. No início, usaram matéria-prima das próprias propriedades,
além das adquiridas de outros agricultores da Comunidade.
Mesmo com as dificuldades apontadas, como o transporte, falta de
alguns equipamentos, mão de obra, entre outros, essas mulheres estão
empenhadas em melhorar cada vez mais a qualidade da fabricação dos
produtos e também planejam transformar a associação em cooperativa,
sem perder o foco da economia solidária.
Oriundas, em geral, de Minas Gerais, Paraná, São Paulo e Ceará,
elas já possuem forte ligação com o município, pois já vivem em Tanga-
rá da Serra há cerca de trinta e cinco anos.
257
balhador-agricultor, de uma autonomia na sua estrutura de produ-
ção, através de uma combinação entre energia e informação [...],
aqui entendida no seu sentido mais amplo, reagrupando as atitudes
do agricultor e os conhecimentos necessários à produção; II) uma
autonomia baseada no espaço ou território específico, que permite
certo conhecimento e domínio da situação e que abre a possibilida-
de de invenção do próprio trabalho e da aplicação dos conhecimen-
tos acumulados em um lugar determinado; e III) a possibilidade de
gerir o próprio tempo de trabalho segundo as diferentes modali-
dades, o que significa em última instância restituir ao agricultor a
dimensão essencial da existência que é o domínio do tempo.
258
tração da terra. Pode-se dizer que, decorridos mais de trinta anos de in-
tensa movimentação humana e de capital na fronteira mato-grossense,
a convivência do tradicional e do “moderno”, nas diferentes formas de
viver e produzir, marca novo reordenamento do território, em processo
ainda em formação.
Assim, o projeto geopolítico apoiou-se, sobretudo, em estratégias
territoriais que favoreceram a ocupação regional e transformação do es-
paço natural associado ao trabalho, que segundo Santos (2006, p. 86):
A diversificação da natureza é processo e resultado. A divisão in-
ternacional do trabalho é processo cujo resultado é a divisão ter-
ritorial do trabalho. Sem dúvida, as duas situações se aparentam,
embora mude a energia que as move. Por outro lado, a natureza é
um processo repetitivo, enquanto a divisão do trabalho é um pro-
cesso progressivo.
259
E, para isso, os agricultores, em sua maioria, necessitam de sistema de
produção agrícola que subsidie o autoconsumo e a comercialização.
Considerações finais
Com base no processo de formação agrária em Mato Grosso,
observou-se que, ao longo do processo histórico na formação dos lati-
fúndios, não foram respeitados os direitos dos agricultores familiares.
Exemplo disso é o Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroes-
te do Brasil – Polonoroeste, criado na década de 1980, em que é visível,
conforme estudos já realizados sobre o Programa, a falta de planeja-
mento para expansão da fronteira agrícola no Brasil.
Em especial em Mato Grosso, com a implantação do Polonoroeste,
houve contribuição para a apropriação capitalista da terra por meio de
abertura de estradas, facilitando a instalação de mineradoras, madei-
reiras, empresas agropecuárias e a invasão por garimpeiros. Todo esse
processo favoreceu o desrespeito aos direitos dos indígenas, que tiveram
suas terras invadidas por posseiros, colonos e garimpeiros, incentivados
por corporações do ramo imobiliário e madeireira.
Por meio do processo histórico, pode-se entender a desigualdade
social do direito à terra. Por meio da pesquisa que originou este traba-
lho, analisou-se a área que estava nas mãos de único dono e que passou
a beneficiar grande número de famílias, mesmo tendo sido adquirida
por financiamento. Observa-se também um novo modelo de rearranjo
da estrutura agrária. Diferente da reforma agrária, quando famílias es-
peram por ordem judicial ou pela boa vontade do governo para trans-
formar a terra improdutiva em assentamento rural, no PNCF, os bene-
ficiários contam com o interesse na comercialização da terra por parte
de grandes latifundiários.
Todavia, analisando o texto do PNCF, é possível ver que a estrutura
oferecida aos agricultores que adquirem a terra por meio do Programa
não foi consolidada no caso da Vale do Sol II, pois os agricultores re-
latam grandes dificuldades de acesso a assistência técnica, estrutura e
260
políticas públicas que auxiliem no desenvolvimento efetivo do sistema
de produção.
Com isso, há conflitos ideológicos gerados entre os próprios agri-
cultores, pois, ao mesmo tempo em que vencem todos os obstáculos
para ter acesso a terra, deparam com novos obstáculos para se man-
terem nos lotes. Além disso, o financiamento gera endividamento dos
agricultores, que muitas vezes torna a atividade inviável e faz com que
muitos optem por vender as benfeitorias realizadas na unidade produti-
va e passem novamente a fazer parte do êxodo rural.
A problemática no repasse da terra para um novo proprietário im-
plica a dificuldade de transferência do imóvel, tendo em vista o fato de a
terra ser financiada; porém o perfil do comprador nem sempre é o exigido
pelo banco, para que este possa repassar o financiamento. Com isso e sem
alternativas, os agricultores ficam desassistidos pelas políticas públicas.
No perfil histórico da formação do espaço agrário brasileiro, ob-
serva-se que os verdadeiros favorecidos são os grandes produtores, que
contam com a força política de representantes no Congresso Nacional, a
bancada ruralista, que tende a aprovar leis e projetos que favorecem essa
categoria. Um exemplo disso é o PNCF, que facilita a venda de terras
de grandes produtores ao governo federal, e o verdadeiro beneficiado é
esse grande latifundiário, que recebe quantia considerável de dinheiro
do Estado arrecadado por meio de impostos.
Por outro lado, por mais que o agricultor familiar consiga as terras,
ele terá enorme dificuldade em torná-las produtivas, como é o caso da
Comunidade Vale do Sol II, pois muitas são originárias de pastagem de-
gradada. Neste caso, os créditos disponibilizados pelo programa foram
insuficientes para transformar os lotes em sistemas de produção com
base na fruticultura, especialmente pela dificuldade de acesso à irriga-
ção e adubação necessárias para esse sistema, além da alta necessidade
de força de trabalho para transformação do ambiente.
Visamos, por meio deste capítulo, buscar a compreensão do poder
público quanto aos desafios na proposição e execução de projeto de tal
261
magnitude, em que não basta só dividir as terras, mas também garantir
que essa terra se torne produtiva, com assistência técnica, disponibili-
zação de água e infraestrutura capaz de garantir a produção e seu esco-
amento até as cidades, além das garantias de serviços educacionais e de
saúde.
Fornecer as condições básicas ao agricultor familiar é fundamental
para o abastecimento da população dos centros urbanos. Por sua vez, o
agricultor pode encontrar, no seu trabalho, a dignidade e o orgulho de
ser alguém que faz a diferença no bem-estar social da população, pro-
duzindo alimentos de qualidade.
Referências
ALMEIDA, J. A construção social de uma nova agricultura: tecnologia agrícola e mo-
vimentos sociais no sul do Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999.
BARROSO, C. J. (Org.) Mato Grosso: do sonho à utopia da terra. Cuiabá: Ed. da UFMT,
2008.
BALDIN, N; MUNHOZ, E.M.B. Educação ambiental comunitária: uma experiên-
cia com a técnica de pesquisa snowball (bola de neve). Rev. eletrônica Mestr. Educ.
Ambient. v. 27, jul./dez. 2011. Disponível em: <http://www.seer.furg.br/remea/article/
view/3193>. Acesso em: 12 ago. 2015.
COLEMAN, J.S, Snowball de amostragem-problemas e técnicas de amostragem cadeia
de referência. Organização Humana, v. 17, p. 28-36, 1958.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
GONÇALVES, S. A luta pela terra e a (falsa) autonomia camponesa nos assentamentos
rurais: a teoria da territorialização dos movimentos sociais revisitada. Revista Campo
Território, Edição especial do XXI ENGA, p. 1-11, jun. 2014.
GONÇALVES, S. O MST em Querência do Norte: da luta pela terra à luta na terra.
2004. 350 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual de Maringá,
Maringá.
GOLDMAN, L. Snowball sampling. Annals of Mathematical. Statistics. Durham, v. 32,
p. 148-170, 1961.
GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar. São Paulo: Record, 2004.
HECHT, S. A. Evolução do pensamento agroecológico. In: ALTIERI, M. Agroecolo-
gia: as bases científicas da agricultura alternativa. 4. ed. Rio de Janeiro: PTA/ FASE,
2000.
262
MOREIRA, R. A formação do espaço agrário brasileiro. São Paulo: Brasiliense,
1990.
MORENO, G. Políticas e estratégias de ocupação. Geografia de Mato Grosso: território,
sociedade, ambiente. Entrelinhas, Cuiabá, p. 34-51, 2005.
OLIVEIRA, A. U. A geografia das lutas no campo. São Paulo: Contexto, 1994.
OLIVEIRA, E. C. Família e natureza: As relações entre famílias e ambiente na constru-
ção da colonização de Tangará da Serra –MT. 2002. Dissertação (Mestrado em História)
– Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal de Mato Grosso.
SANTOS, M. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. 2.
reimpr. - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.
SGUAREZZI, S. Educação e socioeconomia solidária: práxis educacional e desenvolvi-
mento social. In: BORGES, J. L. (Org). Cáceres: Ed. Unemat, 2011. Vol. 5.
SINGER, P. Uma utopia militante: repensando o socialismo. Petrópolis: Vozes, 2004.
TANGARÁ DA SERRA, LEI nº 2991. Conselho municipal de economia solidária, Pre-
feitura Municipal de Tangará da Serra – MT, 2008.
263
264
Agricultura Familiar
e a Produção de Hortaliças
no Município de Cáceres-MT
Introdução
O presente capítulo baseia-se nas informações derivadas do pro-
jeto de pesquisa “Questão agrária e transformações socioterritoriais
nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT - REDE
ASA”, financiada no âmbito do edital MCT/CNPq/FNDCT/FAPs/MEC/
CAPES/PRO-CENTRO-OESTE Nº 031/2010, e do projeto de exten-
são “Realidades socioculturais, econômicas, politicas e ambientais dos
agricultores familiares da região sudoeste mato-grossense”, integrante
do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura familiar na
região sudoeste mato-grossense de planejamento (Programa PADA), fi-
nanciado pelo edital Proext 2014-Programa de extensão universitária
MEC/SESu.
265
As hortaliças têm destacada importância na agricultura familiar
no Brasil, estimando-se que a área cultivada seja de 808 mil hectares,
com produção de 23 a 25 milhões de toneladas, gerando cerca de 2,4
milhões de empregos diretos (EMBRAPA, 2011). As espécies são ge-
ralmente cultivadas em pequenas propriedades, que respondem por
aproximadamente 95% das hortaliças consumidas no país (ROCHA
et al., 2009). Servem como meio de autoconsumo, contribuindo para o
fortalecimento do homem no campo e garantindo sua sustentabilidade
(FAULIN; AZEVEDO, 2003).
A produção de hortaliças é a atividade que mais se identifica como
opção de comercialização para os agricultores familiares, em virtude de
não exigir grandes áreas, de demandar mão de obra familiar e de ha-
ver diferentes canais de mercado, já que as hortaliças são normalmente
comercializadas em mercados formais (quitandas, mercadinho, super-
mercados, restaurantes, CONAB) e informais (atravessadores, feiras li-
vres, pontos em vias urbanas) e pequena parcela é vendida diretamente
pelo produtor (FONTES, 2005).
Desse modo, o interesse pela abordagem do tema no município
de Cáceres foi decorrente de sua importância social e do fato de essa
atividade atuar na geração de renda por meio do trabalho na terra. Se-
gundo Lovato (2001), os cultivos hortícolas chegam a complementar em
cerca de 70% a receita salarial familiar, além de contribuírem para o
abastecimento das cidades, proporcionando maior segurança alimentar
e nutricional à população.
Em face do exposto, este capítulo tem como escopo realizar a
caracterização social da produção de hortaliças pelos agricultores fa-
miliares do município de Cáceres (MT), visando à geração de subsí-
dios para o planejamento e o desenvolvimento da atividade em âmbito
municipal.
O município de Cáceres está situado na região sudoeste do estado
de Mato Grosso, com área territorial de 24.351 km2 (Figura 1), que abri-
ga 87.942 habitantes, dos quais 76.568 vivem na zona urbana e 11.374
266
na zona rural. (IBGE, 2013). A sede municipal está situada a 215 km da
capital do Estado (Cuiabá).
268
ção, evitando assim grandes perdas e contribuindo para que o estoque
nos supermercados e feiras livres seja renovado praticamente todos os
dias.
Dos trinta e um agricultores entrevistados, quatro residem no dis-
trito de Santo Antônio do Caramujo e vinte e sete em assentamentos e
comunidades rurais. Destes, 61,3% pertencem ao gênero masculino e
38,7% ao feminino; 26% são nascidos no estado de Mato Grosso e 74%
são imigrantes de outros estados brasileiros, dentre os quais se destacam
os de origem paulista, correspondendo a 22,5% (Tabela 1).
A maior parte dos agricultores (64,5%) tem idade entre 41 e 60
anos. Ao se analisar a faixa etária de 20 a 40 anos, o maior percentual
foi de mulheres (83,3%); na faixa etária de 41 a 60 anos, o percentu-
al de homens foi superior (70%), enquanto na faixa etária de 81 a 100
anos, o percentual de homens foi de 100%. Situação diferente do que
foi constatado por Sant’Ana et al. (2007), em estudo sobre a produção
e comercialização dos assentados da região de Andradina (SP), em que
os pesquisadores verificaram que há maior percentual de mulheres nas
faixas de até 30 anos, de 41 a 50 e de 51 a 60 anos, enquanto na faixa aci-
ma de 60 anos, o percentual de homens foi de 23,8% e o das mulheres,
de apenas 11,4%.
Pertinente ao estado civil dos sujeitos pesquisados, 90,3% são ca-
sados e 64,5% têm de 2 a 3 filhos. Os filhos dos entrevistados totalizam
vinte e dois, dos quais 66,3% têm idade entre 11 e 20 anos. Destes, 59,1%
são homens e 40,9% são mulheres.
No que tange à escolaridade dos agricultores, 54,8% não concluí-
ram o ensino fundamental; do total, 52,9% pertencem ao gênero mascu-
lino e 47,1% ao feminino. Situação diferente ocorre entre os entrevista-
dos com ensino médio completo, que totalizam 22,6%, dos quais 57,1%
são mulheres. Já o analfabetismo, que totaliza 3,2%, ocorre no gênero
masculino. Somente 3,2% dos agricultores declaram ter concluído curso
técnico em agropecuária, sendo todos pertencentes ao gênero feminino
e tendo idade na faixa de 61 a 80 anos.
269
Tabela 1. Cáceres (MT): Informações dos agricultores produtores de hortaliças na zona rural.
270
Distância Principal fonte Tempo de Ocupação
Agricultores Localidade Área (ha) Gênero2 Idade Origem Escolaridade
Cáceres1 de renda cultivo3 Anterior
01 Bom Jardim 12 25,00 F 57 Mandioca SP 13 Pecuarista Ensino M. Completo
02 Bom Jardim 12 19,36 M 48 Limão MT 10 Pescador Ensino M. Completo
03 Bom Jardim 12 12,10 F 65 Leite CE 11 Agricultora Ensino F. Incompleto
04 Bom Jardim 12 24,20 F 38 Leite PR 23 Agricultora Ensino F. Incompleto
05 Bom Jardim 12 12,10 F 61 Hortaliças MT 13 Agricultora Téc. em Agropecuária
06 Bom Jardim 12 12,10 F 46 Leite SP 06 Doméstica Ensino F. Incompleto
07 Bom Jardim 12 16,94 F 27 Hortaliças MT 08 Agricultora Ensino F. Incompleto
08 Bom Jardim 12 12,10 M 55 Hortaliças PR 03 Func. Público Ensino F. Completo
09 Bom Jardim 12 19,36 M 46 Leite MG 25 Agricultor Ensino F. Incompleto
10 Caramujo 31 1,2 M 68 Aposentadoria RN 05 Agricultor Ensino M. Incompleto
11 Caramujo 31 29,00 M 43 Vassoura e leite PR 06 meses Pecuarista Ensino F. Incompleto
12 Caramujo 31 29,00 M 60 Aposentadoria PE 20 Agricultor Analfabeto
13 Caramujo 31 12,00 M 86 Aposentadoria BA 30 Agricultor Ensino F. Incompleto
14 Cinturão Verde 12 3,60 M 50 Hortaliças SP 33 Agricultor Ensino F. Completo
15 Cinturão Verde 12 5,00 M 44 Granja PR 03 - Ensino F. Incompleto
16 Cinturão Verde 12 4,84 M 53 Hortaliças MT 02 Agricultor Ensino F. Incompleto
17 Cinturão Verde 12 4,84 M 51 Hortaliças SP 02 Pecuarista Ensino M. Incompleto
18 Cinturão Verde 12 4,84 F 39 Hortaliças MT 30 Agricultor Ensino F. Incompleto
19 Facão 10 6,00 M 58 Hortaliças SP 10 Agricultor Ensino F. Incompleto
20 Facão 10 8,00 M 38 Hortaliças MS 05 meses Comerciante Ensino M. Completo
21 Sadia 60 26,50 F 53 Hortaliças BA 17 Agricultora Ensino F. Incompleto
22 Sadia 60 24,20 F 43 Hortaliças MT 02 Agricultora Ensino M. Completo
23 Sadia 60 26,66 M 46 Hortaliças RS 32 Agricultor Ensino M. Incompleto
24 Sadia 60 27,00 F 47 Hortaliças PE 05 Agricultora Ensino M. Completo
25 Sadia 60 25,00 F 47 Hortaliças MT 40 Agricultora Ensino F. Incompleto
26 Sadia 60 25,00 F 37 Hortaliças BA 05 Agricultora Ensino F. Incompleto
27 Bom Jardim 12 21,78 M 34 Hortaliças MT 05 Do lar Ensino F. Completo
28 Bom Jardim 12 27,00 M 54 Venda de gado SP 03 Agricultor Ensino M. Completo
29 Bom Jardim 12 24,00 M 64 Hortaliças SP 04 Agricultor Ensino F. Incompleto
30 Tarumã 12 10,00 M 60 Mamão MG 01 Agricultor Ensino F. Incompleto
31 Tarumã 12 10,00 M 51 Hortaliças MS 12 Agricultor Ensino F. Incompleto
1
Distância em Km. 2 F= Feminino e M= Masculino. 3 Em anos.
Fonte: organizada pelos autores (2015).
271
Quando analisada a escolaridade no contexto familiar, que totali-
zou 63 pessoas, incluindo o entrevistado, constatou-se que 52,4% não
concluíram o ensino fundamental; destes, 63,6% pertencem ao gênero
masculino. Situação diferente, relativa ao gênero, ocorre ao se analisa-
rem os índices pertinentes ao nível ensino médio completo: este totaliza
20,6%, dos quais 69,2% dos concluintes são mulheres. No nível ensino
médio incompleto, que totaliza 12,7%, houve predomínio do gênero
masculino (62,5%). Essa situação apresentada pode ser decorrente do
ingresso dos jovens no mercado de trabalho.
Dos 11,1% da classe analfabetos, predominou o gênero feminino
(71,4%), na faixa etária de 61 a 80 anos (60%), fato este possivelmente
decorrente das diferenças entre gerações, pois as mulheres mais velhas
tiveram poucas oportunidades de acesso à escola, ao contrário das mais
jovens, que tendem a estudar mais do que os homens, como forma de
se prepararem para assumir outras profissões (SILVESTRO et al., 2001).
Relativo à quantidade de membros por família, 45,2% das famílias
dos 31 agricultores entrevistados são constituídas por dois membros,
correspondendo ao esposo e esposa, ou seja, são poucos os filhos mo-
rando com a família (em média, menos de um por família). Isso se deve
a um círculo vicioso: a insuficiência de renda leva os jovens a buscar
alternativas de trabalho fora do assentamento (SANT’ANA et al., 2007).
Os resultados diferem do que foi constatado por Mazzini (2009) em seu
estudo sobre os impactos sociais, políticos, econômicos e ambientais dos
assentamentos rurais no pontal do Paranapanema/SP: ali, as famílias
dos assentados entrevistados possuem estrutura nuclear (pais e filhos) e,
em média, de 4 a 5 membros morando no lote em 56% dos casos.
A renda média mensal aferida por 38,7% das famílias é de 1 a 2
salários mínimos e, para 54,8% das famílias, varia entre 2 a 6 salários
mínimos. A principal fonte de renda de 58% das famílias analisadas
provém da venda das hortaliças. Quase metade das famílias dos agri-
cultores (48,4%) declararam não ser contempladas com nenhum tipo
de auxílio financeiro externo (aposentadoria, bolsa família, auxílio para
deficiente, entre outros).
272
Relativo ao comprometimento da renda para pagamento de algum
tipo de financiamento, 51,6% dos agricultores quitaram suas dívidas em
relação à terra e 48,4% ainda pagam algum tipo de financiamento, como
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRO-
NAF-MT), fomento ou financiamento de automóveis.
273
-proprietários de pequenas glebas, seja em terras da família, desenvol-
vendo atividades agrícolas.
Dos agricultores, 93,6% são donos das terras e estão nelas desde a
sua aquisição. Os tamanhos dos lotes variam de 10,0 a 30,0 ha, diferente
da situação encontrada no distrito de Santo Antônio do Caramujo, onde
três agricultores produzem na faixa de domínio da rodovia federal, BR-
174, cujas áreas não ultrapassam quatro hectares.
Nos locais de produção, além do cultivo de hortaliças, plantam-
-se mandioca e milho, destinados, em sua maior parte, para o consumo
familiar e para a alimentação de animais.
No espaço da casa-quintal, em 67,7% das propriedades há pomar
com variedade de frutas (laranja, banana, goiaba, limão, caju, manga,
abacaxi, maracujá, acerola, entre outras). Essa produção é realizada com
adubação à base de esterco de bovinos e de aves do próprio assentamen-
to, ou seja, sem o uso de defensivos e adubos químicos (SILVA et al.,
2012).
Relativo à adubação nas áreas de produção hortícola, a maioria
dos entrevistados (70%) afirmou utilizar apenas tortas, para controle
das pragas, e esterco bovino sem nenhuma contaminação com defen-
sivo. Essa questão requer maior aprofundamento investigativo, pois o
uso demasiado (curativo) de agrotóxicos requer precaução, uma vez
que esses produtos contaminam o local de trabalho do agricultor, ou
seja, o próprio ambiente agrícola, a natureza, e podem pôr em risco a
saúde do trabalhador rural e dos consumidores dos produtos hortí-
colas.
Foi constatada, em todas as propriedades, a criação de bovinos,
com objetivo de venda do animal vivo, e de animais de pequeno porte
(galinhas e porcos), além da produção de leite. Os animais são de fun-
damental importância para a economia doméstica dos agricultores, pois
a sua comercialização está “diretamente relacionada aos momentos de
precisão, quando é necessário saldar dívidas ou resolver problemas de
saúde” (SILVA et al., 2012, p. 74), funcionando, de acordo com Almeida
274
(2006), como espécie de poupança a ser utilizada para sanar momentos
de dificuldade das famílias camponesas.
No estudo realizado por Silva et al. (2012), foi verificado que, em
média, 70% das áreas dos assentamentos de Cáceres são ocupados por
pastagens, prevalecendo a criação bovina de corte e leiteira, porém com
criação de pequenos animais: suínos, caprinos e ovinos.
Dos locais que produzem hortaliças no município de Cáceres,
o que se destaca em produção é o assentamento Facão/Furna Bom
Jardim, com 25,8% dos assentados dedicados a produção hortícola
(Tabela 02). Segundo Seabra Junior et al. (2012), isto se deve, espe-
cialmente, ao acesso ao mercado consumidor, facilitado pela rodovia
BR-070 e pela proximidade com o centro urbano de Cáceres, situado
a aproximadamente 20 km. Já em Santo Antônio do Caramujo, situ-
ado num trecho ao longo da BR-174 próximo à cidade de Cáceres, a
produção é inferior aos demais locais, pois três agricultores cultivam
na faixa de domínio da rodovia federal, numa área menor que quatro
hectares.
275
A incipiente assistência técnica e, em alguns assentamentos, a difi-
culdade de acesso à água, especialmente os situados na faixa de fronteira
Brasil-Bolívia, constituem impeditivos ao desenvolvimento da produ-
ção olerícola pela agricultura familiar nos assentamentos de Cáceres.
Heredia et al. (2002), em sua análise dos impactos regionais da reforma
agrária no Brasil, mostram que 46% dos lotes enfrentavam problemas
com a água (falta ou baixa qualidade) e somente em 18% dos assenta-
mentos todos os lotes são acessíveis o ano todo.
Em relação aos maquinários, equipamentos e implementos exis-
tentes nos assentamentos em que há cultivo de hortaliças, constatou-
-se que, em 54,8% destes, não há nenhum tipo de maquinário e 25,8%
utilizam equipamentos como tratores e grades, que são alugados pelos
agricultores familiares para prestação de serviços, sendo o pagamento
feito em espécie, a preço vigente no mercado.
Relativo ainda aos equipamentos e implementos, algumas famílias
assentadas (19,4%) declararam ter arado, foice, roçadeira manual, en-
xada e equipamentos com tração animal. Esse resultado corrobora ao
exposto por Souza et al. (2011): entre os agricultores familiares, predo-
mina o uso de tecnologias tradicionais, pouco intensivas em insumos e
recursos financeiros.
A assistência técnica constitui um dos maiores problemas, confor-
me relataram os agricultores, dos quais 67,7% declararam não receber
nenhum tipo de assistência, o que comprova a afirmação de Guanziroli
et al. (2001) de que esta é inexistente ou insuficiente nos assentamentos
da reforma agrária.
Segundo estudo da Federação da Agricultura do estado de São
Paulo – FAFSP/CUT (2013), a assistência técnica e o apoio à comer-
cialização de produtos da agricultura familiar são alguns dos principais
desafios para garantir o desenvolvimento dos assentamentos brasileiros
e qualidade de vida aos assentados, bem como a produção de alimentos
à sociedade brasileira.
Mesmo diante das dificuldades enfrentadas no cultivo das horta-
liças, 67,8% dos agricultores produzem o ano todo, e o período mais
276
crítico no município ocorre entre os meses de novembro a março, em
decorrência dos altos índices pluviométricos (NEVES et al., 2011).
Quanto à organização social das famílias entrevistadas, constatou-
-se que 44,5% participam de cooperativas ou associações, trabalhando
em conjunto para a comercialização de seus produtos via programas de
incentivo à agricultura familiar. De acordo com Machado et al. (2009),
as associações facilitam o processo de compra de maquinários ou insu-
mos e a venda dos produtos agrícolas, possibilitando a reprodução do
modo de vida.
A área de cultivo destinada à produção de hortaliças variou de 300
a 48.400 m2, e 54,6% dos agricultores realizaram nelas análise do solo,
embora esta não seja prática frequente. Dentre as espécies cultivadas
(Tabela 03), as que recebem melhores cuidados são o tomate e o quiabo.
Segundo Heredia et al. (2001), essa escolha tem importância estratégica,
pois estes são produtos ao mesmo tempo facilmente comercializáveis
e cruciais na alimentação da família e que os assentados consideram
importantes.
Assim como no município de Cáceres, foi constatado, na pesqui-
sa de Queiroz (2014), que, na municipalidade vizinha, Curvelândia, os
277
principais alimentos cultivados nas hortas em 2013 foram: quiabo, alfa-
ce, rúcula, mandioca, cebolinha, pepino e abóbora.
No que concerne à tecnificação para otimizar a produção de mu-
das de hortaliças, 48,4% dos agricultores utilizam irrigação mecanizada,
80,6% produzem mudas em bandejas, 9,7% cultivam em ambiente pro-
tegido e 9,7% em viveiro e estufas.
Dos 15 agricultores que empregavam a irrigação mecanizada,
66,7% irrigam via aspersão, 20% por sistemas de microaspersão suspen-
sa e 33,3% utilizam irrigação via gotejamento. Esses dados permitem
afirmar o quanto é importante a irrigação no processo de produção de
hortaliças. Conforme Marouelli e Silva (2011), de modo geral, as espé-
cies olerícolas têm o seu desenvolvimento afetado pelas condições da
umidade do solo, e, para adoção de sistema de irrigação ideal, devem ser
considerados fatores econômicos, sociais, técnicos, entre outros, pois a
forma como a água é aplicada pode influenciar a qualidade do produto.
Relativo às mudas, 93,5% dos agricultores produzem-nas em can-
teiro, realizando a repicagem das mudas; método que é empregado por
dificuldade financeira. Eles plantam as sementes em bacias plásticas,
tambores cortados ou até mesmo no próprio canteiro e, passados os
dias, eles as transplantam para o canteiro definitivo na área produtiva.
No tocante ao cultivo protegido, 80,6% dos entrevistados não o
utilizam em nenhuma fase do processo de produção das olerícolas. O
uso simultâneo de todos os recursos apresentados é realizado somente
por 6,5% dos agricultores familiares.
Das pragas, a de maior incidência é o pulgão, que ocorreu em
41,9% das propriedades olerícolas; as culturas infestadas foram: couve,
abobora e quiabo. Vários tipos de lagartas ocorreram em 38,7% das pro-
priedades, especialmente nas culturas da melancia e tomate. A cocho-
nilha ocorreu em 12,9% das propriedades, atacando mais a cultura do
tomate, enquanto a mosca-branca ocorreu em 6,5% das propriedades,
danificando as hortaliças folhosas. Em 45,1% das propriedades, ocorre-
ram simultaneamente todas as pragas citadas.
278
As principais modalidades para comercialização das hortaliças
no município de Cáceres são: feira livre; mercados; venda direta na
propriedade; mercado do produtor (ambiente coberto disponibilizado
pela prefeitura); entrega das hortaliças para a Companhia Nacional
de Abastecimento (CONAB), por meio do programa de incentivo à
agricultura familiar nos assentamentos; ponto próprio de venda (qui-
tandas); e por intermediários (serviços terceirizados), uma vez que o
escoamento de produção é deficiente e poucos agricultores possuem
veículos adequados para o transporte das hortaliças até os pontos de
comércio.
Silva (2014) aponta que, apesar de toda diversidade dos assenta-
mentos de Cáceres, os produtos muitas vezes não se apresentavam tão
competitivos em outros mercados, em decorrência das dificuldades de
acesso, em especial o transporte para os centros urbanos, tornando os
custos atuais de produção e escoamento quase inviáveis.
Para o agricultor, é mais interessante vender no pequeno vare-
jo (feiras, quitandas, mercadinhos e supermercados), pois contabiliza
custos menores de transportes. Sato et al. (2006), em seu estudo do
fluxo de comercialização de hortaliças produzidas na região das Alto
Cabeceiras do Tietê/SP, verificaram que a comercialização ocorre nas
localidades mais próximas, pois gera custos de frete menores. Esses
canais são denominados diferenciados, por serem predominantemente
informais, no sentido dado por Wilkinson e Mior (1999), e por permi-
tirem, mesmo quando não processam o produto, melhor remuneração
do produtor.
A venda de hortaliças no atacado não é realizada, por serem as
áreas de produção de pequena escala, pelas dificuldades de cultivo, re-
lacionadas diretamente às variáveis climáticas e à falta de assistência
técnica, e pelo fato de o estado de Mato Grosso não possuir locais para
escoamento da produção, como centrais de abastecimento.
A comercialização de 48,4% da produção olerícola gerada nos
assentamentos é destinada ao Programa de Aquisição de Alimentos
279
(PAA); 25,8%, aos mercados privados; 9,7%, à feira; 16,1%, a outros lo-
cais. Por meio dos programas federais, a exemplo dos comercializados
via PAA-CONAB, a agricultura familiar passou a ser fortalecida, e re-
conhecida, perante o poder público, como importante ator na produção
de alimentos, contribuindo com a segurança alimentar da sociedade
brasileira (SDRC/RS, 2015).
De acordo com Mazzini et al. (2010), os programas da CONAB
promovem o desenvolvimento local ao possibilitar a melhoria da renda
das famílias, incentivar o consumo local e destinar para merenda esco-
lar os alimentos produzidos no município, a partir do modelo de eco-
nomia familiar. De acordo com Schultz et al. (2001), a comercialização
direta, nas feiras livres, propicia a aproximação dos produtores rurais
com os consumidores finais, proporcionando, para ambas as partes, tro-
cas de experiências, que estimulam nova forma de ver a produção e a
comercialização agrícola.
Alguns dos agricultores preferem não utilizar apenas os merca-
dos privados para a comercialização, por apresentarem instabilidade
no fechamento de contrato. Assim, 22,4% preferem comercializar seus
produtos em sua propriedade, facilitando a aproximação com o consu-
midor.
Em todas as 31 áreas produtivas visitadas não há instalações ade-
quadas para beneficiamento das hortaliças, sendo os locais rústicos e
sem cobertura adequada para proteção. Dos agricultores, apenas 68%
lavam e selecionam as hortaliças e 32% não fazem nenhum tipo de la-
vagem nem seleção. Quanto ao tipo de embalagem, 35,5% dos entrevis-
tados utilizam sacos plásticos para transportar e comercializar as hor-
taliças.
Os seguintes desafios pertinentes à produção foram citados: falta
de água para produção, incidência de pragas (com destaque para mosca-
-branca e pulgão), ausência de assistência técnica, adubação inadequa-
da, por falta de conhecimento técnico, e infestação de animais silvestres
em alguns assentamentos.
280
Considerações Finais
A pesquisa que originou este trabalho permitiu-nos afirmar que
a produção de hortaliças na área rural de Cáceres ocorre em dois as-
sentamentos, duas comunidades e em um distrito, com área de plantio
inferior a 4,8 ha, distando no máximo 60 km da sede municipal.
A produção hortícola gerada no município de Cáceres tem como
principal canal de comercialização o Programa de Aquisição de Ali-
mentos (PAA) e, em menor escala, os mercados privados e a feira do
espaço urbano.
Quanto às limitações, constataram-se as seguintes situações que se
configuram como desafios à produção: condições climáticas (alta tem-
peraturas e precipitação), implicando sazonalidade na produção; com-
petição dos produtos locais com os advindos de outras regiões do país;
e baixo emprego de tecnologias no sistema de produção.
Destacam-se, entretanto, como potencialidades, a demanda por
hortaliças no mercado local; a identificação de potencial de cultivo para
hortaliças pouco exploradas; políticas públicas voltadas à agricultura
familiar (PAA e PNAE); mão de obra familiar, cujo acesso a terra, via
reforma agrária, trouxe melhoria nas condições de vida, pois os sujei-
tos pesquisados vinham exercendo trabalhos de baixa remuneração ou
precários, como o de assalariado temporário ou de empregado rural em
fazendas do município.
Referências
ALMEIDA, R. A. Recriação do campesinato, identidade e distinção: a luta pela terra e
o habitus de classe. São Paulo: Editora UNESP, 2006. 380p.
BAILEY, K. Methods of social reached. 4. ed. New York, USA: The Free Press, 1994.
588p.
EMBRAPA. Situação da produção de hortaliças no Brasil. 2011. Disponível em:
<http://www.cnph.embrapa.br/paginas/hortalicas_em_numeros/producao_hortalicas_
brasil_2000_011.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2013.
DIAS, R. S.; FERREIRA, D. J.; ARAUJO, W. K.O.; SANTOS, R. L. A produção de hor-
taliças pela agricultura familiar no município de humildes – Bahia. In: ENCONTRO
281
NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 21., 2012, Uberlândia, MG. Anais... Uber-
lândia, MG: UFU, 2012. p. 1-11.
FAULIN, E. J.; AZEVEDO, P. F. Distribuição de hortaliças na agricultura familiar: uma
análise das transações. Informações Econômicas, v. 33, n. 11, p. 24-37, nov. 2003.
FAFSP/CUT. Falta de assistência técnica prejudica assentamentos. 2013. Disponível
em: <http://fafcut.org.br/index.php?tipo=noticia&cod=122>. Acesso em: 13 jul. 2015.
FILGUEIRA, F. A. R. Novo manual de olericultura: agrotecnologia moderna na
produção e comercialização de hortaliças. 3. ed. Viçosa/MG: UFV, 2007. 421p.
FONTES, P. C. R. Olericultura: teoria e prática. Viçosa, MG: UFV, 2005. 486p.
GUANZIROLI, C.; ROMEIRO, A.; BUAINAIN, A. M.; SABBATO, A.; BITTENCOURT,
G. Agricultura familiar e reforma agrária no século XXI. Rio de Janeiro: Garamond,
2001. 288p.
HEREDIA, B., MEDEIROS, L., PALMEIRA, M., LEITE, S.; CINTRÃO, R. Os impac-
tos regionais da reforma agrária: um estudo sobre áreas selecionadas. Rio de Janeiro,
CPDA – UFRRJ/Nuap-UFRJ, 2001. 479p.
HEREDIA, B.; MEDEIROS, L.; PALMEIRA, M.; CINTRÃO, R.; LEITE, S. P. Análise dos
impactos regionais da reforma agrária no Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, v.
18, n. 18, p. 73-111, 2002.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisas de Orçamentos Fami-
liares (POF), 2002-2003. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 jul.
2013.
IBGE. Cidades@. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm>.
Acesso em: 22 jul. 2013.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010 - Agre-
gado de setores censitários dos resultados do universo, 2010. Disponível em: <http://
www.ibge.gov.br>. Acesso em: 22 jul. 2013.
LEITE, S.; HEREDIA, B.; MEDEIROS, L.; PALMEIRA, M.; CINTRÃO, R. Impactos
dos assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. Brasília, DF: Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura - Núcleo de Estudos Agrários e De-
senvolvimento Rural; São Paulo: Editora UNESP, 2004. 392 p.
LOVATO, C. A. Rede Agroecológica. Jornal Paraná On Line, n. 848, ago. 2001. Dispo-
nível em: <http://www.fazendaecologica.com.br/news/news.asp?codigo=115>. Acesso
em: 24 jul. 2013.
MACHADO, M. M. S.; SOUZA, S. C.; COSTA, R. C. Relações de produção e modo de
vida no assentamento Tarumã mirim, Manaus (AM). In: ENCONTRO NACIONAL DE
GEOGRAFIA AGRÁRIA, 19., 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2009. p. 1-14.
MATO GROSSO. Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral. Anuário
estatístico de Mato Grosso de 2010. Cuiabá: SEPLAN/MT. Disponível em: http://www.
seplan.mt.gov.br/sitios/anuario/2010/Index.htm. Acesso em: 22 jul. 2013, 10 h.
282
MAZZINI, E. J. T. Impactos sociais, políticos, econômicos e ambientais dos assen-
tamentos rurais no pontal do Paranapanema – SP. In: ENCONTRO NACIONAL
DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 19., 2009, São Paulo. Anais... São Paulo: USP, 2009.
p. 1-18.
MAZZINI, E. J. T.; OLIVEIRA, S. M. Políticas públicas para o campo: Desafios da pro-
dução e da organização da agricultura familiar. In: CONGRESSO LATINOAMERICA-
NO DE SOCIOLOGÍA RURAL, 8., 2010, Porto de Galinhas, PE. Anais... Porto de Ga-
linhas, PE: ALASRU, 2010.
NEVES, S. M. A. S.; NUNES, M. C. M.; NEVES, R. J. NEVES. Caracterização das
condições climáticas de Cáceres/MT – Brasil, no período de 1971 a 2009: subsídios às
atividades agropecuárias e turísticas municipais. Boletim Goiano de Geografia, v. 31,
n. 2, p. 55-68, 2011.
PNUD. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Ranking do Índice de
Desenvolvimento Municipal dos municípios do Brasil. Disponível em: <http://www.
pnud.org.br/atlas/tabelas/index.php>. Acesso em: 15 fev. 2013.
QUEIROZ, R. F. N. Análise agroclimática da cultura do melão na região sudoeste
mato-grossense: contribuições para o fortalecimento da agricultura familiar. 2014. 49 f.
Dissertação (Metrado em Ambiente e Sistemas de Produção Agrícola) – Universidade
do Estado de Mato Grosso, Tangará da Serra/MT, 2014.
ROCHA, J.; SILVA, I. J.; SOUZA, O. N.; COSTA, E. V; LEMES, D. P. Cultivo de horta-
liças e a agricultura familiar no município de Juína – MT. In: SIMPÓSIO DE ENSINO
PESQUISA E EXTENSÃO, EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO, 13., 2009, Santa
Maria, RS. Anais... Santa Maria/RS: UFSM, 2009.
SANT’ANA, A. L.; TARSITANO, M. A. A.; ARAÚJO, C. A. M.; BERNARDES, E. M.;
COSTA, S. M. A. L. Estratégias de produção e comercialização dos assentados da região
de Andradina, Informações Econômicas, v. 37, n. 5, p. 29-41, mai, 2007.
SATO, G. S.; MARTINS, S. S.; CARVALHO, Y. M. C. Fluxo de comercialização de hor-
taliças produzidas na região Alto Tietê Cabeceiras. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 44., 2006, Fortaleza. Anais...
Brasília: SOBER, 2006.
SCHULTZ, G.; ÁVILA, E.; NASCIMENTO, L. F. M. As cadeias produtivas de alimentos
orgânicos dos municípios de Porto Alegre/RS frente à evolução das demandas do mer-
cado: lógica de produção com distribuição. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE
ECONOMIA E GESTÃO DOS NEGÓCIOS AGROALIMENTARES, 3., 2001, Ribeirão
Preto, SP. Anais... Ribeirão Preto, SP: Universidade de São Paulo, 2001.
SDRC/RS. Comercialização de alimentos da agricultura familiar. Disponível em:
http://www.sdr.rs.gov.br/conteudo.php?cod_conteudo=2927&cod_menu=9. Acesso
em: 13 jul. 2015, 12 h.
SEABRA JÚNIOR, S.; NEVES, S. M. A. S.; NUNES, M. C. M.; INAGAKI, A. M.; SILVA,
M. B.; RODRIGUES, C.; DIAMANTE, M. S. Cultivo de alface em Cáceres MT: perspec-
tivas e desafios. Revista Conexão UEPG, v. 8, n. 1, p. 131-137, 2012.
283
SILVA, M. B.; ANJOS, L. H. C.; PEREIRA, M. G.; NASCIMENTO, R. A. M. Estudo da
toposseqüência da baixada litorânea fluminense: efeitos do material de origem e posição
topográfica. Campinas: Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 25, n. 4, p. 965-976,
2001.
SILVA, T. P.; ALMEIDA, R.; KUDLAVICZ, M. Os assentamentos rurais em Cáceres/
MT: espaço de vida e luta camponesa. Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos
Brasileiros – Seção Três Lagoas/MS, v. 8, n. 15, p. 62-82, mai. 2012.
SILVA, M. A. Produção agroindustrial desenvolvida nos assentamentos da região
sudoeste mato-grossense e a atividade de turismo rural. 2014. 66 f. Dissertação (Mes-
trado em Ambiente e Sistemas de Produção Agrícola) – Universidade do Estado de
Mato Grosso, Tangará da Serra/MT, 2014.
SILVESTRO, M. L.; ABRAMOVAY, R.; MELLO, M. A.; DORIGAN, C.; BALDISSERA,
I. T. Os impasses sociais da sucessão hereditária na agricultura familiar Florianópo-
lis (Brasil). Florianópolis: EPAGRI, 2001. 102p.
SOUZA, P. M.; FORNAZIER, A.; PONCIANO, N. J.; NEY, MARLON, G.; Agricultura
Familiar versus Agricultura Não-Familiar: uma análise das diferenças nos financiamen-
tos concedidos no período de 1999 a 2009. Documentos Técnico-Científicos, v. 42, n.
1, p. 105-124, jan./mar. 2011.
VILELA, N. J.; HENZ, G. P. Situação atual da participação das hortaliças no agronegócio
brasileiro e perspectivas futuras. Caderno de Ciência e Tecnologia, v. 17, n. 1, p. 71-89,
jan./abr. 2000.
WILKINSON, J.; MIOR, L. C. Setor informal, produção familiar e pequena agroindús-
tria: interfaces. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 13, n. 2, p. 29-45, 1999.
284
Comunicação e Agricultura Familiar
na Comunidade Vale do Sol II
- Tangará da Serra-MT
Introdução
O capítulo articula-se ao projeto de pesquisa intitulado: “Ques-
tão Agrária e Transformações Socioterritoriais nas microrregiões do
Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT na última década censitária”
da Rede Centro-Oeste de Pós-graduação, Pesquisa e Inovação (Edital
MCT/CNPq/FNDCT/FAPs/MEC/CAPES/PRO-CENTRO-OESTE nº
31/2010).
A abordagem da comunicação dentro da estrutura de pequena co-
operativa rural no Brasil é proposta que faz pensar nos tempos de crise
285
da Europa pós-Revolução Industrial em que viveram os pioneiros de
Rochdale, quando, em Manchester, cidade ao norte da Inglaterra, pes-
soas viviam em deplorável estado de miséria, sem ter o que comer e sob
o jugo do desemprego.
Ali, articulados dentro de um grupo e com “certo” entrosamen-
to comunicacional, 28 tecelões e uma mulher registraram, em 1844, a
Frendly Society, onde vendiam farinha, manteiga, aveia e açúcar e ti-
nham o princípio básico da melhora das condições sociais e humanas
dos membros da cooperativa (ABRANTES, 2004). Assim, com o obje-
tivo de construir suas moradias com os valores arrecadados, desenvol-
veram um armazém para a venda de suas mercadorias, que variavam
entre alimentos e roupas, manufaturavam produtos, geravam empregos,
arrendavam e compravam terras, distribuíam os produtos e realizaram
educação associativa. Estes também buscavam ajudar outras pessoas,
além de promover campanha educativa contra o alcoolismo, abrindo
um estabelecimento de temperança. Isso trouxe, em pleno século XVIII,
uma luz ao fim do túnel para aquela população, que hoje seus descen-
dentes desfrutam de altos níveis de desenvolvimento do trabalho em
grupo (LUZ FILHO, 1961).
O uso da comunicação e os princípios do associativismo e coopera-
tivismo nesse contexto foram determinantes para que houvesse o cresci-
mento daquele que foi, inicialmente, um empreendimento comunitário.
Com a visão além-fronteiras do conhecimento, dedicaram-se em prol da
independência da exploração patronal e falta de emprego, configurando
assim tecnologias sociais, partindo-se das ideias de camada da sociedade
que necessitava de mudança. Na concepção de Bava (2004, p. 106): “Tec-
nologia social são técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvi-
das na interação com a população, que representam soluções para a inclu-
são social”. Uma coisa era certa e eles entenderam isto: havia mão de obra
e havia matéria-prima e, com isso, era preciso pensar em como organizar
o empreendimento que atendesse a todos os necessitados.
Embora a introdução do modelo de produção capitalista tenha
trazido ao mundo a ideia positiva de acumulação das riquezas como
286
solução de problemas sociais, ela sempre esteve limitada àqueles que
são os “detentores” da produção. Em decorrência disso, muitos, como
foi o caso da Europa moderna, por exemplo, sofreram com a perda dos
seus empregos, o que culminou em pobreza generalizada e fonte de
preocupação constante, conforme aponta Schwartzman (2004, p. 88).
Hoje não é tão raro imaginar-se no Brasil uma situação como esta, no
meio rural, pois a “revolução verde” cada vez mais valoriza a utilização
das máquinas em detrimento da mão de obra humana. Assim, os tra-
balhadores rurais perdem seus empregos e buscam novas alternativas
de sustento.
Mas e os agricultores familiares, em qual contexto estão eles na
“Babilônia ruralista brasileira”? Marginalizados. É o que se compreende
ao se analisarem as estatísticas. Ao passo que a agricultura familiar em
toda a sua conjuntura seja a base de sustentação alimentícia do mundo1
e cerca de 94% das propriedades agrícolas do globo tenham menos de
5 hectares (VON BRAUN, 2003), refletir sobre os sistemas agrícolas e
seus desdobramentos é debate que se tem revelado complexo na con-
juntura econômica do Brasil rural. Sabe-se que, embora o volume da
agroindústria brasileira engrosse os dados da economia nacional, essa
renda é destinada a poucos, que são os detentores do capital.
Nesse sentido, a agricultura familiar traz em si a responsabilida-
de, não só de alimentar todas as camadas populacionais, mas também
de gerar trabalho e renda, oriundos do manejo do agroecossistema em
que está inserido o agricultor, que tem nessa prática o conhecimento
acumulado sobre o ambiente, a produção agrícola e sua sustentabilida-
de, cabendo-lhe produzir na terra e deixá-la para futuras gerações. Isso
especialmente quando os laços de cooperação são a base da resistência
ao contexto competitivo das commodities, sobretudo quando as trans-
1
Há hoje 1,5 bilhão de pessoas em 380 milhões de estabelecimentos rurais, 800 milhões
com hortas urbanas, 410 milhões em florestas e savanas, 190 milhões de pequenos pecu-
aristas, e mais de 100 milhões de pescadores camponeses. Dentre todos estes, ao menos
370 milhões são indígenas. Juntos, estes três bilhões de agricultores familiares campone-
ses e indígenas constituem mais de um terço da humanidade e produzem cerca de 70%
dos alimentos no mundo (AIAF, 2014).
287
formações por que passa a sociedade, notadamente nos setores comuni-
cacionais, impõem às estruturas agrícolas de tipo familiar a criação de
mecanismos próprios ou adaptados de comunicação como forma alter-
nativa de se fazer presente na própria dinâmica produtiva.
Diante disso, foi realizado o estudo de caso com objetivo analisar
o trânsito de informações no sistema cooperativado da Comunidade
Vale do Sol II, localizada no município de Tangará da Serra2, no estado
brasileiro de Mato Grosso.
Metodologia
A Comunidade Rural Vale do Sol II possui área total de 9.630 km2
(TANGARÁ DA SERRA, 2006) e está localizada a 20 quilômetros da
área urbana municipal, local onde corre o rio Bezerro Vermelho. Foi
criada no ano de 2007, a partir de projeto de financiamento de crédi-
to fundiário, realizado por meio de política pública para assistência ao
pequeno produtor rural. O projeto foi implantado na fazenda Bezerro
Vermelho, que foi dividida em 191 lotes. As famílias que conseguiam o
crédito mudavam para o local e encontravam apenas uma área de pas-
tagem.
A proposta inicial era desenvolver o cultivo de espécies frutíferas,
mas, ao longo dos últimos sete anos, muitos agricultores, especialmente
em decorrência da morosidade do processo de liberação de recursos
e da falta de assistência técnica, não conseguiram desenvolver as ati-
vidades propostas e acabaram vendendo os lotes, ou, simplesmente os
deixando e voltando a morar na cidade. Conforme dados da Prefeitura
Municipal, restaram, todavia, ainda em torno de 70 estabelecimentos
rurais com famílias habitando. Desse total, a Comunidade criou a Coo-
perativa de Produtores Rurais Bezerro Vermelho - COOBEVER, a qual
possui 22 associados que veem, no cooperativismo, oportunidade de
2
Tangará da Serra é considerado um município com alto potencial de desenvolvimento
agrícola e está inserido nos biomas Cerrado e Amazônia; tem cerca de 92 mil habitantes
e área territorial de 11.324 Km2 (IBGE, 2014).
288
fortalecimento da busca de recursos e canais de comercialização para
seus produtos, conduzindo a maior competitividade e melhoria de con-
dições de vida.
Em face do permanente processo de desruralização3 que acomete o
nosso país, essa comunidade insiste em permanecer no campo, mesmo
atravessando inúmeras dificuldades, tais como a falta de água (mesmo
com a presença de um rio) e escassez de incentivos ao pequeno pro-
dutor rural, buscando assim se fortalecer como grupo que se apoia na
comunicação como alternativa para organização social e resolução de
seus problemas.
O estudo de caso foi realizado a partir da COOBEVER. Segundo
Yin (2010), o procedimento de Estudo de Caso é método de pesquisa
que pode ser usado em muitas situações para contribuir com fenômenos
individuais, grupais, organizacionais, sociais e relacionados, permitindo
aos investigadores reter as características holísticas e significativas dos
eventos da vida real. Trata-se de pesquisa descritiva-exploratória, com
abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa de um problema justi-
fica-se por ser forma adequada para entender a natureza de fenômeno
social e vale-se de diferentes estratégias de investigação (CRESWELL,
2010; RICHARDSON, 2012).
A amostra foi constituída de maneira intencional: o próprio pes-
quisador escolheu os elementos que a compuseram, por julgá-los repre-
sentativos. Segundo a perspectiva teórica de Turato (2003); Aaker e Day
(2004), a amostragem não probabilística intencional relaciona-se à ho-
mogeneidade fundamental presente na amostra, tendo como atributos
essenciais um conjunto de características gerais. Esse tipo de pesquisa
é necessário quando se precisa incluir pequeno número de unidades na
amostra, e pode produzir resultados satisfatórios mais rápidos e com
menor custo.
3
Compreende-se “desruralização” como o processo de saída das populações das áreas
rurais para as cidades, mas sem serem de fato introduzidas ao modo de vida urbano,
tendo assim que se adaptar à habitações precárias, comparando-se àquelas tipicamente
urbanas. O termo é usado por Abramovay; Sachs, 2000).
289
Assim, os dados foram coletados com o grupo de mulheres as-
sociadas, que produzem e comercializam doces, uma vez que, dos 22
associados, apenas elas estão em atividade efetiva na Cooperativa. Foi
incluído também na pesquisa o Coordenador responsável pelo Projeto
“Apoio a organização e gestão de empreendimentos rurais de base fami-
liar em Tangará da Serra”, vinculado à Universidade do Estado de Mato
Grosso/UNEMAT, por este possuir vínculo permanente com a comu-
nidade e cooperativa e deter informações significativas para o resultado
do estudo. Também fez parte da amostra o Coordenador do Núcleo de
Políticas em Economia Solidária - NEPES, por acompanhar e assessorar
os integrantes da Cooperativa desde sua fundação. De forma aleatória,
foram inclusos 14 produtores rurais da Comunidade Vale do Sol II, no
intuito de se investigar a comunicação e a participação destes com a/na
cooperativa.
As técnicas para coleta dos dados foram, primordialmente, entre-
vistas semiestruturadas, com auxílio de formulário contendo perguntas
abertas e fechadas. As entrevistas foram conduzidas por meio de: rotei-
ro contendo 18 questões, aplicado para 04 (cinco) mulheres associadas
da COOBEVER e para o coordenador do NUPES, realizada na sede da
Associação da Comunidade Vale do Sol II; formulário com 9 questões
abertas, aplicado à Coordenadora do Projeto “Apoio a organização e
gestão de empreendimentos rurais de base familiar em Tangará da Ser-
ra”. Também se utilizou dados secundários e a técnica da observação.
A aplicação da técnica de entrevista semiestruturada facilita a ob-
tenção de dados mais precisos e reduz a incidência de perguntas sem
respostas, facilitando a conversação informal e permitindo, assim, ex-
plorar ao máximo cada resposta até esgotar a questão (DUARTE; BAR-
ROS, 2011). Da mesma forma, para Santos (2012), o formulário com
questões abertas permite ao informante dar respostas livremente, com
maior teor de detalhes, fornecendo mais profundidade sobre a realidade
do estudo.
Para garantir que a identidade dos entrevistados não fosse revela-
da, foi feita a opção de identificar os respondentes da Cooperativa com
290
letras (A, B, C, D, E), a Coordenadora do Projeto com (F) e o Coorde-
nador do NUPES com (N).
291
de suas ações, levando em consideração a cultura dele, enxergando o
sujeito não como passivo, mas como o receptor, reorganizador e difusor
das informações mediadas. Canclini (2005) e Hall (2006) corroboram
essa mesma perspectiva ao abordarem o conceito de culturas híbridas,
identidades mutantes e suas formações. Para os autores, as identidades
devem ser tratadas observando-se o “cruzamento” das culturas na for-
mação dos sujeitos.
Ao analisar a sociedade, Castells (2009, p 52), à luz de seu conceito
de redes sociais, aponta que:
A comunicação simbólica entre os seres humanos e o relacionamen-
to entre esses e a natureza, com base na produção (e o seu comple-
mento, o consumo), experiência e poder cristalizam-se ao longo da
história em territórios específicos, e assim geram culturas e identi-
dades coletivas.
292
Neste trabalho, enfatizam-se especificamente dois tipos de comu-
nicação, os quais perpassam os estudos do objeto aqui pesquisado: tra-
ta-se da comunicação organizacional e da comunicação participativa.
Comunicação organizacional
Assumindo a posição de interdependência, as organizações neces-
sitam comunicar-se. Dessa forma, o sistema organizacional viabiliza-se
por meio do sistema de comunicação nele existente, que tornará possí-
vel sua contínua realimentação e sobrevivência. Assim, a comunicação
torna-se imprescindível para a organização social (KUNSCH, 2003).
Cardoso (2006) enfatiza que o início do século XXI aponta para a
nova relação homem/organização/mundo. Essa relação leva à compre-
ensão do homem como ser integral e integrado, de modo que a organi-
zação deve renovar-se e reconstruir-se para garantir espaço de interação
dialógica e disseminar a visão macroambiental, proporcionando cresci-
mento e desenvolvimento pessoal constante, em que a qualidade de vida
seja objetivo primordial.
Nesse sentido, conforme Kunsch (1997 apud TAVARES, 2005), tra-
balhar a comunicação integrada, composto da comunicação organiza-
cional, que interage sinergicamente envolvendo todos os segmentos da
comunicação, é fundamental, devendo ser aplicada nas seguintes áreas:
- Comunicação administrativa – refere-se à rede formal e informal
e aos diferentes fluxos;
- Comunicação institucional – envolve as atividades técnicas, de
relações públicas, jornalismo, editoração, propaganda institucio-
nal, identidade visual, marketing social e cultural;
- Comunicação mercadológica – relacionada a propaganda comer-
cial, promoção de vendas, merchandising; venda pessoal, demons-
trações de produtos, exposições e feiras comerciais, treinamento
de vendedores, assessoria aos clientes e assistência pós-venda.
293
Dessa maneira, a comunicação interna vista como comunicação
integrada será muito mais eficiente e eficaz se voltada para a política
global estabelecida, estratégias delineadas e programas de ação voltados
para todo o pessoal interno. A autora complementa ainda que, em orga-
nizações flexíveis, a tendência é permitir que a comunicação ultrapasse
as fronteiras tradicionais do tráfego das informações, pois, nessas orga-
nizações, é incentivada a gestão mais participativa, criando-se condi-
ções para que as pessoas interajam em diferentes áreas.
A comunicação desempenha mudanças gerenciais e organizacio-
nais, especialmente em ambiente de complexidade, pois envolve a troca
consciente de mensagens entre interlocutores, sendo fator preponde-
rante de convivência e objeto elementar das formas segundo as quais a
sociabilidade humana acontece. Assim, precisa ser desenvolvida nas or-
ganizações por meio de estratégias que agreguem valores, possibilitan-
do a integração de grupos e pessoas e mediando o relacionamento das
organizações com seus diferentes públicos. Deve possibilitar também
que as pessoas se tornem “atores” de processo que se realiza pelas múl-
tiplas mediações que se manifestam nas relações do(s) sujeito(s) com a
organização e desta com a sociedade. Nesse sentido, conforme Genelot
(2001 apud CARDOSO, 2006), a comunicação precisa ser repensada
com cautela, levando-se em consideração sua linearidade e flexibilidade
nas organizações.
294
dos sujeitos, o sentido de participação no exercício das ações realizadas.
Assim, poder-se-ia construir a sociedade participativa pensando-se nas
microparticipações. As cooperativas de trabalho constituiriam a apren-
dizagem e o caminho para a participação em nível macro na sociedade,
de modo que não haja mais setores ou pessoas que vivam marginalizadas.
Considerando-se os sistemas educativos, formais e não formais, poder-
-se-iam desenvolver mentalidades participativas pela prática constante e
refletida da participação. Segundo Bordenave (1983, p. 26):
O interessante é que a luta pela participação social envolve ela mes-
ma processos participatórios, isto é, atividades organizadas dos
grupos com o objetivo de expressar necessidades ou demandas, de-
fender interesses comuns, alcançar determinados objetivos econô-
micos, sociais ou políticos, ou influir de maneira direta nos poderes
públicos.
Resultados
A fabricação e comercialização de doces no empreendimento “Fru-
tos do Vale” realizava-se informalmente desde 2011. Este era formado
por mulheres, trabalhadoras rurais que viviam na comunidade Vale do
Sol II e foram beneficiadas pelo Programa Nacional do Crédito Fundi-
ário para aquisição das suas unidades produtivas. Em 2013, fundou-se
a Associação de Mulheres Rurais Frutos do Vale - AMFRUVALE, com-
posta por 12 mulheres. Esse fato marcou o primeiro passo do empre-
endimento rumo à emancipação do negócio. Desde então, o grupo de
mulheres está apto a produzir, expor e comercializar seus produtos nas
feiras de eventos culturais do município de Tangará da Serra e concorrer
nos editais de fomento.
Compreendendo que a Associação não mais atendia à expectati-
va de comercialização em maior escala e em outras praças comerciais,
criou-se, em 2014, a COOBEVER, que conta com 22 associados e, atual-
mente, está em processo de registro, tendo por objetivo congregar agri-
cultores em sua área de atuação, por meio das seguintes atividades (o
que pode ser visualizado nos recortes de relatos dos respondentes A, F
e N, transcritos adiante):
296
I) Fortalecer a organização produtiva, econômica e social dos pe-
quenos produtores rurais do município de Tangará da Serra e mi-
crorregião;
II) Beneficiar e industrializar das mercadorias produzidas pelos as-
sociados da cooperativa, como: frutas, hortaliças, cana de açúcar,
mel, milho, carnes, ovos, aves, amendoim, leite, mandioca e outros
produtos agrícolas;
III) Adquirir e repassar, aos associados, insumos para produção
específica e embalagens para os produtos industrializados;
IV) Comercializar os produtos na área permitida conforme a le-
gislação, como queijo e derivados, geleias, chimias, compotas,
conservas, melado, açúcar mascavo, farinha, doces em geral, pães,
massas, biscoitos, rapadura, mandioca descascada, frango, embu-
tidos, ovos e outros;
V) Racionalizar as atividades desenvolvendo formas de coopera-
ção que auxiliem os associados na expansão de mercados, facili-
tando a comercialização dos produtos.
A cooperativa surgiu da necessidade de produzir e vender, pois
muitos produtos se perdiam nas lavouras (Respondente A). A ade-
são à cooperativa se dá num segundo estágio do empreendimento
Frutos do Vale, quando a Associação das Mulheres não consegue
atender à expectativa de comercialização em maior escala e em ou-
tras praças comerciais (Respondente F). A forma jurídica de Asso-
ciação não atende às necessidades de comercialização dos produtos
(Respondente N).
297
O Núcleo configurou o processo de amadurecimento da ideia do
Cooperativismo, ou seja, primeiro houve amadurecimento de cunho
social para, na sequência, ocorrer a transição de Associação para Coo-
perativa. Esse processo se deu por meio de reuniões em que os membros
da comunidade foram sendo sensibilizados pelo diálogo sobre o papel
da cooperativa e de seus associados, por experiências em grupo e capa-
citação para o trabalho por meio da participação em cursos e palestras
organizadas pelo projeto da UNEMAT e do NUPES. A convocação for-
mal (Edital 002/2014) teve como pauta: a transformação da AMFRU-
VALE em Cooperativa; aprovação dos estatutos sociais; integralização
de quotas partes; eleição da diretoria; dentre outros, foi publicada no
Jornal Diário da Serra em 30 de julho de 2014, realizando-se a reunião
em 04 de agosto de 2014 (TANGARÁ DA SERRA, 2014).
Após esse processo, as “Mulheres Doceiras”, junto com um grupo
de produtores, buscaram, no Coordenador do NUPES e na Coordena-
dora do Projeto da UNEMAT, parceria de assessoria para constituição
da Cooperativa. Os relatos dos informantes A e N demonstram isso:
“Uniu-se a necessidade das mulheres com um grupo de produtores
e formou-se a Cooperativa” (Respondente N). “O grupo visitou os
produtores, passaram nas casas falando sobre a cooperativa” (Respon-
dente A).
Assim, esse processo de assessoria, que é oferecido de forma geral
para os pequenos produtores da Comunidade Vale do Sol II, esteve pre-
sente desde o início da Cooperativa, por meio da organização da docu-
mentação exigida e com ações que concorreram para que os produtores
obtivessem o desenvolvimento de habilidades gerenciais e organizacio-
nais. Estas propiciaram a melhoria do processo cooperativado a partir
da adoção de novas ferramentas na gestão e comercialização de produ-
tos da agricultura familiar e, consequentemente, aumento na renda dos
agricultores e de suas famílias.
Dessa forma, o apoio recebido vem especialmente do NUPES e
do Projeto da UNEMAT, por meio dos quais foi oportunizado aos in-
tegrantes realizar cursos de capacitação e participar de feiras fora do
298
município, bem como terem acesso a informações e novidades da área.
Estes relatam que, nos últimos tempos, têm recebido colaboração tam-
bém da Incubadora da UNEMAT e que não têm conhecimento nem
possuem incentivo de outras políticas públicas. Isso pode ser observado
na fala do Coordenador do NUPES e da Coordenadora do Projeto da
UNEMAT.
Nosso trabalho limita-se a intermediar algumas questões com enti-
dades públicas, instituições financeiras e etc. No caso do Frutos do
Vale, todas as decisões são tomadas pelo grupo de mulheres. Nosso
trabalho tem sido estimular o desenvolvimento de habilidades para
que as mulheres possam conduzir o negócio (Respondente F). As
professoras do Projeto sempre buscaram envolver os integrantes da
cooperativa em todo processo de formação da mesma para que pu-
dessem conhecer e aprender [...] A Professora do Projeto da UNE-
MAT utiliza verdadeiramente de um processo de autonomia junto
às cooperadas (Respondente N). Nós do NUPES apenas fazemos
um trabalho de assessoria, prestando apoio nas capacitações e no
suporte para participação nas feiras (Respondente N).
299
seguinte, da Coordenadora do Projeto da Unemat: “As reuniões são
semanais, neste dia são tratados assuntos de interesse do grupo, como
programação para participar de feiras, decisão de investimentos e pro-
dução de doces.” (Respondente F).
As informações entram na cooperativa por meio dos cursos, como
do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), sobre boas prá-
ticas de produção e receitas; pelo Projeto da UNEMAT e também pelo
Sindicato Rural e pelo NUPES. O receptor das informações então se
incumbe de repassá-las ao grupo, o que é praticado de maneira formal,
por meio das reuniões, ou mesmo informalmente, durante o processo
de produção dos doces, que ocorre duas vezes na semana. Relatam que
uma das dificuldades é não terem acesso à internet. Dos instrumentos
de comunicação utilizados pelo grupo, em relação à comercialização,
possuem cartão de visita e percebem a necessidade de construir um
banner e panfletos. Foram também divulgadas informações sobre o tra-
balho nas redes de televisão locais, TV Centro América e Bandeirantes.
Um instrumento bastante utilizado é o celular, porém existe muita troca
de informações por meio de reuniões, conversas formais e informais
com a Coordenadora do Projeto da UNEMAT e nas feiras de que par-
ticipam. Esse trânsito de informações é apresentado na fala dos respon-
dentes A, B, E e N:
A economia solidária contribui abrindo portas, apontando cami-
nhos, através de reuniões, bate papo. Utiliza da tecnologia social’
(Respondente N). Aqui no nosso grupo três pessoas recebem com
mais frequência as informações que vem de fora através destas reu-
niões externas (Respondente B). Uso principalmente o celular para
contato com os clientes (Respondente A). Assisto o canal Futura
e Globo Rural, são os canais onde encontro mais informações. O
rádio, apenas para notícias do dia a dia mesmo [...] Nas feiras tro-
camos informações, conhecemos outras pessoas que passam pelas
mesmas situações que nós [...]. A participação na Conferência Na-
cional da Economia Solidária foi ótima, levamos propostas para a
conferência e trocamos informações (Respondente E). As profes-
soras e o coordenador do NUPES também nos trazem informações
externas, novidades (Respondente B).
300
Com relação à comercialização dos produtos, normalmente acon-
tece em feiras culturais, em eventos regionais (Exposserra e Arraiá da
Serra) e na feira cultural em Cuiabá, na Assembleia Legislativa. Tam-
bém se efetiva por meio da demanda local continuada de doces e con-
servas sob encomenda. Buscam os clientes por meio de parentes, vizi-
nhos, processo realizado com informações “boca a boca”. Não possuem
carteira de clientes, mas cada uma das mulheres possui seus próprios
clientes, e não detêm informações sobre os clientes umas das outras.
Também possuem 02 (dois) revendedores, aos quais concedem 30% de
comissão sobre as vendas. Informações sobre as vendas são anotadas
em caderno e, todo dia 30 de cada mês, fazem o fechamento do caixa. O
preço de venda dos produtos é decidido em grupo, conforme demons-
tram os relatos dos informantes B, E e F:
Nossa venda é para parentes e na comunidade, boca a boca. (Res-
pondente E). A quantidade de vendas é anotada no caderno. Todo
dia 30 fechamos o caixa, verificando o que cada uma vendeu e ti-
rando as despesas [...] Os preços que determinamos para vender os
produtos são decididos em grupo. Nós calculamos mais ou menos
o custo dos produtos e calculamos a que preço vamos vender (Res-
pondente B). Com base nos custos de produção acrescido de mar-
gem de ganho estabelecida pelo grupo (Respondente F). Estamos
aguardando um curso que a Professora da UNEMAT ficou de trazer
pra nós sobre essa parte de preços (Respondente E).
301
ção se perde (Respondente E). Em uma situação problema as líderes
ligam pra mim ou para a Professora da UNEMAT e nós orientamos
onde buscar a informação. O grupo já está maduro para solucio-
nar os problemas e buscar informações. Não fazemos nada por elas,
apenas indicamos, abrimos portas (Respondente N). Pretendo fa-
zer uma capacitação de formação para o Conselho Fiscal da Coo-
perativa, assim poderão resolver a grande maioria dos problemas
financeiros (Respondente N).
302
junto com ela [...] A professora mexeu com a papelada, foram ne-
cessárias muitas coisas [...] Para poder adaptar todas as exigências a
Professora bateu de porta em porta pedindo doações e o lucro dos
doces também foi utilizado (Respondente E). Precisou da aprovação
do local, recebemos a visita dos bombeiros e vigilância sanitária,
tivemos que fazer dedetização, colocar extintores, fazer exames mé-
dicos (Respondente A). Colocamos telinha nas janelas, fizemos o
curso de boas práticas, colocamos o extintor de incêndio, trocamos
pia, colocamos clorador de água e tudo isso só foi possível porque
juntamos todo o dinheiro da produção de doces e aplicamos neste
processo da cooperativa. Após tudo pronto fizemos um laudo final
e assinamos (Respondente B).
Discussão
A comunicação, na condição de ferramenta de ensino abordada
por Freire (1996) – “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (FREIRE,
1996, p. 26) – aponta para a autonomia da informação. Conforme o
303
grupo de mulheres conseguia realizar as atividades corriqueiras da co-
operativa, tais como a “verificação de documentos”, observou-se que
houve avanço no processo de aprendizado, o que trouxe independên-
cia ao grupo.
Na prática, o grupo se desenvolveu conseguindo resolver proble-
mas durante as reuniões realizadas para a discussão dos interesses co-
muns. Esse processo se deu a partir do momento em que o grupo se
identificou com a sua autonomia de gestão e começou a participar das
ações realizadas pelos detentores das informações externas à comuni-
dade. Dessa forma, o trabalho da UNEMAT (projeto da professora em
questão) e o NUPES deram forma ao processo denominado de incu-
bação, em que a instituição realiza o passo a passo de como criar uma
cooperativa, orientando e assessorando os associados desde o processo
inicial, que pode ser desencadeado pelo pedido de ajuda da comunida-
de, ou mesmo a partir de pesquisa/investigação realizada pela institui-
ção que se propõe realizar a incubação.
Conforme estudos de Economia Solidária, este trabalho vem sen-
do realizado por instituições de ensino, como, por exemplo, as univer-
sidades, que propõem projetos de extensão para promover esse con-
tato com a sociedade por meio dos trabalhos sociais, conhecendo-se
assim as realidades dos trabalhadores. Teixeira (2012) afirma que a
incubadora trabalha para o desenvolvimento da Economia Solidária,
o que estimula a organização autogestionária por meio da incubação
de empreendimentos e fomento à construção de redes e arranjos polí-
ticos, econômicos e culturais. Assim, são projetos específicos que já se
intitulam “incubação”. Desse mesmo prisma compartilha Zart (2011,
p. 48), ao citar o processo de formação da Rede de estudos sobre Eco-
nomia Solidária:
É sob este princípio que se organiza a fundação Interuniversitária de
Estudos e Pesquisas sobre o trabalho (Rede Unitrabalho), entidade
que hoje reúne 92 universidades brasileiras (públicas e comunitá-
rias) e que tem o compromisso de consolidar uma forma de fazer
ciência, tecnologia e implantar um processo formativo que esteja
em consonância com os desafios da socioeconomia solidária.
304
Neste caso específico, o projeto da UNEMAT, na Comunidade
Vale do Sol II, não era um projeto de incubação, mas fazia esse papel,
pois estava vinculado à Economia Solidária, por se tratar da abordagem
a “empreendimentos rurais de base familiar”. O NUPES, por seu turno,
configurou-o como trabalho de assessoria por ser “núcleo de políticas
em economia solidária”, e o poder público assume também papel de
incubador neste caso específico, a serviço da Prefeitura Municipal.
A partir deste trabalho, compreendeu- se que o trânsito das infor-
mações externas se deu de forma linear, ao passo que as atividades que
eram realizadas pelo grupo vinham de informações que passavam pelo
processo de instrução às pessoas interessadas e disponíveis à participa-
ção nas reuniões externas, que, por sua vez, ocorriam na Prefeitura do
município (Figura 2). Estas eram realizadas de forma aberta (acessível
a quem quisesse participar, pois o grupo sempre delegava um membro
para fazer parte delas) e com o conhecimento de todos os participantes
da Cooperativa.
305
Embora nem todas as cooperadas participassem das reuniões ex-
ternas à comunidade e não houvesse qualquer pauta que tivesse deixa-
do de ser discutida pelo grupo, observou-se que a comunicação flui de
forma horizontalizada, tendo as cooperadas total liberdade de contato
com os seus “incubadores”. Observou-se, sobre a gestão da informação
a partir da fala da respondente “E”, que: “O correto seria sempre fazer
uma reunião para o repasse dessas informações, mas isso nem sempre
acontece, muitas vezes a informação se perde”; o grupo está consciente
de que a organização das informações de maneira adequada faz com
que elas não se percam e, se não houver reuniões, não há informações.
Logo, tem-se a necessidade de armazenamento dessas informações e da
organização de reuniões específicas para o repasse ao grupo. Essa forma
de reivindicação tem seu papel na comunicação comunitária, onde as
relações são estabelecidas por meio do diálogo e o questionamento é o
que fortalece a perspectiva de mobilização social do grupo.
Também o fluxo de informações que circula entre o grupo das
cooperadas, enquanto discutem obrigações e ações realizadas por elas,
bem como a participação dos produtores rurais da comunidade na co-
operativa e as informações captadas pela Universidade e pelo NUPES
são assim entendidos como papéis sociais que cada um exercita tanto
na Cooperativa quanto na Comunidade, e isso ocorre de forma cíclica
(Figura 3). Conforme apontam Sousa et al. (2014 p 12), tal modelo
corresponde a via de mão dupla, que promove comunicação e intera-
ção entre os sujeitos, o que culmina na transformação permanente do
receptor em transmissor e vice-versa, permitindo reajuste constante
do processo.
De acordo com a abordagem de Paiva (1998), pode-se refletir so-
bre a forma como se estabelece tal fluxo das informações Cooperativa-
-Produtores rurais, seja quanto ao processo de compra e venda das ma-
térias-primas realizadas na fabricação dos doces, seja na sensibilização
realizada pelo NUPES e pela Universidade. Essa interação compreende
a troca de informações culturais que se estabelece no contexto social
comunitário, onde todos participam:
306
A proposta da comunicação comunitária passa necessariamente
pela revisão do conceito de comunidade, bem como pela análise da
possibilidade de inserção dessa estrutura na atualidade. Cidadania
e solidariedade transformam-se em paradigmas que permitem ima-
ginar uma ordem com objetivos diferentes da premissa econômica
universalizante, esta mesma que pretende instaurar de maneira ge-
nérica a globalização. (PAIVA, 1998, p. 20).
307
Assim os atritos, quaisquer que sejam, poderão aparecer, pois con-
figuram prática comum do meio comunitário e ocorrem a partir das
relações do grupo. O mesmo autor afirma ainda, sobre os movimentos
pelo direito à diferença, que: “a luta pelos direitos individuais e sua alo-
cação resulta numa intensa construção comunitária” (BAUMAN, 2003,
p. 71). Assim, entende-se que essas relações proporcionam o crescimen-
to e o amadurecimento do grupo social e configuram relações necessá-
rias ao desenvolvimento do grupo como agricultores familiares, confor-
me aponta Gomes (2002).
Sobre a questão da utilização do uso dos veículos de comunicação
de massa para a organização do trabalho, as cooperadas informaram
que assistem a programas de televisão voltados ao trabalho no campo
e que ouvem notícias no rádio para saber dos acontecimentos do dia
a dia na cidade. Pode-se afirmar que umas das principais funções da
mídia, senão a principal, está em educar o cidadão a partir das notícias
e programas veiculados às massas. A mídia utilizada como ferramen-
ta educacional traz inúmeras possibilidades para o ser humano, entre
elas a oportunidade de reproduzir a ideia utilizada na organização de
trabalho em grupo, disseminando experiências particulares e múltiplas
formas de reprodução do conhecimento.
A capacidade de se comunicar, de selecionar e construir a própria
leitura do mundo, bem como a riqueza política, interesse e condições
estruturais que ofereçam oportunidades de desenvolvimento poderiam
ser elementos que contribuiriam para a busca da autonomia de vida.
Nesse contexto, a notícia jornalística comporia a memória sociopolítica
e cultural do indivíduo. Essa memória levaria cada pessoa a fazer dife-
rentes leituras de mundo a partir de experiências particulares (BATIS-
TA, 2007).
As cooperadas informaram que a certificação dos produtos gerou
outra expectativa ao grupo, a de confiança, e que, após a veiculação das
informações sobre a Cooperativa de doces na televisão, receberam re-
sultados positivos (Respondente E). Referente à publicidade da mídia
como forma de credibilidade, podemos citar ainda a veiculação de re-
308
portagens sobre o grupo de mulheres na TV Centro América e Bandei-
rantes: “trata-se de uma iniciativa incorporada por algumas emissoras
a partir dos anos 1990 no Brasil, dentro de um esforço de transmitir
conteúdos mais próximos às realidades de cada lugar e com cara de
‘utilidade pública’ e assim poderem mostrar certo compromisso social”
(PERUZZO, 2003, p. 12).
Conforme citaram as cooperadas, esta foi a forma de atrair mais
clientes e de divulgar a cooperativa, gerando credibilidade ao grupo.
Ainda neste sentido, sobre a grande mídia, acrescenta a autora que a
veiculação de reportagens locais é realizada dentro de estratégia comer-
cial, tendo por base a segmentação e o interesse pela fatia do “bolo”
publicitário.
Sendo as informações propósito atribuído aos dados de um even-
to, passam pela análise de quem as cria dentro da realidade do evento.
Dessa forma, a informação gerada está propensa à interpretação de seu
criador. Dentro das organizações ela flui, tendo diferentes impactos em
seus receptores, tanto com relação ao grau de importância e validade
quanto às perspectivas que possuem sobre os fatos a que a informação
se refere (DAVENPORT, 1998). Nesse sentido, observa-se que, no pro-
cesso de tomada de decisão, o grupo de mulheres valida as informações
que são repassadas por suas duas fontes principais, o Coordenador do
NUPES e a Coordenadora do Projeto da UNEMAT, tendo esses dois
como parceiros de importância significativa.
Dentro do sistema de obtenção, distribuição e uso das informações
e conhecimento, percebe-se que ainda não existe estrutura formal, po-
rém tanto as informações não estruturadas como notícias quanto ideias,
exemplos e práticas que são utilizados enriquecem os dados, como en-
fatizado por Mecgee e Prusak (1994). Ainda de acordo com os autores, a
gestão da informação só é eficiente quando a obtenção das informações
se dá de forma contínua, o que, na prática, é buscado pelo grupo apenas
em condições de necessidades.
Com relação à distribuição das informações, precisa ser formatada
e disseminada, considerando-se como melhor sistema aquele que en-
309
volve pessoas, computadores e documentos. Esse processo ainda não
está implantado na Cooperativa, mas é percebido pelo grupo como algo
fundamental, pois muitas informações se perdem quando não são devi-
damente armazenadas e compartilhadas por todos, deixando de viabili-
zar a aprendizagem. As informações na organização, sejam elas geradas
internamente ou não, precisam ser utilizadas e comunicadas de forma
estratégica, propiciando seu desenvolvimento e adequação às inovações
do segmento em que atuam.
A comunicação é utilizada também na certificação dos produtos,
e entrou em cena a partir do momento em que foi percebida como ne-
cessária, primeiramente pela Professora Coordenadora do Projeto da
UNEMAT, e, após, pelo grupo de mulheres. A certificação, como ins-
trumento para o gerenciamento e garantia do nível de qualidade dos
produtos, proporciona também meios mais eficientes de troca de infor-
mações entre o fabricante e o cliente, melhorando a confiabilidade das
relações comerciais. (MARSHALL JUNIOR et al., 2003).
Assim, percebe-se que a certificação é considerada pelas coopera-
das como ferramenta de redução de assimetria informacional, ao apre-
sentar os atributos intrínsecos dos produtos, proporcionando segurança
ao consumidor em relação ao consumo. Nesse mesmo contexto, o rótu-
lo também constitui elemento de comunicação, uma vez que o produto,
possuindo valor simbólico, estimula as sensações humanas, tendo fun-
ção de transferir todas as informações, sejam visuais ou verbais.
Considerações finais
Considera-se, a partir da investigação realizada, que o grupo en-
controu, na comunicação participativa, importante ferramenta de deba-
te para a resolução de problemas na Cooperativa. Também com relação
à comunicação com a Comunidade Vale do Sol II, há interação com os
produtores rurais locais por meio da compra dos produtos que vêm a
ser a matéria-prima para os doces. Essa aproximação traz fortalecimen-
to para o grupo, o que impulsiona a cooperativa ao crescimento.
310
Quanto à organização, enquanto gestão, pode-se inferir que o
grupo se encontra maduro para permanecer exercendo o seu trabalho
após o encerramento do processo de criação da cooperativa, pois tan-
to o Núcleo de Políticas em Economia Solidária quanto a Universidade
exerceram o papel de “incubação”, apoiando e orientando o grupo para
que este viesse a continuar exercendo suas atividades como empreendi-
mento solidário.
Ao longo do trabalho, foi identificada a importância de novas
abordagens sobre o tema com relação às discussões de gênero, no que
diz respeito à representatividade da mulher na produção dos doces e
sua participação formal na gestão do empreendimento. Observou-se
que as cooperadas buscam informações nos veículos de comunicação
de massa e que isso tem sido mais uma forma de compreender o traba-
lho realizado. Além disso, as viagens para feiras, reuniões e veiculação
de informações na mídia local estão abrindo possibilidades para que o
empreendimento tome maiores proporções.
Referências
AAKER, D. A; DAY, G. D. Pesquisa de marketing. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004.
ABRANTES, J. Associativismo e cooperativismo: como a união de pequenos empreen-
dedores pode gerar emprego e renda no Brasil. Rio de Janeiro: Interciência, 2004.
BARBERO, J. M. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de
Janeiro: UFRJ, 2002.
BATISTA, R. A. Mídia e educação: teorias do jornalismo em sala de aula. Brasília: The-
saurus, 2007.
BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2003.
BAVA, Silvio Caccia. Tecnologia social e desenvolvimento local. Tecnologia social:
uma estratégia para o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, 2004.
BORDENAVE, J. D. O que é participação? São Paulo: Brasiliense, 1983.
CANCLINI, N. G. Diferentes, desiguais e desconectados. Tradução Luiz Sérgio
Henriques. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.
CARDOSO, O. de O. Comunicação Empresarial versus Comunicação Organizacional:
novos desafios teóricos. RAP. Rio de Janeiro, n. 6, vol. 40. p.1123-44, nov./dez. 2006.
311
CASTELLS, M. O poder da identidade. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo:
Paz e Terra, 1999.
CASTELLS, M. Sociedade em rede. Tradução Roneide Venancio Majer. São Paulo: Paz
e Terra, 2009. Vol. 1.
CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativos, quantitativos e misto.
Tradução Magda Lopes; consultoria, supervisão e revisão técnica: Dirceu da Silva. 3 ed.
Porto alegre: Artmed, 2010.
DAVENPORT, T. H. Ecologia da informação: porque só a tecnologia não basta para o
sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 1998.
DUARTE, J; BARROS, A. (Orgs.). Métodos e técnicas de Pesquisa em Comunicação.
2. ed. 5. reimpr. São Paulo: Atlas, 2011.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
GOMES, R. A. As implicações do trabalho e da cultura na mobilidade da população dos
projetos de irrigação do sertão paraibano. In: ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASI-
LEIRA DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 13. , 2002, Ouro Preto, MG. Anais... Ouro
Preto, MG, 2002.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
KUNSCH, M. M. K. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada.
3 ed. São Paulo: Summus, 2003.
LUZ FILHO, F. Teoria e prática das sociedades cooperativas. 5. ed. Rio de Janeiro:
Pongetti, 1961.
MARSHALL JUNIOR, I; CÍCERO, A. A; ROCHA, A. V; MOTA, E. B. Gestão da quali-
dade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. Tradução e Introdução Flores-
tan Fernandes. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
MECGEE, J. ; PRUSAK, L. Gerenciamento estratégico da informação. Aumente a
competitividade e a eficiência de sua empresa utilizando a informação como uma ferra-
menta estratégica. Rio de Janeiro: Campus, 1994.
PAIVA, R. O espírito comum: comunidade, mídia e globalismo. Petrópolis, RJ: Vozes,
1998.
PERUZZO, C. M. K. Revisitando os conceitos de comunicação popular, alternativa e
comunitária. In: INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 29. , Brasília, 2006.
Anais... Brasília: UnB, 2006: Disponível em: <http://www.portcom.intercom.org.br/pd
fs/116338396152295824641433175392174965949.pdf> . Acesso em: 28 abr. 2015.
PERUZZO, C. M. K.; ALMEIDA, F. F. Comunicação para a cidadania. São Paulo; Sal-
vador: INTERCOM; UNEB, 2003.
312
RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. 14 reimpr. São Paulo:
Atlas, 2012.
SANTOS, B. de S. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São
Paulo: Boitempo, 2007.
SANTOS, I. E. dos. Manual de métodos e técnicas de pesquisa científica. 9. ed. Nite-
rói/RJ: Impetus, 2012.
SINGER, P. A. Recente ressurreição da Economia Solidária no Brasil. In: SANTOS, B. de
S (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005, 514 p.
SOUSA, D. N. de; AMODEO, N.B.P.; MACEDO, A. S.; MILAGRES, C.S.F. A comuni-
cação na articulação agroindustrial entre Uma Cooperativa Central, suas Cooperativas
Singulares e Cooperados. RESR, Piracicaba-SP, vol. 52, n. 03, p. 495-514, jul./set. 2014.
SCHWARTZMAN, S. As causas da pobreza. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004, 208 p.
TANGARÁ DA SERRA. Projeto Vale do Sol II; Projeto de Parcelamento de Imóvel
Rural; matrícula nº. 3341, 3342 e 3343 de RGI de Tangará da Serra, MT; 2006.
TANGARÁ DA SERRA. Ata. Assembleia Geral Extraordinária – 1ª Alteração Estatu-
tária. Transformação da Associação em Cooperativa. Sede Social da Aprovsol – Vale do
Sol II – Bezerro Vermelho, 04 ago. 2014a.
_______. EDITAL 002/2014. Convocação de Assembleia Geral Extraordinária. Jornal
Diário da Serra. Tangará da Serra. 30 jul. 2014b. Disponível em: <http://www.diarioda-
serra.inf.br/>. Acesso em: 27 abr. 2015.
TAVARES, R. S. de A. A importância da comunicação interna para o desenvolvimen-
to do comprometimento organizacional: um estudo de caso em empresa brasileira.
2005. 210 p. Dissertação (Mestrado em Administração) - Faculdade de Economia, Ad-
ministração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo.
TEIXEIRA, L. Incubadora de cooperativas aposta em economia solidária e cidadã. So-
ciedade, USP online Destaque. 2012. Disponível em: <http://www5.usp.br/13671/incu-
badora-economia-solidaria/>. Acesso em: 02 mai. 2015.
TURATO, E. R. Tratado de metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. Petrópolis:
Editora Vozes, 2003.
VON BRAUN, J. Agricultural Economics and Distributional Effects. Presidential Adress
25th Conference of the International Association of Agricultural Economists in Reshap-
ing Agriculture’s Contributions to Society.16-22 August. Durban, South Africa, 2003.
Anals.
YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução Ana Thorell; revisão
técnica Claudio Damacena. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.
ZART, L. L. Concepções Filosóficas e Organizacionais da Sócio-Economia Solidária. In:
SGUAREZI, S. B; BORGES, L. (Orgs.) Educação e socioeconomia solidária. Curitiba:
Editora CRV, 2011. (Série: Sociedade Solidária, 5).
313
314
Estudo Comparativo das Práticas
de Agroecologia no Assentamento
Roseli Nunes, Mirassol D’Oeste-MT,
e no Assentamento 72, Ladário-MS
Edgar Aparecido da Costa
Doutor em Geografia. Docente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Rozilene Cuyate
Mestre em Estudos Fronteiriços.
Introdução
Os assentamentos rurais brasileiros, em sua grande maioria, após
a emancipação e até mesmo depois de cinco anos de existência, vão dei-
xando de receber assistência técnica sistemática do governo. A exceção,
quase sempre, ocorre de forma espontânea por intermédio de técnicos
das secretarias/agências estaduais de produção rural que conseguem
aprovar projetos em chamadas públicas. Dessa forma, muitas iniciati-
vas começadas não terminam, causando estranhamento e desconfiança
dos camponeses quanto ao apoio à produção. Costa, Zarate e Macedo
(2012) apontaram que a carência de assistência técnica e a interrupção
das ações públicas são fatores que se repetem no campo e são poten-
ciais estimuladores do processo Territorialização-Desterritorialização-
Reterritorialização (T-D-R).
315
A ausência de apoio técnico das agências de assistência e extensão
rural tem sido minimizada pela presença, cada vez maior, de pesquisa-
dores das Instituições de Ensino Superior (IES), por meio de projetos
com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico (CNPq/MCTI). Nos anos mais recentes, esse órgão tem fei-
to importantes parcerias com outros ministérios, tais como Ministério
do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS), Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), entre outros, ampliando recursos para pesquisa e induzindo
ações de apoio à agricultura camponesa. Igualmente, algumas organiza-
ções não governamentais (ONGs) e religiosas também têm contribuído
com importantes esforços para resistência dessa agricultura.
Nesse contexto, este capítulo articula-se ao projeto de pesquisa
“Questão agrária e transformações socioterritoriais nas microrregiões
do Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT na última década censitária”,
da Rede Centro-Oeste de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação (Edital
MCT/CNPq/FNDCT/FAPs/MEC/CAPES/PRO-CENTRO-OESTE nº
31/2010). Seu objetivo é comparar as induções de desenvolvimento ter-
ritorial e de práticas agroecológicas em dois assentamentos rurais da
Reforma Agrária: o Assentamento Roseli Nunes, no município de Mi-
rassol D’Oeste, na região sudoeste do estado de Mato Grosso, com apoio
da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE),
sediada na cidade de Cáceres (MT); e o assentamento 72, no município
de Ladário, no oeste de Mato Grosso do Sul, com intervenções da Uni-
versidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Câmpus do Panta-
nal, e da Embrapa Pantanal.
A escolha desses assentamentos resultou de trabalhos em parceria
com alguns professores do curso de Geografia da Universidade do Es-
tado de Mato Grosso (UNEMAT/Cáceres-MT) e do interesse em com-
parar os resultados das intervenções na produção camponesa de insti-
tuições de finalidades diferentes. Dessa forma, os trabalhos de campo
com uso da técnica da entrevista foram decisivos para a organização das
informações e discussão desses resultados.
316
Partiu-se do entendimento do desenvolvimento territorial (por
natureza sustentável) pensado na escala de um assentamento rural, em
conformidade com o proposto por Costa, Zarate e Macedo (2012) como
expressão do processo de empoderamento da comunidade local, ma-
terializando formas que denotem a melhoria da qualidade de vida. Os
atores sociais locais são tornados protagonistas do seu futuro, plane-
jando sua produção individual e coletivamente, aproveitando as opor-
tunidades deixadas pelos agentes da produção do espaço (instituições,
empresas).
O desenvolvimento é visto como a potencialização das liberdades,
e o desenvolvimento da dimensão de liberdade (econômica, política,
social, cultural) potencializa as outras dimensões; a supressão de uma,
igualmente, prejudica as demais (SEN, 2000). Portanto, a abordagem
territorial relacional multidimensional Economia-Política-Cultura-Na-
tureza (E-P-C-N) de Saquet (2007; 2011) torna-se importante condutor
da apresentação dos resultados.
A agroecologia é tratada como alternativa de equilíbrio, buscando
atender de forma integrada a necessidade da humanidade de obter seu
alimento, por meio do cultivo da terra de forma sustentável, utilizando
ao máximo elementos e sabedorias locais e impactando minimamente
os sistemas naturais. Assim, pode ser considerada como ciência recen-
te, adotando estilos sustentáveis e novo caminho para dar suporte ao
desenvolvimento rural sustentável (CAPORAL; COSTABEBER, 2000).
Vale mencionar que a produção agroecológica não se utiliza de agrotó-
xicos ou insumos químicos, como fertilizantes e pesticidas. Assim, esse
sistema, além de apresentar fortes benefícios a quem produz e a quem
consome, contribui para a conservação ambiental, pois evita a poluição
do solo, a contaminação das águas do lençol freático e o aumento do
custo ambiental decorrente da destruição da biodiversidade local e en-
venenamento de espécies animais.
O trabalho foi organizado em três partes. Primeiramente, é apre-
sentada a formação dos assentamentos rurais analisados, com foco nos
processos políticos e sociais. Em seguida, demonstram-se as formas de
317
indução do desenvolvimento territorial conduzidas pelas instituições
em cada um deles. Por fim, os processos de comercialização, não per-
dendo de vista a perspectiva comparativa dos casos estudados.
318
ni, Silva e O’loiola (2013, p. 154) contabilizam “331 famílias, em sua
maioria, organizadas pelo MST, perfazendo o total de 1.200 pessoas em
11 mil hectares”.
Um dos pioneiros do assentamento relatou que, na década de
1970, havia um movimento apoiado pela Igreja Católica, notadamente
pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que incentivava a ocupação
e cultivo em terras devolutas. Fazia-se necessária, entretanto, a con-
quista do sindicato dos trabalhadores rurais, que era comandado por
pessoas ligadas aos fazendeiros e políticos da região que não apoia-
vam a luta pela terra. Assim, no início da década de 1990 nasceram
os sindicatos de Rio Branco (MT) e, posteriormente, com a ajuda da
Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), o sindicato de
Cáceres (MT).
O mesmo pioneiro narra que a ligação ao Movimento dos Traba-
lhadores Rurais Sem Terra (MST) foi decisiva para a formação do assen-
tamento e iniciou-se em seminários de debates com o Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) sobre áreas destinadas à
reforma agrária. Após a conquista da terra, iniciou-se outra parte com-
plicada: a permanência nela.
As práticas agroecológicas surgiram como alternativa para bara-
tear os custos de produção. Nascia, desse interesse, a união de algumas
famílias com a Associação Regional de Produtores Agroecológicos
(ARPA). Dassoller (2014) indica que a Arpa foi fundada em 1997 e atua
na porção sudoeste de Mato Grosso, com abrangência de 22 municípios,
inúmeros minifúndios e 63 assentamentos rurais. Portanto, as práticas
agroecológicas não acontecem em todo o assentamento Roseli Nunes,
mas apenas em algumas famílias – e estas formaram parte do objeto
desta análise comparativa.
O Assentamento 72 está localizado no município de Ladário, na
área planáltica da borda oeste do Pantanal, no estado de Mato Grosso do
Sul, a cerca de 20 km do limite internacional entre Brasil-Bolívia (figura
2). Foi criado em 1999 pelo INCRA, a partir da Fazenda Primavera, e
319
conta com área de 2.341,2996 ha, abrigando 85 unidades rurais familia-
res com tamanho médio de 18,5 ha. Fica a 5 km da cidade de Ladário e a
12 km do centro da cidade de Corumbá (COSTA; ZARATE; MACEDO,
2012).
Boa parte dos camponeses pioneiros do assentamento ficou acam-
pada durante quase dois anos até a partilha das 72 invernadas (daí o
nome 72) da fazenda Primavera. Estavam ligados à Federação dos Tra-
balhadores da Agricultura (Fetagri), por intermédio do Sindicato Rural
de Ladário.
320
Portanto, os assentamentos possuem formação distinta. Um nas-
ceu sob a filosofia de resistência do MST; o outro, do esforço do Sin-
dicato dos Trabalhadores Rurais. As práticas agroecológicas surgiram
desde o início, a partir de sua própria busca, para algumas famílias
do Roseli Nunes; enquanto no 72 aconteceram 10 anos depois de sua
origem a partir de indução externa. Em ambos, não é a totalidade dos
camponeses que praticam a agroecologia, mas apenas uma parte deles.
Não existe perenidade na participação do grupo de produtores agro-
ecológicos, variando conforme interesses pessoais dos próprios cam-
poneses.
321
dutores agroecológicos, em especial a ARPA. Os autores apontam para a
elevada rotatividade das famílias componentes da associação:
Iniciou com sete famílias e chegou a contar com mais de 180 filia-
dos. Contribuiu para essa evolução a influência exercida pelas ex-
periências de produção e comercialização bem sucedidas, particu-
larmente com as oportunidades geradas pelos mercados institucio-
nais, como o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
Familiar (PAA). Atualmente, 88 famílias são associadas, sendo 63
do Assentamento Roseli Nunes, 15 do Assentamento Florestan Fer-
nandes (Município de Quatro Marcos) e 10 do Assentamento São
Saturnino (município de Curvelândia). Com princípios e objetivos
claros, os sócios que não cumprem as orientações são afastados e,
eventualmente, readmitidos. Dessa forma, há oscilação no número
de famílias associadas. (OLIVEIRA; ASEVEDO, 2014, p. 23).
322
Agricultura Sustentável durante o curso de formação agroecológica.
A partir de então, uma vez associados, são obrigados a seguir os se-
guintes princípios agroecológicos: manejo do solo de forma ecológica,
recuperando-o; eliminação progressiva do uso dos venenos; diversifi-
cação da produção; valorização e utilização de sementes crioulas; uso
sustentável da água; conservação das matas; capacitação continuada
sobre produção de base agroecológica; difusão da agroecologia como
modo de produção; valorização do trabalho da mulher e dos jovens
rurais; construção da “própria infraestrutura de produção, transporte,
agroindustrialização e gerenciamento, garantindo a independência e a
justa divisão dos benefícios”.
Dassoller et al (2014) apontam que as mudanças são perceptíveis
na paisagem. As hortas foram retiradas das áreas próximas aos cursos
fluviais e as margens, recuperadas. Destacam-se os cultivos consorcia-
dos, com economia de espaço e melhor aproveitamento da água, o sis-
tema de pousio com aproveitamento nos canteiros da cobertura morta
e o controle das pragas com uso de caldas (compostos que combatem as
doenças e os animais indesejados).
Um dos camponeses entrevistados conta que as pragas são comba-
tidas por meio de caldas. Para cada tipo de praga existe uma calda es-
pecífica, mas a preocupação não é extinguir a praga, apenas controlá-la.
Elas precisam ser evitadas, espantadas e o agricultor encontra a forma
de conviver com elas, minimizando suas ações por meio das caldas. Ele
assegura que: “Para o pulgão, pega-se a folha de ninho, deixa ela secar
e bate no liquidificador com água. Para o tomate cereja usa-se a folha
da primavera e põe de molho por oito dias em cinco litro de água! Bota
também uma barra de sabão de coco para fixar a calda”.
A experiência com o assentamento 72 tem a mesma motivação do
Roseli Nunes: ajudar os camponeses a mudar sua postura e forma de
produção. Vale dizer que a situação deles era muito complicada: viviam
há 10 anos no assentamento, praticamente sem assistência técnica, so-
brevivendo da venda de porta em porta de 2 a 10 litros de leite por dia.
Em decorrência disso, emergiria a estigmatização dos camponeses do
323
72 pela população urbana: eram preguiçosos e só viviam às custas de
recursos públicos (informação oral de vários camponeses).
Neste caso, os indutores foram professores do Campus do Pantanal
da UFMS e pesquisadores da Embrapa Pantanal, portanto instituições
de ensino e pesquisa, respectivamente. A mola propulsora foram dois
projetos aprovados em editais do Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq): “Alternativas para o desen-
volvimento territorial rural do Assentamento 72, em Ladário-MS, na
região do Pantanal”, com financiamento pelo CNPq aprovado em de-
zembro de 2010, e “Sistemas agroecológicos na fronteira Brasil-Bolívia:
estudo comparativo das alternativas induzidas no Assentamento 72, em
Ladário-MS, com as práticas do assentamento Roseli Nunes, em Mi-
rassol D’Oeste-MT”, com recursos do MCT/CNPq e FUNDECT/MS.
Este último ligado à rede de Pesquisa Rede de estudos sociais, ambien-
tais e de tecnologias para o sistema produtivo na região sudoeste mato-
-grossense (ASA) e subprojeto do projeto de pesquisa “Questão agrária
e transformações socioterritoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e
Tangará da Serra/MT na última década censitária”.
Os projetos de pesquisa buscaram trabalhar, no Assentamento 72,
concepções de desenvolvimento local com base na agroecologia. Havia
o interesse dos camponeses na produção de hortaliças para abastecer
os mercados locais; mas não sabiam como plantar e não sabiam como
vender. Além disso, ainda existia agravante: os bolivianos fronteiriços já
vendiam verduras nas feiras de Ladário e Corumbá há décadas, com pre-
ços relativamente baixos em razão do baixo custo de produção. Assim, a
única forma de produção que se mostrava viável era a de base agroecoló-
gica. Neste caso, os pesquisadores estimularam o rompimento definitivo e
imediato da utilização de venenos. Vale dizer que isso foi muito fácil, pois
eles não tinham recursos para adquirir venenos. As sementes, sombrites,
bandejas de mudas, os substratos para experimentos e telas foram adqui-
ridos com recursos dos projetos e doados aos camponeses.
A proposta do desenvolvimento local busca trazer à tona “capaci-
dades, competências e habilidades [...] o aproveitamento dos potenciais
324
próprios [...], visando à processual busca de soluções para os problemas,
necessidades e aspirações, de toda ordem e natureza, que mais direta e co-
tidianamente lhe dizem respeito” (AVILA, 2000, p. 68). Como a comuni-
dade de camponeses estava adormecida, seu despertar precisava do apoio
de agentes territoriais externos. Instituiu-se a figura dos animadores ter-
ritoriais (os pesquisadores), discutida em Costa, Zarate e Macedo (2012)
como agente que apoia as ações territoriais, que ajuda nas articulações,
que elabora projetos, avalia e discute avanços e retrocessos.
Foram realizados experimentos em duas hortas-modelo nos lotes
03 e 39 e acompanhamento em vários outros (23, 35, 36, 37, 38, 46 e 47).
Ensinava-se a fazer caldas, utilizando pimentas, fumo, cravo e outros
produtos naturais. Também foram trabalhadas a construção de aduba-
ção verde e experimentação com a plantação de diversas hortaliças num
mesmo canteiro (figura 3), observando os consumos de água, de palha
e de adubação orgânica.
326
nome de uma família camponesa, mas que contava com a pro-
dução de um grupo de quatro famílias na comercialização);
d) mutirões para construção das hortas;
e) a venda nas feiras livres de Ladário, com várias ações cole-
tivas.
A feira livre de Ladário era palco de atuação dos bolivianos. Os
camponeses não conseguiam entrar, quer pela desconfiança que existia
sobre eles, quer pela baixa capacidade de persuasão que predominava
neles. Nesse cenário, os agentes indutores do desenvolvimento atuaram
decisivamente junto à prefeitura municipal, abrindo espaço na feira
para os camponeses.
A partir de 2015, cerca de 10 camponeses passaram a vender para
os programas governamentais, em especial para a composição da me-
renda escolar (PNAE). Foi necessária a provocação de duas matérias
televisivas pela TV Morena, afiliada da Rede Globo de Televisão, e a
colocação de banners nas feiras livres (figura 4), com a logomarca dos
parceiros, para que a sociedade urbana aceitasse os camponeses como
trabalhadores com honra.
327
Depois da reportagem televisiva e da colocação do banner com a
identificação do tipo de produção, as vendas melhoraram significati-
vamente. Um dos camponeses feirantes assim descreve: “Antes a gen-
te chegava e demorava muito para vender nossas verduras. As pesso-
as compravam dos bolivianos. Depois da reportagem, a gente chegava
às oito horas e às nove horas não tinha mais nada. Vendia tudo”. Essas
ações foram decisivas para elevar a autoestima dos camponeses.
A partir de então, aos poucos, começaram a vender, inclusive para
os bolivianos revenderem. Um dos camponeses simplifica essa condição
com os seguintes dizeres:
Tenho maxixe para vender na feira. Preparo a embalagem a qual
venderei por dois reais. Não preciso de mais – isso é suficiente para
pagar o meu trabalho, a minha produção. Os bolivianos pagam esse
preço, dividem a embalagem em duas e vendem. Não me importo
se ganham mais. Já consegui o preço que considero justo. Com isso
sobra mais tempo para mim e minha família.
Processos de comercialização
No assentamento Roseli Nunes, todo o sistema de comercialização
das verduras do grupo que trabalha com agroecologia é realizado pela
ARPA. É ela quem negocia onde será entregue a produção: o que será
328
vendido nas feiras livres, entregue nos supermercados, para a merenda
escolar e para a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). São
cerca de 20 escolas atendidas na região.
Para conseguir atender a demanda de encomendas, o núcleo local
da ARPA articula o quê e quando será plantado entre os camponeses.
Toda a distribuição dos produtos é controlada por anotações em forma
de planilha num caderno do presidente. Nelas consta o preço de cada
produto e o produtor/fornecedor. Todas as terças e quintas-feiras, quan-
do precisam entregar nas escolas e na Conab, abastecem o caminhão no
dia anterior e, por volta das três horas da manhã, começam a entrega. O
excedente de produtos é vendido a atravessadores, para não ocorrerem
perdas, apesar de o ganho ser menor.
O caminhão refrigerado foi a conquista da Associação. Dessa for-
ma, consegue-se garantir maior qualidade dos produtos. O presidente
informou que, durante o carregamento do caminhão, é anotado o peso
das hortaliças de cada camponês. Sempre colocam verduras a mais, pois
ocorrem perdas de peso durante o transporte. Quando o recurso da
venda dos produtos é passado para a Associação, o presidente distribui
em conformidade com a quantidade entregue por cada um.
Os camponeses do assentamento 72 são produtores individuais.
Existe a associação de produtores rurais, mas com outras finalidades,
sendo a luta pelo abastecimento de água a principal delas. A venda de
produtos nas feiras livres na cidade de Ladário às quartas-feiras e aos
sábados é a principal forma de comercialização. Também vendem para
os supermercados e para o 6º Distrito Naval da Marinha do Brasil. O
transporte ainda não é adequado, pois é feito com veículos particulares,
sem refrigeração.
Recentemente, começaram a entregar para a merenda escolar por
intermédio do PNAE. As entregas também são individuais, contudo,
quando um camponês não tem toda a produção necessária, ele “pega”
do vizinho, repassando o equivalente em dinheiro posteriormente ao
recebimento. Essa condição ocorre espontaneamente, não sendo orga-
329
nizada, articulada. Os camponeses ainda não conseguiram organizar
o calendário produtivo de modo a garantir oferta continuada de pro-
dutos.
Cuyate (2015) constatou, em sua pesquisa, que a população de
Ladário não possui a cultura de consumir produtos orgânicos/agroe-
cológicos. A preferência de compra se dá em razão dos preços. Nesse
sentido, historicamente a preferência recai nas hortaliças das bancas dos
bolivianos, com preços mais baixos. Logo, a estratégia é acompanhar
os preços praticados nas feiras. Nem sempre é possível praticar o preço
socialmente justo, conforme pensamento da agroecologia.
Comparativamente, percebe-se que os camponeses do assenta-
mento Roseli Nunes são mais organizados, tanto no sistema produtivo
quanto no de comercialização. Além disso, são certificados como pro-
dutores agroecológicos, enquanto os camponeses do assentamento 72
ainda estão em transição agroecológica. A certificação resulta em bônus
nas compras governamentais, como do PNAE.
Por outro lado, existe diferença significativa nos desdobramentos
sociais e políticos dos camponeses desses assentamentos rurais. No Ro-
seli Nunes, o grupo de produtores agroecológicos conseguiu eleger um
vereador para a Câmara Municipal de Mirassol D’Oeste (MT), enquan-
to no PA 72 permanecem as tentativas. É evidente que a população de
entorno é maior, no primeiro caso; contudo verifica-se, na prática, a
candidatura de mais de um indivíduo para vereador no 72, fato que ge-
rou divisão dos votos e consequente derrota coletiva.
Considerações finais
Pode-se perceber que as induções de desenvolvimento territorial e
de práticas agroecológicas no assentamento Roseli Nunes, com apoio da
FASE, e no assentamento 72, com apoio da UFMS e Embrapa Pantanal,
foram eficientes para ampliar e diversificar a produção e comercializa-
ção dos camponeses. As formas intervencionistas foram bastante seme-
lhantes; o diferencial está, fundamentalmente, na divulgação científica
330
dos resultados, pois a publicação dos resultados científicos faz parte da
prática dos pesquisadores. Além disso, a fronteira é, por si só, consi-
derável diferencial em razão das territorialidades, que frequentemente
extrapolam o limite internacional e tensionam os territórios locais, de
um lado e do outro.
Geograficamente, ambos assentamentos estão próximos ao limite
internacional com a Bolívia; entretanto o adensamento populacional do
lado boliviano é maior nessa porção do estado de Mato Grosso do Sul e
a construção das relações sociais é mais antiga, a ponto de os bolivianos
participarem diariamente das feiras livres de Corumbá e Ladário, ven-
dendo seus produtos.
Finalmente, entende-se que a participação de pesquisadores na
indução de alternativas de desenvolvimento sustentável para a agricul-
tura camponesa representa terreno bastante fértil. Para as instituições
de ensino superior, a investida nas pesquisas-ações resulta na expe-
rimentação dos discentes na aplicação prática dos conteúdos traba-
lhados em sala de aula. Para os docentes e camponeses, representa a
possibilidade de trocas entre os saberes da academia e os saberes po-
pulares, com ganhos inestimáveis para ambos os grupos. Além disso,
iniciativas de Editais articulados com outros ministérios, como esta
do CNPq, permitem a maximização dos recursos e dos resultados para
todos, ampliando a oferta de produtos para a área urbana nos padrões
da segurança alimentar.
Referências
ÁVILA, V. F. Pressupostos para formação educacional em desenvolvimento lo-
cal. Interações - Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Campo Grande,
v.1, n.1, p. 63-76, 2000.
CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentá-
vel. Perspectiva para uma nova extensão rural. Agroecologia e desenvolvimento rural
sustentável, n.1, v.1, p. 16-37, 2000.
COSTA, E. A.; ZARATE, S. S.; MACEDO, H. A. Principiar do desenvolvimento territo-
rial no assentamento rural 72, em Ladário-MS, Brasil. In. SAQUET, M.A.; DANSERO,
E.; CANDIOTTO, L.Z.P. [Orgs.]. Geografia da e para a cooperação ao desenvolvi-
331
mento territorial: experiências brasileiras e italianas. São Paulo: Outras Expressões, p.
125-145, 2012.
CUYATE, R. Fronteira e territorialidade dos camponeses do assentamento 72, La-
dário-MS. 2015. 81 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Fronteiriços) - Universidade
Federal de Mato Grosso de Sul, Câmpus do Pantanal, 2015.
DASSOLLER, T. F. et al. A experiência da ARPA na região sudoeste mato-grossense.
Cadernos de Agroecologia, v.9, n.4, p. 1-7, 2014.
SOUZA, D. D. L. Organizações não governamentais: um estudo de caso da Federação
de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE). 2005. 218 f. Tese. (Doutorado
em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Porto Alegre.
NEVES, S. M. A. S. et al. Dinâmica da cobertura vegetal e do uso da terra no assenta-
mento Roseli Nunes, Região Sudoeste de planejamento de Mato Grosso. Cadernos de
Agroecologia, v. 9, n. 4, p.1-12, 2014.
OLIVEIRA, S. S.; ASEVEDO, T. R. A. Do latifúndio ao assentamento: recriando a agri-
cultura camponesa no Mato Grosso. Agriculturas, v.11, n. 2, p. 21-24, 2014.
SAQUET, M. A. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão Popular,
2007.
SAQUET, M. A. Por uma geografia das territorialidades e das temporalidades: uma
concepção multidimensional voltada para a cooperação e para o desenvolvimento terri-
torial. São Paulo: Outras Expressões, 2011.
SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Cia. de Letras, 2000.
ZARATE, S. S.; SANTOS, D. S; COSTA, E. A. Limites e possibilidades do desenvolvi-
mento rural sustentável no assentamento rural 72, em Ladário-MS. Anais... XX Encon-
tro Nacional de Geografia Agrária, 2010, Francisco Beltrão-PR. XX ENGA. Encontro
Nacional de Geografia Agrária. Territorialidades, temporalidades e desenvolvimento
no espaço agrário brasileiro. Francisco Beltrão-PR: Unioeste/Geterr, v.1, p.1634-1653,
2010.
ZUCHINI, A. F. N.; SILVA, T. P.; O’LOIOLA, V. O ensino de Geografia na educação do
campo: reflexão a partir da Escola Estadual Madre Cristina em Mirassol D’Oeste/MT.
Revista GeoPantanal, Corumbá/MS, n.15, p. 145-161, 2013.
332